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6483 PATENTES FARMACÊUTICAS E ACESSO A MEDICAMENTOS PHARMACEUTICAL PATENTS AND ACCESS TO MEDICINES Roberto Chacon de Albuquerque RESUMO O artigo estabelece uma conexão entre patentes farmacêuticas e responsabilidade social de acordo com uma perspectiva internacional. A partir da análise da modificação sofrida pela Lei de Patentes indiana, vinculam-se patentes farmacêuticas e política de saúde. Livre comércio e patentes farmacêuticas também são encarados sistematicamente, à luz do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips). Defende-se uma flexibilização do direito das patentes em sede de patentes farmacêuticas. O papel da Organização das Nações Unidas (Onu), da União Européia (UE) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) em prol desta flexibilização é ressaltado. Sugere-se que mecanismos como licença compulsória, importações paralelas, open source e patent buy-outs sejam utilizados para promover o acesso a medicamentos. PALAVRAS-CHAVES: PATENTE; FARMACÊUTICA; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO; FLEXIBILIZAÇÃO. ABSTRACT The article sets up a connection between pharmaceutical patents and social responsibility according to an internacional perpective. Beginning with an analysis of the modification suffered by India's Patent Act, pharmaceutical patents and health policy are intertwined. Free trade and pharmaceutical patents are also systematically handled, in the light of the Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS Agreement). A flexibilization of patent law as regards pharmaceutical patents is recommended. The role of the United Nations Organization (UNO), European Union (EU) and World Trade Organization (WTO) in the benefit of this flexibilization is highlighted. Mechanisms such as compulsory licenses, parallel imports, open source and patent buy-outs are suggested as a means to promote access to medicines. KEYWORDS: PATENT; PHARMACEUTICAL; WORLD TRADE ORGANIZATION; FLEXIBILIZATION. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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PATENTES FARMACÊUTICAS E ACESSO A MEDICAMENTOS

PHARMACEUTICAL PATENTS AND ACCESS TO MEDICINES

Roberto Chacon de Albuquerque

RESUMO

O artigo estabelece uma conexão entre patentes farmacêuticas e responsabilidade social de acordo com uma perspectiva internacional. A partir da análise da modificação sofrida pela Lei de Patentes indiana, vinculam-se patentes farmacêuticas e política de saúde. Livre comércio e patentes farmacêuticas também são encarados sistematicamente, à luz do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips). Defende-se uma flexibilização do direito das patentes em sede de patentes farmacêuticas. O papel da Organização das Nações Unidas (Onu), da União Européia (UE) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) em prol desta flexibilização é ressaltado. Sugere-se que mecanismos como licença compulsória, importações paralelas, open source e patent buy-outs sejam utilizados para promover o acesso a medicamentos.

PALAVRAS-CHAVES: PATENTE; FARMACÊUTICA; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO; FLEXIBILIZAÇÃO.

ABSTRACT

The article sets up a connection between pharmaceutical patents and social responsibility according to an internacional perpective. Beginning with an analysis of the modification suffered by India's Patent Act, pharmaceutical patents and health policy are intertwined. Free trade and pharmaceutical patents are also systematically handled, in the light of the Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS Agreement). A flexibilization of patent law as regards pharmaceutical patents is recommended. The role of the United Nations Organization (UNO), European Union (EU) and World Trade Organization (WTO) in the benefit of this flexibilization is highlighted. Mechanisms such as compulsory licenses, parallel imports, open source and patent buy-outs are suggested as a means to promote access to medicines.

KEYWORDS: PATENT; PHARMACEUTICAL; WORLD TRADE ORGANIZATION; FLEXIBILIZATION.

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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Introdução

Em meio a protestos públicos e a atenção dos meios de comunicação internacionais, o Parlamento indiano adotou o que seria sua nova Lei de Patentes de 2005. Na realidade, uma emenda à Lei de Patentes de 1970. O direito das patentes em vigor há mais de trinta anos foi assim modificado, de maneira que se passou a conceder patentes de produtos farmacêuticos. À luz da Lei de Patentes de 1970, isto não era possível. Empresas indianas podiam produzir livremente suas próprias versões de medicamentos genéricos.[1] A Índia precisou efetuar esta alteração até 1° de janeiro de 2005, para que o previsto no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips) não fosse descumprido.

A produção de genéricos era e é de grande significado para o tratamento com medicamentos acessíveis nos países em desenvolvimento. Sobretudo no que diz respeito a novos medicamentos, como os medicamentos anti-retrovirais (ARVs) necessários para a terapia do HIV/AIDS. Graças aos genéricos indianos, o preço de muitos ARVs diminuiu drasticamente. O custo anual para a terapia do HIV/AIDS passou em média de quase US$ 15 mil para até US$ 150 por paciente. Os fabricantes de genéricos indianos puderam combinar três diferentes medicamentos para o tratamento do HIV/AIDS num só medicamento. Os genéricos indianos simplificaram dramaticamente o tratamento de doenças como o HIV/AIDS em países em desenvolvimento.

A emenda de 2005 à Lei de Patentes indiana de 1970 foi considerada uma má notícia para todos aqueles que dependem de novos medicamentos acessíveis para o tratamento de doenças. No futuro, medicamentos que ainda não foram objeto de genéricos passarão a ser produzidos e comercializados apenas por fabricantes de medicamentos originários. Isto valerá para medicamentos em relação aos quais entre 1995 e 2005 houvesse sido solicitada uma patente, bem como para medicamentos desenvolvidos após 2005.[2] Como resultado, previu-se um aumento significativo nos preços de novos medicamentos, em especial dos ARVs de segunda geração, antibióticos e medicamentos para o tratamento de doenças crônico-degenerativas.[3]

Compartilhando da opinião dos representantes da sociedade civil, o governo indiano adotou dispositivos que asseguram o acesso a medicamentos. Com o sistema do licenciamento automático, um produtor de genéricos que tenha efetuado um "investimento considerável", e que já tenha produzido e comercializado medicamentos na Índia, pode continuar a produzir genéricos, mesmo quando se houver concedido uma patente. Deve ser paga uma "taxa adequada" ao titular da patente. Tal patente não impedirá portanto que a versão genérica do medicamento possa continuar a ser produzida e comercializada. Para impedir que haja um aumento desnecessário do preço

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do genérico, é necessário que o governo indiano especifique o montante da "taxa adequada".

A Lei de Patentes indiana conta com outros dispositivos que devem ser ressaltados. Todo cidadão pode, em conformidade com o princípio da pre-grant-opposition, manifestar-se contra a concessão de uma patente, depois que ela for divulgada publicamente. A exportação de medicamentos que tenham sido produzidos mediante uma licença compulsória é explicitamente autorizada. Não se exige que haja uma licença compulsória da parte do país importador. Isto é especialmente significativo quando não houver no país importador patentes farmacêuticas. Nos países de menor desenvolvimento relativo, pode não haver sequer a concessão de tais patentes.

A concessão de patentes não é apenas um ato administrativo, mas também político. Cabe ao Instituto de Patentes, Desenhos e Marcas da Índia[4] decidir se os pedidos de patente farmacêutica preenchem ou não os critérios da patenteabilidade. Devem ser recusadas patentes sobre a nova utilização de compostos já conhecidos, evitando-se assim a chamada "ever-greening", a concessão de patentes secundárias sobre produtos preexistentes.[5]

1. Patentes farmacêuticas e responsabilidade social

Patentes são instrumentos jurídicos, econômicos e políticos para o estímulo à pesquisa. O Estado pode conceder ao inventor de um novo produto ou processo um monopólio limitado temporalmente à sua invenção. Isto permite ao inventor lucrar com a produção e comercialização de sua invenção, já que ele sem concorrência poderá potencialmente fixar um alto preço para seu novo produto. A margem de lucro serve primeiramente para o refinanciamento dos custos que ele precisou arcar com a pesquisa e desenvolvimento do produto ou processo. As patentes constituem uma compensação pelo esforço intelectual do inventor, incentivando-o a continuar a arcar com os custos destinados a gerar novas invenções.

Este monopólio é, para os concorrentes do inventor, uma fonte de preocupações. Por ao menos 20 anos, pode ser proibido produzir e comercializar produtos ou processos que emulem a invenção patenteada, bem como concorrer com o titular da patente com preços mais baixos, desviando a clientela.[6] No que diz respeito a eletro-eletrônicos, o

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sistema de patentes é encarado pelos consumidores como sendo plenamente justificável. Ele não é contestado. Os preços destes produtos são pagos sem resistência.

Com relação ao setor da saúde, o comportamento é outro. Aqui, os interesses da indústria farmacêutica e os interesses dos pacientes podem entrar numa rota de colisão. A indústria farmacêutica esforça-se em obter um período de proteção das patentes o mais amplo possível tanto como compensação como para o financiamento da pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Os pacientes, ao contrário, não querem, naturalmente, que os preços tornem inacessíveis medicamentos de importância vital.

Na maior parte dos países desenvolvidos, este problema é raramente uma questão de vida ou morte. Ou os altos preços dos medicamentos patenteados podem ser pagos pelos seguros de saúde, ou o governo pode negociar com a indústria farmacêutica condições especiais de compra destes medicamentos patenteados. Nos países em desenvolvimento, pode ocorrer o oposto. Não há muitas vezes um seguro de saúde abrangente que possa arcar com os custos dos medicamentos patenteados. O governo pode não ser forte o bastante para negociar com a indústria farmacêutica um preço razoável para os medicamentos.

Um exemplo claro desta dinâmica remete ao custo que o governo dos países desenvolvidos precisa arcar no contexto do tratamento de pacientes com HIV/AIDS. Mais de US$ 15 mil por paciente ao ano podem ser gastos pela seguridade social com os poucos pacientes que neles sofrem de HIV/AIDS. Para que eles, com os medicamentos anti-retrovirais (ARVs), sejam protegidos das piores conseqüências da AIDS. Para quem ganha menos de US$ 1 por dia, para a maior parte dos que estão infectados pelo HIV ou doentes com AIDS na África, para quem não dispõe de nenhum seguro de saúde e vive em países sem qualquer seguridade social, o custo deste tratamento é totalmente utópico. A falta de vontade política dos governos e empresas para encontrar um equilíbrio entre lucro e saúde pode provocar muito sofrimento humano.

A indústria farmacêutica tem um significado central para países desenvolvidos, como a Suíça. Com uma participação no Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 5%, ela é mais significativa economicamente do que na maior parte dos outros países desenvolvidos. Nos anos 90, a indústria farmacêutica suíça teve, em relação a todos os setores econômicos, a mais alta taxa de crescimento. O valor de suas exportações triplicou naquela década. No que diz respeito à produtividade e margem de lucro, ela situou-se no âmbito dos setores econômicos suíços mais rentáveis ao lado dos setores energético, bancário e de seguros. Ela desempenha um papel político central na Suíça.

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Desde os anos 90, a indústria farmacêutica mundial tem atravessado um processo significativo de concentração, com fusões, aquisições e a construção de redes. Enquanto até 1988 as maiores empresas farmacêuticas ainda possuíam uma participação no mercado mundial de 25%, esta participação hoje atinge mais de 50%. Esta constatação aplica-se também à indústria farmacêutica suíça. Anteriormente, a pesquisa de produtos farmacêuticos também ocorria nos países em desenvolvimento. Hoje, à luz do processo de globalização, de liberalização do comércio de mercadorias, capital e investimentos, concentra-se sobretudo nos Estados Unidos, Europa e Japão.[7]

O desenvolvimento e a comercialização dos produtos farmacêuticos também têm atravessado um período de concentração. As empresas farmacêuticas podem centrar sua atenção em doenças bastante específicas. O mecanismo do crescimento máximo de ganhos leva a que a indústria farmacêutica tenda a centralizar suas pesquisas em medicamentos que podem ser pagos apenas pelas camadas sociais com maior poder de compra dos países desenvolvidos.[8] Doenças que, nos países em desenvolvimento tropicais, podem provocar milhões de vítimas anualmente podem ser desconsideradas. A produtividade e a força inovadora da pesquisa farmacêutica correm o risco de diminuir, já que as empresas podem concentrar-se na pesquisa e desenvolvimento do mesmo gênero de medicamento, nos assim chamados "blockbusters", promessa de grandes lucros.

O aspecto problemático da indústria farmacêutica reside no fato de que, devido às patentes farmacêuticas, os altos preços dos medicamentos os tornam inacessíveis para a maioria da população mundial. Atualmente, vários milhões de seres humanos falecem de doenças que seriam tratáveis. Mas eles não podem adquirir medicamentos devido a seus altos preços. Eles não são acessíveis. A indústria farmacêutica tem uma estrutura oligopolista. É controlada por poucas empresas. Seus produtos são protegidos por patentes. As patentes podem garantir um monopólio de exploração sem concorrência com determinação livre de preços. Quanto maior a duração da patente, mais lucrativa será a comercialização do medicamento.

A proteção do direito das patentes para medicamentos foi adotada mundialmente na década de 90 no âmbito do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips) da OMC. Os países-membros da OMC precisam assim passar a conceder patentes farmacêuticas. As empresas fabricantes de medicamentos receberam no mundo todo um prazo de proteção às suas patentes que deve atingir no mínimo 20 anos. Durante este prazo, os medicamentos não podem ser copiados para comercialização. As empresas fabricantes de medicamentos passaram então a poder fixar os preços mundialmente, maximizando seus ganhos. Com o Acordo Trips, pode ter-se assegurado mundialmente, com as patentes farmacêuticas, uma oligopolização da produção e comercialização dos produtos farmacêuticos. A Alemanha, os Estados Unidos e a Suíça costumam defender ao máximo as patentes farmacêuticas.

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Para os pacientes nos países em desenvolvimento, o Acordo Trips não foi um bom augúrio. Novos medicamentos tornaram-se inacessíveis Antes de 1994, alguns países em desenvolvimento, como a Índia, não reconheciam a proteção das patentes para medicamentos. Na Índia, são produzidos tradicionalmente muitos medicamentos genéricos de boa qualidade. Eles são amplamente utilizados naquele país, sendo também exportados para países em desenvolvimento a um preço acessível.

A emenda de 2005 à Lei de Patentes indiana de 1970 foi um acontecimento jurídico de grande transcendência. Medicamentos que digam respeito apenas a uma nova formulação de um componente já conhecido não podem efetivamente, à luz da chamada "ever-greening", ser patenteados. A Índia pode continuar a desempenhar, conjuntamente com o Brasil, seu papel de farmácia do Sul, assegurando assim que milhões de pessoas continuem a ter acesso a medicamentos a baixo custo para que sejam tratadas adequadamente.

Somente um sistema razoável de licenciamento compulsório pode constituir um caminho seguro para que se assegure um sistema de concorrência com genéricos. O próprio sistema de licenciamento compulsório previsto na Lei de Patentes indiana pode entretanto ser desnecessariamente complexo, postergando decisões administrativas e judiciais. Podem ocorrer processos jurídicos que careçam de agilidade entre o titular da patente e o fabricante de genéricos. O sistema de licenciamento automático simplifica a produção de genéricos. Ampliado para novos medicamentos, ele pode tornar-se um modelo para o futuro. Quem desenvolver um medicamento, seria compensado por meio de um sistema de taxas. Com a concorrência com o produtor de genéricos, seriam garantidos preços acessíveis. A Lei de Patentes indiana pode assegurar o acesso a medicamentos vitais nos países em desenvolvimento. 86 dos anti-retrovirais (ARVs) utilizados contra o HIV/AIDS pela Médicos Sem Fronteiras (MSF), uma organização não governamental de origem francesa, são genéricos indianos. Para o tratamento do HIV/AIDS, é necessário utilizar uma terapia de combinação de ARVs.[9]

2. Patentes farmacêuticas e políticas de saúde

Embora os efeitos negativos das patentes farmacêuticas sejam conhecidos, podem ser apresentados argumentos favoráveis à sua concessão. A pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos sem dúvida são muito dispendiosos. É preciso assegurar que as empresas farmacêuticas que investem em pesquisa e desenvolvimento de novos

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medicamentos possam beneficiar-se de sua comercialização. Sem patentes, as empresas farmacêuticas não teriam provavelmente nenhum incentivo para fabricá-los. As empresas farmacêuticas precisam dispor de um monopólio sobre seus medicamentos, para que elas possam recuperar os investimentos efetuados para desenvolver seus produtos. É preciso de alguma maneira que haja recursos à disposição para a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos. Mas as patentes não são necessariamente a única maneira de assegurar tal estímulo.

Não há uma lei natural, um princípio de direito natural, que determine que as patentes são o único mecanismo de financiamento da pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. Várias instituições públicas arcam com os custos dos medicamentos produzidos, num contexto de seguridade social. Seria então o Estado que custearia efetivamente a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos. Se o Estado apoiar diretamente a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos, sendo os resultados disponibilizados livremente, haveria um modelo ao menos tão adequado quanto o atual, no qual a seguridade social pode terminar estimulando oligopólios privados.

A questão central é descobrir que modelo afinal é o mais efetivo para assegurar o financiamento da pesquisa e do desenvolvimento de novos medicamentos. Estes demandam grandes investimentos. Os custos de produção de um novo medicamento podem ultrapassar US$ 1 bilhão. Boa parte deste US$ 1 bilhão pode ser financiado por instituições públicas. Estima-se que não mais de 15% da receita das empresas farmacêuticas sejam utilizados em pesquisa e desenvolvimento. Para o contribuinte, as patentes são realmente o mecanismo mais adequado de financiamento da pesquisa e desenvolvimento de medicamentos? Se as instituições públicas financiam a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos, ele, o contribuinte, já não paga por tais medicamentos? Se as instituições públicas despendessem 20% do que gastam hoje com a aquisição de medicamentos, aplicando o restante em pesquisa e desenvolvimento, poderia haver mais inovação no setor. Se os resultados da pesquisa e desenvolvimento fossem colocados ao acesso de todos, as empresas farmacêuticas poderiam investir mais acentuadamente em novos medicamentos.

Podemos resumidamente identificar os seguintes efeitos negativos das patentes farmacêuticas:

- As patentes farmacêuticas podem impedir que milhares de seres humanos em países em desenvolvimento recebam o tratamento médico de que eles necessitam, embora os medicamentos necessários para tal tratamento já existam e possam salvar vidas.

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- As patentes farmacêuticas podem distorcer a pesquisa científica, já que pode ser mais rentável produzir novos medicamentos para doenças que afetem prioritariamente os países desenvolvidos, enquanto nos países em desenvolvimento se necessita de medicamentos contra a malária etc.

- As patentes farmacêuticas podem ser a razão pela qual os custos com novos medicamentos nos países desenvolvidos aumentam de forma exponencial, sem nenhum controle estatal.

As patentes farmacêuticas constituem efetivamente um estímulo para a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos lucrativos contra as chamadas "doenças do bem-estar", típicas dos países desenvolvidos, mas não de medicamentos contra doenças tropicais. Os países em desenvolvimento precisam adotar medidas para que todos seus cidadãos que estejam doentes tenham assegurados os cuidados médicos de que necessitam. O acesso per se a remédios é marcado globalmente por uma grande desigualdade, já que 15% da população mundial consumem mais de 90% dos medicamentos.

As empresas farmacêuticas podem definir aleatoriamente em que setores elas pretendem investir. Embora haja vários estimulantes sexuais atualmente no mercado, não há nenhum medicamento novo para a tuberculose nos últimos 30 anos. Medicamentos que poderiam beneficiar os países em desenvolvimento costumam ser negligenciados. Por outro lado, há uma espiral de preços para os medicamentos que são custeados pela seguridade social dos países desenvolvidos.

Dos 1393 medicamentos que foram disponibilizados pelo mercado de 1975 a 1999, apenas 13 foram especialmente designados para o tratamento de doenças tropicais. O interesse em produzir medicamentos que podem ter um alcance, uma demanda mundial, não é acentuado. A prioridade é que os custos de pesquisa e desenvolvimento sejam financiados sobretudo pelos pacientes, pelos seguros de saúde ou pela seguridade social dos países desenvolvidos.

O direito à saúde é assegurado por vários instrumentos de direito internacional:

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Carta das Nações Unidas

Artigo 13

1. A Assembléia Geral promoverá estudos e fará recomendações, tendo em vista:

a) Fomentar a cooperação internacional no plano político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação;

b) Fomentar a cooperação internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

2. As demais responsabilidades, funções e poderes da Assembléia Geral em relação aos assuntos acima mencionados, no nº 1, alínea b), estão enumerados nos capítulos IX e X.

(...)

Artigo 55

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão:

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a. A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b. A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional;

c. O respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Convenção sobre os Direitos das Crianças

Artigo 24

1. Os Estados-Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

2. Os Estados-Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a:

a) reduzir a mortalidade infantil;

b) assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças, dando ênfase aos cuidados básicos de saúde;

c) combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental;

d) assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;

e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de

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acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;

f) desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar.

3. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança.

4. Os Estados-Partes se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional com vistas a lograr, progressivamente, a plena efetivação do direito reconhecido no presente Artigo. Nesse sentido, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento.

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Artigo 12

1. Os Estados-Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar das melhores condições possíveis de saúde física e mental.

2. A fim de assegurar a plena efetividade deste direito, os Estados-Partes no presente Pacto deverão adotar, entre outras, as medidas necessárias para:

a) A redução do número de nados-mortos e da mortalidade infantil e o são desenvolvimento das crianças;

b) O melhoramento em todos os aspectos da higiene do trabalho e do meio ambiente;

c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, e lutar contra as mesmas;

d) A criação de condições que assegurem a todos a assistência médica e serviços médicos em caso de doença.

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Se não houvesse patentes, qual seria o resultado em termos de preços de medicamentos? Para responder a esta pergunta, é preciso consultar a situação dos medicamentos cujas patentes farmacêuticas já expiraram. Passa, então, a haver um cenário em que diferentes produtores privados concorrem entre si. As instituições públicas podem passar a optar pelo produto de menor preço e melhor qualidade. O preço dos medicamentos cuja patente expirou pode diminuir em média 70%. Isto ocorre com medicamentos que são mais antigos, com mais de 20 anos de existência. Para os medicamentos mais recentes, a diferença de preço pode ser ainda maior.

Uma mudança no sistema de patentes não pode, no entanto, ser realizada exclusivamente dentro de uma perspectiva nacional.

3. Livre comércio e patentes farmacêuticas

Patentes farmacêuticas, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, até recentemente não eram permitidas, ou eram concedidas apenas em circunstâncias restritas.[10] Atualmente, a situação é diferente. Durante os anos 80 e 90, em especial no âmbito da Rodada Uruguai, discutiu-se uma reforma do sistema de comércio internacional.[11] Ao lado de questões aduaneiras e de comércio, tratou-se também de questões associadas à propriedade intelectual. Como propriedade intelectual, protegida à luz dos direitos humanos, podemos entender basicamente direito autoral, patentes, marcas, modelos de utilidade e desenhos industriais.[12] Tratados com o da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, bem como instituições como a Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), foram considerados como sendo muito débeis. Com a adoção do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), um dos tratados constitutivos da Organização Mundial do Comércio (OMC), livre comércio e patentes seriam estritamente associados entre si. Países que fazem parte da OMC devem obedecer ao previsto no Acordo Trips.

Os Estados-Membros da OMC precisam assegurar que em seu ordenamento jurídico sejam previstos procedimentos que estabeleçam o respeito às patentes farmacêuticas pertencentes tanto a nacionais como a estrangeiros. O procedimento para a concessão de patentes deve ser fair e justo. Não deve ser desnecessariamente complicado nem custoso. As decisões administrativas a respeito da concessão de patentes devem poder ser objeto de recurso ao Poder Judiciário.

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A harmonização do direito das patentes pode significar que os países em desenvolvimento precisam adotar leis de patentes que são baseadas precisamente nas leis de patentes dos países desenvolvidos, refletindo potencialmente os interesses das empresas farmacêuticas. Esta harmonização, ou reprodução, pode impedir que os países em desenvolvimento aperfeiçoem sua indústria farmacêutica autóctone. Os países em desenvolvimento continuariam em desenvolvimento. Praticamente nenhuma inovação em biotecnologia pode ser alcançada sem que se viole uma patente. Como conseqüência, o Projeto Genoma adotou o princípio do livre intercâmbio de conhecimento. O acesso aos dados do Projeto Genoma não é problemático. Pode-se discuti-los livremente entre pesquisadores. Há uma rápida descoberta de erros ocorridos. Seu processo de pesquisa é transparente e rápido, podendo ainda ser qualitativamente superior. O acesso a bens públicos, como medicamentos, deve estar ao alcance de todos os cidadãos, independentemente de sua renda.[13] No âmbito do conceito da essencialidade, medicamentos devem ser entendidos como bens públicos. Os medicamentos realmente inovadores podem ter sua origem em projetos financiados por instituições públicas.[14]

Os países desenvolvidos dispuseram de um período de transposição de um ano para adaptar seu ordenamento jurídico ao Acordo Trips.[15] Para os países em desenvolvimento[16] e para os países que se encontravam num processo de passagem de uma economia planificada para uma economia livre de mercado,[17] houve uma fase de transposição de 4 anos. Se o país em desenvolvimento precisasse passar a conceder patentes a uma espécie de invenção que ele anteriormente não costumava patentear, o prazo ampliava-se para 5 anos.[18]. Aos países menos desenvolvidos, de menor desenvolvimento relativo, houve originalmente um prazo adicional de 10 anos, com possibilidade de prorrogação.[19]

Durante o prazo de prorrogação, os países em desenvolvimento precisaram:

- Permitir o depósito do pedido de patentes farmacêuticas a partir da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.[20]

- Aplicar a tais solicitações os critérios de patenteabilidade quando uma prioridade pudesse ser obtida.[21]

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- Estabelecer proteção patentária quando uma prioridade pudesse ser obtida.[22]

- Reconhecer durante cinco anos direitos exclusivos de comercialização.[23]

Mesmo durante a Rodada Uruguai, houve países em desenvolvimento que alteraram seu direito das patentes para que produtos farmacêuticos pudessem ser patenteados. Como conseqüência, as empresas farmacêuticas teriam melhores condições de investimento em tais países. No entanto, os países em desenvolvimento que mais necessitassem de medicamentos, devido aos altos preços praticados, praticamente não lhes teriam acesso. Isto diz respeito em especial aos pacientes do HIV/AIDS. Em 2001, não havia nenhuma solução transparente à qual os governos pudessem recorrer em caso de estado de emergência nacional para que medicamentos pudessem ser objeto de licenciamento compulsório em consonância com o previsto no Acordo Trips. Para países que chegam a ter 20% ou 30%, ou mais, de sua população infectada pelo HIV/AIDS, há um claro estado de emergência nacional. Cerca de 90% das patentes que são concedidas em países em desenvolvimento pertencem a empresas de países desenvolvidos.

Esta questão, livre comércio e patentes farmacêuticas, tem sido amplamente discutida. A África do Sul aprovou a Emenda à Lei de Controle de Medicamentos e Substâncias Correlatas de 1997, que flexibilizava justamente as patentes farmacêuticas.[24] O objetivo era expandir o acesso aos medicamentos, diminuindo seu custo. Facultou-se a importação paralela de anti-retrovirais (ARVs) necessários à terapia do HIV/AIDS.[25] Somente com a importação de genéricos poderia ser tratada ao menos uma parte dos já mais de quatro milhões de sul-africanos infectados pelo HIV/AIDS. Várias empresas farmacêuticas, que eram titulares de patentes farmacêuticas na África do Sul, recorreram contra esta Emenda. Em 2001, elas desistiram dos recursos impetrados, temendo sobretudo que uma decisão final em benefício dos dispositivos que flexibilizavam as patentes farmacêuticas pudesse ser interpretada contra seus interesses. Também se temia um prejuízo à imagem, já que organizações não governamentais como a sul-africana Treatment Action Campaign (TAC) e a Médicos Sem Fronteiras (MSF) despertavam a atenção pública a favor do previsto na Emenda à Lei de Controle de Medicamentos e Substâncias Correlatas de 1997. Haveria uma falta de clareza e de transparência do Acordo Trips a respeito das importações paralelas.[26]

Calcula-se que cerca de 70% dos investimentos da indústria farmacêutica seriam para inovações aparentes. Estes produtos de imitação de medicamentos de grande sucesso da concorrência são chamados de "Me-too Product".[27] Não acrescentam

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necessariamente nenhum valor terapêutico novo, mas podem ser patenteados e comercializados.

4. A utilização flexível do direito das patentes

O próprio Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips) prevê, a despeito das acusações que se lhe dirigem de falta de transparência, mecanismos de flexibilização do direito das patentes. Basicamente, licenças compulsórias e importações paralelas. Procura-se, assim, assegurar um equilíbrio entre a oferta e o estímulo à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.

Os Estados-Membros podem adotar licenças compulsórias, autorizando terceiros a fabricar produtos patenteados ou utilizar processos patenteados sem a autorização do respectivo titular de direitos. Para que haja a concessão de licença compulsória, devem ocorrer alguns pressupostos específicos. Estes pressupostos procuram resguardar os interesses do titular de direitos. Assim, cria-se um estímulo indireto em benefício da negociação de licenças voluntárias com um preço razoável de acordo com condições aceitáveis para ambas as partes. As licenças compulsórias devem servir basicamente para abastecer o mercado interno.

Licenças voluntárias não são necessárias basicamente nas seguintes hipóteses:

- Estado de emergência nacional.

- Circunstâncias excepcionais e urgentes.

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- Ocorrência de práticas de concorrência desleal.

Os Estados-Membros também podem autorizar que terceiros importem um produto fabricado e comercializado pelo titular de direitos em outro Estado-Membro. Trata-se, aqui, de uma “exaustão de direito”. A proteção do direito das patentes exaure-se tão logo o fabricante do medicamento permita que se venda seu produto, doravante não mais dispondo de nenhum direito com relação à sua comercialização seguida. Permite-se, assim, a terceiros adquirir o medicamento no local onde ele é vendido a preço inferior, importando-o. Obtém-se, assim, lucro com a diferença de preços. A Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, de 14 de novembro de 2001, prevê que litígios a respeito de importações paralelas não sejam solucionados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).[28] Cada Estado-Membro da OMC passa, então, a ter o direito de optar livremente por seu sistema de "exaustão de direito".[29]

Os Estados-Membros da OMC têm o direito de, para controlar crises de saúde pública, recorrendo a licenças compulsórias, fabricar medicamentos necessários ao controle de epidemias ou pandemias, ou importá-los. A cada Estado-Membro, cabe determinar o que representa um estado de emergência nacional ou uma circunstância excepcional e urgente. À luz da Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, pode tratar-se de epidemias ou pandemias de HIV/AIDS, tuberculose, malária etc.[30] No entanto, licenças compulsórias podem ser difíceis de serem adotadas em países em desenvolvimento mais pobres. Nestes, a própria produção de genéricos pode ser inviável. Se, por outro lado, os medicamentos forem protegidos pelo direito das patentes no país exportador, os países em desenvolvimento mais pobres não terão condições de importá-los.

As circunstâncias em que a licença compulsória e a importação paralela são autorizadas estão previstas no Acordo Trips.[31] Ambas são mecanismos de proteção da saúde pública.

5. A Organização das Nações Unidas e as patentes farmacêuticas

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (Onu) adotou uma decisão a respeito da utilização flexível do direito das patentes em sede de produtos

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farmacêuticos. Adotada em 27 de novembro de 2006, ela intitula-se "Decisão 2/107. Acesso a medicamentos no contexto de pandemias, tais como o HIV/AIDS, tuberculose e malária".

À luz do previsto na Decisão 2/107, podemos afirmar que ela:

- Insta o Secretário-Geral da Onu a solicitar comentários de governos, órgãos das Nações Unidas, programas e agências especializadas e organizações internacionais e não governamentais a respeito das medidas adotadas para melhorar o acesso a medicamentos no contexto de pandemias como a do HIV/AIDS, tuberculose e malária.

- Prevê que o Secretário-Geral submeta um relatório ao Conselho de Direitos Humanos, baseado nestas consultas, que inclua uma análise sobre a utilização de novos e inovativos mecanismos de financiamento para melhorar o acesso a medicamentos que combatam tais pandemias a partir da perspectiva de direitos humanos.

- Determina que o Secretário-Geral, ao submeter seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos, inclua uma avaliação dos impactos de direitos de propriedade intelectual no acesso a medicamentos no contexto de pandemias tais como a do HIV/AIDS, tuberculose e malária a partir da perspectiva de direitos humanos.

6. A União Européia e as patentes farmacêuticas

A União Européia (UE) aprovou uma decisão específica a respeito da Rodada Uruguai, a "Decisão 94/800/CE do Conselho de 22 de dezembro de 1994 relativa à celebração,

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em nome da Comunidade Européia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais da Rodada Uruguai" (1986/1994).

No bojo da Decisão 94/800/CE, analisam-se as regras e os princípios gerais que nortearam tais negociações, como o princípio do tratamento nacional e a cláusula da nação mais favorecida. Tratamento nacional significa que os Estados-Membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) concedem aos cidadãos dos outros Estados-Membros um tratamento que não é menos benéfico do que aquele conferido em termos de proteção à propriedade intelectual aos seus próprios cidadãos. Para a cláusula da nação mais favorecida, no que diz respeito à propriedade intelectual, as vantagens que forem concedidas por um Estado-Membro aos cidadãos de outro Estado-Membro devem imediata e incondicionalmente ser concedidas também aos cidadãos de todos os outros Estados-Membros da OMC.

Para a UE, com o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips) deve ser assegurado que em todos os Estados-Membros sejam adotadas normas adequadas de proteção à propriedade intelectual, levando-se especialmente em consideração o previsto na Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. A UE reconhece a complexidade do Acordo Trips. Vários assuntos são nele abordados, do direito autoral a marcas, de indicações geográficas a desenhos industriais, de patentes a topografias de circuitos integrados. Patentes farmacêuticas e de outros produtos representam apenas uma parte do Acordo. Sob o ponto de vista jurídico, patentes permitem que o respectivo titular de direitos possa proibir que terceiros produzam, utilizem ou comercializem suas invenções por um período de tempo específico. A UE ressalta que patentes nada têm a ver com monopólios.

O Acordo Trips prevê que patentes sobre produtos (medicamentos) e sobre processos (procedimentos de produção de um componente que se tornará um dos elementos de um medicamento), sem distinção, devem receber um prazo de proteção de 20 anos. Mas somente podem ser protegidas as invenções que forem novas, digam respeito a uma atividade inventiva e sejam utilizáveis industrialmente.[32] As invenções protegidas pelo direito das patentes devem ser publicadas, de maneira que terceiros possam analisá-las durante o período de proteção.

O Estado-Membro da OMC, e portanto do Acordo Trips, pode recusar a concessão de patentes nos seguintes casos:

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- Invenções cuja utilização comercial deva ser proibida por razões de proteção da saúde pública e da vida humana, bem como em benefício da proteção de animais ou vegetais.[33]

- Métodos de diagnóstico, terapêuticos e cirúrgicos para seres humanos e animais.[34]

- Determinadas invenções no âmbito animal e vegetal.[35]

A UE reconhece que cada Estado-Membro deve exercer funções de controle no que diz respeito à propriedade intelectual, podendo intervir para coibir abusos da parte do respectivo titular de direitos que, por exemplo, impeçam a transferência de tecnologia. A produção e comercialização de genéricos não deve ser negligenciada. Os Estados-Membros podem conceder ao produtor de medicamentos genéricos uma autorização para utilizar a mesma substância ativa de um medicamento patenteado.

A União Européia aprovou ainda um regulamento[36] "relativo à concessão obrigatória de patentes respeitantes ao fabrico de produtos farmacêuticos destinados à exportação para países com problemas de saúde pública".

Consta dos consideranda do Regulamento (CE) n. 816/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de maio de 2006:

Em 14 de novembro de 2001, a Quarta Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) aprovou a Declaração de Doha sobre o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir denominado "Acordo Trips") e a Saúde Pública. A Declaração reconhece que cada membro da OMC tem o direito de conceder licenças obrigatórias e a liberdade de determinar as bases para a concessão dessas licenças. Reconhece também que os membros da OMC com capacidade de produção insuficiente ou inexistente no setor farmacêutico podem

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encontrar dificuldades na utilização efetiva do sistema de concessão de licenças obrigatórias (Consideranda, item 1).

O presente regulamento destina-se a fazer parte de uma ação européia e internacional mais vasta para abordar os problemas de saúde pública enfrentados pelos países menos desenvolvidos e por outros países em vias de desenvolvimento, e, em especial, para melhorar o acesso a medicamentos mais baratos, seguros e eficazes, incluindo combinações de dose pré-determinada, cuja qualidade seja assegurada (Consideranda, item 5).

Na medida em que o presente regulamento faz parte de uma ação mais vasta destinada a tratar a questão do acesso a medicamentos mais baratos nos países em desenvolvimento, são definidas ações complementares no programa de ação da Comissão para a aceleração da luta contra o HIV/AIDS, a malária e a tuberculose no contexto da redução da pobreza e na Comunicação da Comissão intitulada 'Um enquadramento político europeu coerente para a ação externa destinada a combater o HIV/AIDS, a malária e a tuberculose'. Importa fazer progressos urgentes, incluindo ações de apoio à investigação para combater estas doenças e reforçar as capacidades nos países em desenvolvimento (Consideranda, item 7).

No que diz respeito ao âmbito de aplicação e aos países importadores elegíveis, o Regulamento determina:

O presente regulamento estabelece um procedimento para a concessão de licenças obrigatórias relacionadas com patentes e certificados complementares de proteção respeitantes ao fabrico e à venda de produtos farmacêuticos, quando tais produtos se destinem à exportação para países importadores elegíveis que necessitem desses produtos para fazer face a problemas de saúde pública. Os Estados-Membros concedem uma licença obrigatória a qualquer pessoa que apresente um pedido nos termos do artigo 6° e nas condições fixadas nos artigos 6° a 10 (Artigo 1°).

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São países importadores elegíveis: a) Qualquer país menos desenvolvido que conste da lista das Nações Unidas nessa qualidade; b) Qualquer membro da OMC não incluído na lista dos países menos desenvolvidos referida na alínea a) que tenha notificado o Conselho do Trips da sua intenção de utilizar o sistema como importador, independentemente do fato de pretender utilizá-lo no seu todo ou de forma limitada; c) Qualquer país que não seja membro da OMC mas que integre a lista de países de baixos rendimentos da Comissão de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE, com um PNB per capita inferior a 745 USD, que tenha notificado a Comissão da sua intenção de utilizar o sistema como importador, independentemente do fato de pretender utilizá-lo no seu todo ou de forma limitada. Contudo, o membro da OMC que tenha declarado à OMC que não utilizará o sistema como membro importador da OMC não é um país importador elegível (Regulamento, Artigo 4°).

7. A Organização Mundial do Comércio e as patentes farmacêuticas

Após a Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, de 14 de novembro de 2001, a Organização Mundial do Comércio (OMC) continuou a analisar a conexão entre patentes e desenvolvimento econômico. O Conselho dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio[37] deliberou então acerca da transposição concreta da Declaração. A questão fundamental dizia respeito a que instrumentos jurídicos deveriam ser utilizados por Estados-Membros que não podem produzir medicamentos, tendo de importá-los de outros países. A Índia, um importante produtor de genéricos, adotou um direito das patentes em consonância com o previsto no Acordo Trips.

O Conselho Geral da OMC aprovou em 30 de agosto de 2003 uma decisão referente a importações paralelas. Seu objetivo é analisar a implementação do item 6 da Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública.[38] A Decisão permite que os Estados-Membros produtores de medicamentos exportem-nos no âmbito de uma licença compulsória a países que ainda não podem fabricá-los. Esta autorização constitui uma norma de exceção ao previsto no Acordo Trips, já que produtos fabricados com licença compulsória devem ser destinados fundamentalmente ao mercado interno do respectivo Estado-Membro. Países em desenvolvimento que não estejam em condição de produzir per se produtos farmacêuticos podem assim importar produtos farmacêuticos fabricados no contexto de uma licença compulsória. A Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública remete a “HIV/AIDS, tuberculose, malária e outras epidemias”. Atualmente, há consenso no sentido de que o rol de doenças abrangidas deve ser interpretado da forma mais ampla e flexível. A Decisão contém medidas contra o contrabando de medicamentos fabricados com licença compulsória para países

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desenvolvidos. Eles devem ser utilizados para proteger a saúde pública, e não com objetivos comerciais e industriais.

Conclusão

O atual sistema de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos tem suas falhas. 3/4 dos medicamentos novos que são lançados anualmente no mercado não apresentam nenhuma contribuição terapêutica adicional. Apenas 1% diz respeito a doenças que atingem especificamente os países em desenvolvimento. Ao invés de produzir medicamentos que salvam a vida, produzem-se prioritariamente medicamentos contra a queda de cabelo, o sobrepeso, a disfunção sexual. Há, para tais medicamentos, maior margem de lucro. O atual sistema de patentes tutelado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) pode ser consideravelmente prejudicial à produção de medicamentos acessíveis para os países em desenvolvimento. Constitui uma tarefa pública estabelecer prioridades para a pesquisa de medicamentos, bem como assegurar o acesso público daqueles essenciais à vida.

A globalização não produz necessariamente efeitos benéficos, se ela for conduzida unilateralmente. Apenas 74 Estados-Membros da OMC concediam desde 1986 patentes farmacêuticas. Somente a partir de 1976 a Suíça passou a patentear produtos farmacêuticos. As principais organizações internacionais, como a OMC, precisam estabelecer um equilíbrio entre interesses econômicos e interesses sociais.

A par da licença compulsória e das importações paralelas, há outros mecanismos que podem facilitar o acesso a medicamentos. Medicamentos podem ser produzidos sem que se recorra necessariamente à concessão de patentes, num contexto de open source. No modelo do patent buy-out, o governo compensa o inventor pelo valor de sua invenção, pagando-lhe o montante que ele supostamente auferiria com sua comercialização. Fabricantes de genéricos são então autorizados a produzir o medicamento. No contexto de licenças voluntárias, renuncia-se ao pagamento de royalties, mas o inventor permanece com o poder de restringir a produção de genéricos.

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[1] Podemos definir sinteticamente os genéricos como sendo uma cópia acessível de medicamentos patenteados.

[2] Só são atingidos pela nova "Lei de Patentes" os medicamentos que tenham sido desenvolvidos após 1995. Embora a Índia tenha sido autorizada a passar a patentear produtos farmacêuticos apenas a partir de 2005, ela precisou, no entanto, adotar um sistema de registro e arquivo de solicitação de patentes em vigor a partir de 1995. Atualmente, 8926 solicitações aguardariam decisão do Instituto de Patentes Indiano para a concessão de patente de produtos farmacêuticos. A grande maioria, mais de 7 mil, foi solicitada por estrangeiros.

[3] No mundo inteiro, milhares de pessoas que são tratadas com medicamentos anti-retrovirais (ARVs) dependem de genéricos indianos. Cerca da metade das pessoas que são tratadas com ARVs nos países em desenvolvimento.

[4] Controller General of Patents, Designs and Trademarks.

[5] A ever-greening ocorre quando o titular de uma patente tenta estender o período de proteção do produto farmacêutico, procurando patentear um novo produto que "atualize" o produto anterior.

[6] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 33: "A vigência da patente não será inferior a um prazo de 20 anos, contados a partir da data do depósito".

[7] Deve ainda ser ressaltado que as empresas farmacêuticas podem beneficiar-se dos resultados de pesquisas efetuadas por instituições financiadas pelo Estado.

[8] Como pílulas de emagrecimento, estimulantes sexuais etc.

[9] Genéricos, medicamentos que em última instância podem ser considerados como constituindo uma cópia de remédios já comercializados no mercado, custam menos do

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que os produtos farmacêuticos originais. Podem, com sua concorrência, levar a que os ARVs de primeira geração passem a custar até 90% a menos do que seu tradicional preço de mercado. Os de segunda geração são ainda mais dispendiosos, até 100 vezes mais do que os de primeira geração. Os genéricos indianos são ARVs de primeira geração.

[10] Patentes podem ser definidas como uma reserva de conhecimento. Uma reserva de conhecimento de 20 anos que deve amortizar os custos de pesquisa e desenvolvimento do medicamento. O titular da patente decide se e em que condições terceiros podem utilizar seu conhecimento. Elas podem permitir que a indústria farmacêutica dite preços, mantendo-os artificialmente altos. Medicamentos para os países em desenvolvimentos não são acessíveis ou sequer são produzidos. Patentes podem estimular apenas a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos para quem detiver alto poder aquisitivo.

[11] A Rodada Uruguai resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e na adoção do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips).

[12] De fato, a propriedade intelectual também é protegida, basicamente em sua modalidade de direito autoral, como uma espécie do gênero direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 27, § 2°: "Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor").

[13] Os custos de propaganda de novos medicamentos podem ser o dobro dos de pesquisa.

[14] Costuma-se sustentar reiteradamente que a maior parte das pesquisas de medicamentos ocorre com o auxílio de instituições públicas.

[15] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 65, § 1°: "Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º, 3º e 4º, nenhum Membro estará obrigado a aplicar as disposições do presente Acordo antes de transcorrido um prazo geral de um ano após a data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC".

[16] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 65, § 2°: "Um país em desenvolvimento Membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida no parágrafo 1º, por um prazo de quatro anos, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5".

[17] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 65, § 3°: "Qualquer outro Membro que esteja em processo de transformação de uma economia de planejamento centralizado para uma de mercado e de livre empresa e esteja realizando uma reforma estrutural de seu sistema de propriedade intelectual e enfrentando problemas especiais na preparação e implementação de leis e regulamentos de propriedade intelectual, poderá também beneficiar-se de um prazo de adiamento tal como previsto no parágrafo 2º".

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[18] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 65, § 4°: "Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja obrigado pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a setores tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de aplicação do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2º, ele poderá adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da Seção 5 da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de cinco anos".

[19] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 66, § 1°: " Em virtude de suas necessidades e requisitos especiais, de suas limitações econômicas, financeiras e administrativas e de sua necessidade de flexibilidade para estabelecer uma base tecnológica viável, os países de menor desenvolvimento relativo Membros não estarão obrigados a aplicar as disposições do presente Acordo, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5, durante um prazo de dez anos contados a partir da data de aplicação estabelecida no parágrafo 1º do art. 65. O Conselho para Trips, quando receber um pedido devidamente fundamentado de um país de menor desenvolvimento relativo Membro, concederá prorrogações desse prazo".

[20] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 70, § 8°: "Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no art. 27, esse Membro: a) não obstante as disposições da Parte VI, estabelecerá, a partir da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, um meio pelo qual os pedidos de patente para essas invenções possam ser depositados".

[21] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 70, § 8°: "Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no art. 27, esse Membro: b) aplicará a essas solicitações, a partir da data de aplicação deste Acordo, os critérios de patenteabilidade estabelecidos neste instrumento como se tais critérios estivessem sendo aplicados nesse Membro na data do depósito dos pedidos, quando uma prioridade possa ser obtida e seja reivindicada, na data de prioridade do pedido".

[22] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 70, § 8°: "Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no art. 27, esse Membro: c) estabelecerá proteção patentária, em conformidade com este Acordo, a partir da concessão da patente e durante o resto da duração da mesma, a contar da data de apresentação da solicitação em conformidade com o art. 33 deste Acordo, para as solicitações que cumpram os critérios de proteção referidos na alínea "b" acima".

[23] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, art. 70, § 9°: "Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o parágrafo 8.a, serão concedidos direitos exclusivos de comercialização, não obstante as disposições da Parte VI acima, por um

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prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto nesse Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro".

[24] Medicines and Related Substances Control Amendment Act, 1997.

[25] Emenda à Lei de Controle de Medicamentos e Substâncias Correlatas de 1997, art. 10: "The following section is hereby inserted in the principal Act after section 15B: 'Measures to ensure supply of more affordable medicines 15C. The Minister may prescribe conditions for the supply of more affordable medicines in certain circumstances so as to protect the health of the public and in particular may — (a) notwithstanding anything to the contrary contained in the Patents Act 1978 (Act No. 57 of 1978) determine that the rights with regard to any medicine under a patent granted in the Republic shall not extend to acts in respect of such medicine which has been put onto the market by the owner of the medicine or with his or her consent; (b) prescribe the conditions on which any medicine which is identical in composition, meets the same quality standard and is intended to have the same proprietary name as that of another medicine already registered in the Republic, but which is imported by a person other than the person who is the holder of the registration certificate of the medicine already registered and which originates from any site of manufacture of the original manufacturer as approved by the council in the prescribed manner, may be imported; (c) prescribe the registration procedure for, as well as the use of the medicine referred to in paragraph (b)'" (Tradução do autor: "A seguinte seção é inserida na Lei principal após a seção 15B: 'Medidas para assegurar o fornecimento de medicamentos mais acessíveis 15C. O Ministro pode prescrever condições para o fornecimento de medicamentos mais acessíveis em certas circunstâncias de maneira a proteger a saúde do público e em especial pode - (a) apesar de tudo que houver na Lei de Patentes 1978 (Lei n. 57 de 1978) que lhe for contrário determinar que os direitos relativos a qualquer medicamento com uma patente concedida na República não deverá estender-se a atos com respeito a tal medicamento que não foi colocado no mercado pelo titular do medicamento ou com seu consentimento; (b) estabelecer as condições de acordo com as quais qualquer medicamento que for idêntico na composição está de acordo com o mesmo padrão de qualidade e deve ter o mesmo nome de propriedade como o de outro medicamento já registrado na República, mas que é importado por uma pessoa que não é aquela que é a titular do certificado de registro do medicamento já registrado e que se origina de qualquer local de fabricação do fabricante original de acordo com o aprovado pelo conselho da forma estabelecida, pode ser importado; (c) estabelecer o procedimento de registro, bem como o uso do medicamento referido no parágrafo (b)'").

[26] Há uma regra de exceção específica para os 50 países menos desenvolvidos. Eles têm efetivamente um prazo adicional de adaptação até 2016. Bangladesh poderia assim produzir genéricos ARVs de segunda geração, exportando-os para outros países em desenvolvimento (Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, item 7: "(...) We also agree that the least-developed country members will not be obliged, with respect to pharmaceutical products, to implement or apply Sections 5 and 7 of Part II of the TRIPS Agreement or to enforce rights provided for under these Sections until 1 January 2016, without prejudice to the right of least-developed country members to

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seek other extensions of the transition periods as provided for in Article 66.1 of the TRIPS Agreement. (...)" (Tradução do autor: "Nós também concordamos que os Países-Membros menos desenvolvidos não serão obrigados, com respeito a produtos farmacêuticos, a implementar ou aplicar as Seções 5 e 7 da Parte II do Acordo Trips ou a colocar em prática direitos previstos nestas Seções até 1° de janeiro de 2016, sem prejuízo do direito dos Países-Membros menos desenvolvidos a buscar outras ampliações do período de transição de acordo com o previsto no artigo 66, § 1°, do Acordo Trips").

[27] Os Me-too Products evitam custos e riscos com pesquisa e desenvolvimento ao emular outros produtos bem-sucedidos no mercado.

[28] Com a Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, foram autorizadas exceções ao direito das patentes em caso de problemas graves de saúde pública.

[29] Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, item 5, "d": "The effect of the provisions in the TRIPS Agreement that are relevant to the exhaustion of intellectual property rights is to leave each Member free to establish its own regime for such exhaustion without challenge, subject to the MFN and national treatment provisions of Articles 3 and 4" (Tradução do autor: "O efeito dos dispositivos no Acordo Trips que forem relevantes para a exaustão de direitos de propriedade intelectual é deixar cada Membro livre para estabelecer seu próprio regime para tal exaustão sem empecilho, sujeito aos dispositivos da NMF e do tratamento nacional dos artigos 3 e 4").

[30] Com esta Declaração, foram efetivamente esclarecidos alguns dispositivos fundamentais do Acordo Trips. Os Estados-Membros têm o direito de utilizar as normas presentes neste Acordo, em especial licenças compulsórias e importação paralela. Encarregou-se o Conselho dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio de encontrar novas medidas para a adoção de regras adicionais de flexibilização que possibilitem aos países que não estejam em condição de fabricar produtos farmacêuticos em seu território no âmbito de uma licença compulsória importar produtos farmacêuticos patenteados em condições especiais.

[31] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 31: "Quando a legislação de um Membro permite outro uso do objeto da patente sem autorização de seu titular, inclusive o uso pelo governo ou por terceiros autorizados pelo governo, as seguintes disposições serão respeitadas: a) a autorização desse uso será considerada com base no seu mérito individual; b) esse uso só poderá ser permitido se o usuário proposto tiver previamente buscado obter autorização do titular, em termos e condições comerciais razoáveis, e que esses esforços não tenham sido bem sucedidos num prazo razoável. Essa condição pode ser dispensada por um Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência ou em casos de uso público não comercial. No caso de uso público não comercial, quando o governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo ou para o governo, o titular será prontamente informado; c) o alcance e a duração desse uso será restrito ao objetivo para o qual foi autorizado e, no caso de tecnologia de semicondutores, será apenas para uso público não comercial ou para remediar um

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procedimento determinado como sendo anticompetitivo ou desleal após um processo administrativo ou judicial; d) esse uso será não exclusivo; e) esse uso não será transferível, exceto conjuntamente com a empresa ou parte da empresa que dele usufrui; f) esse uso será autorizado predominantemente para suprir o mercado interno do Membro que o autorizou".

[32] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 27, § 1°: Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial".

[33] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 27, § 2°: " Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é proibida por sua legislação".

[34] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 27, § 3°: " Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres humanos ou de animais".

[35] Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo Trips), art. 27, § 3°: "Os Membros também podem considerar como não patenteáveis: b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema 'sui generis' eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC".

[36] O regulamento, no direito europeu, equivale a uma lei para o direito nacional.

[37] Com o Acordo Trips, adotou-se o Conselho dos Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, o qual procura assegurar o cumprimento dos deveres resultantes do Acordo pelos respectivos Estados-Membros. O Conselho também funciona como uma instância de consulta entre os Estados-Membros.

[38] O item 6 da Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública reconhece a dificuldade que alguns Estados-Membros podem ter em utilizar a licença compulsória prevista pelo Acordo Trips.