pbh. proposições curriculares ensino de historia 3o ciclo

85
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROPOSIÇÕES CURRICULARES ENSINO FUNDAMENTAL HISTÓRIA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELO HORIZONTE BELO HORIZONTE

Upload: anderson-silva

Post on 06-Nov-2015

110 views

Category:

Documents


12 download

DESCRIPTION

diretrizes para o ensino de história na rede municipal de BH.

TRANSCRIPT

  • SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAO

    DESAFIOS DA FORMAO

    PROPOSIES CURRICULARES ENSINO FUNDAMENTAL

    HISTRIA REDE MUNICIPAL DE EDUCAO DE BELO HORIZONTE

    BELO HORIZONTE

  • FICHA TCNICA PREFEITO DE BELO HORIZONTE MARCIO ARAUJO DE LACERDA

    SECRETRIO MUNICIPAL DE EDUCAO AFONSO CELSO RENAN BARBOSA

    GERNCIA DE COORDENAO DA POLTICA PEDAGGICA E DE FORMAO DAGM BRANDO SILVA

    GERNCIA DE EDUCAO BSICA E INCLUSO ADRIANA MOTA IVO MARTINS

    REVISO ELIZETE MUNHOZ RIBEIRO

    IMPRESSO RONA

    EDIO E DISTRIBUIO SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAO Rua Carangola, 288/7 Andar Bairro Santo Antnio

    Belo Horizonte/Minas Gerais Brasil

    e-mail: [email protected]

    As Proposies Curriculares para a Rede Municipal de Educao de Belo Horizonte (RME-BH)

    foram elaboradas de forma coletiva, entre os anos de 2007 e 2008, com a participao dos

    professores da RME-BH, de assessores e consultores. Em 2010, foi realizada a primeira

    publicao impressa. Em 2012, diante da demanda de nova tiragem para atender aos novos

    profissionais que ingressaram na RME-BH, foi feita a reimpresso, em que se adotaram as

    regras do Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    1 edio: 2010 Reimpresso: 2012

    permitida a reproduo parcial ou total desta publicao, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer outro fim comercial.

  • SUMRIO

    Proposio Curricular para o Ensino Fundamental da RME- BH de Histria 1 Ciclo ..... 5

    Proposio Curricular para o Ensino Fundamental da RME-BH de Histria 2 Ciclo .... 20

    Proposio Curricular para o Ensino Fundamental da RME-BH de Histria 3 Ciclo .... 47

  • 5

    PROPOSIO CURRICULAR PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DA RME- BH DE HISTRIA 1 CICLO

    ENSINO-APRENDIZAGEM DA HISTRIA NOS PRIMEIROS CICLOS DE IDADE DE FORMAO: UM COMEO DE CONVERSA

    As histrias fazem parte da rotina de quase todas as crianas: ouvir histrias, contar histrias,

    dramatizar histrias... No contexto escolar, elas comparecem em diversas situaes, o que

    expressa a importncia dessa prtica cultural para o desenvolvimento cognitivo e afetivo das

    crianas.

    No entanto, apesar de um mesmo nome, as histrias contadas em rodas de conversa, as histrias

    que encantam e suscitam a imaginao e a fantasia, se diferem bastante da Histria como uma

    disciplina escolar. Esta ltima requer das crianas um distanciamento de seu mundo de fadas e

    sonhos, para um nem sempre convidativo adentramento no mundo da realidade. Afinal, a

    Histria, disciplina, trata do mundo dos humanos, por meio dos tempos, em suas relaes

    familiares, de trabalho, lazer, religiosidade, celebraes, em suas conquistas e conflitos, em seu

    fazer cotidiano.

    A disciplina Histria trata da vida, em todas as suas dimenses, da vida das pessoas que vivem

    no presente e que viveram em outras pocas, que vivem perto de ns ou em lugares distantes,

    que partilham as mesmas referncias culturais ou que pertencem a outras culturas. No existe

    Histria sem seres humanos e no existe nenhum grupo humano que no tenha Histria.

    Por isso, ela to importante e, por isso tambm, deveria fazer parte de todo o processo de

    escolarizao, desde a entrada das crianas neste universo particular que a escola. No entanto,

    alguns professores pensam que ensinar Histria para crianas operao difcil e mesmo

    impossvel. Pensam que o conhecimento da Histria tarefa para pessoas j amadurecidas,

    capazes de fazer abstraes mais complexas e de memorizar datas, fatos e processos histricos,

    refletindo e debatendo assuntos muito polmicos.

    Alguns professores e especialistas defendem a supresso do ensino da Histria dos primeiros

    anos de escolarizao, e alguns deles esto ainda profundamente apegados ideia de que a

    aprendizagem histrica ocorre fundamentalmente por meio da leitura de textos verbais de difcil

    compreenso e que demandam reflexes polmicas que consideram desaconselhveis.

  • 6

    Ns sabemos o quanto a Histria muda e reavaliada: os noticirios de televiso e os jornais

    impressos j nos trazem verses diferentes para fatos histricos que muitos de ns

    considervamos verdadeiros ou definitivos. O campo da Histria e o prprio ensino da Histria

    esto em constante reconfigurao. Isso tambm contribui para que alguns professores sintam-se

    perdidos e confusos: Como escolher conhecimentos disciplinares para desenvolver com os

    educandos? Como pensar substancialmente num ensino de Histria com esses educandos,

    levando-se em conta as diferentes verses da Histria e o fato de que o conhecimento histrico

    tradicionalmente ensinado na escola parece distante, abstrato e muito complexo? Como

    selecionar conhecimentos disciplinares? Como dialogar com os livros didticos em circulao?

    Compreendendo que o trabalho docente nos primeiros ciclos requer, com grande nfase, uma

    ao interdisciplinar, e que os professores tm, em geral, uma formao generalista, podemos

    pensar em alternativas de trabalho que, longe de exigirem um conhecimento amplo de contedos

    consagrados da Histria, requerem muito mais uma postura investigativa e aberta a novas

    descobertas.

    Ensinar e aprender Histria nos primeiros ciclos de aprendizagem deve ser, antes de tudo, aceitar

    o desafio de buscar a historicidade presente em aspectos diversos da vida cotidiana, procurando

    desvendar marcas do passado que permanecem nos objetos, nas relaes, instituies e

    instncias diversas da vida. E, ainda, olhar para o passado a partir de perguntas que so

    instauradas pelo presente, em dilogo com as experincias dos sujeitos envolvidos no processo

    ensino-aprendizagem: professores e educandos.

    Queremos, pois, convidar voc, professor, a aceitar esse desafio. A olhar para o conhecimento

    histrico em sala de aula no como um contedo a mais, algo difcil e abstrato, que pode ser

    dispensado em benefcio do que se concebe como mais relevante para a alfabetizao.

    Diferentemente, convidamos voc a pensar no ensino de Histria como um aliado no

    desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita e, acima de tudo, como um estudo que

    pode ser significativo, envolvente, instigante e capaz de proporcionar bons momentos de

    descobertas e aprendizados.

    ENSINAR HISTRIA PARA CRIANAS E PR-ADOLESCENTES: DESAFIOS E QUESTES FUNDAMENTAIS

    Sabemos que uma das questes mais inquietantes diz respeito dificuldade de seleo criteriosa,

    ao desenvolvimento e avaliao de conhecimentos disciplinares que os prprios professores dos

    primeiros ciclos desconhecem. Contudo, chamamos a ateno para o fato de que para ensinar

    Histria no necessrio somente, ou meramente, o conhecimento de contedos histricos.

    fundamental que sejam feitas algumas reflexes sobre o significado da Histria para quem

  • 7

    aprende, sobre a relevncia da aprendizagem histrica para a experincia de quem a ensina e a

    aprende e, tambm, sobre o lugar da Histria no projeto de formao que a escola prev para

    cada ciclo.

    At mesmo o movimento de seleo de alguns conhecimentos histricos a serem desenvolvidos

    em classe implica um tipo de concepo de ensino de Histria que, se no est explcito, faz

    parte, sabemos, das opes que os professores fazem no seu cotidiano e que configuram o que

    chamamos de currculo oculto. Embora ensinar Histria no seja meramente narrar

    acontecimentos histricos ou favorecer simplesmente a sua memorizao, a Histria no se

    ensina sem os seus conhecimentos especficos. Mas o que muda, fundamentalmente, o sentido

    previsto para a aprendizagem histrica, suas finalidades e suas intencionalidades.

    A aprendizagem histrica requer a compreenso de alguns conhecimentos especficos da

    disciplina (pelo menos do que convencionalmente se chama de contedo da Histria), mas requer

    principalmente o cultivo de uma postura investigativa diante da realidade social e dos registros do

    passado histrico. Esse exerccio pode ser feito de maneira cuidadosa e integrada a outras reas

    do conhecimento nos primeiros ciclos de formao, por exemplo, na forma de projetos

    interdisciplinares.

    Mas, sabemos, persistem algumas dvidas fundamentais:

    O que se espera com o ensino de Histria? Qual a razo de ensinar Histria para crianas?

    Quais so os conhecimentos e reflexes de que deve dispor o professor para a atuao nesse momento de formao?

    Como elaborar uma proposta curricular em que esteja presente a especificidade do conhecimento histrico com crianas e pr-adolescentes?

    Como dialogar com a diversidade de prticas e concepes curriculares existentes na Rede Municipal?

    Uma das ideias comuns a serem superadas a de que a Histria exatamente uma matria de

    decorar, uma matria de ler, uma matria de estudo. A Histria para crianas e jovens precisa

    ser, antes, uma oportunidade de formao e de descoberta de formas cada vez mais autnomas

    de olhar para as realidades, em que se inclui a sua prpria realidade, percebendo-as como

    dinmicas, contraditrias e transformveis. Ao prever a aprendizagem da Histria nos anos

    iniciais, importante compreender de quais sujeitos de aprendizagem falamos e quais so as

    razes essenciais para que a Histria comparea a esses momentos de sua formao.

  • 8

    No sendo vista, ento, como uma mera listagem de conhecimentos especficos, ou como uma

    matria para decorar, a Histria nos primeiros anos de formao no , tambm, uma listagem de

    fatos e dados a serem transmitidos. Numa perspectiva diferente, a Histria nos primeiros anos de

    formao visa iniciao leitura da prpria existncia num universo cultural e sciohistrico.

    Pressupondo uma compreenso inicial dos tempos e espaos em que esto os grupos humanos e

    em que est a prpria criana e o pr-adolescente, o ensino-aprendizagem da Histria nos

    primeiros ciclos volta-se fundamentalmente compreenso da insero dos sujeitos na teia social

    em que esto. Volta-se aos processos, mesmo que iniciatrios, de desnaturalizao do mundo e de anlise comparativa entre a prpria realidade e a de outros sujeitos e grupos sociais, em outras pocas, espaos e culturas.

    O tempo , dessa maneira, uma categoria central na Histria, sendo que o estudo das

    temporalidades um dos pilares da promoo da aprendizagem histrica.

    Mas o estudo do tempo no se restringe ao estudo das formas de marcao e datao temporais,

    ou do conhecimento de artefatos que usamos para marcar e controlar o tempo, ou mesmo de

    algumas operaes bsicas, como aprender a ver as horas, identificar os dias da semana, meses

    do ano, localizar acontecimentos em um calendrio, etc. Ter a temporalidade como categoria

    central , principalmente, possibilitar s crianas e pr-adolescentes uma paulatina apropriao e

    construo de noes temporais fundamentais, como as de passado, presente e futuro, de sucesso e simultaneidade, de mudanas e permanncias, de diferenas e semelhanas.

    Em geral, podemos trabalhar as noes temporais a partir de temas variados, procurando sempre

    identificar aqueles mais significativos em cada momento da vivncia de uma criana ou grupo.

    Assim, por exemplo, uma criana em processo de alfabetizao, lida com objetos especficos, tais

    como lpis, cadernos, borrachas, livros. Qualquer um desses objetos presta-se a uma abordagem

    histrica, podendo-se perguntar, por exemplo: Sempre existiram lpis como estes? Com estes ou

    outros formatos? Quando surgiram? Em que lugares? Como as pessoas escreviam antes de o

    lpis ser inventado? Que outros artefatos substituem, atualmente, o lpis? Ser que os lpis vo

    continuar existindo para sempre? O prprio ato de escrever existiu desde sempre? O que pode

    ser considerado escrita? Ela altera-se de uma sociedade para outra? Todos os povos, mesmo

    nos dias atuais, praticam a leitura e a escrita?

    As perguntas acima podem gerar investigaes que permitem aos alunos a percepo do que

    mudou e daquilo que remanescente, de uma outra poca, nos dias atuais (em que no existia

    lpis, por exemplo). O professor pode se perguntar acerca do que semelhante e do que

    diferente entre crianas que esto aprendendo a ler neste momento, nesta escola, e outras

    crianas, na mesma situao, em uma escola chinesa, por exemplo. Enfim, qualquer objeto pode

  • 9

    ser um bom motivo para pensar a historicidade das coisas que nos cercam e, com isso,

    possibilitar a iniciao do estudo da Histria com crianas.

    Mas se as noes temporais que conferem identidade ao ensino da Histria podem ser

    trabalhadas a partir de qualquer tema, elas no podem, no entanto, ser trabalhadas de forma

    descontextualizada, abstratamente. Com crianas, no se ensina o que sucesso apenas com

    explicaes conceituais, por exemplo. Ao contrrio, criam-se situaes em que essa noo

    trabalhada. E essas situaes no precisam se resumir a atividades especficas de contedo

    histrico. Tomemos como exemplo uma das atividades muitas vezes utilizadas nas aulas de

    Lngua Portuguesa, que consiste em se embaralhar partes de uma histria em quadrinhos e

    solicitar aos educandos que a recomponham, descobrindo a sequncia correta. Ao fazer isso, o

    professor est investindo na construo da noo de sucesso, fundamental para a apreenso do

    tempo cronolgico, marcado pela sucesso de acontecimentos, geralmente organizados em uma

    linha temporal.

    Sinalizamos, dessa forma, o comparecimento do ensino da Histria nos primeiros ciclos,

    esperando que se realize de maneira significativa para estudantes e professores, sem que se

    perca de vista as contribuies formativas da aprendizagem histrica formao humana,

    formao cidad e socializao dos sujeitos desse processo.

    Mesmo que seja relevante que o professor atualize-se, estude a Histria e seus principais

    processos, suas revises e seus marcos de transformao, crucial que, ao planejar aes de

    ensino-aprendizagem com suas turmas, ele realize um esforo preliminar de reflexo a respeito do

    sentido do estudo da Histria, da significncia dos conhecimentos histricos eleitos para quem

    aprende e da necessidade de desfocar-se da rotineira ideia de que os conhecimentos histricos

    trazem, em si, todo o sentido e a finalidade da Histria e de seu ensino-aprendizagem nesse

    momento de formao.

    O que se espera, portanto, que a aprendizagem histrica se vincule compreenso da realidade e da prpria Histria da criana e do pr-adolescente, que alimente a sua capacidade de anlise, sem preconceitos, de realidades diferentes daquela na qual vivem, fomentando o dilogo interativo e criador com histrias de outras pocas, em especial aquelas que ajudam na compreenso de tempos e dos contextos em que vive.

    O conhecimento histrico escolar, portanto, diz respeito s mediaes que acontecem entre professores e alunos, e destes entre si e com a materialidade disponvel, visando em especial

    construo de significados para os objetos, conceitos e registros da Histria em vrias pocas e,

    ainda, compreenso de que todo sujeito comum parte da Histria humana.

  • 10

    Em todos os aspectos explorados de fundamental importncia que a sala de aula de Histria

    seja vista como parte do mundo, mundo no mundo e, no, como se diz, um mundo parte.

    Inserido na realidade social, que tambm objeto de seu estudo, o ensino de Histria alimenta-se

    da bagagem que trazem os educandos e os professores de sua trajetria pessoal e social, e,

    fundamentalmente, das formas de interpretao que podem ser criadas pela experincia de

    partilha criada em sala de aula em dilogo com essas heranas.

    A Histria para crianas e pr-adolescentes precisa ser, antes de tudo, uma oportunidade de

    formao e de descoberta de formas cada vez mais autnomas de olhar para as realidades, em

    que se inclui a sua prpria realidade, percebendo-as como dinmicas, contraditrias e

    transformveis.

    O ENSINO DE HISTRIA NO 1 CICLO DE FORMAO: ESPECIFICIDADES E EIXO TEMTICO

    No 1 ciclo de idade de formao, o ensino de Histria, assentado nos pressupostos at aqui

    discutidos, deve proporcionar uma iniciao percepo da historicidade presente em todos os

    aspectos da vida social. Isso s possvel medida que a criana desloca-se, paulatinamente, de

    seu universo de vivncia e autocentramento, para a possibilidade de descoberta do outro,

    podendo perceber as diferenas e as mudanas presentes em objetos e aspectos diversos da

    vivncia social.

    Os contrapontos so fundamentais nesse processo, permitindo que ela descubra o outro como um

    diferente de si, na mesma medida em que descobre a si por meio do contato com o outro.

    desejvel que os temas de estudo selecionados digam respeito a objetos e relaes que fazem

    parte do universo infantil, com os quais a criana tenha j alguma familiaridade. Isso no significa

    que o ensino de Histria s possa abordar o que est espacialmente prximo da criana, ou o que

    considerado concreto, no sentido de poder ser percebido pelos rgos dos sentidos, ou, ainda,

    que tenha que lidar com objetos recortados em partes diminutas. importante pensar que a

    definio daquilo que prximo e concreto no dada a priori, depende, isto sim, do significado

    atribudo pelos sujeitos, das relaes que capaz de estabelecer, de suas experincias. Com

    isso, por mais que se insista na importncia de trabalhar com objetos e aspectos com os quais a

    criana tenha familiaridade, no tem sentido estudar apenas o que a criana j sabe e

    experimenta em seu dia a dia.

  • 11

    O objetivo o de promover aprendizagens e, portanto, um ensino que no ultrapasse o j

    conhecido perder seu significado. A abordagem de objetos e aspectos j conhecidos s tem

    sentido se esta promover novas descobertas a respeito daquilo que familiar, desmobilizando as

    certezas construdas e abrindo possibilidades para a apropriao do novo e a releitura do que j

    se conhece.

    Por todas as razes, um ensino de Histria no 1 ciclo deve colocar a criana em contato com

    outras formas de vida, em outras pocas, em outros espaos e em outras culturas. Ao fazer isso,

    entretanto, importante que se mantenha um dilogo prximo e constante com o j conhecido. O

    movimento de trabalhar com a prpria realidade e adentrar realidades outras deve ser dinmico,

    num ir e vir permanentes, evitando que se distancie por demasiado das referncias que a criana

    domina, compreende e tem relativa familiaridade.

    Nesse movimento de aproximao crtica do real, a criana deve ser provocada a olhar para si,

    percebendo aspectos da sua experincia como sujeito sciocultural e histrico, a procurar

    conhecer como tais aspectos esto presentes em outros momentos e espaos, e a retornar

    novamente para a realidade vivenciada, sendo provocada a pensar: Quais as diferenas entre o

    objeto/aspecto observado em minha realidade e em outra, diversa da minha? Quais as

    semelhanas? O que mudou? O que permaneceu?

    Com isso, afirma-se um ensino de Histria que se fundamenta no apenas na descoberta do

    outro, como no trnsito comparativo e apreciativo, mas no valorativo, entre a prpria realidade e

    outras. Mais do que isso, ao realizar esse trnsito, a criana pode comear a perceber que o

    mundo no se restringe ao seu universo de vivncia, que existem outras formas de vida alm da

    sua, passos importantes na passagem de um estgio egocntrico para a construo da

    heteronomia.

    A INFNCIA COMO EIXO TEMTICO DO 1 CICLO

    Tendo em vista que o que confere identidade ao 1 ciclo o fato de ser um ciclo marcadamente da infncia, uma das maneiras, portanto, de organizao curricular pode ser a que prev uma ateno ao ser criana e ao que tpico desse momento de formao. Uma das possibilidades vislumbradas que se transforme essa temtica a infncia em eixo temtico do 1 ciclo para

    abordagem da Histria (e das interfaces em trabalhos interdisciplinares), compreendendo as

    peculiaridades desse momento da vida humana e as possibilidades promissoras que a priorizao

    dessa temtica proporciona ao ensino da Histria: compreenso da realidade imediata, anlise

    das condies da infncia em outras pocas e em outras sociedades, estudo das diferentes

    formas de ser criana no mundo atual, abordagens acerca do universo infantil e da histria

    pessoal da criana, etc.

  • 12

    Pode ser muito interessante, ento, que, no ensino de Histria para/com crianas do 1 ciclo, o

    professor priorize a reflexo sobre o fato de que no a mesma coisa ser criana no Brasil

    contemporneo e ser criana no Brasil Imperial, ser criana afro-descendente ou descendente de

    asiticos, por exemplo, ser criana pobre, de classe mdia ou criana rica. Compreender, pelo seu

    prprio jeito de ser criana, que em outras realidades, contextos, sociedades e pocas, as

    crianas eram tambm diferentes e viviam segundo cdigos e marcas culturais diferenciadas.

    Esse um processo fundamental para que o educando se inicie na aprendizagem da Histria e o

    faa de maneira significativa, propositiva e integrada a outros contedos previstos no mesmo ciclo

    de formao. O estudo dos brinquedos e brincadeiras, por exemplo, poder estar presente em

    diversos contedos, sendo que a aprendizagem histrica poder ser explorada intensamente.

    Outros elementos que tambm fazem parte da vida das crianas podem ser abordados como

    tema que possibilitem a aprendizagem histrica. Podemos citar a abordagem de msicas, de tipos

    de moradia, de meios de comunicao, de meios de transporte em diferentes pocas e lugares,

    na mesma poca e em lugares diferentes, etc. As possibilidades so inmeras e o professor, na

    escolha dos temas, pode se orientar tambm pelo interesse de seus alunos.

    CAPACIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

    Perceber a historicidade presente em aspectos diversos da vida social, iniciando o processo de desnaturalizao do mundo a sua volta e de compreenso espao-temporal

    Aprender Histria aprender que todas as criaes e aes humanas, desde artefatos e objetos,

    s suas relaes, formas de sentir e significar o mundo, tudo possui historicidade, ou seja, foi

    criado, construdo em certo momento histrico, por sujeitos que possuam (e ainda possuem)

    intenes e visavam (visam) a algum objetivo, em dilogo com outros sujeitos de sua poca, e em

    meio a relaes e constrangimentos postos pela vida em sociedade. Em outras palavras, a

    Histria nos mostra que as coisas nem sempre foram como so, que j foram de um jeito diferente

    em outro momento e ainda so em outras coletividades e em outros contextos e que, nesse

    sentido, tambm no so eternas. isso que costumamos chamar de historicidade. Sua

    percepo est ligada ao processo de desnaturalizao do mundo social. Quer dizer, exatamente

    por serem fruto de aes humanas no tempo, os processos da vida social no so naturais ou

    dados de uma vez por todas ou iguais em todos os contextos. Eles so histricos e, por isso

    mesmo, transformam-se no tempo e no espao. Portanto, no 1 ciclo, espera-se que essa

    percepo seja iniciada, ainda que deva continuar a ser desenvolvida ao longo dos ciclos

    seguintes.

  • 13

    Estabelecer aproximaes entre as experincias vivenciadas e as experincias semelhantes, em outros tempos, em outros espaos e em outras culturas, percebendo mudanas e permanncias, diferenas e semelhanas, e se iniciando a aprendizagem da diversidade cultural e da vivncia da diferena

    Partimos do pressuposto de que qualquer objeto de estudo pode ser abordado numa perspectiva

    temporal, histrica. Para transformar um objeto de estudo em contedo do ensino de Histria

    necessrio conferir-lhe uma abordagem histrica, o que possibilitado pelo estabelecimento de

    contrapontos, que permitam criana identificar o que mudou e o que permaneceu, o que

    semelhante e o que diferente entre seus modos de vida e os modos de vida de outros povos,

    contemporneos ou de outras pocas, de outros espaos e de outras culturas. Tais contrapontos

    permitem um primeiro contato com a diversidade cultural e a vivncia da diferena. Essa

    capacidade tambm no se desenvolve em um nico ano do ciclo, tampouco se encerra ao

    trmino do 1 ciclo.

    Compreender o tempo como construo social, por meio do estudo de alguns instrumentos de marcao e datao do tempo, em diferentes pocas e culturas, tais como calendrios, linhas do tempo, iniciando o contato com nomenclaturas prprias e com diferentes formas de marcao temporal, compreendendo outras dimenses culturais, como tempo virtual e a ideia de simultaneidade

    O tempo dos calendrios, embora referenciado em aspectos do tempo fsico (a passagem dos

    dias e das noites, o ciclo de um ano), um tempo social, um tempo de marcaes prprias de

    cada cultura, de cada poca. Por esta razo, presenciamos a emergncia de diferentes

    calendrios, que trazem as marcas de suas pocas e povos. O trabalho, visando ao

    desenvolvimento dessa capacidade, deve incluir, entre outros: apropriao dos elementos de

    marcao do tempo presentes em nossa cultura, como a diviso em dias da semana e meses do

    ano; anlise das formas de organizao do tempo em diferentes contextos; compreenso das

    rotinas dirias como formas de ordenamento temporal; estudo de calendrios de outros povos;

    conhecimento de diferentes objetos da cultura que so portadores de ideias sobre o tempo, como

    os relgios, as ampulhetas, os cronmetros, etc.

    Um bom momento para se perceber os calendrios como formas sociais de marcao do tempo

    pode acontecer, tambm, durante a comemorao de datas especiais do calendrio civil e cvico,

    as chamadas datas comemorativas. Ao trabalhar com essas datas, possvel, por exemplo,

    prever-se um momento de reflexo sobre os seus significados sociais e os processos de eleio

    dessa data ao invs de outras para relevncia em uma poca. Isso pode ser feito prevendo-se

    uma anlise de como ns, sujeitos comuns, fazemos essa operao em nossa prpria trajetria

    de vida pessoal, elegendo algumas datas para serem lembradas, outras para serem esquecidas

  • 14

    ou silenciadas.

    Valorizar o patrimnio histrico cultural, identificando alguns dos bens materiais de sua cultura e de outros grupos, compreendendo-os como registros fundamentais da memria social e das diversas experincias humanas no tempo

    Ao explorar objetos da cultura, o professor poder partir da prpria realidade material da criana,

    analisando com ela as caractersticas, histria e opes que se expressam nos objetos comuns de

    uso cotidiano, alm, claro, dos usos, desusos e diferentes apropriaes que os sujeitos fazem

    de um mesmo objeto no tempo e no espao. A visita a ambientes culturais de educao histrica

    recurso importante nesse processo de aprendizagem e sinaliza para a relevncia do dilogo

    com a cultura para que o ensino-aprendizagem no seja algo descolado de quem aprende e

    ensina.

    Conhecer diferentes fontes histricas, de naturezas diversas, e que se apresentem por meio de linguagens e mdias variadas, iniciando-se em sua leitura e interpretao

    O contato inicial com fontes de natureza diversa possibilita que o educando, em primeiro lugar,

    aprenda a extrair informaes e tambm a indagar sobre a origem e as intencionalidades que

    acompanham diferentes testemunhos da Histria. Diante de uma certido de nascimento, por

    exemplo, alm de observar o que esta fonte disponibiliza em termos de informaes acerca de

    seu nascimento e de sua vida, a criana pode, tambm, comear a se perguntar sobre a

    existncia desse tipo de registro no mbito das sociedades humanas: Por que as pessoas

    precisam ter uma certido de nascimento? Sempre foi assim? Qual a importncia de um

    documento como este? Em que circunstncias esse documento utilizado? Que outros

    documentos so tambm documentos de identificao?

    O contato com fontes variadas e que apresentam linguagens diversas (imagens, msicas, filmes,

    desenhos animados, charges, textos escritos, literatura infantil, etc.) tambm permite que as

    crianas comecem a perceber as diferenas entre os tipos de fontes e linguagens e as

    especificidades de leitura de cada uma delas. Dessa maneira, podem comear a perceber que ler

    uma certido de nascimento diferente de ler uma fotografia ou de ler um objeto cultural, ou,

    ainda, de ler uma imagem. Alm disso, que a linguagem musical traz mais do que informaes

    verbais, transmitindo mensagens por meio de melodias que podem provocar tristeza, alegria,

    saudade, melancolia, etc. Com isso, podem perceber que no apenas as informaes oferecidas

    em cada uma diferem, mas as perguntas que devem ser feitas para extrair dali informaes

    relevantes, percepes e aprendizagens.

  • 15

    Iniciar-se na produo de registros de contedo histrico, em suas variadas formas, como textos escritos, desenhos, mapas, roteiros, fotografia e outros

    Se um dos pressupostos da aprendizagem em Histria o investimento em prticas de

    investigao voltadas para aspectos diversos da vida social, esse processo s se completa com o

    exerccio da socializao e do registro. Os registros escritos so importantes, mas no devem ser

    os nicos. Especialmente no 1 ciclo, os desenhos, as maquetes, as dramatizaes, os painis e

    outras formas de linguagem podem ser recursos valiosos e potencializadores da aprendizagem.

    As capacidades acima se relacionam de maneira muito evidente aos objetivos do ensino de

    Histria para e com crianas, concebendo a Histria como disciplina de compreenso da

    realidade, de insero da criana e tambm de iniciao aprendizagem da convivncia com a

    diferena.

    AS CAPACIDADES E SUA ORGANIZAO NO 1 CICLO

    Como contribuio para o planejamento do trabalho docente, os quadros com as matrizes

    curriculares, que sero apresentados a seguir, trazem sugestes quanto gradao no

    tratamento das capacidades em cada ano do ciclo e so empregadas as letras I, R, T e C, que

    remetem aos verbos INTRODUZIR, RETOMAR, TRABALHAR e CONSOLIDAR. A definio

    desses termos aparece no texto Introduo, destas Proposies Curriculares, aqui reproduzida a

    seguir:

    I Introduzir Leva os estudantes a se familiarizarem com conceitos e procedimentos escolares, tendo em vista as capacidades que j desenvolveram em seu cotidiano ou na prpria escola. Os

    estudantes, no seu dia a dia, desenvolvem muitos conhecimentos e, nesse sentido, introduzir no significa necessariamente um primeiro contato com determinado conceito, mas, sim, um

    primeiro tratamento escolar dele, que busca articular o que o estudante j sabe com a nova

    situao-problema. Da mesma maneira, a abordagem inicial de uma determinada

    capacidade/habilidade muitas vezes depende de contedos e de procedimentos que foram

    aprendidos na prpria escola, quando do desenvolvimento de outras capacidades/habilidades.

    Assim, a introduo dessa nova capacidade acontecer de modo articulado com uma retomada

    de aspectos relacionados a essas outras capacidades.

    R Retomar Ao se introduzir o trabalho pedaggico com uma determinada capacidade, aspectos que se relacionam a outras capacidades j consolidadas necessariamente tero de ser

    retomados, sendo ampliados medida que se trabalha sistematicamente com essa nova

    capacidade a ser desenvolvida. Assim, procuraremos evidenciar aquelas capacidades que,

    mesmo aps serem consolidadas, sero objeto de trabalho pedaggico do professor, por serem

    importantes no desenvolvimento de outras. importante ressaltar que Retomar no tem o mesmo

  • 16

    sentido de revisar. Revisar tem muitas vezes um sentido de repetio de algo que j deveria ter

    sido aprendido. Retomar significa que o estudante j est aprendendo algo novo e que, para isso, h uma nova abordagem daquilo que j foi ensinado. Promove, assim, uma ampliao das

    capacidades e uma nova e diferente oportunidade para aqueles estudantes que no a

    desenvolveram plenamente.

    T Trabalhar Tipo de abordagem que explora de modo sistemtico as diversas situaes-problema que promovem o desenvolvimento das capacidades/habilidades que sero enfocadas

    pelo professor. Demanda um planejamento cuidadoso das atividades que devero ser variadas,

    de modo a explorar as vrias dimenses dos conhecimentos disciplinares que se relacionam a

    uma determinada capacidade e tambm as inter-relaes com outras capacidades/habilidades.

    importante que o professor organize seu trabalho tendo bem definida a capacidade que pretende

    desenvolver. Essa uma fase em que os processos avaliativos so fundamentais para que o

    professor defina as intervenes a serem feitas no processo de ensino-aprendizagem, de modo a

    ter clareza sobre o que efetivamente poder ser consolidado pelos estudantes ao final desse

    processo.

    C Consolidar No contnuo processo de aprendizagem dos estudantes, chega um momento em que preciso sedimentar os avanos que ocorreram em seus conhecimentos. Nesse

    momento, determinados conceitos, procedimentos e comportamentos que foram trabalhados

    sistematicamente pelo professor devem ser colocados como objeto de reflexo na sala de aula, de

    modo que o trabalho pedaggico realizado com eles seja claramente concludo. Esse o

    momento em que se formaliza a aprendizagem de acordo com a capacidade que foi desenvolvida,

    na forma de resumos, snteses e registros com a linguagem adequada a cada rea do

    conhecimento. A avaliao assume nessa fase o objetivo de compor um quadro das

    aprendizagens que foram construdas pelos estudantes, que sero tomadas como referncia na

    comunicao com as famlias e na continuidade do trabalho pedaggico no ciclo.

    A organizao das capacidades ao longo do primeiro ciclo funciona como um importante

    instrumento que tende a facilitar o trabalho docente, tendo em vista que qualquer atividade em

    sala de aula pode ser vislumbrada luz dos eixos norteadores. uma ferramenta de consulta gil

    e que pode ser vital na organizao dos contedos, no uso do livro didtico e, principalmente, na

    organizao e planejamento do trabalho escolar.

    Cabe ressaltar que a numerao apresentada no representa uma escala de valor ou uma ordem

    cronolgica para que sejam trabalhadas. Ou, dito de outra forma, no se prope aqui que as

    capacidades sejam trabalhadas em sequncia ou que uma seja mais importante que a outra. O

    professor tem autonomia para distribuir as capacidades de acordo com seu planejamento escolar.

    bom lembrar que cabe ao professor decidir o melhor momento de abordar as capacidades,

    adaptando-as, dentre outros aspectos, ao contexto da escola, das turmas e das demandas da

  • 17

    comunidade escolar.

    As gradaes no ciclo (introduzir/retomar/trabalhar/consolidar) tambm esto apresentadas como

    sugestes. Da mesma forma que as capacidades devem levar em conta a complexidade e a

    diversidade dos mltiplos pblicos e contextos apresentados na Rede Municipal de Belo

    Horizonte, as gradaes caminham nessa mesma perspectiva.

    Afirmando a infncia como temtica do 1 ciclo, espera-se que o educando, nesse ciclo, torne-se

    capaz de:

    Capacidades a serem desenvolvidas Distribuio no Ciclo 1 ano 2 ano 3 ano

    1. Perceber a historicidade presente em aspectos diversos da vida social, iniciando o processo de desnaturalizao do mundo a sua volta e de compreenso espao-temporal.

    I T T

    2. Estabelecer aproximaes entre as experincias vivenciadas e as experincias semelhantes, em outros tempos, em outros espaos e em outras culturas, percebendo mudanas e permanncias, diferenas e semelhanas, e se iniciando a aprendizagem da diversidade cultural e da vivncia da diferena.

    I T T

    3. Compreender o tempo como construo social, por meio do estudo de alguns instrumentos de marcao e datao do tempo, em diferentes pocas e culturas, tais como calendrios, linhas do tempo, iniciando o contato com nomenclaturas prprias e com diferentes formas de marcao temporal, compreendendo outras dimenses culturais como tempo virtual e a ideia de simultaneidade.

    I T T

    4. Valorizar o patrimnio histricocultural, identificando alguns dos bens materiais de sua cultura e de outros grupos, compreendendo-os como registros fundamentais da memria social e das diversas experincias humanas no tempo.

    I I T

    5. 5. Conhecer diferentes fontes histricas, de naturezas diversas e que se apresentem por meio de linguagens e mdias variadas, iniciando-se em sua leitura e interpretao.

    I T T

    6. Iniciar-se na produo de registros de contedo histrico, em suas variadas formas, como textos escritos, desenhos, mapas, roteiros, fotografia, etc.

    I T T

  • 18

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BARCA, Isabel. O pensamento histrico dos jovens: idias dos adolescentes acerca da provisoriedade da explicao histrica. Braga: Centro de Estudos em Educao e Psicologia; Instituto de Educao e Psicologia; Universidade do Minho, 2000.

    BITTENCOURT, Circe M. F. Disciplinas escolares: histria e pesquisa. In: Histria das disciplinas escolares no Brasil: contribuies para o debate. So Paulo: Editora da Universidade de So Francisco, 2003.

    BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. So Paulo: Cortez, 2005.

    BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educao das relaes tnico-raciais e para o ensino de Histria e Cultura afro-brasileira e africana. Braslia: Ministrio da Educao, 2004.

    BRASIL. Decreto Lei 10.639/03. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, para incluir no currculo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temtica "Histria e Cultura Afro-Brasileira", e d outras providncias. Braslia: Ministrio da Educao, 2003.

    BRASIL. Guia do livro didtico 2008: Histria - Ensino Fundamental. Braslia: Ministrio da Educao, 2007.

    BRASIL. Parmetros curriculares nacionais: Histria e Geografia. Braslia: Secretaria de Educao Fundamental; MEC/SEEFM; 1997.

    BRASIL. Parmetros curriculares nacionais: Histria - terceiro e quarto ciclo. Braslia: Secretaria de Educao Fundamental; MEC/SEEFM, 1998.

    CARVALHO, Adalberto Dias de. Epistemologia das cincias da educao. Lisboa: Afrontamento, 2002.

    CHERVEL, Andr. Histria das disciplinas escolares. In: Teoria e educao. 2. ed. Porto Alegre: Pannonica, 1990.

    GEERTZ, Cliford. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

    GOODSON, Ivor F. Currculo: teoria e histria. Petrpolis: Vozes, 1995.

    HALL, Stuart. Identidades culturais na ps-modernidade. So Paulo: DP&A, 1987.

    JULI, Dominique. Construccin de las disciplinas escolares en Europa: tendncias histricas emergentes. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 2000.

    LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e iluses em torno do ensino de histria. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 19, n.38, 1999.

    MACHADO, Nilson Jos. Epistemologia e didtica: as concepes de conhecimento e inteligncia e a prtica docente. So Paulo: Cortez, 1995.

    MINAS GERAIS. Propostas curriculares de Histria (CBC Contedo Bsico Comum). Secretaria de Estado da Educao, Minas Gerais, 20052006. Disponvel em: . Acesso em: 08 nov. 2007.

    PEREIRA, J.S. et al. Escola e museu: dilogos e prticas. Belo Horizonte: CEFOR/PUC Minas/SUM, 2007.

    REIS, Jos Carlos. Escola dos Annales: A inovao em Histria. So Paulo: Paz e Terra, 2000.

    RIBEIRO, Renilson Rosa. O saber (histrico) em parmetros: o ensino da Histria e as reformas curriculares das ltimas dcadas do sculo XX. Mneme, n. 10, vol. 5, jun. 2004.

    RICCI, Cludia. Pesquisa como ensino: textos de apoio, propostas de trabalho. Belo Horizonte: Autntica, 2007.

  • 19

    SIMAN, Lana Mara de Castro. Representaes e memrias sociais compartilhadas: desafios para os processos de ensino e aprendizagem da histria. Caderno CEDES, vol.25, n.67, Campinas, Set./Dez 2005.

    SIMAN, Lana Mara de Castro. Um programa de Histria num contexto de mudanas sociopolticas e paradigmticas: a voz dos professores. Tempo, vol.11, n. 21, Niteri, 2006.

    WERTSCH, J. V. Voces de la mente: un enfoque sociocultural para el estudio de la accin mediada. Madrid: Visor Distribuiciones, 1993.

  • 20

    PROPOSIO CURRICULAR PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DA RME-BH DE HISTRIA 2 CICLO

    ENSINO-APRENDIZAGEM DA HISTRIA NOS PRIMEIROS CICLOS DE IDADE DE FORMAO: UM COMEO DE CONVERSA

    As histrias fazem parte da rotina de quase todas as crianas: ouvir histrias, contar histrias,

    dramatizar histrias... No contexto escolar, elas comparecem em diversas situaes, o que

    expressa a importncia dessa prtica cultural para o desenvolvimento cognitivo e afetivo das

    crianas.

    No entanto, apesar de um mesmo nome, as histrias contadas em rodas de conversa, as

    histrias que encantam e suscitam a imaginao e a fantasia, se diferem bastante da Histria

    como uma disciplina escolar. Esta ltima requer das crianas um distanciamento de seu mundo

    de fadas e sonhos, para um nem sempre convidativo adentramento no mundo da realidade.

    Afinal, a Histria, disciplina, trata do mundo dos humanos, por meio dos tempos, em suas

    relaes familiares, de trabalho, lazer, religiosidade, celebraes, em suas conquistas e

    conflitos, em seu fazer cotidiano.

    A disciplina Histria trata da vida, em todas as suas dimenses, da vida das pessoas que

    vivem no presente e que viveram em outras pocas, que vivem perto de ns ou em lugares

    distantes, que partilham as mesmas referncias culturais ou que pertencem a outras culturas.

    No existe Histria sem seres humanos e no existe nenhum grupo humano que no tenha

    Histria.

    Por isso, ela to importante e, por isso tambm, deveria fazer parte de todo o processo de

    escolarizao, desde a entrada das crianas neste universo particular que a escola. No

    entanto, alguns professores pensam que ensinar Histria para crianas operao difcil e

    mesmo impossvel. Pensam que o conhecimento da Histria tarefa para pessoas j

    amadurecidas, capazes de fazer abstraes mais complexas e de memorizar datas, fatos e

    processos histricos, refletindo e debatendo assuntos muito polmicos.

    Alguns professores e especialistas defendem a supresso do ensino da Histria dos primeiros anos

    de escolarizao, e alguns deles esto ainda profundamente apegados ideia de que a

    aprendizagem histrica ocorre fundamentalmente por meio da leitura de textos verbais de difcil

    compreenso e que demandam reflexes polmicas que consideram desaconselhveis.

  • 21

    Ns sabemos o quanto a Histria muda e reavaliada: os noticirios de televiso e os jornais

    impressos j nos trazem verses diferentes para fatos histricos que muitos de ns

    considervamos verdadeiros ou definitivos. O campo da Histria e o prprio ensino da

    Histria esto em constante reconfigurao. Isso tambm contribui para que alguns

    professores sintam-se perdidos e confusos: Como escolher conhecimentos disciplinares para

    desenvolver com os educandos? Como pensar substancialmente num ensino de Histria com

    esses educandos, levando-se em conta as diferentes verses da Histria e o fato de que o

    conhecimento histrico tradicionalmente ensinado na escola parece distante, abstrato e muito

    complexo? Como selecionar conhecimentos disciplinares? Como dialogar com os livros

    didticos em circulao?

    Compreendendo que o trabalho docente nos primeiros ciclos requer, com grande nfase, uma

    ao interdisciplinar, e que os professores tm, em geral, uma formao generalista, podemos

    pensar em alternativas de trabalho que, longe de exigirem um conhecimento amplo de

    contedos consagrados da Histria, requerem muito mais uma postura investigativa e aberta a

    novas descobertas.

    Ensinar e aprender Histria nos primeiros ciclos de aprendizagem deve ser, antes de tudo,

    aceitar o desafio de buscar a historicidade presente em aspectos diversos da vida cotidiana,

    procurando desvendar marcas do passado que permanecem nos objetos, nas relaes,

    instituies e instncias diversas da vida. E, ainda, olhar para o passado a partir de perguntas

    que so instauradas pelo presente, em dilogo com as experincias dos sujeitos envolvidos no

    processo ensino-aprendizagem: professores e educandos.

    Queremos, pois, convidar voc, professor, a aceitar esse desafio. A olhar para o conhecimento

    histrico em sala de aula no como um contedo a mais, algo difcil e abstrato, que pode ser

    dispensado em benefcio do que se concebe como mais relevante para a alfabetizao.

    Diferentemente, convidamos voc a pensar no ensino de Histria como um aliado no

    desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita e, acima de tudo, como um estudo que

    pode ser significativo, envolvente, instigante e capaz de proporcionar bons momentos de

    descobertas e aprendizados.

    ENSINAR HISTRIA PARA CRIANAS E PR-ADOLESCENTES: DESAFIOS E QUESTES FUNDAMENTAIS

    Sabemos que uma das questes mais inquietantes diz respeito dificuldade de seleo

    criteriosa, ao desenvolvimento e avaliao de conhecimentos disciplinares que os prprios

    professores dos primeiros ciclos desconhecem. Contudo, chamamos a ateno para o fato de

  • 22

    que para ensinar Histria no necessrio somente, ou meramente, o conhecimento de

    contedos histricos. fundamental que sejam feitas algumas reflexes sobre o significado da

    Histria para quem aprende, sobre a relevncia da aprendizagem histrica para a experincia

    de quem a ensina e a aprende e, tambm, sobre o lugar da Histria no projeto de formao

    que a escola prev para cada ciclo.

    At mesmo o movimento de seleo de alguns conhecimentos histricos a serem

    desenvolvidos em classe implica um tipo de concepo de ensino de Histria que, se no est

    explcito, faz parte, sabemos, das opes que os professores fazem no seu cotidiano e que

    configuram o que chamamos de currculo oculto. Embora ensinar Histria no seja

    meramente narrar acontecimentos histricos ou favorecer simplesmente a sua memorizao, a

    Histria no se ensina sem os seus conhecimentos especficos. Mas o que muda,

    fundamentalmente, o sentido previsto para a aprendizagem histrica, suas finalidades e suas

    intencionalidades.

    A aprendizagem histrica requer a compreenso de alguns conhecimentos especficos da

    disciplina (pelo menos do que convencionalmente se chama de contedo da Histria), mas

    requer principalmente o cultivo de uma postura investigativa diante da realidade social e dos

    registros do passado histrico. Esse exerccio pode ser feito de maneira cuidadosa e integrada

    a outras reas do conhecimento nos primeiros ciclos de formao, por exemplo, na forma de

    projetos interdisciplinares.

    Mas, sabemos, persistem algumas dvidas fundamentais:

    O que se espera com o ensino de Histria? Qual a razo de ensinar Histria para crianas?

    Quais so os conhecimentos e reflexes de que deve dispor o professor para a atuao nesse momento de formao?

    Como elaborar uma proposta curricular em que esteja presente a especificidade do conhecimento histrico com crianas e pr-adolescentes?

    Como dialogar com a diversidade de prticas e concepes curriculares existentes na Rede Municipal?

    Uma das ideias comuns a serem superadas a de que a Histria exatamente uma matria

    de decorar, uma matria de ler, uma matria de estudo. A Histria para crianas e jovens

    precisa ser, antes, uma oportunidade de formao e de descoberta de formas cada vez mais

    autnomas de olhar para as realidades, em que se inclui a sua prpria realidade, percebendo-

  • 23

    as como dinmicas, contraditrias e transformveis. Ao prever a aprendizagem da Histria nos

    anos iniciais, importante compreender de quais sujeitos de aprendizagem falamos e quais

    so as razes essenciais para que a Histria comparea a esses momentos de sua formao.

    No sendo vista, ento, como uma mera listagem de conhecimentos especficos, ou como uma

    matria para decorar, a Histria nos primeiros anos de formao no , tambm, uma listagem de

    fatos e dados a serem transmitidos. Numa perspectiva diferente, a Histria nos primeiros anos de

    formao visa iniciao leitura da prpria existncia num universo cultural e scio-histrico.

    Pressupondo uma compreenso inicial dos tempos e espaos em que esto os grupos

    humanos e em que est a prpria criana e o pr-adolescente, o ensino-aprendizagem da

    Histria nos primeiros ciclos volta-se fundamentalmente compreenso da insero dos

    sujeitos na teia social em que esto. Volta-se aos processos, mesmo que iniciatrios, de

    desnaturalizao do mundo e de anlise comparativa entre a prpria realidade e a de outros sujeitos e grupos sociais, em outras pocas, espaos e culturas.

    O tempo , dessa maneira, uma categoria central na Histria, sendo que o estudo das

    temporalidades um dos pilares da promoo da aprendizagem histrica.

    Mas o estudo do tempo no se restringe ao estudo das formas de marcao e datao

    temporais, ou do conhecimento de artefatos que usamos para marcar e controlar o tempo, ou

    mesmo de algumas operaes bsicas, como aprender a ver as horas, identificar os dias da

    semana, meses do ano, localizar acontecimentos em um calendrio, etc. Ter a temporalidade

    como categoria central , principalmente, possibilitar s crianas e pr-adolescentes uma

    paulatina apropriao e construo de noes temporais fundamentais, como as de passado, presente e futuro, de sucesso e simultaneidade, de mudanas e permanncias, de diferenas e semelhanas.

    Siman (2003) relata-nos uma experincia de trabalho com a histria das petecas, desenvolvido

    por professoras do Centro Pedaggico da UFMG. O trabalho se desdobrou em uma srie de

    aes, como entrevista com adultos de convvio dos educandos (pais, mes, avs,

    responsveis), construo de linhas de tempo (com petecas do tempo dos avs, outras do

    tempo dos pais e outras do tempo do educando), visita a uma fbrica de petecas e realizao

    de brincadeiras variadas com esse objeto/brinquedo de todas as idades. Essa experincia nos

    mostra o quanto possvel promover a aprendizagem histrica, principalmente se o

    pressuposto de que a Histria no um discurso "objetivo" e acabado, em que os fatos so

    dispostos num encadeamento linear. Pensemos tambm que, no ensino de Histria, nem

    sempre se pode dizer que o antes, cronologicamente situado, explica diretamente o que vem

  • 24

    depois e que objetos produzidos em tempos distintos podem coabitar num mesmo tempo

    histrico, e possuir usos diferenciados, podendo entrar em desuso. A experincia relatada por

    Siman contribui para pensar que

    [...] crianas com domnio incompleto das operaes de tempo fsico podem ser introduzidas ao raciocnio histrico, a partir de experincias e reflexes sobre o tempo vivido por elas, segundo graus crescentes de complexidade da temporalidade histrica [...]. (SIMAN, 2003, p. 123)

    Ressaltamos que um educando em processo de descoberta de seu grupo de convvio,

    ampliando o seu universo de relaes e comeando a transitar por outros espaos at ento

    no dominados por ele, comea a ter uma ateno especial a aspectos relacionados vida em

    grupo, aos espaos de convvio, s trocas, sendo esse um momento interessante para ensino

    da Histria. Pode-se propor, assim, um estudo sobre um dos espaos de brincadeira e de

    prticas de convivncia que fazem parte da experincia do educando e de seu grupo social,

    como por exemplo, uma festa popular de sua localidade, estimulando a turma a pesquisar a

    histria dessa festa; o significado dessa festa para os prprios festeiros e para a localidade em

    que ela ocorre; as modificaes que essa festa sofreu e vem ainda sofrendo; o sentido de

    festejar em outras pocas, em outras sociedades e nas culturas contemporneas; as festas da

    famlia do educando; os festejos de que ele geralmente participa, etc. As possibilidades de

    investigao e compreenso da realidade social so muito grandes.

    As perguntas acima podem gerar investigaes que permitem aos educandos a percepo do

    que mudou e daquilo que remanescente, de uma outra poca, nos dias atuais. O professor

    pode perguntar-se acerca do que semelhante nas brincadeiras e atividades de lazer e

    diverso de crianas/jovens de outras pocas (em que no existia televiso, por exemplo),

    propondo aos educandos a investigao do surgimento da televiso e de sua histria. Isso

    tambm poder estar relacionado reflexo sobre o significado da televiso na vida dos

    educandos, suas percepes a respeito dessa mdia e as relaes que cada um estabelece

    com a imagem televisiva, com a programao disponvel.

    Qualquer objeto pode ser um bom motivo para pensar a historicidade das coisas que nos

    cercam. O estudo das formas de diverso, do lazer, dos grupos de convivncia (futebol, grupos

    religiosos, grupos de amigos, clubes etc.), dos brinquedos e brincadeiras tpicos dessa faixa

    etria, por exemplo, so alguns dos temas que podem possibilitar que a aprendizagem

    histrica seja explorada intensamente.

    Mas se as noes temporais que conferem identidade ao ensino da Histria podem ser

    trabalhadas a partir de qualquer tema, elas no podem, no entanto, ser trabalhadas de forma

    descontextualizada, abstratamente. Com crianas e pr-adolescentes, no se ensina o que

    sucesso apenas com explicaes conceituais, por exemplo. Ao contrrio, criam-se situaes

  • 25

    em que essa noo trabalhada. E essas situaes no precisam se resumir a atividades

    especficas de contedo histrico. Tomemos como exemplo uma das atividades muitas vezes

    utilizadas nas aulas de Lngua Portuguesa, que consiste em se embaralhar partes de uma

    histria em quadrinhos e solicitar aos educandos que a recomponham, descobrindo a

    sequncia correta. Ao fazer isso, o professor est investindo na construo da noo de

    sucesso, fundamental para a apreenso do tempo cronolgico, marcado pela sucesso de

    acontecimentos, geralmente organizados em uma linha temporal.

    Sinalizamos, dessa forma, o comparecimento do ensino da Histria nos primeiros ciclos,

    esperando que se realize de maneira significativa para estudantes e professores, sem que se

    perca de vista as contribuies formativas da aprendizagem histrica formao humana,

    formao cidad e socializao dos sujeitos desse processo.

    Mesmo que seja relevante que o professor atualize-se, estude a Histria e seus principais

    processos, suas revises e seus marcos de transformao, crucial que, ao planejar aes de

    ensino-aprendizagem com suas turmas, ele realize um esforo preliminar de reflexo a respeito

    do sentido do estudo da Histria, da significncia dos conhecimentos histricos eleitos para

    quem aprende e da necessidade de desfocar-se da rotineira ideia de que os conhecimentos

    histricos trazem, em si, todo o sentido e a finalidade da Histria e de seu ensino-

    aprendizagem nesse momento de formao.

    O que se espera, portanto, que a aprendizagem histrica se vincule compreenso da realidade e da prpria Histria da criana e do pr-adolescente, que alimente a sua capacidade de anlise, sem preconceitos, de realidades diferentes daquela na qual vivem, fomentando o dilogo interativo e criador com histrias de outras pocas, em especial aquelas que ajudam na compreenso de tempos e dos contextos em que vive.

    O conhecimento histrico escolar, portanto, diz respeito s mediaes que acontecem entre professores e alunos, e destes entre si e com a materialidade disponvel, visando em especial

    construo de significados para os objetos, conceitos e registros da Histria em vrias

    pocas e, ainda, compreenso de que todo sujeito comum parte da Histria humana.

    Em todos os aspectos explorados de fundamental importncia que a sala de aula de Histria

    seja vista como parte do mundo, mundo no mundo e, no, como se diz, um mundo parte.

    Inserido na realidade social, que tambm objeto de seu estudo, o ensino de Histria alimenta-

    se da bagagem que trazem os educandos e os professores de sua trajetria pessoal e social,

    e, fundamentalmente, das formas de interpretao que podem ser criadas pela experincia de

    partilha criada em sala de aula em dilogo com essas heranas.

  • 26

    A Histria para crianas e pr-adolescentes precisa ser, antes de tudo, uma oportunidade de

    formao e de descoberta de formas cada vez mais autnomas de olhar para as realidades,

    em que se inclui a sua prpria realidade, percebendo-as como dinmicas, contraditrias e

    transformveis.

    O ENSINO DE HISTRIA NO 2 CICLO DE FORMAO: ESPECIFICIDADES E EIXO TEMTICO

    Neste ciclo, as crianas e os pr-adolescentes j vivenciam um processo de progressivo

    afastamento de um estgio inicial de autocentramento e egocentrismo, estando mais abertos

    percepo do outro, sentindo-se como parte de um grupo e vivenciando processos de

    construo de identidade mais coletivos.

    Espera-se que no 2 ciclo, as crianas e pr-adolescentes j tenham iniciado a percepo da

    historicidade presente em todos os aspectos da vida social. Este ser um momento de

    aprofundar essa percepo e, sobretudo, de ampliar a percepo de si mesmo e do outro, a

    partir de uma compreenso mais coletiva. Ou seja, o momento em que o aluno pode comear

    a perceber que o seu jeito de ser e de viver assemelha-se a de outros sujeitos da mesma idade

    e do mesmo grupo social, da mesma forma que maneiras diferentes de vida, em outros

    tempos, em outros espaos e em outras culturas, so partilhados por grupos sociais, e no

    apenas formas individuais de ser e viver. Portanto, neste ciclo de formao, as crianas e pr-

    adolescentes tm possibilidade de perceber um dos aspectos fundamentais da Histria: a

    vivncia coletiva, a identidade que se constri entre grupos de pessoas e as formas de atuao

    e representaes que so, acima de tudo, sociais.

    O estabelecimento de contrapontos continua sendo fundamental nesse processo, e permite

    que o educando descubra o outro coletivo como um diferente de si, na mesma medida em

    que descobre a si como parte de um grupo social pelo contato com o outro. O fato de j

    serem crianas maiores ou pr-adolescentes no implica o abandono da perspectiva de

    privilegiar temas de estudo que digam respeito sua realidade, com os quais tenham alguma

    familiaridade. Tampouco significa que no se possa abordar temas que remetam a realidades

    distantes no tempo e no espao. Partimos do pressuposto de que a escolha dos objetos de

    estudo no pode estar aprisionada a uma ideia de progressivo afastamento, nessa idade de

    formao, daquilo que seria mais prximo ou mais concreto, muitas vezes pressuposto como

    mais adequado para as crianas menores. fato que as crianas e os pr-adolescentes

    podem dar voos maiores, mas no a maior ou menor distncia espao-temporal que

    determina o tamanho desses voos, e, sim, a capacidade de apreenso das realidades, sejam

    elas mais prximas espao-temporalmente, sejam elas mais distantes. Essa capacidade se

    amplia neste ciclo, permitindo que as crianas e pr-adolescentes apreendam aspectos mais

  • 27

    complexos da realidade social, como, por exemplo, a percepo dos interesses e das

    intencionalidades que mobilizam certos grupos sociais e a prpria percepo das

    desigualdades que demarcam relaes sociais em diferentes pocas e culturas.

    Por todas essas razes, rejeitamos a ideia de que neste ciclo deve-se abandonar o estudo de

    realidades mais prximas, como a famlia e a escola, para adentrar em universos mais amplos

    e distanciados, como a cidade, o estado e o pas. Qualquer um desses temas pode ser

    trabalhado em qualquer dos ciclos, do 1 ao 3. No , portanto, o tema em si que deve orientar

    nossas opes curriculares, mas, antes, o que se faz com ele, a maneira de abord-lo, o grau

    de aprofundamento e as relaes que podem ser estabelecidas entre os vrios aspectos

    presentes em qualquer tema de estudo. Ao rejeitar uma lgica de organizao curricular para

    os anos iniciais que pr-define que famlia e escola so temas de estudo do 1 ciclo, enquanto

    cidade, estado e pas constituem contedos do 2 ciclo, optamos por uma flexibilizao das

    escolhas, sem perder de vista as especificidades de cada ciclo.

    Nessa nova lgica, nada impede que crianas do 1 ciclo possam estudar aspectos da Histria

    de sua cidade, ou mesmo possam trabalhar com escalas maiores quando, por exemplo,

    comparam suas maneiras de brincar com as de outras crianas que vivem, por exemplo, na

    China, ou estabelecem contrapontos entre suas brincadeiras e brincadeiras de crianas que

    viveram na Idade Mdia, por exemplo, identificando algumas das mudanas e permanncias.

    Da mesma forma, o estudo da famlia pode comparecer em diferentes momentos da

    aprendizagem em Histria tambm no 2 e mesmo no 3 ciclo. Pensando em um dos temas

    apontados pelos PCN's para o estudo de Histria no 2 ciclo movimentos populacionais

    podemos conceber um estudo que tenha como referncia a prpria famlia do educando. Essa

    famlia j vivenciou processos de mudana, de uma cidade para outra, ou entre estados, ou

    mesmo entre pases? As razes que a levaram a se mudar so parecidas com os motivos de

    milhares de outras famlias que vivenciaram processos migratrios durante a Histria do Brasil

    ou de outros pases? Enfim, no o tema em si, mas a forma de abord-lo e sua possibilidade

    de vinculao com outros temas da Histria que poder nortear a escolha do que ensinar s

    crianas e aos pr-adolescentes.

    Dentro dessa perspectiva, compreendemos que no 2 ciclo, o estabelecimento de contrapontos

    prtica fundamental em Histria no prescinde da abordagem de aspectos relacionados s

    vivncias cotidianas dos educandos. No entanto, quando compara aspectos de sua vida

    como no exemplo citado, o estudo das mudanas vivenciadas por sua famlia e o contrape a

    outros, no tempo e no espao, o educando desse ciclo tem maiores possibilidades de adentrar

    o estudo de outras realidades de uma maneira diferente. Com isso, pode perceber o outro de

    uma outra maneira, e, sobretudo, podendo aprofundar o estudo desse outro, a partir da

  • 28

    abordagem de aspectos diversos de sua vida social, econmica, poltica e cultural.

    Afirmamos a necessidade de compreenso do 2 ciclo em suas especificidades, promovendo um

    dilogo tanto com o que se aprende e ensina no 1 ciclo quanto com o que se prev, de

    aprendizagem histrica, e que est em dilogo com o que se estuda no 3 ciclo. Alm disso, h

    tambm a necessidade de compreender a dinmica prpria que se instaura nesse ciclo, as

    identidades, caractersticas e registros culturais prprios dos sujeitos da aprendizagem desse ciclo, e

    as contribuies da Histria para a sua formao. So reflexes que fundamentaram a elaborao da

    proposta do 2 ciclo, diante da conscincia de que este um momento de ampliao da socializao

    dos educandos e tambm de ampliao de sua capacidade leitora e escritora.

    Seja para compreender melhor alguns aspectos de sua realidade vivenciada, seja para

    conhecer outros modos de vida, em outros tempos e espaos, importante que os estudos de

    Histria possibilitem novas descobertas e, principalmente, instiguem a dvida, o questionamento, o

    levantamento de questes. O fato de o ensino de Histria trabalhar com temas ligados realidade

    social do educando implica o desafio de se evitar uma mera constatao dessa realidade, ou at

    mesmo de se limitar a uma retomada de aspectos j conhecidos pelos educandos, que nada

    acrescentam ao seu repertrio de conhecimentos e capacidades. O objetivo de qualquer disciplina

    e com a Histria no diferente o de promover aprendizagens e, portanto, um ensino que

    no ultrapasse o j conhecido perder seu significado. A abordagem de objetos e aspectos j

    conhecidos s tem sentido se promover novas descobertas a respeito daquilo que familiar,

    desmobilizando as certezas construdas e abrindo possibilidades para a apropriao do novo e a

    releitura do que j se conhece.

    medida que, no 2 ciclo, o educando amplia suas possibilidades de conhecimento de outras

    realidades, os contrapontos feitos entre o j conhecido e o novo assumem uma outra

    dimenso, permitindo que o estudo desse outro se aprofunde. O movimento de ir e vir entre a

    realidade vivenciada e outras realidades, embora devendo ser, ainda, dinmico, j pode ser

    feito de maneira a adentrar essas outras realidades e buscar compreender uma gama maior de

    aspectos, diferenciando-se, dessa forma, dos estudos feitos no 1 ciclo, em que os

    contrapontos tambm essenciais do-se de maneira mais pontual, tomando-se um aspecto

    de cada vez. Por tudo isso, neste ciclo ampliam-se as possibilidades de estudo de temas que

    so mais tradicionalmente reconhecidos como temas histricos, que envolvem perodos e

    grupos sociais que vivem e viveram no Brasil e em diferentes partes do mundo.

    Com isso, afirma-se um ensino de Histria que se fundamenta no apenas na descoberta do

    outro ser social como tambm no trnsito comparativo e apreciativo, mas no valorativo,

    entre a prpria realidade e outras. Mais do que isso, ao realizar esse trnsito, o educando pode

    comear a perceber que o mundo no se restringe ao seu universo de vivncia, que existem

  • 29

    outras formas de vida alm da sua, passos importantes para afirmao de sua heteronomia.

    DIFERENTES GRUPOS SOCIAIS, NO PASSADO E NO PRESENTE: UMA PROPOSTA DE EIXO TEMTICO PARA O 2 CICLO

    Um dos elementos que confere identidade ao 2 ciclo o fato de ser um ciclo de transio

    entre a infncia e a adolescncia, em que os sujeitos vivenciam os primeiros momentos de

    ampliao de sua prpria socializao, com a constituio mais efetiva da identidade de grupo,

    percebendo-se como parte de uma coletividade e sentindo a necessidade de maior partilha

    com outros de sua idade. Este pode ser um momento privilegiado para ampliarem a

    compreenso de que a Histria feita por sujeitos sociais, em prticas predominantemente

    coletivas, em contextos marcados por uma conjugao de mltiplos aspectos, que envolvem

    interesses, intenes, formas de compreender o mundo e de atuar sobre ele. Uma das

    possibilidades vislumbradas que o estudo de diferentes grupos sociais, no passado e no presente, suas identidades e suas formas de relacionamento, de vida e de afirmao transforme-se em eixo temtico do 2 ciclo para abordagem da Histria (e das interfaces em

    trabalhos interdisciplinares).

    Uma abordagem centrada na anlise da presena de diferentes formas de organizao social,

    aqui denominadas grupos humanos e sociais, deve contemplar tanto a anlise da Histria

    pessoal do educando, compreendendo-se a Histria de seu grupo familiar e de convvio, e a

    Histria dos grupos do entorno da escola, suas origens e expresses identitrias, como de

    forma mais ampla, uma anlise da Histria das coletividades humanas em outras pocas e

    sociedades, assim como dos diferentes agrupamentos identitrios no mundo atual.

    A proposta de um currculo centrado no estudo de grupos sociais permite mltiplas abordagens

    em torno da vida desses grupos, desde suas formas cotidianas de viver, trabalhar, relacionar-

    se, participar de atividades religiosas, festivas, celebrativas, etc., abordagem de conflitos

    vivenciados, por exemplo, em relao posse de terra, luta pela conquista de direitos, a

    movimentos de afirmao de identidade tnica, entre outros. A nfase no estudo de grupos

    sociais pode possibilitar, tambm, como sugerem os PCN's (1997), em relao ao 2 ciclo, o

    estudo de aspectos relacionados a deslocamentos populacionais no pas e constituio de

    ncleos urbanos, especialmente ao longo do sculo XX.

    O estudo de diferentes grupos sociais permite tanto um investimento na construo de noes

    temporais bsicas como as de mudanas e permanncias, diferenas e semelhanas,

    sucesso e simultaneidade, passado, presente e futuro que demarcam a especificidade dos

    estudos de Histria nos primeiros anos de escolarizao, como possibilitam o estudo de temas

    da Histria local, regional, do Brasil e do mundo, que tradicionalmente comparecem nos ltimos

  • 30

    anos do Ensino Fundamental.

    Pode-se prever, por exemplo, o estudo de populaes indgenas, no passado e no presente, de

    grupos de africanos e afro-descendentes, de colonizadores e diferentes povos europeus e

    asiticos que imigraram para o Brasil, de grupos de migrantes que, em diferentes momentos de

    nossa Histria, deslocaram-se de uma regio a outra do Brasil, em busca de melhores

    condies de vida, trabalho e moradia. Inclue0-se, a, diferentes grupos que migraram para

    Minas Gerais (por exemplo, durante a corrida do ouro, no sculo XVIII), ou daqui saram, em

    busca de trabalho, ou, ainda, de grupos que se dirigiram para o local do antigo Curral Del Rei,

    no momento em que se erguia a nova capital de Minas, em fins do sculo XIX. O estudo da

    cidade de Belo Horizonte, a partir de seus movimentos migratrios constitui, alis, um dos

    temas que pode mostrar-se bastante significativo, tendo em vista que difcil encontrar uma

    famlia residente em Belo Horizonte, nos dias atuais, que no tenha, pelo menos, um membro

    que veio de outra cidade, ou de outro estado do Brasil, o que poderia possibilitar um trabalho

    interessante de mapeamento das trajetrias vivenciadas pelas famlias dos educandos.

    importante que esse movimento de investigao da Histria e da trajetria das coletividades

    humanas tenha como ancoragem a bagagem que trazem os educandos, sujeitos inseridos

    numa famlia, num grupo social, numa coletividade de convvio.

    Sabemos que muitas vezes o professor do 2 ciclo, predominantemente um professor

    generalista e, portanto, sem a formao especfica em Histria, encontra dificuldades em

    vislumbrar e levar adiante todas essas possibilidades de trabalho. comum que este professor

    busque, nos livros didticos, um importante suporte para a sua prtica com a disciplina. No

    entanto, uma das dificuldades encontradas relaciona-se ao fato de que os livros didticos de

    Histria dos primeiros anos de escolarizao costumam apresentar diferentes lgicas de

    seleo e desenvolvimento de contedos (tambm os mais variados). Sugere-se que o

    professor abandone a perspectiva de descobrir qual livro apresenta a seleo de contedos

    mais correta ou a lista de contedos obrigatrios. Diferentemente, pode-se buscar

    compreender a potencialidade dos livros que esto disposio, explorando-os em sua

    variedade: no livro didtico h no somente uma seleo de contedos, mas imagens, a

    sugesto de uso de msicas, reproduo de quadrinhos, reflexes a partir de charges,

    atividades com mapas, sugestes de observaes e de visitas ao local de moradia, sugestes

    de filmes e toda uma gama de recursos que podem se transformar em materiais didticos

    importantssimos para o planejamento, a execuo e a avaliao do trabalho docente. (Guia do

    Livro Didtico, 2007, p. 9)

    Ao pensar o livro didtico no como um manual a ser rigorosamente seguido, mas como uma

    fonte de inspirao para o trabalho docente, dentre outras tantos materiais com os quais o

    professor poder dialogar, a sala de aula transforma-se num ambiente de explorao,

  • 31

    introduzindo a criana e o pr-adolescente no desafio de pensar os textos, de modo geral e nos

    seus mais variados suportes e linguagens, como construes sociais. O uso sugerido do livro

    didtico, portanto, voltado pesquisa e o professor poder compor uma seleo substantiva

    de contedos e abordagens em dilogo com os diferentes livros em circulao, de modo a

    atender de forma mais satisfatria concepo dos tempos de formao humana que

    sustentam a ideia de ciclo que, sabemos, no est presente na estruturao de obras didticas

    de Histria.

    CAPACIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

    Como contribuio para o planejamento do trabalho docente, os quadros com as matrizes

    curriculares trazem sugestes quanto gradao no tratamento das capacidades em cada ano

    do ciclo e so empregadas as letras I, R, T e C, que remetem aos verbos INTRODUZIR,

    RETOMAR, TRABALHAR e CONSOLIDAR. A definio desses termos aparece no texto

    Introduo, destas Proposies Curriculares, aqui reproduzida a seguir:

    I Introduzir Leva os estudantes a se familiarizarem com conceitos e procedimentos escolares, tendo em vista as capacidades que j desenvolveram em seu cotidiano ou na

    prpria escola. Os estudantes, no seu dia a dia, desenvolvem muitos conhecimentos e, nesse

    sentido, introduzir no significa necessariamente um primeiro contato com determinado conceito, mas, sim, um primeiro tratamento escolar dele, que busca articular o que o estudante

    j sabe com a nova situao-problema. Da mesma maneira, a abordagem inicial de uma

    determinada capacidade/habilidade muitas vezes depende de contedos e de procedimentos

    que foram aprendidos na prpria escola, quando do desenvolvimento de outras

    capacidades/habilidades. Assim, a introduo dessa nova capacidade acontecer de modo

    articulado com uma retomada de aspectos relacionados a essas outras capacidades.

    R Retomar Ao se introduzir o trabalho pedaggico com uma determinada capacidade, aspectos que se relacionam a outras capacidades j consolidadas necessariamente tero de

    ser retomados, sendo ampliados medida que se trabalha sistematicamente com essa nova

    capacidade a ser desenvolvida. Assim, procuraremos evidenciar aquelas capacidades que,

    mesmo aps serem consolidadas, sero objeto de trabalho pedaggico do professor, por

    serem importantes no desenvolvimento de outras. importante ressaltar que Retomar no tem o mesmo sentido de revisar. Revisar tem muitas vezes um sentido de repetio de algo que j

    deveria ter sido aprendido. Retomar significa que o estudante j est aprendendo algo novo e que, para isso, h uma nova abordagem daquilo que j foi ensinado. Promove, assim, uma

    ampliao das capacidades e uma nova e diferente oportunidade para aqueles estudantes que

    no a desenvolveram plenamente.

  • 32

    T Trabalhar Tipo de abordagem que explora de modo sistemtico as diversas situaes-problema que promovem o desenvolvimento das capacidades/habilidades que sero enfocadas

    pelo professor. Demanda um planejamento cuidadoso das atividades que devero ser

    variadas, de modo a explorar as vrias dimenses dos conhecimentos disciplinares que se

    relacionam a uma determinada capacidade e tambm as inter-relaes com outras

    capacidades/habilidades. importante que o professor organize seu trabalho tendo bem

    definida a capacidade que pretende desenvolver. Essa uma fase em que os processos

    avaliativos so fundamentais para que o professor defina as intervenes a serem feitas no

    processo de ensino-aprendizagem, de modo a ter clareza sobre o que efetivamente poder ser

    consolidado pelos estudantes ao final desse processo.

    C Consolidar No contnuo processo de aprendizagem dos estudantes, chega um momento em que preciso sedimentar os avanos que ocorreram em seus conhecimentos. Nesse

    momento, determinados conceitos, procedimentos e comportamentos que foram trabalhados

    sistematicamente pelo professor devem ser colocados como objeto de reflexo na sala de aula,

    de modo que o trabalho pedaggico realizado com eles seja claramente concludo. Esse o

    momento em que se formaliza a aprendizagem de acordo com a capacidade que foi

    desenvolvida, na forma de resumos, snteses e registros com a linguagem adequada a cada

    rea do conhecimento. A avaliao assume nessa fase o objetivo de compor um quadro das

    aprendizagens que foram construdas pelos estudantes, que sero tomadas como referncia

    na comunicao com as famlias e na continuidade do trabalho pedaggico no ciclo.

    Afirmando a Histria dos grupos humanos como temtica do 2. ciclo e buscando compreender

    e problematizar as maneiras de socializao presentes em diferentes contextos, pocas e

    sociedades, espera-se que o educando torne-se capaz de:

    1. EIXO NORTEADOR: FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO HISTRICO

    Perceber a historicidade presente em aspectos diversos da vida social, promovendo o processo de desnaturalizao do mundo sua volta.

    Compreender que o saber histrico um processo que envolve sujeitos, temporalidades, eventos, processos e conceitos histricos.

    Aprender Histria aprender que todas as criaes e aes humanas, desde artefatos e

    objetos, s suas relaes, formas de sentir e significar o mundo, tudo possui historicidade, ou

    seja, foi criado, construdo em certo momento histrico, por sujeitos que possuam (e ainda

    possuem) intenes e visavam (visam) a algum objetivo, em dilogo com outros sujeitos de sua

    poca, e em meio a relaes e constrangimentos instaurados pela vida em sociedade. Em

  • 33

    outras palavras, a Histria nos mostra que as coisas nem sempre foram como so, que j

    foram de um jeito diferente em outro momento e ainda so em outras coletividades e em

    outros contextos e que tambm no so eternas. isso que costumamos chamar de

    historicidade. Sua percepo est ligada ao processo de desnaturalizao do mundo social.

    Quer dizer, exatamente por serem fruto de aes humanas no tempo, os processos da vida

    social no so naturais ou dados de uma vez por todas ou iguais em todos os contextos. Eles

    so histricos e se transformam no tempo e no espao. A percepo da historicidade, iniciada

    no 1 ciclo, deve ser ampliada no 2 ciclo, quando os educandos podem perceb-la em sua

    dimenso social e coletiva, como fruto da ao de grupos e no de sujeitos isoladamente. Alm

    disso, neste ciclo, os educandos tm condies de estabelecer relaes entre diferentes

    variveis, percebendo a historicidade em contextos marcados por uma multiplicidade de

    aspectos e processos sociais.

    2. EIXO NORTEADOR: TEMPORALIDADE HISTRICA

    Apropriar-se de alguns instrumentos de marcao e datao do tempo e iniciar a sistematizao de conceitos, tais como passado/presente/futuro,

    sucesso/simultaneidade, mudanas/permanncias, diferenas/semelhanas.

    Compreender o tempo como construo social e a temporalidade histrica em suas vrias dimenses: cronolgica, de duraes e de diferentes ritmos de tempo

    vivenciados socialmente, compreendendo outras dimenses culturais, como por

    exemplo, o tempo virtual.

    Ao desenvolver temas de estudo pautados pelo investimento na construo de noes

    temporais, criam-se oportunidades para que os educandos desenvolvam capacidades

    relacionadas percepo do tempo em suas vrias dimenses: cronolgica, de duraes e de

    ritmos temporais. A dimenso cronolgica diz respeito ao tempo dos calendrios, que, embora

    referenciado em aspectos do tempo fsico (a passagem dos dias e das noites, o ciclo de um

    ano), um tempo social, um tempo de marcaes prprias de cada cultura, de cada poca. Por

    essa razo, presenciamos a emergncia de diferentes calendrios, que trazem as marcas de

    suas pocas e povos. O trabalho visando apreenso da dimenso cronolgica deve incluir,

    alm da compreenso do tempo como construo social, a apropriao de elementos de

    marcao temporal prprios de nossa cultura, como a diviso em dias da semana e em meses

    do ano, e os agrupamentos mais comumente referidos em Histria, como dcadas e sculos.

    Um bom momento para se perceber os calendrios como formas sociais de marcao do

    tempo pode acontecer durante a comemorao de datas especiais do calendrio civil, as

    chamadas datas comemorativas. Ao trabalhar com essas datas, por exemplo, pode-se criar um

  • 34

    momento de reflexo sobre os seus significados sociais e os processos de eleio dessa data

    e no de outra para relevncia em uma poca. Alm disso, possvel desenvolver uma anlise

    de como ns, sujeitos comuns, fazemos essa operao em nossa prpria trajetria de vida

    pessoal, elegendo algumas datas para serem lembradas, outras para serem esquecidas ou

    silenciadas.

    Um dos recursos utilizados por professores para favorecer a apreenso da dimenso

    cronolgica do tempo histrico a construo de linhas do tempo. O trabalho com essa forma

    de representao exige certa cautela e clareza de seus limites. Ao mesmo tempo em que essa

    forma de representao contribui para a construo das noes de passado, presente e futuro, assim como de sucesso e simultaneidade, ela refora as ideias de linearidade, homogeneidade e progresso, fazendo crer que todos os povos vivenciam ou deveriam

    vivenciar uma mesma Histria, que caminha linearmente de um estgio menos evoludo para

    um estgio de desenvolvimento e progresso. Sabemos que a Histria humana, a Histria de

    diferentes povos, no se faz dessa maneira e que as referncias do que seja evoluo,

    progresso, desenvolvimento so polissmicas, forjadas em meio a conflitos, disputas e

    relaes de poder.

    Outra forma de representao do tempo muito comum em Histria a sua diviso em grandes

    perodos. As periodizaes nos remetem ao que permanece por um tempo um perodo e

    sua transformao, que demarca o incio de um novo perodo. O estudo das periodizaes nos

    descortina um tempo histrico que tambm feito de duraes, a partir das quais se podem identificar mudanas e permanncias, conceitos fundamentais para o desenvolvimento da noo de temporalidade entre os sujeitos aprendentes. O conceito de duraes temporais foi criado por Braudel (1983) que nos apresenta a ideia dos ritmos em que ocorreriam as

    mudanas histricas: a curta durao, a velocidade dos eventos, dos acontecimentos breves,

    com datas e lugares bem definidos; a mdia durao ou o tempo conjuntural dos fenmenos

    econmicos ou dos governos perodos que corresponderiam a dcadas ou at a um sculo

    e, por fim, a longa durao, o tempo das permanncias ou das mudanas praticamente

    imperceptveis que caracterizam as formas de organizao social, as relaes de trabalho, os

    sistemas produtivos e religiosos, as civilizaes e as culturas. Alm disso, no podemos perder de vista que as periodizaes so resultantes de construes

    sociais, e que o estabelecimento de determinados marcos como momentos que inauguram ou

    encerram perodos histricos uma operao que envolve escolhas, quase sempre marcadas

    por disputas, jogos de interesse, relaes de poder. Por fim, devemos lembrar que as

    diferentes formas de viver o tempo elaboradas no interior de cada cultura e de cada poca nos

    remetem a uma outra importante dimenso do tempo histrico, aos diferentes ritmos de tempo, que nos permitem perceber diferenas e semelhanas, noes temporais

  • 35

    fundamentais no aprendizado da temporalidade histrica.

    3. EIXO NORTEADOR: SUJEITOS HISTRICOS

    Desenvolver a capacidade de reconhecimento de si e do grupo de convvio como sujeitos da Histria, alm do reconhecimento de outros grupos em sua historicidade.

    Reconhecer prticas sociais e bens culturais como construes coletivas, fruto de experincias de diferentes grupos sociais espacialmente situados, por meio dos

    tempos.

    Desenvolver a empatia histrica, ou seja, a capacidade de avaliar as razes, os fundamentos e as intencionalidades dos sujeitos em outros contextos, em outras

    pocas e culturas.

    Esse eixo tem por pressuposto duas noes fundamentais: a de que a Histria feita por

    grupos sociais, em sua vivncia coletiva, e a de que as pessoas comuns so sujeitos da

    Histria, o que nos remete historicidade presente na vida cotidiana. Para consolidar esse

    pressuposto torna-se necessrio fazer emergir, em sala de aula, esses diferentes sujeitos:

    mulheres e homens, crianas, jovens e idosos, trabalhadores e patres, governantes e

    cidados, pessoas da cidade ou do campo, includos e excludos socialmente, aqueles que se

    veem como brancos, negros, indgenas, amarelos e mestios, em suas relaes com a

    famlia, o trabalho, o lazer, o descanso, a religiosidade, as comemoraes e todas as outras

    dimenses que fazem parte da experincia humana, no presente e em outras pocas.

    Trabalhar com aspectos da histria de vida e familiar dos educandos, assim como de seus

    diferentes grupos de convvio, uma maneira de contribuir para sua autoidentificao como

    sujeito histrico.

    A esse pressuposto de uma Histria encarnada liga-se outro, fundamental, da necessidade de

    compreenso e crtica dos gestos de eleio de alguns sujeitos concebidos como heris.

    Dessa maneira, importante tanto, de um lado, o estudo de uma Histria feita pela ao

    humana, quanto, de outro, a cautela para que seja evitado e criticado o super

    dimensionamento da ao de alguns sujeitos histricos destacados da teia de relaes

    sociais em que vivem e das circunstncias de suas aes. Estudar alguns acontecimentos

    histricos a partir da meno quase exclusiva a determinados personagens uma prtica que

    deve ser evitada.

    A capacidade de entendimento de modos de vida diferenciados e diversos daquele de

    referncia, e a sua potencialidade para compreenso das razes e fundamentos das atitudes

    dos sujeitos histricos em outros contextos, outros espaos e outros tempos, remete-nos ao

  • 36

    desenvolvimento da capacidade de empatia histrica. Ela possibilitada pelo exerccio de se

    imaginar no lugar do outro, procurando compreender sua lgica, intenes, motivaes para

    agir e pensar de uma maneira diferente da sua.

    4. EIXO NORTEADOR: CONHECIMENTO HISTRICO COMO CONSTRUO SOCIAL

    Iniciar processos de questionamento em relao ao conhecimento histrico produzido, vendo-o como produo arbitrada, permeada de conflitos, relaes de

    poder, abordagens e pontos de vista diferenciados.

    Neste eixo se explicitam concepes relacionadas noo de que o conhecimento histrico

    uma construo social, sendo, portanto, o resultado de arbtrios, silenciamentos e narrativas

    deliberadamente escolhidos como vlidos para cada poca, grupo ou gerao.

    Espera-se que no 2 ciclo os educandos j possam comear a perceber algumas controvrsias

    sobre determinados temas, identificando diferentes posicionamentos e formas de abordagem,

    muitas vezes apresentados como verdades inquestionveis por muitos materiais didticos.

    Cabe ao professor, desenvolver estratgias para iniciar o educando neste debate sobre o

    conhecimento histrico como construo social, operao que se estende ao conhecimento

    histrico escolar. Podemos tomar como exemplo a narrativa sobre o chamado descobrimento

    do Brasil, que pode ser estudada a partir do confron