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Virgílio Afonso da Silva Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo PARECER A CONSULTA Aliança de Controle do Tabagismo, associação sem fins lucrativos, voltada à promoção de ações para a diminuição do impacto sanitário, social, ambiental e econômico gerado pela produção, consumo e exposição à fumaça do tabaco, elaborou consulta acerca da extensão das restrições à propaganda de produtos derivados do tabaco autorizadas pelo art. 220, § 4°, da Constituição. No entendimento da consulente, a Constituição não garante um direito definitivo e absoluto da indústria do tabaco para fazer propaganda de seus produtos. Nesse sentido, e no intuito de fortalecer os argumentos apresentados tanto no âmbito legislativo, quanto no âmbito regulamentar, quanto, por fim, no âmbito judicial, a Aliança de Controle do Tabagismo formulou a presente consulta, mediante a apresentação dos seguintes quesitos: 1. A Constituição, em seu art. 220, § 4º, prevê que a propaganda de tabaco estará sujeita a restrições legais. Essa disposição permite a restrição total, ou seja, a supressão da propaganda de tabaco por meio de lei ordinária, considerando-se os danos que causa à saúde e a faixa etária das pessoas que começam a fumar? 2. Seria necessária uma emenda constitucional para restringir totalmente a propaganda de tabaco? 3. A Constituição asseguraria o direito da indústria do tabaco de fazer propaganda de seu produto? Largo São Francisco, 95 • 01005-010 - São Paulo-SP • Brasil • Tel. +55 11 3111-4010 / Fax +55 11 31114098 • [email protected]

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

PARECER

A CONSULTA

A  Aliança de Controle do Tabagismo, associação sem fins lucrativos, voltada à 

promoção de ações para a diminuição do impacto sanitário, social,  ambiental e econômico 

gerado pela produção, consumo e exposição à fumaça do tabaco, elaborou consulta acerca da 

extensão das restrições à propaganda de produtos derivados do tabaco autorizadas pelo art. 

220, § 4°, da Constituição. No entendimento da consulente, a Constituição não garante um 

direito definitivo e absoluto da indústria do tabaco para fazer propaganda de seus produtos. 

Nesse sentido, e no intuito de fortalecer os argumentos apresentados tanto no âmbito 

legislativo, quanto no âmbito regulamentar, quanto, por fim, no âmbito judicial, a Aliança de 

Controle do Tabagismo formulou a presente consulta, mediante a apresentação dos seguintes 

quesitos:

1. A Constituição, em seu art. 220, § 4º, prevê que a propaganda de tabaco estará sujeita a restrições  legais.  Essa disposição permite a restrição total,  ou seja, a supressão da propaganda de tabaco por meio de lei ordinária, considerando­se os danos que causa à saúde e a faixa etária das pessoas que começam a fumar?

2. Seria   necessária   uma   emenda   constitucional   para   restringir   totalmente   a propaganda de tabaco?

3. A Constituição asseguraria o direito da indústria do tabaco de fazer propaganda de seu produto?

Largo São Francisco, 95 • 01005-010 - São Paulo-SP • Brasil • Tel. +55 11 3111-4010 / Fax +55 11 31114098 • [email protected]

Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

4. A liberdade de expressão comercial está inserida na cláusula geral de liberdade de expressão e tem a mesma garantia?

5. O direito à vida e à saúde, direitos fundamentais, podem justificar restrições ao direito à liberdade de expressão, de expressão comercial e à livre iniciativa?

6. A Constituição Federal,  ao estabelecer a defesa do consumidor como garantia fundamental (art. 5°, XXXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170, V) acaba por vedar a propaganda enganosa e a propaganda abusiva e garantir o direito   do   consumidor   a   informações   verdadeiras,   claras   e   precisas.   Essas disposições   não   seriam   um   argumento   adicional   para   justificar   o   fim   da publicidade   de   um   produto   nocivo   à   saúde   e   que   comprovadamente   causa dependência e mata metade de seus usuários de longo prazo?

A resposta sintética,  ao final,  a esses quesitos exige,  dentre outras, considerações 

acerca  da idéia de restrição a direitos fundamentais e de seus limites, o que, por sua vez, 

implica   a   necessidade   da   análise   da   regra   da   proporcionalidade,   com   suas   sub­regras 

(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Implica também um exame 

prévio de certas  distinções  conceituais   importantes,  como aquelas  relativas  à   liberdade de 

fumar e ao direito à propaganda, dentre outros. É o que será feito a seguir.

1. Introdução

O debate sobre os malefícios  causados pelos produtos derivados do tabaco não é 

novo. Durante muito tempo, no entanto, essa foi uma discussão que era travada sobretudo no 

âmbito da medicina e da saúde pública. De uns tempos para cá,  esse cenário tem mudado 

rápida   e   drasticamente,   pois,   cada   vez   mais   políticas   de   combate   aos   males   do   tabaco 

dependem de um arcabouço jurídico sólido para poderem produzir os efeitos desejados. Em 

1988, quando da promulgação da Constituição, esse debate era, na área jurídica brasileira, 

ainda incipiente. Mesmo assim, a Constituição já contém dispositivos suficientes – se bem 

desenvolvidos pela legislação ordinária, pelo poder regulamentador e pelos planejadores de 

políticas públicas – para proteger os direitos daqueles envolvidos na questão. Ainda que o 

objetivo específico deste parecer seja o de responder aos quesitos formulados acima, ele pode 

também ser compreendido como uma forma de indicar que uma adequada interpretação da 

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Constituição  é   capaz  de   tornar  o  caso  brasileiro  um exemplo   internacional  de  arcabouço 

jurídico  consistente   no  âmbito  do   combate   aos   efeitos  nocivos   criados  pela   indústria  do 

tabaco.

2. Definindo os termos do debate

Antes de passar ao embate jurídico relativo à possibilidade de restrições a direitos e, 

especialmente,  à   possibilidade   de   restrição   total  à   propaganda  de  produtos   derivados   do 

tabaco, parecem ser necessárias algumas análises conceituais prévias, que envolvem alguns 

conceitos   que,   embora   muitas   vezes   utilizados   em   conjunto,   devem   ser   claramente 

distinguidos. É o que será feito nos próximos dois tópicos.

2.1. Direito de fumar e direito à propaganda

Uma primeira distinção fundamental a ser feita é aquela entre o direito (ou liberdade) 

de fumar e o direito à propaganda de produtos derivados do tabaco. Embora simples e trivial, 

muitos argumentos usados no debate parecem supor que essa distinção não existe. Não me 

parece ser necessária muita argumentação para se demonstrar a simplicidade dessa distinção e 

a necessidade de clareza no seu trato.

Em primeiro lugar, partindo­se do pressuposto conceitualmente menos exigente (que, 

para os fins deste tópico, é  suficiente),  segundo o qual existe,  indubitavelmente,  tanto um 

direito de fumar quando um direito à  propaganda  de produtos derivados do tabaco,1  o que 

salta aos olhos é  uma primeira distinção essencial:  esses direitos têm titulares distintos. O 

titular de um eventual direito de fumar seria qualquer indivíduo adulto, enquanto que o direito 

à propaganda de produtos derivados do tabaco tem como titulares aqueles que fabricam esses 

produtos. O primeiro seria um direito exercido por pessoas físicas; o segundo é um direito 

exercido   por   pessoas   jurídicas.   Isso   já   seria   suficiente   para   distinguir   o   debate   sobre   a 

restrição  ao  ato  de   fumar  do  debate  acerca  da   restrição  à  propaganda  de  cigarros.  Esses 

debates, embora tematicamente interligados, não se confundem.

1 Retornarei à questão acerca da fundamentação desse direito à propaganda mais adiante (cf. p. 9).

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Essa constatação conduz naturalmente à segunda distinção necessária: uma restrição 

à propaganda de produtos derivados do tabaco  não constitui uma restrição a uma eventual  

liberdade de fumar.  Essa distinção – à  qual muitas vezes não se dá  a devida atenção – é 

também trivial. Tanto isso é assim que é possível imaginar – sem grandes esforços criativos – 

uma situação na qual todos podem fumar livremente,  em qualquer ambiente,  em qualquer 

horário,  ainda que a propaganda de cigarros seja completamente vedada.  O fato de haver 

restrições concomitantes ao exercício dos dois direitos – de fumar e de fazer propaganda – 

não é sinal de que os debates sejam idênticos, mas apenas de que, em ambos os casos, chega­

se cada vez mais à conclusão de que essas restrições são imprescindíveis.

Mas o objeto do presente parecer  é  apenas a  restrição à  propaganda de produtos 

derivados do tabaco e não a uma eventual liberdade de fumar. A definição desse objeto leva­

nos naturalmente à  necessidade de um outro esclarecimento importante sobre os termos e 

argumentos do debate em análise.

2.2. Liberdade e paternalismo

Dada a não­atenção às distinções esclarecidas acima, é comum que se argumente que 

qualquer   intervenção   estatal   no   âmbito   da   fabricação,   do   consumo   e   da   propaganda   de 

produtos   derivados   do   tabaco   seria   uma   invasão   na   esfera   de   autonomia   privada   dos 

indivíduos sobre como conduzir sua vida, uma espécie indevida de paternalismo estatal. Aqui, 

de novo, são necessários alguns esclarecimentos conceituais.

Quando  Hannah  Arendt   supostamente   afirmou  –   como  resposta   a   amigos  que  a 

advertiam sobre os malefícios do cigarro e que pediam para que ela parasse de fumar – que 

ela se recusaria a viver para a sua saúde,2  ela claramente estava defendendo sua liberdade 

individual  de fazer  o que quiser  com sua vida e com sua saúde.  Conquanto mesmo essa 

liberdade   estritamente   individual   e   privada   possa   ter   –   e   em   geral   tem   –   efeitos   na 

coletividade (mesmo que a pessoa fume única e exclusivamente sozinha e em sua casa, já que 

2 A menção a essa resposta de Hannah Arendt é citada por Tercio Sampaio Ferraz Jr., "A liberdade de fumar:  sobre a liberdade de fumar e o direito à saúde na Constituição e na lei", in Tercio Sampaio Ferraz Jr., Direito  constitucional:   liberdade   de   fumar,   privacidade,   Estado,   direitos   humanos   e   outros   temas,   São   Paulo: Manole, 2007, p. 195.

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o custo com o tratamento das doenças relacionadas ao fumo serão custeadas com o dinheiro 

de todos3), não são esses efeitos que interessam neste momento. O que aqui interessa é muito 

mais   simples.   Se,   como   ficou   claro   no   tópico   anterior,   uma   restrição   à   propaganda   de 

produtos derivados do tabaco não é sinônimo de intervenção em uma suposta liberdade de 

fumar (e uma não implica a outra), então  todos os argumentos baseados na contraposição 

entre liberdade e paternalismo caem por terra. Não importa o quanto se restringe o direito à 

propaganda,   a   decisão   sobre   fumar   ou   não   fumar   continua   sendo   uma   decisão   única   e 

exclusivamente individual. 

Mas é necessário ir além. Quando se argumenta que ninguém, a não ser o próprio 

indivíduo, "é senhor de sua consciência, do seu pensar, do seu agir, estando aí o cerne de sua 

responsabilidade",4 esse pensamento – que, na essência, pode até ser correto – pressupõe um 

tipo ideal de indivíduo que dificilmente se encontra na realidade, um indivíduo que, tendo 

informações suficientes para a sua tomada de decisão, decide de forma sempre consciente. 

Não é meu intuito, aqui, discutir essa questão de forma global, ou seja, não é relevante aqui 

entrar no debate acerca de questões morais como a liberdade de fazer coisas erradas (para si 

ou para outrem), a proteção contra si mesmo e a idéia de fraqueza de vontade (acrasia).5 Por 

mais que se aceite que cabe ao indivíduo ser "senhor de sua consciência, do seu pensar, do seu 

agir", parece­me claro que um dos objetivos principais da vedação da propaganda de produtos 

derivados do tabaco é sobretudo a proteção de uma camada da população que, objetivamente, 

não pode ser facilmente enquadrada no tipo ideal que esse pensamento pressupõe: as crianças 

e os adolescentes. 

3 Segundo Márcia Ferreira Teixeira Pinto, o gasto anual do Sistema Único de Saúde com o tratamento de algumas doenças ligadas ao tabagismo é de R$ 338,6 milhões (dados de 2005). Cf. Márcia Ferreira Teixeira Pinto,  Custos   de   doenças   tabaco­relacionadas:   uma   análise   sob   a   perspectiva   da   economia   e   da  epidemiologia,   Rio   de   Janeiro:   Fundação   Oswaldo   Cruz/Escola   Nacional   de   Saúde   Pública   (tese   de doutorado), 2007, pp. 100 e 111. 

4 Tercio  Sampaio  Ferraz   Jr.,   "A   liberdade  de   fumar:   sobre  a   liberdade  de   fumar   e  o  direito  à   saúde  na Constituição e na lei", p. 196.

5 Para esse debate, cf., por exemplo, Jeremy Waldron, "A Right to do Wrong", in Jeremy Waldron,  Liberal  Rights,  Cambridge:  Cambridge  University  Press,  1993,  pp.  63  e   ss.;   Jürgen  Schwabe,   "Der  Schutz  des Menschen vor sich selbst", Juristenzeitung 53 (1998), pp. 66 e ss.; Michael Stocker, Plural and Conflicting Values, Oxford: Clarendon Press, 1990, pp. 211 e ss.

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Se é fato – e é fato – que as pessoas se iniciam no fumo sobretudo nessa fase da 

vida,6 parece­me que recorrer a um conceito libertário de anti­paternalismo simplesmente não 

faz sentido, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista psicológico, nem do ponto de 

vista   jurídico­constitucional.  Não   por   outra   razão,   o   ordenamento   jurídico   brasileiro,   em 

especial a Constituição, dá especial atenção à proteção da criança e do adolescente.

Além disso, falar em um indivíduo "senhor de sua consciência, do seu pensar, do seu 

agir"   quando   se   está   tratando  de  um produto  que   contém  nicotina,   uma   substância   que, 

sabidamente,   causa   dependência   física   e   psíquica   é,   no   mínimo,   algo   sujeito   a   fortes 

relativizações. O consumo de um produto que vicia parece não ser inteiramente compatível 

com a idéia de liberdade irrestrita e consciente de escolha.

2.3. A atual situação da propaganda de produtos derivados do tabaco no Brasil

Quando   aqui   se   fala   em   "propaganda   de   produtos   derivados   do   tabaco",   essa 

expressão não inclui apenas propaganda no rádio, na TV ou em revistas, mas toda e qualquer 

forma de propaganda, inclusive aquelas atualmente permitidas. Este breve tópico tem como 

função exatamente  esclarecer  que,  embora   tenha  sofrido  restrições  paulatinas  nos  últimos 

anos, a propaganda de produtos derivados do tabaco não é vedada por completo. Ela ainda 

ocorre nos pontos de venda, por meio de pôsteres, painéis e cartazes, nos termos do art. 3° da 

lei 9.294/1996 (com a redação dada pela lei 10.167/2000). Não por outra razão, os postos de 

venda – como caixas de padarias – tornaram­se verdadeiras vitrines para a publicidade de 

cigarros, cada vez mais luminosas e chamativas. 

Por   conseguinte,  quando   se   fizer  menção,  neste  parecer,   a  uma  restrição   total  à 

propaganda, isso necessariamente inclui a propaganda nos postos de venda e outras formas 

mais   sutis  de  publicidade.  Sigo  aqui,  portanto,  a  definição  dada  pela  Convenção­Quadro 

sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de 

6 Cf., nesse sentido, Harry A. Lando et al., "Age of Initiation, Smoking Patterns, and Risk in a Population of Working Adults", Preventive Medicine 29:6 (1999), p. 594. Esse estudo demonstra também que quanto mais cedo o  início no fumo,  maior é  a dificuldade  em parar  de fumar.  Cf.   também Sherry A. Everett  et  al., "Initiation of Cigarette  Smoking and Subsequent Smoking Behavior among U.S. High School Students", Preventive Medicine 29:5 (1999), pp. 327 e ss.

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Saúde em 21 de maio de 2003, e assinada pelo Brasil em 16 de junho de 2003. Em seu art. 1°, 

(c), a convenção define a propaganda dos produtos derivados do tabaco nos seguintes termos: 

"qualquer forma de comunicação, recomendação ou ação comercial com o objetivo, efeito ou 

provável   efeito   de   promover,   direta   ou   indiretamente,   um   produto   do   tabaco   ou   o   seu 

consumo". A menção à  Convenção­Quadro  conduz, por fim, ao último tópico destinado à 

definição dos termos do debate.

2.4. A Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco

Como   mencionado   acima,   o   Brasil   é   signatário   da  Convenção­Quadro  sobre 

Controle do Uso do Tabaco, a qual, desde a edição do decreto 5.658/2006, está em plena 

execução no país. Essa convenção contém uma série de dispositivos sobre a restrição total à 

propaganda de produtos derivados do tabaco que devem ser colocados em prática no Brasil. O 

principal   deles   é   o   art.   13,   especialmente   em   seus   parágrafos   1   a   3,   que   merecem   ser 

transcritos aqui:

1. As Partes reconhecem que uma proibição total da publicidade, da promoção e do patrocínio reduzirá o consumo de produtos de tabaco.

2. Cada   Parte,   em   conformidade   com   sua   Constituição   ou   seus   princípios constitucionais,  procederá   a   proibição   total   de   toda   forma   de   publicidade,  promoção e patrocínio do tabaco. Essa proibição compreenderá, em conformidade com o entorno jurídico e os meios técnicos de que disponha a Parte em questão, uma proibição total da publicidade, da promoção e dos patrocínios além­fronteira, originados em seu território. Nesse sentido, cada Parte adotará, em um prazo de cinco anos a partir da entrada em vigor da presente Convenção para essa Parte, medidas legislativas, executivas, administrativas e/ou outras medidas apropriadas e informará sobre as mesmas, em conformidade com o art. 21.

3. A Parte que não esteja em condições de proceder a proibição total devido às disposições  de   sua  Constituição ou  de   seus    princípios  constitucionais   aplicará restrições a toda forma de publicidade, promoção e patrocínio do tabaco. Essas restrições   compreenderão,   em conformidade   com o   entorno   jurídico   e  os  meio técnicos  de que disponha a  Parte  em questão,  a  restrição ou proibição  total  da publicidade, da promoção e do patrocínio originados em seu território que tenham efeitos na além­fronteira. Nesse sentido, cada Parte adotará medidas legislativas, executivas,  administrativas  ou outras  medidas  apropriadas  e   informará   sobre  as mesmas em conformidade com o art. 21. 

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Como  se  percebe,   a   convenção   tem  como  objetivo  principal   a  restrição   total  à 

propaganda dos produtos derivados do tabaco. A regra é, portanto, a restrição total.  Nesse 

sentido, uma eventual restrição não­total, nos termos do § 3°, deverá ser considerada como 

exceção, razão pela qual o ônus argumentativo está, na verdade, com aqueles que entendem 

que  a   convenção  não  deve   ser   aplicada  com  força  máxima.  Em outras  palavras,   são  os 

defensores da permissão da propaganda de produtos derivados do tabaco que têm o ônus de 

demonstrar   que   a  Constituição  brasileira   inviabilizaria   a   restrição   total   prevista   no   §   2° 

transcrito acima.  O que este parecer pretende,  portanto,  não é   justificar  uma possibilidade 

hipotética dessa restrição total, mas apenas confirmar a conformidade da Convenção­Quadro 

com a Constituição brasileira e, por conseguinte, confirmar toda a sua força executória no 

território nacional.

Feitas essas considerações   iniciais  sobre os  termos nos quais o debate deve estar 

baseado, passo a análise da questão jurídico­constitucional propriamente dita.

3. Constituição, direito à propaganda e restrição a direitos

A   Constituição   não   garante,   explicitamente,   um   direito   à   propaganda.   Para 

fundamentá­lo, alguns dos defensores da impossibilidade de restrição total à propaganda de 

produtos derivados do tabaco argumentam que a previsão constitucional da possibilidade de 

restrição   legal  a  esse   tipo  de  propaganda (art. 220,  § 4°)   significa,  ao  mesmo tempo,  um 

reconhecimento   de   um   direito   definitivo   a   essa   propaganda,   que   poderia   até   ser 

regulamentada ou conformada, mas nunca restringida ou vedada.7 

O que interessa inicialmente neste tópico é, portanto, discutir se a Constituição, de 

alguma forma, garante um direito à propaganda e, além disso, se a previsão constitucional do 

art. 220, § 4° tem alguma função garantidora de direitos nesse sentido.

Existem diversas maneiras de se determinar a extensão de um direito fundamental. 

Neste parecer, como de resto em toda a minha produção acadêmica,8 parto da premissa de que 

7 Nesse sentido, cf. o parecer de Clèmerson Merlin Clève, apresentado na ADI 3311.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

direitos fundamentais têm um suporte fático e um âmbito de proteção amplos.9 No caso em 

análise, isso significa aceitar que existe, sim, um direito à propaganda, que, por sua vez, inclui 

o direito à propaganda de produtos derivados do tabaco. Esse direito pode ser fundamentado 

por meio das normas constitucionais contidas no art. 5°,  IV (liberdade de expressão) e IX 

(liberdade de comunicação) e no art. 220 (liberdade de imprensa).

A garantia de um direito à propaganda de produtos derivados do tabaco não decorre, 

portanto, da sua menção expressa no § 4° do art. 220, que, de resto,  não é um artigo que  

garante   direitos,   mas   da   interpretação   de   outros   dispositivos   constitucionais   sobre 

manifestação do pensamento, comunicação e imprensa. Isso significa, e seria impensável que 

assim não  fosse,  que existe  um direito  à  propaganda de  tudo aquilo  que é  produzido  ou 

vendido   legalmente  no  país,   independente  da  menção  a  esse  ou  aquele  produto  no   texto 

constitucional.   Seria   no   mínimo   estranho   pensar   o   contrário,   ou   seja,   que   o   direito   à 

propaganda   de   algum   produto   só   existiria   se   isso   fosse   explicitamente   previsto   pela 

Constituição. 

Assim, há um direito à propaganda de produtos derivados do tabaco da mesma forma 

que há  um direito  à  propaganda de produtos  derivados  da farinha  de  trigo,  do milho,  de 

produtos feitos de plástico, de ferro, de aço, de produtos perecíveis e não­perecíveis etc. Essa 

constatação, apesar de trivial, é de extrema importância, como se verá a seguir.

A  Constituição   faz  menção  à   propaganda  de   apenas   alguns   produtos   e   serviços 

(tabaco,   bebidas   alcoólicas,   agrotóxicos,   medicamentos   e   terapias).   O   dispositivo 

constitucional que menciona essa propaganda (art. 220, § 4°) tem como objetivo disciplinar a 

restrição a essa propaganda. O ponto de partida, portanto, é o seguinte:

(a) A Constituição garante um direito geral à propaganda (subsumido nos direitos à liberdade de expressão, de comunicação e de imprensa).

8 Cf., por todos, Virgílio Afonso da Silva,  Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, São Paulo: Malheiros, 2009.

9 Para  outros  autores  que  partem  da  mesma  premissa,  cf.,  por   todos,  Robert  Alexy,  Teoria  dos  direitos  fundamentais,   São   Paulo:   Malheiros,   2008,   pp.   321   e   ss.;   Wolfram   Höfling,  Offene Grundrechtsinterpretation, Berlin: Duncker & Humblot, 1988, pp. 172; Martin Borowski,  Grundrechte als Prinzipien, pp. 204 e ss.; Wolfgang Kahl, "Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewährleistungsgehalt", Der Staat 43 (2004), pp. 167 e ss.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

(b) A Constituição expressamente prevê a possibilidade de que algumas formas de propaganda (de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias) sofram restrições.

Neste ponto, é necessário indagar o que significa a associação das duas premissas 

expostas   acima.  Duas   respostas   são  possíveis:   (1) O  direito  à   propaganda  de  produtos   e 

serviços   não   mencionados   na   exceção   constitucional   (art. 220,   § 4°)   é   absoluto,   já   que 

restrições   só   seriam   possíveis   nos   casos   da   propaganda   de   tabaco,   bebidas   alcoólicas, 

agrotóxicos, medicamentos e terapias; e (2) O direito à propaganda é restringível em todos os 

casos. Essas respostas, por sua vez, suscitam outros questionamentos, especialmente aqueles 

que dizem respeito à existência de direitos absolutos (no caso da resposta 1) e aqueles que 

dizem respeito à extensão das restrições possíveis (tanto no caso da resposta 1 quanto no caso 

da resposta 2). Esses questionamentos serão analisados a seguir.

3.1. A função das cláusulas de restrição

Talvez   seja   intuitivo   pensar   que,   se   um   determinado   dispositivo   legal   ou 

constitucional  prevê  expressamente  a  possibilidade  de que um direito  seja   restringido  em 

determinados casos, então nos casos não abarcados por essa previsão a restrição não seria 

permitida. Essa intuição decorre da idéia de que, se o direito pudesse ser restringido em todos 

os   casos,   a   previsão   explícita   de   restrição   em   apenas   alguns   casos   seria   inteiramente 

supérflua. Infelizmente, contudo, nem sempre a nossa intuição é capaz de perceber todas as 

nuances da interpretação constitucional. Um exemplo simplório pode ser útil para demonstrar 

o quanto essa intuição é equivocada.

Um fabricante de armas decide fazer uma ampla campanha publicitária, no horário 

nobre das principais emissoras de TV e nas primeiras páginas dos principais jornais do país, 

com o  intuito  de divulgar  o  seu mais  novo modelo  de  revólver.  As autoridades  públicas 

intervêm   para   impedir   essa   propaganda.   O   fabricante,   e   sua   agência   de   propaganda, 

argumentam que a Constituição,  que garante o direito  à  propaganda,  não impôs nenhuma 

restrição  à  propaganda  de  armas,  as  quais,  embora  sejam produtos  de  venda  e  utilização 

estritamente controladas, não são produtos ilegais.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Aquele   que   entende   que   a   restrição   à   propaganda   de   armas   é   perfeitamente 

constitucional – como provavelmente será o caso da maioria das pessoas que se debruçarem 

sobre o assunto – poderá chegar a essa conclusão ou (1) porque entende que não existe um 

direito geral à propaganda, ou (2) porque entende que esse direito, embora exista, pode ser 

restringido em alguns casos (como no caso da propaganda de armas). A primeira alternativa 

(a   não­existência   de   um   direito   constitucional   à   propaganda),   embora   não   seja   de   todo 

insustentável,   traria  consigo uma conseqüência  de difícil  aceitação,  qual  seja,  a  de que o 

exercício da propaganda, por não ter base constitucional, poderia ser restringido ao bel­prazer 

do legislador ordinário,  sem necessidade de fundamentação constitucional,  e essa restrição 

nunca poderia ser objeto de controle de constitucionalidade, já que o direito à propaganda não 

seria garantido pela Constituição. Essa não parece ser uma situação plausível, razão pela qual 

já   foi   rejeitada   acima,   ao   se   afirmar   a   existência   de   um direito  à   propaganda   em  nível 

constitucional. Resta a segunda alternativa.

A segunda alternativa, como foi visto acima, pressupõe a existência de um direito à 

propaganda, garantido em nível constitucional, mas que pode ser restringido em alguns casos. 

Com isso, volta­se à pergunta inicial e o círculo se fecha: que casos são esses? Se esses casos 

são apenas aqueles mencionados na própria Constituição (art. 220, § 4°), então a propaganda 

de armas deve ser liberada. Se essa conclusão não parece plausível – e não é – então, de todas 

as alternativas possíveis, resta apenas uma: a Constituição garante um direito à propaganda, 

que pode, como todos os outros direitos, ser restringido em determinados casos, que não são 

apenas aqueles explicitamente previstos na Constituição.

Neste   ponto,   uma   última   pergunta   retorna:   se   o   direito   à   propaganda   pode   ser 

restringido também nos casos não previstos pela Constituição, não seria a cláusula restritiva 

supérflua, como se aventou no início deste tópico? A resposta é, e só pode ser, negativa. A 

função da cláusula de restrição é deixar explícito que o legislador, nos casos nela previstos, 

tem um menor ônus de fundamentar o porquê de determinada legislação restritiva, já que esse 

porquê já é fornecido pela própria Constituição.10 No caso em análise, a própria Constituição 

10 Nesse sentido, cf. Virgílio Afonso da Silva, "Os direitos fundamentais e a lei: a constituição brasileira tem um sistema de reserva legal?", in Cláudio Pereira de Souza Neto / Daniel Sarmento / Gustavo Binenbojm (orgs.), Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 615­616.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

estabelece que a lei deverá estabelecer meios contra a "propaganda de produtos, práticas e 

serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (art. 220, § 3°, II) e é também a 

própria Constituição que já define que dentre os alvos possíveis está a propaganda de "tabaco, 

bebidas   alcoólicas,   agrotóxicos,   medicamentos   e   terapias"   (art. 220,   § 4°).   O   legislador 

infraconstitucional  está   liberado,  portanto,  do ônus de demonstrar que é  constitucional  a  

restrição à propaganda desses produtos e serviços.

Em suma, a relação entre o direito geral e a cláusula de restrição, que, no caso em 

análise, são representados pelo direito geral à propaganda e a cláusula de restrição do art. 220, 

§ 4°,  é a seguinte:  (a) o direito geral à propaganda é  um direito restringível em inúmeros 

casos, não havendo direito absoluto à propaganda; (b) a cláusula de restrição deixa explícitos 

objetivos   que   o   próprio   constituinte   impôs   ao   legislador   ordinário   e   o   libera   do   ônus 

argumentativo nesse aspecto.

As perguntas que restam, e que serão respondidas nos tópicos a seguir, são: (1) Se o 

direito à propaganda não é absoluto e pode ser restringido em inúmeros casos, qual é o limite 

para a atividade restritiva do legislador? e (2) A atividade legislativa restritiva é limitada pelo 

art. 220, § 4°?

3.2. Limites das restrições

A partir da análise desenvolvida nos tópicos anteriores, percebeu­se que, na medida 

em que não existem direitos absolutos, todos os direitos podem estar sujeitos a algum tipo de 

restrição.  O que  aqui   importa  é   sobretudo  analisar   sob  que  condições   tais   restrições  são 

possíveis e, especialmente, quais são os limites para essas restrições. No que diz respeito a 

essa última indagação, o ponto central é: pode haver restrição total a algum direito?

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Nos últimos tempos, vem se delineando um certo consenso na jurisprudência11 e na 

doutrina12 – incluindo­se aí os trabalhos que defendem posições contrárias à defendida neste 

parecer13  –   de   que   qualquer   restrição   infraconstitucional   a   direitos   constitucionalmente 

garantidos deve passar pelo teste da proporcionalidade. A proporcionalidade seria, então, a 

resposta às indagações iniciais deste tópico, já que ela é o instrumento apto a impor limites à  

atividade   restritiva   infraconstitucional.   Em   outras   palavras,   as   restrições   legais   a   algum 

direito  previsto   constitucionalmente   serão   consideradas   como  constitucionais   se,   além  de 

respeitarem os requisitos de forma e competência, passarem no teste da proporcionalidade.

Não é mais suficiente, portanto, o recurso à máxima segundo a qual "interpretam­se 

restritivamente   os   dispositivos   que   instituem   exceções   às   regras   gerais   firmadas   pela 

Constituição",   como   propunha   Carlos   Maximiliano,14  retomado   no   contexto   do   presente 

debate por Tercio Sampaio Ferraz Jr.15 Isso por duas razões. Em primeiro lugar, porque essa 

11 Apenas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dos últimos cinco anos, cf., por exemplo, AC MC 509/AP, AC MC QO 189/SP, ADI 1040/DF, ADI 1351/DF, ADI 1721/DF, ADI 2591/DF, ADI 2626/DF, ADI 2868/PI,  ADI 3146/DF,  ADI 3324/DF,  ADI 3453/DF,  ADI MC 1910/DF,  ADI­MC 3090/DF,  HC 82354/PR, HC 82788/RJ, HC 84270/SP, HC 84677/RS, HC 84862/RS, HC85379/SP, HC 85687/RS, HC 85692/RJ, HC 87223/PE, HC 87638/MT, HC 87827/RJ, HC 89417/RO, HC 89429/RO, HC 90232/AM, Inq 1957/PR,   Inq­AgR   2206/DF,   RE   346084/PR,   RE   413782/SC,   RE   418376/MS,   RE   447584/RJ,   RE 463629/RS, RE AgR 376749/PR, RE­AgR 364304/RJ, RHC 81057/SP, RHC 85656/MS, RHC 88371/SP, RMS 24699/DF,  RMS 24901/DF,  RMS 24956/DF.  Para  uma análise  dessas  decisões,  cf.  Bruno Ramos Pereira,  O uso da proporcionalidade no Supremo Tribunal Federal,  São Paulo: Dissertação de Mestrado (FD­USP), 2009.

12 De forma apenas exemplificativa, cf., dentre outros, Humberto Ávila, "A distinção entre princípios e regras e a   redefinição   do   dever   de  proporcionalidade",  Revista   de  Direito   Administrativo  215   (1999):   151­179; Suzana de Toledo Barros,  O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis  restritivas de direitos fundamentais, 2. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000; Willis Santiago Guerra Filho, "Sobre princípios constitucionais gerais: isonomia e proporcionalidade".  Revista dos Tribunais 719 (1995): 57­63; Gilmar Ferreira Mendes, "O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras",  Repertório IOB de jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo  14 (2000): 361­372; Virgílio Afonso da Silva, "O proporcional e o razoável", Revista dos Tribunais 798 (2002): 23­50; Wilson Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

13 Cf., por todos, Clèmerson Merlin Clève, "Liberdade de expressão, de informação e propaganda comercial", Crítica Jurídica  24 (2005), p. 296; Tercio Sampaio Ferraz Jr., "A propaganda de produtos submetidos às restrições do art. 220, § 4° da Constituição Federal", in Tercio Sampaio Ferraz Jr.,  Direito constitucional:  liberdade de fumar, privacidade, Estado, direitos humanos e outros temas, São Paulo: Manole, 2007, p. 229; Luís Roberto Barroso, "Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro", in Luís Roberto Barroso, Temas de direito constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 267 e, do mesmo autor, "Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional", Cadernos de Direito  Constitucional e Ciência Política 23 (1998), pp. 65 e ss.

14 Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 2. ed., Porto Alegre: Globo, 1933, § 377, p. 322.

15 Cf. Tercio Sampaio Ferraz Jr.,  "A propaganda de produtos submetidos às restrições  do art.  220, § 4°  da Constituição Federal", p. 224.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

máxima não fornece critérios, formais ou substanciais, para guiar a interpretação e o controle 

das medidas restritivas de direito. E, em segundo lugar, porque Carlos Maximiliano, como 

não poderia deixar de ser, tinha outro conceito de constituição em mente, uma constituição 

liberal e  absenteísta, nos moldes da constituição que vigia à época, a Constituição de 1891. 

Mas é importante notar que é o próprio Maximiliano que, já naquela época, ressaltava que a 

máxima  mencionada  acima  não poderia   ser,   especialmente  no  campo  do  direito  público, 

aplicada à  risca,  já  que a finalidade do texto pode ser, em vários casos, um critério mais 

importante.16

4. Conteúdo essencial de direitos e regra da proporcionalidade

Visto  que  direitos  não   são  absolutos,  mas   restringíveis   e  que  os   limites   a   essas 

restrições é definido pela aplicação da regra da proporcionalidade, faz­se necessário responder 

à  última indagação feita  no primeiro parágrafo do tópico  3.2: pode haver restrição total  a 

algum direito? Em outras palavras, a indagação que aqui importa é: uma restrição total a um 

direito pode ser, em algum caso, considerada proporcional e, por conseguinte, constitucional? 

A resposta é afirmativa, como se verá a seguir, com base na análise do chamado conteúdo 

essencial dos direitos fundamentais.17

Algumas constituições do mundo – de forma pioneira, a constituição alemã de 1949 

– contêm previsões que visam a assegurar o que se convencionou chamar de  conteúdo ou 

núcleo essencial dos direitos fundamentais. A constituição alemã, por exemplo, em seu art. 

19, II, prevê:

"Em   nenhum   caso   pode  um   direito   fundamental   ser   afetado   em  seu   conteúdo essencial". 

Em vários aspectos fortemente influenciada pela constituição alemã, a constituição 

portuguesa dispõe, em seu art. 18, 3, que:

16 Cf. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, § 377, pp. 322­323.17 Sobre  o   assunto,   cf.  Virgílio  Afonso   da  Silva,  Direitos   fundamentais:   conteúdo  essencial,   restrições   e  

eficácia, São Paulo: Malheiros, 2009. A análise desenvolvida nos próximos parágrafos segue de perto o texto desse trabalho.

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"As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais."

Também   a   constituição   da   Espanha,   em   seu   art.   53,   1,   traz   dispositivo   muito 

semelhante, nos seguintes termos: 

"Os direitos e liberdades [...] vinculam todos os poderes públicos. Somente por lei, que, em qualquer caso, deverá respeitar seu conteúdo essencial, poderá ser regulado o exercício de tais direitos e liberdades [...]."

Constituições mais recentes,  especialmente aquelas dos países da Europa oriental, 

também fortemente influenciados pelo constitucionalismo alemão, foram no mesmo caminho. 

A constituição polonesa, por exemplo, prevê em seu art. 31, 3:

"Qualquer limitação ao exercício de uma liberdade ou de um direito constitucional poderá   ser   instituída   somente   por   lei   e   somente   quando   necessária   ao   Estado Democrático   para   a   proteção   de   sua   segurança  ou  da  ordem  pública,   ou   para proteger o meio ambiente, a saúde, a moral pública ou as liberdades e os direitos de outras pessoas. Tais limitações não poderão violar a essência das liberdades e dos direitos."18

A Constituição  brasileira  não contém previsão semelhante.  Mesmo assim,  alguns 

julgados do Supremo Tribunal Federal e alguns trabalhos acadêmicos19 fazem menção à idéia. 

No chamado "Caso Ellwanger", por exemplo, o Min. Celso de Mello afirmou:

"Entendo   que   a   superação   dos   antagonismos   existentes   entre   princípios constitucionais  há  de  resultar  da  utilização,  pelo  Supremo Tribunal  Federal,  de critérios   que   lhe   permitam   ponderar   e   avaliar,   'hic   et   nunc',  em   função   de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente,  desde 

18 Para outras constituições do antigo bloco socialista do leste europeu que contêm dispositivos semelhantes, cf., por exemplo, as constituições da Estônia (art. 11), da Hungria (art. 8, 2), da Romênia (art. 53, 2) e da Eslováquia (art. 13, 4).

19 Carlos Ari Sundfeld,  Direito administrativo ordenador, São Paulo: Malheiros, 1993, pp .67 e ss.; Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 111; Ana Paula de Barcellos, Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 139 e ss.; Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2. ed., São Paulo:  Celso Bastos Editor,  1999, p.  39 e Cláudia Perotto  Biagi,  A garantia do conteúdo essencial  dos  direitos   fundamentais   na   jurisprudência   constitucional   brasileira,   Porto   Alegre:   Sergio   Antonio   Fabris Editor, 2005.

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que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses  não importe   em  esvaziamento  do   conteúdo   essencial   dos  direitos   fundamentais,   tal como adverte o magistério da doutrina".20

A expressão "conteúdo essencial" não é, contudo, auto­explicativa. Ela não diz nada 

sobre qual é a amplitude desse conteúdo essencial, nem sobre como defini­lo. Neste ponto, a 

primeira   indagação  a   ser  enfrentada  é   aquela  expressa pela  dicotomia  conteúdo  essencial 

absoluto vs conteúdo essencial relativo.21 

Aquele que eventualmente defenda que todo direito, fundamental ou não, tem um 

conteúdo essencial  absoluto  quer com isso dizer que há uma área de proteção desse direito 

que é absolutamente infensa a intervenções (estatais ou privadas) e a restrições. Essa posição, 

embora   pareça   bastante   plausível,   não   encontra   quase  nenhuma   acolhida   nos   trabalhos 

monográficos  a   respeito.22  Seu principal  problema está   ligado à   forma como definir  esse 

conteúdo absoluto. Qual seria, por exemplo,  o conteúdo essencial  absoluto e intangível da 

liberdade de expressão? Que tipo de restrição atingiria esse conteúdo essencial  absoluto e 

seria,   por   conseguinte,  inconstitucional?   Embora   não   seja   o   caso   de   fazer   uma   análise 

minuciosa da questão aqui, uma pequena digressão é necessária. 

A concepção de que cada direito fundamental  tem um núcleo intangível  absoluto 

pressupõe, necessariamente, que quanto mais intensa for a restrição a um direito, tanto mais 

esse núcleo estará ameaçado. Em outras palavras: restrições mais intensas seriam sempre, e 

necessariamente, mais perigosas. Por mais intuitiva que possa ser essa idéia, ela é equivocada. 

Um pequeno exemplo é suficiente para demonstrar esse equívoco.23

Se uma lei vier a proibir manifestações de partidos social­democratas, nos dias 10 de 

fevereiro   de   cada   ano,   entre   14   e   15   horas,   dificilmente   tal   lei   seria   considerada 

constitucional. Note­se, no entanto, que se trata de restrição ínfima – apenas um dia por ano, 

20 RTJ 188, 858 (912) (sem grifos no original). Referências idênticas podem ser encontradas em: Inq. 1957 e MS 24.369.

21 A segunda indagação importante, que será abordada mais adiante (tópico 4.1, p. 18), diz respeito à dicotomia conteúdo essencial objetivo vs conteúdo essencial subjetivo.

22 Para  um resumo das  posições  e  dos  autores  que  as   subscrevem,  cf.  Virgílio  Afonso  da  Silva,  Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, pp. 183 e ss.

23 Sobre esse exemplo, cf. Virgílio Afonso da Silva,  Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e  eficácia, pp. 106 e ss.

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durante apenas uma hora. Embora uma lei como essa estivesse longe de atingir um eventual 

"conteúdo essencial absoluto" do direito de reunião (não importa como esse conteúdo fosse 

definido),   ela   seria   considerada  inconstitucional.   Já   uma   lei  que  não  apenas  proíba,  mas 

considere   também como  crime,  punível  com  detenção,  manifestações  de  qualquer  partido 

político   em  um  determinado   dia   (o   dia   inteiro)   poderá   ser   considerada   constitucional,   a 

despeito de ser uma restrição sensivelmente mais intensa do que a mencionada anteriormente. 

É o que determina, no caso brasileiro, o art. 39, § 5°, I, da Lei Eleitoral (9.504/97), para os 

dias de realização de eleições.

Esse simples  exemplo destaca duas varáveis  importantes  para o presente parecer: 

(1) a idéia de conteúdo essencial absoluto não é parâmetro para definir a constitucionalidade 

ou a inconstitucionalidade de uma medida, já que, como se viu, medidas que não passam nem 

perto   desse   conteúdo   podem   eventualmente   ser   consideradas  inconstitucionais;   (2) a 

intensidade   de   uma   intervenção   restritiva   em   um   direito   fundamental   não   é,   sozinha, 

parâmetro suficiente para analisar sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade,  já  que, 

como se viu, uma restrição mais intensa pode ser, em alguns casos, mais aceitável do que uma 

restrição menos intensa. Se isso é assim, então o conteúdo essencial de um direito só pode ser 

definido de forma relativa, porque essa definição depende de variáveis presentes nos casos 

concretos, não sendo possível de ocorrer em abstrato.

Como se viu no tópico  3.2, o parâmetro de análise de constitucionalidade é mais 

complexo e pressupõe a aplicação da regra da proporcionalidade, que envolve uma análise 

da adequação da medida restritiva adotada, de sua necessidade e, por fim, de um sopesamento 

entre os direitos envolvidos, que, por sua vez, implica um exame comparativo entre os graus 

de restrição e realização desses mesmos direitos. A proporcionalidade é, portanto, dividida em 

três  etapas:  adequação,  necessidade  e  proporcionalidade  em sentido  estrito,  nos  seguintes 

termos: uma medida estatal que restringe um direito fundamental é  adequada  se for apta a 

fomentar os objetivos perseguidos;24 ela é  necessária se a realização do objetivo perseguido 

não puder ser promovida, com a mesma eficiência, por meio de outro ato que limite em menor 

24 Cf., nesse sentido, Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da constituição, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000, pp. 84 e 85; Suzana de Toledo Barros,  O princípio da proporcionalidade,  2. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 78; Wilson Antônio Steinmetz,  Colisão de direitos fundamentais e princípio da  proporcionalidade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 150.

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medida o direito fundamental atingido;25 ela é, por fim, proporcional em sentido estrito se o 

grau de realização do direito a ser fomentado justificar o grau de restrição ao direito atingido.

4.1. A proporcionalidade e a possibilidade de restrição total à propaganda

A restrição total à propaganda de algum produto não é, obviamente, uma restrição 

irrelevante. Dependendo do modo de encarar a questão, essa restrição pode parecer mais ou 

menos séria. Neste ponto vem à tona a segunda dicotomia fundamental relacionada à idéia da 

proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, já mencionada anteriormente, que é 

a dicotomia entre conteúdo essencial objetivo vs conteúdo essencial subjetivo.26

Como já afirmado em outro lugar,27 "no primeiro caso [conteúdo essencial objetivo], 

trata­se de uma análise acerca do direito fundamental como um todo, a partir de sua dimensão 

como direito objetivo; no segundo [conteúdo essencial subjetivo], o que importa é investigar 

se  há  um direito   subjetivo  dos   indivíduos a  uma proteção ao  conteúdo essencial  de  seus 

direitos fundamentais". 

Em geral,   há   um certo   consenso  de  que   analisar  o   problema  do  ponto  de  vista 

objetivo  é  pouco frutífero,  pois quase nenhuma restrição seria considerada ameaçadora.  A 

partir desse enfoque, a restrição total à propaganda apenas dos produtos derivados do tabaco 

seria uma restrição ínfima ao direito geral à propaganda, uma restrição que não ameaçaria 

esse direito em sua dimensão objetiva. O significado desse direito para a vida social como um 

todo28  não   estaria   ameaçado.   Assim,   ainda   que   este   parecer   pretenda   demonstrar   a 

possibilidade da restrição total dessa propaganda, esse caminho fácil não será trilhado. O que 

importa, quando se discute restrições a direitos, é o significado dessas restrições do ponto de 

vista subjetivo, ou seja, do ponto de vista daqueles indivíduos que são diretamente atingidos 

pela restrição. O controle, a partir dessa perspectiva, é necessariamente mais forte.

25 Cf., nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 2. ed., São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 72 e Virgílio Afonso da Silva,  "O proporcional e o razoável", Revista dos Tribunais 798 (2002), p. 38. 

26 Cf. a nota de rodapé 21, acima.27 Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, p. 185.28 Sobre esse conceito, cf. Konrad Hesse,  Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 

19. ed., Heidelberg: C.F. Müller, 1993, § 334, p. 141.

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Mas,   mesmo   assim,   não   é   difícil   encontrar   um   sem­número   de   exemplos   que 

demonstram que, mesmo do ponto de vista subjetivo,  há casos em que ocorrem restrições 

totais  consideradas como constitucionais:  a pena de morte   (no Brasil,  apenas em caso de 

guerra declarada) elimina por completo o direito à vida daquele que é condenado; a permissão 

legal   de   aborto   (Código   Penal,   art.  128)   restringe   totalmente   o   direito   à   vida   do   feto;29 

qualquer pena de reclusão elimina por completo a liberdade de ir e vir do condenado (mesmo 

que com determinada limitação temporal); a desapropriação elimina por completo o direito à 

propriedade daqueles que têm seus imóveis desapropriados.30

Em todos os casos, a possibilidade de restrição total   individual  é   justificada pela 

aplicação da regra da proporcionalidade. Se há razões suficientes para a restrição, ou seja, se o 

grau de realização do direito colidente justifica o grau de restrição ao direito atingido (vida, 

liberdade,  propriedade),  e  assumindo a  medida   restritiva  como adequada  e  necessária,  as 

restrições são consideradas constitucionais.

Restrições totais, embora excepcionais, não são, portanto, algo impensável a partir da 

perspectiva que assume a proporcionalidade como forma de controle às restrições a direitos.31 

E,   como   já   se   mencionou   anteriormente,32  essa   é   a   perspectiva   dominante   no   Supremo 

Tribunal Federal e na doutrina constitucional brasileira contemporânea.

Em suma: restrições a direitos fundamentais (mesmo as totais) que passam no teste  

da proporcionalidade não afetam o conteúdo essencial dos direitos restringidos,33 porque a 

aplicação desse teste de proporcionalidade está associada à idéia de que o grau de proteção ao 

direito não é definido em abstrato, de forma absoluta, mas  em concreto, de forma  relativa. 

Resta portanto, saber se uma eventual proibição total da propaganda de produtos do tabaco 

passa nesse teste.

29 Não é o caso aqui de adentrar a polêmica sobre se esse direito existe e quando ele começa. O exemplo é meramente ilustrativo.

30 Cf., nesse sentido, Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, p. 186.

31 Para   posições   nesse   sentido  na   doutrina   estrangeira,   cf.,   por   todos,   Robert  Alexy,  Teoria   dos   direitos  fundamentais, pp. 297­298. Mais recentemente, cf., por exemplo, David Bilchitz, Poverty and Fundamental  Rights, Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 81.

32 Cf. notas de rodapé 11 e 12, acima33 Cf. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 297.

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4.2. A propaganda de produtos derivados do tabaco e a proporcionalidade

Neste parecer, já ficou claro, não se adotou o caminho mais fácil para justificar a 

possibilidade de restrição à  propaganda de produtos derivados do tabaco.  Ou seja,  não se 

negou aqui a existência de um direito a essa propaganda nem se partiu de um enfoque de 

análise das restrições que fosse baseado apenas no significado da restrição para o direito como 

um todo, e não no significado da restrição para o titular do direito subjetivo. Mesmo assim, da 

mesma   forma   como   outras   restrições   totais   a   direitos   podem   ser,   sob   certas   condições, 

aceitáveis, pretendo demonstrar a seguir que isso é o que ocorre no caso em questão, a partir 

de uma análise mais detalhada da aplicação da regra da proporcionalidade. Como ficará claro 

ao   longo   da   análise,   não   se   pretende   aqui   cair   no   simplismo   de   querer   fundamentar   a 

proporcionalidade de restrições apenas com base na intuição, em preferências pessoais ou em 

simples  comparações  de   textos   legais.  A questão em análise  não é  uma simples  questão 

textual,   mas   um   problema   que   envolve   a   necessidade   de   dados   concretos   para   a 

fundamentação de decisões jurídicas. Não por outra razão será necessário, com freqüência, 

recorrer a trabalhos de outras áreas do saber, especialmente de medicina, saúde e políticas 

públicas.

4.2.1. Adequação

O primeiro  passo  do  argumento  é   definir  o  objetivo  perseguido  pela   restrição  à 

propaganda de produtos derivados do tabaco. O que se almeja com essa medida é, claramente, 

uma  diminuição  na   taxa  de  novos   fumantes  e,   acessoriamente,   também  um aumento  no 

número  de   pessoas   que   abandonam  o   cigarro,   por   meio  da   redução  do   incentivo   que   a 

propaganda faz ao ato de fumar.

Como   se   sabe,   a   esmagadora   maioria   dos   fumantes   começa   a   fumar   ainda   na 

adolescência.34  Não por coincidência, são essas as pessoas mais suscetíveis à influência da 

propaganda em geral, e da propaganda de produtos derivados do tabaco em especial.35 Assim, 

eliminar a possibilidade de propaganda nesse setor seria uma forma de diminuir o incentivo a 

34 Cf. os trabalhos mencionados na nota de rodapé 6, acima.35 Cf. os trabalhos mencionados nas notas de rodapé 37, 38, 39, 40 e 41, abaixo.

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novos   fumantes,   especialmente  os   adolescentes.  Não  há   dúvidas  de  que   essa  premissa  é 

verdadeira e, por conseguinte, de que a medida (proibição de propaganda) é  adequada para 

fomentar os objetivos perseguidos (diminuição no número de fumantes).36 Aqui, nem haveria 

muita necessidade de se alongar na demonstração desse fato. Se a medida não fosse adequada, 

ou seja, se a restrição à propaganda não fomentasse uma diminuição no número de fumantes,  

a indústria do tabaco não estaria preocupada com ela e não estaria investindo o esforço e o  

dinheiro que investe  para tentar  derrubá­la.  De resto,   imaginar  que a propaganda de um 

produto não tem o poder de influenciar as suas vendas seria contrária à própria razão de ser da 

propaganda.37

Mesmo assim, isto é, embora seja mais do que intuitiva a percepção de que há uma 

relação de causalidade entre a restrição à propaganda e o objetivo de diminuir o número de 

novos   fumantes,   especialmente   adolescentes,   é   possível   –   e,   por   razões   argumentativas, 

aconselhável  – ir além da intuição. São inúmeros os estudos empíricos que comprovam a 

premissa que aqui se adota. O caso mais emblemático talvez seja o do Reino Unido, onde o 

TAPA (Tobacco Advertising and Promotion Act), em diversas etapas, baniu a propaganda de 

cigarro no país. Há diversos estudos que comparam os níveis de propensão ao fumo entre 

adolescentes antes da entrada em vigor do TAPA, durante suas várias fases, e após a última 

fase.38 A tendência é sempre a mesma: mantidas constantes outras variáveis, quanto menos 

propaganda, menor a suscetibilidade (real ou potencial) ao fumo entre adolescentes que não 

fumam. Nos Estados Unidos, há diversos estudos semelhantes. Pierce et al., por exemplo, são 

categóricos ao afirmar: a atividade publicitária tem relação causal com o início do fumo entre 

adolescentes.39 Isso vale para qualquer tipo de propaganda, inclusive aquela feita apenas nos 

36 Sobre o conceito de adequação, nos termos do teste da proporcionalidade, cf. o tópico 4, p. 17, acima.37 Não é  à   toa que  as  marcas  de  cigarro  mais  conhecidas  entre  adolescentes  são aquelas  que  mais   fazem 

propaganda em revistas lidas por pessoas nessa faixa de idade. Cf., nesse sentido, Charles King III et al, "Adolescent Exposure to Cigarette Advertising in Magazines", Journal of the American Medical Association 279:7 (1998), pp. 516 ss.

38 Cf.,   por   exemplo,   Abraham   Brown   &   Crawford   Moodie,   "The   Influence   of   Tobacco   Marketing   on Adolescent   Smoking   Intentions   via   Normative   Beliefs",  Health   Education   Research  [advanced   access] (2009),  pp.   1   e   ss.   e  Crawford   Moodie   et   al.,   "Tobacco   Marketing   Awareness   on   Youth   Smoking Susceptibility and Perceived Prevalence Before and After an Advertising Ban", European Journal of Public Health 18:5 (2008), pp. 484 e ss.

39 Cf. John P. Pierce et al., "Tobacco Industry Promotion of Cigarettes and Adolescent Smoking", Journal of  the American Medical Association 279:7 (1998), p. 511. Cf. também, no mesmo sentido, Joseph R. DiFranza et   al.,   "Tobacco  Promotion   and   the   Initiation  of  Tobacco  Use:  Assessing   the  Evidence   for  Causality", Pediatrics  117 (2006),  pp. 1237 e ss.; Ellen Feighery et al.,  "Seeing, Wanting, Owning: the Relationship 

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

pontos de venda.40  Por fim, um dos autores de um dos estudos mais influentes nessa área, 

Nicola   Evans,   afirma   categoricamente   que   "os   resultados   de   sua   pesquisa   sustentam   a 

hipótese de que a propaganda de tabaco pode exercer uma influência no encorajamento ao 

início  da  atividade  de fumar entre  adolescentes  que é  mais   forte  do que  o convívio  com 

colegas ou familiares que fumam".41

Esse   fenômeno   é   percebido   pelos   próprios   adolescentes.   Recente   pesquisa   do 

Datafolha demonstrou que, dentre pessoas de 12 a 22 anos, 71% delas entende que a simples 

exposição de cigarros nos pontos de venda, na forma como feita hoje em dia, influencia de 

alguma forma o  fumo entre  os  adolescentes.42  63% das  pessoas  entrevistadas  acham que 

pessoas da sua idade (12 a 22 anos) podem sentir vontade de fumar simplesmente ao ver os 

cigarros expostos nos locais de venda (essa taxa chega a 71% entre os que têm entre 12 e 14 

anos).43

Não parece haver dúvidas, portanto, de que a restrição à  propaganda de produtos 

derivados do tabaco é  adequada  para o objetivo de diminuir o número de novos fumantes, 

especialmente – mas não apenas – entre adolescentes.

Contudo, antes de passar para o exame da necessidade, parece ser importante rebater 

alguns argumentos recorrentes no sentido contrário ao que foi defendido acima, pois parece­

me   que   eles   pressupõem   um   conceito   de   adequação   que   não   é   aquele   que   a   regra   da 

proporcionalidade implica. O primeiro deles é aquele baseado em um artigo sobre o consumo 

de produtos derivados do tabaco na Noruega, de autoria de Kraft e Svendsen.44 Alega­se que 

Between Receptivity to Tobacco Marketing and Smoking Susceptibility in Young People", Tobacco Control 7 (1998),  pp.123­128;   Caroline  Schooler  et  al.,  "Seventh  Graders'  Self­Reported  Exposure   to Cigarette Marketing and its Relationship to Their Smoking Behavior", American Journal of Public Health 86 (1996), pp. 1216 e ss.

40 Sobre a influência da propaganda feita nos pontos de venda, cf., por todos, Sandy J. Slater et al., "The Impact of Retail Cigarette Marketing Practices on Youth Smoking Uptake",  Archives of Pediatrics & Adolescent  Medicine 161 (2007), pp. 440 e ss.

41 Nicola Evans et al., "Influence of Tobacco Marketing and Exposure to Smokers on Adolescent Susceptibility to Smoking", Journal of the National Cancer Institute 87 (1995), pp. 1538 e ss. (sem grifos no original).

42 Cf.   Datafolha,   "Percepção   de   marcas   de   cigarros   em   pontos   de   venda",   dezembro/2008,   pp.   8   e   67 [disponível em www.actbr.org.br/uploads/conteudo/222_Datafolha­pontos­de­venda­2008.pdf].

43 Idem, pp. 8 e 71.44 Cf. P. Kraft & T. Svendsen, "Tobacco Use Among Young Adults in Norway, 1973­95: has the decrease 

levelled out?", Tobacco Control 6 (1997), pp. 27 e ss.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

os resultados da pesquisa feita por esses dois autores demonstrariam "a inexistência de relação 

comprovada, do ponto de vista da ciência, entre o banimento da propaganda nos meios de 

comunicação   de   massa   e   a   diminuição   dos   fumantes",45  ou   seja,   que   o   banimento   da 

propaganda de produtos derivados do tabaco não é nem mesmo adequado para fomentar o fim 

a que se propõe. Não é essa, no entanto, a conclusão da pesquisa mencionada. Segundo Kraft 

e  Svendsen,  a  conclusão é  apenas  a  de que,  no geral,  a  redução da taxa  de fumantes  na 

Noruega   (entre  1973  e  1995)   foi  menor  do  que  a  de  outros  países  da  Europa.   Isso  não 

significa que o banimento da propaganda não produza efeitos.  Chegar a essa conclusão é 

deixar de lado a existência de uma série de outros fatores que podem influenciar os hábitos de 

consumo de produtos derivados do tabaco. Assim, por mais que o banimento produza efeitos, 

outras   variáveis   podem,   caso   não   controladas   devidamente,   exercer   pressão   no   sentido 

contrário. E são, de novo, os próprios autores, Kraft e Svendsen, que fazem essa constatação. 

Sua conclusão final não é a de que o banimento da propaganda não é um meio adequado para 

os fins a que se propõe –  pelo contrário, eles, e diversos outros autores,46  entendem que a 

legislação   norueguesa   é   uma   experiência   bem­sucedida   –,   mas   apenas   que,   no   caso   da 

Noruega, a tendência verificada "reflete uma subutilização de medidas preventivas em geral e 

de medidas de educação para a saúde em particular. Os meios financeiros apropriados para 

esse tipo de educação e informação foram reduzidos 90% durante os anos 80".47 Ou seja, se a 

redução no número de fumantes  não foi a esperada,   isso se deveu não à   inadequação do 

banimento   da   propaganda,   mas   à   drástica   redução   de   investimentos   em   outros   setores 

relevantes no mesmo período.

Um outro argumento a ser rebatido é aquele segundo o qual "basta o registro de que 

existe controvérsia séria a respeito, e de que não é possível concluir, com segurança, que o 

banimento  da  publicidade   tenha   impacto  significativo  sobre  o  consumo de  cigarro",  para 

45 Nesse sentido, cf. o parecer de Clèmerson Merlin Clève, apresentado na ADI 3311 (Capítulo 2, "Restrição desproporcional de direito fundamental e liberdade de conformação do legislador").

46 Cf., nesse sentido, Marc T. Braverman & Leif Edvard Aarø, "Adolescent Smoking and Exposure to Tobacco Marketing Under a Tobacco Advertising Ban: Findings From 2 Norwegian National Samples",  American  Journal of Public Health 94:7 (2004), pp. 1230 e ss. e M. K. Rimpelä et al., "The Effects of Tobacco Sales Promotion  on   Initiation  of  Smoking:  Experiences   from Finland  and  Norway",  Scandinavian  Journal  of  Social Medicine  49:suppl. (1993),  pp. 5 e ss. Rimpelä  et al. fazem explícita menção às distorções que a indústria do tabaco faz desses estudos empíricos (inclusive de alguns de autoria desses mesmos autores).

47 Cf. P. Kraft & T. Svendsen, "Tobacco Use Among Young Adults in Norway, 1973­95: has the  decrease levelled out?", pp. 27 e ss.

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definir a medida (banimento) como inadequada.48 Como se sabe, para se definir uma medida 

como   adequada,   nos   termos   da   regra   da   proporcionalidade,   não   é   necessário   que   haja 

segurança   inequívoca do atingimento  completo  de  seus  objetivos,  mas  apenas  que haja  a 

perspectiva de fomento desses mesmos objetivos.49 Diante da enorme quantidade de material 

empírico nesse sentido, e a despeito de possíveis controvérsias menores, pode­se considerar a 

medida como adequada. Caso contrário, e como já foi indagado, por que seria investido tanto 

dinheiro em propaganda se ela não fosse um meio adequado para convencer as pessoas a 

consumir o produto que se tenta vender?50

4.3.2. Necessidade

Embora não seja tarefa de um parecer que pretende sustentar a constitucionalidade da 

restrição total  à  propaganda de produtos derivados do tabaco demonstrar que não existem 

alternativas a essa medida – esse ônus cabe àqueles que entendem que existem alternativas – 

parece ser possível demonstrar aqui que a proibição é, sim, medida necessária, nos termos da 

regra da proporcionalidade.

Como já foi mencionado acima,51 uma medida que restringe um direito é necessária 

se não houver outra medida que seja ao menos tão eficiente quanto, mas que restrinja menos o 

direito   atingido.   No   caso   em   análise,   as   alternativas   mais   plausíveis   à   restrição   total   à 

propaganda seriam, claro, ou nenhuma restrição ou restrições apenas parciais. Parecem ser 

necessários  poucos  argumentos  para afirmar  que uma restrição   total  é  mais  eficiente  que 

nenhuma   restrição   ou   que   restrições   apenas   pontuais.   Se   essas   alternativas   são   menos 

48 Luís Roberto Barroso, "Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro", p. 269.

49 O próprio   Luís   Roberto   Barroso   defende,   em  abstrato,   um  conceito   de   adequação   semelhante   ao   aqui defendido.   Cf.   Luís   Roberto   Barroso,   "Os   princípios   da   razoabilidade   e   proporcionalidade   no   direito constitucional",  Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, 23 (1998), p. 71. Para referências adicionais, cf. Carlos Bernal Pulido, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005, pp. 730 e ss.; Lothar Hirschberg, Der Grundsatz der  Verhältnismäßigkeit,  Göttingen: Schwartz, 1981,  pp. 50 ss.; Martin Borowski,  Grundrechte als Prinzipien, Baden­Baden:  Nomos,  1998,  p.  116;  Eberhard  Grabitz,   "Der  Grundsatz  der  Verhältnismäßigkeit   in  der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts", AöR 98 (1973), p. 572

50 Segundo a Organização Mundial da Saúde, apenas nos Estados Unidos a indústria do tabaco gasta mais de 10 bilhões de dólares anuais com propaganda. Cf. www.who.int/entity/tobacco/en/atlas22.pdf.

51 Cf. tópico 4, p. 17.

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eficientes, ainda que possam ser mais brandas com o direito à propaganda – até porque menos 

restritivas   –   elas   não   podem   contar   como   alternativas,   nos   termos   da   regra   da 

proporcionalidade. Isso porque, ao contrário do que às vezes se afirma, o teste da necessidade, 

no âmbito da regra da proporcionalidade,  não é sinônimo de "princípio da menor ingerência 

possível",52  até   porque   "menor   ingerência  possível"   será   sempre  a  omissão.  Nada  menos 

intenso do que não fazer nada. É por isso que, nesse âmbito, mais precisa é a tese segundo a 

qual,  para que alguma medida entre como possível "competidora"  nos termos do teste da 

necessidade, ela tem que ser ao menos tão eficiente quanto a medida adotada em análise.53 

Como ambas as alternativas mencionadas acima são menos eficientes do que a restrição total 

à publicidade, elas estão "fora do páreo".

A única alternativa que restaria para a indústria do tabaco seria defender a liberdade 

parcial   da   propaganda   acompanhada   de   campanhas   de   esclarecimento.   Contudo,   essa 

alternativa também não consegue vencer a proibição total no teste da proporcionalidade. A 

razão  é   simples:   porque  a   restrição   total   também pode  –  e   deve  –   ser   acompanhada  de 

campanhas  de  esclarecimento.  Se   isso  é   assim,  a  variável  "campanha  de  esclarecimento" 

deixa de ser relevante no problema, já que está presente em ambos os cenários. Com isso, 

volta­se ao cenário descrito no parágrafo anterior, favorável à restrição total. 

Além disso, existem inúmeros indícios empíricos de que as campanhas publicitárias 

de produtos do tabaco são muito mais efetivas (mais recepcionadas pela população­alvo) do 

que  as  campanhas  anti­tabaco.54  Diante  disso,  cairia  por   terra  um eventual  argumento  no 

sentido de que seria eficiente manter formas de propaganda de produtos derivados do tabaco, 

desde que campanhas de esclarecimento ocorressem de forma paralela

52 Sobre o teste da necessidade como sinônimo de "princípio da menor ingerência possível", cf. Luís Roberto Barroso, "Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro", p. 270.

53 Nesse sentido, cf. Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, p. 173. É interessante notar que o próprio Barroso inicia sua análise do teste da necessidade com uma citação do Tribunal Constitucional Federal  alemão, na qual se lê  claramente que, para que se possa definir uma medida como não necessária, é preciso que a alternativa suscitada seja "igualmente eficaz" (BVerfGE 39, 210 [230­1]).

54 Cf.,  por  exemplo,  Jennifer  B. Unger,  "Measuring Exposure  to Pro­  and Anti­tobacco  Marketing  Among Adolescents", Journal of Health Communication 6:1 (2001), pp. 11 e ss. (especialmente p. 19).

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4.3.3. Proporcionalidade em sentido estrito

Como já foi visto acima,55 no debate acerca da proporcionalidade em sentido estrito o 

que está em jogo é sobretudo uma comparação entre graus de restrição a direitos e graus de 

realização dos direitos contrapostos. Como visto em vários momentos acima, a perspectiva 

aqui adotada é a mais favorável à indústria do tabaco. Essa opção tem fundo argumentativo: 

se se demonstra que uma restrição total  à  propaganda é   justificável até  mesmo quando se 

parte   dos   pressupostos   defendidos   pela   indústria,   é   plausível   supor   que,   sob   condições 

argumentativas menos favoráveis aos interesses dos produtores (por exemplo, quando se nega 

a  própria   existência  do  direito  à  propaganda),   justificar   essa   restrição   total  é   ainda  mais 

simples. 

Assim, como já  se salientou, ao invés de negar um direito à propaganda, parte­se 

aqui   de   que   esse   direito   existe,   como   parte   do   direito   à   liberdade   de   expressão   e   de 

comunicação;56 e, ao invés de fazer uma análise da restrição ao direito a partir de um enfoque 

objetivo (o significado da restrição para a ordem jurídica como um todo), essa análise é feita a 

partir   de   um   enfoque   subjetivo   (o   significado   da   restrição   para   os   titulares   do   direito 

restringido).57 Por fim, ao invés de levar em consideração também a importância abstrata dos 

direitos atingidos, aqui será levada em consideração apenas a perspectiva dos graus concretos 

de   restrição   e   realização.  Ao  não   se   considerar   aqui   a   importância   abstrata   dos  direitos 

atingidos,58 concede­se, por assim dizer, uma última chance aos argumentos da indústria do 

tabaco,   já   que,   se   essa   importância   abstrata   fosse   levada   em consideração,   a   posição  da 

indústria seria, de antemão, insustentável, já que se está falando de direito à vida e direito à 

saúde em face do mero exercício de um direito à propaganda. Por isso, será deixado de lado 

aqui – por razões argumentativas – a enorme diferença de importância abstrata dos direitos 

envolvidos.

55 Cf. tópico 4, p. 18.56 Cf. p. 9, acima.57 Cf. tópico 4.1, p. 18.58 Para uma defesa de se incluir a importância abstrata dos direitos envolvidos no processo de sopesamento 

(não como fator único, mas como fator complementar), cf.,  por todos, Robert Alexy,  Teoria dos direitos  fundamentais, p. 604, nota 64.

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Assim, o que está  aqui em jogo é  uma comparação entre o grau de realização ao 

direito à vida e ao direito à saúde, de um lado, e o grau de restrição à liberdade de expressão e 

à liberdade de comunicação, de outro. Aqui, de novo, seguindo a tônica deste parecer, meras 

intuições   sobre  o   assunto  não   são   suficientes.  Por  mais   que  não  haja   uma possibilidade 

matemática de mensuração de graus de restrição e graus de realização a direitos, é possível e 

necessária, ainda assim, a construção de uma argumentação racional nesse âmbito.59

Como já se mencionou acima,60 com a restrição à propaganda de produtos derivados 

do tabaco pretende­se diminuir o número de novos usuários, especialmente entre as pessoas 

mais jovens. A relação de causalidade entre uma intensa restrição à propaganda e a potencial 

diminuição no número de fumantes ficou clara, especialmente por meio dos estudos empíricos 

citados anteriormente.61 Também a já mencionada pesquisa do Datafolha demonstra como a 

realização do objetivo perseguido tem relação direta com a restrição da propaganda.62

Neste ponto, a indagação que se faz necessária é: quanto isso significa de realização 

do direito à vida e do direito à saúde? A resposta, também aqui, está estritamente ligada a 

dados   empíricos.   Segundo   a   Organização   Mundial   da   Saúde   (OMS),   o   tabagismo   é   a 

principal causa de mortes evitáveis no mundo inteiro.63 Em 1999, o Banco Mundial afirmava 

que cerca de 4 milhões de pessoas morriam por ano em decorrência do tabaco.64 Em 2008, a 

OMS já contabiliza 5,4 milhões de mortes anuais.65 A projeção é de que esse número chegue a 

10 milhões por ano em 2030, com um claro aumento no número de mortes nos países em 

desenvolvimento   (de  2  milhões  para  7  milhões  por   ano).66  Apenas  no  Brasil,   segundo o 

Instituto Nacional de Câncer, são 200.000 mortes por ano, ou seja, cerca de 548 mortes por 

dia.67

59 Nesse sentido, cf.  Virgílio Afonso da Silva,  Grundrechte und gesetzeberische Spielräume,  Baden­Baden: Nomos, 2003, pp. 89 e ss. e Ana Paula de Barcellos,  Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

60 Cf. tópico 4.2.1.61 Cf. notas de rodapé 37, 38, 39 e 40.62 Cf. notas de rodapé 42 e 43.63 Cf.  World  Health  Organization,  Report  on   the  Global  Tobacco  Epidemic,  2008,  p.  8   (disponível  em 6 

idiomas diferentes em www.who.int/tobacco/mpower/gtcr_download/en/index.html).64 Cf.   World   Bank   Group,  Maîtriser   l’épidémie:   l’État   et   les   aspects   économiques   de   la   lutte   contre   le  

tabagisme, Washington: World Bank, 1999, p. 22.65 Cf. World Health Organization, Report on the Global Tobacco Epidemic, 2008, p. 6.66 Idem, p. 23.67 Cf. os dados em www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=dadosnum&link=brasil.htm.

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Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Como se percebe, não são números pequenos. Se uma ampla restrição à propaganda 

fomenta a redução desses números – e não parece haver dúvidas de que fomenta – o grau de 

realização  do  direito  à   saúde   e   do  direito  à   vida  decorrente   dessa  medida  é   claramente 

elevado. Em outras palavras: ganha­se muito. E ganha­se muito mesmo que o banimento da 

propaganda consiga reduzir o número de fumantes em apenas 10% ou algo semelhante.

Do lado do direito à propaganda dos fabricantes de produtos derivados do tabaco, 

não há dúvida também de que o grau de restrição é elevado. Mas, como já foi mencionado 

anteriormente,68  os direitos garantidos constitucionalmente são a liberdade de expressão e a 

liberdade   de   comunicação,   aos   quais   o   direito   à   propaganda   é  atribuído   por   meio   de 

interpretação.69 Embora essa atribuição não seja pacífica – ou seja, embora muitos possam 

entender que o direito à propaganda não é protegido constitucionalmente – adotou­se, aqui, a 

premissa  mais  benéfica  à   indústria  do  tabaco,  como  já   se  salientou  várias  vezes.  Mesmo 

assim, se a análise do direito atingido for a análise dos direitos à liberdade de expressão e à 

liberdade de comunicação, percebe­se claramente que o direito à propaganda constitui apenas 

uma pequena parte desses direitos, que são muito mais amplos.70 Nesse sentido, ainda que a 

restrição à propaganda seja elevada,  quando analisada no contexto dos direitos na qual se 

insere   (expressão e comunicação),  essa  restrição atinge  apenas  uma parte  pequena desses 

direitos.

Diante  disso,  percebe­se  que  a   restrição  à   propaganda  de  produtos  derivados  do 

tabaco,  ainda  que   total,  pode ser  considerada  uma  restrição proporcional,  porque  tende  a 

realizar em grande medida a proteção à saúde e à vida, restringindo de forma apenas parcial 

os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de comunicação.

Mas é possível ir além. Mesmo que se parta de uma premissa ainda mais benéfica à 

indústria   do   tabaco   –   a   de   que   o   direito   à   propaganda,   mesmo   não   sendo   um   direito 

explicitamente garantido pela Constituição, deve ser analisado de forma autônoma em face da 

68 Cf. p. 9, acima.69 Sobre o conceito de norma atribuída, cf. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, pp. 69 e ss.70 Embora defenda tese distinta da sustentada neste parecer, essa premissa parece ser aceita também por Tercio 

Sampaio   Ferraz   Jr.,   quando   afirma   que   a   comunicação   e   a   persuasão   não   se   reduzem   ao   instrumento publicitário. Cf. Tercio Sampaio Ferraz Jr., "A propaganda de produtos submetidos às restrições do art. 220, § 4° da Constituição Federal", p. 234.

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proteção ao direito à vida e ao direito à saúde – o cenário não mudaria. A razão é simples: 

vamos supor que se considere que, se analisarmos o direito à propaganda de forma autônoma, 

chegaríamos à conclusão de que a restrição à propaganda de produtos derivados do tabaco é 

elevada. Nesse caso, estaríamos diante de uma restrição intensa como meio para se realizar 

uma também intensa proteção dos direitos à vida e à saúde. Nesses casos – em que tanto o 

grau de restrição quanto o grau de realização são equivalentes – pode o legislador tomar a 

decisão que entender mais adequada para a realização dos direitos fundamentais. O que os 

autores que se ocupam desse tema costumam afirmar é que, em casos de impasse como esse, 

o   legislador   tem   uma   liberdade   de   conformação   para   decidir.71  Mas   essa   é   uma   regra 

argumentativa   geral.  No   caso  brasileiro,   contudo,   há   argumentos  constitucionais  para   se 

desfazer o impasse. O primeiro deles é o art. 220, § 4°, que, como já salientado, fornece uma 

razão extra contra a propaganda de produtos de tabaco e a favor da proteção da saúde e da 

vida dos indivíduos. O segundo é a proteção especial que a Constituição confere à saúde da 

criança e do adolescente (art. 227), que são os alvos preferenciais da propaganda de cigarro.72 

Neste  ponto,   alguém poderia   argumentar  que,  na  medida  em que  a  venda  de  cigarros  é 

proibida para menores de 18 anos, o argumento baseado na proteção da saúde da criança e do 

adolescente seria improcedente. Como já foi mencionado acima, é sabido que é nessa fase da 

vida que os fumantes têm seu primeiro contato com o cigarro.73 Além disso, não é preciso 

muito esforço para perceber a alarmante quantidade de adolescentes e crianças que fumam. 

Quem anda pela rua, quem passa em frente a escolas, percebe isso facilmente.  Por fim, e 

como também já foi visto acima, existem inúmeras pesquisas que demonstram a influência da 

71 Cf.,   nesse   sentido,   Robert   Alexy,  Teoria   dos   direitos   fundamentais,   p.   603;   do   mesmo   autor, "Verfassungsrecht und einfaches Recht",  VVDStRL 61 (2002), p. 22; e Martin Borowski, "Die Bindung an Festsetzungen des Gesetzgebers in der grundrechtlichen Abwägung", in Jan­R. Sieckmann & Laura Clérico (orgs.), Grundrechte, Prinzipien und Argumentation, Baden­Baden: Nomos, 2009, p. 113.

72 Cf., nesse sentido, os tópicos 2.2 e 4.2.1 deste parecer.73 Cf., nesse sentido, Harry A. Lando et al., "Age of Initiation, Smoking Patterns, and Risk in a Population of 

Working Adults", Preventive Medicine 29:6 (1999), p. 594 e Sherry A. Everett et al., "Initiation of Cigarette Smoking and Subsequent Smoking Behavior among U.S. High School Students", Preventive Medicine 29:5 (1999), pp. 327 e ss.

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propaganda de cigarro em crianças e adolescentes.74 E a indústria sabe disso, porque cada vez 

mais direciona a apresentação estética de seus produtos para o público infanto­juvenil.

Nesse   sentido,   é   a   própria   Constituição   que   já   indica   um   claro   caminho   para 

solucionar o  impasse,  em favor da restrição e em detrimento do direito  à  propaganda.  Se 

somarmos a isso a força dos dispositivos da já mencionada Convenção­Quadro sobre Controle 

do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde, e em 

vigor no Brasil desde 2006, essa solução do impasse  em favor da restrição e em detrimento 

do direito à propaganda fica ainda mais clara.

Diante de tudo o que foi exposto até aqui, percebe­se que uma restrição à propaganda 

de   produtos   derivados   do   tabaco,  ainda   que   total,   passa,   até   mesmo   nos   cenários   mais 

favoráveis às teses defendidas pela indústria do tabaco, no teste da proporcionalidade e, por 

isso, deve ser adotada pelo legislador brasileiro, da mesma forma como já ocorre ou está em 

vias de ocorrer em alguns países do mundo. A utilização, na frase anterior, do verbo "dever" e 

não   apenas   do   verbo   "poder"   justifica­se,   mais   uma   vez,   em   face   dos   dispositivos   da 

Convenção­Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco. Se o Brasil não fosse signatário da 

Convenção,   a   restrição   total   seria   talvez   uma   possibilidade.   Como   a   Convenção   já   foi 

assinada, aprovada no Poder Legislativo75  e no Poder Executivo,76 a restrição total deixa de 

ser uma possibilidade e passa a ser um dever.

5. Resposta aos quesitos

À vista de todo o exposto, passo agora a responder sinteticamente aos quesitos da 

consulta.

74 Cf.,  por  exemplo,  Jennifer  B. Unger,  "Measuring Exposure  to Pro­  and Anti­tobacco  Marketing  Among Adolescents", Journal of Health Communication 6:1 (2001), pp. 11 e ss.; Nicola Evans et al., "Influence of Tobacco Marketing and Exposure to Smokers on Adolescent  Susceptibility to Smoking",  Journal of  the  National Cancer Institute 87 (1995), pp. 1538 e ss.; Abraham Brown & Crawford Moodie, "The Influence of Tobacco Marketing on Adolescent Smoking Intentions via Normative Beliefs", pp. 1 e ss.

75 Por meio do decreto legislativo 1.012/2005.76 Por meio do decreto 5.658/2006.

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Ao 1o quesito

A Constituição, em seu art. 220, § 4º, prevê que a propaganda de tabaco estarásujeita a restrições legais. Essa disposição permite a restrição total, ou seja, a supressãoda propaganda de tabaco por meio de lei ordinária, considerando­se os danos que causaà saúde e a faixa etária das pessoas que começam a fumar?

Sim. Como se viu ao  longo deste parecer,  o critério  de controle  das  restrições  a 

direitos   previstos   constitucionalmente  mais   aceito   pelo  Supremo  Tribunal  Federal   e   pela 

doutrina jurídica brasileira é o critério da  proporcionalidade. Segundo esse critério, não há 

que se falar, de antemão, em um conteúdo essencial absoluto para esses direitos. Restrições a 

direitos (mesmo as totais) que passam no teste da proporcionalidade não afetam o conteúdo 

essencial dos direitos restringidos. Como de demonstrou, uma restrição total à propaganda de 

produtos derivados do tabaco é, em relação aos objetivos perseguidos – diminuir o número de 

novos   fumantes,   especialmente   entre   adolescentes   –   uma  medida   adequada,   necessária   e 

proporcional em sentido estrito.

Ao 2o quesito

Seria   necessária   uma   emenda   constitucional   para   restringir   totalmente   apropaganda de tabaco?

Não. Não há nada no texto constitucional que impeça que o legislador ordinário e o 

poder regulamentador restrinjam a propaganda de produtos derivados do tabaco, na medida 

adequada, necessária e proporcional. Pelo contrário, é o próprio texto constitucional que já 

indica que a restrição à propaganda desses produtos poderá sofrer restrições, sem especificar 

um limite para tanto.

Ao 3o quesito

A   Constituição   asseguraria   o   direito   da   indústria   do   tabaco   de   fazerpropaganda de seu produto?

Não explicitamente. Mesmo assim, se partirmos de uma perspectiva mais generosa, é 

possível derivar um direito à propaganda das normas que garantem o direito à livre expressão 

do pensamento (Constituição, art. 5°, IV) e à livre comunicação (Constituição, arts. 5°, IX e 

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220). Mas esse é um direito prima facie, que, nesse sentido, pode ser restringido. Não se trata, 

portanto,  de  um direito  absoluto  nem definitivo.  Circunstâncias   fáticas  e   jurídicas  podem 

condicionar a sua realização, podendo haver restrição total se isso for adequado, necessário e 

proporcional para a realização de outros direitos fundamentais  (como o direito à  vida e à 

saúde, por exemplo).

Ao 4o quesito

A liberdade de expressão comercial está inserida na cláusula geral de liberdadede expressão e tem a mesma garantia?

Não explicitamente.  Mas, como foi afirmado na resposta ao quesito 3, é  possível 

derivar,  da norma que garante  a   liberdade de expressão (art. 5°,   IV),  em conjunto  com a 

norma que garante a liberdade de comunicação (arts. 5°, IX e 220), um direito à liberdade de 

expressão comercial. Com relação à força da garantia dessa norma, há diversos argumentos 

que poderiam ser utilizados para fundamentar a tese segundo a qual o direito à propaganda 

não seria, em abstrato, tão importante quanto outros direitos, como o direito à vida e à saúde. 

Neste   parecer,   embora   esse   pressuposto   teórico   tivesse   sido   mais   favorável   à   tese   aqui 

defendida, decidi percorrer outro caminho, que foi o de não questionar a importância abstrata 

dos direitos  envolvidos.  Mesmo assim, ou seja,  mesmo partindo do pressuposto de que o 

direito à propaganda estaria no mesmo nível de um direito como direito à vida, demonstrou­se 

aqui  que a   restrição ao  direito  à  propaganda,  por   ser  proporcional,  deve ser  aceita  como 

constitucional.

Ao 5o quesito

O direito à vida e à saúde, direitos fundamentais, podem justificar restrições aodireito à liberdade de expressão, de expressão comercial e à livre iniciativa?

Sim. Como ficou claro ao longo de todo o texto deste parecer e nas repostas aos 

quesitos acima.

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Ao 6o quesito

A Constituição Federal, ao estabelecer a defesa do consumidor como garantiafundamental (art. 5°, XXXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170, V) acabapor  vedar  a  propaganda   enganosa   e   a  propaganda  abusiva   e   garantir   o  direito  doconsumidor a informações verdadeiras, claras e precisas. Essas disposições não seriamum argumento adicional para justificar o fim da publicidade de um produto nocivo àsaúde e que comprovadamente causa dependência e mata metade de seus usuários delongo prazo?

Sim.  Como  foi   visto   ao   final   do  parecer,   ao   lado  dos  princípios   constitucionais 

envolvidos mais diretamente no sopesamento, há outros que fazem com que a balança penda 

ainda mais para o lado da proibição de propaganda. O primeiro deles foi a proteção da saúde 

da   criança   e   do   adolescente.   O   segundo   foi   justamente   a   proteção   ao   consumidor.   Ao 

contrário do que às vezes se afirma, a propaganda de produtos derivados do tabaco não é algo 

que   realiza   o   direito  à   informação,  mas,   ao   contrário,   é   algo  que  pretende   convencer   o 

indivíduo a comprar  algo  que faz  mal  a  sua saúde,  não  importa  de que forma,  com que 

freqüência e em que quantidade for consumido.

É o meu parecer.

São Paulo, 4 de setembro de 2009

Virgílio Afonso da SilvaProfessor Titular de Direito ConstitucionalFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo

O conteúdo e as conclusões aqui apresentados são de exclusiva responsabilidade do autor e não refletem necessariamente as opiniões da Universidade de São Paulo

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