paulo roberto ferreira · para as professoras mônica herz e andreia ribeiro hoffmann, integração...

81
Paulo Roberto Ferreira A INTEGRAÇÃO POSITIVA DOS FUNDOS ESTRUTURAIS NA INTEGRAÇÃO REGIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DO FUNDO EUROPEU DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E DO FUNDO DE CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL DO MERCOSUL Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de mestre em Relações Internacionais. Orientadora: Profª. Drª. Karine de Souza Silva Florianópolis 2013

Upload: phungthuy

Post on 10-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Paulo Roberto Ferreira

A INTEGRAO POSITIVA DOS FUNDOS ESTRUTURAIS NA

INTEGRAO REGIONAL: UM ESTUDO A PARTIR DO FUNDO

EUROPEU DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E DO FUNDO DE

CONVERGNCIA ESTRUTURAL DO MERCOSUL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps

Graduao em Relaes Internacionais da

Universidade Federal de Santa Catarina para a

obteno do Grau de mestre em Relaes

Internacionais.

Orientadora: Prof. Dr. Karine de Souza Silva

Florianpolis

2013

25

2 A INTEGRAO POSITIVA NA INTEGRAO REGIONAL

Consideraes preliminares

O objetivo deste captulo discutir e analisar um dos

temas centrais da dissertao: a integrao positiva. Nessa perspectiva,

no haver um esgotamento dos conceitos que envolvem o tema, mas

sim uma abordagem no sentido de delimitar as noes primrias que

norteiam este trabalho.

Para tal fim, o captulo est dividido em trs partes. Na

primeira, apresentar-se- os conceitos de integrao regional tradicionais

na literatura, com o intuito de abraar aquele que melhor atende

hiptese da presente pesquisa. Buscar-se-, tambm, uma definio que

englobe os processos de integrao da Unio Europeia e do

MERCOSUL. No h inteno, portanto, de se aprofundar no debate

sobre as classificaes e tipos de integrao regional. Contudo, aceita-se

aqui a premissa segundo a qual os processos de integrao regional so

aqueles que criam instituies acima ou entre os Estados.

Em seguida, sero elencados os principais entendimentos de

integrao positiva, com o propsito de reafirmar o valor que o tema

assume diante da integrao regional. A percepo adotada aqui que

essas duas formas de integrao so indissociveis, a despeito de serem

opostas. Neste sentido, por fim, tentar-se- encontrar um denominador

comum entre as teorias neofuncionalista e intergovernamentalista para

dar suporte analtico aos estudos da funo poltica da integrao

positiva nos arranjos integracionistas. Em vista disso, as teorias de

integrao regional no sero estudadas aqui como um tema definidor

desta pesquisa, mas sim como ferramentas que lanam luz sobre a

importncia da integrao positiva.

2.1 O CONCEITO DE INTEGRAO REGIONAL

essencial para o entendimento da dissertao a

apresentao de uma determinao acurada de Integrao Regional que

abarque os processos aqui estudados: MERCOSUL e Unio Europeia. A

Integrao Regional um fenmeno que pode ser entendido de acordo

com o pensamento de vrios estudiosos no assunto.

O iminente terico Ernst B. Haas a define como um

processo no qual: atores polticos em vrios contextos nacionais

distintos so persuadidos a mudar suas lealdades,

26

expectativas e atividades polticas para um novo

centro, cujas instituies possuem ou demandam

jurisdio sobre os estados nacionais pr-

existente. O resultado final desse processo de

integrao poltica uma nova comunidade

poltica, sobreposta s pr-existentes.1

A definio acima ampla, mas guarda as principais

caractersticas dos processos de integrao existentes, sobretudo o da

Unio Europeia. Haas elaborou essa explicao clssica na obra seminal

intitulada The Uniting of Europe. O autor vivenciou a experincia do

fenmeno que acontecia no velho continente, onde os atores polticos,

pressionados pelo contexto externo e interno, viram a necessidade de

transferir dos Estados para uma nova abstrao institucional acima deles

(processo poltico) as suas lealdades e expectativas (processo social).

Outro juzo mais direto de integrao regional, muito

citado e tambm apresentado por Haas, o de que ela acontece quando

Estados se mesclam com seus vizinhos at o ponto de perderem

atributos reais de soberania enquanto adquirem novas tcnicas para

resolverem conflitos conjuntamente2 Ambos entendimentos, no

entanto, no abrem mo do quesito supranacional.

L. Lindberg, tambm conceituado estudioso da integrao

europeia, nos revela um julgamento do fenmeno que comporta um

novo rgo central, sem, no entanto, necessariamente redundar numa

nova comunidade poltica: integrao poltica (1) o processo pelo qual as

naes renunciam o desejo e a capacidade de

conduzir polticas nacionais e internacionais

fundamentais independentemente uma da outra,

buscando tomar decises conjuntas ou delegar o

processo de tomada de deciso para novos rgos

centrais, e o processo (2) pelo qual os atores

polticos em vrios contextos nacionais distintos

1HAAS, Ernst, B. The Uniting of Europe: Political,

Social and Economic Forces, 19501957, 2nd edn (Stanford, CA:

Stanford University Press, 1968. p.16 2 HAAS, Ernst B. (1971) apud SCHMITTER, Philippe C.

A experincia da integrao europeia e seu potencial para a

integrao regional Lua Nova, So Paulo, 80: 9-44, 2010. p. 30. Essa

definio de integrao regional clssica na literatura, sendo citada por

vrios autores especialistas no tema.

27

so persuadidos a mudar suas expectativas e

atividades polticas para um novo centro.3

Muitas definies tm em comum que no processo de

integrao regional haver, sempre, a criao de uma nova instituio

novo centro que atender expectativas dos atores nacionais e

incorporar atividades polticas que antes eram restringidas aos Estados.

Na citao de Lindberg, no entanto, est explcito que as naes podem

usar o processo de integrao para tomarem decises conjuntas ou

delegarem esse poder a um rgo central acima delas. Tal opinio, no

to rgida em relao presena ou no da supranacionalidade,

importante operacionalmente nesta dissertao, pois se adequaria s

demais tentativas de integrao no mundo, e no somente Unio

Europeia4.

Para as professoras Mnica Herz e Andreia Ribeiro

Hoffmann, integrao regional um processo dinmico de

intensificao em profundidade e abrangncia das relaes entre atores

levando criao de novas formas de governana poltico-institucionais

de escopo regional5. Portanto, neste sentido, as relaes interestatais

passam a ter, ao serem institucionalizadas, um espao regional

especfico de governana.

Como apresentado, o termo Integrao Regional no

remete a uma definio clara, comum e compartilhada por toda seara

acadmica de Relaes Internacionais6. No entanto, para atender as

3 LINDBERG, L. The Political Dynamics of European

Economic Integration. Stanford, CA: Stanford University Press;

London: Oxford University Press, 1963. p. 149 4 Outros blocos regionais entendidos como processos de

integrao so: Unio Africana, Liga rabe, Associao das Naes do

Sudeste Asitico, Unio das Naes Sul-americanas, Comunidade

Andina, entre outros. Para saber mais, consultar OLIVEIRA, Odete

Maria de. Velhos e novos regionalismos: uma exploso de acordos

regionais e bilaterais no mundo. Iju: Ed. Uniju, 2009. 5HERZ, Mnica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro.

Organizaes internacionais: histria e prticas. Rio de Janeiro:

Campus, 2004. Cap. 5 p. 168. 6 NYE, Joseph N. Comparative Regional Integration:

Concept and Measurement. International Organization , Vol. 22, No.

4 (Autumn, 1968), p. 855-880

28

demandas dessa dissertao, abraa-se o entendimento de Herz e

Hoffmann, pois os processos de integrao do MERCOSUL e da Unio

Europeia so dinmicos, retrocedem e avanam a partir de uma lgica

dialtica, ao mesmo tempo em que criaram novos espaos regionais de

governana e concertao poltica. Outrossim, concorda-se aqui com a

ideia do cientista poltico norte-americano Joseph Nye, que considera

que as integraes polticas e econmicas no caminham pari passu

num mesmo processo, e que h estgios para cada uma delas, podendo

ocorrer at mesmo retrocesso em uma rea e avano em outra7. No

obstante, considera-se que reas de Livre Comrcio no configuram um

processo de Integrao8 Regional, uma vez que apenas proporcionam a

liberalizao comercial entre as partes sem criar instituies reguladoras

ou polticas regionais comuns.

Integrao Regional difere de regionalizao, pois esta

ltima gerada pela interdependncia9. Enquanto a primeira guiada

formalmente pelos Estados, a segunda um processo decorrente do

aumento de fluxos econmicos dos mercados nacionais vizinhos,

podendo tambm promover a integrao10

, mas normalmente culmina na

elaborao de acordos de redues tarifrias ou de livre-comrcio, o que

7 Idem. p. 859

8 De acordo com o Dicionrio, o termo integrar significa:

Tornar(-se) parte de um conjunto ou de um grupo. =INCLUIR,

INCORPORAR. 9 MALAMUD, Andres. Conceptos, teoras y debates sobre

la integracin regional. In ARNAIZ, Alejandro Saiz. MORALES-

ANTONIAZZI, Mariela. UGARTEMENDIA, Juan Ignacio. (Coord.),

Las implicaciones constitucionales de los procesos de integracin en

Amrica Latina: Un anlisis desde la Unin Europea. 2011. p. 55-84 10

Devido s caractersticas metodolgicas desta dissertao

e do seu tema de estudo (o MERCOSUL e Unio Europeia), ser usado

somente o conceito de integrao de unidades polticas soberanas (entre

Estados-Nao). Para estudos alternativos de integrao so

interessantes os argumentos da Teoria Crtica. Para os adeptos dessa

escola de pensamento, uma integrao profcua deve ter como base uma comunidade de dilogo global que gere consensos em torno de temas

sensveis, entre eles o de repensar o papel do Estado soberano. Para

saber mais, ver, entre outros: Linklater, A. The transformation of

political community: ethical foundations of the posWestphalian era.

Columbia: University of South Carolina, 1998.

29

no configura Integrao, pois, conforme exposto no conceito acima,

no criam instituies.

Neste sentido, a integrao somente econmica entre

Estados no faz, inevitavelmente, surgir uma instituio supranacional,

ou uma Organizao Internacional. Essa ltima tem a seguinte

definio: (...) associaes voluntrias de Estados

estabelecidos por acordo internacional, dotadas de

rgos permanentes, prprios e independentes,

encarregados de gerir sobre interesses coletivos e

capazes de expressar uma vontade juridicamente

distinta da de seus membros.11

A partir da definio de Diez de Velasco, percebe-se que as

Organizaes Internacionais tm capacidade de expressar uma vontade

jurdica prpria12

. Essas instituies com tal capacidade so criadas,

tambm13

, em processos que tm como objetivo aprofundar a integrao

econmica de Estados limtrofes.

A simples integrao econmica entre naes soberanas se

tornou muito comum e seu motor est na globalizao dos mercados

mundiais. um fenmeno que caminha a passos graduais e pode

redundar ou no em uma integrao mais poltica. As etapas ideais de

integrao econmica, distinguidas claramente por Bela Ballasa14

,

11

DIEZ DE VELASCO, Manuel. Las Organizaciones

Internacionales.13.ed. Madrid: Tecnos, 2001. p. 43 12

As Organizaes Internacionais so sujeitos de Direito

Internacional Pblico desde 1949, quando a Corte Internacional

reconheceu a personalidade jurdica de uma Organizao ao atribu-la

capaz de ser titular de direitos e deveres internacionais. Neste sentido,

consultar: SILVA, Karine de Souza. Organizaes Internacionais de

Integrao Regional: abordagens terico-conceituais. In SILVA, Karine

de Souza; COSTA, Rogrio Santos da. Organizaes internacionais de

integrao regional: Unio Europeia, Mercosul e UNASUL.

Florianopolis: Fundao Jos Arthur Boiteux, 2013. p. 13 a 51. 13

O conceito de Velasco acolhe, principalmente, as Organizaes Internacionais multilaterais para fins gerais ou especficos,

como a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Organizao Mundial

do Comrcio (OMC), etc.

14 BALASSA, Bela. Teoria da integrao econmica.

Lisboa: Livraria Clssica Editora, 1961.

30

indicam a profundidade do processo, que comporta quatro etapas ideais:

rea de Livre Comrcio; Unio Aduaneira; Mercado Comum e; Unio

Econmica Monetria. Sero explicitadas em seguida essas etapas, para

posteriormente adentrar-se nos conceitos de Integrao Negativa e,

sobremaneira, no de Integrao Positiva.

Na adequao dos perodos segundo Ballasa, em escala de grau

crescente, a formao de uma rea de Livre Comrcio aquela que

apresenta o menor ndice de integrao econmica. a forma mais

primitiva e a que a mais utilizada pelos blocos econmicos. Quando

naes que mantm relaes comerciais se associam com o escopo de

eliminar todas as barreiras tarifrias entre elas, tem-se a formao de

uma rea de Livre Comrcio. So mantidas por cada membro do bloco

as suas prprias barreiras tarifrias aos pases no membros15

. Como

exemplos desta forma de integrao econmica, h a Associao

Europia de Livre Comrcio (EFTA), e o Acordo Americano de Livre

Comrcio (NAFTA) e a Aliana do Pacfico.

A formao de uma Unio Aduaneira16

representa um grau mais

elevado de integrao econmica. Alm de comportar as mesmas

caractersticas de uma rea de livre comrcio, numa Unio Aduaneira os

membros adotam uma tarifa externa comum (TEC)17

. De forma mais

esclarecida, uma Unio Aduaneira agrega, ao mesmo tempo, uma rea

de Livre Comrcio a uma poltica comercial externa conjunta para todos

os membros. Com isso, espera-se que os membros passem a possuir uma

nica voz em negociaes internacionais. Para aumentar a eficincia de

uma Unio Aduaneira, mister que os pases membros adotem uma

conduta de poltica cambial, fiscal e monetria convergentes, para

facilitar o alinhamento de seus ciclos econmicos18

.

Seguindo a elevao do grau de intensidade de uma integrao

econmica, o Mercado Comum, alm de comportar as caractersticas de

uma Unio Aduaneira, permite a livre circulao de fatores de produo

15

SALVATORE, Dominick. Economia internacional. 6.

ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000. p. 238. 16

A primeira Unio Aduaneira destaque surgiu no findar

da Segunda Guerra Mundial, em 1943, entre Holanda, Blgica e

Luxemburgo, e era intitulada de BENELUX. 17

TECs so barreiras tarifrias externas comuns aos pases

no membros. 18

NEVES, Renato Baumann; GONALVES, Reinaldo;

CANUTO, Otaviano. Economia internacional: teoria e experincia

brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 286

31

dentro do bloco. Desta maneira, formar-se-, aos poucos, um mercado

nico de fatores de produo na regio. Destarte, por acarretar o

alinhamento das polticas internas e externas dos pases membros, num

Mercado Comum faz-se necessria a existncia de instituies

supranacionais para atuarem de forma conjunta dentro do bloco. Em

1993 a Unio Europeia tornou-se um Mercado Comum19

.

A formao de uma Unio Econmica apresenta o grau mais

elevado de integrao econmica, pois unifica as polticas monetrias e

fiscais dos pases membros. um estgio seguinte ao Mercado Comum.

Neste nvel de integrao, a moeda nacional de cada Estado Membro

substituda por uma moeda nica com livre circulao dentro do bloco.

A autoridade monetria e a poltica macroeconmica de cada Estado so

substitudas por um nico rgo e Banco Central - para toda a

regio20

.

MERCOSUL e Unio Europeia esto em estgios muitos

distintos de integrao21

. A UE formada por vinte oito Estados-

membros, que fazem parte do Mercado nico, mas apenas dezessete

deles compem a zona do euro. O MERCOSUL possui cinco Estados-

Membros e classificado pelo governo brasileiro como uma unio

aduaneira em processo de formao, apesar de no perfazer

completamente uma rea de livre comrcio entre seus scios.

19

As bases para a concretizao de um Mercado nico na

Unio Europeia foram lanadas em 1986, com o Ato nico Europeu. O

Mercado Comum ou nico foi alcanado em 1 de janeiro de 1993.

EUROPA, Snteses da Legislao da UE. Acto nico Europeu.

Disponvel em:

Acesso em: 10 ago. 2013. 20

A Unio Monetria passou a coexistir na Unio

Europeia em 1999. O Banco Central Europeu foi instaurado em 1 de

junho de 1998 e teve 7 meses para das incio a substituio das moedas

nacionais por uma moeda nica. O Euro comeou a circular em janeiro

de 2002, configurando a zona do euro, que formada pelos seguintes

pases: Alemanha, ustria, Blgica, Chipre, Eslovquia, Eslovnia, Espanha, Estnia, Finlndia, Frana, Grcia, Republica da Irlanda,

Itlia, Luxemburgo, Malta, Pases Baixos e Portugal. 21

Os avanos e retrocessos dos dois processos

integracionistas sero analisados nos captulos seguintes, com maior

nfase ao caso do MERCOSUL.

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_singleact_pt.htmhttp://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_singleact_pt.htm

32

Uma vez estabelecida a Integrao entre naes soberanas, elas

podem se submeter a dois tipos de constrangimentos22

integracionistas: os negativos e os positivos. A seguir, apresenta-se esses

conceitos chaves para a pesquisa.

2.2 INTEGRAO NEGATIVA E INTEGRAO

POSITIVA

O processo de Integrao Regional ocorre de duas maneiras: a

primeira atravs da remoo de barreiras comerciais e harmonizao das

legislaes aduaneiras; a segunda por meio de polticas conjuntas

acordadas e executadas pelos rgos de uma organizao internacional

ou supranacional que regulam o funcionamento dos mercados, o ritmo

da integrao e promovem o desenvolvimento econmico e social. A

primeira caracterstica da Integrao Negativa e a segunda da

Integrao Positiva. Essa distino foi apresentada pela primeira vez

pelo economista Jan Tingerben, na obra Integrao Econmica

Internacional, de janeiro de 195423

.

A Integrao Negativa por si s no garante uma distribuio

ideal dos efeitos benficos da Integrao entre as naes. Atingir altos

padres de desenvolvimento num espao econmico comum

consequncia de um processo lento e no automtico. Todavia, isso

acelerado com medidas positivas.24

Tinbergen oferece o seu ponto de

vista econmico poca do alvorecer da Unio Europeia: (...) h a necessidade de aes positivas do campo

da produo. A tima diviso do trabalho uma

questo complicada, implicando reduo do

nmero de tipos de produo para uma planta,

especializao de plantas sobre tipos especiais e

uma distribuio no mercado. Questes sobre

fornecer partes para a montagem de plantas

surgem, etc. Pode-se deixar para as livres foras

22

Termo usado por Fritz. W. Scharpf ao descrever s aes

que os Estados Europeus deveriam adotar diante do compromisso legal

assumido ao entrarem na Unio Europeia. Neste sentido, consultar:

SCHARPF. Fritz W. Balancing Positive and Negative Integration:

The Regulatory Options for Europe. MPIfG Working Paper 97/8, November 1997.

23 TINGERBEN, Jan. International Economic

Integration. Erasmus School of Economics (ESE). p. 122 Disponvel

em http://repub.eur.nl/res/pub/15343/. Acesso: 25 jun. 2013 24

Idem.

http://repub.eur.nl/res/org/9724/http://repub.eur.nl/res/pub/15343/

33

de competio chegarem a uma situao

satisfatria, mas provavelmente ser mais rpido

se um programa de reorganizao tomado

deliberadamente e preparado em detalhe. Isso no

significa que tal ao no pode ser privada.

Deveria ser, se possvel; mas os governos podem

estimul-la e agir se nenhuma ao privada for

feita a respeito.25

De norte claramente keynesiano26

, Tingerben alega que os

governos27

, ou rgos regionais, podem, se o livre mercado no o fizer

em curto prazo, utilizar polticas que favoream os setores econmicos

mais sensveis para que todo o espao integrado consiga extrair

vantagens da Integrao Negativa. Essas medidas positivas, outrossim,

atuam no sentido de impedir que a Integrao Negativa aumente as

assimetrias estruturais entre as regies integradas, j que esta favorece

os setores e regies competitivamente mais fortes.

Essa dissertao acolhe a explicao de Tingerben, e

abraa tambm a interpretao de Gerardo Caetano, que mais prxima

do processo de integrao no MERCOSUL28

A integrao positiva configura uma comunidade

de interesses mediante medidas positivas, que

normalmente requerem o acordo dos governos

nacionais nas instituies comuns e uma explcita

legitimao poltica, como os fundos de

reconverso, a reduo das assimetrias regionais e

o fortalecimento das infraestruturas de modo a

favorecer indiretamente o comrcio intrazona.29

25

Ibidem. p.122. 26

De fato, as medidas de Integrao Positiva so, em

essncia, similares s medidas econmicas adotas no mbito nacional

para estimular a economia. 27

No original, goverments, que tambm significa

administrao pblica. 28

Vide captulo 2. 29

CAETANO, Gerardo. VZQUEZ, Mariana. VENTURA, Deisy. Reforma institucional del MERCOSUR. Anlisis de

un reto.In: CAETANO, Gerardo. (Coord.). La reforma institucional

del MERCOSUR: Del diagnstico a las propuestas.Uruguay: Trilce,

2009. p. 43. Disponvel em

34

Nas duas interpretaes acima, patente que a Integrao

Positiva um suporte para a Integrao Negativa. O excerto de Caetano

se encerra com a proposio de que as medidas positivas servem para

favorecer o comrcio intrazona.

Seguindo esta lgica, Manuel Carlos Lopes e Renato

Galvo Flores sustentam que: (...) o aproveitamento pleno [da Integrao] s

ser conseguido com a criao de economias

externas indispensveis, por exemplo com a

construo de infra-estruturas de transportes e

comunicaes, com a investigao cientfica e

tecnolgica e com a formao profissional.30

Deste modo, a Integrao Positiva desponta como uma

necessidade gerada pela Integrao Negativa. Quando as dificuldades

econmicas existentes, em regies submetidas integrao com

mercados maiores, so classificadas como barreiras para o

aproveitamento timo da Integrao Negativa, fazem-se necessrias,

portanto, as medidas positivas.

Fritz W. Sharpf sintetiza claramente essa dualidade entre

Integrao Negativa e Positiva como: i.e. entre medidas que aumentam a integrao

entre os mercados atravs da eliminao de

restries nacionais sobre o comrcio e distores

de competio, de um lado, e polticas Europeia

comuns para moldar as condies nas quais os

mercados operam, de outro lado.31

MERCOSUR.-Del-diagn%C3%B3stico-a-las-propuestas..pdf> Acesso:

02 ago. 2013 30

PORTO, Manuel Carlos Lopes. FLORES, Renato

Galvo. Teoria e Polticas de Integrao na Unio Europeia e no

Mercosul. FGV Editora. 2008. p. 19. 31

SHARPF, Fritz W. Negative and Positive Inregration in

the Political Economy of European Welfare States. In: MARKS, Gary.

SCHARPF, Fritz W. SCHMITTER, Philippe C. STREECK, Wolfgang.

(Orgs). Governance in the European Union. Sage Publications Ltd.

1996. p.15

http://cefir.org.uy/wp-content/uploads/downloads/2012/05/La-reforma-institucional-del-MERCOSUR.-Del-diagn%C3%B3stico-a-las-propuestas..pdfhttp://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Gary+Marks%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Fritz+W+Scharpf%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Philippe+C+Schmitter%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Wolfgang+Streeck%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Wolfgang+Streeck%22

35

Para Andrs Malamud32

esse tipo de procedimento de

medidas positivas - necessita de organizaes e regras supranacionais,

enquanto que para o cumprimento das normas de eliminao dos

obstculos comerciais basta a interao intergovernamental. Ainda

segundo este autor, a integrao do tipo positiva ocorre de uma maneira

mais estvel e previsvel quando guiada por organizaes e regras

soberanas aos pases33

. No entanto, a experincia da Unio Europeia

mostra que o aprofundamento da Integrao Negativa, ao se avanar as

etapas definidas por Balassa anteriormente, exige tambm um forte

aparato supranacional de controle das regras34

.

Adentrando em outro entendimento, Gustavo Baruj,

Bernardo Kosacoff e Fernando Porta mencionam que o processo de

integrao positiva aquele no qual tende-se [sic] a administrar os

efeitos distributivos da liberalizao dos mercados35

. Neste sentido, os

dois tipos de integrao so sequenciais, pois a integrao negativa gera

a necessidade de alguma ao para que no s os espaos territoriais

mais competitivos tenham vantagens com a reduo das barreiras

comerciais. Essa ao deve atender toda a regio integrada, por isso

exigiria uma regulao que partisse de uma instncia acima dos Estados.

A simples reduo ou eliminao das barreiras comerciais

e a unificao dos mercados no , portanto, o nico mote da Integrao.

Essa deve ser pautada tambm por polticas comuns que garantam uma

32

MALAMUD, Andres. Conceptos, teoras y debates

sobre la integracin regional. In ARNAIZ, Alejandro Saiz. MORALES-ANTONIAZZI, Mariela. UGARTEMENDIA, Juan Ignacio. (Coord.),

Las implicaciones constitucionales de los procesos de integracin en

Amrica Latina: Un anlisis desde la Unin Europea. 2011. p. 55-8 33

Idem 34

A despeito de a Integrao Negativa ter origem no

reconhecimento mtuo pelos Estados da exigncia de eliminao das

leis econmicas que impedem o livre-comrcio, h, na Unio Europeia,

muitas excees que so reguladas por legislao supranacional. Neste

sentido, consultar: YOUNG, Alasdair R. The Single Market. In:

WALLACE, Helen; POLLACK, Mark A; YOUNG, Alasdair R. (Ed.). Policy-making in the European Union. 6. ed. New York:

Oxford University Press, 2010. pp. 102-103. 35

BARUJ, Gustavo. KOSACOFF, Bernardo. PORTA,

Fernando. Polticos Nacionales y la Profundizacin de Mercosur: El

Impacto de las Polticas de Compet-itividad. CEPAL, 2006. p. 14

36

distribuio mais ampla dos benefcios do processo36

. Isso possvel

recorrendo-se a medidas regulatrias ou polticas regionais de

desenvolvimento e reduo das assimetrias estruturais acordadas entre

os Estados nas instituies ou regidas por instituies supraestatais.

Afirma-se isso porque, de acordo com a definio de

Caetano exposta anteriormente, a existncia ou no de uma instituio

supranacional no uma condio essencial, pois, novamente: a

integrao positiva configura uma comunidade de interesses mediante

medidas positivas, que normalmente requerem o acordo dos governos

nacionais nas instituies.37

Os processos na Unio Europeia e no MERCOSUL so

marcados pelos dois tipos de Integrao: a Negativa e a Positiva38

. Na

Europa O FEDER e o Fundo Social Europeu so instrumentos de

integrao positiva adotados com o objetivo de diminuir as

desigualdades (assimetrias) regionais e promover a coeso econmica

no continente. O resultado indireto objetivado para o mercado europeu

36

SCHMITTER, Philippe C.. A experincia da integrao

europeia e seu potencial para a integrao regional. Lua Nova. 2010,

n.80, pp. 9-44 37

CAETANO, Gerardo. VZQUEZ, Mariana.

VENTURA, Deisy. Reforma institucional del MERCOSUR. Anlisis de

un reto.In: CAETANO, Gerardo. (Coord.). La reforma institucional del MERCOSUR: Del diagnstico a las propuestas.Uruguay: Trilce,

2009. p. 43. Disponvel em Acesso:

02 ago. 2013 38

A Unio Europeia, desde o seu alvorecer, almejava a

constituio de um mercado comum, sem impedimentos comerciais

entre seus Estados-Membros (integrao Negativa). E ao mesmo tempo

os formuladores do processo perceberam a necessidade de polticas

regionais de coeso econmica e social patrocinadas por Fundos

Estruturais. O MERCOSUL, por meio do Tratado de Assuno, adota

unicamente a integrao negativa como mote do processo at a

formulao de um Mercado Comum. No entanto, diante das dificuldades de liberalizao comercial entre os scios, emerge medidas que

configuram o incio da integrao positiva. Essas consideraes sobre a

integrao positiva nos dois processos, j brevemente apresentadas na

Introduo, sero analisadas pormenorizadamente nos captulos

seguintes.

http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=SCHMITTER,+PHILIPPE+C.http://cefir.org.uy/wp-content/uploads/downloads/2012/05/La-reforma-institucional-del-MERCOSUR.-Del-diagn%C3%B3stico-a-las-propuestas..pdfhttp://cefir.org.uy/wp-content/uploads/downloads/2012/05/La-reforma-institucional-del-MERCOSUR.-Del-diagn%C3%B3stico-a-las-propuestas..pdfhttp://cefir.org.uy/wp-content/uploads/downloads/2012/05/La-reforma-institucional-del-MERCOSUR.-Del-diagn%C3%B3stico-a-las-propuestas..pdf

37

qualidade da mo-de-obra e o aproveitamento por todas as regies dos

benefcios da Integrao. No MERCOSUL, iniciativas tais como o

FOCEM se adequam na definio de uma Integrao Positiva.

As desigualdades ou assimetrias estruturais entre os

Estados decorrem de vrias ordens. Para os fins deste estudo, so dados

destaque s assimetrias econmicas e institucionais nos processos de

integrao regional. Outras disparidades tambm so determinantes na

forma como as naes se relacionam, sobretudo as diferenas quanto s

capacidades militares, mas esse no o foco da presente dissertao. No

entanto, para o atual estgio da integrao na Europa e na Amrica do

Sul, as despropores entre as regies, citadas na Introduo, so mais

relevantes para entender a passagem do estgio de Integrao Negativa

para o de Integrao Positiva.

Os dois tipos de Integrao estudados aqui no so

excludentes. A Integrao Negativa e a Positiva caminham juntas. Na

prtica, tanto a Unio Europeia quanto o MERCOSUL possuem essas

duas caractersticas, mas o bloco europeu se distingue por possuir

instituies supranacionais para gerirem seus fundos.

Diante destas diferentes perspectivas, interessante a

taxinomia distinta apresentada por Andr de Mello Souza, Ivan Tiago

Machado Oliveira e Samo Srgio Gonalves39

. Para esses autores, que

escrevem a partir da experincia integracionista do MERCOSUL, h

polticas positivas e polticas negativas no processo. Essas ltimas

referem-se s flexibilidades concedidas aos pases menores do bloco

para adequao das normas do Tratado de Assuno, j as primeiras

dizem respeito, justamente, s polticas desenvolvidas entre os membros

para o tratamento das disparidades econmicas do bloco. Para o

MERCOSUL, essas polticas deram forma ao FOCEM, o nico

instrumento de Integrao Positiva do bloco.

Tendo em vista as diferentes vises trazidas aqui, percebe-

se que h discordncia nas definies sobre os meios para aplicao de

aes que visam o aproveitamento timo da integrao para todas as

regies. No obstante, os fins dessas aes persistem inalterados, seja na

discusso taxonmica ou na prpria realidade. Nos casos da Unio

Europeia e do MERCOSUL, os atores que participam do processo

devem ter motivaes concretas para raciocinarem a partir da lgica dos

39

SOUZA, Andr de Mello. OLIVEIRA, Ivan Tiago

Machado. GONALVES, Samo Srgio. Integrando Desiguais:

Assimetrias Estruturais e Polticas de Integrao no MERCOSUL. Texto

para Discusso N 1477. IPEA. 2010.

38

ganhos absolutos e contribuir para o aprofundamento da integrao.

neste sentido que a hiptese da presente dissertao enxerga

semelhanas entre o FEDER e o FOCEM para averiguar seus

favorecimentos aos avanos integracionistas em relao aos objetivos

primrios dos seus respectivos blocos.

Deste modo, a abordagem se concentra nos instrumentos

criados nos processos de Integrao da Unio Europeia e do

MERCOSUL para reduzir as assimetrias estruturais entre os Estados-

partes, promover o desenvolvimento das regies mais pobres e facilitar

o avano dos objetivos de liberalizao comercial inscritos nos Tratados

constitutivos, no obstante nossa hiptese apontar para o uso poltico

desses fundos.

No item seguinte apresentar-se- as principais teorias

polticas da Integrao Regional com o intuito de utiliz-las como

ferramentas para o entendimento da funo poltica que a Integrao

Positiva possui na Unio Europeia e no MERCOSUL.

2.3 TEORIAS DA INTEGRAO REGIONAL: A RELEVNCIA DA

INTEGRAO POSITIVA

Nesse tpico sero descritas duas teorias relevantes da

Integrao Regional: neofuncionalismo e intergovernamentalismo. O

objetivo aqui estabelecer qual vertente terica possibilita o melhor

entendimento do fenmeno da integrao positiva. Justifica-se a escolha

dessas linhas de pensamento pela importncia direta que elas possuem

com os temas centrais desta dissertao.

No h teorias40

que defendam a validade universal41

da

Integrao Positiva. A despeito disso, tentar-se- estabelecer vnculos

entre as escolas tericas e o tema, identificando, por meio de deduo

lgica, como elas ajudam a enxergar a influncia da Integrao Positiva

nos processos.

Essas escolas de pensamento selecionadas aqui fornecem uma

lente analtica s experincias oriundas da Unio Europeia. A integrao

40

Dentre outras teorias de Integrao Regional no abordadas aqui esto o Federalismo e a Teoria da Governana em

Mltiplo Nveis. 41

KING, Gary, KEOHANE Robert O., VERBA, Sidney.

Designing Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research.

Princeton, Princeton University Press 1994.

39

na Europa serviu de exemplo e incentivo para tentativas similares em

outras regies. No entanto, poucas realizaes obtiveram xito42

, e essas

poucas no alcanaram um estgio to avanado quanto o da UE. As

lies dos sucessos e fracassos da integrao europeia no podem

simplesmente ser transferidas para regies de contextos econmicos,

sociais e culturais diferentes. A despeito disso, essas lies serviram de

paradigma para o julgamento de todos os processos e de base emprica

para a formulao e reformulao das teorias de integrao regional.

Todavia, aplicar as generalizaes tericas nas tentativas de

Integrao em todos os continentes esbarra no fato de que unicamente a

Unio Europeia proporciona completamente as caractersticas do

fenmeno da Integrao Regional. Por isso, as teorias s se aplicariam a

um caso (n=1)43

. Logo, se os casos guardam distines de forma e

contedo entre si, uma generalizao terica sobre todos os processos de

Integrao Regional existentes invivel44

, pois no ser possvel

observar argumentos causais de validade universal.

Da mesma forma como a Unio Europeia uma organizao

sui generis, suas instituies e polticas de Integrao Positiva tambm

so. Deste modo, a funo da anlise terica aqui no a de extrair

afirmaes universais sobre o comportamento dos Estados Membros do

MERCOSUL e da UE, ou de resultados esperados. Nossa hiptese a

de que a Integrao Positiva , sobremaneira, uma ferramenta poltica

para o processo. As teorias que mais nos aproximam desta suposio a

ser verificada so o neo-funcionalismo e o intergovernamentalismo.

2.3.1 Neo-Funcionalismo

A primeira teoria que tentou explicar o fenmeno da Integrao

na Europa foi o funcionalismo. Formulada aps o descrdito obtido pela

Liga das Naes e as calamidades da Segunda Guerra Mundial, essa

linha de pensamento tentou servir de ferramenta de anlise para a

42

So exemplos de Integrao de Estados no Mundo, no

entanto sem supranacionalidade, os seguintes arranjos polticos-

econmicos regionais: Liga rabe, Unio Africana, Comunidade

Andina, Mercosul, NAFTA, ASEAN, SICA, ALBA etc. 43

CAPORASO, J.A., MARKS G., MORAVCSIK, A.,

POLLACK M.A. Does the European Union represent an n of 1? ECSA

Review 10, no. 3: 1997. Disponvel em

http://aei.pitt.edu/54/1/N1debate.htm. Acesso em: 20 jun. 2013. 44

Idem.

http://aei.pitt.edu/54/1/N1debate.htm

40

cooperao dos Estados em reas especficas. Instituies internacionais

nasceriam desta cooperao e teriam funes temticas, com

mecanismos de tomada de deciso menos complexos45

.

Os governos perceberiam que a administrao conjunta de

algumas funes antes soberanas seria mais eficiente do que lidar com

problemas de forma isolada. Assim, organizaes internacionais com

fins delimitados e caractersticas supranacionais emergiriam

forosamente para institucionalizar cooperaes funcionais46

.

A busca pela paz no foi descartada pelos tericos

funcionalistas. A cooperao tcnica entre os Estados era vista como um

emulador para a estabilidade das relaes internacionais. No mais

podendo lidar com questes unilateralmente, o papel dos governos

nacionais em lidar com temas de implicaes para alm de suas

fronteiras passaria a ser cumprido pelas OIs. Os indivduos perceberiam

que elas so mais eficazes que as naes em oferecer solues de

problemas oriundos da globalizao econmica47

.

Karl Deutsch e David Mitrany so os dois principais tericos do

funcionalismo. Fortemente influenciados pela experincia da

Comunidade Europeia do Carvo e do Ao (CECA) e da Comunidade

Econmica Europeia, os autores viveram a aurora da mais ambiciosa e

profcua tentativa de unir naes marcadas por guerras e desconfiana

entre si. A CECA foi uma organizao supranacional de cooperao em

reas tcnicas caras segurana do Velho Continente. Para os

funcionalistas, a paz internacional se alastraria gradualmente atravs da

cooperao em assuntos sensveis entre os Estados48

.

No entanto, essa previso de que haveria uma multiplicao de

Organizaes Internacionais de cooperao tcnica mais eficientes que

as aes isoladas dos Estados, impulsionado pelo chamado efeito spill-

45

NOGUEIRA, Joo Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das

relaes internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Campus,

2005. p. 74. 46

SCHMITTER Philippe C. A experincia da integrao

europeia e seu potencial para a integrao regional Lua Nova, So

Paulo, 80: 9-44, 2010 47

HAAS, Ernst B.. The Uniting of Europe: Political, Social and Economic Forces. 3. ed. Notre Dame,Indiana: University Of

Notre Dame Press, 1958. 48

JACKSON, Robert H.; SORENSEN,

Georg. Introduo s relaes internacionais: teoria e abordagens. Rio

de Janeiro: Zahar, 2007

41

over49

, foi fortemente criticada por no comportar as dimenses de

poltica e de poder nas relaes internacionais. Os crticos do

funcionalismo chamaram a ateno para o problema de desvincular os

interesses estatais das iniciativas integracionistas em curso na Europa da

dcada de 196050

.

O Neofuncionalismo, que a teoria funcionalista revisada, tem

como norte a explicao do fenmeno da integrao regional, sobretudo

o processo que culminou na Unio Europeia, atravs das demandas para

o surgimento e fortalecimento da cooperao regulada por instncias e

instituies supranacionais. Sua tradio tambm est alicerada nas

ideias que tornaram possvel a criao da Comunidade Europeia do

Carvo e do Ao. Seu grande terico foi Ernest B. Haas (1924 -2003),

que em 1958 publicou a clssica obra The Uniting of Europe: Political,

Social and Economic Forces.

Formuladas como teorias cientficas sobre a cooperao e a

integrao regional, ao ponto de poderem ser aplicadas a todas as

regies do mundo, o funcionalismo e o neofuncionalismo se mostraram

presos ao caso europeu, mas especificamente formao da

Comunidade Europeia. Novamente, uma das caractersticas centrais do

neofuncionalismo, qui seu conceito essencial, o spill over. Neste

ponto, pode-se fazer a primeira associao da teoria com a Integrao

Positiva. O spill over (transbordamento) um efeito esperado resultante

da cooperao em uma rea que, quando ocorre com eficincia e sucesso

evidente, constrange reas vizinhas cooperao. Alm disso, para essa

teoria, o transbordamento ocorre a contendo quando a cooperao em

uma rea fora a cooperao em outras reas51

. No processo europeu, a

integrao positiva iniciou e avanou por meio da cooperao. J a

integrao negativa se aprofundou sob a proteo supranacional da

49

O conceito de spill-over, melhor explicado nos

pargrafos seguintes, central para se entender a lgica da integrao

regional na teoria funcionalista. Numa traduo literal, spill-over

significa transbordar. 50

MALAMUD, Andres. Conceptos, teoras y debates

sobre la integracin regional. In ARNAIZ, Alejandro Saiz. MORALES-

ANTONIAZZI, Mariela. UGARTEMENDIA, Juan Ignacio. (Coord.),

Las implicaciones constitucionales de los procesos de integracin en

Amrica Latina: Un anlisis desde la Unin Europea. 2011. p. 55-84 51

Como explica Chrysspchoou, o motor da integrao a

lgica expansiva do spill over. CHRYSSOCHOOU, Dimitris

N. Theorizing european integration. London: SAGE, 2001 p. 54.

42

Comisso e do Tribunal de Justia Europeu. No entanto, a integrao

positiva necessitava de uma concertao entre os governos nacionais e o

Conselho de Ministros52

. medida que as aes dos Fundos Europeus

ganhavam corpo e visibilidade nos pases perifricos e ultraperifricos, a

integrao positiva se alastrava para mbitos no cobertos

inicialmente53

.

Com o intuito de reformular a teoria funcionalista, Ernest Haas

examinou as debilidades expostas pelos crticos. O neofuncionalismo

surgiu da incluso, por Haas, da dimenso poltica nos estudos de

integrao de corte liberal. Para este terico, num processo onde Estados

delegam parcelas de soberania a uma Organizao, imprescindvel

considerar todos os fatores determinantes desta deciso. As

condicionantes so as elites econmicas e polticas internas, as relaes

com as naes vizinhas e a capacidade das Organizaes Internacionais

de convencerem os governos nacionais a abrirem mo do monoplio de

deliberar interiormente.

Mesmo conferindo relevncia s foras polticas, Haas

reavaliou na dcada de 1970 a possibilidade de se pensar uma teoria

para a Integrao Regional. Uma mudana de enfoque o fez ver a

cooperao entre os Estados como um processo sem fins determinados e

mais influenciveis pelos atores estatais e o contexto nacional e

internacional54

.

Outra caracterstica marcante do neofuncionalismo sua nfase

nas foras de grupos nacionais com interesses sociais e polticos. Para

Haas, esses grupos so atores centrais no processo de integrao. Eles

perceberiam que suas demandas no poderiam mais ser atendidas

52

SCHARPF, Fritz W. Negative and Positive Integration

in the Political Economy of European Welfare States. In: MARKS, Gary. SCHARPF, Fritz W. SCHMITTER, Philippe C. STREECK,

Wolfgang. (Orgs). Governance in the European Union. Sage

Publications Ltd. 1996. 53

Cada Fundo da Unio Europeia tem finalidades

especficas e nos mais variados temas. Ver mais em: COMISSO EUROPEIA. Poltica Regional: Os Fundos. Disponvel em

Acesso

em: 28 jul. 2013. 54

CHRYSSOCHOOU, Dimitris N. Theorizing european

integration. London: SAGE, 2001

http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Gary+Marks%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Fritz+W+Scharpf%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Philippe+C+Schmitter%22http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbo=p&tbm=bks&q=inauthor:%22Wolfgang+Streeck%22http://ec.europa.eu/regional_policy/thefunds/index_pt.cfm

43

somente pelos governos nacionais. Logo, a integrao regional seria um

caminho lgico para a resoluo de seus anseios55

.

Neste sentido, percebe-se que para essa viso terica, no uma

noo de pertencimento ou identidade comum que move os grupos para

a integrao. Ao contrrio, de acordo com a explicao de Carsten

Jensen, o que os empurra para uma instncia regional acima dos Estados

so as expectativas de que seus problemas sero resolvidos neste

espao56

. Na Unio Europeia, por exemplo, os grupos, e at rgos

oficiais nacionais das regies menos desenvolvidas, viram como a

integrao positiva dos Fundos trouxeram benefcios que no eram

previsveis se fossem esperados somente dos Estados57

.

A despeito do neofuncionalismo pretender ser uma teoria de

aplicabilidade universal, sua anlise tornou-se fortemente vinculada

integrao europeia. Tentativas de se entender os processos em outras

regies no foram bem sucedidas. Espaos como a Amrica Latina, com

integrao poltica e econmica pouco aprofundada em relao

Europa, foram alvos de anlises por neofuncionalistas, mas sem os

mesmos bons resultados obtidos no caso da Unio Europeia58

.

Deste modo, uma leitura neofuncionalista da integrao positiva

no Velho Continente destacaria quando h o fortalecimento desta

modalidade de integrao, decorrente de um efeito spill over, e quando grupos de interesses se formam para legitim-la enquanto instncia

supranacional para atender seus interesses. Aqui, novamente, a teoria

mostra-se aplicvel ao caso europeu. No outro caso estudado, o do

55

HAAS, Ernst, B. The Uniting of Europe: Political,

Social and Economic Forces, 19501957, 2nd edn (Stanford, CA:

Stanford University Press, 1968 56

JENSEN, Carsten Stroby. Neo-functionalism. In: CINI,

Michelle; BORRAGN, Nieves Prez-Solrzano. European Union

Politics. 3. ed Oxford: Oxford University Press, 2010. pp. 71-85. 57

No perodo de 2007 a 2013 foram destinados mais de 11

bilhes de Euros para o desenvolvimento das regies ultraperifricas.

Ver mais em: COMISSO EUROPEIA. A poltica regional e as regies

ultraperifricas. Disponvel em

.Acesso em: 27 jun. 2013.

58 Em artigo interessante de Haas, ficou evidente a

dificuldade de replicar o processo europeu. Nesse sentido, consultar:

HAAS, Ernst B. International Integration the European and The

Universal Process. International Organization, Vol. 15, No. 3. 1961.

http://ec.europa.eu/regional_policy/activity/outermost/index_pt.cfm#8http://ec.europa.eu/regional_policy/activity/outermost/index_pt.cfm#8

44

Mercosul, no h indicaes de spill over causados pelo FOCEM. Como

se verificar, no caso do bloco do Cone Sul, os grupos e elites sociais

concentram as reinvindicaes de suas demandas no mbito nacional59

.

A integrao positiva na Europa consequncia da integrao

negativa. Portanto, nesse sentido, o neofuncionalismo tem respaldo ao

afirmar que a cooperao ou integrao no campo econmico leva os

pases a cooperarem ou se integrarem na seara poltica. No exemplo

europeu, a formao de uma unio aduaneira e, posteriormente em 1992,

do Mercado nico foi seguida da cooperao de polticas de

desenvolvimento da Organizao com os scios60

.

Outra questo importante, que a integrao positiva na Unio

Europeia tem sua prpria agenda61

. Mas, conforme a lgica

neofuncionalista, uma agenda supranacional prevaleceria sob os

interesses nacionais. Como a integrao positiva precisa estar conectada

justamente com os anseios dos Estados membros, e no somente com

grupos de interesses, no h um triunfo ou vitria desta modalidade

sobre as polticas de desenvolvimento econmico e social dos governos.

No Mercosul e na Unio Europeia os Fundos atuam em coordenao ou

em complemento com as instncias nacionais competentes62

.

Especificamente sobre o conceito de spill over, h fortes

indicaes63

de que ele explica o aprofundamento da integrao positiva

59

COSTA, Rogrio Santos da. O Mercosul: Antecedentes,

Formao e Sistemas. In: SILVA, Karine de Souza; COSTA, Rogrio

Santos da. Organizaes internacionais de integrao regional: Unio

Europeia, Mercosul e UNASUL. Florianopolis: Fundao Jos Arthur

Boiteux, 2013. pp. 191-233. 60

No correto usar o termo integrao de polticas de

desenvolvimento. O termo mais adequado seria conformao, pois estas

so formuladas pelos pases e devem respeitar as regras da UE para

receberem auxlios dos Fundos Estruturais. 61

Essa questo ser analisada no captulo 3 da dissertao. 62

Como apresentar-se- no estudo de caso sobre a atuao

do FEDER na regio dos Aores, no Captulo 4. 63

Uma vez contemplados com os benefcios da integrao

positiva, atravs, por exemplo, da Poltica de Coeso, os Estados passam a atuar diretamente para o fortalecimento e aprofundamento da

integrao. Os vinte sete Estados-Membros apresentam relatrios

estratgicos anuais Comisso Europeia sobre a utilizao dos recursos

dos Fundos Estruturais. Neste sentido, consultar: EUROPEAN

COMMISSION. Cohesion policy: Strategic report 2012-2013 on the

45

na Unio Europeia. Enquadramos esse modo de integrao no

denominado transbordamento poltico, que ocorre: (...) em situaes caracterizadas por um processo

poltico mais deliberado, onde elites polticas

nacionais ou grupos de interesse defendem que a

cooperao supranacional necessria para

resolver problemas especficos.64

A integrao positiva na Unio Europeia, atravs dos

Fundos Estruturais, possibilitou o desenvolvimento estrutural das

regies perifricas65

, e, sobretudo, das ultraperifricas66

. Muitos

interesses nacionais foram atendidos aps a entrada desses pases no

bloco. Em sntese, e corroborando com o neofuncionalismo, grupos e

elites tiveram seus problemas resolvidos quando viram que suas

perspectivas seriam melhores atendidas pela Unio Europeia do que

pelos governos nacionais67

.

Por fim, outro aspecto importante do neofuncionalismo diz

respeito lgica de que grupos elitizados leais ao processo

implementation of the current round of programmes 2007-2013.

Disponvel em:

. Acesso em: 24 ago. 2013. 64

JENSEN, Carsten Stroby. Neo-functionalism. In: CINI,

Michelle; BORRAGN, Nieves Prez-Solrzano. European Union

Politics. 3. ed Oxford: Oxford University Press, 2010. pp. 71-85. 65

As regies perifricas, so entendidas aqui como as

regies mais pobres dos pases menos desenvolvidos da EUROPA,

como Portugal, Grcia e Irlanda. 66

As regies ultraperifricas so parte integrante dos

pases da UE, mas esto geograficamente distantes. So compreendidas

pelos departamentos franceses ultramarino (Martinica, Guadalupe,

Guiana e Reunio e Saint-Martin), dois territrios autnomos de

Portugal (Madeira e Aores) e as Ilhas Canrias. Neste sentido, consulta:

EUROPA. A poltica regional e as regies ultraperifricas.

Disponvel em: Acesso em: 24 ago. 2013. 67

JENSEN, Carsten Stroby. Neo-functionalism. In: CINI, Michelle; BORRAGN, Nieves Prez-Solrzano. European Union

Politics. 3. ed Oxford: Oxford University Press, 2010. pp. 71-85.

http://ec.europa.eu/regional_policy/how/policy/strategic_report_en.cfmhttp://ec.europa.eu/regional_policy/how/policy/strategic_report_en.cfmhttp://ec.europa.eu/regional_policy/activity/outermost/index_pt.cfm#3http://ec.europa.eu/regional_policy/activity/outermost/index_pt.cfm#3

46

supranacional se formariam e exerceriam presso no espao nacional

para o fortalecimento da integrao. Dada essa premissa, verifica-se que

se por um lado h ceticismo e desiluso diante da crise econmica na

zona do euro, por outro a Poltica de Coeso da Unio Europeia,

patrocinada pelos Fundos Estruturais, est enraizada nos Estados mais

beneficiados por esta poltica. E no atual momento de tenso financeira

e social, a integrao positiva concentra esperanas das elites leais ao

processo e dos lderes polticos nacionais para resolver o cenrio68

.

A principal crtica teoria neofuncionalista aponta para a

falta do componente poltico. A nfase desta Escola na passagem da

cooperao funcional em setores especficos para a supranacionalidade

em virtude do esvaziamento paulatino da capacidade relativa dos

governos nacionais em resolver problemas, tendo, em contrapartida, o

sucesso gradual da integrao regional, mostrou-se frgil diante de uma

anlise emprica da experincia europeia e em outros continentes69

.

Philippe C. Schmitter atualmente o principal terico

clssico vivo do neo-funcionalismo. Em um artigo de referncia para a

literatura o autor apresenta algumas lies sobre o processo de

integrao regional. Algumas delas so apresentadas a seguir.

Quando iniciado, o processo de integrao regional

balizado por uma sria de Tratados, acordos e declaraes meritrias

com fins diretos e objetivos. No entanto, por ser um processo que

envolve o contexto de sociedades e interesses num espao de tempo - e

no um produto, os rumos da integrao no so totalmente certos e

previsveis. No obstante, isso no serve de apologia ao fracasso ou

paralisao de experincias reais de integrao. Conforme Schmitter

...quando Estados nacionais assumem um compromisso srio de formar

uma regio, provvel que mudem seus motivos para faz-lo.70

A integrao regional tem que ter incio em algum setor ou

rea especfica. Segundo SCHMITTER nas condies contemporneas,

68

Ver, por exemplo, o plano da poltica de coeso para

2014-2020. Disponvel em:

http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/regulation/p

df/2014/proposals/regulation2014_leaflet_pt.pdf 69

NOGUEIRA, Joo Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relaes internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Campus,

2005. 70

SCHMITTER Philippe C. A experincia da integrao

europeia e seu potencial para a integrao regional Lua Nova, So

Paulo, 80: 9-44, 2010. p. 11

http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/regulation/pdf/2014/proposals/regulation2014_leaflet_pt.pdfhttp://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/regulation/pdf/2014/proposals/regulation2014_leaflet_pt.pdf

47

o melhor lugar para isso numa rea funcional com visibilidade

poltica relativamente baixa, rea essa com que aparentemente se pode

lidar em separado e que pode gerar benefcios significativos para todos

os participantes.71

A integrao tambm tem que comear em uma seara

singular, despolitizada, com poucos ou sem conflitos e que a cooperao

conceba resultados positivos para todos os Estados ao ponto de gerar o

efeito de transbordamento.72

O melhor exemplo o da Unio

Europeia, que teve origem na cooperao de rea setorial. Atualmente

muito difcil encontrar tal exemplo semelhante em outras Organizaes

Internacionais Regionais.

Nas Organizaes Internacionais regionais novas os atores

devem ser incentivados a pensarem em ganhos absolutos, ao invs dos

relativos. Para tanto o processo deve ter objetivos de integrao

positiva73

.

A integrao regional dirigida pela convergncia de

interesses, e no pela formao de uma identidade. O Estado-nao

uma construo abstrata, no existe na natureza. Logo, um conjunto de

Estados conforma uma regio que uma derivao desta construo

abstrata. A identificao primeira do cidado com o Estado. No h

indicaes, em mdio prazo, que revelam a formao de uma cidadania

regional em detrimento da nacional74

. Os Estados se integram quando h

convergncia de interesses e no quando h caractersticas sociais e

culturais comuns. Aceitar que interesses so melhores atendidos no nvel

regional, da Organizao, no implica necessariamente uma identidade

regional comum.75

Para o autor, a integrao regional pode ser pacfica e

voluntria, mas no linear nem isenta de conflitos. O componente

poltico um obstculo inerente de qualquer processo de integrao

regional. Uma Organizao Internacional regional intergovernamental

sempre refm da poltica domstica dos seus Estados membros. E as

71

Idem. 72

Ibdem. 73

Ibdem. 74

Na EU a cidadania europeia complementa, e no

sobrepe, nacional. 75

SCHMITTER, Philippe C.. A experincia da integrao

europeia e seu potencial para a integrao regional. Lua Nova, So

Paulo , n. 80, 2010 .

48

dificuldades pelas quais a UE passa devem-se, em parte, politizao do

avano integracionista.76

A integrao regional deve comear com um pequeno

nmero de Estados membros, mas deve desde o comeo anunciar que

est aberta a adeses futuras. O processo tem de distribuir de forma

alastrada os benefcios da integrao e incentivar os vizinhos adeso

atravs dos exemplos positivos. No salutar para as conquistas

normativas e legais da Organizao que os novos Estados tenham suas

obrigaes atenuadas.77

A integrao regional envolve inevitavelmente Estados

nacionais de tamanho e recursos de poder muito diferentes. A Unio

Europeia possui Estados amortecedores, pagadores e receptores diretos

de recursos da integrao. A integrao regional, porm, requer

liderana, isto , atores que sejam capazes de tomar iniciativas e estejam

dispostos a pagar uma parte desproporcional dos custos delas. Na UE h

um duoplio (Frana e Alemanha) ou triplio (Frana, Alemanha e Gr-

Bretanha). Atualmente a Alemanha o principal pas pagador da crise

na zona do euro.

O pas, ou pases, pagador devem ser os estabilizadores da

integrao. A integrao regional requer um secretariado com poderes

supranacionais limitados, mas potenciais. A Comisso Europeia cumpre

esse papel, a despeito de seus membros serem indicados pelos governos

nacionais.

A integrao regional parece possvel com membros que

esto em diferentes nveis de desenvolvimento e de riqueza per capita.

Neste sentido, Schmitter frisa que De qualquer modo, e ao contrrio do pressuposto

doutrinrio segundo o qual a integrao num

mercado ampliado inevitavelmente aumentaria a

distncia entre unidades ricas e pobres (ver as

histrias nacionais da Itlia ou da Espanha), at

aqui a Unio Europeia provou o oposto: a

integrao regional pode no s lidar com

diferenas econmicas nacionais no ponto de

partida, mas tambm diminu-las ao longo do

tempo78

.

76

Idem 77

Ibdem 78

Ibdemp. 19. No entanto, A crise na zona do euro uma

contestao emprica da afirmao acima.

49

E por fim, a integrao regional basicamente um

processo endgeno, mas pode ser vulnervel a foras exgenas de modo

crtico, especialmente em seus estgios iniciais.79

Nesta lgica, muito

comum associar as ideias revolucionrias do pragmtico Jean Monnet80

e os sucessos iniciais da integrao europeia dentro do contexto do

Plano Marshall e da Guerra Fria.

A integrao regional no se mostrou um processo

automtico e linear, com resultados previsveis, inclusive na Unio

Europeia. A dialtica, e no a linearidade, o componente pelo qual

avanos slidos so obtidos81

. Essas observaes tambm so vlidas

para a integrao positiva. Mantida a hiptese de que ela mais um

instrumento poltico do processo do que um fim em si mesmo, verificar-

se- que ela evolui com o alargamento no nmero de membros do bloco

europeu. Esses buscam as inmeras vantagens da adeso Organizao,

entre elas s da integrao positiva. Neste sentido, a teoria

intergovernamentalista, que surgiu em oposio ao neofuncionalismo,

afirma que, entre outras sentenas, os Estados somente cedem soberania

quando o retorno desta ao superior ao custo da perda de poder.

Portanto, a poltica domstica e o comportamento racional do Estado so

centrais para o sucesso e estabilizao da integrao.

2.3.2 Intergovernamentalismo Essa linha de pensamento de tradio norte-americana

afirma que nas relaes internacionais o poder sempre importa,

sobretudo o poder relativo, e, por isso, o poder do Estado importa de

maneira absoluta82

. Os Estados soberanos controlam todo o processo de

integrao, desde o incio, at seus estgios seguintes. E so os clculos

dos interesses dos Estados que movem o processo. Em nenhum

momento os Estados delegam ou cedem soberania de uma maneira que

79

Ibdem. 80

MONNET, Jean. Memrias: A construo da unidade

europia. Traduo de Ana Maria Falco. Braslia: UnB, 1986. 81

JENSEN, Carsten Stroby. Neo-functionalism. In: CINI, Michelle; BORRAGN, Nieves Prez-Solrzano. European Union

Politics. 3. ed Oxford: Oxford University Press, 2010. pp. 71-85. 82

NOGUEIRA, Joo Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das

relaes internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Campus,

2005. p. 29

50

ir enfraquec-los. Para os intergovernamentalistas, uma Organizao

Internacional jamais estar acima da Constituio de um Estado83

.

No entanto, existem variantes dentro da teoria

intergovernamentalista para a integrao regional. Nessa dissertao

dar-se- enfoque s ideias de Stanley Hoffmann, mais perto da viso

realista das relaes internacionais, e do intergovernamentalismo liberal

de Andrew Moravcsik.

Como mencionado, a hiptese a ser validada ou no nesta

dissertao de que a integrao positiva nos processos de integrao

do Mercosul e da Unio Europeia, delimitadas como aes de Fundos

Estruturais nos Estados membros, servem menos para cumprir os

objetivos perseguidos por esses Fundos do que ser um instrumento

poltico ou reforo simblico para o pases serem atrados ou mantidos

presentes na integrao. Em outras palavras, a integrao positiva, como

delimitada aqui, cumpriria o papel de fortalecer a Integrao Negativa e

dar esperanas em momentos de crise integracionista. Deste modo,

nossa hiptese abriga indiretamente a afirmao de que os Estados tm

um papel central e so eles que escolhem, numa deciso poltica e

racional de custos, se aderem ou no a um arranjo regional, seja

supranacional ou no.

Para o terico intergovernamentalista Hoffmann84

, a

integrao regional um jogo de soma zero. Os pases se integram, mas

no cedem soberania em assuntos nacionais extremamente importantes.

Sendo os Estados, para a corrente realista, atores unitrios e centrais

num sistema internacional anrquico e com recursos escassos, a anlise

da cooperao ou integrao ser sempre estado-cntrica. No entanto,

para os fins desta dissertao, os aspectos da teoria que ajudariam na

tentativa do entendimento da integrao positiva no se adequam

totalmente. A integrao positiva existe justamente para afastar qualquer

indcio de que a integrao em curso um jogo de soma zero. Ela

garante que os scios tenham vantagens dirigidas e diretas para

determinada regio ou setor. O ponto importante da teoria

83

HOFFMANN, Stanley. Obstinate or Obsolete?The

Fate of the Nation State and the Case of Western Europe, Daedalus, 95,

1966. Disponvel em . Acesso em: 28

jun 2013. 84

HOFFMANN, Stanley. The European Process at

Atlantic Cross purposes, Journal of Common Market Studies, 3 (1964)

http://www.jstor.org/discover/10.2307/20027004?uid=3737664&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21102514519361http://www.jstor.org/discover/10.2307/20027004?uid=3737664&uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&sid=21102514519361

51

intergovernamentalista que tem conexo com a hiptese deste trabalho

de que os Estados dividem ou compartilham soberania e ao mesmo

tempo mantm o controle do processo. Eles tm tal atitude porque

calculam que os benefcios e facilidades obtidos com tal ato

(compartilhar soberania) so maiores do que os benefcios ou custo de

no faz-lo. Na Unio Europeia os pases levaram em conta as benesses

oriundas do bloco quando decidiram aderir Organizao. Dentre essas

benesses estavam os recursos vindos dos Fundos Estruturais85

.

A leitura apresentada acima tambm se aproxima dos

estudos de Moravcsik86

. Sua perspectiva entende o Estado como um ator

racional que pode abrir mo de parte da sua soberania quando isso

possibilita o alcance de objetivos importantes. A integrao positiva na

Europa possibilitou, como se demonstrar no captulo 3, melhorias

estruturais nos pases perifricos e ultraperifricos, alm de alimentar a

esperana de que eles rumam para uma convergncia econmica e social

dentro do bloco87

. J no caso do MERCOSUL, os scios fazem questo,

sobretudo o Brasil, como destaca Letcia Pinheiro88

, de manter o atual

modelo institucional, sem qualquer aspirao de supranacionalidade.

Isso permite justamente o controle direto dos Estados sobre todo o

processo.

85

CINI, Michelle; BORRAGN, Nieves Prez-Solrzano,

2010. op. cit. 86

MORAVCSIK, Andrew. Preferences and Power in the

European Community: A Liberal Intergovernmentalist Approach,

Journal of Common Market Studies, 31 (1993): 473524 87

A estratgia Europa 2020 mantm vivo os objetivos de

convergncia, sobretudo diante da crise na zona do euro. Neste sentido,

consultar: COMISSO EUROPEIA. Europa 2020. Disponvel em:

Acesso em: 27

jun. 2013. 88

Segundo a autora, o Brasil evita o aprofundamento

institucional no MERCOSUL para manter o controle das regras e no

arcar com os custos de uma supranacionalidade. Esta ultima

caracterstica, se fosse adotada no bloco, minaria os ganhos relativos que o pas tem na regio. PINHEIRO, Letcia. Trados pelo desejo: um

ensaio sobre a Teoria e a prtica da poltica externa brasileira

contempornea. Contexto internacional, v. 22, jul./dez. 2000, pp. 305-

335.

52

Para a anlise dos Fundos Estruturais, portanto, essa

dissertao utilizar o enfoque terico intergovernamentalista para

verificar a confirmao de sua hiptese: os Fundos Estruturais so

compensaes para os Estados-partes e, por isso, instrumentos polticos

para o processo de integrao.

Consideraes finais do Captulo

Entende-se, portanto, que a integrao regional um

processo que no requer inevitavelmente a supranacionalidade. Mas ela

deve formar instituies, o que exclui do nosso entendimento os simples

acordos de livre comrcio como partes substanciais desse fenmeno. A

integrao regional , quando aprofundada, formada pela integrao

negativa remoo de barreiras ao comrcio entre os membros e pela

integrao positiva medidas positivas tomadas no processo para a

reduo das assimetrias regionais e para o desenvolvimento dos scios.

Nosso exerccio terico proposto assevera que a integrao

positiva ligada aos Fundos estruturais um instrumento mais poltico do

que propriamente de desenvolvimento econmico. Ela resulta das

consequncias da integrao negativa e atua diretamente para favorecer

os pases mais assimtricos da integrao. Isso permite, no caso do

velho continente, que eles se submetam aos constrangimentos legais da

Unio Europeia, ao mesmo tempo em que auferem ganhos absolutos

direcionados dentro da Poltica de Coeso do bloco. Para o

MERCOSUL, a imatura integrao positiva representa um sopro de vida

para o processo e uma fuga para frente diante da opo neoliberal e

puramente comercialista, dado que a integrao negativa no se

concretizou.

No captulo seguinte, tentar-se- entender o rumo que o

MERCOSUL assumiu aps a criao do FOCEM ao incorporar para o

seu processo a Integrao Positiva e o tema da reduo das assimetrias.

53

3 OS NOVOS RUMOS DA INTEGRAO NO MERCOSUL:

Integrao Positiva e Tratamento das Assimetrias

Consideraes Preliminares

Este captulo visa apresentar os avanos e desafios do

MERCOSUL aps vinte e dois anos da assinatura do Tratado de

Assuno. dado destaque aos avanos na rea da Integrao Positiva,

com nfase criao do FOCEM e de aes na rea social, e aos

desafios no mbito comercial e institucional. O perodo de anlise tem

como prisma a atuao da poltica externa brasileira no governo do ex-

presidente Luis Incio Lula da Silva (2003 2010).

Verifica-se ao longo das duas dcadas uma mudana de

enfoque no MERCOSUL. As medidas de liberalizao comercial intra-

bloco no foram adotadas pelos pases scios do bloco, como previa o

Tratado de Assuno. No entanto, declaraes oficiais conjuntas dos

governos enaltecendo a importncia de reduzir as assimetrias

socioeconmicas entre os Estados deram origem criao do Fundo de

Convergncia Estrutural do MERCOSUL (FOCEM).

Tendo em conta o exposto acima, esse captulo identificar

os principais avanos, retrocessos e desafios impostos ao MERCOSUL

ao longo dos seus vinte e dois anos de existncia. Na primeira parte

evidenciar-se- o que o bloco e como ele assumiu um contorno mais

social na sua segunda dcada de vida, em relao aos primeiros anos de

belle poque comercial. Em seguida haver destaque no MERCOSUL

social e, por fim, nos aspectos que permitem identificar a integrao

positiva no processo.

3.1 MERCOSUL: DESAFIOS E AVANOS O MERCOSUL o projeto integracionista mais avanado

na Amrica do Sul. Sua criao envolveu a participao ativa dos quatro

membros originais do bloco, a saber, Argentina, Brasil, Uruguai e

Paraguai89, sobretudo dos dois primeiros. O marco de sua constituio

se deu com a assinatura do Tratado de Assuno (TA)90, em maro de

1991. O Tratado comporta os propsitos e princpios para a adoo de

um Mercado Comum.

90

BRASIL. Tratado De Assuno, disponvel em

. Acesso em: 20 mar 2013.

http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-de-assuncao-1http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-de-assuncao-1

54

Neste sentido, os Estados partes se comprometeram a

instituir um Mercado Comum que envolve: A livre circulao de bens, servios e fatores

produtivos entre os pases, atravs, entre outros,

da eliminao dos direitos alfandegrios e

restries no tarifrias circulao de

mercadorias e de qualquer outra medida de efeito

equivalente;

O estabelecimento de uma tarifa externa comum

e a adoo de uma poltica comercial comum e

relao a terceiros Estados ou agrupamentos de

Estados e a coordenao de posies em foros

econmico-comerciais regionais e

internacionais91

Est disposto tambm no TA que os pases coordenariam

suas polticas macroeconmicas e setoriais - a fim de assegurar

condies adequadas de concorrncia entre os Estados Partes - e

harmonizar as legislaes pertinentes.

No entanto, os propsitos no foram alcanados de forma

satisfatria92

. O MERCOSUL no se tornou ainda uma rea de livre

comrcio sem excees e as Tarifas Externas Comuns (TECs)93

no se

aplicam a todos os produtos.94

91

Idem. 92

Na definio do governo brasileiro o MERCOSUL

constitui uma zona de livre comrcio e uma unio aduaneira em fase de

consolidao, com matizes de mercado comum: ITAMARATY.

Balano de Poltica Externa: 2003 2010, disponvel em:

. Acesso em: 23 de mar

2013. 93

Como vimos no captulo 1, uma Unio Aduaneira

agrega ao mesmo tempo uma rea de Livre Comrcio e uma poltica

comercial externa conjunta para todos os membros. A TEC indica que

os membros adotam uma tarifa conjunta para importaes de terceiros

pases. Com isso, em teoria, os Estados-partes passam a ter uma nica voz em negociaes econmicas internacionais.

94 No comeo do ano de 2012 a Argentina iniciou um novo

regime de importaes, vlido tambm para importaes oriundas do

Mercosul. Ver mais em:

http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/efe/2012/01/31/argentina-

http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/1.1.2-america-do-sul-mercosul/viewhttp://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/1.1.2-america-do-sul-mercosul/viewhttp://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/efe/2012/01/31/argentina-inicia-novo-regime-de-importacoes-apesar-das-criticas-no-mercosul.jhtm

55

As explicaes para a no concretizao do Mercado

Comum se ramificam, e so de natureza endgena ou exgena aos

Estados-partes. H estudiosos95

que buscam as causas do problema na

debilidade institucional do processo, mais especificamente no fato de

no haver instncias supranacionais. Argumenta-se tambm que a

presso das elites internas de cada pas influencia na no adequao s

normas comuns de concorrncia96

.

Alm disso, por se tratar de propsitos ambiciosos para

naes em desenvolvimento sem experincia com polticas

integracionistas, os fins do TA seriam desafiadores se levarmos em

conta a capacidade econmica dos pases. A crise econmica pela qual

passaram os dois principais membros no bloco, Argentina e Brasil, no

incio da dcada passada, um fato que corrobora com a afirmao

anterior97

.

Para o diplomata Paulo Roberto de Almeida98

, a falta de

vontade ou capacidade poltica dos lderes do bloco intergovernamental

em internalizar as regras do TA tambm a causa da estagnao do

bloco. No entanto, para Miriam Gomes Saraiva, a estratgia do atual

governo argentino de Kirchner neo-desenvolvimentista, com o

objetivo de fortalecer e reorganizar a indstria do pas, por isso h

restries entrada de produtos brasileiros e excees na Tarifa Externa

Comum do bloco99

.

inicia-novo-regime-de-importacoes-apesar-das-criticas-no-

mercosul.jhtm 95

Ver, por exemplo, VIGEVANI, Tullo; MARIANO,

Marcelo Passini , MENDES, Ricardo Gle. Instituies e conflitos

comerciais no Mercosul. So Paulo Perspec.2002, vol.16, n.1 96

WILBERT, Marcelo Driemeyer Mercosul e a teoria

dos jogos: um estudo introdutrio. Dissertao (mestrado) -

Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Scio-Econmico.

Programa de Ps-Graduao em Economia. Florianpolis, 2002. 97

HOFFMANN, Andrea Ribeiro; COUTINHO, Marcelo;

KFURI, Regina.Indicadores e Anlise Multidimensional do Processo de

Integrao do Cone Sul. Rev. bras. polt. int., Braslia, v. 51, n.

2, dez. 2008. 98

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Seria o Mercosul

reversvel? Especulaes tericas sobre trajetrias alternativas

concretas. Univ. Rel. Int., Braslia, v. 9, n. 1, p. 39-71, jan./jun. 2011 99

SARAIVA, Miriam Gomes. Brazilian foreign policy

towards South America during the Lula administration: caught between

http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/efe/2012/01/31/argentina-inicia-novo-regime-de-importacoes-apesar-das-criticas-no-mercosul.jhtmhttp://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/efe/2012/01/31/argentina-inicia-novo-regime-de-importacoes-apesar-das-criticas-no-mercosul.jhtmjavascript:assunto('Wilbert,%20Marcelo%20Driemeyer%20')

56

Por fim, numa perspectiva mais terica, a neofuncionalista,

a integrao no Cone Sul deveria ter comeado em uma seara tcnica,

que contivesse um problema complexo, a tal ponto que no pudesse ser

revolvido por um Estado, e sua resoluo beneficiasse todos os

envolvidos num curto prazo100

. Neste sentido, as turbulncias do bloco

so causadas pela ausncia de uma cooperao funcional que sustentasse

o processo a partir de sua origem101

.

No entanto, diante destas dificuldades em concretizar os

objetivos dispostos no Tratado de Assuno, um tema especfico

alvoreceu na agenda dos encontros do MERCOSUL: a assimetria

estrutural entre os Estados-scios102

.

A busca por uma integrao mais prxima dos objetivos de

se criar uma simetria socioeconmica entre as regies se fortaleceu na

segunda dcada de vida do MERCOSUL. Neste sentido, a assinatura

conjunta pelos Presidentes Nstor Kirchner e Luiz Incio Lula da Silva

do Consenso de Buenos Aires, em 2003103

, simbolizava os novos rumos

que o processo iria assumir. Com intenes e declaraes meritrias,

mas sem linhas de aes concretas, o Consenso no trata de forma

absoluta das questes de liberalizao comercial104

. Os pontos mais

importantes para a integrao se referem a uma agenda alm da

South America and Mercosur.Rev. bras. polt. Int.. 2010, vol.53, n.spe,

pp. 151-16 100

SCHMITTER Philippe C. A experincia da integrao

europeia e seu potencial para a integrao regional Lua Nova, So

Paulo, 80: 9-44, 2010 101

Algo equivalente ao que a cooperao no setor do

Carvo e do Ao significou para a Unio Europeia.

103

Para ver o documento completo, acessar: ESTADO DE

SO PAULO. Consenso De Buenos Aires. Disponvel em

. Acesso em: 23 mar 2013. 104

O ponto 15 do documento expe a viso que os

presidentes tinham do bloco: Ratificamos nossa profunda convico de

que o Mercosul no somente um bloco comercial, mas, ao contrrio,

constitui um espao catalisador de valores, tradies e futuro

compartilhado. Consenso de Buenos Aires (Grifo nosso)

http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20031016p22413.htmhttp://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20031016p22413.htm

57

econmica, com atuao central do Estado para promover o

desenvolvimento pautado na justia social105

.

Estava inaugurada, portanto, a base poltica para a

Integrao Positiva no Cone Sul, que culminou, at o momento, num

reforo institucional para reduzir as assimetrias estruturais entre as

regies e fortalecer a dimenso social no MERCOSUL.

No concidentemente, o perodo dos anos 2000 em diante

marcado pela eleio de presidentes de esquerda na Amrica do Sul106

e um vigoroso discurso integracionista na regio107

. O MERCOSUL

experimentou um perodo com ares de relanamento com o surgimento

de espaos de natureza social, tais como o FOCEM, o Instituto Social, o

Plano Estratgico na rea social e o cargo de Alto Representante Geral.

Segundo Renato L. R. Marques108

, uma viso retrospectiva do

MERCOSUL indica que as reas poltica e social assumiram o espao

das conquistas regulatrias no mbito comercial e econmico.

A dificuldade em cumprir integralmente os objetivos

econmicos do MERCOSUL contrastou com avanos em outras reas

do bloco que foram incentivadas pelo governo brasileiro a partir de

2003. A integrao comercial, unicamente, teria dado lugar tentativa

de atenuar as condies assimtricas entre os quatro pases membros.

105 De acordo com o ponto 16 ...a integrao sul-

americana deve ser promovida no interesse de todos, tendo por objetivo

a conformao de um modelo de desenvolvimento no qual se associem o

crescimento, a justia social e a dignidade dos cidados. Consenso de

Buenos Aires. 106

Essa ascenso da esquerda , para Cervo, resultado do

malogro das polticas neoliberais implantadas em pases da Amrica do

Sul na dcada de 90 do sculo XX. O malogro dessas polticas teve

forte impacto na opinio pblica e se refletiu nas urnas no incio do

sculo XXI. CERVO, Amado Luiz. Insero internacional: formao

dos conceitos brasileiros. So Paulo: Saraiva, 2008. 107

O resultado concreto desta empatia poltica entre os

lderes da Amrica do Sul a criao da Unio das Naes Sul-Americanas (UNASUL), em 2008.

108 Embaixador e negociador do Brasil no MERCOSUL

durante a formulao do Tratado de Assuno e do Protocolo de Ouro

Preto. MARQUES, Renato L. R. Duas Dcadas de Mercosul.

Aduaneiras. So Paulo, 2011.

58

O eixo desse novo rumo da integrao foi construdo

durante os dois mandatos do governo Lula109

. Antes desse perodo o

modelo de integrao seria unicamente neoliberal110

, com nfase na

abertura comercial. Aps 2003, o modelo de integrao passaria a ter

um carter de reconhecimento das assimetrias da globalizao e do

papel do Estado para desenvolver a economia nacional e controlar as

divergncias econmicas dos pases do MERCOSUL111

.

Diante desta nova perspectiva, criou-se no mbito

mercosulino instncias voltadas a reduzir as assimetrias entre os pases e

aprofundar o processo de integrao, deixando em segundo plano

objetivos de livre comrcio e de uma taxa externa comum. Isso deveu-

se, segundo Amado Luiz Cervo, tambm, posio do governo Lula,

que enxerga o livre comrcio na Amrica do Sul como perpetuador de

assimetrias. Nesta linha, Almeida112

afirma que a diplomacia brasileira

no governo Lula foi orientada pela doutrina de poltica internacional

dos Partidos dos Trabalhadores (PT). Isso explicaria, por exemplo, a

ojeriza inicial rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA)113

e

esforos da poltica externa brasileira em criar instncias sociais no

processo de integrao do MERCOSUL. O Brasil tambm chamado

pelos outros pases do bloco a pagar e aceitar os custos pela situao

109

Alm da criao do FOCEM, no mandato do governo

Lula surgiu a Comisso de Ministro de Assuntos Sociais do Mercosul e

o Plano Estratgico de Ao Social. Estudaremos essa nova roupagem

social no bloco ao longo deste captulo. 110

CERVO, 2008. op. cit. 111

Ao contrrio da orientao econmica no perodo do

governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 2002), que era de

abertura globalizao, no governo Lula o Brasil buscou democratizar a

globalizao exigindo reciprocidade nas relaes multilaterais

econmica. Ver mais em: CERVO, Amado Luiz. Brazil's rise on the

international scene: Brazil and the World. Rev. bras. polt.

int., Braslia, v. 53, n. spe, Dec. 2010 112

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Never before seen in Brazil: Luis Incio Lula da Silva's grand diplomacy. Rev. bras. polt.

int. 2010, vol.53, n.2, pp. 160-177. 113

ALMEIDA, Paulo Roberto de. A poltica internacional

do Partido dos Trabalhadores: da fundao diplomacia do governo

Lula. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, n. 20, June 2003

59

assimtrica da regio114

. Por isso no haveria uma manifestao oficial

de reprovao do Itamaraty em relao s barreiras impostas pela

Argentina entrada de manufaturas brasileiras no seu mercado115

.

Iniciativas como o FOCEM buscam, nas palavras do ex-

ministro das Relaes Exteriores do Brasil, Celso Luiz Nunes Amorim,

equilibrar o desenvolvimento para beneficiar as pessoas de todos os

Estados Membros116

. Essa medida positiva inspirada no modelo de

Integrao Positiva da Unio Europeia. A despeito de todas as

iniciativas meritrias citadas, no est claro ainda, qual a relao delas

com os objetivos comerciais do MERCOSUL e como elas podem atuar

para que os scios do bloco cumpram as regras do Tratado de

Assuno.

O ento ainda candidato a presidente do Brasil, Luiz Incio

Lula da Silva (2003-2010), j afirmara antes de ser eleito chefe da

nao, que o MERCOSUL deveria sofrer mudanas. Lula afirmou, em

2002, que em primeiro lugar, deve-se mudar os rumos do

MERCOSUL, que hoje no passa de uma unio alfandegria

incompleta, com perigo de recuar para uma rea de livre comrcio,

como defendem alguns.117

O candidato Lula se referia aos argumentos e conjecturas

sobre a regresso do MERCOSUL a uma rea de livre comrcio118

que

114

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Never before seen in

Brazil: Luis Incio Lula da Silva's grand diplomacy. Rev. bras. polt.

int. 2010, vol.53, n.2, pp. 160-177. 115

No entanto o governo brasileiro comeou em maio de

2012 a pedir licena automtica e