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Parte I PATOLOGIA DA PERSONALIDADE: DEFININDO O FOCO DE INTERVENÇÃO

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DE INTERVENÇÃO

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1UM MODELO DE PERSONALIDADE E

PATOLOGIA DA PERSONALIDADE BASEADO NA TEORIA DAS

RELAÇÕES OBJETAISEve Caligor

John F. Clarkin

Os profissionais que tratam pacientes com transtornos da personalidade comumente lidam com diversas questões fundamentais:

• Qualéorelacionamentoentrefuncionamentodapersonalidadenormale patologia da personalidade?

• Quaissãoosaspectospatológicosdofuncionamentodapersonalidadecomuns a muitos ou à maioria dos transtornos da personalidade?

• Querelacionamentosexistementreostranstornosdapersonalidadedenível mais alto e os mais graves?

• Comopodemosavaliarecaracterizaragravidadedapatologiaentreosdiferentes transtornos da personalidade?

• Comopodemosavaliarecaracterizaragravidadedapatologiadeindi-víduos em um determinado grupo diagnóstico?

O modelo de transtornos da personalidade baseado na teoria das relações objetais fornece uma abordagem de base clínica para responder a essas questões.

Para facilitar o que será uma introdução de base clínica ao modelo de trans-tornos da personalidade baseado na teoria das relações objetais, apresentamos quatro vinhetas de pacientes com esses transtornos:

A srta. N é uma mulher de 28 anos, solteira, empregada, que foi vista em con-sulta com a queixa de “problemas com homens” e “dificuldade com confron-tação”. Era atraente, encantadora e discretamente sedutora, e reconheceu que

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com frequência se surpreendia ao se ver no centro das atenções em situações sociais. Contudo, observou que tendia a se sentir inadequada e pouco atraente em relação a suas amigas e colegas de trabalho e descreveu ser tímida com ho-mens e sexualmente inibida. Ela achava que esses traços explicavam por que não tinha tido um relacionamento de longo prazo desde a faculdade. Quei-xou-se também de dificuldade com “confrontação”, com uma tendência a fugir de conflitos. Sentia que, como resultado, era às vezes obsequiosa em excesso. Embora não tivesse um namorado, tinha um grupo de amigos coeso. A srta. N descreveu seu trabalho de professora de uma escola de ensino fundamental como desafiador e satisfatório. Ela achava que era, acima de tudo, uma pessoa otimista e sensata, mas se sentia desmoralizada por sua incapacidade de esta-belecer um relacionamento de longo prazo com um homem ou de se sentir melhor em relação a si mesma. Ao final de uma entrevista de uma hora de du-ração, o consultor percebeu sentir-se afetuoso em relação à srta. N e que tinha tido uma impressão vívida dela, de suas dificuldades e das pessoas importantes em sua vida.

A srta. B é uma mulher de 28 anos, solteira, empregada, que foi vista em con-sulta com a queixa de “problemas com homens” e “dificuldade com confron-tação”. Era atraente e insinuante; vestia uma saia curta e uma blusa cavada, e sua conduta era sexualmente provocante de uma forma que deixou o consul-tor um tanto inquieto. Ela disse se sentir desconfortável em ambientes nos quais não fosse o centro das atenções. Relatou ao consultor que achava difícil controlar sua raiva no contexto de conflitos com seus namorados e que era propensa a acessos de raiva. Desde a formatura na faculdade, a srta. B teve uma série de empregos; atualmente, estava trabalhando como recepcionista. Acha-va seu emprego triste e chato, embora não conseguisse pensar em nada mais que pudesse fazer. Ela vivia sozinha e não tinha um parceiro estável. Descreveu uma série de relacionamentos amorosos que sempre acabavam mal. Tinha um grupo de amigos disperso, mas sua irmã era a única pessoa em quem confiava inteiramente e a quem era ligada. Sentia que sua vida estava “indo para lugar nenhum”, e com frequência era atormentada por sentimentos de vazio e auto-aversão. O consultor viu-se atingido pela aparente contradição entre a sereni-dade da srta. B na entrevista e a história que ela forneceu de comportamento enraivecido, acusatório e manipulativo com seus namorados.

O sr. N é um advogado de 38 anos, casado, com dois filhos pequenos. Foi visto em consulta com uma queixa de “problemas com o trabalho” e problemas com autoestima. Ele descreveu seu trabalho como sócio júnior em uma firma de advocacia bem-sucedida como desafiador e satisfatório no aspecto intelectual. Contudo, queixava-se de sentir-se inadequado no local de trabalho e de não ser tão capaz quanto os outros a sua volta; também era incomodado por uma tendência a ser “muito detalhista” e a adiar as coisas até o último minuto. O sr. N era emocionalmente contraído e muito reservado, mas, apesar disso, trans-mitia um apego profundo por sua esposa e seus filhos. Ele entendia que as pes-soas que amava o percebiam como emocionalmente indisponível, mas se sen-tia incapaz de mudar seu comportamento. Tinha alguns amigos íntimos do

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tempo do ensino médio, mas não era, por seu próprio relato, especialmente sociável. Após ouvir a história do sr. N, o consultor ficou impressionado com sua escrupulosidade e sua motivação para o tratamento.

O sr. B é um advogado casado, de 38 anos, desempregado. Ele foi visto em con-sulta com uma queixa de “problemas com o trabalho” e problemas com auto-estima. Descreveu-se como “procrastinador” e queixou-se de ser detalhista e intolerante com falhas; frequentemente ele se via perdendo horas atrás de in-formações irrelevantes. Entretanto, à medida que a entrevista prosseguia, veri-ficou-se que, desde a formatura na faculdade de direito há 10 anos, o sr. B ti-nha sido demitido de uma série de empregos por ter dificuldade em completar projetos e muitas vezes ter perdido prazos; ele também tinha uma história de falsificação de planilhas de horário, com frequência se dizendo doente e se en-volvendo em lutas de poder com seus chefes. Mais recentemente, tinha traba-lhado como assistente jurídico (paralegal) – um emprego que ele achava hu-milhante – e havia sido demitido há seis meses. O sr. B descreveu-se como al-ternando entre se sentir mais inteligente que todos e um “perdedor estúpido”. Era emocionalmente distante e contraído, e sua esposa reclamava de que ele não dava apoio nem financeiro nem emocional. Ele explicou que tinha perdi-do o interesse sexual por ela no início do casamento e que periodicamente procurava prostitutas. Queixou-se de sentir-se vazio e inquieto. Queria que o consultor lhe dissesse como se sentir menos disfórico e ansioso e como estabi-lizar sua opinião sobre si mesmo como excepcional. Ao final de uma entrevis-ta de uma hora de duração, o consultor viu-se com uma ideia apenas vaga e superficial do sr. B e uma imagem ainda mais obscura de sua esposa. Sentiu-se impotente diante intratabilidade das dificuldades do paciente e preocupou-se de que ele tivesse pouca motivação genuína para tratamento.

Embora todos esses pacientes tenham transtornos da personalidade, as di-ferenças entre eles são tão impressionantes quanto de grande significado em um contexto clínico. No final deste capítulo, o leitor terá uma estrutura segundo a qual considerar tanto as semelhanças como as diferenças entre esses pacientes; o modelo de transtornos da personalidade baseado na teoria das relações objetais fornece uma abordagem sistemática e coerente para avaliação, classificação e tra-tamento de patologia da personalidade utilizando o espectro de gravidade.

O QUE É A TEORIA DAS RELAÇÕES OBJETAIS?

Na psiquiatria psicodinâmica, o termo objeto é usado, por razões históricas e um tanto infelizmente, para se referir a uma pessoa com a qual o indivíduo tem um relacionamento. De modo similar, o termo relações objetais refere-se à qualidade dos relacionamentos do indivíduo com os outros. Voltando-nos do mundo ex-terno, interpessoal, para o mundo interno, usamos o termo objeto interno para

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nos referirmos à representação ou à presença de outro dentro da mente do indi-víduo. A teoria das relações objetais compreende um agrupamento de modelos psicodinâmicos e psicanalíticos de motivação e funcionamento psicológico um tanto vagamente relacionados no qual a internalização de padrões primitivos de relação é vista como um aspecto central do desenvolvimento e do funcionamen-to psicológicos.

O modelo de transtornos da personalidade baseado na teoria das relações objetais que apresentamos foi desenvolvido por Otto Kernberg e seus colabo-radores no Personality Disorders Institute da Weill Cornell Medical College (Kernberg e Caligor, 2005). Essa abordagem representa uma integração de con-tribuições importantes originando-se das escolas de psicanálise kleiniana e bri-tânica com desenvolvimentos na psicologia do ego norte-americana – em par-ticular, o trabalho de Edith Jacobson, Margaret Mahler e Erik Erikson. Uma ra-mificação da teoria das relações objetais, a teoria do apego (Shaver e Mikulin-cer, 2005), é discutida no Capítulo 2. Neste capítulo, focalizamos aqueles aspectos do modelo de Kernberg que são mais relevantes para a prática clínica. Cobrimos os conceitos básicos subjacentes à abordagem da teoria das relações objetais aos transtornos da personalidade, junto ao sistema de classificação de patologia da personalidade no centro do modelo de Kernberg. Omitimos a dis-cussão da teoria do desenvolvimento mais controversa de Kernberg, bem como sua exploração do constructo psicanalítico de “pulsões”. Visto que tem uma base clínica, originando-se da experiência com o tratamento psicodinâmico de pacientes com transtornos da personalidade, o modelo que apresentamos não está ligado a um modelo específico de etiologia dos transtornos da personali-dade.

ESTRUTURAS PSICOLÓGICAS

O fundamento da abordagem da teoria das relações objetais aos transtornos da personalidade é que os aspectos descritivos de patologia da personalidade que caracterizam um desses transtornos em particular podem ser considerados re-flexo da natureza e da organização de estruturas psicológicas subjacentes. Os tratamentos psicodinâmicos que provocam mudanças nas estruturas psicoló-gicas levarão ao mesmo tempo a mudanças nos aspectos descritivos de patolo-gia da personalidade e a melhora no funcionamento psicológico. Essa aborda-gem “de baixo para cima” ao tratamento e à mudança terapêutica pode ser comparada (e também pode ser combinada de forma vantajosa) às abordagens cognitivo-comportamentais “de cima para baixo”, as quais estão centradas di-retamente em mudança de comportamentos e padrões de pensamento mal--adaptativos.

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Antes de prosseguir, queremos dizer uma palavra sobre o termo estrutura conforme é usado na psiquiatria psicodinâmica, pois isso com frequência causa confusão. Em uma organização de referência psicodinâmica, estruturas são pa-drões estáveis de funcionamento psicológico que são repetida e previsivel mente ativados em contextos particulares.1 Isso significa que as estruturas psi cológicas não são estruturas no sentido concreto, mas processos psicológicos que podem ser conceitualizados como disposições para organizar a experiência subjetiva e o comportamento de certas formas previsíveis. Ao nível da neuro ciência cognitiva, os correlatos neurais do que consideramos estruturas psico lógicas podem ser conceitualizados como associações entre circuitos neuronais, ou “redes associati-vas”, que tendem a ser ativadas em conjunto (Westen e Gabbard, 2002). Os siste-mas motivacionais, os mecanismos de enfrentamento, os padrões de relação e os processos que funcionam para regular o humor e os impulsos são todos exem-plos de estruturas psicológicas. A natureza e a organi zação das estruturas psico-lógicas são características do indivíduo e tendem a ser estáveis ao longo do tem-po, embora possam ser modificadas como resultado de amadurecimento, expe-riência de vida e tratamento bem-sucedido.

É importante entender que, diferindo dos aspectos descritivos da persona-lidade, as estruturas psicológicas, conforme conceitualizadas em uma estrutura de referência psicodinâmica, não podem ser nem diretamente observadas pelo médico nem relatadas pelo paciente. Antes, ao nível de observação clínica, a na-tureza das estruturas psicológicas pode ser deduzida e também avaliada de ma-neira sistemática com base em seu impacto sobre os aspectos descritivos do fun-cionamento da personalidade, em particular o comportamento, as relações inter-pessoais e a experiência subjetiva de um indivíduo. Por exemplo, a consciência é uma estrutura psicológica familiar, compreendendo os processos psicológicos envolvidos no funcionamento moral.* Comportamento ético (e antiético), senti-mentos de culpa e compromisso com valores morais e ideais são aspectos descri-tivos do funcionamento da personalidade que são organizados pelos vários pro-cessos que constituem a estrutura denominada consciência. De modo similar, a operação defensiva negação é um processo psicológico manifestado descritiva-mente na tendência previsível de minimizar o impacto emocional de experiên-cias dolorosas.

1 Diferenciamos entre este uso do termo estrutura e o conceito psicométrico de estrutura. Na teoria dos traços, estrutura da personalidade refere-se a uma estrutura fatorial que se ajusta aos dados existentes. Esse método estatístico é usado para explorar variáveis latentes subjacentes a diferentes traços de personalidade pela identificação da covariação entre eles. A teoria dos traços identifica estruturas em uma população. Em contrapartida, a psicodinâmica usa estruturas para se referir a como o funcionamento psicológico é organizado em um determinado indivíduo.* N. de R.T.: Aqui, consciência tem o sentido de “senso moral”, não se refere a uma escala de lucidez.

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Nossa ênfase na relação entre comportamento observável e estruturas cog-nitivo-afetivas internas, não observáveis, é compartilhada por muitas teorias da personalidade contemporâneas; pode-se distinguir o uso de constructos seme-lhantes e sobrepostos por meio de uma ampla série de modelos, todos os quais apontam o papel de certos processos cognitivos e emocionais básicos tanto no funcionamento normal como na patologia da personalidade (ver Lenzenweger e Clarkin, 2005). Em particular, Mischel e Shoda (2008) conceitualizaram perso-nalidade normal como um sistema de unidades mediadoras (p. ex., codificações, expectativas, motivos e metas) que operam em vários níveis de consciência para permitir que o indivíduo interaja com sucesso com o ambiente. De acordo com esse modelo, denominado Sistema cognitivo-afetivo da personalidade (CAPS), re-presentações mentais cognitivo-afetivas particulares são ativadas em resposta a contingências ambientais, incluindo aquelas que surgem no ambiente interpes-soal. Portanto, de acordo com essa influente teoria, o elemento essencial no fun-cionamento da personalidade é a organização de representações cognitivo-afeti-vas, que são padronizadas, relacionadas a expressão de comportamento, derivam de uma percepção do self por meio de situações e motivam a seleção de ambien-tes particulares que o indivíduo prefere e busca ativamente.

RELAÇÕES OBJETAIS INTERNAS

Na abordagem baseada na teoria das relações objetais, as unidades cognitivo-afe-tivas resultantes de uma imagem do self que interage com uma imagem de outra pessoa, com a interação inteira ligada a um estado afetivo em particular, são con-sideradas as estruturas psicológicas mais básicas. Esses padrões de relacionamen-to internalizados são referidos como relações objetais internas. No modelo da teoria das relações objetais, as relações objetais internas são os blocos construto-res de estruturas de ordem superior, sendo também consideradas organizadoras da experiência subjetiva. Por exemplo, a estrutura identidade é conceitualizada como uma organização de relações objetais internas pertinente à experiência do self e de outros; a consciência inclui relações objetais pertinentes a proibições e ideias. Contextos diferentes levarão à ativação de diferentes relações objetais in-ternas. As relações objetais internas particulares que são ativadas organizarão o comportamento e a experiência do indivíduo daquela situação e serão reprodu-zidas em suas relações interpessoais.

Como exemplo de como conceitualizamos as relações objetais internas e seu papel no funcionamento e na subjetividade psicológicos, considere uma re-lação objetal compreendendo a imagem de um self pequeno, infantil, interagindo com uma imagem de uma figura de autoridade poderosa, ameaçadora, na qual a interação esteja ligada a sentimentos de medo – ou alternativamente, a imagem

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de um self pequeno, infantil, e uma figura amorosa, protetora, associada a senti-mentos de gratificação e segurança. Nessas ilustrações, as relações objetais inter-nas descritas se manifestarão no adulto organizando as expectativas e a experiên-cia do indivíduo de relações dependentes – colorindo a experiência do self e da pessoa da qual ele depende, enquanto ativa, no primeiro caso, uma experiência afetiva de ansiedade e medo e, no segundo, uma experiência de gratificação e se-gurança.

Kernberg (Kernberg e Caligor, 2005) sugere que as relações objetais inter-nas surgem da interação de disposições afetivas e relacionamentos de apego ina-tos; desde os primeiros dias de vida, estados afetivos determinados pela consti-tuição são ativados em relação a interações com os cuidadores, regulados por elas e cognitivamente ligados a elas. Ao longo do tempo, essas interações são interna-lizadas como padrões de relacionamento, que são gradualmente organizados para formar as estruturas psicológicas resistentes, carregadas de afeto, a que nos referimos como relações objetais internas.

Nossa ênfase nos padrões de relação internalizados como aspectos organiza-dores centrais do funcionamento psicológico é compartilhada por muitas outras abordagens, incluindo a teoria cognitiva e comportamental, a teoria interpessoal e a teoria do apego. Entretanto, embora haja muita sobreposição entre esses mode-los, a teoria das relações objetais é diferenciada em virtude de invocar um relacio-namento “dinâmico”, relativamente complexo, entre relacionamentos de apego primitivos e as estruturas psicológicas que vêm a organizar a experiência do adulto. No modelo da teoria das relações objetais, invocamos não apenas a experiência pri-mitiva – colorida pelo nível de desenvolvimento cognitivo – como afetando a na-tureza das relações objetais internas, mas também fatores psicodinâmicos, incluin-do os conflitos psicológicos, as defesas e as fantasias do indivíduo.

Para ilustrar o possível papel do conflito e da defesa na determinação da na-tureza das relações objetais internas, retornemos ao nosso exemplo anterior de uma relação objetal interna compreendendo um self pequeno, infantil, e uma fi-gura de autoridade poderosa, ameaçadora, ligada a sentimentos de medo. Esta-mos sugerindo que, para um indivíduo em particular, a experiência do self de im-potência e medo no contexto de relacionamentos dependentes possa refletir não apenas experiências primitivas reais com um pai ameaçador, mas também neces-sidades ou fantasias defensivas. Por exemplo, para alguém como a srta. N, essa re-lação objetal poderia ser uma construção defensiva em relação a desejos confli-tantes de ferir uma figura paterna. Aqui falaríamos de “projeção”, equivalente a dizer: “Ela é agressiva e sádica, não eu; eu sou fraca e assustada; portanto, não preciso me sentir culpada por ter sentimentos sádicos”. De maneira alternativa, para alguém como a srta. B, uma versão mais extrema e muito carregada de afeto dessa mesma relação objetal, poderia funcionar como parte de um esforço defen-sivo de proteger uma fantasia de uma figura parental desejada, perfeitamente

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gratificante. Isto é um exemplo de “cisão”: “Isso parece terrível, mas, no entanto, significa que eu ainda posso esperar encontrar um cuidador perfeito”. Em suma, as relações objetais internas que organizam a experiência subjetiva em um deter-minado contexto podem ao mesmo tempo servir a funções defensivas, protegen-do o sujeito da consciência de experiências conflitantes mais ameaçadoras ou do-lorosas do self e dos outros. No modelo da teoria das relações objetais, a natureza e a qualidade das relações objetais internas são vistas como refletindo fatores temperamentais (p. ex., disposições afetivas inatas), experiência do desenvolvi-mento e também conflito e defesa.

UMA ABORDAGEM À PATOLOGIA DA PERSONALIDADE BASEADA NA TEORIA DAS RELAÇÕES OBJETAIS

Descrição psicodinâmica de personalidade e patologia da personalidade

De um ponto de vista psicodinâmico, uma descrição abrangente de patologia da personalidade incluirá

1. os aspectos descritivos do transtorno, 2. uma formulação sobre a organização estrutural subjacente aos aspectos

descritivos, e 3. uma teoria sobre as psicodinâmicas do paciente.

A avaliação dos aspectos descritivos fornece informação sobre as queixas e os problemas apresentados, traços de personalidade mal-adaptativos e relacio-namentos com pessoas significativas, e essa avaliação pode ser usada para formu-lar um diagnóstico descritivo. Essa é a abordagem adotada pelo DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2000). Uma formulação estrutural fornece informação sobre a gravidade da patologia da personalidade através da lente da experiência do indivíduo de si mesmo e de suas pessoas significativas, das re-lações objetais, das operações defensivas e do teste de realidade (Kernberg, 1984). Juntas, as avaliações descritiva e estrutural oferecem uma apreciação clara das dificuldades objetivas e subjetivas do paciente e fornecem a infor-mação necessária para fazer um diagnóstico e orientar o planejamento do trata-mento.

Uma descrição psicodinâmica abrangente da psicopatologia também in-cluirá um entendimento dos conflitos psicológicos subjacentes ao transtorno. É explorando os conflitos subjacentes aos comportamentos e estados subjetivos

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mal-adaptativos que o psicoterapeuta psicodinâmico dá sentido às dificulda-des aparentemente irracionais que trazem os pacientes com transtornos da personalidade para tratamento. E é por meio da exploração e elaboração de significados e motivações subjacentes que esses profissionais ajudam seus pa-cientes a desenvolver maior flexibilidade e adaptação. A avaliação das dimen-sões descritiva, estrutural e dinâmica do funcionamento da personalidade (ver também Cap. 4 deste livro) orientará o planejamento do tratamento diferencial e permitirá ao médico antecipar desenvolvimentos no tratamento.

Quando se trata de avaliação, classificação e planejamento de tratamento diferencial, o modelo de transtornos da personalidade baseado na teoria das re-lações objetais combina uma classificação dimensional dos transtornos da perso-nalidade, de acordo com a gravidade da patologia estrutural, a uma classificação categórica ou prototípica de segunda ordem baseada nos traços descritivos (i.e., o tipo de diagnóstico fornecido pelo DSM-IV-TR). Portanto, tanto clínica como conceitualmente, a abordagem da teoria das relações objetais é primeiro para ca-racterizar a gravidade da patologia da personalidade avaliando a natureza, a or-ganização e o grau de integração das estruturas psicológicas, e então para carac-terizar os aspectos descritivos da patologia da personalidade a fim de fazer um diagnóstico do “tipo” ou “estilo” de personalidade.

Nossa abordagem de dois eixos reflete a realidade clínica de que estilos de personalidade ou traços mal-adaptativos semelhantes podem ser encontrados por meio de um amplo espectro de patologia, com implicações de prognóstico marcadamente diferentes; de um ponto de vista clínico, a natureza e o grau de gravidade da patologia estrutural costumam ser mais importantes em relação ao prognóstico e ao planejamento do tratamento diferencial do que o “tipo” de per-sonalidade. Por exemplo, sugeriríamos que, no contexto clínico, as semelhanças entre a srta. N e o sr. N no eixo de patologia estrutural são mais significativas do que as semelhanças manifestas nas queixas apresentadas e no estilo de personali-dade que ligam a srta. N à srta. B e o sr. N ao sr. B no eixo descritivo. Neste capí-tulo, focamos amplamente no eixo estrutural do modelo, visto que esse aspecto é único à teoria das relações objetais e fornece uma abordagem abrangente e inte-grativa à patologia da personalidade.

Aspectos descritivos dos transtornos da personalidade

Quando nos referimos à personalidade de alguém, estamos nos referindo aos padrões resistentes e habituais de comportamento, cognição, emoção, motiva-ção e formas de se relacionar com os outros que são característicos do indiví-duo. Esses componentes diretamente observáveis do funcionamento da perso-nalidade constituem os aspectos descritivos da personalidade e da patologia de

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personalidade de um indivíduo. De uma perspectiva descritiva, a personalida-de de uma pessoa é expressa como um estilo de personalidade particular. Por exemplo, alguém como o sr. N, que tem um estilo obsessivo-compulsivo, é atento a detalhes, perfeccionista, avesso a risco e contraído na expressão emo-cional, na qual cada um desses descritores é visto como um “traço de persona-lidade”.

À medida que os traços de personalidade se tornam mais rígidos e mais ex-tremos, passamos de um “estilo de personalidade” normal para funcionamento patológico da personalidade. Quando nos referimos a traços de personalidade “rígidos”. queremos dizer que o indivíduo é incapaz de mudar seu comporta-mento, mesmo quando gostaria de fazê-lo e mesmo quando é altamente mal--adaptativo não fazê-lo. Portanto, o sr. N é incapaz de parar de procrastinar, mes-mo estando consciente de que seu comportamento lhe causa sofrimento desne-cessário e pode dificultar seu sucesso. Em vez de aprender com a experiência e modificar padrões mal-adaptativos, o indivíduo ativará os mesmos comporta-mentos, respostas emocionais e formas de se relacionar repetidas vezes e, em uma ampla série de circunstâncias, independentemente de esses comportamentos serem ou não adequados ao contexto. Quando descrevemos traços de personali-dade como “extremos”, nos referimos a um desvio cada vez maior de comporta-mentos e formas de funcionamento encontrados com frequência e culturalmen-te normativos. Portanto, a procrastinação do sr. B o leva a perder prazos de forma rotineira, enquanto o sr. N não; a sedução da srta. N é atenuada e socialmente adequada, enquanto a da srta. B parece exagerada e um pouco rude. A patologia da personalidade existe como um espectro, com os traços se tornando mais rígi-dos e mais extremos e interferindo no funcionamento do indivíduo de modo mais profundo e global, à medida que a patologia da personalidade se agrava. Na extremidade mais grave do espectro, vemos traços que não são apenas extremos mas também mutuamente contraditórios. Por exemplo, o sr. B é orientado ao de-talhe em excesso, contudo, ao mesmo tempo ele costumava negligenciar erros de digitação e ortografia flagrantes em seu trabalho. Quando a rigidez de personali-dade chega ao ponto de interferir de maneira significativa, consistente e crônica no funcionamento diário e/ou causa acentuado sofrimento ao indivíduo e àque-les a sua volta, falamos de um transtorno da personalidade.

Visão geral da abordagem estrutural aos transtornos da personalidade

A abordagem estrutural aos transtornos da personalidade classifica a patologia da personalidade com base na natureza dos processos ou das estruturas psicoló-

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gicas fundamentais. (Essa classificação é às vezes referida como diagnóstico estru-tural.) Especificamente, a abordagem estrutural examina o seguinte:

1. Identidade (percepção do self e dos outros) 2. Nível predominante de operações defensivas (formas costumeiras de

enfrentar estresse externo e conflito interno) 3. Teste de realidade (apreciação de noções convencionais da realidade) 4. Qualidade das relações objetais (entendimento da natureza das relações

interpessoais) 5. Funcionamento moral (comportamento ético, ideais e valores)

Essa visão é consistente com a abordagem adotada por pesquisadores do transtorno da personalidade (Livesley, 2001; Parker et al., 2004; Verheul et al., 2008), que também focaliza os aspectos do funcionamento adaptativo e mal-adap-tativo da personalidade a fim de caracterizar a gravidade da patologia da persona-lidade. Em particular, esses pesquisadores identificam uma autoimagem estável, o funcionamento autorreflexivo, a regulação da agressividade, a intencionalidade e uma capacidade para intimidade como componentes centrais do funcionamento da personalidade relevantes para avaliar a gravidade da patologia da personalidade.

Em um nível conceitual, a abordagem estrutural à patologia da personali-dade é compatível com um consenso emergente entre os pesquisadores do trans-torno da personalidade de que as dificuldades em relação a uma percepção do self, ou identidade, e disfunção interpessoal crônica são elementos essenciais nos transtornos da personalidade (Livesley, 2001; Pincus, 2005). Os teóricos e os mé-dicos representando as perspectivas cognitiva (Pretzer e Beck, 2005), interpesso-al (Benjamin, 2005) e do apego (Levy, 2005; Meyer e Pilkonis, 2005; ver também o Cap. 2 deste livro), bem como aqueles que trabalham no modelo da teoria das relações objetais, enfatizam a centralidade dessas áreas de funcionamento funda-mentais na patologia da personalidade.

Níveis de organização da personalidade e classificação da patologia da personalidade

A abordagem estrutural aos transtornos da personalidade foi desenvolvida pri-meiro por Otto Kernberg e surgiu da vasta experiência clínica com o tratamento psicodinâmico de pacientes com transtornos da personalidade. Kernberg (1984) divide o universo de patologia da personalidade em dois grandes grupos de transtornos ou níveis de organização da personalidade, o nível neurótico de orga-nização da personalidade (NOP) e o nível borderline de organização da personali-dade (BOP), com base na gravidade da patologia estrutural.

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No nível neurótico, menos grave, de organização da personalidade, vemos rigidez de personalidade mal-adaptativa no contexto de

1. identidade normal; 2. predominância de operações defensivas, de nível mais alto, baseadas em

repressão; e 3. teste de realidade intacto.

Esse grupo de transtornos da personalidade de “nível mais alto” inclui os transtornos da personalidade obsessivo-compulsivo e depressivo, o transtorno da personalidade histérica de nível mais alto (omitido do DSM-IV-TR), um sub-grupo de pacientes relativamente saudáveis com transtorno da personalidade es-quiva e também o grande grupo de pacientes vistos na prática clínica que apre-sentam patologia da personalidade mas não de gravidade suficiente para satisfa-zer os critérios para um transtorno da personalidade do DSM (Westen e Arko-witz-Westen, 1998). Indivíduos organizados em um nível neurótico em geral funcionam bem em muitas esferas, com os traços de personalidade mal-adapta-tivos via de regra interferindo predominantemente em áreas focais de funciona-mento e/ou causando sofrimento subjetivo. A srta. N e o sr. N são ambos organi-zados em um NOP. A rigidez de personalidade da sra. N a tem afetado muito na esfera das relações românticas; ela funciona bem no trabalho, se sai bem no as-pecto social, e mantém amizades íntimas. A rigidez de personalidade do sr. N causa inibição na expressão de emoção, mas não interfere em sua formação de li-gações profundas; suas tendências de se perder em detalhes e de procrastinar em seu trabalho causa sofrimento e o prejudica em algum grau, mas apesar disso ele é muito bem-sucedido na área profissional.

Nos transtornos da personalidade organizados em um nível borderline,2 os pacientes se apresentam com rigidez de personalidade gravemente mal-adaptati-va no contexto de

1. patologia de identidade clinicamente significativa; 2. predominância de operações defensivas de nível mais baixo, baseada em

cisão; e

2 Queremos deixar clara a distinção entre transtorno da personalidade borderline (TPB) do DSM-IV-TR e o nível borderline de organização da personalidade (BOP). O TPB é um transtorno da personali-dade específico, diagnosticado com base em uma combinação de aspectos descritivos. O BOP é uma categoria muito mais ampla, baseada em aspectos estruturais – em particular, patologia da formação da identidade. O diagnóstico de BOP agrupa o TPB do DSM-IV-TR, bem como todos os transtornos da personalidade graves. Encaminhamos o leitor à Figura 1.1 para maiores esclarecimentos da relação entre as categorias diagnósticas do Eixo II do DSM-IV-TR e o nível de organização da personalidade.

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3. teste de realidade variável no qual o teste de realidade habitual está in-tacto, mas as capacidades mais sutis de avaliar as convenções sociais e de perceber de forma correta os estados internos dos outros estão pre-judicadas.

Nesse grupo de transtornos da personalidade mais graves encontramos a maioria desses transtornos descritos no DSM-IV-TR, incluindo os transtornos da personalidade dependente, histriônica, narcisista, borderline, paranoide, es-quizoide e antissocial. Indivíduos organizados em um nível borderline têm difi-culdades difusas que comprometem adversamente o funcionamento em muitas esferas, se não em todas, e traços mal-adaptativos que são mais extremos e mais rígidos do que aqueles dos indivíduos no grupo de NOP. A srta. B e sr. B são am-bos exemplos das dificuldades encontradas no grupo de BOP; pode-se observar que a patologia da personalidade deles afeta quase todas as áreas de funciona-mento. Na Figura 1.1, orientamos o leitor não familiarizado com esse sistema ilustrando a relação entre a abordagem estrutural aos transtornos da personali-dade, enfatizando a dimensão de gravidade e os transtornos da personalidade do DSM-IV-TR mais conhecidos.

Apesar da natureza aparentemente categórica de nossa estrutura conforme descrita anteriormente e representada na Figura 1.1, na verdade, nossa abordagem presume uma perspectiva dimensional sobre a patologia da personalidade. Na ex-tremidade mais saudável do espectro estão indivíduos com identidade normal, de-fesas com predominância de nível mais alto e teste de realidade estável, enquanto na extremidade mais patológica estão aqueles com patologia de identidade grave, defesas predominantemente de nível mais baixo e teste de realidade instável. Entre essas encontramos uma série de psicopatologias. Isso quer dizer que a classificação de transtornos da personalidade apresentada neste capítulo é conceitualizada de forma mais precisa como descrevendo um espectro contínuo de patologia da per-sonalidade. O resultado é que a demarcação entre os níveis neurótico e borderline de organização da personalidade não é categórica, e há pacientes com patologia de identidade muito leve que se apresentam com aspectos mistos.

A classificação estrutural de patologia da personalidade, dividindo os trans-tornos da personalidade naqueles associados a um nível de organização neuróti-co e nos associados a um nível de organização borderline, é refinada ainda mais com base na caracterização de

1. qualidade das relações objetais e 2. funcionamento moral (Kernberg e Caligor, 2005).

No grupo de BOP, a avaliação dessas dimensões adicionais leva à identifica-ção de organização borderline de nível alto (i.e., mais saudável, com menos patolo-

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gia de relações objetais e funcionamento moral mais intacto, e tendo um melhor prognóstico) e organização borderline de nível baixo (i.e., patologia da personalida-de mais grave, com relações objetais muito prejudicadas e patologia significativa do funcionamento moral, com um prognóstico mais insatisfatório) (ver Fig. 1.1; ver

Figura 1.1Relação entre nível de organização da personalidade e diagnósticos do Eixo II do DSM-IV-TR.A gravidade varia de mais leve, no topo da figura, a extremamente grave, na base. As setas verticais indicam variações de gravidade para cada transtorno da personalidade do DSM-IV-TR.

Psicose atípica

Gravidade extrema

Nível borderline baixo de organização da personali-dade

Nível borderline alto de organiza-ção da personali-dade

Gravi-dade leve

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Esquizoide

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Nível neurótico de organização da personali-dade

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também Tab. 1.1). Uma diferença essencial entre os grupos borderline de nível alto e baixo é o papel desempenhado pela agressividade no funcionamento psicológico e na patologia. A psicopatologia no grupo borderline de nível baixo é caracterizada pela expressão de formas de agressividade mal integradas, que podem ser dirigidas para o interior e/ou para o exterior; a agressividade é menos central na patologia borderline de nível alto. O grupo de BOP de nível alto inclui personalidades depen-dentes, histriônicas, esquivas mais perturbadas e a extremidade mais saudável do espectro narcisista. A srta. B é organizada em um nível borderline alto; ela se apre-senta com patologia de identidade, no contexto de alguma capacidade para rela-ções mutuamente dependentes e funcionamento moral predominantemente in-tacto. O sr. B é organizado em um nível borderline baixo; ele se apresenta com pa-tologia de identidade mais grave, no contexto de relacionamentos baseados em ex-ploração e déficits no funcionamento moral.

As diferenças entre NOP e BOP e entre nível alto e baixo de organização da personalidade borderline têm importantes implicações no prognóstico e no pla-nejamento do tratamento diferencial. Esses três grupos de pacientes (NOP, BOP de alto nível, BOP de baixo nível) têm necessidades clínicas diferentes, e os pacientes em cada grupo se beneficiam de tratamentos especificamente adaptados a sua psi-copatologia. Ao final deste capíulo, tratamos de algumas dessas questões, e elas são mais desenvolvidas em outros capítulos deste livro e em nossas sugestões de leitura.

A Tabela 1.1 resume a abordagem estrutural à classificação de patologia da personalidade. No restante deste capítulo, elaboramos o material resumido nessa tabela. Cobrimos os constructos de identidade, defesas, teste de realidade, quali-dade das relações objetais e funcionamento moral, enfocando suas diferentes manifestações entre os três níveis de organização da personalidade. Então, intro-duzimos considerações psicodinâmicas, e terminamos com comentários sobre as implicações no tratamento.

Identidade

O constructo de identidade abriga o modelo de transtornos da personalidade ba-seado na teoria das relações objetais. A identidade normal diferencia a personali-dade normal e os transtornos da personalidade de nível neurótico dos transtor-nos da personalidade organizados em um nível borderline (Tab. 1.1). Identidade é o correlato estrutural tanto do sentido subjetivo de self como da experiência de pessoas significativas, que nesse modelo são vistos como inextricavelmente liga-dos. (A relação íntima entre a experiência do self e a experiência dos outros foi examinada e apoiada de forma empírica em uma série de estudos conduzidos por Andersen [Andersen e Chen, 2002]). Conforme já foi mencionado, no mo-delo da teoria das relações objetais, as relações objetais internas são conceituali-

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zadas como os blocos construtores de estruturas de ordem superior. Kernberg (Kernberg e Caligor, 2005) sugere que, na formação da identidade normal, as re-lações objetais internas associadas à experiência do self e dos outros sejam orga-nizadas umas em relação às outras de uma forma estável, mas flexível. Essa orga-nização corresponde a um sentido integrado de self, que é manifestado subjetiva-mente em experiência tanto do self quanto das pessoas significativas que são complexas, bem diferenciadas, caracterizadas por sutileza e profundidade, contí-nuas ao longo do tempo e das situações, flexíveis e realistas. Além disso, a identi-dade normal está associada à capacidade de avaliar corretamente a experiência interna dos outros; de investir, ao longo do tempo, em interesses profissionais, intelectuais e recreativos; e de “conhecer a própria mente” em relação aos pró-prios valores, opiniões, gostos e crenças.

Kernberg compara a formação de identidade normal à formação de identi-dade patológica; acompanhando o pensamento de Erikson (1956), ele refere-se à última como a síndrome de difusão de identidade. Na difusão de identidade, as relações objetais internas que compõem o sentido de self são polarizadas, ou seja, “todas boas” ou “todas más”, associadas a estados afetivos fortemente positivos ou fortemente negativos, e extremas. Essas relações objetais internas, com alta carga de afeto, são organizadas de forma pobre e instável umas em relação às ou-tras. Em um nível descritivo, o resultado dessa organização estrutural é a ausên-cia de um sentido do self ou das pessoas significativas abrangente e coerente. Em vez disso, a experiência subjetiva tanto do self como dos outros é fragmentada, sem continuidade, extrema e instável.3 Por exemplo, a visão da srta. B de si mes-ma e seu estado de humor mudavam de forma drástica dependendo de haver ou não um homem em sua vida; um novo interesse romântico a levantava da disfo-ria e autoaversão e a fazia se sentir “como uma nova pessoa”. Com sua esposa, o sr. B era arredio e passivo, mas, quando estava socializando em sua academia, se comportava bem diferente – era desinibido, afável e divertido. No contexto de patologia da personalidade, a experiência subjetiva do indivíduo em relação aos outros tende a ser pobremente diferenciada (carente de sutileza e profundidade), afetivamente polarizada (“preto e branco”), extrema e/ou superficial. O sr. B des-creveu sua esposa como “chata”, “deselegante”, “ranzinza” e “nada divertida”. Sua imagem dela era vaga e unidimensional, mais uma caricatura do que uma visão complexa e realista de outra pessoa. Quando solicitado, ele não pôde pensar em nada positivo para dizer sobre ela, embora reconhecesse que ela “ganhava muito dinheiro”.

3 Encaminhamos o leitor a Westen e Cohen (1993) para apoio empírico em relação à qualidade transitória, dividida, pobremente integrada e “preto e branco” da representação do self na patologia da personalidade grave descrita por Kernberg.

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Os indivíduos com patologia de identidade em geral não têm a capacidade de “ler” os outros com correção (Donegan et al., 2003; Wagner e Linehan, 1999) e podem ser incapazes de responder com habilidade a sinais sociais sutis. A iden-tidade pobremente consolidada está associada a sentimentos de vazio e disforia crônica, junto com a escassez de investimentos significativos em atividades pro-fissionais, intelectuais e recreativas. Gostos, opiniões e valores são inconsistentes, via de regra adotados de outros no ambiente, podendo mudar fácil e drastica-mente com mudanças no ambiente. Por exemplo, a srta. B mudou seu estilo de vestir, o gosto na música e os padrões de fala para se ajustar a seu último namo-rado. Embora mais evidente no transtorno da personalidade borderline do DSM--IV-TR, algum grau de patologia de identidade caracteriza todos os transtornos da personalidade graves (ver Tab. 1.1).

Existem diferentes graus de patologia de identidade e diferentes formas pe-las quais a patologia de identidade pode se manifestar. O transtorno da persona-lidade borderline é, em muitos aspectos, o protótipo dos transtornos da persona-lidade caracterizados por distúrbio de identidade; tanto o sentido de self como o sentido dos outros são polarizados, vagos, irrealistas e instáveis. A descontinuida-de temporal tende a ser uma manifestação subjetiva especialmente proeminente de patologia de identidade nesse grupo. Em contrapartida, no transtorno da per-sonalidade narcisista, um sentido de self mais estável, embora distorcido e muitas vezes frágil, coexiste com o que com frequência é uma experiência dos outros su-perficial, irreal ou caricata, mesmo em indivíduos com grande inteligência e ta-lento. Sentimentos de inautenticidade tendem a ser uma manifestação subjetiva altamente proeminente de patologia de identidade no grupo narcisista. Na per-sonalidade esquizoide, entretanto, vemos uma capacidade de avaliar os outros na ausência de qualquer sentido de self integrado ou estável, em conjunto com sen-timentos proeminentes de vazio. Nos transtornos da personalidade incluídos na variação de BOP de nível alto, o distúrbio de identidade pode ser bastante leve, caracterizado por um sentido de self menos instável do que aquele característico de indivíduos organizados em um nível borderline baixo, junto a uma capacidade mais bem desenvolvida de experimentar e manter realisticamente relacionamen-tos com pessoas significativas.

Ilustração clínica de patologia de identidade

A srta. B tinha trabalhado em uma série de empregos desde a formatura na facul-dade; nenhum tinha sido particularmente interessante para ela, e ela não conse-guia pensar em alguma coisa que quisesse fazer. Disse ao consultor, quando ele perguntou, que em geral os homens que ela namorava pareciam maravilhosos no princípio, mas logo se tornavam controladores e abusivos. Relatou ter muitos

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amigos, mas suas descrições das pessoas em sua vida eram vagas e gerais – por exemplo, caracterizando alguém como “legal” ou “bonito”, “divertido” ou “egoís-ta”. Quando o consultor pediu que descrevesse a si mesma, ela não teve muita coi-sa a dizer, porém comentou que se sentia vazia e sem objetivos.

Comentários. O senso pouco desenvolvido da srta. B a respeito de si mesma como pessoa, sua falta de investimento em seu trabalho e seus sentimentos de va-zio e de falta de objetivos, junto à natureza superficial, extrema, pobremente di-ferenciada e às vezes instável de sua experiência das pessoas em sua vida são em-blemáticos de patologia de identidade. Esses aspectos podem ser avaliados no contexto clínico pedindo ao paciente para se descrever como pessoa e para des-crever uma pessoa significativa. Indivíduos com patologia de identidade geral-mente acham difícil fornecer uma descrição de si mesmos complexa e realista, e costumam transmitir um quadro irreal ou caricato das pessoas significativas; as descrições de si mesmos e dos outros são com mais frequência alguma combina-ção de vagas e superficiais por um lado e extremas e contraditórias por outro. Em contrapartida, indivíduos com identidade normal, como a srta. N e o sr. N, são capazes de deixar o terapeuta com uma noção vívida e complexa de si mesmo e de suas pessoas significativas.

Operações defensivas

Defesas são as respostas psicológicas automáticas dos indivíduos a estressores ou a conflitos emocionais. Diferentes níveis de patologia da personalidade estão associa-dos a diferentes operações defensivas dominantes, e as defesas operam de forma di-versa em indivíduos com identidade consolidada daqueles cuja identidade não está consolidada. Na extremidade mais saudável do espectro, as defesas são flexíveis e adaptativas e envolvem pouca ou nenhuma distorção da realidade interna e exter-na. Na extremidade mais patológica do espectro, as defesas são altamente inflexí-veis e mal-adaptativas, envolvendo graus crescentes de distorção da realidade (Vaillant, 1993). Por meio do espectro de patologia da personalidade, as operações defensivas protegem o indivíduo de ansiedade e dor associadas à expressão de rela-ções objetais conflitantes, mas ao mesmo tempo introduzem rigidez mal-adaptati-va e patologia estrutural subjacente no funcionamento da personalidade.

Kernberg (1976) apresenta uma abordagem à classificação das defesas que as divide em três grupos:

1. defesas maduras, 2. defesas baseadas em repressão ou “neuróticas”, e 3. defesas baseadas em cisão ou de nível mais baixo (também referidas

como “primitivas”).

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Essa classificação é em muitos aspectos consistente com o consenso atual da comunidade de pesquisa (Perry e Bond, 2005), embora dando maior ênfase aos mecanismos psicológicos subjacentes às operações defensivas.

Defesas maduras4 são o estilo defensivo predominante na personalidade normal e estão associadas a um funcionamento flexível e adaptativo. As defesas maduras não barram da consciência qualquer aspecto de um conflito, nem man-têm uma distância entre os aspectos da vida emocional que estão em conflito. Antes, essas defesas permitem que todos os aspectos de uma situação provocado-ra de ansiedade entrem na consciência subjetiva, com pouca ou nenhuma distor-ção, mas de um modo que minimiza o sofrimento psicológico enquanto otimiza o enfrentamento (Vaillant, 1993).

As defesas baseadas em repressão, ou neuróticas,5 evitam o sofrimento pela repressão, ou pelo banimento da consciência, de aspectos da experiência psicoló-gica do indivíduo que são conflituosos ou uma fonte potencial de desconforto emocional. Indivíduos organizados em um nível neurótico apoiam-se sobretudo em uma combinação de defesas baseadas em repressão e defesas maduras (Kern-berg e Caligor, 2005). Embora haja uma variedade de defesas neuróticas que ope-ram de diferentes maneiras, todas elas envolvem repressão; no contexto de um sentido de self relativamente bem integrado, as defesas baseadas em repressão as-seguram que aspectos conflitantes da experiência sejam separados do sentido de self dominante e permaneçam de modo mais ou menos permanente fora da per-cepção consciente. Esse processo protege contra a consciência de experiências conflitantes do self e dos outros, mas ao mesmo tempo introduz rigidez no fun-cionamento da personalidade (p. ex., “Eu nunca fico com raiva”). Portanto, a srta. N não tem consciência de ter motivações competitivas ou agressivas, que são conflitantes, mas a rigidez introduzida por suas defesas repressivas a obriga a fu-gir de confrontação e a faz ter dificuldade em se afirmar de maneira adequada. As defesas baseadas em repressão alteram a realidade interna do indivíduo, mas em geral o fazem sem distorcer de forma grosseira o senso da realidade externa do indivíduo. Embora resultem em rigidez da personalidade, influenciem processos cognitivos e levem a distorções sutis da experiência, e possam causar desconforto ou sofrimento, essas defesas não costumam levar a comportamentos grosseira-mente anormais ou diruptivos.

4 Defesas maduras incluem antecipação, supressão, altruísmo, humor e sublimação.5 Defesas baseadas em repressão, ou neuróticas, incluem repressão, formação reativa, projeção neu-rótica, deslocamento, isolamento de afeto e intelectualização.

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Enquanto as defesas neuróticas fazem uso de repressão, as de nível mais baixo, ou baseadas em cisão,6 fazem uso de dissociação,7 ou cisão, para evitar conflito psicológico e sofrimento emocional. Quando usamos os termos dissocia-ção e cisão, nos referimos a um processo psicológico no qual dois aspectos da ex-periência que estão em conflito têm permissão para emergir totalmente na cons-ciência, mas não ao mesmo tempo que, ou conjuntamente, a mesma relação ob-jetal (Kernberg, 1976). Assim, as defesas baseadas em cisão, em comparação às baseadas em repressão, não expulsam os conteúdos mentais da consciência per se, mas compartimentalizam ou mantêm a distância os aspectos conscientes da ex-periência que estão em conflito ou cuja aproximação geraria desconforto psico-lógico.

Kernberg (1984) sugere que as defesas baseadas em cisão estão intimamen-te ligadas à patologia de identidade e que a cisão é a defesa prototípica observada em pacientes com transtornos da personalidade graves. Em pacientes organiza-dos em um nível borderline, a cisão em geral envolve separação de setores da ex-periência associados a afetos positivos junto a representações idealizadas do self e dos outros, por um lado, de setores associados com afetos negativos e relações objetais desvalorizadas ou paranoides (também referidas como persecutórias), por outro. No contexto da patologia de identidade, as defesas baseadas em cisão são responsáveis por experiências dos outros que são polarizadas (“preto ou branco”), experimentadas como “todas boas” (i.e., idealizadas) ou “todas más” (i.e., paranoides ou desvalorizadas) – amorosas, gratificantes e seguras, por um lado, ou frustrantes, assustadoras ou sem valor, por outro. Essas experiências po-larizadas do self e dos outros são tão superficiais quanto irreais – por exemplo, um cuidador perfeitamente gratificante ou um cuidador insuportavelmente frus-trante, um protetor perfeito ou um objeto que ameaça destruir o self, um self oni-potente ou um self débil destituído de qualquer poder. Visto que no contexto de patologia de identidade essas relações objetais não podem ser contextualizadas em relação a uma visão integrada de pessoas significativas ou do self, essas ima-gens extremas do self e dos outros são com frequência experimentadas concreta-mente, como se “o modo como eu experimento isso agora é tudo que existe, e

6 Defesas baseadas em cisão, ou de nível mais baixo, incluem cisão, idealização primitiva, desvalori-zação, identificação projetiva, controle onipotente e negação primitiva. (Essas defesas são às vezes referidas como defesas primitivas na literatura psicodinâmica.)7 Diferenciamos dissociação como uma operação defensiva de estados dissociativos. Estados dissocia-tivos envolvem a operação defensiva de dissociação, mas também envolvem um estado de consciência alterado; dissociação como operação defensiva não envolve um estado de consciência alterado.

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não há espaço para cogitar perspectivas alternativas; não é que você esteja me frustrando agora, mas sim que você é uma pessoa frustrante”.

As defesas baseadas em cisão no contexto de patologia da personalidade são em geral instáveis e podem levar a mudanças abruptas e bastante caóticas entre experiências idealizadas e persecutórias do self e dos outros (Kernberg, 1984). Em indivíduos organizados em uma BOP, essas defesas causam rigidez de personali-dade grave e são responsáveis por flagrante distorção da realidade interpessoal. Nesse contexto, essas defesas costumam ter manifestações comportamentais e frequentemente resultam em comportamentos diruptivos.

Os indivíduos que se enquadram na variação borderline alta apoiam-se em uma combinação de defesas baseadas em repressão e cisão. Essa organização de-fensiva é via de regra caracterizada por funcionamento estável em muitas esferas e experiência relativamente bem integrada na maior parte do tempo. Entretanto, no contexto de estresse ou em áreas de conflito psicológico, o indivíduo está su-jeito à intromissão abrupta na consciência de relações objetais internas “cindi-das” mais carregadas de afeto à medida que elas rompem as defesas repressivas.

Os indivíduos organizados em uma NOP também fazem uso de cisão e dis-sociação. Contudo, em comparação à situação nos transtornos da personalidade graves, estamos vendo agora o impacto da cisão e da dissociação sobre a experi-ência psicológica de um indivíduo que tem uma identidade consolidada e um sentido de self relativamente bem integrado. Nesse contexto, a cisão e a dissocia-ção são menos extremas e mais estáveis do que na patologia de personalidade mais grave e não levam às experiências altamente polarizadas, inconstantes e afe-tivamente carregadas da realidade interna e externa características dos transtor-nos graves da personalidade. Portanto, em indivíduos organizados em um nível neurótico, a cisão e a dissociação não estão em geral associadas aos estados men-tais “primitivos”, mas aos aspectos de segregação da experiência psicológica que estão em conflito e à dissociação mais ou menos sutil de motivações conflitantes da experiência do self dominante (Caligor et al., 2007).

Por exemplo, uma mulher jovem com conflitos relacionados à sexualidade era muito inibida emocional e sexualmente com os homens com quem se envol-via emocionalmente. Algumas vezes tinha casos breves com homens por quem não sentia atração; nesse contexto, ela era tanto uma amante apaixonada quanto uma aventureira sexual. Aqui, embora as motivações sejam experimentadas e en-cenadas conscientemente, elas permanecem ao mesmo tempo separadas de ou-tras motivações e aspectos da experiência do self com os quais estão em conflito. Como nos transtornos da personalidade graves, cisão e dissociação são apoiadas por negação; o indivíduo organizado em um nível neurótico nega a importância dos aspectos dissociados da experiência consciente que são incompatíveis com seu sentido de self dominante. Portanto, a mulher jovem em nosso exemplo via-

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-se como inibida e não especialmente interessada em sexo, negando a importân-cia de suas aventuras sexuais: “Elas de fato não significam nada”.

Ilustração clínica de defesas baseadas em cisão na patologia de personalidade grave

O sr. B foi encaminhado para terapia dinâmica. Passou o primeiro mês do trata-mento aparentemente trabalhando muito feliz com sua terapeuta enquanto lhe dizia repetidas vezes o quanto ela era brilhante e como fora a única a “resolver” seus problemas. Nesse contexto, o humor do sr. B melhorou e ele se sentiu menos ansioso. Cerca de quatro semanas após o início do tratamento, a terapeuta teve que cuidar de uma emergência e, como resultado, começou a sessão do sr. B cin-co minutos atrasada. Assim que entrou no consultório da terapeuta, ele começou a atacá-la de forma rancorosa: a terapeuta era sem coração e incompetente, e ele tinha sido um bobo de estar em tratamento com alguém que evidentemente não se importava nem um pouco com seu bem-estar e apenas o estava usando para ganhar dinheiro. A terapeuta tratou de conter sua raiva e seu impulso de se de-fender. Em vez disso, escutou o paciente, verbalizou seu entendimento da experi-ência dele e então comentou que estava impressionada pela contradição entre a experiência atual do sr. B em relação a ela, por um lado, e, por outro, a atitude po-sitiva que tinha caracterizado suas interações até aquele momento e a certeza que tinha expressado em sessões anteriores de que ela se preocupava com ele e o es-tava ajudando. O sr. B respondeu que lembrava daquelas sessões, mas elas eram irrelevantes no momento; ele agora a via como ela realmente era, e que isso era a única coisa que importava.

Comentários. As visões instáveis, amplamente polarizadas, superficiais e irrealis-tas do sr. B de sua terapeuta são manifestações típicas de cisão, na qual visões ide-alizadas, “todas boas”, de pessoas significativas por algum tempo afastam a cons-ciência das relações objetais “todas más”, paranoides e odiosas. A princípio, o sr. B estabelece um relacionamento idealizado com sua terapeuta. Quando ela o dei-xa esperando, vemos sua visão dela, e de si mesmo em relação a ela, sofrer uma mudança drástica, e relações objetais paranoides, altamente carregadas de nega-tividade inundam a experiência do sr. B. Note que tanto a imagem idealizada quanto a paranoide da terapeuta são experimentadas de modo consciente, em-bora em momentos diferentes. Esta vinheta também ilustra como a cisão é apoia-da por negação; quando a terapeuta chama a atenção do paciente para a mudan-ça rápida em sua visão dela, ele nega o significado emocional de sua visão ante-rior, idealizada, do relacionamento deles. Isso permite que o sr. B continue a se-parar os aspectos idealizados e paranoides de sua experiência.

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Teste de realidade

A perda sistemática do teste de realidade perceptual não é um aspecto dos trans-tornos da personalidade. Entretanto, a perda transitória desse teste pode ser vista em alguns dos transtornos da personalidade mais graves, sobretudo em contex-tos altamente estressantes ou carregados de afetividade ou na situação de abuso de álcool ou substância. Quando um paciente se apresenta com perda ostensiva do teste de realidade, a avaliação e o tratamento da psicose torna-se a mais alta prioridade, e a questão da patologia de personalidade é adiada até que os sinto-mas psicóticos se resolvam.

Se mudarmos do teste de realidade adequado para o que nos referimos como teste de realidade social, vemos que indivíduos organizados em uma BOP frequen-temente se apresentam com déficits nessa área. O teste de realidade social é respon-sável pela capacidade de ler sinais sociais, entender convenções sociais e responder com diplomacia em situações interpessoais, todos os quais são característicos da personalidade normal e também são observados na NOP. Déficits no teste de rea-lidade social podem levar os indivíduos que são organizados em um nível borderli-ne a se comportarem de forma inadequada em ambientes sociais, em geral sem te-rem consciência disso, e a interpretação errônea de sinais sociais pode levar a sen-timentos transitórios de paranoia ou a medos de ser abandonado.

Exemplos clínicos de déficits no teste de realidade social

Em contextos sociais, o sr. B costumava entrar em discussões políticas acaloradas, du-rante as quais seu comportamento era inadequadamente agressivo para a situa ção. A srta. B estava rotineiramente atrasada para o trabalho, e com frequência chegava ves-tida de maneira inadequada, de um modo ou muito casual ou muito revelador.

Comentários. O sr. B não tinha consciência da inadequação de seu comporta-mento e do desconforto que provocava nos outros, ambos manifestações co-muns de déficits no teste de realidade social. A srta. B demonstrava uma falta de avaliação de convenções sociais; ela não entendia a importância de chegar ao tra-balho na hora (ela achava que isso “realmente não importava”) e não tinha uma apreciação do que seria ou não uma vestimenta de trabalho apropriada.

Qualidade das relações objetais

A qualidade das relações objetais refere-se ao entendimento do indivíduo da natu-reza dos relacionamentos e a sua capacidade de estabelecer e manter ligações

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mútuas e íntimas. Na personalidade normal, vemos a capacidade de avaliar e de se preocupar com as necessidades dos outros, independente das próprias neces-sidades, e a capacidade de manter relacionamentos mutuamente dependentes baseados em um entendimento do dar e receber. A NOP também está associada à capacidade para dependência e preocupação mútua mas muitas vezes com um fracasso em realizar total integração das relações íntimas e mutuamente depen-dentes com sexualidade. Portanto, a srta. N tem relacionamentos profundos e maduros com seus amigos, mas é incapaz de manter um relacionamento desse tipo no contexto de intimidade sexual.

Em contrapartida, a BOP é caracterizada por patologia das relações obje-tais. Na BOP de nível baixo, a patologia das relações objetais é grave, e vemos a predominância de um entendimento das relações interpessoais em termos de sa-tisfação de necessidades. Com isso queremos dizer que se presume que todas as relações sejam organizadas em uma base quid pro quo – ou seja, “Se eu faço algu-ma coisa para você, espero receber alguma coisa em troca”, e um determinado re-lacionamento é valorizado precisamente na medida em que ele satisfaz as neces-sidades do indivíduo. A patologia da qualidade das relações objetais é mais extre-ma na personalidade antissocial, para a qual todas as interações humanas são ba-seadas no uso e na exploração dos outros. Indivíduos organizados em um nível alto de organização da personalidade borderline são diferenciados do grupo bor-derline baixo em virtude de sua demonstração de pelo menos alguma capacidade para dependência mútua e para manter relacionamentos que transcendem a uma orientação de conveniência e interesse próprio. A patologia das relações ob-jetais, que é grave em relação ao nível global de funcionamento, é característica da patologia narcisista.

Exemplo clínico de patologia das relações objetais

O sr. B explicou ao consultor que, embora não tivesse mais qualquer sentimento positivo ou sexual por sua esposa, permanecia a seu lado porque ela tinha os meios para sustentá-lo financeiramente; ele evitava amizades íntimas porque não queria que alguém achasse que ele lhe “devia” alguma coisa.

Comentários. O relacionamento do sr. B com sua esposa é claramente de explo-ração. Suas preocupações com os perigos das amizades ilustram uma visão quid pro quo dos relacionamentos; não há um senso confortável de dar e receber, mas apenas de dar a fim de receber de volta. Em contrapartida, embora não fosse uma pessoa social, o sr. N era muito ligado a sua esposa e seus filhos e fazia o possível para garantir que eles fossem bem cuidados.

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Valores morais

A personalidade normal está associada a um compromisso com valores e ideais e com um “limite moral” que é consistente, flexível e totalmente integrado ao sen-tido do self. Na NOP também vemos o compromisso com valores e ideais e a au-sência de comportamento antissocial, refletindo um senso de valores e ideais to-talmente integrado e internalizado. Entretanto, rigidez moral, uma tendência a manter o self em padrões irracionalmente altos – ser autocrítico em excesso ou angustiar-se em relação à tentação de se desviar – é um aspecto comum dos transtornos da personalidade organizados em um nível neurótico. Em contra-partida, a BOP é caracterizada por um grau variável de patologia no funciona-mento moral. Em uma extremidade do espectro, encontramos um nível de fun-cionamento moral bastante desenvolvido, mas rígido e excessivamente severo, caracterizado por ansiedade grave e sofrimento subjetivo, na forma ou de auto-crítica ou de crítica antecipada dos outros, em relação a não aderir a padrões in-ternos. Na outra extremidade do espectro, vemos a ausência de qualquer limite moral e uma falta de capacidade de sentir culpa, característicos de pacientes or-ganizados em um nível borderline baixo e em particular daqueles com transtorno da personalidade antissocial ou patologia narcisista grave.

Exemplo clínico de patologia no funcionamento moral

O sr. B orgulhava-se de ter padrões éticos extremamente altos e desdenhava aque-les que “quebravam as regras”. Ao mesmo tempo, costumava mentir para sua es-posa e para sua terapeuta sobre usar prostitutas. Ele não sentia desconforto em relação a lhes mentir, nunca reconsiderando seu comportamento. Quando a te-rapeuta chamou-lhe a atenção para sua mentira, ele negou a importância de seu comportamento e racionalizou que fazia isso para “facilitar as coisas”.

Comentários. É comum indivíduos organizados em um nível borderline de-monstrarem padrões morais muito rigorosos que podem coexistir de modo con-fortável com “lacunas” flagrantes no funcionamento moral. Cisão e negação são subjacentes à capacidade de manter atitudes abertamente contraditórias em rela-ção ao funcionamento moral.

Os aspectos dinâmicos dos transtornos da personalidade e o grau de integração de sistemas motivacionais

No modelo das relações objetais, os conflitos psicológicos são vistos como orga-nizados em torno de “motivações conflitantes” – ou seja, motivações cuja expres-

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são direta seria ameaçadora ou dolorosa para o indivíduo. Kernberg (Kernberg e Caligor, 2005) sugere que uma distinção importante entre os níveis neurótico e borderline de organização da personalidade seja o grau de integração e acessibili-dade à consciência das motivações conflitantes, e ele está focalizado sobretudo no papel das motivações agressivas no funcionamento psicológico nos transtor-nos da personalidade. Quando são bem integradas, as motivações estão associa-das a afetos relativamente complexos e bem-modulados, conferindo sutileza e profundidade à experiência afetiva. Em contrapartida, motivações mal integra-das estão associadas a afetos intensos, extremos, superficiais e pobremente mo-dulados.

Na personalidade normal e na NOP, os sistemas motivacionais que colorem a experiência consciente tendem a ser bem integrados; as motivações conflitantes menos integradas são na maior parte reprimidas. Na BOP de nível baixo, em comparação, o funcionamento psicológico é dominado pelo impacto de sistemas motivacionais pobremente integrados, agressivos e destrutivos. Além disso, a predominância de defesas baseadas em cisão significa que relações objetais mui-to carregadas associadas a agressividade mal integrada não são reprimidas, mas são totalmente acessíveis à consciência; quando a cisão e a idealização fracassam, relações objetais internas coloridas com agressividade inundam a experiência subjetiva com estados afetivos esmagadoramente negativos. Por exemplo, consi-dere a qualidade do ódio e da paranoia que o sr. B experimentou em relação a sua terapeuta quando não foi mais capaz de idealizá-la. Compare isso à qualidade da hostilidade que esperaríamos do sr. N se ficasse irritado. Na BOP de nível alto, a qualidade da agressividade é intermediária entre aquela observada na NOP e a encontrada na BOP de nível baixo. A combinação de defesas repressivas e defesas baseadas em cisão característica da BOP de nível alto significa que, na maior par-te do tempo, as motivações agressivas mais altamente carregadas, menos bem in-tegradas e as relações objetais associadas são reprimidas. Entretanto, em áreas de conflito ou em momentos de estresse, relações objetais internas paranoides, inte-gradas de forma mais frágil, podem emergir de repente na consciência.

Na NOP, os conflitos psicológicos em geral envolvem a expressão de mo-tivações sexuais, dependentes, competitivamente agressivas e sádicas. Por exem-plo, se colocássemos os conflitos da srta. N em relação à expressão de agressi-vidade em palavras, eles poderiam soar da seguinte maneira: “Se eu expressasse sentimentos hostis e competitivos em relação a pessoas com as quais me im-porto, isso faria de mim uma pessoa má ou detestável. Ante esse conflito, eu au-tomaticamente me defendo contra o reconhecimento de sentimentos hostis re-primindo ou projetando-os. Como resultado, eu não tenho consciência de mim mesma como hostil ou competitiva”. Subjetivamente, vemos um sentido de self dominante que é bastante complexo e realista, mas que foi despojado de agressi-vidade.

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Na BOP, os conflitos costumam ser organizados de modo um pouco dife-rente. Como já foi descrito, Kernberg (1984) sugere que o aspecto dinâmico cen-tral da BOP de nível baixo seja a predominância de agressividade mal integrada no contexto de defesas baseadas em cisão. A ansiedade dominante associada à BOP desse nível é de que formas mal integradas de agressividade, em associação a estados afetivos negativos poderosos e relações objetais paranoides, soterrem setores positivos da experiência. Nesse contexto, para proteger as relações obje-tais positivas, sentimentos positivos e negativos em relação à mesma pessoa de-vem ser mantidos separados. Isso é realizado por meio de defesas baseadas em ci-são, que isolam relações objetais idealizadas de relações objetais negativas, infil-tradas de agressividade. Como resultado desse processo, relações objetais positi-vamente coloridas são protegidas, mas à custa de interferência nos processos de integração psicológica que levariam, a longo prazo, a um abrandamento da agressividade pela experiência simultânea de relações objetais e estados afetivos positivos e à consolidação da identidade. Nesse contexto, a tendência a projetar relações objetais “todas más” com frequência leva a intensa paranoia, a ansiedade e medo esmagadores e a uma incapacidade de assumir a responsabilidade pelos próprios estados afetivos e pelas próprias ações, que em geral parecem justifica-das com base na provocação percebida (frequentemente percebida de forma er-rônea).8 Por exemplo, quando a terapeuta do sr. B o frustrou chegando atrasada, ele sentiu-se totalmente justificado a atacá-la e desvalorizá-la.

Nos aspectos em que as preocupações paranoides são proeminentes na BOP de nível baixo, em indivíduos organizados em uma BOP de nível alto, as an-siedades em geral têm mais a ver com medos de proximidade e dependência, e as preocupações paranoides são secundárias. Aqui, no contexto de uma combina-ção de defesas baseadas em repressão e cisão, é comum vermos a condensação de conflitos em relação a dependência, sexualidade e manutenção da autoestima junto a conflitos relacionados à agressividade. Em áreas de funcionamento me-nos conflitantes, as defesas repressivas de modo geral são capazes de lidar com a ansiedade e de proteger o indivíduo do surgimento na consciência de estados motivacionais pobremente integrados. Entretanto, em situações que ativam con-flitos centrais ou estimulam ansiedade significativa (com frequência, dependendo do indivíduo, essas situações envolvem relações dependentes, intimidade sexual, lutas competitivas em relação a autoridade e poder e/ou ameaças extremas à au-toestima), as defesas repressivas podem falhar, às vezes levando a episódios de raiva, ódio e paranoia intensos que parecem descontínuos com o nível global de

8 Há apoio empírico para a predominância de representações malevolentes dos relacionamentos em indivíduos com transtorno da personalidade borderline (ver Bell et al., 1998; Nigg et al., 1992; Westen et al., 1990).

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funcionamento psicológico do indivíduo. Por exemplo, a srta. B frequentemente era capaz de manter relações estáveis e mútuas com seus amigos; com seus na-morados, também se dava bem por algum tempo. Mas, à medida que se tornava mais dependente, ela também se tornava mais frágil e volátil; se sentisse que seu namorado não estava cuidando dela como gostaria, ela podia se virar contra ele com ódio em um instante. Nesse contexto, a ativação de conflitos centrais em torno de dependência esmagavam as defesas repressivas de outro modo estáveis.

IMPLICAÇÕES PARA O TRATAMENTO

A avaliação do nível de organização da personalidade orientará o planejamen-to do tratamento diferencial e permitirá a antecipação de problemas que pos-sam surgir no tratamento, junto à natureza das reações de transferência e con-tratransferência com probabilidade de emergir. A patologia da personalidade na variação de NOP tem um prognóstico excelente, e os transtornos da perso-nalidade de nível neurótico geralmente apresentam melhoras nas psicoterapias psicodinâmicas convencionais. No contexto clínico, pacientes com identidade consolidada costumam demonstrar a capacidade de se comprometer com e in-vestir em um tratamento de longo prazo; uma capacidade razoavelmente bem--desenvolvida para auto-observação e autorreflexão; uma capacidade de esta-belecer e manter um relacionamento terapêutico com relativa facilidade; uma avaliação da natureza simbólica do pensamento; e controle dos impulsos ade-quado (Caligor et al., 2007). Na psicoterapia, as transferências em geral se de-senvolvem de forma lenta e evoluem gradualmente no decorrer do tratamento, e são realistas, bastante sutis e estão associadas com estados afetivos bem-mo-dulados; o indivíduo organizado em um nível neurótico via de regra é capaz de manter uma visão de seu/sua terapeuta que permanece fundamentada nos as-pectos realistas do relacionamento terapeuta-paciente apesar das distorções transferenciais que possam surgir. Os profissionais geralmente consideram gratificante o trabalho com os indivíduos que se enquadram no grupo de NOP e bastante fácil entender e empatizar com eles. As reações de contratransferên-cia tendem a ser leves, crônicas e específicas aos conflitos do terapeuta e do pa-ciente. (Ver McWilliams, 1994, em nossas leituras recomendadas, para uma descrição de paradigmas de transferência e contratransferência dos diferentes transtornos da personalidade.)

Em contrapartida, a patologia da personalidade na variação de BOP tem um prognóstico mais variável. Pacientes organizados em um nível borderline em geral não se adaptam a terapias dinâmicas não modificadas; eles se saem melhor em tratamentos psicodinâmicos modificados que fornecem estrutura, limites, atenção ao papel da cisão nas dificuldades do paciente e manejo cuidadoso do re-

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lacionamento do paciente com o terapeuta. No contexto clínico, a patologia borderline de nível baixo está associada a uma alta taxa de abandono do tra-tamento; uma capacidade prejudicada para autorreflexão; dificuldade em man-ter uma aliança terapêutica; uma tendência a pensamento concreto com a pos-sibilidade de comprometimento transitório do teste de realidade; e uma ten-dência a atuação (acting out) destrutiva e autodestrutiva (Clarkin et al., 2006). As reações de transferência e contratransferência que caracterizam o tratamento de pacientes organizados em um nível de BOP baixo refletem o impacto de defesas baseadas em cisão, e em particular da identificação projetiva, na situação clínica. As transferências desenvolvem-se de forma rápida e com frequência caótica, e são altamente carregadas de afeto, extremas, polarizadas, irrealistas, instáveis e muitas vezes paranoides; a qualidade concreta dessas transferências compro-mete com facilidade a capacidade dos pacientes de manter um senso realista do re lacionamento médico-paciente (Caligor et al., 2009). As reações de contra-transferência também tendem a ser muito carregadas de afeto, bem como con-fusas, desconfortáveis e difíceis de conter, associadas a pressões poderosas so-bre o terapeuta para se voltar para ação. Os médicos costumam considerar os indivíduos organizados em um nível de BOP baixo pacientes desafiadores e emocionalmente desgastantes, e manter a empatia com pacientes nesse grupo pode ser difícil.

Em comparação ao grupo de BOP de nível baixo, pacientes organizados em um nível borderline alto têm um prognóstico bastante favorável em terapias psi-codinâmicas modificadas. Esses pacientes podem se apresentar com queixas que lembram superficialmente aquelas de pacientes organizados em uma NOP. En-tretanto, à medida que o tratamento progride, com frequência vemos o surgi-mento de versões mais leves dos tipos de problemas que caracterizam os trata-mentos de indivíduos com patologia de identidade mais grave; sobretudo em tempos de alta ativação de afeto, é comum vermos uma tendência a pensamento concreto e comprometimento da capacidade do paciente para autorreflexão, de modo especial em relação a interações emocionalmente carregadas com o tera-peuta. A antecipação dessas dificuldades, em conjunto com a atenção a defesas baseadas em cisão, pode prevenir uma crise inesperada no tratamento. As reações de contratransferência tendem a ser menos esmagadoras e confusas do que aque-las experimentadas com pacientes no grupo de BOP de nível baixo, mas são mais carregadas de afeto e com maior probabilidade de levar à ação do que as contra-transferências encontradas de hábito nos tratamentos de pacientes na variação neurótica.

O modelo de transtornos da personalidade baseado na teoria das relações objetais não apenas orienta o planejamento do tratamento, mas também leva na-turalmente a abordagens específicas ao tratamento. Nosso grupo desenvolveu psicoterapias psicodinâmicas para transtornos da personalidade de longo prazo,

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duas vezes por semana, sobre essa base. A psicoterapia focada na transferência (PFT), descrita neste livro (ver Cap. 7), é organizada em torno das necessidades clínicas dos pacientes com uma BOP. Também é descrita neste livro uma versão modificada da PFT para tratamento de indivíduos com patologia narcisista (Cap. 9). A psicoterapia dinâmica para patologia de personalidade de nível mais alto (Caligor et al., 2007) visa às dificuldades características de indivíduos organiza-dos em um nível neurótico, junto àqueles na interface entre os níveis de organi-zação neurótico e BOP alta, enquanto faz uso dos recursos psicológicos associa-dos à patologia da personalidade de nível mais alto.

Para pacientes organizados em um nível borderline, que apresentam patolo-gia de identidade clinicamente significativa, o tratamento é organizado em torno da promoção da integração de relações objetais internas dissociadas, idealizadas e paranoides, com o objetivo de estabelecer uma experiência do self e dos outros mais coerente, estável, mais bem diferenciada e complexa (Kernberg e Caligor, 2005). Para aqueles organizados em um nível neurótico, que apresentam rigidez de personalidade no contexto de formação normal da identidade, o tratamento é organizado em torno da promoção da integração de relações objetais internas re-primidas ou dissociadas em um sentido de self já consolidado, estável e relativa-mente complexo, com o objetivo de reduzir a rigidez da personalidade (Caligor et al., 2007). Ao longo de todos os níveis de gravidade da patologia da personali-dade, a psicoterapia é organizada em torno da exploração das relações objetais internas do paciente à medida que elas são representadas nos relacionamentos interpessoais atuais, incluindo o relacionamento com o terapeuta. A indagação terapêutica focaliza-se no aqui e agora, com atenção especial à situação de vida atual do paciente e à sua experiência imediata e afetivamente dominante na hora de tratamento.

CONCEITOS CLÍNICOS ESSENCIAIS

• Ateoriadasrelaçõesobjetaisoriginou-sedaobservaçãoepráticaclíni-cas e levou ao desenvolvimento de tratamentos psicodinâmicos para transtornos da personalidade.

• Omodelodetranstornosdapersonalidadebaseadonateoriadasrela-ções objetais atenta para os aspectos descritivos, estruturais e dinâmicos dos transtornos da personalidade.

• Aavaliaçãoestruturalfocaliza-senaidentidade,nasdefesas,notestederealidade, nas relações objetais e no funcionamento moral.

• Aavaliaçãodosaspectosdescritivoseestruturaisdostranstornosdaper-sonalidade permite a caracterização da gravidade da patologia da perso-nalidade e orienta o planejamento do tratamento.

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• Omodelodetranstornosdapersonalidadebaseadonateoriadasrela-ções objetais é compatível com muitos desenvolvimentos recentes na pes-quisa do transtorno da personalidade.

LEITURAS SUGERIDAS

Akhtar S: Broken Structures: Severe Personality Disorders and Their Treatment. Northvale, NJ, Jason Aronson, 1992

Caligor E, Kernberg OF, Clarkin JF: Handbook of Dynamic Psychotherapy for Higher Level Personality Pathology. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2007

Clarkin JF, Yeomans FE, Kernberg OF: Psychotherapy for Borderline Personality: Focusing on Object Relations. Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2006

McWilliams N: Psychoanalytic Diagnosis. New York, Guilford, 1994

PDM Task Force: Psychodynamic Diagnostic Manual: Personality Patterns and Disorders. Silver Spring, MD, Alliance of Psychoanalytic Organizations, 2006

The Structured Interview for Personality Organization (STIPO). A STIPO é uma entre-vista semiestruturada baseada na entrevista estrutural clínica descrita neste capítulo; está disponível na Internet em http://www.borderlinedisorders.com.

Symphoratapes: Máster Clinicians at Work. Uma apresentação em vídeo do Dr. Otto Kernberg conduzindo uma entrevista diagnóstica com enfoque nos aspectos estruturais da personalidade pode ser vista em um DVD que é parte da série produzida pelos Drs. Henk-Jan Dalewijk e Bert van Luyn. Esses DVDs também incluem entrevistas com o mesmo paciente realizadas por Marsha Linehan, Michael Stone, Larry Rockland, Solomon Aktar e Lorna Benjamin. O material serve como um instrumento de ensino para demonstrar habilidades de entrevista clínica e ilustrar diferentes orientações teóricas para o entendi-mento dos transtornos da personalidade graves. Informações sobre a compra de DVDs podem ser obtidas em http://www.bpresourcecenter.org.

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Page 37: PATOLOGIA DA PERSONALIDADE: DEFININDO O FOCO DE … · va seu emprego triste e chato, embora não conseguisse pensar em nada mais que pudesse fazer. Ela vivia sozinha e não tinha

2APEGO E PATOLOGIA DA PERSONALIDADE

Peter Fonagy Patrick Luyten

Anthony Bateman György Gergely Lane Strathearn

Mary Target Elizabeth Allison

Neste capítulo discutiremos a relevância da teoria e da pesquisa sobre o apego para o entendimento e o tratamento de patologia da personalidade. Nosso foco serão os desenvolvimentos recentes que ressaltaram o papel vital desempe-nhado pelo entendimento dos pais sobre o mundo interno do bebê para permi-tir que ele adquira capacidades de regulação do afeto, controle da atenção e men-talização, e no desenvolvimento de um sentido de autoagência no bebê. Argu-mentaremos que o desenvolvimento dessas capacidades pode estar comprometi-do em crianças que não se beneficiaram da oportunidade de ter um cuidador sensível que pensasse nelas dessa forma e as entendesse. Esses indivíduos têm en-tão maior risco de desenvolver uma patologia da personalidade, de modo parti-cular se a negligência precoce for agravada por trauma.

Nosso modelo foi esboçado pela primeira vez no contexto de um grande es-tudo empírico no qual a segurança do apego do bebê com cada um dos genitores provou ser fortemente prognosticada não apenas pela segurança do apego dos pais durante a gravidez (Fonagy et al., 1991b), mas ainda mais pela capacidade deles de entenderem seu próprio relacionamento com os pais na infância em termos de es-tados da mente (Fonagy et al., 1991a). Propusemos que havia uma sinergia vital en-tre os processos de apego e o desenvolvimento da capacidade da criança de enten-der o comportamento interpessoal em termos de estados mentais (Fonagy e Target, 1997; Fonagy et al., 2002). Chamamos essa capacidade de mentalização,1 e tenta-mos descrever como nosso entendimento de nós mesmos e dos outros como agen-

1 Para fins de pesquisa operacionalizamos esse constructo como função reflexiva (Fonagy et al., 1997).

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