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PEDAGOGIA DA AUTONOMIA - Saberes Necessários à Prática Educativa (PAULO FREIRE) Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma- se e forma ao ser formado, em outras palavras, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quanto mais se exerce a capacidade de aprender criticamente, mais se constrói e desenvolve a curiosidade epistemológica. De certa forma, o ensino ‘bancário’ busca tornar o formado um sujeito passivo, desprovido de curiosidade e reprodutor do discurso ‘aprendido’ (de forma autoritária) pelo educador/formador. Por isso a crítica e a recusa a este tipo de ensino, que deforma a criatividade tanto do educando quanto do educador. Felizmente, uma das significativas vantagens dos seres humanos é a de terem se tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes. Assim, por causa do processo e da força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, os efeitos negativos do falso ensinar podem ser superados. Para isso, é necessário que o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se e de aventurar-se, o torna de certa forma "imunizado" contra o poder apassivador do "bancarismo". Isto não significa, porém, que seja

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PEDAGOGIA DA AUTONOMIA - Saberes Necessrios Prtica Educativa (PAULO FREIRE)

Ensinar no transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produo ou a sua construo. Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem formado forma-se e forma ao ser formado, em outras palavras, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.Quanto mais se exerce a capacidade de aprender criticamente, mais se constri e desenvolve a curiosidade epistemolgica. De certa forma, o ensino bancrio busca tornar o formado um sujeito passivo, desprovido de curiosidade e reprodutor do discurso aprendido (de forma autoritria) pelo educador/formador. Por isso a crtica e a recusa a este tipo de ensino, que deforma a criatividade tanto do educando quanto do educador. Felizmente, uma das significativas vantagens dos seres humanos a de terem se tornado capazes de ir mais alm de seus condicionantes. Assim, por causa do processo e da fora criadora do aprender de que fazem parte a comparao, a repetio, a constatao, a dvida rebelde, a curiosidade no facilmente satisfeita, os efeitos negativos do falso ensinar podem ser superados. Para isso, necessrio que o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se e de aventurar-se, o torna de certa forma "imunizado" contra o poder apassivador do "bancarismo". Isto no significa, porm, que seja indiferente ser um educador "bancrio" ou um educador "problematizador".Ensinar no se esgota ao transferir o contedo superficialmente, mas se alonga produo das condies em que aprender criticamente possvel, o que exige a presena de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. O educando deve entender que o educador j teve ou continua tendo experincia da produo de certos saberes e que estes no podem ser simplesmente transferidos. Pelo contrrio, a verdadeira aprendizagem implica na transformao dos educandos em reais sujeitos da construo e da reconstruo do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. impossvel ser um professor crtico se, mecanicamente memorizador, muito mais um repetidor de frases e de ideias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que l horas a fio, repete o lido com preciso mas raramente ensaia algo pessoal, ou seja, incapaz de perceber, quando realmente existe, qualquer relao entre o que leu e o que vem ocorrendo no pas, na sua cidade, no seu bairro. Fala bonito de dialtica mas pensa mecanicistamente. um educador que pensa errado. Percebe-se, assim, a importncia do papel do educador de no apenas ensinar os contedos mas tambm ensinar a pensar certo. Uma das condies necessrias a pensar certo no estarmos demasiado certos de nossas certezas. S quem pensa certo, mesmo que, s vezes, pense errado, quem pode ensinar a pensar certo. O professor que pensar certo deixa transparecer aos educandos que no momento em que intervimos no mundo, possvel conhec-lo. Para isso, fundamental compreender o conhecimento existente e saber que estamos abertos e aptos produo do conhecimento ainda no existente.Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiolgico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento j existente e o em que se trabalha a produo do conhecimento ainda no existente. A "dodiscncia" docncia-discncia e a pesquisa, indicotomizveis, so prticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiolgico.

No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Para ensinar necessrio continuar buscando e reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda no conheo e comunicar ou anunciar a novidade. Pensar certo, criticamente, implica tornar a curiosidade cada vez mais rigorosa, transformando a curiosidade ingnua em curiosidade epistemolgica. Nesse processo no h uma ruptura, mas uma superao, no momento em que a curiosidade ingnua se criticiza, ou seja, muda de qualidade mas no de essncia. A curiosidade como inquietao indagadora, como inclinao ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou no, como procura de esclarecimento, como sinal de ateno que sugere e alerta faz parte integrante do fenmeno vital. No haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos pe pacientemente impacientes diante do mundo que no fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. Assim, a curiosidade humana vem sendo histrica e socialmente construda e reconstruda. Precisamente por que a promoo da ingenuidade para a criticidade no se d automaticamente, uma das tarefas principais da prtica educativa-progressista exatamente o desenvolvimento da curiosidade crtica, insatisfeita, indcil.A curiosidade ingnua de que resulta um certo saber, a que caracteriza o senso comum. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessria superao quanto o respeito e o estmulo capacidade criadora do educando. Assim, o professor ou, mais amplamente, escola, tem o dever de no s respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, possuem (saberes socialmente construdos) mas tambm, discutir com os alunos a razo de ser de alguns desses saberes em relao com o ensino dos contedos. necessrio estabelecer uma aproximao entre os saberes curriculares fundamentais e a experincia social que eles tm como indivduos. Infelizmente, o educador reacionariamente pragmtico acredita que a escola no tem nada que ver com isso, pois no partido, devendo ela ensinar os contedos e transferi-los aos alunos que, ao aprender, operam por si mesmos.A necessria promoo da ingenuidade criticidade no pode ser feita a distncia de uma rigorosa formao tica, uma vez que a prtica educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decncia e de pureza. Mulheres e homens, seres histrico-sociais, so capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, e, por tudo isso, so seres ticos. No possvel pensar os seres humanos longe, sequer, da tica, quanto mais fora dela, o que uma transgresso. Por isso, transformar a experincia educativa em puro treinamento tcnico amesquinhar o que h de fundamentalmente humano no exerccio educativo: o seu carter formador. Por se respeitar a natureza humana, o ensino dos contedos no pode ser alheio formao moral do educando. Educar substantivamente formar.Pensar certo, demanda profundidade na compreenso e na interpretao dos fatos. Supe a disponibilidade reviso dos achados, reconhece no apenas a possibilidade de mudar de opo, mas o direito de faz-lo. Mas como no h pensar certo margem de princpios ticos, se mudar uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda assumir a mudana operada. Por ser radicalmente coerente, no possvel mudar e fazer de conta que no mudou. O professor que quer realmente ensinar a pensar certo deve ser exemplo. No h pensar certo fora de uma prtica testemunhal, de forma que, pensar certo fazer certo. O clima de quem pensa certo o de quem busca seriamente a segurana na argumentao, o de quem, discordando do seu oponente no tem por que contra ele nutrir uma raiva desmedida. prprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitao do novo que no pode ser negado ou do velho que, preservando sua validade, encarnando uma tradio ou marcando presena no tempo, continua novo. Tambm faz parte do pensar certo a rejeio de qualquer forma de discriminao. Pensar e fazer errado no tm nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. No tm nada que ver como bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas caminhadas at o ridculo e a insensatez. A grande tarefa do sujeito que pensa certo no transferir, depositar, oferecer, doar ao outro a capacidade de compreender bem as coisas, fatos e conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo desafiar o educando com quem se comunica a produzir sua compreenso do que vem sendo comunicado. O pensar certo por isso dialgico e no polmico.A prtica docente crtica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinmico, dialtico, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. fundamental que, na prtica da formao docente, o aprendiz de educador entenda que o pensar certo que supera o ingnuo no um presente e sim deve ser produzido pelo prprio aprendiz em comunho como professor formador. Por isso, na formao permanente dos professores, o momento fundamental o da reflexo crtica sobre a prtica. pensando criticamente a prtica de hoje ou de ontem que se pode melhorar a prxima prtica. Assim, ao assumir o tipo de pratica que exerce, mais capaz de mudar e de se promover do estado de curiosidade ingnua para o de curiosidade epistemolgica.Assumir que fumar ameaa a vida, no significa que o indivduo ir parar de fumar. Mas deixar de fumar passa, em algum sentido, pelo entendimento do risco que ele corre ao fumar. A cada nova informao, nova opo, pode haver ruptura, deciso e novos compromissos. Ao assumir o mal ou os males que o cigarro pode causar, ele passa a buscar um caminho de evitar esses males. na pratica de no fumar que se concretiza materialmente o efeito de assumir a responsabilidade sobre o risco que ele corre por fumar. Alm disso, passa a existir o elemento emocional, a partir do momento que ao conhecer o mal que o cigarro faz e assumir a responsabilidade sobre isso, ele passa a ter raiva do fumo e alegria de ter tido aquela raiva. A justa raiva tem um papel altamente formador.Uma das tarefas mais importantes da prtica educativo-crtica propiciar condies para que os educandos passem pela experincia profunda de assumir-se como ser social e histrico, pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. A questo da identidade cultural, de que fazem parte a dimenso individual e a de classe dos educandos cujo respeito absolutamente fundamental. A formao docente que se julgue superior a essas "intrigas" no faz outra coisa seno trabalhar em favor dos obstculos. preciso a solidariedade social e poltica e no o treinamento pragmtico e o elitismo autoritrio dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado. s vezes, um gesto aparentemente insignificante do professor pode valer como fora formadora ou como contribuio do educando por si mesmo. O que importa, na formao docente, no a repetio mecnica do gesto, mas a compreenso do valor dos sentimentos, das emoes, do desejo, da insegurana a ser superada pela segurana, do medo que, ao ser "educado", vai gerando a coragem. Para uma formao docente verdadeira imprescindvel, de um lado, o exerccio da criatividade que implica a promoo da curiosidade ingnua curiosidade epistemolgica, e do outro, o reconhecimento do valor das emoes, da sensibilidade, da afetividade, da intuio ou adivinhao. Conhecer no adivinhar. O importante no parar ao nvel das intuies, mas submet-las anlise metodicamente rigorosa da curiosidade epistemolgica.Pensar certo e saber que ensinar no transferir conhecimento fundamentalmente pensar certo uma postura exigente, difcil, s vezes penosa, que deve ser assumida diante dos outros e com os outros. difcil, entre outras coisas, pela vigilncia constante que deve ser exercida sobre si prprio para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerncias grosseiras. difcil porque, por mais que desagrade uma pessoa, no possvel menosprez-la com um discurso em que, cheio de si mesmo, decreto sua incompetncia absoluta, tratando o outro com desdm, do alto de uma falsa superioridade.Este saber necessrio ao professor que ensinar no transferir conhecimento no apenas precisa ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razoes de ser, mas tambm precisa ser constantemente testemunhado, vivido. Onde h vida, h inacabamento. Diferente dos animais, apenas os serem humanos so conscientes de seu inacabamento. Nesse sentido, h a linguagem, a cultura e a comunicao em nveis mais profundos e complexos. Capazes de intervir no mundo, capazes de grandes aes, mas capazes tambm de baixeza e de indignidade. S os seres que se tornam ticos podem romper com a tica. O bom de ser homem que a passagem pelo mundo no predeterminada. No h destino preestabelecido, mas algo que precisa ser feito com responsabilidade. O futuro no imutvel, por isso, deve ser problematizado e construdo. O ser humano no um ser determinado. condicionado, mas, consciente de seu inacabamento, sabe que pode ir alm do inacabado. Sua construo no feita no isolamento, mas sofre influncia do que herda geneticamente e do que herda social, cultural e historicamente. Sua presena no mundo no deve ser de adaptao, mas sim de insero, lutando para no ser apenas objeto, mas sujeito tambm. Apesar das condies materiais, econmicas, sociais e polticas, culturais e ideolgicas gerarem barreias de difcil superao, os obstculos no so eternos. A conscincia do mundo e a conscincia de si inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconcluso num permanente movimento de busca, permitindo a educao como processo permanente, ou seja, os seres humanos se tornam educveis na medida em que se reconhecem inacabados.O respeito autonomia e dignidade de cada um um imperativo tico e no um favor concedido ou no. A essa possibilidade de desvio tico d-se o nome de transgresso. O professor autoritrio que afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, que ironiza o aluno, que minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" transgride os princpios fundamentalmente ticos da existncia humana. A transgresso da eticidade jamais pode ser entendida como virtude, mas como ruptura com a decncia. Qualquer discriminao imoral e lutar contar ela um dever por mais que se reconhea a fora dos condicionamentos a enfrentar.A vigilncia do bom senso tem uma importncia enorme na autoavaliao da pratica que, a todo instante, deve ser feita. O exerccio do bom senso supera o que h de instintivo na avaliao dos fatos e dos acontecimentos. Se o bom senso no basta para orientar as decises, tem, indiscutivelmente importante papel na tomada de posio, a que no pode faltar tica. O bom senso suspeita que no possvel escola engajada na formao de educandos e educadores, estar alheia s condies sociais culturais, econmicas de seus alunos, de suas famlias, de seus vizinhos. O dever do professor de respeitar a dignidade do educando, sua autonomia, sua identidade, deve estar junto a uma prtica educativa em que aquele respeito se realize em lugar de ser negado, o que exige reflexo crtica permanente sobre a prtica. O ideal que os educandos possam participar da avaliao, uma vez que o trabalho do professor o trabalho do professor com os alunos e no do professor consigo mesmo. As qualidades ou virtudes indispensveis prtica so construdas no esforo para diminuir a distncia entre o que dito e o que feito, sendo esta j uma virtude indispensvel - a da coerncia. No possvel falar de respeito dignidade do educando ironizando-o, discriminando-o, inibindo-o com arrogncia. Tampouco possvel falar em respeito ao educando se o professor irresponsvel, no cumpre o seu dever, no se prepara ou se organiza para a sua prtica, no luta por seus direitos e no protesta contra as injustias. A prtica docente profundamente formadora, por isso, tica exigindo-se de seus agentes seriedade e retido. A responsabilidade do professor sempre to grande, que nenhum deles passa pelos alunos sem deixar sua marca.Os educandos brasileiros precisam saber que a luta em favor do respeito aos educadores e educao indica que a briga por salrios menos imorais um dever irrecusvel e no s um direito. A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prtica docente, enquanto prtica tica. O respeito de professor pessoa do educando, sua curiosidade, sua timidez exige o cultivo da humildade e da tolerncia. O educador deve aprender a conviver com os diferentes e a desenvolver a indispensvel amorosidade aos educandos com quem se compromete e ao prprio processo formador de que parte. A resposta ofensa educao a luta poltica, consciente, crtica e organizada contra os ofensores. A questo que se coloca, obviamente, no parar de lutar, mas reconhecendo-se que a luta uma categoria histrica, reinventar a forma tambm histrica de lutar.A capacidade de aprender, no apenas para adaptao mas sobretudo para transformar a realidade, intervindo, recriando-a, fala da educabilidade. A capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, implica a habilidade de aprender, tornando possvel reconstruir um mal aprendizado, em que o aprendiz foi puro paciente da transferncia do conhecimento feita pelo educador. Toda prtica educativa demanda a existncia de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina; envolve o uso de mtodos, de tcnicas, de materiais; implica, em funo de seu carter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Assim, a prtica educativa deve ser poltica, no pode ser neutra. Entender que, ao trabalhar com crianas, deve ter ateno difcil passagem da heteronomia para a autonomia. Ao trabalhar com jovens ou adultos, ateno com relao a que o trabalho de professor pode significar como estimulo ou no ruptura necessria de algo defeituosamente assentado e espera de superao. Primordialmente, a posio tem de ser a de respeito pessoa que queira mudar ou que recuse mudar. No possvel negar ou esconder a postura do professor mas no se pode desconhecer o direito do educando de rejeita-la.A esperana de que professor e alunos juntos podem aprender, ensinar, inquietar-se, produzir e juntos igualmente resistir aos obstculos sua alegria. A esperana faz parte da natureza humana, sendo um condimento indispensvel experincia histrica. Sem ela, no haveria Histria, mas puro determinismo. O ser humano um ser da esperana que, por "n" razes, se tornou desesperanado. Uma das brigas como seres humanos deve ser no sentido de diminuir as razes objetivas para a desesperana que os imobiliza. Parece uma enorme contradio que uma pessoa progressista, que no teme a novidade, que se sente mal com as injustias, que se ofende com as discriminaes, que se bate pela decncia, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cnico e imobilizante, no seja criticamente esperanosa. preciso entender o futuro como problema e no como inexorabilidade. o saber da Histria como possibilidade e no como determinao, em outras palavras, o mundo no , ele est sendo. O educando deve entender que seu papel no mundo no s o de quem constata o que ocorre mas tambm o de quem intervm como sujeito de ocorrncias. Constatando, ele se torna capaz de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de se adaptar a ela. A rebeldia ponto de partida indispensvel, deflagrao da justa ira, mas no suficiente. Precisa se alongar at uma posio mais radical e crtica, a revolucionria. a partir deste saber fundamental: mudar difcil mas possvel, que ser programada a ao poltico-pedaggica. De maneira alguma, nas relaes com grupos populares, pode-se desconsiderar seu saber de experincia feito. O educador no pode se converter ao saber ingnuo dos grupos populares, mas tambm no pode impor arrogantemente o seu saber como verdadeiro. O dilogo deve desafiar o grupo popular a pensar sua histria social revelando a necessidade de superar certos saberes que, desnudados, vo mostrando sua "incompetncia" para explicar os fatos. Faz parte do poder ideolgico dominante responsabilizar os dominados por sua situao. Da a culpa que sentem.A experincia formadora ser fortemente prejudicada quando o educador, entregue a procedimentos autoritrios ou paternalistas, atua impedindo ou dificultando o exerccio da curiosidade do educando e, em consequncia, a sua prpria. O professor deve saber que sem a curiosidade que o move, que o inquieta, que o insere na busca, no aprende nem ensina. A ideia estimular a pergunta, a reflexo crtica sobre a prpria pergunta, o que se pode pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade das explicaes discursivas do professor. A dialogicidade no nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expe ou fala do objeto. O fundamental que o professor e alunos saibam que a postura deles dialgica, aberta, curiosa, indagadora e no apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. O bom professor o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno at a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula um desafio e no uma "cantiga de ninar". Seus alunos cansam, no dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dvidas, suas incertezas. O exerccio da curiosidade convoca a imaginao, a intuio, as emoes, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilizao do objeto ou do achado de sua razo de ser. importante no pensar apenas sobre os contedos programticos que vem sendo expostos ou discutidos pelos professores das diferentes disciplinas mas, ao mesmo tempo, a maneira mais aberta, dialgica, ou mais fechada, autoritria, com que este ou aquele professor ensina.Nenhuma autoridade docente se exerce ausente de competncia profissional. O professor que no leva a srio sua formao, que no estuda, que no se esfora para estar altura de sua tarefa no tem fora moral para coordenar as atividades de sua classe. Dessa forma, a incompetncia profissional desqualifica a autoridade do professor. Outra qualidade indispensvel autoridade em suas relaes com a liberdade a generosidade. A arrogncia que nega a generosidade nega tambm a humildade. O clima de respeito que nasce em relaes justas, srias, humildes e generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o carter formador do espao pedaggico. A autoridade docente mandonista, rgida, no recebe nenhuma criatividade do educando. A disciplina verdadeira no existe na estagnao, no silncio dos silenciados, mas no alvoroo dos inquietos, na dvida que instiga, na esperana que desperta. O educando que exercita sua liberdade ficar to mais livre quanto mais eticamente v assumindo a responsabilidade de suas aes.A liberdade sem limite to negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada. O grande problema que se coloca ao educador como trabalhar no sentido de fazer possvel que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade. A desconsiderao total pela formao integral do ser humano e a sua reduo a puro treino fortalecem a maneira autoritria de falar de cima para baixo. No fundo, o essencial nas relaes entre o educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais e filhos a reinveno do ser humano no aprendizado de sua autonomia. impossvel desunir o ensino dos contedos da formao tica dos educandos. De separar prtica de teoria, autoridade de liberdade, ignorncia de saber, respeito ao professor de respeito aos alunos, ensinar de aprender. Uma das caractersticas da atividade do magistrio ser impossvel exerce-la como se nada ocorresse com o educador. O professor no pode se por diante dos alunos sem revelar com facilidade ou relutncia sua maneira de ser, de pensar politicamente. A maneira como os alunos o veem tem importncia capital. Uma das preocupaes centrais do professor deve ser a de procurar a aproximao cada vez maior entre o que diz e o que faz, entre o que parece ser e o que realmente est sendo. Deve aprender a compreender a significao de um silncio, ou de um sorriso ou de uma retirada da sala, ou mesmo o tom menos corts com que foi feita uma pergunta.O professor deve perceber que sua pratica no pode ser neutra, exigindo dele uma definio, uma tomada de posio, que escolha entre isto e aquilo. Tambm no pode ser a favor de quem quer que seja nem tampouco a favor simplesmente do homem ou da humanidade. Deve ser professor a favor da decncia contra o despudor, da liberdade contra o autoritarismo, da democracia contra a ditadura. A favor da luta constante contra qualquer forma de discriminao, contra a dominao econmica dos indivduos ou das classes sociais. Professor a favor da esperana que anima apesar de tudo. No professor aquele que, cheio de si mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos e no cansa de se admirar. Assim como no professor sem ser capacitado para ensinar certo e bem os contedos de sua disciplina. To importante quanto o ensino dos contedos o seu testemunho tico ao ensina-los. a preparao cientfica revelada sem arrogncia, pelo contrrio, com humildade. To importante quanto o ensino dos contedos a coerncia entre o que diz, escreve e faz. Quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda. intolervel o direito que se d a si mesmo o educador autoritrio de comportar-se como proprietrio da verdade. Sua fala, por isso mesmo, se d num espao silenciado e no num espao com ou sem silncio. Ao contrrio, o espao do educador que aprende a falar escutando, cortado pelo silncio intermitente de quem, falando, cala para escutar a quem, silencioso, e no silenciado, fala. Na verdade, o papel do professor, ao ensinar o contedo a ou b, no apenas o de se esforar para, com clareza mxima, descrever a substantividade do contedo para que o aluno o fixe. Mas, ao falar com clareza sobre o objeto, iniciar o aluno a fim de que ele, com os materiais oferecidos, produza a compreenso do objeto em lugar de recebe-lo, na integra.Escuta obviamente algo que vai alm da possibilidade auditiva. Significa que o sujeito que escuta est disponvel permanentemente para a fala do outro, ao gesto do outro, as diferenas do outro. No quer dizer que quem ouve deve se reduzir ao que o outro fala, mas que tem o direito de discordar, de se opor, de se posicionar, sem jamais ser autoritrio. Se algum se sente superior ao diferente, no importa quem seja, se recusa escutar. Se a estrutura de seu pensamento a nica certa, irrepreensvel, no possvel escutar quem pensa e elabora um discurso diferente. A falta de humildade, expressa na arrogncia e na falsa superioridade de uma pessoa sobre a outra, de uma raa sobre a outra, de um gnero sobre outro, de uma classe ou de uma cultura sobre a outra, uma transgresso da vocao humana do ser mais. No fundo, a ideologia tem um poder de persuaso indiscutvel. O discurso ideolgico ameaa anestesiar a mente, confundir as coisas, os acontecimentos. no respeito s diferenas e na coerncia que h o encontro.O melhor professor no ser aquele mais severo, mais frio, mais distante e "cinzento" nas relaes com os alunos. A experincia pedaggica capaz de despertar, estimular e desenvolver o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prtica educativa perde o sentido, o que s vezes chamado de vocao. O que no pode ser permitido que a afetividade interfira no cumprimento tico do dever de professor no exerccio da autoridade. No se pode condicionar a avaliao do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele.A prtica educativa tudo isso: afetividade, alegria, capacidade cientfica, domnio tcnico a servio da mudana ou, lamentavelmente, da permanncia do hoje. Como prtica estritamente a educao jamais poder ser entendida como uma experincia fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoes, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espcie de ditadura.

EDUCAO: DA FORMAO HUMANA CONSTRUO DO SUJEITO TICO (NEIDSON RODRIGUES)Preparar os indivduos para a vida social. Essa a crena que tem sido assumida e reforada em diversos discursos sobre a educao. H ainda um outro discurso paralelo e a ele correspondente: o de formar os indivduos para o exerccio da Cidadania. Acredita-se que a Educao o caminho necessrio para a formao do sujeito-cidado. Por decorrncia, a questo da cidadania se torna uma questo a ser considerada com primazia. Ao redor das relaes prticas da educao e a sua necessidade vida poltica e social, individual e coletiva justifica-se o discurso a respeito do que se considera fim supremo da Educao escolar no mundo moderno: a preparao dos indivduos para o exerccio da cidadania.Portanto, cidadania um atributo aplicado ao cidado legitimada na ao educativa. A educao cumpre esse papel ao dotar os educandos dos instrumentos que lhes so necessrios e pertinentes, como organizao e distribuio de conhecimentos e habilidades disponveis num certo momento histrico, preparao para o trabalho, acesso ao desenvolvimento tecnolgico, participao crtica na vida poltica.Na historia clssica, os gregos tinham a idia de plis como comunidade constituda por indivduos livres, autnomos, habitantes de um determinado espao geogrfico e social. Dessa forma, s poderia ser cidado o indivduo livre para expressar e exercer a sua vontade no espao pblico e assumir as responsabilidades decorrentes dessa vontade. Mulheres, crianas, escravos, estrangeiros e habitantes pobres da plis no eram reconhecidos como cidados.A cidadania, portanto, se constri nos fundamentos da liberdade, da autonomia e da responsabilidade e, portanto, para a tica. Aps a Revoluo Francesa, estende-se progressivamente o reconhecimento de cidadania a um universo cada vez mais amplo da populao, desde que preenchesse a condio constitutiva: a da liberdade e da autonomia. Assim, o cidado livre porque est certo de que sua vontade no ser impedida de ser proclamada por injunes que lhes so externas.Tendo em vista que as condies da cidadania so construdas, a Educao ganha papel central nesse processo. O exerccio de cidadania compreende duas aes interdependentes: a primeira refere-se participao lcida dos indivduos em todos os aspectos da organizao e da conduo da vida privada e coletiva; e a segunda, capacidade que estes indivduos adquirem para operar escolhas. Os cidados, munidos dos instrumentos da cidadania, tornam-se construtores de formas organizativas e de ao na vida pblica. Essa forma de organizao social e de ao poltica denomina-se Democracia. A Democracia o modo como seres humanos autnomos, livres e responsveis articulam as diversas vontades e capacidades individuais e coletivas para construir um modo de viver que lhes permita o mais alto grau possvel de exerccio de sua liberdade, em um espao pblico. Este espao pblico, na sua forma moderna de organizao, pode se identificar como Estado. Se a prtica da democracia no alcanou ainda uma relao perfeita de equilbrio entre as vontades e as possibilidades, ela a nica forma de organizao poltica que encaminha os conflitos de vontades para processos de superao e de negociao independentes do recurso violncia.Da hiptese de que a Educao deve preparar os indivduos para o exerccio da cidadania, pode se extrair 3 corolrios (afirmao deduzida de uma verdade j demonstrada):1) Devem ser tomados por cidados, ou esto aptos a exercerem a cidadania, todos aqueles que se encontram integrados vida social; 2) Para que essa integrao ocorra, os indivduos precisam ser portadores de habilidades para o exerccio de uma funo til e reconhecida como legtima para si prprio, para sua famlia e para a comunidade. 3) Devem ser considerados no-cidados todos aqueles que se encontram afastados ou desalojados dessas condies bsicas do exerccio da cidadania. A esses so atribudos os conceitos de marginais ou no integrados.Chega-se, portanto, concluso que a Educao o meio atravs do qual ocorre a preparao e a integrao plena dos indivduos para serem sujeitos na vida pblica.O Homem no se define como tal ao nascer, pois nasce apenas como criatura biolgica que carece se transformar. A Educao necessria para que o Ser Homem seja constitudo. O ato de formar o ser humano se d em dois planos distintos e complementares: um de fora para dentro e outro, de dentro para fora.Kant reafirma que o homem no pode se tornar homem seno pela educao. O ser humano precisa ser educado por uma ao que lhe externa, a medida que no se deve esperar que o ser humano seja fruto de um processo de auto-criao. A Educao um ato intencional imposto de fora sobre uma criatura que deve ser formada como ser humano. Sendo um ato intencional e externo, ele desempenhado primeiramente pelos que antecedem na vida social os que esto sendo formados. Nesse sentido, Kant igualmente assegura que a gerao mais velha deveria educar a gerao mais nova. Porem, o processo educativo no se reduz a essa formao externa. Ela necessria, mas no suficiente.Educar no somente isso. Compreende tambem acionar os meios intelectuais de cada educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades fsicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua prpria formao. A Educao possibilita a cada indivduo que adquira a capacidade de auto-conduzir o seu prprio processo formativo.O que se requer do educador que promova nos educandos a sua capacidade de observao, de anlise, de julgamento e de adeso. Como a sua vida no est delimitada pelo mundo natural, mas pela variedade do mundo cultural, carece de conhecer e dominar as formas do mundo cultural, admirvel e complexo. Assim, h uma dependncia da gerao mais velha que j viveu um nvel de experincia da vida social e deve se sentir melhor preparada para repassar saberes teis. Compreender que a Ao Educativa, enquanto Ao Formativa, uma atividade extremamente complexa e de alta responsabilidade. Deve ser conduzido por pessoas qualificadas para exercer a funo de Educar. Nenhum indivduo isoladamente, por melhor preparo que tenha, ser capaz de oferecer a outro a plenitude da formao de que ele necessita, bem como nenhuma instituio, ainda que seja definida como educativa, poder dar conta desse papel. Essa tarefa de responsabilidade social.Sem a linguagem no h o mundo cultural, sendo atravs dela que esse mundo construdo. O mundo para os homens absolutamente diferente do que para qualquer outro ser vivo. O homem se coloca como ser autnomo frente ao mundo. Pela linguagem lhe assegurada a plena posse da liberdade. Enquanto os animais vivem no mundo, o mundo pertence ao homem como fruto de sua produo. Existem trs aspectos que cobrem o processo formativo da ao educacional:1) Construo simblica da realidade, isto , a aquisio da linguagem, sem a qual no h mundo humano.Desde o incio, os adultos tendem a fazer com que as crianas modifiquem as formas de expresso de suas vivncias naturais em um gesto simblico inteligvel a ele. Os adultos podero estimular as que produzem satisfao e evitar ou minorar as que difundem desconforto ou aborrecimento. 2) Disciplinao da vontade e aquisio de conhecimentos e habilidades para atuar na reproduo das condies prprias de existncia e de participao enquanto membro da sociedade.O ser humano deve no apenas sentir o mundo, mas estabelecer correlaes, valores, antever experincias, avaliar, fixar, repetir ou evitar o que se considera positivo ou negativo (bom e mau, bonito, feio, agradvel, desagradvel). Como esse ser dotado de vontade infinita, mas de possibilidade finita, h de disciplinar essa vontade para que ela possa ser ajustada realidade em que se est colocado. 3) Formao do sujeito tico. S pode ocorrer pela aquisio do mais alto grau de conscincia de responsabilidade social de cada ser humano. O ser humano dever ser formado para a ao cooperativa, para a solidariedade, para a aceitao do outro, para a noo de limites e para construir a noo de dever. H a formao e desenvolvimento dos princpios da tica e da Moral, necessrios a todos os homens. Somente neste plano pode-se considerar completa a tarefa do que se diz por Educao.Educar integralmente quer dizer formar o ser humano nos trs planos assinalados. O Homem educado aquele que atingiu a sua maioridade, que se emancipou de todos os que foram os condutores dos seus primeiros passos. E, ao se emancipar, torna-se o condutor do prprio processo de reformao, de auto-desenvolvimento. Essa a diretriz bsica da educao: educa-se para a emancipao, para a autonomia. O sujeito se torna um sujeito social autnomo quando capaz de estabelecer relaes de equilbrio racional entre suas emoes e paixes. Igualmente, ao se tornar capaz para assumir a responsabilidade pelo prprio corpo e as relaes equilibradas com o mundo natural. E, acima de tudo, quando determinar e escolher livremente os meios e os objetivos de seu crescimento intelectual e as formas de insero no mundo social. O sujeito social autnomo aquele que circula e atua no conjunto da vida social de forma independente e participativa, sendo capaz de estabelecer juzos de valor e assumir responsabilidades pelas escolhas. Isaiah Berlin, em Limites da utopia, diz que no h nenhuma grande tragdia na histria da humanidade que no tenha sido implementada em nome de um princpio considerado verdadeiro. Alm disso, todas elas so resultado de aes implementadas por indivduos ou grupos humanos dotados dos conhecimentos e dos recursos tecnolgicos mais avanados poca. Desse modo, o domnio de conhecimentos e de habilidades no garante o desenvolvimento humanitrio nos educandos, porque no promove, por si mesmo, a formao tica do ser humano. A formao humana s estar completa se acompanhada do desenvolvimento de princpios de conduta que possam ser reconhecidos como de validade universal.Quem o educador-formador desse sujeito humano? Inicialmente, era tarefa da famlia. Tambem j foi um papel desempenhado pelas comunidades, pois constituam um corpo educativo formado, principalmente, pelos mais idosos, que preservavam os princpios a serem seguidos por todos os membros da vida comunitria. A religio tambm j desempenhou um poder educativo em relao a uma srie de valores invocados pelas comunidades. E, por ltimo, as instituies sociais, como o Estado e seus aparelhos, a justia, os partidos polticos, as organizaes da sociedade civil e, do ponto de vista dos conhecimentos e habilidades, as instituies educacionais.As famlias tm perdido sua hegemonia educativa, na medida em que desestruturam as relaes tradicionais entre seus membros. A Igreja deixou de representar uma instituio unitria e hegemnica, capaz de dar direo moral s novas geraes. E as comunidades desapareceram nas formas novas de organizao da vida coletiva nos tempos modernos. As cidades, por sua vez, se transformaram em simples aglomeraes populacionais e no so formas de organizao humanitria da vida coletiva.A nica instituio que ainda mantm uma presena universal a instituio escolar. Curiosamente, ainda a nica instituio para a qual se dirigem e so dirigidas todas as novas geraes, desde seu nascimento. Cada vez mais a Escola exercer ou poder exercer um papel que a ela jamais foi atribudo em tempos passados: o de ser a instituio formadora dos seres humanos. Como a Educao Escolar sempre teve por caracterstica central lidar com questes do conhecimento e da formao de habilidades, a concepo de formao foi reduzida ao plano dos domnios dos conhecimentos.As crianas sero enviadas para a Escola cada vez mais cedo e nela permanecero por um tempo mais extenso. E isso no ser porque h um mundo novo de informaes a ser processado e, sim, porque a Escola dever exercer o tradicional papel das famlias, das comunidades, da Igreja, e ainda, o que lhe era prprio: desenvolver conhecimentos e habilidades. Ela dever se ocupar com a formao integral do ser humano e ter como misso suprema a formao do sujeito tico.