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PASSEIO AO FAROL DE VIRGINIA WOOLF: OS ESTEREÓTIPOS FEMININOS REPRESENTADOS NA SRA. RAMSAY EM OPOSIÇÃO À MULHER MODERNA NA FIGURA DE LILY BRISCOE Ana Beatriz Santos Braz (Graduação- UFAM - IEAA) [email protected] Elis Regina Fernandes Alves (Docente- UFAM-IEAA) [email protected] Resumo Este trabalho procurou analisar a obra Passeio Ao Farol, de Virginia Woolf, estreitando às duas personagens principais e antagônicas: a dona de casa Sra. Ramsay e a pintora Lily Briscoe. Para tanto, baseamo-nos em autores como Bonicci (2007), Woolf (1990), Beauvoir (1970) entre outros. O objetivo foi explorar como estas personalidades se inserem na sociedade patriarcal vigente, e como ambas são confrontadas diante da subjugação que se fazia presente. A Sra. Ramsay ocupa a posição da mulher considerada ideal, que não possuía conhecimentos científicos; enquanto Lily Briscoe é independente, solteira, vive da sua arte e não idealiza o casamento como sinônimo de felicidade, representando a nova mulher em ascensão no século XX; A Sra. Ramsay retrata as tradicionais donas de casa, boa esposa e mãe. Esta obra evidencia a percepção feminina de possibilidade de igualdade entre os gêneros, de possuir autoconhecimento e escapar dos estereótipos de mulher passiva e emudecida. Palavras-chave: Feminismos. Feminismo literário. Passeio ao Farol. Introdução O trabalho intitulado “A caracterização em flagrante contraste das personagens femininas e feministas no romance Passeio ao farol, de Virginia Woolf estuda, através de duas personagens, os diferentes papéis que as mulheres ocupam na sociedade do século XX, entendendo gradualmente como ocorreu a desconstrução deste assujeitamento

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Page 1: PASSEIO AO FAROL DE VIRGINIA WOOLF: OS ESTEREÓTIPOS ... · segundo Sexo (1970); Virginia Woolf, com Um Teto Todo Seu (1990), dentre outros. Após o levantamento teórico e sua análise

PASSEIO AO FAROL DE VIRGINIA WOOLF: OS ESTEREÓTIPOS FEMININOS REPRESENTADOS NA SRA. RAMSAY EM OPOSIÇÃO À

MULHER MODERNA NA FIGURA DE LILY BRISCOE

Ana Beatriz Santos Braz (Graduação- UFAM - IEAA)

[email protected]

Elis Regina Fernandes Alves (Docente- UFAM-IEAA)

[email protected]

Resumo

Este trabalho procurou analisar a obra Passeio Ao Farol, de Virginia Woolf, estreitando às duas personagens principais e antagônicas: a dona de casa Sra. Ramsay e a pintora Lily Briscoe. Para tanto, baseamo-nos em autores como Bonicci (2007), Woolf (1990), Beauvoir (1970) entre outros. O objetivo foi explorar como estas personalidades se inserem na sociedade patriarcal vigente, e como ambas são confrontadas diante da subjugação que se fazia presente. A Sra. Ramsay ocupa a posição da mulher considerada ideal, que não possuía conhecimentos científicos; enquanto Lily Briscoe é independente, solteira, vive da sua arte e não idealiza o casamento como sinônimo de felicidade, representando a nova mulher em ascensão no século XX; A Sra. Ramsay retrata as tradicionais donas de casa, boa esposa e mãe. Esta obra evidencia a percepção feminina de possibilidade de igualdade entre os gêneros, de possuir autoconhecimento e escapar dos estereótipos de mulher passiva e emudecida. Palavras-chave: Feminismos. Feminismo literário. Passeio ao Farol. Introdução

O trabalho intitulado “A caracterização em flagrante contraste das personagens

femininas e feministas no romance Passeio ao farol, de Virginia Woolf estuda, através de

duas personagens, os diferentes papéis que as mulheres ocupam na sociedade do século

XX, entendendo gradualmente como ocorreu a desconstrução deste assujeitamento

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histórico ao qual as mulheres foram impostas. Tem-se a intenção de analisar a

caracterização contrastante das personagens femininas e feministas no romance Passeio

ao farol, verificando como cada mulher pode ser representativa de diferentes figuras

femininas do início do século XX na Inglaterra. Sendo o caráter deste trabalho qualitativo,

já que não visa levantar dados, mas a analisar subjetivamente uma obra literária, a

metodologia utilizada baseou-se na realização de uma análise bibliográfica. Neste

sentido, seu objetivo é exploratório, pois vai investigar como a obra em questão figura

personagens femininas e/ou feministas e de que forma ocorre essa figuração.

Para atingir os objetivos, serão utilizados autores como: Michelle Perrot, com Minha

história das mulheres, de 2007; Alves e Pitanguy, com O Que é Feminismo (1985); André

Michel, com O Feminismo: Uma Abordagem Histórica (1982). Simone de Beauvoir, com O

segundo Sexo (1970); Virginia Woolf, com Um Teto Todo Seu (1990), dentre outros. Após

o levantamento teórico e sua análise crítica, o romance Passeio ao Farol, de Virginia

Woolf, será analisado, para que se observe o contraste entre as personagens femininas

e/ou feministas na obra.

Desenvolvimento

Durante parte da história, a mulher foi colocada em uma posição inferior à do

homem, esta condição de subjugação foi alimentada por argumentos biológicos,

fisiológicos e até mesmo religiosos. Diante deste cenário, a mulher já nascia com esta

imposição sobre sua sexualidade, crescendo com uma educação patriarcal, fazendo-a ter

este mesmo pensamento sexista da sociedade. Com o papel de importância que o

homem assumia, a mulher passa a aceitar o espaço reservado a ela. Objetivando

desconstruir esta discriminação demasiada sobre o sexo feminino, as mulheres decidiram

lutar por seus direitos. Por consequência, o século XIX ficou marcado por diversas

manifestações feministas.

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Como a predominância da época eram escritos masculinos, as mulheres eram

retratadas a partir de personagens estereotipados. As relações de poder narradas nos

cânones literários simbolizam a esfera social, “as relações de poder entre casais

espelham as relações de poder entre homem e mulher na sociedade em geral” (ZOLIN,

2003a, p. 162). A crítica feminista volta-se então, para a alteridade, fazendo “emergir uma

tradição literária feminina” (ZOLIN, 2003b, p. 254). Esta tradição divide-se em algumas

fases e é denominada pela crítica feminista como: fase feminina, fase feminista e fase

fêmea/mulher. A fase feminina “caracteriza-se pela repetição dos padrões culturais

dominantes, ou seja, pela imitação do modelo patriarcal” (ZOLIN, 2003b, p. 256), refere-

se à primeira onda da literatura de autoria feminina. As escritoras desta época, por medo

de retaliação do público e por imposição das editoras, utilizavam pseudônimos masculinos

para publicar suas obras – essa fase durou mais ou menos de 1840 a 1880, embora seja

impossível datar precisamente a criação literária.

No final do século XIX e início do século XX inicia-se a segunda fase, denominada

fase feminista, que dura entre 1880 a 1920, mais ou menos. Neste período, o que

predomina são as denúncias sociais feitas pelas autoras, se antes as escritoras imitavam

os valores e costumes da sociedade, agora elas denunciam estes padrões vigentes. Além

disto, marca um período de descoberta feminina, principalmente sexual.

A terceira fase, a fase fêmea, “marcada pela autodescoberta e pela busca da

identidade” (ZOLIN, 2003b, p. 256), surgiu nos anos 50 e dura até os dias atuais. A partir

de então, a literatura figura mulheres que não permitem imposições sobre si; sua

personalidade, a maneira como quer ser diante da sociedade, seus pensamentos, tudo

isto ela é quem descobre, ou seja, resume-se no autoconhecimento. Simone de Beauvoir

descreve bem esta fase quando afirma que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”

(BEAUVOIR, 1970 I, p.9). A literatura serviu, durante a história, para desconstruir o

padrão masculino que se fazia presente na representação das personagens femininas.

A obra a ser analisada, Passeio ao Farol, de Virginia Woolf, foi publicada em 1927.

A autora nasceu a 25 de janeiro de 1882, em Londres. Sua grande referência criativa era

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seu pai, Sir Leslie Stephen, que permitiu que Virginia exercesse seu poder criativo

proibido para a maioria das mulheres da época. A depressão que lhe acompanhou

durante toda vida fez com que, em 28 de março de 1941 a mesma se jogasse no rio

Ouse, levando-a a morte. (A AUTORA E SUA OBRA, 1997, p. 189)

Passeio ao Farol se passa na casa de praia da família Ramsay, além da família

composta pelo Sr. e Sra. Ramsay e oito filhos, há alguns hóspedes que integram a

convivência na casa. A autora nos estabelece duas visões distintas a respeito do papel da

mulher na sociedade do século XX, a partir de duas personagens. Primeiramente, aquela

que tenta manter a harmonia do ambiente e as relações entre as pessoas: Sra. Ramsay,

uma dona de casa que vivia em favor do marido, dos filhos e de qualquer pessoa que

precisasse de seu auxílio; esta representa o retrocesso e a limitação da sociedade, e

como esta subjugação sobre a mulher está ultrapassada. Em momento algum o leitor

toma conhecimento de qual seria o primeiro nome da senhora Ramsay, uma vez que isto

é simplificado ao sobrenome de seu marido, tornando-a, após o casamento, uma simples

ramificação de um homem. Ainda assim, é possível ver a satisfação dela com a relação

conjugal. Em contraste a esta dona de casa, temos a hóspede Lily Briscoe, uma mulher

totalmente independente, pintora e que durante toda a narrativa analisa a relação

matrimonial do casal Ramsay; Lily traz para a mulher do século XX novas alternativas,

oportunizando a desconstrução histórica desta formação patriarcal vigente.

A admiração recíproca existente entre elas representa a outra face de cada uma,

como se existisse uma mulher intrínseca que não poderia manifestar-se pelo papel social

que ambas representavam. Sendo assim, a maneira que elas encontraram para vivenciar

estas mulheres é contemplando uma a outra. A autora nos mostra a união feminina, pois

mesmo com estas oposições, discrepâncias e particularidades que constituía a

personalidade de cada uma, ainda poderiam falar uma língua única, a qual o instinto

masculino não poderia compreender.

Considerações finais

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A partir do que foi exposto neste artigo, verifica-se como no início do século XX

havia uma variedade de representações femininas, tendo em vista que os avanços nas

manifestações femininas, anteriormente ocorridas, oportunizaram que mais mulheres

lutassem por igualdade entre os sexos. Diante disto, a literatura, que exerce uma forte

influência na vida e cultura de uma sociedade, também foi atingida por tais movimentos,

passando a ser um meio de as próprias mulheres terem voz. Com efeito, apoiamo-nos no

romance Passeio ao Farol, de Virginia Woolf, para exemplificar os contrastes existentes

entre as figuras femininas e/ou feministas das duas personagens: sra. Ramsay e Lily

Briscoe.

Lily Briscoe apresenta na obra a evolução que está ocorrendo na sociedade do

século XX. Com sua arte, ela se posiciona diante do pensamento machista que se faz

arraigado, manifestando um certo medo do homem pelo espaço que a mulher está

ocupando. Em oposição a isto, a Sra. Ramsay é o reflexo da educação patriarcal em que

as mulheres eram criadas sob o mesmo pensamento sexista da sociedade. Este encontro

de duas gerações, duas personalidades contrárias, explicita a importância de a mulher

não ser vista como um anjo, mas poder representar diversos papeis.

Referências A AUTORA E SUA OBRA. In: WOOLF, Virginia. Passeio ao farol. A AUTORA E SUA OBRA. Passeio ao Farol. São Paulo: Círculo do Livro, 1927, p. 189-1991. ALVES, Branca Moreira. PITANGUY, Jacqueline. O que é Feminismo. São Paulo: Abril, 1985. BONNICI, Thomas. Teoria e Crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007. MICHEL, André. O Feminismo: Uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. WOOLF, Virginia. Passeio ao Farol. São Paulo: Círculo do Livro, 1927. ZOLIN, Lúcia Ozana. Crítica Feminista. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Ozana. (org.) Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003a, p. 161-183.

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ZOLIN, Lúcia Ozana. Literatura de autoria feminina. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Ozana. Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003b, p-253-261.