paulo cesar de carvalho lima educaÇÃo, mÍdia e … · ao amigo fernando carrasco, que indicou...

79
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E FOTOGRAFIA: LENTES EXPERIMENTAIS Salvador 2019

Upload: others

Post on 30-May-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA

EDUCAÇÃO, MÍDIA E FOTOGRAFIA: LENTES EXPERIMENTAIS

Salvador 2019

Page 2: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA

EDUCAÇÃO, MÍDIA E FOTOGRAFIA: LENTES EXPERIMENTAIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação, tendo como orientador o Prof. Dr. Augusto Cesar Rios Leiro.

Salvador 2019

Page 3: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

Ficha catalográfica

SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira

Lima, Paulo Cesar de Carvalho.

Educação, mídia e fotografia : lentes experimentais / Paulo Cesar de

Carvalho Lima. – 2010.

80 f. : il.

Orientador: Prof. Augusto César Rios Leiro.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de

Educação, Salvador, 2010.

1. Fotografia na educação. 2. Mídia. 3. Fotografia. 4. Educação. I. Leiro,

Augusto César Rios. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação.

III. Título.

CDD 371.3 – 23. ed.

Page 4: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA

EDUCAÇÃO, MÍDIA E FOTOGRAFIA: LENTES EXPERIMENTAIS

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de mestre em

Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia

BANCA EXAMINADORA: Augusto Cesar Rios Leiro – Orientador __________________________________ Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia

Luís Vítor Castro Júnior _____________________________________________ Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Pedro Rodolpho Jungers Abib ________________________________________ Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Lisboa

Page 5: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Cesar Leiro, que, com sua sensibilidade, sabedoria e paciência, conduziu a construção deste trabalho tornado-se um grande parceiro e

amigo nesta caminhada.

A Tâmara Ceuta, que, apesar de tudo, sempre se manteve parceira.

À minha mãe, que, com seu silêncio e paciência, sempre acreditou no filho, declaro o meu respeito e a minha admiração.

Ao meu pai, que, mesmo ausente, deixou marcas que repercutem em nosso jeito de ser.

A Lais Rocha, que colaborou na reta final de conclusão do trabalho.

Ao amigo Filipe Cartaxo, que indicou à direção do Colégio Experimental a minha pessoa e, mesmo sem saber, possibilitou a construção das oficinas de fotografia.

Ao Colégio Experimental, em particular Andrea Daltro – coordenadora do ensino fundamental II – e Alessandro Marimpietri – diretor –, que abriram a porta da escola

para os estudos e inquietações presentes neste texto.

A todas as crianças, em particular as que participaram das oficinas, com as quais tive a oportunidade de aprender que a cada novo dia o mundo

deve ser visto com o olhar de uma criança.

Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina e prática social de

identidade plural.

Aos amigos “mestres”, “mestrandos”, “doutores” e “graduandos” Igor Silva, Leonardo Silva, Minho, Erica Bastos, Vânia Ribeiro, Ana Paula, Cléber de Jesus, Micheli Venturini, Martha Benevides, Tatiana Passos Zylberberg, Maurício Roberto da Silva, Washington Sá, Vanessa Andrade.

Page 6: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

E tudo que pensei e tudo que eu falei

e tudo que me contaram era papel.

E tudo que descobri

amei detestei:

papel.

Papel quanto havia em mim e nos outros, papel

de jornal de parede

de embrulho papel de papel

papelão.

Carlos Drummond de Andrade (2002, p. 37)

Page 7: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

LIMA, Paulo Cesar de Carvalho. Educação, mídia e fotografia: lentes experimentais. 78 f. il. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

RESUMO

Trata-se de uma dissertação de Mestrado em Educação desenvolvida no Grupo de Estudos e Pesquisas em Mídia/Memória, Educação e Lazer do Programa de Pós Graduação em Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica da Universidade Federal da Bahia. A investigação elegeu educação, mídia e fotografia como categorias teóricas importantes e se constituiu como pesquisa qualitativa pautada na construção de caminhos direcionados para a compreensão. O diálogo empírico contou com oficinas de fotografia organizadas em três etapas distintas que se cruzam com a criatividade e crítica. Tomou como sujeitos crianças em idade escolar que cursavam o sexto ano do ensino fundamental II, evidenciando a fotografia como dispositivo de pesquisa para além do fazer instrumental acerca da vida ambiental citadina.

Palavras-chaves: Educação. Mídia. Fotografia.

Page 8: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

LIMA, Paulo Cesar de Carvalho. Education, media and photography: experimental lenses. 78 pp. ill. 2018. Master Dissertation – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

ABSTRACT

It is a Master's Dissertation in Education developed in the Group of Studies and Research in Media / memory, Education and Leisure of the Graduate Program in Education, Society and Pedagogical Praxis of the Federal University of Bahia. The investigation chose education, media and photography as important theoretical categories and was constituted as qualitative research based on the construction of paths directed to the understanding. The empirical dialogue counted on photography workshops organized in three distinct stages that intersect with creativity and criticism. He took as subjects school children who attended the 6th year of Elementary School II, evidencing photography as a research device in addition to making instrumental about city environmental life.

Keywords: Education. Media. Photography.

Page 9: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

UCSAL - Universidade Católica do Salvador

UFBA - Universidade Federal da Bahia

Grupo MEL - Grupo de Estudos e Pesquisas em Mídia/Memória,

Educação e Lazer

PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação

TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

NCE - Núcleo de Educação e Comunicação

ECA - Escola de Comunicação e Artes

USP - Universidade de São Paulo

PDDU - Plano de Desenvolvimento Urbano

MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

Page 10: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

LISTA DE FIGURAS E QUADROS1

Figura 1 Fotografia de Franciane Simplício........................................................................... 14

Figura 2 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 14

Quadro 1 Educomunicação e intervenção social..................................................................... 27

Figura 3 Fotografia de Robert Frank...................................................................................... 36

Figura 4 Fotografia de Robert Frank...................................................................................... 37

Figura 5 Fotografia de Raymond Depardon……………………………...……………………… 38

Figura 6 Fotografia de Raymond Depardon........................................................................... 39

Figura 7 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 43

Figura 8 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 44

Figura 9 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 45

Figura 10 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 46

Figura 11 Reprodução do quadro análise iconográfica e interpretação iconológica................ 47

Figura 12 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 48

Figura 13 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 48

Figura 14 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 49

Figura 15 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 49

Figura 16 Fotografia de Alana Araújo...................................................................................... 51

Figura 17 Fotografia de Lucas Lima......................................................................................... 51

Figura 18 Fotografia de Mariana Zenha................................................................................... 52

Figura 19 Fotografia de Isabela Teixeira.................................................................................. 53

Figura 20 Fotografia de Paula Santos...................................................................................... 53

Figura 21 Fotografia de Pablo Dias.......................................................................................... 54

Figura 22 Fotografia de Beatriz Brito....................................................................................... 55

Figura 23 Fotografia de Ravanna Amorim............................................................................... 56

1 Optei por trabalhar com o nome dos autores ao invés dos títulos das obras na lista de figuras e

quadros, pois algumas fotografias produzidas pelas crianças que participaram da pesquisa não foram intituladas pelas mesmas.

Page 11: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

Figura 24 Fotografia de Isis Mercês......................................................................................... 56

Figura 25 Fotografia de Gabriele Borges................................................................................. 57

Figura 26 Fotografia de Lara Ferreira...................................................................................... 58

Figura 27 Fotografia de José Lucena....................................................................................... 59

Figura 28 Fotografia de Lucas Rocha...................................................................................... 59

Figura 29 Fotografia de Luma Dantas e Isabelle Moares........................................................ 60

Figura 30 Fotografia de Luma Dantas e Isabelle Moares........................................................ 60

Figura 31 Fotografia de Tainá Alves........................................................................................ 61

Figura 32 Fotografia de Tiago do Val....................................................................................... 61

Figura 33 Fotografia de Victor Pinto......................................................................................... 62

Figura 34 Fotografia de Beatriz Ramos................................................................................... 62

Figura 35 Fotografia de Gabriel Borges................................................................................... 63

Figura 36 Fotografia de Juliana Zenha.................................................................................... 63

Figura 37 Fotografia de Leonardo Negrão............................................................................... 64

Figura 38 Fotografia de Lomelino Bisneto............................................................................... 64

Figura 39 Fotografia de Lucas Mercês..................................................................................... 65

Figura 40 Fotografia de Mariana Gusmão............................................................................... 65

Figura 41 Fotografia de Milena Góes....................................................................................... 66

Figura 42 Fotografia de Pablo Mariano.................................................................................... 67

Figura 43 Fotografia de Milena Santos.................................................................................... 67

Figura 44 Fotografia de Paulo Lima......................................................................................... 71

Page 12: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

SUMÁRIO

1 CLAROS, ESCUROS E REVELAÇÃO DA PROBLEMÁTICA 12

2 CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO E MÍDIA PELA LENTE CONCEITUAL 17

2.1 FLASHES HISTÓRICOS E PONTO DE VISTA CONTEMPORÂNEO: O SER HUMANO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

17

2.2 EDUCAÇÃO E MÍDIA: MARCOS HISTÓRICOS, CONCEITOS E PROPOSIÇÕES

24

3 FOTOGRAFIA: DOCUMENTO, EXPRESSÃO E POSSIBILIDADES EDUCATIVAS

30

4 APROXIMAÇÕES, DISTANCIAMENTOS, COMPARTILHAMENTOS E AS TRAJETÓRIAS DO/NO CAMPO

40

4.1 APROXIMAÇÕES A UMA NOVA TECNOLOGIA E AS OFICINAS DE FOTOGRAFIA

43

4.2 CÂMERAS EM MÃOS E O CAMPO NA RETINA: SAÍDA A CAMPO 46

5 FLASHES REFLEXIVOS 69

REFERÊNCIAS 73

ANEXO A 77

APÊNDICE A 78

Page 13: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

12

1 CLAROS, ESCUROS E REVELAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

“A fotografia é como uma cicatriz no corpo, às vezes intrigante porque plasma o momento da ação.

Por vezes direta e intencional, às vezes acidental e ocasional; por serem diversas em seus significados,

são marcas que contam mentiras diferentes.” Mário Cravo Neto (PERSICHETTI, 2000, p. 15).

As reflexões presentes neste texto iniciaram ao longo dos primeiros semestres

do curso de licenciatura em Educação Física, na Universidade Católica do Salvador

(UCSal), ocorridos entre 2002 e 2003. Nesse período, surgiram as primeiras

inquietações com a base curricular do curso dessa instituição. Base esta que

compreendia o ser humano de forma dicotômica e centrava seus conteúdos

estritamente nas questões biológicas dos sujeitos.

Imediatamente após a constatação dessa insatisfação, optei por cumprir

apenas as disciplinas obrigatórias, ao passo que, nos semestres subsequentes,

aproximava-me lentamente de conceitos e teorias de outras áreas. Ou seja, a

educação formal e suas interfaces com a mídia, em particular a fotografia, como

possibilidade de comunicação e expressão.

Em virtude desse cenário, e de acordo com Pais (2003, p. 32) passei a adotar

uma postura aventureira e curiosa diante dos fatos, assumindo a descoberta como

possibilidade de construção de conhecimento, sem grandes preocupações

epistemológicas. Em outras palavras, passei a dedicar mais tempo de estudo para

outras áreas, que me proporcionaram um montante significativo de experiências

dentre as quais destaco algumas que são cruciais para a proposição do presente

estudo.

A primeira foi conviver e fotografar crianças empobrecidas no estado da Bahia

por aproximadamente oito meses e apresentar uma síntese desse trabalho em

exposição fotográfica intitulada Tenro Ser – Devaneios, no Circuito Cultural da Caixa,

no ano de 2005.2 A mostra era composta por 15 fotografias tendo como principal

elemento construtivo das imagens as crianças. Nesse período, apreendemos o quanto

esses sujeitos são produtores culturais em meio a toda essa profusão de informações.

2 As fotografias e textos que compuseram a mostra encontram-se disponíveis no link:

<https://www.estudiopaulolima.com.br/exposicoes>.

Page 14: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

13

A segunda experiência se deu ao acompanhar, prioritariamente com

equipamento fotográfico, por aproximadamente dez dias, em agosto de 2004, a

movimentação dos Romeiros para Bom Jesus da Lapa, no interior da Bahia, e, em

setembro de 2006, a romaria que leva multidões para Juazeiro do Norte por conta do

Padre Cícero. A metodologia das expedições fotográficas, que se constitui

basicamente pela apreciação de trabalhos de fotógrafos que percorreram essas

regiões, pelo estudo de características culturais, históricas e geográficas das cidades,

pela permanência e produção de imagens nos locais, pela seleção e edição das

fotografias e, por fim, a construção de pequenos ensaios fotográficos, se constitui em

rico processo de aprendizagem, tendo como objetivo a construção de fotografias pelo

viés da expressão.

O terceiro destaque se refere à ambiência acadêmica desenvolvida nos últimos

seis anos junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Mídia/Memória, Educação e

Lazer (Grupo MEL), que é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação

(PPGE) pela Linha de Educação, Cultura Corporal e Lazer, com sede na Faculdade

de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/UFBA). O Grupo MEL,

fundado em 20 de março de 2004, no dia da água, e apresentado à comunidade

acadêmica em 20 de abril do mesmo ano, trata-se de um grupo que se insere no

contexto da pesquisa acadêmica propondo-se a refletir, pela lente da educação, os

múltiplos temas que se articulam com a mídia, a memória, o lazer, a cultura corporal

e as juventudes. É composto por professores e estudantes pesquisadores da UFBA e

pesquisadores de instituições associadas. O Grupo busca ampliar os referenciais

teóricos e qualificar o campo de diálogo empírico junto às comunidades, construindo

experiências com fóruns qualificados de discussão, reuniões administrativas,

encontros ampliados de estudos e reuniões por projetos.

Page 15: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

14

Figura 1: Primeiros movimentos de organização do Grupo MEL. Vale do Canela, Salvador,

Bahia, 2004.

Fonte: Fotografia de Franciane Simplício, acervo do autor.

Figura 2: Fórum de discussão do Grupo MEL. Vale do Canela, Salvador, Bahia, 2007.

Fonte: Fotografia do autor, acervo também do autor.

A participação no Grupo gerou acúmulos teóricos e práticos fundamentais para

ampliação das referências e percepção de inúmeras possibilidades em torno da mídia

– educação.

O quarto insight e mais recente ocorreu no ano de 2008, quando tivemos a

oportunidade de realizar a curadoria3 da exposição fotográfica O peixe nosso de cada

3 O curador é o profissional responsável, em diálogo com o artista, pela construção do conceito de

apresentação de um ensaio fotográfico, levantando o formato e o conteúdo a ser exibido.

Page 16: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

15

dia, da fotógrafa Gal Meirelles, exposta na comunidade de Baiacu. A exposição narrou

visualmente, a partir do conjunto de 30 fotografias, a dinâmica de uma comunidade

pesqueira, permitindo ao espectador a possibilidade de compreender o processo de

pesca de arrasto que ocorre na região.

Outro ponto significativo é a afirmação feita por Benjamin no texto “Pequena

história da fotografia”, publicado em 1932, de que “o analfabeto do futuro não será

quem não souber escrever, e sim o que não souber fotografar” (BENJAMIN, 1993, p.

107). Após todos esses anos, estou convicto de que ela emana na atualidade, dada a

profusão de imagens fotográficas produzidas e veiculadas desde o século XVIII.4

A pertinência da afirmativa acima e a necessidade de uma maior atenção ao

signo visual tornam-se gritante ao observarmos outros espaços de sociabilidade.

Refiro-me às redes sociais Orkut e Flickr, que foram construídas a partir da Web 2.0.

Analisando o Orkut, que, em 24 de janeiro de 2004, possibilitava aos assinantes a

publicação de 12 imagens por álbum, no que pese o conceito de imagem, boa parte

dessas postagens eram fotografias e, passados seis anos do seu anúncio, a

quantidade de publicação e criação de álbuns tornou-se ilimitada. Já o Flickr, lançado

em fevereiro de 2004, com o intuito de armazenar e compartilhar fotografias, sendo

que a sua utilização é em larga escala feita por fotógrafos amadores e profissionais,

atingiu no dia 14 de outubro de 2009,5 a marca de 4 bilhões de fotos postadas.

Diante do exposto anteriormente, busca-se refletir neste trabalho – vinculado à

linha de pesquisa Educação, Cultura Corporal e Lazer – as possibilidades de

construções de fotografias expressivas com crianças. Para tanto, foram elaboradas e

aplicadas oficinas de fotografias junto a estudantes do sexto ano do ensino

fundamental II da Escola Experimental, que se vincularam ao projeto interdisciplinar

da escola em 2009. A temática das referidas oficinas foi a ocupação do espaço

urbano, permitindo assim, aos diversos eixos disciplinares – História, Geografia,

Ciência e Artes, usarem as fotografias para focalizarem a organização urbana da

cidade de Salvador. A partir dessa experiência, e subsidiados por uma linha teórica

que compreende a fotografia não apenas como suporte documental, mas sobretudo

como possibilidade de expressão, tecemos reflexões que entrelaçam os campos da

4 Considerar o ano 1839 quando ocorreram os anúncios da invenção da fotografia. Ver ROUILLÉ,

André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Tradução Constancia Egrejas. – São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. p. 30.

5 Disponível no link você pode ver a imagem que marca as 4 bilhões de fotografias postadas na plataforma: <http://blog.flickr.net/pt/2009/10/14/4-000-000-000-3>.

Page 17: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

16

Educação e da Comunicação formalizada no ambiente escolar. Assim, compomos o

texto em cinco capítulos distintos.

O primeiro capítulo Claros, escuros e revelação da problemática trata da

introdução e apresenta as inquietações, questões, observações e problemática de

investigação que levaram à construção do presente texto, bem como a organização

dos capítulos.

O segundo capítulo Conhecimento, Educação e Mídia pela lente conceitual

apresenta a compreensão do que é conhecimento a partir da retomada de como o

homem vem se relacionando com os saberes e suas implicações na vida prática e no

campo educacional à luz de Moraes (1996), Andery (2004) e Kosik (1976).

Apontamos, num segundo momento, conceitos sobre mídia – educação e

educomunicação – fazendo um passeio dos seus princípios até o período

contemporâneo, a partir das contribuições de Fantin (2006), Soares (1995, 1997,

1999, 2005) e Schaun (2002).

O terceiro capítulo Fotografia: documento, expressão e possibilidades

educativas versa sobre a fotografia – em particular, os seus caminhos e descaminhos

entre documento e expressão –, destacando seu potencial na contemporaneidade

como “fotografia-expressão”; conceito cunhado por Rouillé, que é o principal teórico

sustentador desse bloco, uma vez que, em sua mais recente obra, A fotografia entre

documento e arte contemporânea, o autor faz uma análise do consumir e fazer

fotografia desde o daguerreótipo até os tempos atuais. Destacamos nesse capítulo

possíveis articulações entre fotografia e educação, tendo como premissa que a

fotografia e seus processos constitutivos educam.

O quarto capítulo Aproximações, distanciamentos, compartilhamentos e as

trajetórias do/no campo, edificado de modo compartilhado com os sujeitos da

pesquisa, diz respeito à metodologia que baliza o campo através dos princípios da

etnografia, descrevendo e articulando, a partir das oficinas de fotografia,

possibilidades técnicas, conceituais e filosóficas do educar com fotografia (mídia) –

educação.

O quinto capítulo apresenta Flashes reflexivos, ao modo de considerações

finais, em torno da objetividade desse estudo e dos aprendizados durante a pesquisa,

concebendo o percurso do processo investigativo como tempo e espaço de

amadurecimento e formação em torno do objeto pesquisado.

Page 18: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

17

2 CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO E MÍDIA PELA LENTE CONCEITUAL

“Minha máquina fotográfica é um instrumento de conhecimento, uma picareta com a qual

vou cavando dentro de mim, buscando essa identificação fora.”

Cláudio Edinger (PERSICHETTI, 2000, p. 126).

O presente capítulo busca apresentar o cenário da educação contemporânea,

trazendo, no primeiro momento, um breve panorama do período da História Medieval

e Moderna, bem como as consequências do período moderno nos processos

educativos da atualidade, com ênfase em uma educação com, para e através dos

meios. Não se trata de uma análise qualquer do mundo contemporâneo, mas de uma

visão interessada na busca de novos referenciais e possíveis transformações na

educação, como horizonte à possibilidade de transformação social.

2.1 FLASHES HISTÓRICOS E PONTO DE VISTA CONTEMPORÂNEO: O SER

HUMANO E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Até o século XV, antes do advento da Revolução Científica, a visão de mundo

estava assentada no “naturalismo aristotélico e na fundamentação platônico-

agostiniana, e depois tomista, que considerava de maior significância as questões

referentes a Deus, à alma humana e a ética” (MORAES, 2007, p. 32). Para o ser

humano medieval, a realidade era sagrada por ter sido estabelecida por Deus e cabia

ao homem contemplar e compreender a harmonia existente no universo. Moraes

destaca que “foi uma época em que também predominava o autoritarismo na

organização social, o respeito às autoridades, aos textos bíblicos e gregos”

(MORAES, 2007, p. 33). Foi também um período de repressão, uma vez que aquele

que experimentava qualquer tipo de inovação, tentando discordar dos textos bíblicos,

arriscava-se a morrer na fogueira.

A partir dos séculos XVI e XVII, a natureza da ciência medieval começou a

sofrer mudanças. Gioia e Pereira (2004, p. 177) afirmam que, com o surgimento da

chamada ciência moderna, foi necessário “derrubar a visão de mundo proposta por

Aristóteles, reinterpretada pelos teólogos medievais e oficialmente em vigor”. As

autoras reiteram que:

Page 19: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

18

A formulação de uma nova imagem do universo exigia o repensar de toda a produção de conhecimento, suas características, suas determinações, seus caminhos. Essas considerações metodológicas fizeram parte das preocupações de diversos pensadores do período: Galileu, Bacon, Descartes, Hobes, Locke (1652-1704) e Newton (GIOIA; PEREIRA, 2004, p.177).

Em relação aos pensadores do período da Revolução Científica, cabe destacar que:

Galileu e Newton perceberam as dimensões matemáticas e geométricas dos

fenômenos da natureza e propuseram leis do movimento, leis essas

mecânicas. Descartes também se preocupou com as leis do movimento e

tratou toda a natureza, inclusive o corpo do próprio homem, seguindo o

modelo mecanicista. Já Hobbes, foi além no que se refere à ampliação do

campo de abrangência do modelo mecanicista: estendeu-se para o próprio

conhecimento (GIOIA; PEREIRA, 2004, p. 177).

Nos caminhos traçados pelos pensadores da época, foi-se firmando um novo

conhecimento, uma nova ciência que buscava leis naturais para a compreensão do

universo.

A física newtoniana, como então fora denominada, foi considerada o ponto

culminante da Revolução Científica e forneceu uma consistente teoria matemática a

respeito do mundo e da natureza que se constituiu no alicerce do pensamento

científico até grande parte do século XX. O universo newtoniano passou a ser um

grande sistema mecânico que compreendia os fenômenos de acordo com leis físicas

e matemáticas.

A ciência moderna reconheceu a matemática como um instrumento que

permitia “a análise, a lógica da investigação e o modelo de representação da estrutura

da matéria” (MORAES, 2007, p. 40). Com base nesse posicionamento central,

surgiram duas grandes consequências que influenciaram todo o pensamento

moderno, conforme o destaque abaixo:

Uma se refere ao fato de que, para conhecer, é preciso quantificar, e o rigor científico é dado pelo rigor das mediações. As qualidades do objeto não têm valor científico. A outra está relacionada ao pensamento científico moderno, em que, para conhecer, é preciso dividir, classificar, para depois tentar compreender as relações das coisas em separado (MORAES, 2007, p. 40).

É fato que a ciência moderna destinou consequências do pensamento

cartesiano ao mundo, porém cabe advertir que o desenvolvimento dessa ciência

possibilitou saltos evolutivos na história das civilizações, traduzidos, entre outros, pela

Page 20: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

19

democratização do conhecimento, pelo surgimento de técnicas para a construção de

novos conhecimentos e, sobretudo, pela presença de um espírito científico de

investigação aberta e de validação do conhecimento.

Contudo, Moraes (2007, p. 42) ressalva que:

A descrição reducionista representou um certo perigo a partir do momento em que o método analítico moderno, fruto do racionalismo científico, foi interpretado como sendo a explicação mais completa, a abordagem válida do conhecimento, ao focalizar as partes, ao conhecer as unidades constitutivas, ao retalhar a visão de totalidade.

Representou um certo perigo também a valorização de aspectos externos das

experiências, ignorando as vivências internas do indivíduo, ao fundamentar-se,

sobretudo, na razão e nas sensações expressas pelos cinco sentidos – audição, visão,

paladar, tato e olfato –, criando assim, “um mundo pentassensorial” (MORAES, 2007,

p. 42) limitado pelos sentidos através do qual se podia manipular e controlar as coisas.

Moraes (2007) critica a excessiva ênfase dada ao método cartesiano que

impregnou fortemente o paradigma dominante da ciência moderna, a qual, com o

passar dos séculos, provocou a fragmentação do pensamento e a unilateralidade da

visão sobre o mundo e os seres que o habitam. No que tange o trabalho voltado ao

campo da educação, cabe enfatizar ainda que esse método levou a educação formal

a supervalorizar determinadas disciplinas, a pregar a superespecialização, uma vez

que fixa como pressuposto para a compreensão dos fenômenos complexos a

necessidade de reduzi-los às suas partes constituintes, como destacado no excerto

anterior.

Ao final do século XIX, a visão mecanicista do mundo começou a perder poder

de influência como teoria que fundamenta as ocorrências dos fenômenos naturais,

iniciando dessa forma, uma ruptura entre o mundo moderno e o contemporâneo, a

partir das descobertas do século XX, sendo Einstein o primeiro pensador a investir

contra o paradigma da ciência moderna. Vivemos num período de transição muito

importante na história da humanidade, decorrente da presença de inúmeros desafios

que envolvem as dimensões culturais, sociais, políticas, intelectuais, morais e

espirituais. Tais pressupostos afetam não apenas a educação, mas os diferentes

aspectos da vida humana como a saúde, o meio ambiente, a economia, as relações

sociais, o trabalho, a política, o desenvolvimento tecnológico e o acesso a este.

Page 21: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

20

Esses desafios vêm causando desequilíbrios na vida do ser humano,

decorrente de um pensamento reducionista, fragmentado, simplificado, que, por sua

vez, gera ações correspondentes, que não expressam a unidade e a diversidade

existente no todo. Tais pensamentos, implicações do pensamento moderno no mundo

contemporâneo, subsidiam a educação formal a elaborar metodologias de ensino-

aprendizagem de modo que os estudantes desenvolvam mecanismos racionais de

acúmulo de conhecimentos para que posteriormente possam comprovar sua utilidade

através de mecanismos avaliativos. Dessa maneira, pressupostos educacionais

pautados na linha cartesiana-newtoniana terminam por descartar a capacidade

inventiva e criativa dos estudantes, levando-os a mera repetição de conceitos

disciplinares.

Na contemporaneidade, os constantes avanços das Tecnologias da Informação

e Comunicação (TIC) transformam as práticas sociais cotidianas em todos os setores

de atividades no mundo. Esse fenômeno, que constitui umas das principais marcas

do século XXI, requer dos seres humanos novas formas de pensar, conhecer,

aprender, bem como adaptar-se a novos ambientes e situações, e, sobretudo, à

capacidade de resolver problemas cada vez mais complexos que, por sua vez,

necessitam não apenas de concepções racionalizadas do mundo, mas

principalmente, da sensibilidade implicada na aprendizagem dos sentidos.

A expansão nas formas de comunicação, principalmente via internet, permite a

existência de uma grande coletividade produtiva que “ultrapassa fronteiras

geográficas, de idade, nacionalidade, formação acadêmica ou delimitação de área

científica” (NOGUEIRA, 1996, p. 15) e interligam realidades reais e virtuais.6 Esse

processo altera significativamente o meio e favorece o surgimento de relações antes

não estabelecidas, que irão tecer uma complexa rede de possibilidades.

É nesse cenário complexo, nessa teia de relações do mundo contemporâneo,

que estão inseridos os processos educativos e, em particular, a escola. Embora se

perceba que o mundo ao redor está se transformando de forma bastante acelerada,

6 Temos como exemplo dessa expansão e abrangência da comunicação via internet a comunicação do

Comitê Clandestino Revolucionário Indígena do Exercito Zapatista de Libertação Nacional, que por correio eletrônico e rede de comunicação via internet, se fez conhecer, juntamente com suas causas diante de um ativista de direitos humanos na Inglaterra, uma dona de casa em Nova Iorque ou um estudante brasileiro. Assim, os Zapatistas são conhecidos como o primeiro movimento da era pós-moderna ou pós-muro de Berlim, tendo o comandante Marcos como primeiro “super-herói da internet”. Ver mais detalhes Pedro Ortiz; Marco Brige; Rogério Ferrari. Zapatistas – a velocidade do sonho. Brasília: Entrelivros; Thesaurus, 2006. 230 p. : Il. em particular o capítulo “A Comunicação Zapatista”.

Page 22: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

21

as mudanças dos paradigmas escolares que permitem acompanhar as

transformações, tanto do mundo quanto dos sujeitos que nele operam, ainda são

incipientes. Segundo Moraes (2007, p. 16),

A educação continua apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo mundo e a grande maioria dos professores continuam privilegiando a velha maneira como foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção do conhecimento, conservando um modelo de sociedade que produz seres incompetentes, incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento.

A construção de novas visões e conceitos acerca da educação contemporânea

ocorre num mundo ainda impregnado de valores e pensamentos da modernidade.

Pensamento esse que fragmenta o todo não garantindo os nexos entre as partes,

supervaloriza a razão e o cérebro humano em detrimento dos fatores emocionais,

subjetivos, corporais e afetivos, impedindo a ampliação e internalização de valores

compatíveis a um mundo cada vez mais instável, interconectado e complexo.

Esses valores e pensamentos da modernidade exercem influências nos

processos educativos da atualidade, que mantêm relações hierárquicas, autoritárias

e paternalistas no interior das instituições, além de valorizar as práticas centradas no

professor e na transmissão de conteúdo chamada por Freire (1979) de concepção

“bancária” de educação, em que a única margem de ação que se oferece aos

educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e/ou arquivá-los.

Em vez de produzir as transformações necessárias para o desenvolvimento

integral do sujeito, a escola atual continua gerando padrões de comportamento

preestabelecido com base em um sistema de referência que ensina a não questionar,

a não expressar o pensamento divergente, a aceitar passivamente, e a ter certeza das

coisas. Moraes complementa que as crianças e jovens no espaço escolar são

limitadas ao espaço reduzido de suas carteiras, imobilizadas em seus movimentos,

silenciadas em suas falas, impedidas de pensar, sendo “[...] reduzidas em sua

criatividade e em suas possibilidades de expressão, as crianças encontram-se

também limitadas em sua sociabilidade, presas à sua mente racional, impossibilitadas

de experimentar novos vôos e de conquistar novos espaços” (MORAES, 2007, p. 50).

Atualmente, com a emergência das TIC, as instituições vêm inserindo essas

tecnologias no âmbito escolar, sobretudo o computador, a fim de reatualizar as

metodologias utilizadas nos processos de ensino-aprendizagem. As escolas, porém,

Page 23: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

22

em sua maioria, demonstram uma visão instrumental dessa tecnologia, uma vez que

a utilizam como versão atualizada dos métodos tradicionais de ensino, visto que não

há modificação na maneira como encaram a função dos métodos de ensino-

aprendizagem, ou seja, utilizam “a velha roupagem numa nova versão computacional,

perpetuando o velho paradigma, otimizando o péssimo” (MORAES, 2007, p. 53).

Esse modelo não consegue abranger toda a complexidade do mundo atual.

Não basta apenas melhorar o que está posto, é necessário que ocorra uma

transformação profunda, que incorpore as novas formas de ser, pensar e de agir que

estão emergindo na contemporaneidade, principalmente com a presença das TIC,

dentro e fora do espaço escolar. Essa presença passa a exigir novas formas de

construção de subjetividade, de relações sociais e ambientais. Teóricos da área

destacam que:

a tecnologia na escola não pode ser vista apenas como instrumento ou ferramenta, uma significação própria da cosmovisão moderna. Como as tecnologias transformam as linguagens, os ritmos e modalidades da comunicação, da percepção e o pensamento, operam com proposições, exteriorizam, objetivam, virtualizam funções cognitivas e atividades mentais, devem ser vistas como possibilidade de criação, de pesquisa, de cultura, de re-invenção. É necessário entendermos a tecnologia não apenas como fazer, mas também como o dizer, o entender, o intencionar o que se faz (BONILLA, 2005, p. 79).

Apenas instrumentalizar, por mais indispensável que seja a técnica para a

relação do homem com o mundo, ela por si não permite uma empregabilidade

significativa da criatividade. Proferir, apreender e intervir politicamente e culturalmente

com as técnicas desse tempo demanda compreender tecnologia como

um processo criativo, através do qual o ser humano utiliza-se de recursos materiais e imateriais, ou os cria a partir do que está disponível na natureza e no seu contexto vivencial, a fim de encontrar respostas para os problemas de seu contexto, superando-os. Neste processo, o ser humano transforma a realidade e ao mesmo tempo, transforma a si mesmo, descobre formas de atuação e produz conhecimento sobre elas, inventa meios e produz conhecimento sobre tal processo no qual está implicado (LIMA JÚNIOR, 2005, p. 15).

Nessa perspectiva, o sujeito deixa de ser um mero consumidor ou expectador

passivo para ser um cidadão participativo, criativo e antenado ao seu tempo. Além de

vislumbrar a construção de conhecimento, explorando os territórios do saber sem as

tradicionais fronteiras impostas por perspectivas positivistas de educar.

Page 24: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

23

Nesse contexto, o professor é um parceiro, que avança na compressão dos

fatos e da realidade, e não mais dita as regras e os comandos para que os estudantes

executem: passa a ser coautor do processo de ensino-aprendizagem, que, juntamente

com os estudantes, estimula uma aprendizagem problematizadora, investigativa,

buscando as diferentes visões sobre o conhecimento, para que o ambiente educativo

se torne um espaço de todas as vozes, falas e narrativas individuais e coletivas.

Vale destacar, que o trabalho com a formação de educadores é fundamental,

já que, através dele, é possível garantir um salto qualitativo na mudança das relações

pedagógicas operantes na educação. Nesse sentido, Rocha (2005) ressalta que as

políticas públicas são essenciais, pois, não basta inserir as tecnologias nas escolas,

é preciso investir nos educadores para que eles sejam também sujeitos plenos desse

processo.

As mudanças na educação dependerão do modo de se pensar o currículo

escolar, ou seja, a concepção que fundamenta esse currículo para, a partir daí, se

constituir uma proposta pedagógica que possibilite “a abolição dos velhos esquemas

de [...] ordenamento linear, seqüencial, facilmente quantificável que domina a

educação atualmente – que se centra em inícios claros e fins definidos” (ROCHA,

2005, p. 145).

A escola e os sistemas gestores precisam eliminar a compreensão de que o

currículo deve ser fragmentado, descontextualizado, fechado com uma comunicação

unidirecional e massiva. É necessário, portanto, abrir espaço para dar lugar à outra

prática curricular, que reconheça sua construção a partir das diversidades e tensões

sociais, tecnológicas e culturais do mundo contemporâneo. A necessidade de agregar

outros saberes ao currículo e o reconhecimento dos meios de comunicação e suas

relações com a educação apontam elementos significativos para leitura e decifração

da cultura contemporânea, trazendo novas formas de mediação cultural. Os meios –

sons, imagens e etc. – emergentes da cultura de mídias constituem-se em

protagonistas nos processos culturais e educativos, devendo os espaços de educação

formal e não formal redimensionar tais potencialidades.

Page 25: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

24

2.2 EDUCAÇÃO E MÍDIA: MARCOS HISTÓRICOS, CONCEITOS E PROPOSIÇÕES

Diversos desafios estão diante da educação formal contemporânea. Um deles

é uma pedagogia dos meios na escola que dê espaço à imaginação e à criatividade

das crianças e jovens no espaço escolar. Nesse sentido, muitos caminhos foram

anunciados e vêm sendo construídos ao longo do tempo com seus respectivos

contornos, densidades e campos epistemológicos. Infoeducação, educomunicação,

mídia-educação e por esses tempos transmídia7 são alguns dos campos que se

interessam pelas mídias e se articulam com a educação. Para esse trabalho, tomamos

como campo de aproximação e contrastes caracterizações advindas da

educomunicação e mídia-educação, reconhecendo as suas diferenças, porém

dialogando com ambas iniciativas.

No cenário mundial, duas datas oficialmente demarcaram a definição de mídia-

educação, ao passo que a escola se torna lócus específico em torno do qual se

localiza o debate:

A primeira definição oficial foi apresentada na França pelo Conselho Internacional do Cinema e da Televisão (CICT), organização ligada a UNESCO, em junho de 1973, e referia-se ao estudo, ensino e aprendizagem dos modernos meios de comunicação como disciplina autônoma no âmbito da teoria e prática pedagógica, portanto uma definição que reconhece a escola como lugar específico da mídia – educação. A segunda definição apresentada pelo mesmo conselho alguns anos depois, em 1979, amplia seu campo de intervenção em duas direções: na extensão mídia – educação aos aspectos históricos, valorativos e do uso criativo, considerando as mídias como produtos e processos culturais e sociais; e na ampliação da disciplina escolar Mídia – Educação para outras faixas etárias, envolvendo crianças, jovens e adultos (FANTIN, 2006, p. 51).

Educar para as mídias passa a ser pauta emergente a partir da década de

1980, quando pressupostos ecoam nos quatro cantos do mundo, inclusive tempos

depois no Brasil, onde a necessidade de contemplar as mídias no espaço escolar foi

apontada por Fusari, no final dos anos 1980, e recuperada mais recentemente por

Fantin:

7 “Transmídia” é o termo que denomina uma nova forma de contar histórias. A jornalista e colaboradora

do portal “Cubos”, Renata Rehem apresenta algumas características desse termo no link: <http://cubos.io/blog/transmidia/>. Acesso em: mar. 2019.

Page 26: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

25

[...] a contribuição da escola na produção social da comunicação emancipatória com as mídias (meios de comunicação) precisava ser estudada, praticada, aperfeiçoada. Para ela não era suficiente colecionar imagens, sons e audiovisuais informatizados ou saber sobre suas técnicas, era preciso “aprender a elaborar e intervir no processo comunicacional que se dá entre professores e alunos com essas mídias, para ajudar na realização da cidadania contemporânea (FANTIN, 2006, p. 28).

Assim, o final da década de 1980 fica como marco, no Brasil, de quando os

meios de comunicação e domínio de modalidades contemporâneas de expressão

tornam-se assuntos da Educação. Mais adiante, na década de 1990, o debate sobre

a inter-relação entre mídia-educação se intensificou em âmbito nacional, no campo

legislativo e na dimensão acadêmica.

No campo legislativo, ocorreu durante a reformulação da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB) n.º 9.394, de dezembro de 1996, que, apesar de

não pontuar explicitamente a aproximação entre o mundo da comunicação e o mundo

da educação, passa a garantir, por meio dos princípios aprovados, a possibilidade, de

se pensar tal relação (SOARES, 1997).

Já na dimensão acadêmica, destaca-se de forma mais sistemática o Núcleo de

Comunicação e Educação (NCE), da Escola de Comunicação e Artes da Universidade

de São Paulo (ECA/USP), tendo como destaque o professor Soares, que deu os

primeiros passos para o reconhecimento e divulgação do campo denominado de

"Inter-relação Comunicação/Educação", ou “Educomunicação”. O campo emergente

fez surgir, segundo o pesquisador, um profissional denominado “Educomunicador”.8

As duas teses levantadas pelo NCE são:

(1) É necessário transformar a leitura crítica dos meios, a educação para a formação de habilidades no campo da educação, assim como a introdução de tecnologias da comunicação em sala de aula, em conteúdos curriculares específicos ou em atividades interdisciplinares no sistema nacional de ensino, levando-se em consideração as circunstâncias e a preparação do corpo docente; (2) É necessário que as Faculdades de Comunicação Social, assim como as de Educação ou Pedagogia, preparem – através de cursos de graduação, especialização ou pós-graduação – profissionais especialmente qualificados para assessorar o sistema de ensino na introdução da Comunicação Social no novo projeto educativo proposto pela LDB (SOARES, 1997, p. 3).

8 O termo “[...] Educomunicador foi cunhado pela primeira vez pelo filósofo da educação, falecido em

1998, Mário Kaplun, nascido na Argentina e radicado no Uruguai, amigo e parceiro de Paulo Freire.” (SCHAUN, 2002, p. 15).

Page 27: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

26

Apesar das primeiras sistematizações iniciarem na década de 1990, no Brasil,

há muito tempo ocorrem experiências em variados meios – cinema, televisão, rádio

etc. – nos movimentos sociais, nas comunidades, bairros, cidades e de forma tímida,

com ênfase na informática, nas escolas (FANTIN, 2006). A revolução eletrônica, os

enunciados midiáticos e a inundação de imagens vieram modificar a relação entre

escola e mídia, bem como suas funções sociais. Na atualidade, pensar um projeto

político-pedagógico que não considere os meios de comunicação é atrofiar a escola

no que tange às questões contemporâneas.

No tocante a esses aspectos, Schaun (2002) afirma que o paradigma da

educação, concernente à mobilização, divulgação e sistematização de conhecimento,

implica acolher o espaço interdiscursivo e midiático da comunicação como produção

e veiculação da cultura, fundando um novo lócus: o da inter-relação

comunicação/educação ou educomunicação, um campo que

busca ressignificar os movimentos comunicativos inspirados na linguagem do mercado da produção de bens culturais, mas que vão se resolver no âmbito da educação como uma das formas de reprodução de organização de poder da comunidade, como um lugar de cidadania, aquele índice do qual emergem novas esteticidades e eticidades, (modos de perceber e estar no mundo) (SCHAUN, 2002, p. 15).

A interdiscursividade desse campo de intervenção social, caracterizado pela

inter-relação comunicação/educação, em cuja primeira, predomina a excelência da

forma, do poder estético, enquanto a segunda pauta-se em valores éticos, morais e

políticos, quando associadas, ambas buscam romper a lógica dos discursos

hegemônicos fundados na racionalidade econômica e de mercado (SCHAUN, 2002).

A pesquisa realizada pelo grupo NCE, em 1998, e atualizada em 2000, além

de indicar a existência de um novo campo com profissionais atuantes e

autorreconhecidos, aponta também para a existência de algumas áreas de

intervenção social, típicas das práticas educomunicativas9 conforme o quadro abaixo:

9 A referida pesquisa estabeleceu como hipótese central à existência de um novo campo de intervenção

social, com práticas específicas e peculiares. Através do conjunto de dados levantados, foi possível vislumbrar não apenas um crescente interesse pelo tema em questão, como, sobretudo, a existência de um processo de sistematização teórica que aponta a interdiscursividade e a interdisciplinaridade como elementos essenciais da epistemologia do campo, evidenciados no desenho do perfil do novo profissional a ele dedicado. Em 2000, coordenada pela professora Schaun, houve uma atualização da pesquisa e 205 especialistas ofereceram respostas, confirmando a franca expansão da educomunicação (SCHAUN, 2002).

Page 28: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

27

Quadro 1: Educomunicação e intervenção social

ÁREAS DE INTERVENÇÃO CARACTERÍSTICAS

Educação para a comunicação

Tem como característica a relação entre produtores, o

processo e a recepção das mensagens, tendo como

principal teórico na América Latina Martín Barbero.

Mediação tecnológica na

educação

Caracteriza-se pelos estudos dos usos das tecnologias

nos processos educativos. Tal área ganhou ênfase nos

últimos tempos devido ao microcomputador.

Gestão da comunicação no

espaço educativo

Tem como foco a criação de ecossistemas

comunicativos para a gestão da comunicação nos

espaços formais e não formais de comunicação.

Reflexão epistemológica sobre a

inter-relação

comunicação/educação

Refere-se à reflexão acadêmica que é

metodologicamente conduzida para reconhecimento,

evolução e legitimação da educomunicação, como

prática e teoria.

Fonte: desenvolvido a partir de Soares (1999).

Todos esses conjuntos de intervenções têm como objetivos principais fortalecer

ecossistemas comunicativos em espaços educacionais, desenvolver o espírito crítico

dos que utilizam meios massivos, potencializar o uso adequado de meios de

comunicação/informação nas práticas educativas e ampliar a capacidade de

expressão das pessoas. Tais pressupostos da educomunicação representam apenas

“um esforço em síntese, uma vez que parecem aglutinar as várias ações possíveis no

espaço da inter-relação em estudo” (SCHAUN, 2002, p. 94).

Dentre as principais funções desenvolvidas pelo educomunicador podem ser

destacadas

elaborar diagnósticos no campo da inter-relação comunicação-educação, planejando, executando e avaliando processos comunicacionais; construir uma visão de conjunto dos processos da educomunicação, conhecimentos técnicos específicos que se aplicam tanto a macrossistemas – globalização, mundialização – quanto a espaços reduzidos de atividades humanas – cultura local; coordenar ações e gestões de processos, traduzindo-os em políticas públicas; implementar programas de “educação para os meios”, considerando os estudos de recepção e as práticas desenvolvidas nos vários países que mantêm experiências avaliadas a respeito do tema; assessorar os educadores no uso adequado dos recursos da comunicação, promovendo o emprego, cada vez mais intenso, das novas tecnologias [...] no processo educativo (SOARES apud SCHAUN, 2002, p. 98).

Page 29: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

28

Considera-se, então, como o profissional do século XXI por compreender a

grande influência que as mídias exercem na formação humana e, mais recentemente,

a ampliação do uso do computador com suas dinâmicas e possibilidades de

comunicação, interação e produção. A presença dessa tecnologia na vida prática

contemporânea vem exigindo dos professores e da escola um preparo para a

formação de crianças e jovens capazes de interagir e produzir cultura de forma crítica

e consciente.

Dentre os diversos espaços de atuação profissional do educomunicador, um

campo é a escola. Nesse lócus de intervenção, o profissional é responsável por

cultivar a utilização das tecnologias de comunicação em conjunto com os estudantes;

fomentar no corpo discente a apropriação das mídias para a produção e intervenção

social através de novas linguagens; implementar e gerenciar a comunicação interna

da escola, bem como sua relação com a comunidade; integração entre disciplinas e

os planos de investimento em tecnologia nas escolas.

No que pese as significativas contribuições dos estudos de Oliveira, pensar a

constituição de um profissional específico para lidar com questões referentes à

comunicação nos diversos espaços de formação não se faz necessário no período

contemporâneo. Refletir, avaliar e criticar o papel das mídias na educação, ampliar as

possibilidades de trabalho tendo como referência as múltiplas linguagens e fomentar

a capacidade de expressão diz respeito a todo e qualquer sujeito que tenha como

interesse a dimensão formativa de si e do outro, independente da especificidade

disciplinar.

No que tange as experiências com as mídias, especificamente o trabalho com

fotografias, faz-se necessário juntamente com os sujeitos em foco mergulhar sobre as

imagens para a produção de um trabalho para além da inalterabilidade das análises

de representações da mídia, o quanto a mesma pode ensinar e é pedagógica

(FISHER, 2008). Penso que a faina com as mídias demanda

um mergulho na multiplicidade de experiências, por parte daquele que investiga, daquele que põe o olhar nas imagens da mídia, daquele que perscruta as singularidades meteoricamente ofertadas ao espectador. Esse mergulho requer instrumentos variados, teóricos, de sensibilidade poética, de atenção aos sintomas e perigos de nosso tempo (FISHER, 2008, p. 37).

Page 30: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

29

Assim, o presente trabalho dialoga com essas diferentes iniciativas em torno

da mídia-educação, para a constituição e incremento da fotografia-expressão

juntamente com crianças. No capítulo seguinte, abordaremos a fotografia – em

particular, os seus caminhos e descaminhos entre documento e expressão –,

destacando seu potencial na contemporaneidade como fotografia-expressão.

Page 31: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

30

3 FOTOGRAFIA: DOCUMENTO, EXPRESSÃO E POSSIBILIDADES

EDUCATIVAS

“O olhar me interessa como forma de conhecimento, e uma das grandes riquezas da fotografia é a capacidade de,

ao transmitir o olhar do fotógrafo, transmitir a sua compreensão do mundo ou, ao menos, a natureza de

suas interrogações sobre ele.” Luiz Carlos Felizardo (PERSICHETTI, 2000, p. 145).

A pluralidade de significação é inerente ao dispositivo fotográfico. As incursões

da fotografia como suporte metodológico por diversas áreas disciplinares, seus

caminhos e descaminhos por abordagens de variadas perspectivas, bem como a

convivência de modos de captação com práticas modernas e antimodernas são

direcionamentos que conduzem a fotografia desde sua gênese. O caráter

plurissignificativo da imagem torna-se perceptível nos primórdios, em 1839, quando a

Academia de Ciências e a Academia de Belas Artes faziam o anúncio do novo invento:

O antagonismo entre o procedimento de Daguerre e o de Bayard, entre o metal e o papel, em breve fomentará os defensores do nítido e os adeptos do indefinido dos contornos; os partidários do negativo de vidro e os calopistas; os artistas e as ‘pessoas do ofício’. Na esteira dessa alternativa, delineiam-se oposições entre a ciência e a arte, o ofício e a criação, a ‘utilidade’ e a ‘curiosidade’; e também entre as instituições (Daguerre é sustendado por Argo, da Academia das Ciências; e Bayard, por Raoul-Rochete, da Academia de Belas Artes). Tudo isso resulta na coexistência e oposição de práticas de formas diferentes ao longo de toda a história da fotografia (ROUILLÉ, 2009, p. 30).

O fragmento clarifica a tensão entre as possibilidades de uma abordagem

documental, cujos fundamentos fincam base na ciência, e os efeitos de sentido mais

pluralizados que se assentam na expressão advinda das belas-artes.

Assim, dado o objetivo deste trabalho, cabe estabelecer um breve panorama

dos caminhos da fotografia pelo viés artístico, por entender que suas visibilidades

permitem abordagens mais amplas no trato com o dispositivo fotográfico bem como

suas possibilidades educativas. É importante destacar que uma via não invalida a

outra, por ora, trata-se de uma opção entre os conceitos e perspectivas de trabalho

com a fotografia.

A fotografia garante para si uma “autoridade quase ilimitada em uma sociedade

moderna” (SONTAG, 2004, p. 170). O que lhe garante essa premissa é a possibilidade

de harmonização e parceria com ditames de verossimilhança arrolados pelas

Page 32: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

31

concepções cientificistas da sociedade burguesa e industrial que estava por se

constituir após o seu surgimento.

Outra passagem da autora diz respeito a uma possível facilidade de

compreensão da linguagem fotográfica em relação à escrita, vejamos:

“Ao contrário de um relato escrito – que, conforme sua complexidade de

pensamento, de referências e de vocabulário, é oferecido a um número maior ou

menor de leitores –, uma foto só tem uma língua e se destina potencialmente a todos”

(SONTAG, 2003, p. 21).

Analisando os escritos de Sontag, percebe-se que a fotografia aparenta ser um

meio de comunicação de fácil compreensão e entendimento. Ou não seria ela a forma

mais democrática de comunicação/expressão disponível para os homens? Ainda

nessa linha, nota-se que

A fotografia é a única arte importante em que um aprendizado profissional e anos de experiência não conferem uma vantagem insuperável sobre os inexperientes e os não preparados – isso ocorre por muitas razões, entre elas o grande peso do acaso (ou da sorte) no ato de fotografar, além da preferência pelo espontâneo, pelo tosco, pelo imperfeito. (Não existe nenhum termo de comparação no terreno da literatura, onde quase nada se deve ao acaso ou à sorte e onde o requinte de linguagem, em geral, não constitui objeto de punição; nem nas artes cênicas, onde o êxito autêntico é inatingível sem um aprendizado exaustivo e sem exercícios diários; nem no cinema, que não é guiado num grau relevante pelos preconceitos antiartísticos presentes em grande parte da fotografia de arte contemporânea) (SONTAG, 2003, p. 28).

Esse aviltamento sem dúvida coloca o dispositivo fotográfico num local de fácil

domínio, manuseios técnicos e compreensão da linguagem aos que por ele se

interessam. Em verdade, ela mantém uma interlocução recíproca e profunda com os

que se colocam atrás da câmera, bem como com os que enveredam nas suas leituras

e interpretações. Tudo de acordo aos seus interesses.

Pelo sim ou pelo não, e por uma crença em relação à democracia do dispositivo

fotográfico, é certa a sua submissão à estrutura social que estava por se constituir

logo após o anúncio de sua descoberta em 1839.

Dessa forma, pouco lhe restou de autonomia e muito lhe sobrou de

subserviência, uma vez que atuou como ferramenta, acolhendo as necessidades de

representação visual solicitadas pela sociedade de modo categoricamente claro, bem

definido, silencioso e imparcialmente belo, tornando-se objeto de desejo e ódio de

muitos que se dedicaram a cunhar reflexões sobre ela, permitindo assim uma fácil

Page 33: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

32

expansão na sociedade industrial. Considerações a esse respeito são feitas por

Rouillé (2009, p. 29-30):

A modernidade da fotografia e a legitimidade de suas funções documentais apóiam-se nas ligações estreitas que ela mantém com os mais emblemáticos fenômenos da sociedade industrial: o crescimento das metrópoles e o desenvolvimento da economia monetária; a industrialização; as grandes mudanças nos conceitos de espaço e de tempo e a revolução das comunicações; mas, também, a democracia. Essas ligações, associadas ao caráter mecânico da fotografia, vão apontá-la como a imagem da sociedade industrial: aquela que a documenta com o máximo de pertinência e de eficácia, que lhe serve de ferramenta, e que atualiza seus valores essências. Do mesmo modo, para a fotografia, a sociedade industrial representa sua condição de possibilidade, seu principal objeto e seu paradigma.

Percebe-se como a fotografia, com suas perspectivas documentais, foi

fabricada e exaltada na sociedade industrial que em contrapartida solicitava-lhe um

sistema fidedigno, que desenhasse contornos técnicos, cadenciais e valorativos, bem

como desdobramentos sociais políticos e econômicos de acordo com o grau de

desenvolvimento de cada época. Assim,

[...] essa simultaneidade e essa analogia das soluções que, ao situar a fotografia no processo de industrialização, fazem dela a imagem da nova sociedade industrial: seu modelo, seu vetor no domínio das imagens e, bem depressa, um de seus principais instrumentos (ROUILLÉ, 2009, p. 32).

Imbricada com a sociedade industrial, a fotografia torna-se rapidamente o

suporte que garante as visibilidades modernas.

Essa facilidade de inserção também se dá pela postura do cidadão citadino,

pois, segundo Sontag (2004), “procuram ser fotografados” os que vivem em centros

industriais mais industrializados, enquanto os residentes em espaços menos

industrializados ficam amedrontadas diante das câmeras “suspeitando tratar-se de

algum tipo de transgressão”.

Em relação a essas considerações e não sendo um atributo universal, mas em

incursões fotográficas realizadas em grandes metrópoles com São Paulo, Rio de

Janeiro e Salvador ou em pequenas cidades no interior do Brasil, pude perceber –

quando tinha interesse em realizar retratos em close – que indivíduos alocados nas

grandes metrópoles, mesmo preocupando-se com a posterior utilização da imagem,

deixam-se fotografar com mais facilidade. Já aqueles de locais mais longínquos dos

grandes centros, expressam, por intermédio da face por vezes, uma sutil antipatia

Page 34: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

33

diante da possibilidade de ser fotografado, muitas vezes questionando “para que

isso?”, “para aonde você vai me levar?”. Isso revela o quanto os sujeitos das grandes

metrópoles se relacionam de maneira mais amigável como o ato fotográfico

contrastando com os do interior que chegam a pensar que serão transportados no

momento do click.

Em ambos os espaços de atuação, fica evidente a pretensão de apropriação

do real pela fotografia com viés documental, conforme vemos abaixo:

a fotografia é máquina para, em vez de representar, captar. Captar forças, movimentos, intensidades, densidades, visíveis ou não; e não para representar o real, porém para produzir e reproduzir o que é passível de ser visível (não o visível). ‘Tornar visível, e não apenas apresentar ou reproduzir o que é visível’ (Paul Klee), tal foi a ambição conjunta da arte moderna, e isso desde o estágio documental da fotografia (ROUILLÉ, 2009, p. 36).

A compreensão de uma imagem que capta o real demanda modelos de

construção e análises de fotografias que disciplinas específicas como antropologia,

sociologia, história e as teorias da imagens veem com exímia sagacidade,

demonstrando o quanto ela atende bem as suas regras.10

Cabe, porém, destacar que “ver conforme a ciência não é ver conforme a arte”

(ROUILLÉ, 2009, p. 41). Portanto, o que diferencia o sentido da visão do artista para

o do cientista? O que busca ver o artista ou o cientista ao decodificar uma fotografia?

É certo que essas bifurcações trouxeram avanços significativos para as ciências,

porém geraram prejuízos para abordagens mais complexas das produções humanas,

e são necessários séculos para ajustar os ruídos e fazer ouvir em alto e bom som que

arte e ciência podem sim firmar parceria em suas pesquisas e investigações

caminhado para produções transdisciplinares.

No caso da fotografia, foram necessários pouco mais de 130 anos de glória

como documento. Recebendo críticas, apresentando dificuldades em ostentar as

tarefas documentais e reconhecendo outras visibilidades na imagem fotográfica e

entre essa imagem e a realidade, para ser vista como fotografia-expressão. O hábito

de ter a fotografia como “instrumento para conhecer as coisas” (SONTAG, 2004, p.

109) ofusca a possibilidade de enxergá-la também como veículo de expressão. Ao

10 Refiro-me às contribuições de Mirian Moreira Leite, José de Souza Martins e Maria Ciavatta no

trabalhos de Sociologia; Boris Kossoy e Ana Maria Mauad na Historiografia; Etienne Samain e Milton Guran na Antropolgia; Jacques Aumont e André Parente na Teoria da Imagem, dentre tantos outros teóricos e disciplinas.

Page 35: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

34

longo da história da fotografia, foram necessários sujeitos e movimentos para

autorizar, na contemporaneidade, o suporte fotográfico como possibilidade

expressiva, ou seja, a fotografia-expressão.

Os calotipistas11 foram os mentores dessa investida quando, em novembro de

1839, Désiré Raoul-Rochete anuncia, na Academia de Belas Artes, as práticas

alternativas de produção de imagens fotográficas que levavam em consideração o

indefinido dos contornos advindos dos positivos diretos sobre papel de Hippolyte

Bayard. Dois meses antes, na Academia de Ciências, a defesa do daguerreótipo12 era

feita por François Arago, que exaltava o “nítido” advindo do negativo de vidro

(ROUILLÉ, 2009).

A nitidez advinda dos daguerreótipos, os avanços que estavam por vir da

termodinâmica, em particular um sistema óptico acompanhado de material

quimicamente ativo, o nascimento da imprensa moderna que ocorria simultaneamente

aos avanços da fotografia, “a circulação das mercadorias e dos homens”, o começo

da “mobilidade e da velocidade”, a “passagem do território para a rede, do local para

o global”, o surgimento das cidades modernas, a racionalidade instrumental e a

mecanização conferiram o status de documento à fotografia, bem como sua circulação

em grande escala (ROUILLÉ, 2009, p. 40-51).

Devido principalmente a essas peculiaridades, a fotografia-documento se

engrandece mantendo-se no auge como documento por mais de 120 anos, quando

inicia sua decadência, segundo Rouillé (2009, p. 30-31) “o declínio das funções

documentais da fotografia acompanha o fim da modernidade e da sociedade

industrial, e traduz-se em uma eclosão das práticas entre múltiplos domínios – a

fotografia, a arte contemporânea e as redes digitais”.

O início da constituição da sociedade da informação, com a chegada da

televisão, o surgimento do computador e o advento da internet põem à prova a função

documental da fotografia juntamente com seus valores, modelos tecnológicos,

econômicos, teóricos e perceptivos.

11 Calotipistas vem do termo “calótipo”, que designava o processo negativo-positivo desenvolvido pelo

inglês William Henry Fox Talbot (1800-1877). Na história da fotografia, aparecem William Henry Fox Talbot e Hippolyte Bayard como inventores do calótipo.

12 O daguerreótipo é um processo de produção de imagem inventado por Louis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851), que consiste na formação positiva da imagem sobre uma fina camada de prata polida.

Page 36: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

35

Os dois últimos suspiros foram dados por Bresson e Barthes com suas

respectivas publicações L’instant décisif, em 1952, e La chambre claire, em 1980. O

primeiro parte em busca de fotografias que pretendem preservar a verdade e o

segundo por esquecer as infinitas possibilidades interpretativas existentes entre o

espectador e a imagens; ambos enaltecem a função referente da fotografia (ROUILLÉ,

2009).

Ao balizarem a fotografia ao referente, o fotógrafo Bresson e o teórico Barthes

desenvolvem escolas e atraem seguidores fiéis às respectivas metodologias de

postura no ato fotográfico e teorização sobre imagens. Entretanto, os adeptos de tais

teorias insistem em desconsiderar os múltiplos processos de construção de fotografias

e da imagem propriamente dita.

A Bresson, Doisneau, Ronis e os seguidores do “instante decisivo” as respostas

foram dadas por diversos artistas, os quais, com habilidades técnicas específicas da

fotografia, produzem visibilidades que permitem ao espectador considerar, com mais

densidade a imaginação, elogiando a forma, a individualidade do fotógrafo e o diálogo

com os modelos, ou seja, “a escrita, o autor, o outro: para uma nova maneira de

documento” (ROUILLÉ, 2009, p. 161).

A Barthes teóricos como Francastel farão críticas severas, apontado, por

intermédio da sociologia da arte, a complexidade do código visual, sua autonomia e

racionalidade própria que não condizem com a intelectualidade e a sociedade em

andamento. Ou seja, o pensamento figurativo (SILVEIRA, 2003).13

Outros movimentos fortalecem o regime da fotografia-expressão, como o

Pictoralismo, nascido no início dos anos 1890, a fotografia da Nova Objetividade dos

anos de 1920, o movimento Subjektive Fotografie, fundado após a Segunda Guerra

Mundial, em 1951, a missão fotográfica da Datar, em 1983, e mais recente a moda e

a publicidade

Dentre os sujeitos fotógrafos, Robert Frank e Raymond Depardon

compreenderam e levaram ao extremo os conceitos e posturas das visibilidades

demandadas pelo regime da fotografia-expressão.

O primeiro, Robert Frank, é considerado o curinga da fotografia-expressão. De

todos os fotógrafos que surgiram após 1930, ele é sem dúvida o primeiro que

13 O especialista no pensamento de Pierre Francastel apresenta no texto uma síntese da proposta do “pensamento figurativo” cunhado pelo teórico.

Page 37: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

36

assimilou e colocou em suas fotografias as visibilidades solicitadas pela fotografia-

expressão.

Figura 3: Sick of goodbyes. Mabou. Autor: Robert Frank, 1978.

Fonte: Lou Reed and Robert Frank: “Sick of Goodby’s” (2012).

Nasceu na Suíça, mais precisamente em Zurike. Apesar de ter iniciando sua

carreira no país de origem, foi nos Estados Unidos que obteve reconhecimento como

fotógrafo e desestruturou a perspectiva da fotografia-documento, em particular com a

publicação do trabalho The Americans, em 1958. Com espírito aventureiro, trouxe à

tona episódios que as visibilidades conservadoras e tradicionais escondiam:

transformou os modos de ver e as maneiras de mostrar que prevaleciam, até então,

com a fotografia-documento. Dispondo de liberdade criativa, do patrocínio da

Fundação Guggenheim, através de uma bolsa de 12 meses pelas estradas do oeste

norte-americano, na década de 1950, e uma câmera Leica, Frank produz mais de 18

mil fotografias que despedaçam as visibilidades vigentes no período. Ele chega ao

extremo de lançar a máquina fotográfica com o disparador regressivo ativado,

deixando a imagem surgir sozinha, bem distante do olho do fotógrafo.

Page 38: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

37

Figura 4: Political Rally. Chicago. Autor: Robert Frank, 1956.

Fonte: Frank (1956).

A postura de Frank e as imagens construídas no seu ato fotográfico abrem

espaço

para todas as possibilidades, neste caso, para o aparecimento de um novo regime de enunciados fotográficos, exatamente os da fotografia-expressão. Mas tal liberdade priva, simultaneamente, a imagem de sua ancoragem no real e de sua amarração à representação, que garantiam sua unidade e sua uniformidade interna. Frank não mostra, ele se mostra (ROULLIÉ, 2009, p. 170).

Essa postura agressiva desloca a direção do olho da câmera, ou melhor, revela

um sentido que sempre existiu, mas foi obliterado pela fotografia-documento, pela

perspectiva representativa do trabalho com imagens e pela lógica racionalizante

imposta pela sociedade industrial. A fotografia avança rumo à liberdade de expressão

para composições dialéticas em imagens fotográficas: ao passo em que o fotógrafo

documenta determinados acontecimentos, abre-se um campo de diálogo entre o

sujeito-fotógrafo e o fato em si. Nesse sentido, o resultado do ato fotográfico torna-se

via de mão dupla cujo processo documental representa o que está em nível externo –

o mundo concreto –, bem como as concepções individuais do um sujeito, forjando em

determinado contexto sócio-histórico determinado, ao tempo em que expressa muito

sobre o sujeito criador.

Page 39: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

38

Já o segundo fotógrafo, Raymond Depardon, é francês e viveu o limiar da

fotografia documental e da fotografia-expressão. Após duas décadas de trabalho de

acordo com as regras do fotojornalismo, vê-se diante do desafio de reaprender a ver.

Entre o fotografado e o fotógrafo, passa a necessitar da abertura de diálogo com quem

aparece diante da câmera, trazendo imagens virtuais para essa relação e ao mesmo

tempo se expressando.

Figura 5: A young man bridges the wall between East and West Berlin. Berlim. Autor:

Raymond Depardon, 1989.

Fonte: Depardon (1989).

O movimento de mudança de postura fotográfica termina por romper com

“instante decisivo” de Bresson e o falso domínio da cena fotografada. Nas palavras de

Roullié (2009, p.177):

Depardon sente seus limites, suas falhas, os mecanismos de marginalização do sujeito, as imposições e, por fim, a inadaptação à realidade presente. Mas como fazer para reaprender a olhar? Primeiramente reconhecer o sujeito – seus desejos, seus sonhos, suas sensações, suas fragilidades – um lugar maior dentro do processo fotográfico, a fim de transformar a máquina documental em uma máquina subjetiva de expressão.

A partir de Depardon, é possível considerar que fotógrafos radicados na

perspectiva documental que buscam outras referências através da fotografia

necessitam se esvaziar dos seus códigos fundantes para construir, por meio das

mesmas bases técnicas, imagens expressivas que permitam ao receptor o encontro

com uma pluralidade significativa que lhe exige participar do ato de percepção e

decodificação de uma realidade coerente com o universo cultural em que está situado.

Page 40: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

39

Ele vive num mundo de incertezas nessa fase de transição e cria a “fotografia

dos tempos fracos”, que reflete seu “eu” fotográfico. Depardon subjetiva o vazio em

suas palavras, “não haveria nenhum interesse, não haveria momento decisivo”. Ele

parte em busca de “uma extrema suavidade” (ROUILLÉ, 2009, p. 177).

Figura 6: The Red Army liberated Auschwitz. Birkenau. Autor: Raymond Pardon, 1979.

Fonte: Depardon (1979).

Diante do exposto acima, percebe-se o quão significativa é, para potencializar

a criatividade, a postura e os conceitos das orientações da fotografia-expressão. Uma

postura progressista no trato com as imagens, que considera o fato em si

representado no documento fotográfico e ao mesmo tempo abre para o sujeito que

toma a câmara para si. Com essas caracterizações, e reconhecendo a importância da

fotografia como elemento que, segundo Justo (2003), diz do sujeito com a câmera em

mãos, amplia-se as visibilidades e permite-se uma compreensão mais aprofundada

da realidade na qual constituímos as oficinas de fotografias.

Tomamos como princípio que a fotografia e seus processos de produção

educam não apenas a novas visibilidades, como também na constituição de cidadãos

autônomos que reivindicam através de imagens fotográficas os seus direitos como

sujeitos produtores de cultura. Por tudo isso, seguiu-se o desafio de um pesquisador

que lida com criança a partir da música do grupo Cidade Negra: “[...] pra entender o

Erê tem que estar moleque e a consciência leve”.14

14 Canção: O Erê, composta pelo grupo Cidade Negra. Faz parte do album O Erê, de 1996.

Page 41: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

40

4 APROXIMAÇÕES, DISTANCIAMENTOS, COMPARTILHAMENTOS E AS

TRAJETÓRIAS DO/NO CAMPO

“Não existe certeza. Na fotografia tudo é sempre risco...”

Pedro Martinelli (PERSICHETTI, 2000, p. 51).

A pesquisa de campo iniciou a partir de um convite para a realização de oficinas

de fotografia com alunos do sexto ano do ensino fundamental II da Escola

Experimental, instituição da rede de ensino particular de Salvador.

Ao analisar o convite, vislumbra-se a oportunidade de realizar um estudo tendo

como proposta a produção de fotografias expressivas com crianças, ou seja, uma

pedagogia dos meios de forma prática que traz para o centro da retina uma construção

compartilhada com os sujeitos da pesquisa, na medida em que absorve as imagens e

os textos das crianças em foco.

Adotou-se como metodologia os princípios da “etnografia”, que admite um

distanciamento do objeto pesquisado, é capaz de solucionar os problemas que lhe

são apresentados, trazendo soluções e explicações, não se restringe a protocolos

rígidos de pesquisa, trazendo o acaso como possibilidade, e adota uma postura

errante no ato investigativo (LAPLANTINE, 2007).

Assim, assume-se o desafio da aventura na pesquisa, moldada pelas

contribuições da perspectiva da sociologia do cotidiano referenciada na obra de Pais

(2003, p. 31), conforme passagem abaixo:

Se há uma diferença entre uma lógica de demonstração e uma lógica de descobrimento, sem dúvida a lógica da sociologia do quotidiano é a do descobrimento, da revelação – seja a revelação tomada no seu sentido místico ou fotográfico, como Simmel tão bem fez nos seus snapshots, ou Velázquez e Caravaggio nas suas telas de tabernas. É gerador de comichões epistemológicas este modo retratista de olhar a realidade? Pouco importa. O verdadeiro desafio que se coloca à sociologia do quotidiano é o de revelar a vida social na textura ou na espuma da ‘aparente’ rotina de todos os dias, como a imagem latente de uma película fotográfica.

Essa é a postura metodológica seguida diante do objeto de pesquisa, que

articula-se aos referenciais teóricos apontados acima e às características infantis,

como a espontaneidade, curiosidade, criatividade, inteligência e acima de tudo a

necessidade de expressão.

Page 42: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

41

As observações dessa aventura foram documentadas em diário de campo e

registros fotográficos15 para constituir, através dos princípios etnográficos, uma

“descrição densa” do campo, tendo como referência os escritos de Geertz, em

particular a obra A interpretação das culturas, 1989.

Vale destacar que a construção da metodologia em tela teve como referência

as expedições fotográficas realizadas nos últimos cinco anos pelo Brasil,16 bem como

a experiência relatada no documentário Nascidos em bordéis, cuja direção é de Zana

Briski e Ross Kauffman, 2004.

O filme mostra a vida de crianças do bairro da Luz Vermelha, em Calcutá, que

deixa de lado os menos favorecidos diante do aparente enriquecimento da Índia. Os

documentaristas procuram essas crianças e, munido de câmeras fotográficas,

solicitam que sejam feitos retratos de tudo que lhes chamam a atenção. Os resultados

são emocionantes e as crianças descobrem uma nova forma de se expressar.

O trabalho da fotógrafa Zana Briski merece um destaque por ser uma das

responsáveis pela fundação da organização sem fins lucrativos Kids with Cameras.

Essa organização acredita que a fotografia é um instrumento eficaz para inflamar a

imaginação e fortalecer a autoestima da criança. Com essa proposta, nos últimos oito

anos, oficinas foram promovidas em países como o Haiti, Jerusalém e Cairo.

O interesse nessa parceria partida da Escola Experimental foi constituído

através da identificação da importância da autonomia da criança e do reconhecimento

da imagem fotográfica como reveladora social e pessoal. Para tanto, elegeu-se, como

intuito de contemplar o projeto interdisciplinar para o ano letivo de 2009, a temática “A

organização urbana da cidade do Salvador”.

A definição do tema foi realizada entre os estudantes e os professores tutores

ao longo de assembleias existentes no currículo da escola, e se deu devido à polêmica

da invasão de escorpiões em edificações construídas em zona de Mata Atlântica, na

Avenida Luís Viana Filho, em Salvador, no ano de 2009. A partir de um problema real,

a escola organizou o projeto interdisciplinar e de forma democrática os alunos

elegeram as formas de investigação e apresentação das sínteses nas disciplinas

específicas e no projeto.

15 Utilizou-se uma câmera fotográfica digital NIKON D70s com 6 megapixels e objetiva NIKON 18-70

mm. 16 A expedições realizadas pelo interior da Bahia para cidades como Cachoeira, Bom Jesus da Lapa,

São Desidério, Barreiras, e estados do Brasil como Ceará, São Paulo e Rio Grande do Norte foram fundamentais para a constituição da proposta metodológica deste trabalho.

Page 43: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

42

Nessa perspectiva, e trabalhando com e para a autonomia dos jovens, a Escola

Experimental, fundada em 1965, que, após 44 anos ofertando educação infantil e

ensino fundamental I ao público soteropolitano, estabelece, a partir de 2009, espaço

físico e corpo docente para a constituição do ensino fundamental II, com uma proposta

de ensino pautada na “em raízes sólidas, nossa proposta pedagógica continua

renovadora e consistente para quem acredita que o futuro é de quem pensa diferente.

Acreditamos que através da educação é possível construir uma sociedade melhor

para todos”.17

Com as características do projeto político-pedagógico apresentadas acima, e

salientando aos alunos que a convergência de conhecimentos específicos é adquirida

no particular de cada disciplina, compôs-se o projeto interdisciplinar que tem em seus

fundamentos explicações e relevância social no cotidiano.

A Escola Experimental ofereceu todo o subsídio necessário para a logística e

realização das oficinas. Com o tema definido, o projeto configurou-se como uma

grande expedição fotográfica, levando as crianças a uma grande aventura pela

metrópole, que as conduziu mais uma vez a valorizar as suas potencialidades

individuais.

As oficinas de fotografia foram constituídas em três etapas. A primeira,

Planejamento e Orientações, constituiu-se de apresentações dos princípios técnicos

que regem o equipamento fotográfico, bem como o poder de expressão das imagens

advindas desse meio; a segunda, Saída a Campo, que trata do ato fotográfico em si

e contempla as saídas pelas ruas, becos e vielas da cidade do Salvador; a terceira,

Análises e Interpretações, aprecia a seleção de fotografias, leitura de imagens e

comentários em nível de compartilhamento de experiências e reflexões.

Com esse espírito aventureiro, o campo investigativo e suas etapas

caminharam para o “calor da intimidade e compreensão, fugindo das arrepiantes e

gélidas explicações que, insensíveis as pluralidades disseminadas do vivido erguem

fronteiras entre os fenômenos, limitando ou anulando as relações recíprocas” (PAIS,

2003, p. 30).

Assim, a experiência vivida transpôs os limites dos conceitos e teorias e,

juntamente com as crianças, foi exercitada a capacidade de produção criativa de

conhecimento, aprimoramento da sensibilidade e desenvolvimento do senso crítico a

17 Nossa história, disponível no Portal da Escola Experimental, em:

<http://escolaexperimental.com.br/nossa-historia/>. Acesso: em: 21 out. 2009.

Page 44: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

43

partir da realidade. Para tanto, propõe-se uma metodologia que se articula com o

campo, com a experiência profissional do pesquisador, enquanto fotógrafo, e com o

referencial teórico metodológico adotado para a constituição do presente trabalho.

4.1 APROXIMAÇÕES A UMA NOVA TECNOLOGIA E AS OFICINAS DE

FOTOGRAFIA

Figura 7: Bruno Brasil ajustando o equipamento fotográfico. Vila Laura, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

Os primeiros encontros ocorreram em maio de 2009 nas instalações da Escola

Experimental. As oficinas foram ministradas para duas turmas do sexto ano do ensino

fundamental II, totalizando 44 estudantes. Vale salientar que, de todos os alunos, três

eram portadores de necessidades especiais, sendo um com deficiência auditiva e os

outros dois uma incógnita para a instituição. Desse total, 35 cumpriram as etapas que

duraram aproximadamente 35 dias.18 Os nove que não completaram tiveram

problemas relacionados ao equipamento fotográfico – bateria descarregada, exclusão

das imagens contidas no cartão de memória de forma acidental etc –, à chegada

posterior à saída da excursão e ao não financiamento por parte dos responsáveis para

custear o transporte da saída fotográfica.

O primeiro dia em contato com os alunos foi planejado em três momentos, a

saber: Apresentação, Sensibilização e Calibração do Equipamento. No momento da

Apresentação, o pesquisador/professor, logo após o “bom dia”, perguntou à turma:

18 Trata-se como “aproximadamente”, pois a escola sentiu a necessidade de ampliar o tempo de

produção textual a partir das fotografias, porém essa extensão em particular não foi acompanhada na pesquisa.

Page 45: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

44

“Quem aqui sabe fotografar?”. Em alto e bom som, todos responderam em um único

coro: “Eu!”. Não era de se estranhar essa afirmativa, uma vez que os aparelhos

fotográficos, sejam eles compactos sejam acoplados a aparelhos celulares, são

elementos presentes no cotidiano dessas crianças dado o poder econômico dos seus

responsáveis. Acredita-se que a empolgação na resposta ao questionamento se deu

pela possibilidade de ter a fotografia na ambiência escolar, pela oportunidade de

aprender técnicas de fotografia e realizar expedições pela cidade de Salvador.

Com relação ao segundo momento, Sensibilização, o pesquisador/professor

optou por se fazer da própria linguagem fotográfica para incitar a turma, ou seja,

selecionou duas imagens de seu acervo pessoal, que julgou serem artísticas e

impactantes, para iniciar as discussões sobre a possibilidade de se expressar via

fotografia. Ver fotografias abaixo:

Figura 8: Fotografia utilizada para sensibilização. Cachoeira, Bahia, 2004.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

Page 46: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

45

Figura 9: Fotografia utilizada para sensibilização. Carmo, Salvador, 2007.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

Acreditamos que as fotografias acima se aproximam do universo das crianças;

a primeira por tratar-se de um ser em idade tenra e a segunda por recuperar da

memória uma brincadeira infantil e familiar, soltar pipa. De fato, a sensibilização

ocorreu devido à associação do que é representado em cena com a realidade infantil

de acordo às expressões entoadas por alguns: “Ele tá soltando pipa!”, “Poxa, que

massa!”, “Olha só, ele tá todo molhado!”.

A partir desses comentários, discutiu-se de maneira informal que antes da

demanda do projeto interdisciplinar, que tem como tema “A organização urbana da

cidade de Salvador”, deve-se olhar para si e em seguida para a paisagem em busca

de composições que, de forma dialética, gerem interlocuções no âmbito pessoal.

Assim, o tema torna-se apenas uma via pela qual a criatividade tem terreno livre para

percorrer.

Tratando do passo Calibração do Equipamento, trabalhamos com os aparelhos

fotográficos dos estudantes, que foram solicitados previamente pela coordenação da

Escola Experimental por meio de avisos aos responsáveis (ver anexo) quando da

divulgação da atividade. Por coincidência, eram todos digitais,19 o que facilitou

bastante o desenvolvimento do trabalho, pois zeramos os custos com película

fotográfica e revelação. Na sequência, foram passadas instruções básicas quanto ao

uso do flash de acordo com a quantidade de luz no ambiente, resolução do

19 Os modelos das câmeras foram: Fujifilm FinePix A900, A500; Sony DSC-P43, DSC-W50, DSC-S650,

DSC-W130, DSC-S40; Kodak Easyshare C613, M863, C743; Nikon D70s; HP Photosmart E317; Olympus FE220, FE150 e Celular Nokia N95 8GB.

Page 47: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

46

equipamento fotográfico digital, escolha da sensibilidade do sensor, utilização ou não

de iluminação artificial de acordo com a cena de interesse e cuidados simples que

deveriam ter com o equipamento.

4.2 CÂMERAS EM MÃOS E O CAMPO NA RETINA: SAÍDA A CAMPO

Figura 10: Alunos em campo pelas vielas do Lobato, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

A segunda etapa foi a saída a campo, organizada previamente pela

coordenação da Escola Experimental, a partir das sugestões dos alunos que elegeram

em assembleia os bairros do Cabula, Lobato, Ribeira e Liberdade. Para cada bairro,

foram aproximadamente dez alunos em transporte locado pela escola e em horários

variados, mas sempre no turno matutino.

Para apresentação dos resultados dessa fase, buscamos articular a descrição

dos fatos ocorridos e documentados em cadernos de campo do

pesquisador/professor, registros feitos a partir da escrita dos alunos e fotografias de

ambos.

O pesquisador/professor instruiu os alunos para a realização de apontamentos

escritos, tomando como referência a análise iconográfica e a interpretação iconológica

proposta por Kossoy (2001, p. 95), que são destacadas nas passagens abaixo:

A análise iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem e seus elementos icônicos formativos; os aspectos literal e descritivo prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente identificado.

Page 48: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

47

Percebe-se que a análise iconográfica é uma descrição dos elementos

presentes na cena registrada, apontado os detalhes da fotografia. Ela representa um

salto para a interpretação iconológica, que é realizada a partir dos filtros culturais e

interesse do leitor.

A análise iconográfica, no caso da representação fotográfica, situa-se a meio caminho da busca do significado do conteúdo; ver, descrever e constatar não é suficiente. É este o momento de uma incursão em profundidade na cena representada, que só será possível se o fragmento visual for compreendido em sua interioridade. Para tanto, é necessária, a par de conhecimentos sólido acerca do momento histórico retratado, uma reflexão centrada no conteúdo, porém, num plano além daquele que é dado ver apenas pelo verismo iconográfico. Este é o estágio mais profundo da investigação, cujos os limites não são cristalinamente definidos. Não raro o pesquisador se surpreende refletindo neste plano pós-iconográfico, buscando os elos para a compreensão da vida que foi (KOSSOY, 2001, p. 95-96).

Assim, e de acordo com a citação acima, fica claro que a compreensão de uma

imagem fotográfica é muito mais do que apreciação e descrição estética presente na

plasticidade da cena, ela contempla a realidade do leitor que se debruça diante de

fotografias para leituras/interpretações, conforme quadro abaixo:

Figura 11: Reprodução do quadro análise iconográfica e interpretação iconológica.

Fonte: Kossoy (2001, p. 96)

Page 49: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

48

Os conceitos de análise iconográfica e interpretação iconológica propostos por

Kossoy foram assumidos numa perspectiva de organizar a leitura das crianças e o sentido

do pesquisador, levando em consideração o grau de acúmulo dos sujeitos em foco.

Retomando as saídas a campo, o grupo foi dividido em quatro subgrupos de

acordo com os bairros escolhidos. Os alunos optaram pela comunidade de sua

preferência tendo ao final a seguinte divisão:

a) Cabula: Bruno Brasil, Gabriela Nascimento, Isabele Vrinda, José Lucena, Luma

Dantas, Mariana Zenha, Tainá Alves, Tiago Rocha e Victor Costa Pinto;

Figura 12: Grupo que seguiu para expedição ao Cabula, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor..

b) Liberdade: Beatriz Ramos, Gabriel Borges, Igor Oliveira, Isabela Teixeira, Juliana

Zenha, Laura Louise, Lucas Oliveira, Mércia Santana e Pablo Dias;

Figura 13: Grupo que seguiu para expedição à Liberdade, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

Page 50: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

49

c) Ribeira: Isis Mercês, Leonardo Negrão, Lomelino Bisneto, Lucas Mercês, Mariana

Gusmão, Milena Góes e Milena Santos;

Figura 14: Grupo que seguiu para expedição na Ribeira, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

d) Lobato: Alana Araújo, Ariel da Silva, Beatriz Brito, Julia Teixeira, Lucas Nogueira,

Lucas Pena, Paula Santos, Ravanna Santos e Scarlet Andrade.

Figura 15: Grupo que seguiu para expedição ao Lobato, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do autor, pertencente ao acervo também do autor.

E assim partimos para o campo, descobrindo uma Salvador para muitos

desconhecida e, ao mesmo tempo, “revelando” não apenas a cidade, como também

a forma individual de como o sujeito-fotógrafo se coloca no mundo. Pequenos

“pesquisadores viajantes” com suas câmeras em punho e olhos de príncipes

Page 51: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

50

percorrendo vielas, becos e ruas de uma grande metrópole, da qual cada um é parte

e de onde se inscrevem no mundo.

Optou-se por organizar o resultado das saídas a campo e as leituras de

imagens a partir de categorias advindas do texto e das fotografias produzidas pelos

estudantes através de uma galeria que tem como tema “A organização urbana de

Salvador”. Essa galeria é composta por retratos que revelam as fisionomias da cidade

do Salvador e nos ajudam a refletir como ela é construída e reconstruída no seu

cotidiano, como também, o que dela tenta ser velada, mas eclode de forma espantosa

aos nosso olhos. Os sujeitos-fotógrafos nos revelam através de olhares atentos e

sensíveis uma cidade repleta de contrastes e contradições sociais no que diz respeito

a organização urbana de Salvador.

De acordo com essa proposta de galeria, serão montadas quatro salas/sessões

com seus respectivos assuntos que, ao se unirem, representam uma parte

significativa da cidade do Salvador. São apresentadas as fotografias e a respectiva

leitura da cena feita pelo próprio autor do registro, como um ensaio fotográfico, que

se compõe em parceria com os sujeitos em foco compartilhando imagens e textos da

experiência em tela. A primeira sessão concebe questões referentes ao lixo; a

segunda contempla o saneamento básico; e a terceira trata do crescimento

desordenado/favelização existente em Salvador.

Page 52: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

51

1ª SEÇÃO: LIXO

Figura 16: Lixo espalhado nas ruas do bairro do Lobato, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Alana Araújo, acervo do autor.

Lixo espalhado na rua, um cachorro ou gato, que eu percebi que tinha muitos na

região, podem consumir, por não ter o que comer e transmitir doenças para os

habitantes da cidade de Salvador. O lixo também poderia tapar a saída de água em

temporada de chuva causando enchentes (Depoimento de Alana Araújo).

Figura 17: Lixo espalhado nas ruas do bairro do Lobato, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Lucas Lima, acervo do autor.

Penso que é errado o acúmulo exagerado de lixo e também acho errado botar lixo na

rua. Deve ter um lugar de jogar lixo. É errado jogar lixo no chão. E o pior de tudo os

animais estavam se prejudicando e comendo o lixo (Depoimento de Lucas Lima).

Page 53: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

52

Figura 18: Lixo em uma das ruas do bairro Cabula, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Mariana Zenha, acervo do autor.

A cena apesar de ser pequena porém é bem ampla e é preenchida por uma imagem

de riquesa e ao mesmo tempo desriquesa. As riquesas apresentadas na imagem são

referentes as cores usadas, pois o modo como a foto foi tirada é que realmente dá

aquela sensação de estarmos exatamente naquele momento lá! As desriquesas que

o texto apresenta é a falta de cidadania e a falta de conscientização do Brasileiro! Se

olharmos fixamente a foto poderemos ver que ela nós transmite esta imagem da falta

da cidadania que é muito grande! Pois apesar de não sermos nós as pessoas que

jogaram aqueles lixos agente também tem uma parcela de culpa pois se nós

ajudacemos a reciclar não aconteceria o que vimos! O cabula apresenta uma série de

problemas em relação à limpeza do Bairro. Nesta imagem a foto de objetos jogados

nas ruas como geladeira, sofá, papelão e entre outras coisas. Esses objetos apesar

de não serem mais utilizados eles não podem ficar expostos por muito tempo pois

poderá causar algum tipo de dano no meio Ambiente! (Depoimento Mariana Zenha).

Page 54: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

53

Figura 19: Lixo amontoado nas ruas do bairro da Liberdade, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Isabela Teixeira, acervo do autor.

Porque à escolhi – Porque tem a ver com a organização da cidade ou seja o PDDU e

pode causar outro problema que é o de saúde e pode transmitir doenças (Depoimento

de Isabela Teixeira).

Figura 20: Lixo amontoado pelas ruas do bairro do Lobato, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Paula Santos, acervo do autor.

A imagem mostra uma grande quantidade de lixo na rua, casas de classe baixa. Para

mim foi muito construtivo o passeio ao bairro Lobato pois pude observar o outro lado

da cidade. Tirei esta foto porque representou a grande produção de lixo descartado de

forma errada e percebi que isso é o resultado do crescimento da população. Além

Page 55: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

54

desta foto observei alguns problemas do crescimento populacional, moradias

precárias, falta de higiene, falta de saneamento básico entre outros (Depoimento de

Paula Santos).

Figura 21: Lixo amontoado pelas ruas do bairro da Liberdade, Salvador, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Pablo Dias, acervo do autor.

Essa foto tem uma fábrica, 5 caminhões de carga que carregam lixo, e tem uma grande

porção de lixo e isso polui o meio ambiente. E essa cena significa que essa Fábrica e

essa porção de lixo prejudica o meio ambiente e os demais seres vivos. E mim encinou

que não deve jogar lixo na rua, pós prejudica o meio ambiente e também a mim

(Depoimento de Pablo Dias).

Ao passear pela seção da galeria referente ao lixo, percebemos, pelos

comentários tecidos por Alana Araújo, na Figura 16, Lucas Lima, na Figura 17, e Pablo

Dias, na Figura 21, que as análises iconográficas das imagens garantiram apreensões

de problemáticas reais referente ao lixo e seu acúmulo desordenado. Ao percorrer e

fotografar a cidade, ficou evidente para as crianças o quanto Salvador possui locais

que são invisíveis, conforme o depoimento de Paula Santos, na Figura 18, ao dizer

que pode conhecer o outro lado da cidade, bem como a construção de nexos com

outros problemas como o saneamento básico e o crescimento desordenado. Já

Mariana Zenha, na Figura 18, traz considerações significativas com relação à

cidadania e a responsabilidade social, além de apresentar, a partir da contradição

entre riqueza e pobreza, questões estéticas ao comentar sobre a opulência das cores

na fotografia. Encerramos esse bloco com uma questão política que se refere ao Plano

Page 56: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

55

de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador comentado por Isabela Teixeira, na

Figura 19, que se reconhece como cidadã exigindo os seus direitos através do

discurso e denunciando através da fotografia problemas sociais referentes à saúde

coletiva.

2ª SEÇÃO: SANEAMENTO BÁSICO

Figura 22: Rua com problemas de saneamento básico no bairro do Lobato, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Beatriz Brito, acervo do autor.

Está foto está representando a falta de saneamento básico no bairro, essa foto me

ajudou a perceber que não se tem mais coleta seletiva (Depoimento de Beatriz Brito).

Page 57: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

56

Figura 23: Buraco em uma das ruas do bairro do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Ravanna Amorim, acervo do autor.

As imagens mostram a desigualdade social no bairro do Cabula. Metade pobre e

metade rica. Este bairro precisa de muita restauração da prefeitura. O Cabula um

bairro largado e desorganizado (Depoimento de Ravanna Amorim).

Figura 24: Concentração de moradias sem saneamento básico no bairro da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Isis Mercês, acervo do autor.

Essa imagem trata de falta de saneamento básico pois nesse local não são casas

feitas pela prefeitura e sim pelos próprios moradores essas casas são feitas de

pedassos de madeira, o chão não é feito de cimento e sim de terra. As pessoas que

moram naquele lugar, as crianças não tem roupas e nem sapatos eles andam, brincam

Page 58: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

57

pelados. A saída a campo fes uma diferença muito grande pois nos podemos ver como

é a vida de outras pessoas. Eu achei muito legal pos podemos saber como é a vida

de outras pessoas (Depoimento de Isis Mercês).

Esgoto a céu aberto, cratera no meio da rua e condições de moradia precárias.

As imagens reverberam a contradição que é se viver numa grande metrópole e não

ter condições dignas de seres humanos. A seção de saneamento básico deflagra

péssimas condições e o descaso do setor público para com a população, conforme

observações feitas e registradas por Ravanna Amorim, na Figura 21. Contradição

essa que também aparece na Figura 20, de Beatriz Brito, ou seja, no passeio que é

feito para o pedestre, corre a céu aberto um esgoto. E, por fim, a Figura 22, que traz

à tona um grave problema de moradia: um galpão abandonado na Baixa do Bonfim

ocupado por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST),20 que,

conforme relata Isis Mercês, vivem em condições de degradação humana.

3ª SEÇÃO: CRESCIMENTO DESORDENADO

Figura 25: Crescimento desordenado do bairro do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Gabriele Borges, acervo do autor.

20 O MTST de Salvador surgiu em 20 de julho de 2003, sancionado em assembleia no bairro de

Mussurunga, em Salvador, tendo como objetivo a organização e defesa dos que enfrentam a falta de moradia no estado da Bahia. Ver mais detalhes em:

<http://raphaelcloux.blogspot.com/2008/04/movimento-dos-sem-teto-de-salvador-luta.html>.

Page 59: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

58

Esta imagem está representando o crescimento desordenado no bairro do Cabula em

Salvador, as periferias são os lugares mais desordenados da cidade. As pessoas que

moram nas periferias sofrem muito mais, pois não têm estrutura e saneamento básico.

Algumas construções são iniciadas e não são terminadas, dando continuidade ao

crescimento desordenado e a falta de organização. As encostas podem cair em

tempos de chuva causando riscos de morte e perigo (Depoimento de Gabriele Borges).

Figura 26: Asfalto deteriorado numa das ruas do bairro do Lobato, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Lara Ferreira, acervo do autor.

Significa um buraco provavelmente feito por algum desabamento ou pela chuva.

Há um buraco cheio de pedra e impedindo a passagem dos veículos com risco de

pessoas caírem. Esse buraco prova, causado por algum desabamento ou pela chuva

(Depoimento de Lara Ferreira).

Page 60: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

59

Figura 27: Vista do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno José Lucena, acervo do autor.

Essa foto foi tirada no bairro do Cabula em Salvador – BA. Essa foto reflete a pobreza

desse lugar, na foto tem uma favela com várias casas destruídas e sem saneamento

básico, eu gostei muito do passeio, pois reflete como era o outro lado da cidade do

Salvador (Depoimento de José Lucena).

Figura 28: Ocupações em áreas de risco no bairro do Lobato, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Lucas Rocha, acervo do autor.

Fez eu refletir que tem muitas casas em perigo e ainda com a chuva tem risco, a

ocupação em Salvador foi muito grande, pois até em lugares de risco tem casas e

esses lugares tem em Salvador está correndo maior risco com a chuva (Depoimento

de Lucas Rocha).

Page 61: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

60

Figura 29: Vista do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia das alunas Luma Dantas e Isabella Moraes, acervo do autor.

Figura 30: Entrada de condomínio no bairro do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia das alunas Luma Dantas e Isabella Moraes, acervo do autor.

Em nossa opinião o bairro em que fomos visitar, retratava uma população de classe

baixa que não tem muitas condições de moradia, assistência médica, segurança,

estruturas das casas, resumindo pobres. E também pudemos observar um bairro de

classe média alta que tinha melhores condições tanta de estrutura, lazer segurança e

por isso e mais coisas, esse bairro é mais preservado do que o outro que visitamos. E

nossa conclusão foi que na cidade um que viemos existe muitos bairros diferentes um

do outro e assim sucessivamente (Depoimento de Luma Dantas e Isabelle Morais).

Page 62: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

61

Figura 31: Casas do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Tainá Alves, acervo do autor.

Eu penso que foi ótimo fazer essa cessão de fotos pois eu percebi que em Salvador

existem vários bairros pobres (Depoimento de Tainá Alves).

Figura 32: Dejetos em meio à água empossada no Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Tiago do Val, acervo do autor.

Esta foto serve como alerta para a prefeitura e os moradores. Na imagem tem plantas,

pedras pedaços de tijolos, uma corrente para representar perigo e uma enorme poça

de água, causando riscos de várias doenças para as pessoas que convivem com isso

(Depoimento de Tiago do Val).

Page 63: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

62

Figura 33: Rua do bairro do Cabula, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Victor Pinto, acervo do autor.

A moradia da foto que eu tirei representa a pobreza de Salvador e a moradia de muitas

pessoas que moram em Salvador. Nas casas têm lixos jogados na rua e nos campos também

tem e eles também estão alagados e casas destruídas (Depoimento de Victor Pinto).

Figura 34: Rua do bairro da Liberdade, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Beatriz Ramos, acervo do autor.

Feira do Japão e Plano Inclinado foram os locais da Liberdade em que eu visitei. O

crescimento acelerado desses lugares causa tumutuamento entre casas. Isso é o que

acontece nessa foto. Uma ladeira bem grande com um morro no final. O que a imagem

significa é justamente o nosso tema do nosso projeto de fotografia, o crescimento

desordenado da cidade de Salvador (Depoimento de Beatriz Ramos).

Page 64: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

63

Figura 35: Construção inacabada em encosta no bairro da Liberdade, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Gabriel Borges, acervo do autor.

A nossa ida pra liberdade eu refletir que quando chove pode corre vario desabamento

e quando chove arasta vários lixos para cassas de pessoas e pode trazer varrios

doenças como: muinijeti, denge e etc. (Depoimento de Gabriel Borges).

Figura 36: Casas do bairro da Liberdade, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Juliana Zenha, acervo do autor.

Eu escolhi essa foto porque ela tem o ponto do nosso projeto interdisciplinar, a

ocupação de espaço no bairro liberdade. Na liberdade percebi que a ocupação de

espaço não tem nenhuma estrutura e nem planejamento, as casas são todas

grudadas, a maioria ainda estão em tijolos sem tintas (Depoimento de Juliana Zenha).

Page 65: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

64

Figura 37: Forte de Mont Serrat, Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Leonardo Negrão, acervo do autor.

É um forte branco, tem coqueiros atrás dela tem um caminho para entrar no forte tem

3 torres, por fora parece que é humilde e do lado tem um lixo. Que ela é antiga tem

anos e tem características tropicais, ela faz parte de Salvador, o bairro é importante

para a ocupação de Salvador, a foto tem características de Salvador. Mostra um lixo

perto do forte, pelo o que dá pra ver, é um lixo da coleta Seletiva (Depoimento de

Leonardo Negrão).

Figura 38: Céu visto da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Lomelino Bisneto, acervo do autor.

Page 66: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

65

Ela servio para que eu olhase Salvador e muito bonito o mar o céu que o Salvador tem

muitas favelas e precisa de mais estrutura. Eu gostei do paseio eu tamben gostei o

mar era bem limpo tenho varias conchas e muitas pedrinhas (Depoimento de Lomelino

Bisneto).

Figura 39: Costa soteropolitana vista da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Lucas Mercês, acervo do autor.

Percebi que é muito desorganizada pois a muitas invasões e o espaço não foi muito

bem aproveitado. Existem casas em locais inadequados e quando chove alaga. Eu

adorei a saída ao bairro da Ribeira (Depoimento de Lucas Mercês).

Figura 40: Praias soteropolitanas vistas da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Mariana Gusmão, acervo do autor.

Page 67: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

66

Na imagem, vejo edificações próximas ao mar, tais construções tem níveis (de altura)

desiguais e apresentam alguns sinais de degradação que podem ter sido causados

tanto pela ação do ser humano, quanto pelo tempo e pelas condições próprias do

ambiente. Notamos na imagem o crescimento desordenado da cidade. Vejo algumas

árvores entre as construções, e percebo que há uma predominância de residências.

Acredito que a imagem responda o principal questionamento do projeto: Como se deu

a ocupação dos bairros de Salvador? Como as construções ocupam a cidade de

Salvador? A cena mostra o crescimento desordenado da cidade e no que ele resulta

e as condições atuais das edificações em Salvador. Penso que a experiência de sair

da escola e ir aos bairros para tirar fotos foi extremamente produtiva, tivemos a

oportunidade de ver tudo aquilo que aprendemos na escola (Depoimento de Mariana

Gusmão).

Figura 41: Moradia no bairro da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Milena Góes, acervo do autor.

Bem, nesta foto, vemos uma casa velha, e mal cuidada, percebemos uma parede ao

lado da casa toda pichada isso reflete as diferenças sociais, percebemos que a casa

é remendada com plásticos e um tipo de madeira bem frágil e fina. Isso resalta bem a

falta de segurança dos moradores da casa. Achei a experiência muito legal um pouco

apavorante mas muito divertido amei! A imagem representa a parte menos favorecida

de Salvador Então mostra maus tratos, Ela representa uma boa ocupação de Salvador

pois percebemos que ela é velha e etc. Ela faz refletir as diferenças sociais dos lugares

e esse passeio nos fez refletir muito sobre o modo de viver das pessoas (Depoimento

de Milena Góes).

Page 68: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

67

Figura 42: Moradia no bairro do Lobato, 2009.

Fonte: Fotografia do aluno Pablo Mariano, acervo do autor.

Tem muito lixo no chão ou seja na lama e tem muitas casas mau construídas com

madeira e tem pouca ernegia tem falta de saneamento básico (Depoimento de Pablo

Mariano).

Figura 43: Barracos no bairro da Ribeira, 2009.

Fonte: Fotografia da aluna Milena Santos, acervo do autor.

Essa cena representa um lugar de classe baixa as características de um tipo de

cabana com vários pedaços de madeira, uma montada na outra de forma não tão feita,

um lugar que não é higiênico, e é bem triste ver como ela é feita. Nesse passeio a

Ribeira, foi muito interessante, pois quando passei pelo lugar, eu vi como era o tipo de

realidade do espaço de la e me fez refletir como muitas pessoas não conseguirão ter

Page 69: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

68

uma vida boa, ao contrário de outras que conseguiram subir na vida. Entre isso vi

outras coisas legais que foram usados antigamente, vários prédios bonitos também

(Depoimento de Milena Santos).

E, por fim, a seção de crescimento desordenado, creio eu, fala por si só. As

fotografias gritam de descaso público (ver Figura 26, Figura 41 e Figura 43),

superpopulação em morros com riscos de desmoronamentos (ver Figura 25, Figura

27, Figura 28, Figura 29, Figura 34 e Figura 35) em contraste com uma cidade de

belas paisagens (ver Figura 37, Figura 38, Figura 39 e Figura 40). Realmente,

Salvador é uma cidade de contrastes com relação à sua organização urbana.

Caminhar com esses jovens fotógrafos e documentar através da singularidade do

olhar de cada um deles trouxe à tona problemas significativos referente à problemática

da grande metrópole. Documentação que garante a potencialidade expressiva de

cada um deles na medida em que se constitui com fotografias de close e paisagens

quem muitos não teriam coragem ou se arriscariam a propor imagens com

determinadas composições como a Figura 31, de Tainá Alves, que inclina o aparelho

fotográfico formando uma reta em diagonal, dando a possibilidade de leitura que

Salvador é uma cidade que tem tudo para subir em índices de condições humanas de

moradia, mas que vem desabando cada dia mais. A Figura 32, de Tiago do Val,

também incita uma leitura de proibido passar, bloqueando a passagem do cidadão

para um possível acidente numa poça logo após a corrente que, em certa medida,

garante a sua segurança.

Finalizamos o nosso caminhar pela galeria, que evidenciou problemas críticos

vividos cotidianamente pela população soteropolitana. Problemas que, em grande

medida, são ocultados e boa parte da população que, apesar de estampar o sorriso

na face, vive em condições degradantes.

Page 70: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

69

5 FLASHES REFLEXIVOS

Antigamente, acreditava que buscava a foto-verdade, uma imagem que fosse a reprodução da realidade.

Hoje vejo que não é bem assim. João Urban (PERSICHETTI, 2000, p. 39).

Após percorrer os caminhos e descaminhos deste trabalho, são apresentadas

considerações em duas vias. A primeira visa reconhecer os caminhos trilhados nos

últimos dois anos que contemplam o período do curso do mestrado em educação e

outras experiências em educação não formal e informal, recuperando a problemática

investigativa que indaga a respeito de quais as possibilidades da fotografia expressão

como elemento pedagógico na escola. Já a segunda diz respeito ao processo

formativo dos sujeitos envolvidos na pesquisa nos variados espaços temporais do

estudo.

O percurso acadêmico, creditação das disciplina,21 trabalho escritos

produzidos, encontros de orientação, participação em eventos científicos e reuniões

do grupo de pesquisa; bem como outros momentos de formação, como a curadoria

da exposição fotográfica O peixe nosso de cada dia,22 da fotógrafa Gal Meirelles, o

período como docente do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) nos

cursos de fotografia básico e avançado, permite afirmar que inúmeras são as

possibilidades do potencial expressivo via fotografia, não apenas na escola, mas em

qualquer local ou perante qualquer sujeito.

Tal afirmação decorre devido à polissemia que é uma característica inata à

imagem e pode-se encontrar melhor ressonância e resposta na sistematização e

linguagem presentes no livro Olhares e letras,23 que resume parte da experiência com

as oficinas e foi a público no I Festival Cultural do Colégio Experimental, que ocorreu

21 Dentre as disciplinas, destaco a cursada no semestre anterior de ingresso ao Programa de Pós-

Graduação em Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica da Faced/UFBA como aluno ouvinte no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, denominada “Imagem e Pesquisa Social”, ministrada pelo Prof. Dr. Cláudio Luiz Pereira. Tal disciplina nos apresentou um panorama das teorias da imagem, métodos de pesquisa e análises de imagens.

22 A experiência como curador de uma mostra exposta via Laund Art, que tinha como principal objetivo apresentar uma narrativa visual do processo de pesca artesanal em Baiacu – comunidade pesqueira localizada na contra costa da Ilha de Itaparica – foi fundamental para perceber o quanto é universal a linguagem visual e a possibilidade de cruzamento de saberes populares, acadêmicos e artísticos. Ver mais detalhes da mostra em: <http://www.estudiopaulolima.com.br/>.

23 O livro pode ser acessado no link: <http://issuu.com/colegioexperimental/docs/olhareseletras>.

Page 71: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

70

no dia 25 de novembro de 2009, no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), em

Salvador, e consolidou a manutenção do projeto de fotografia no ano letivo de 2010.

Em relação à primeira parte, destaco a importância da adoção de uma

metodologia que, na medida em que apresenta de forma rigorosa e qualitativa os

dados do campo, permite que a pesquisa adote uma postura de descobrimento diante

do objeto de estudo. Postura essa que é fundamental para trabalhos práticos com

mídia-educação que levem em consideração a criatividade, a espontaneidade, a

inteligência, a autonomia, a capacidade de produzir conhecimento e de expressão de

jovens e crianças com uma câmera fotográfica em mãos.

Tratando da segunda via de consideração, é reconhecida a importância de

garantir possibilidades de atuação com mídia-educação no espaço curricular, uma vez

que ficou evidente a facilidade de desenvolvimento de trabalho com as crianças a

partir das oficinas de fotografia desde o momento da apresentação até a

leitura/reflexões das imagens.

Creio que tamanha facilidade de conhecer Salvador em suas entranhas, e

poder se expressar tendo como referência a organização urbana da cidade, se deu

devido à aproximação precoce com tecnologias eletrônicas no cotidiano, em particular

os equipamentos fotográficos. O contato com esse tipo de tecnologia e fácil

compreensão e manuseio dos ajustes técnicos permitiu uma maior liberdade à

capacidade criativa dos sujeitos.

Outro ponto se refere à postura do professor como um mediador de

conhecimentos em sala de aula, ou seja, o educador que adotar metodologias e

atitudes conservadoras e/ou reacionárias limitará a capacidade criativa e autônoma

dos jovens e crianças, bem como o grande poder intuitivo de produção dos sujeitos

de pesquisa.

Pensar mídia-educação através da lente de uma câmara via suporte fotográfico

de modo alargado e implicado com a capacidade criadora das crianças requer ir além

do click instrumental e necessita desvincular a restrita proposta da abordagem da

fotografia como documento ou ofício. Levar em consideração a não exclusão da via

expressiva pela documental e vice-versa permitiu aos sujeitos que tomaram a câmera

fotográfica saltos mais profundos na qualificação de sua estética particular.

Page 72: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

71

A rigor, estamos diante de um fazer polissêmico da imagem, ou seja, todas e

quaisquer possibilidades interpretativas são possíveis diante do olhar que se debruça

sobre uma fotografia, portanto importa ampliar a compressão e potencializar o

expresso no documento fotográfico.

Nessa perspectiva, é preciso considerar as tecnologias da informação e

comunicação que é ponto relevante para entender de modo entrecruzado a educação

e a mídia, uma vez que são experiências que as crianças estão envoltas no uso de

aparelhos – câmeras fotográficas digitais, computadores etc.

Portanto, ficou evidente com a presente pesquisa que os espaços formativos

via mídia na escola são fundamentais para potencializar a criatividade, a autonomia e

a capacidade crítica das crianças no tempo histórico em que vivemos.

Figura 44: Autorretrato, 2010.

Fonte: Acervo do autor.

A segunda via diz respeito ao processo formativo dos sujeitos envolvidos, em

particular a atuação como pesquisador. Diante do exposto no período da graduação,

especialização e de variados espaços de formação, poderia trazer mais algumas

linhas com autores fundamentando a nossa proposta formativa, um dizer de impacto,

talvez um trecho de uma música ou algo do gênero, mas as imagens não me deixam

Page 73: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

72

escapar ou desviar do curso da expressão pelo visual. Talvez o outro não

compreenda, mas, para mim, é clara a representação de um sujeito em formação

através de um autorretrato distorcido num mosaico, composto por espaços vazios e

em preto e branco.

O que eu interpreto sobre mim e o que você “lê” na imagem a seguir, é o que

forma sujeitos que, assim como eu, caminha pelo mundo!

Page 74: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

73

REFERÊNCIAS

ANDERY, Maria Amália; MICHELETTO, Nilza; SÉRIO, Tereza Maria Pires; et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: EDUC, 2004. ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. AUMONT, Jacques. A imagem. Trad. Estela dos Santos Abreu; Cláudio C. Santoro. Campinas, SP: Papirus, 1993. (Coleção Ofício de Arte e Forma). BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Mágia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. BODGAN, Robert; BIKLEN, Sani. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, POR: Porto Editora, 1994. BONILLA, Maria Helena Silveira. A práxis pedagógica presente e futura e os conceitos de verdade e realidade frente às crises do conhecimento científico no século XX. In. PRETTO, Nelson de Luca. Tecnologia e novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005. COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicação é preciso. Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, [ca. 2001]. Disponível em: <http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/7.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2010. DEPARDON, Raymond. GERMANY. Berlin. November 11th, 1989. A young man bridges the wall between East and West Berlin, 1989. 1989. 1 fotografia, p&b. Disponível em: <http://www.artnet.com/artists/raymond-depardon/germany-berlin-november-11th-1989-a-young-man-a-rMX_TeZvakfa0S3CnAdLxw2>. Acesso em: 25 set. 2016. DEPARDON, Raymond. The Red Army liberated Auschwitz. Birkenau: Poland, 1979. 1 fotografia, p&b. Disponível em: <https://pro.magnumphotos.com/CS.aspx?%20VP3=SearchResult&CT=Album&ALID=2TYRYD9U71D9>. Acesso em: 25 set. 2016. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. 21. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. FANTIN, Monica. Mídia – educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil – Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Imagens da mídia, educação e experiência. In: FANTIM, Mônica; GILCA, Girardello. Liga, roda clica: estudos em mídia cultura e infância. Campinas, SP: Papirus, 2008. (Coleção Ágere).

Page 75: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

74

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. (Conexões; 15). FRANK, Robert. Political Rally, Chicago. 1956. 1 fotografia, p&b. 28.9 cm x 18.4 cm. Disponível em: <https://www.artbasel.com/catalog/artwork/60044/%20Robert-Frank-Political-Rally-Chicago>. Acesso em: 23 set. 2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1979. GIOIA, Sílvia Catarina; PEREIRA, Maria Eliza Mazzilli. Do feudalismo ao capitalismo: uma longa transição. In: ANDERY, Maria Amália; et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 14. ed. Rio de Janeiro: Garamond; São Paulo: EDUC, 2004. GEERTZ,Clifford. Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1996. (Coleção Ofício de Arte e Forma). JUSTO, Carmem Sílvia Sanches. Os meninos fotógrafos e os educadores: viver na rua e no Projeto Casa. São Paulo: Ed. UNESP, 2003. KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Trad. de Célia Neves; Alderico Toríbio. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 22. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. Trad. Marie-Agnés Chauvel. São Paulo: Brasiliense, 2007. LENIZE, Lucia Helena Correa et al. Imagem: intervenção e pesquisa. Florianópolis: Ed. UFSC: NUP/CED/UFSC, 2006. (Coleção Cadernos CED; v. 9). LIMA JUNIOR, Arnoaud Soares de. Tecnologias inteligentes e educação: currículo hipertextual. Rio de Janeiro: Quartet; Juazeiro, BA: FUNDESF, 2005. LIMA, Paulo Costa et al. Quem faz Salvador? Salvador: UFBA, 2002. LOU Reed and Robert Frank: “Sick of Goodby’s”. American Suburb X, [S.l.], 6 jul. 2012. Disponível em: <https://www.americansuburbx.com/2012/07/robert-frank-sick-of-goodbys-1978.html>. Acesso em: 22 set. 2016. LUBISCO, N. M. L.; VIEIRA, S. C.; SANTANA, I. V. Manual de estilo acadêmico: monografia, dissertações e teses. 4. ed. rev. ampl. Salvador: EDUFBA, 2008. MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas, SP: Papirus, 2007.

Page 76: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

75

NOGUEIRA, Solange Maria do Nascimento. A teleinformática na educação. Revista da FAEBA, Salvador, n. 6, p. 5-43, jul./dez. 1996. Disponível em: <http://www.revistadafaeeba.uneb.br/anteriores/numero6.pdf>. Acesso em: 7 set. 2009. OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo freire, 2005. (Guia da escola cidadã; v. 12). ORTIZ, Pedro; BRIGE, Marco; FERRARI, Rogério. Zapatistas – a velocidade do sonho. Brasília: Entrelivros; Thesaurus, 2006. PAIS, José Machado. Vida Cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003. PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira. 2. ed. rev. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. SENAC São Paulo, 2000. (v. 1). RAMALHO, José Antonio. Fotografia Digital. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. ROCHA, Telma Brito. Currículo e tecnologias: refletindo o fazer pedagógico na era digital. In: PRETTO, Nelson de Luca. Tecnologia e novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Trad. Constancia Egrejas. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 2009. SCHAUN, Angela. Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. SILVEIRA, Renato da. A ordem visual (uma introdução a teoria da imagem de Pierre Francastel). In: VALVERDE, Monclar. As formas do sentido: estudos em estética da comunicação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. SOARES, Ismar de Oliveira. A nova LDB e a formação de profissionais para a inter-relação comunicação/educação. Comunicação e Educação, São Paulo, n. 2, p. 21-26, jan./abr. 1995. SOARES, Ismar de Oliveira. Lei de diretrizes e bases e a comunicação no sistema de ensino. Comunicação e Educação, São Paulo, n. 8, p. 23-26, jan./abr. 1997. SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/Educação emergência de um novo campo e perfil de seus profissionais. Contato, Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, Brasília, v. 1, n. 2, p. 5-75, jan./mar. 1999. SOARES, Ismar de Oliveira. O perfil do educomunicador. Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, [ca. 1999]. Disponível em: <https://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/29.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2010.

Page 77: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

76

SOARES, Ismar de Oliveira. Uma educomunicação para a cidadania. Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/6.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2010. SOARES, Ismar de Oliveira. Alfetização e Educomunicação: o papel dos meios de comunicação e informação na educação de jovens e adultos ao longo da vida. Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo. [201-?]. Disponível em: <http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/89.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2010. SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SUASSUNA, Ariano. Iniciação a Estética. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. VALVERDE, Monclar. As formas do sentido: estudos em estética da comunicação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

Page 78: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

77

ANEXO A

Salvador, 30 de abril de 2009 Prezados pais e/ou responsáveis,

Integrando as atividades do projeto interdisciplinar, está programada uma aula de campo, sob a coordenação do professor de Fotografia Paulo Lima, para que os alunos possam fazer registros fotográficos da cidade que integrarão a culminância do referido projeto.

Os alunos serão divididos em grupos de 11 crianças, com 3 adultos

acompanhando-as, para que possamos dar uma atenção individualizada neste processo. As saídas seguirão o seguinte cronograma:

Data Local Horário Alunos

08/05 Bairro Cabula

9h30 às 12h30

Turma 1: Isabelle, Mariana Zenha, Matheus, Tainá, Thiago, Ravanna, Luma, Bruno, José Lucena, Victor,

Vitória Lorena, Gabrielle e Fernanda.

09/05 Bairro Liberdade

9h30 às 12h30

Turma 2: Isabela, Gabriel, Pablo Dias, Beatriz Ramos, Mércia, Lucas Oliveira, Igor, Laura, Tiago, Letícia, Juliana.

11/05 Bairro Ribeira

9h30 às 12h30

Turma 3: Mariana Gusmão, Milena Góes, Lomelino, Leonardo, Pablo Mariano, Milena Santos, Isis, Lucas

Mercês, Lucas de Jesus, Alex Gabriel.

13/05 Bairro Lobato

9h30 às 12h30

Turma 4: Lucas Pena, Alana, Lara, Júlia, Paula, Ariel, Lucas Nogueira, Valter, Beatriz Brito, Scarlet.

Para essa atividade, está previsto um investimento para o custeio do transporte

dos alunos no valor R$ 12,00 a serem pagos na secretaria da escola, no ato da entrega da autorização escrita, até dia 07/05 (quinta-feira).

Estamos certos de que essa ação contribuirá muito para o desenvolvimento do

projeto interdisciplinar.

Atenciosamente,

A Direção

Page 79: PAULO CESAR DE CARVALHO LIMA EDUCAÇÃO, MÍDIA E … · Ao amigo Fernando Carrasco, que indicou leituras sobre mídia-educação, localizando o presente trabalho nesse campo, disciplina

78

APÊNDICE A

AUTORIZAÇÃO Eu ____________________________________________________, responsável por _________________________________________________________, aluno do sexto ano do ensino fundamental do Colégio Experimental, autorizo o mesmo a participar da atividade de fotografia a realizar-se na cidade de Salvador, nos dias acima citados.

Salvador, ______de _____________________ de 2009.