paradigma de unidade

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    O cnon do N T para digma da unidade da Igreja ?

    O cnon do Novo Testamento paradigmada unidade da Igreja?

    Gottfried Brakemeier

    Introduo

    As igrejas esto em dvida com o ecumenismo. O povo cristo, principalvtima da desunio das igrejas, se frustra com a lentido na aproximao dasigrejas. Desconfia haver falta de seriedade nas intenes ecumnicas, tantas vezesafianadas pelas lideranas eclesisticas. De fato, a notria inflexibilidade deestruturas, a resistncia a reformas, o temor da perda de identidade, bem como odesejo de segurar poder e de garantir a sobrevivncia das instituies, por demaisvezes tm obstaculizado a comunho dos santos. A fragmentao da uma Igrejade Cristo pode ter causas muito humanas . salutar lembrar esses aspectos.

    E, no entanto, seria errneo atribuir as dificuldades ecumnicas a essesfatores to-somente. Seria uma perigosa simplificao. Diferenas tm muitasvertentes. Nascem, entre outras, de caminhadas histricas distintas e de contextosespecficos. Resultam de experincias de vida peculiares, de determinadas nfasesteolgicas e premissas hermenuticas. A diversidade, incluindo a confessional, nodecorre necessariamente de culpa.At certo limite ela fruto da natureza histricado ser humano e do mundo. A uniformidade costuma ter por preo um regimeditatorial que suprime a variedade tpica da criao. A diversidade, portanto, dealguma forma natural . Em princpio, ela no conflita com a unidade.

    Assim sendo, a pergunta crucial do ecumenismo no pode consistir em comoevitar a pluralidade, e, sim, em como assegurar-lhe a funo construtiva no corpode Cristo. Nem toda diversidade edifica (cf. 1 Co 14). O corporativismo nacomunidade de Corinto, por exemplo, manifesto na existncia de grupos rivalizan-tes, foi considerado por Paulo altamente danoso, divisor da Igreja (1 Co l.lOs.).Da mesma forma h que se admitir haver divergncias doutrinais, ticas ou outrasque foram a ruptura. Pois o evangelho no permite a cumplicidade com o mal oucom o erro. O ecumenismo procura estabelecer critrios para a delimitao e omanejo da diversidade na Igreja.Avalia diferenas na tentativa de faz-las convergir. Ele pergunta: quanta base comum necessria para a unidade da' Igreja? Asrupturas do passado se justificam ainda hoje? Enfim, quanta diversidade o corpode Cristo capaz de tolerar?

    Nesse esforo a viso da unidade a ser perseguida desempenha papel

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    fundamental1. O movimento ecumnico est atolado justamente nesta questo.Unidade significa o qu? Simples coexistncia? Dever consistir numa organizao com governo nico? Ou ser bastante preconizar uma federao de igrejas?

    Que a unidade deve ser visvel, isto convico comum. Ela precisa documentar-se. Mas quais as expresses que exige, isto controvertido.

    Na busca de resposta dirigimos nossa ateno primeira cristandade. Comoresolveu ela o problema da unidade na diversidade? No consultaremos os autoresdo Novo Testamento individualmente, seja Paulo, seja Joo ou outro2. Suas concepes concernentes unidade do corpo de Cristo so, sem dvida, da mais altarelevncia. Entretanto, nosso interesse se volta ao Novo Testamento em seu todo. sabido que a criao de um cnon de escritos neotestamentrios foi uma das

    providncias tomadas pela Igreja antiga para impedir a desintegrao e manter aIgreja na rota da verdade. Qual a viso de unidade que se espelha neste cnon?Todas as igrejas reconhecem o Novo Testamento como Sagrada Escritura. Possui,

    por isto, enorme importncia ecumnica.

    Antes de entrarmos no assunto, porm, ser imprescindvel diagnosticar commaior preciso algumas causas dos impasses na caminhada ecumnica da atualidade. H uma estrutura de pensamento que antes promove nas igrejas o isolamentodo que a comunho.

    1 Modelos de unidade e os princpiosdas instituies

    O movimento ecumnico, em sua trajetria recente, desenvolveu vriosmodelos de unidade eclesial. Lembramos o da unidade orgnica , o da comunho conciliar , o da diversidade reconciliada . O mais novo projeto se articulano termo koinonia3.No h necessidade de apresentar e discutir esses modelos. Oque surpreende que to poucos efeitos tenham surtido. Permaneceram at agoraidias sem corpo. No por acaso, pois, que cresce o clamor por recepo 4.Espera-se das igrejas a acolhida dos progressos obtidos nos dilogos doutrinais, nacooperao em programas diaconais, na exegese bblica, no testemunho proftico,na orao conjunta. Em todas essas reas, o ecumenismo deu saltos e tomou afrente. Mesmo assim, os cristos continuam oficialmente impedidos de juntoscomungarem na mesa do Senhor. As instituies eclesisticas demoram em tradu-zir os consensos dogmticos e as experincias prticas em estruturas de unidade.

    As razes para esse paradoxo foram bem identificadas por L. Boff. Constata

    ele uma assimetria entre os princpios de unidade das denominaes e os domovimento ecumnico. A Igreja latina enfatizou o governo hierrquico como ofundamental princpio de unidade: unus grex sub uno pastore(um povo s sob um

    pastor s; unum corpus [populus] sub uno capite) (...) A Igreja oriental ortodoxa

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    acentuou principalmente o sacramento como princpio criador de unidade, particularmente a eucaristia (una eucharistia, unus grex)."5

    Para os luteranos, assim podemos prosseguir, a unidade constituda peloconsenso na doutrina. Assim o estabelece o artigo VII da Confisso de Augsburgo:E para a verdadeira unidade da Igreja basta que haja acordo quanto doutrinado evangelho e administrao dos sacramentos. Para ainda outros gruposcristos uma determinada prtica adquire qualidade decisiva, como acontece no

    pietismo ou em igrejas pentecostais. Ainda de acordo com L. Boff, as comunidades eclesiais de base se constroem sobre a opo em favor dos humilhados, demodo que o princpio da unidade passa a ser: una optio, unus grex(uma opo,um povo) 6. H muito que pode constituir-se em princpio de unidade eclesistica.

    Nenhuma Igreja vai defender um desses princpios em termos exclusivos.Num consenso doutrinalest embutido certo consenso na prxis e vice-versa. Algoanlogo vale para a estrutura organizacional que, por implicar determinada com

    preenso de ministrio, costuma ser tratada como questo de doutrina. A pergunta-chave diz respeito ao elemento predominante. Que realmente essencial? Ser oministrio, o sacramento, a doutrina, a piedade, uma opo, um compromisso ticoou outra coisa? Pois sobrepondose uns aos outros esses princpios se tomamaltamente excludentes. Unem e ao mesmo tempo dividem.Eis por que no adiantadesenvolver novos projetos de unidade eclesistica, enquanto as igrejas no esti

    verem dispostas a atenuar a rigidez de seu princpios internos e a reconhecer alegitimidade de outras expresses da mesma f. O ecumenismo est entravadodevido inflexibilidade das igrejas neste tocante. Uma pretende impor outra seus

    prprios princpios de unidade e o seu modo de vivenciar a f.

    Para compreender a rigidez denominacional ser preciso ter em mente queos princpios a que nos referimos definem em boa medida a identidade dos grupos.Para a Igreja Catlica, a estrutura hierrquica, centrada no bispo de Roma, constitutiva de seu ser Igreja. Funo anloga cabe confisso nas igrejas lutera

    nas, ao batismo de crentes entre os batistas, converso declarada em gruposavivalistas. O distintivo identifica. O questionamento dessas particularidades ou aexigncia de a elas renunciar so sentidos como agresso prpria identidade, aoque se reage alergicamente. A autenticidade da f, assim se diz, est em jogo. Qual a Igreja autntica, respectivamente a forma legtima de ser Igreja? As respostasdivergem de acordo com o distintivo das instituies eclesisticas, sendo que oexclusivismo da prpria posio serve no apenas para a autolegitimao, comotambm para assegurar a sobrevivncia do grupo. A condenao dos outros podeser uma forma sutil de autojustificao .

    Nessa luta o ecumenismo tem dificuldades de avanar. Pois unidade concebvel nessas circunstncias somente como resultado da absoro de umainstituio por outra. Isto, porm, implica uma disputa de poder, ou seja, uma guerra religiosa , ainda que travada apenas com armas verbais e psicolgicas.Algum vai ter que se render. Apesar do ambiente amigvel em muitos encontros

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    ecumnicos da atualidade, esta a situao objetiva. Ela escandalosa por jogarem descrdito o evangelho de que todas as igrejas se dizem portadoras.

    O remdio parece consistir no sepultamento dos princpios denominacionais

    e na volta estaca zero para uma nova largada7. Tal pretenso, repetidas vezesmanifestada, no s se revelou como ilusria, mas tambm como inadequada. Poisos princpios de unidade das igrejas e dos movimentos dentro ou fora delas noforam escolhidos arbitrariamente. So de extraordinrio peso teolgico, que no

    permite desprezo. Por essa razo esses princpios no podem ser dispensados paratermos, mesmo por breve tempo, uma Igreja a-confessional. Sem as denominaesno vai sobrar Igreja.

    A estratgia deve ser outra. No a eliminao, e, sim, a reconceituao dos

    princpios confessionais promete xito. O que constitui de fato a unidade daIgreja? Denominaes , movimentos, grupos no so novidade na histria dacristandade. Fazem parte da mesma desde as origens, um fenmeno de extraordinrio significado ecumnico.

    2 A diversidade na origem da Igreja

    Tambm outras religies subdividem-se em partidos, registram faces riva-

    lizantes e enfrentam o desafio da multiplicidade. No obstante, o problema ecu-mnico parece ser de alguma forma uma peculiaridade crist.Consiste na discre

    pncia entre a conscincia da unicidade do corpo de Cristo que exige a unidade ea realidade que se caracteriza por dolorosas divises. Cremos numa s Igrejacrist, mas o que vemos uma infinidade de denominaes, seitas, correntes paraa qual faltam reais analogias histrico-religiosas. A relao entre unio e desuniose apresenta no cristianismo de modo especfico.

    No faltam motivos para explicar, ao menos em parte, esse fenmeno. As

    divises sociais8 e as diferenas culturais so alguns dos fatores a serem levadosem considerao. Mas eles no explicam o fenmeno. Mais importante que aIgreja no nasceu de um conjunto de idias atemporais nem se apia na concepo

    brilhante de um gnio fundador. Ela tem por base o testemunho de um crculorelativamente numeroso de pessoas.Evidentemente, na raiz da Igreja est a pessoahistrica de Jesus de Nazar. Mas o acesso a ele no direto, e, sim, mediado pelodepoimento e pela confisso das pessoas que com ele andaram, que o ouviram,que assistiram sua morte e ressurreio. Nesse sentido a Igreja apostlica ,alicerada no que nos transmitiram as primeiras testemunhas9.

    Visto que o apostlico no se relaciona com uma s pessoa, antes englobaum grupo maior alis, j na primeira cristandade no claramente definido ,pode-se tranqilamente afirmar que no conceito de apostolicidade esto impl-citas, a um s tempo, a unidade e a diversidade da Igreja. A unidade, porque o objeto do testemunho um s, Jesus Cristo. A diversidade, porque testemunho,

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    a despeito do compromisso com a objetividade , jamais exclui o aspecto subjetivo. O testemunho de um grupo inevitavelmente plural. Da por que se deveconcluir que nas origens da Igreja se encontra no a uniformidade, e, sim, a

    diversidade, tanto no discurso quanto na prtica e na organizao estrutural dascomunidades.

    A pesquisa histrica confirma esse quadro, acrescentando ainda outros interessantes elementos. A jovem Igreja crist, de imediato, se espalhou em doisambientes culturais distintos, o judaico e o helenstico. O evangelho, por fora dascircunstncias, tinha que ser bilnge. Dependendo do ambiente, desenvolveram-se distintas formas de vivncia crist. O Novo Testamento transmite viva impresso dessa variedade teolgica existente na primeira cristandade.

    Nem tudo era harmonia10. J muito cedo as comunidades se defrontavamcom a ameaa da heresia. Ainda careciam de critrios seguros para distinguir entrea boa e a falsa doutrina. A luta pela autenticidade da f deixou fortes vestgios no

    Novo Testamento. Judaico-cristos e gentlico-cristos, Pedro e Paulo, os gruposem Corinto, a comunidade de Jerusalm e a de Antioquia, todos esses expoentescristos vivem numa relao de fraternidade e de possvel conflito, de comunhoe de heterogeneidade, de unidade e tenso11.

    Uma importante concluso a ser da tirada que a tarefa ecumnica foicolocada j no bero da cristandade. E errneo partir da hiptese de um inciohomogneo da Igreja que somente depois se teria corrompido mediante sucessivas divises. Ns arriscamos a tese de que j no primeiro sculo havia confissescrists distintas12. Naturalmente faltavam-lhes as marcas tpicas das instituieseclesisticas posteriores, desde os regulamentos at a codificao expressa de suaconfessionalidade. E, no entanto, a distncia teolgica que separa as comunidadesde Paulo e as do evangelista Joo, para citar apenas estes dois exemplos, no nada inferior de muitas diferenas denominacionais da atualidade.

    Conseqentemente, ecumenismo no pode significar o esforo por restabele

    cer uma suposta era urea da cristandade que teria sido livre de divergncias econflitos. No se trata de simplesmente reverter uma histria de divises paraassim alcanar a unidade original. Esta no est em determinado modelo institucional. Ela est em Cristo e isto algo substancialmente diferente. De qualquermaneira, a primeira cristandade no nos legou tal modelo eclesistico normativo.Muito pelo contrrio, ela nos brindou com grande variedade de propostas, colocando a pergunta pelo lao que as une.

    O problema ganhava urgncia na medida em que iam falecendo ou forammartirizadas as testemunhas oculares, naturais elos de unio entre as comunidadesnos primeiros tempos. A situao da segunda gerao de cristos era bem outra.Importava aplicar rdeas variedade abundante na Igreja a fim de evitar a perverso do evangelho e a conseqente desagregao da cristandade. O imperativo dadefesa contra a primeira grande heresia a ameaar a f, que foi o gnosticismo, veio

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    acelerar o processo. O principal recurso consistiu na valorizao da autoridadeapostlica. Ortodoxia se comprovava mediante fidelidade tradio. Vale enfatizar, porm, que j na primeira cristandade o critrio do apostlico jamais foi

    entendido apenas em sentido formal. O que seria apostlico ou no, sobre istodecidia no s a origem histrica, e, sim, tambm o contedo13. Atestam-no os trsgrandes critrios apostlicos , criados na Igreja como ajuda em sua consolidaoe que, como sabido, so a regula fidei (= o credo), o ministrio e o cnon do

    Novo Testamento.

    Nenhum desses critrios foi decidido em Conclio Ecumnico nem surgiu deum momento para o outro. Impuseram-se a si prprios na Igreja depois de umlongo perodo de gestao:

    1. O credo constitutivo da f. Tm seu lugar privilegiado no Batismo.Vrias formulaes respectivas encontram-se no Novo Testamento. Dessas matrizes formaram-se, j na primeira metade do sculo II, o credo mais detalhado comoo Romanume posteriormente o Credo Apostlico , o Credo Niceno-Constan-tinopolitano e outros. Esses smbolos resumem os principais tpicos dogmticos que identificam a verdadeira f e, implicitamente, rechaam a falsa14.

    2. Algo anlogo vale com respeito ao ministrio. Passou por um complexoprocesso evolutivo com resultados variados. Ainda assim, conduziu ao episcopadomonrquico que, em fins do sculo II, passa a ser instituio reconhecida em todaa Igreja. Os bispos, em sua qualidade de sucessores dos apstolos, tinham poratribuio a defesa contra a heresia, o zelo pela s doutrina e a ordem na comunidade.

    3. Tmbm a formao do cnon do Novo Testamento tem longa histria15.Inicia com a coleta de alguns de seus escritos, a exemplo das cartas do apstoloPaulo, para a leitura nas comunidades, e termina reconhecidamente com a famosacarta pascal de Atansio de 367 d.C., listando em definitivo os 27 escritos com

    ponentes do Novo Testamento. Mas j por volta do ano de 200 d.C., o cnon existeem suas pores principais. Houve acirradas disputas sobre a canonicidade de

    alguns escritos, particularmente das cartas aos Hebreus, de 3 Joo, 2 Pedro, Tiagoe do livro do Apocalipse.

    Para a unidade da Igreja, pois, o critrio da apostolicidade tem sido decisivo.Credo, ministrio e cnon, cada qual a seu modo representam a tradio apostlica que fundamenta a Igreja (cf. E f 2.20) e a remete sua origem que Jesus Cristo.A Igreja antiga entendeu esses dispositivos como sendo complementares. De fato,desempenham funes inconfundveis. E, no entanto, seu lado-a-lado podia tam

    bm gerar conflitos. Novamente se coloca a pergunta pelo primado. Caberia aoministrio?

    Esse foi o caminho trilhado pela Igreja Catlica Romana, quando fez depender a validade da celebrao eucarstica da ordenao e insero do oficiante nasucesso histrica dos apstolos e quando atribuiu ao magistrio da Igreja acompetncia de julgar a verdade evanglica em ltima instncia. Credo e cnon,

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    por mais importantes que sejam, ficam subordinados ao poder do ministrio eincorporados na tradio, sobre a qual este apto a decidir16. Enquanto isso, o

    protestantismo privilegiou a pura doutrina . E ela que constitui a verdadeira

    Igreja e encontrada, por excelncia, na Sagrada Escritura. O cnon bblico passaa ser a suprema autoridade, qual tambm o ministrio deve submeter-se. AReforma do sculo XVI ganhou fora no por ltimo pela divisa sola scriptura,

    jogada criticamente contra o absolutismo da instituio eclesistica.

    Esquematizando e, portanto, simplificando um pouco, poderamos constataro seguinte: enquanto a Igreja Catlica coloca a dimenso formal da apostolicidade acima da material, o protestantismo faz o contrrio. E caracterstico da autocom-

    preenso catlica romana saber-se em continuidade histrica ininterrupta com os

    apstolos. Nenhum ministro, por mais que se destaque por retido evanglica,possui a habilitao para o sacerdcio sem a insero sacramental na correntehistrica dos sucessores dos apstolos. A Igreja Catlica Romana, conforme pretende, a nica Igreja autntica devido ao nexo histrico que a prende s origens.

    No assim no protestantismo. Lutero percebeu que continuidade histrica demodo algum protege contra corrupo, abusos e aberraes. Autenticidade apos-tlica deve ser aprovada em fidelidade ao evangelho. Portanto, apostolicidade

    para Lutero uma questo de contedo, como bem o mostra sua afirmao que diz: O que no ensina Cristo, isto tambm no apostlico, ainda que So Pedro ou

    Paulo o ensinassem. Por sua vez o que prega Cristo, isto seria apostlico, aindaque Judas, Ans, Pilatos ou Herodes o fizessem. 17E como garantir essa coernciaevanglica? Ora, pelo recurso Escritura, que desta forma recebe enorme valorizao. Doravante no mais o magistrio que a julga. Muito pelo contrrio, a

    Escritura passa a ser a ju za de toda prtica eclesial.

    A pergunta que aflora se a Escritura capaz de corresponder a tal expectativa. Os reformadores no eram cegos para a variedade s vezes desconcertantedo testemunho bblico. J Lutero estabeleceu, por isto, que a chave de interpreta

    o seria Jesus Cristo, ele mesmo, o que implica a avaliao crtica dos prpriosescritos neotestamentrios. Osola scripturano permite ser isolado dosolus Christus.

    Mas quem garante que este Jesus Cristo, Senhor da Sagrada Escritura, noseja o Cristo plasmado por um dogma preconcebido? O credo, respectivamente odogma da Igreja, pode por sua vez impor-se Escritura e conduzir ao que

    poderamos chamar de fundamentalismo confessional . E sabido que a relaoentre a confisso e a Escritura tem sido definida no luteranismo no sentido de estaser a norma normans e aquela a norma normatals. Em outros termos, a Escrituraseria a norma absoluta, o credo a norma relativa. Mas como assegurar que a ordem

    no se inverta e que a Escritura seja reduzida ao tamanho da prpria confisso?A predominncia do ministrio de um lado ou a do credo, respectivamente

    do dogma, de outro, fenmenos to comuns na histria da Igreja, refora apergunta levantada acima: o Novo Testamento, poder ele realmente desempenhar

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    funo cannica ? Tambm a heresia, para legitimar-se, costuma recorrer apassagens bblicas. Quem decide o que autenticamente bblico e o que no o? No ser inevitvel admitir um dficit de normatividade , inerente Escritura19?

    Explicar-se-ia assim por que a Bblia necessita da autoridade do ministrio ou docritrio da regula fidei para ser inequvoca e desempenhar o papel de juza emquestes de doutrina. Em outros termos, ser fico o princpio do sola scriptural

    Com essas perguntas temos preparado o terreno para agora concentrar aateno no cnon do Novo Testamento. Ele representa o principal patrimnioecumnico , comum a todas as igrejas, de incontestada autoridade. Como seexplica ento a diviso da Igreja? Vai confirmar-se a suspeita da insuficincia destecnon para a unidade dos cristos20? Significado e fora ecumnica da Sagrada

    Escritura esto em jogo.

    3 O cnon do Novo Testamentoe a Igreja una

    Tornou-se famosa a constatao de E. Ksemann que diz: O cnon neotes-tamentrio como tal no fundamenta a unidade da Igreja. Pelo contrrio, fundamenta como tal, isto , em sua apresentao fatual, acessvel ao historiador, amultiplicidade das confisses. 21Leva-o a tal veredito a j constatada heterogeneidade do testemunho bblico. A pesquisa bblica mostrou que o Novo Testamentono pode ser considerado uma unidade dogmtica. Assim sendo, o cnon como talno promove a unidade dos cristos, antes sanciona a pluralidade confessional. AEscritura parece assemelhar-se a uma pedreira capaz de fornecer material para asmais diversas construes denominacionais.

    Ora, a confirmao de tal juzo significaria a definitiva dissoluo da normatividade do Novo Testamento e a afirmao de sua total irrelevncia ecumnica.Por isto, antes de tirar tal concluso cumpre conscientizar-se, mais uma vez, dos

    propsitos da Igreja antiga ao compor este cnon. Que que ela queria realmente canonizar ? H trs constataes a fazer:

    1. So inequvocos os indcios de que a justaposio de testemunhos todiferentes num livro normativo foi uma opo consciente da primeira cristandade. A variedade neotestamentria no a afligiu. Havia alternativas. Mas elas acabaramrechaadas22:

    a) O primeiro exemplo o cnon de Marcio,criado j em meados do sculoII. Devido s simpatias gnsticas de seu compilador, o Antigo Testamento fica

    excludo. Compe-se este cnon de um s evangelho, o de Lucas, fortementemutilado, e de dez cartas do apstolo Paulo, tambm elas revisadas. So extirpadostodos os elementos considerados judaizantes. Marcio, portanto, compe seu cnon pelo mtodo da reduo, mantendo o nmero dos escritos no patamar doabsolutamente mnimo e fazendo-os passar por um rigoroso crivo dogmtico. O

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    escndalo da diversidade deixa de existir. Mas o evangelho fica confinado spropores de uma s posio teolgica. A Igreja rejeitou no s o cnon deMarcio, como tambm desprezou o modelo em si. Preferiu a variedade do

    testemunho nivelao dogmtica e ao empobrecimento evanglico que esta implica.b) Outro exemplo o afamado Diatssaron de Taciano. Inconformado

    com a existncia de quatro evangelhos, este telogo da segunda metade do sculoII os funde num nico s. O mtodo, pois, o da sntese e harmonizao. Asdiferenas so integradas e sublimadas numa nova unidade. O Diatssaron (=atravs dos quatro) gozou de grande prestgio em algumas partes da Igreja antiga.Mesmo assim, no conseguiu se impor. A Igreja preferiu o lado-a-lado, mesmotenso, dos quatro evangelhos.

    c) Enfim vale lembrar o exemplo dos montanistas, um grupo de cunhoapocalptico-entusistico, surgido por volta de 160 d.C. Montano e seus fiisacolhem os escritos neotestamentrios em uso na poca. Mas acrescentam-lhes osseus prprios orculos. Em outros termos, eles canonizam o seu prprio credo

    juntamente com os escritos apostlicos, constituindo-o dessa maneira em chaveinterpretativa. Sob tais condies a diversidade no mais incomoda. Ela foi domesticada pela aplicao de uma bitola hermenutica. A Igreja resistiu tambm a estatentao. Canonizou o Novo Testamento sem acrescentar-lhe um manual interpre-tativo. Ser temerrio suspeitar que a Igreja antiga tenha antecipado a convico

    da Reforma de a Escritura se interpretar a si mesma e de no necessitar denenhuma autoridade extema para sua devida compreenso?

    Seja como for, fato que o cnon do Novo Testamento, em seu estado final,deve causar surpresa. Com o propsito de estabelecer contedos normativos, aIgreja no hesitou em canonizar a diversidade teolgica dos incios e sua respectiva prxis. Julgou que todos estes testemunhos fossem compatveis com o evangelho, sim, que fossem legtima expresso do mesmo. A canonizao do NovoTestamento, pois, significa, de alguma forma, a canonizao da pluralidade na

    Igreja, um fenmeno da mais alta relevncia23.

    2. Entretanto, seria errneo concluir que se trata de uma pluralidade indiscriminada, solta ou selvagem . A tal concluso poder chegar somente quem ler o

    Novo Testamento como tal , isto , em sentido linear, sem critrio teolgico,atribuindo a mesma validade a todas as suas pores. A perspectiva muda nomomento em que se percebe ser a causa a mesma em todos os escritos, a saber,Jesus Cristo. O Novo Testamento tem um centro, um eixo gravitacional. o queE. Ksemann quer ressaltar24. Na trilha do pensamento luterano ele preconiza um

    cnon no cnon , ou seja, uma leitura crtica a partir do evangelho. Na Reforma, osola scripturaestava estreitamente vinculado no s aosolus Christus,como tambmao sola gratia.A justificao por graa e f, concedida em Cristo, se constituiu nachave hermenutica da Escritura. Lida dessa maneira, a diversidade da Bbliaganha seu ponto referencial, perde a ambigidade e adquire normatividade qualificada.

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    A distino entre Escritura e evangelho , sem dvida, uma das grandesinsistncias justas da Reformar*. Ela questiona um mtodo que se resume a umtiroteio de versculos e resulta numa teologia de estatstica bblica. O critrio para

    discernir legitimidade teolgica o Esprito de Cristo, a palavra do evangelho, noo simples texto. Esse critrio no nada externo, aplicado de fora Escritura.Muito pelo contrrio, ele brota de dentro dela prpria. A Bblia se interpreta a simesma, diziam os reformadores. Portanto, a hermenutica da Reforma obriga adistinguir, j na Escritura, o tesouro e os vasos de barro que o abrigam (2 Co 4.7).Ela de modo algum elimina o sola scriptura. Acaba, isto sim, com uma determinada compreenso desse princpio26. Pois impossibilita o uso legalista ou fun-damentalista da Bblia, incapaz de distinguir entre letra e Esprito. Jesus Cristo o Senhor tambm da Escritura. Sob esta perspectiva ela readquire enorme relevncia ecumnica e deixa de acobertar o caos denominacional. Submete todas asconfisses a rigoroso teste de qualidade evanglica.

    O quanto isto verdade, fica comprovado pela histria da exegese bblicanos ltimos decnios. sabido que a leitura conjunta da Bblia, tanto em nvel

    popular quanto acadmico, tem sido uma das principais foras motoras do ecumenismo moderno. A Bblia, a despeito de sua diversidade (ou at: por causa damesma?), possui surpreendente potencial unificador. A partir de seu centro apren-de-se a detectar o perifrico. A fora ecumnica da Bblia est na ecumenicidade

    de sua causa, que o amor de Deus em Jesus Cristo (cf. Rm 8.38s.).Com base nessas consideraes s podemos consentir com E. Ksemann,

    quando entende o cnon neotestamentrio antes como critrio material do queformal. Normativo Jesus Cristo. E dele que o Novo Testamento recebe suaautoridade. O que a Igreja antiga canonizou foi o evangelho, no simplesmenteuma coleo de textos. Estes so importantes em sua qualidade de testemunhos,mas no fundamentam a unidade da Igreja. O evangelho tem a prioridade porsobre a letra.

    3. Sem negar essa verdade, compete, todavia, perguntar se a dimensoformal do cnon no merece valorizao maior do que E. Ksemann est dispostoa conceder. notvel que a Igreja tenha achado tal cnon necessrio, e isto

    precisamente em sua delimitao formal27.A Igreja, em busca de critrios normativos, recorreu ao original , termo este que conjuga o aspecto da prioridadetemporal com o da autenticidade evanglica. Ambos os aspectos so constitutivosdo patrimnio apostlico . Isto significa:

    a) O Novo Testamento tem canonicidade histrica. Rene o mais antigo

    testemunho cristo a que temos acesso. por excelncia o instrumento mantenedor do nexo com as origens, particularmente com a pessoa histrica de Jesus. Ele o documento daquela pregao que fundou as primeiras comunidades28. Todo testemunho posterior ao Novo Testamento no mais possui a mesma originalidade .O cnon demarca o perodo inicial da cristandade, distinguindo-o de todos os demais.

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    O cnon do N T paradigma da unidade da Igreja?

    b) Mas tambm em termos dogmticos ocnon coloca parmetros. De certaforma eles esto implcitos na canonicidade histrica. A profisso da f posteriordeve ser coerente com a dos incios; com isto a Sagrada Escritura passa a ser juza

    em assuntos de doutrina. Alm disto, so abundantes as passagens em que osautores do Novo Testamento combatem a heresia ou corrigem abusos29. Nem tudo compatvel com o evangelho. E finalmente cabe respeitar que no processo dacomposio do Novo Testamento houve um real processo de seleo de escritos.

    No poucos foram reprovados. Basta verificar a ampla literatura apcrifa do NovoTestamento. O cnon foi criado como norma da pregao correta, em oposio

    falsa doutrina e como arma de combate mesma.

    Naturalmente pode-se problematizar o resultado desse processo. Assim j o

    fez M. Lutero ao qualificar a Carta de Tiago como epstola de palha . Tambmo livro do Apocalipse e outros tm merecido crticas por parte dos intrpretes. Ecom efeito, a aceitao do Novo Testamento como cnon jamais dispensa danecessidade de avaliar as partes sob o critrio do evangelho. W. G. Kmmel temrazo quando constata que o limite do cnon passa por entre ele prprio30. Emoutros termos, nem toda passagem bblica possui a mesma qualidade cannica.

    Mesmo assim, ningum vai pretender uma reviso da extenso do NovoTestamento e reconstitu-lo. Embora o testemunho evanglico seja encontrado nos nele, o cnon est de fato fechado. E bom que assim seja. Tambm os livros

    s vezes relegados a segundo plano mostram ser capazes de recobrar relevnciapalpitante sob condies especficas. O Apocalipse de Joo evangelho para umpovo que sofre, e Tiago traz salutar alerta para a Igreja numa sociedade de classes.A Igreja precisa do cnon tambm como instncia formal. Ela o comps para aele se sujeitar e dele receber orientao teolgica3'. No o criou, pois na origemdo testemunho sempre est o Esprito Santo. Ela apenas acolheu estes depoimentos, reconhecendo neles fidelidade ao evangelho. Isto a despeito da diversidadeque os caracteriza. A Igreja constituiu o cnon neotestamentrio para que fosse

    juiz de seu discurso e de sua prxis. Sem este cnon, de fato, no haveria comodefender-se eficazmente contra a traio ao evangelho, contra os abusos e as purasmodas teolgicas.

    Para entender a natureza peculiar do cnon neotestamentrio ser til lembrarque ele tem no Antigo Testamento algo como sua prefigurao. Tambm este renedepoimentos de f em extraordinria riqueza e variao. No prima por harmoniaconceptual. Reflete, antes, os altos e baixos da histria de um povo com seu Deus.A cristandade co-participa dessa experincia. Ao apregoar que em Jesus o Verbose fez carne, ela afirma a prioridade da histria por sobre o dogma. O evangelho,

    antes de ser doutrina, evento a ser contado por quem dele testemunha.Portanto, a natureza histrica do evangelho que explica a um s tempo a variedade e anormatividade da Escritura. O dogma permanece imprescindvel. a formulaoautoritativa do significado dessa histria sucedida em favor da criatura de Deus.Mas o dogma no essa histria. Faz parte, isto sim, do testemunho a seu respeito,

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    e este plural. O dogma no a verdade em si. Deve busc-la em Jesus Cristo esua histria.

    Sintetizando o resultado das consideraes acima, constatamos: o NovoTestamento constitui o consenso bsico da cristandade no que diz respeito compreenso do evangelho. Assemelhase a algo como a Magna Carta da

    Igreja, alis no decidida em votao democrtica, mas acolhida em obedinciaao evangelho. Como tal , por excelncia, o paradigma de um consenso ecumni-co.Trata-se de um consenso diferenciado 32. Pois estabelece a unidade da Igrejadas origens sem nivelar. No sanciona a heresia. E, no entanto, concede espao

    para a articulao e estruturao prpria das congregaes. O Novo Testamento o instrutivo exemplo da unidade na diversidade reconciliada.

    4. Diversidade ecumnica na unidade do Esprito:O ecumenismo de nossosdias ter chance de progredir somente se estiver disposto a acatar o desafio doconsenso fundamental ainda que diferenciado representado pelo cnon do

    Novo Testamento. Trata-se de acolher as conseqncias da natureza plural e todavia una do testemunho primrio da f, feito normativo para a existncia eclesial.Isto significa:

    a) O Novo Testamento relativiza as confessionalidades, aniquilando pretenses monopolistas por parte das instituies eclesisticas. E o que C. Braaten temqualificado como a provocao inerente s origens histricas da f33. Vrios so osmodelos de Igreja nos primrdios. Ilude-se, pois, quem retrojeta o seu prpriomodo de ser Igreja para os incios com a inteno de granjear legitimidade. Essesincios no eram romanos, luteranos, anglicanos ou batistas, nem eram uniformes.Tdas as igrejas da cristandade representam apenas aproximaes maiores oumenores a modelos neotestamentrios. O Novo Testamento no consagra uma sIgreja como sendo a autntica. Ele consagra, isto sim, a comunho dos santos, oque no exatamente a mesma coisa. A relativizao das confessionalidades

    importante pressuposto para o crescimento da unidade e da fraternidade eclesial.Relativizao, porm, no significa suspenso ou supresso. A pretenso da

    trans-confessionalidade ou a-confessionalidade enganosa. Testemunho sempretem a forma da confisso. O Novo Testamento confirma: confessionalidade necessria. Sua relativizao no a elimina, mas lhe muda a conceituao. Deixarde ser arma de combate alteridade do parceiro ecumnico e transformar-se- nodom ecumnico, com o qual importa servir ao corpo maior de Jesus Cristo.Koinonia?4 assim: cada qual contribui com o que seu para o bem de todos.Muito embora a confessionalidade possa e deva manifestar-se tambm criticamen

    te frente ao erro e ao abuso, sua finalidade precpua consiste no cultivo conjuntoda lavoura de Deus neste mundo. O Novo Testamento congrega Pedro, Apoio,Paulo e muitos outros nesta tarefa comum.

    b) O consenso do Novo Testamento seria malentendido se fosse visto como

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    esttico. Ele dinmico?3.Deve ser verificado e assumido constantemente. Possuiseu referencial crtico na histria de Jesus, ou seja, tambm no evangelho quenunca passa a ser posse da Igreja ou de pessoas. O prprio Novo Testamento, na

    diversidade que o caracteriza, provoca a pergunta pelo seu mago. O que une oNovo Testamento e a base de seu consenso? E a pergunta cardeal de uma teologia do Novo Testamento . Tambm o do ecumenismo. Qual , na variedade das igrejas, seu referencial comum e constitutivo? A pergunta pelo centro do

    Novo Testamento tem uma rplica eclesiolgica e ecumnica.

    Assim sendo, as igrejas em sua busca de unidade so coagidas permanenteprestao de contas de sua qualidade evanglica. De certa forma, o ecumenismose assemelha boa competio no seguimento a Cristo (1 Co 9.24s.). Faz parte

    da tarefa da santificao. Esta competio no permitir a simples imposiode uns aos outros nem um pluralismo arbitrrio. Diversidade eclesistica legiti-mamente evanglica. Mas tem em Jesus Cristo seu juiz.

    c) Em comparao com o consenso fundamental do cnon neotestamentrio,todos os demais consensos eclesisticos so secundrios. Eles tm naquele seucritrio. Isto no lhes diminui a importncia. As igrejas precisam traduzir oconsenso histrico em consensos atuais36. Estes podem ter diversos graus dedensidade. O exemplo do Novo Testamento, porm, ensina que importante mesmo

    no o acordo na terminologia ou na formulao. Identidade verbal no significanecessariamente identidade de causa. Decisivas so a compreenso por trs daspalavras e a comunho no testemunho que, alm do discurso, sempre inclui umaprtica. Consensos eclesisticos devem constar no s no papel. Querem tomar-sevisveis e documentar-se numa nova forma de relacionamento.

    Seria errneo deduzir da a necessidade da imediata fuso das instituieseclesisticas. Nem formulaes nem estruturas iguais criam automaticamente comunho. Esta obra do Esprito e por isto anterior a estruturas37. Tal afirmaono deveria ser entendida como expresso de desprezo s instituies eclesisticas.

    Estas so indispensveis para a convivncia crist no mundo. Ningum pode sercristo ou crist sem ser membro de uma Igreja concreta. O fracionamento estrutural da cristandade chaga no corpo de Cristo. E, no entanto, no por meraunificao estrutural que se cria a unio. Tambm sob este aspecto o NovoTestamento instrutivo: no apregoa uma unidade mono-institucional. A unidadede que fala comporta vrias estruturas, exigindo-lhes somente compatibilidadecom o evangelho, funcionalidade e o servio comunho que h em Cristo.

    d) A necessidade da diversidade na articulao e vivncia comum da f tem

    muitas causas. A algumas delas j aludimos acima. Cumpre acrescentar que ummundo plural exige tambm uma resposta plural. A diversidade em evidncia noNovo Testamento foi a fora da primeira cristandade no confronto com o mundomultifacetado de ento. Uniformidade enfraquece ou ento tende tirania e violncia. Enquanto isso diversidade, desde que centrada em Cristo, equivale a flexi

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    bilidade, agilidade, liberdade. Ela expressa, entre outras, a natureza contextuai daexistncia peregrina da Igreja. Todas essas dimenses to essenciais da existnciaeclesial perigam perder-se quando a Igreja trai seu mandato ecumnico.

    Alis, o prprio evangelho est em jogo. Pois tomando-se aos judeus comoum judeu e aos pagos como um pago, sem com isto negar sua identidade crist,0 apstolo Paulo defende a gratuidade da salvao (1 Co 9.19s.). Diversidadeeclesial na multiplicidade das situaes um ingrediente da justificao por graae f38.Eis por que a cristandade deveria redescobrir a chance de sua natureza pluralenraizada no mesmo fundamento que Cristo, e reaprender a trabalhar com este

    seu talento.

    Um dos grandes fatores de obstruo do ecumenismo o medo da relativi-

    zao. Seja reenfatizado que este no o projeto do cnon. No estamos dispensados de buscar a unidade, muito em analogia ao que aconteceu no chamadoConclio dos Apstolos de que nos fala o Novo Testamento (cf. At 15; G1 2.1 s.).Devemos responsabilizao mtua pela f que professamos. significativo queeste Conclio no tenha resultado na sujeio da Igreja gentlica Igreja judaica.

    No estabeleceu relaes de domnio. Criou, isto sim, parceria ecumnica, koinonia .

    Tal parceria no vai apagar de vez as diferenas confessionais. Isto nem nocnon foi o caso. Mas dificultar as condenaes mtuas e dar origem a umacomunho eclesial que tem a promessa de crescer, aprofundar-se e tomar-se cadavez mais visvel para que o mundo creia (Jo 17.21).

    Notas

    1 Veja o importante documento Einheit vor uns (= Unidade diante de ns), elaborado pela Comisso Mista Internacional Catlica Romana/Evanglica Luterana, Paderborn : Bonifatius; Frank-furt am Main : Lembeck, 1985. No basta falar em unidade sem descrever em que consiste e como se concretiza. Cf. ainda, entre muitos outros, Robert RUNCIE, The Unity We Seek, London :

    Darton, Longman and Tdd, 1989; Henrique CAMBN, Fazendo ecumenismo, So Paulo : CidadeNova, 1994; Vtor WESTHELLE, Una sancta: a unidade da Igreja na diviso social, Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 31, n. 1, p. 2946, 1991; Jess HORTAL, E haver um s rebanho,So Paulo : Loyola, 1989 (especialmente p. 147156); e, sobretudo, Harding MEYER, kumenische Zielvorstellungen, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1996 (Bensheimer Hefte, 78).

    2 Remetemos tosomente a Heinrich TAPPENBECK, A unidade da Igreja na obra e no pensamentodo apstolo Paulo, Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 2, nmero especial, p. 113, 1962, e Juliode SANTA ANA, Ecu menismo e libertao, 2. ed., So Paulo : Vozes, 1991, especialmente p.177218 (Teologia e Libertao, Srie IV/14).

    3 Boa viso panormica em Gerhard TIEL, A unidade da Igreja, Simpsio, So Paulo (ASTE), n.

    33, p. 3961 ,1990 . Cf.Einheit vor uns,op. cit.,p . 13s.; Juliode SANTA AN A, op. cit.,p. 81121; e outros.

    4 William RUSCH, Reception, Philadelphia : Fortress; Geneva : Lutheran World Federation, 1988

    5 Leonardo BOFF, Caractersticas da Igreja numa sociedade de classes, in: ID., Igreja: carisma epoder, So Paulo : tica, 1994, p. 203. Tratase nesses princpios das condies consideradas imprescindveis para a constituio da unidade. Harding MEYER, op. cit., p. 26s., chama este

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    mesmo fenmeno de Einheitsverstndnis(= compreenso de unidade ), que varia nas diferentestradies confessionais.

    6 Leonardo BOFF, op. cit., p. 204. Reside a uma das nfases da teologia latinoamericana. Cf. entre

    outros Julio de SANT ANA, op. cit., p. 301s. e passim; Theo BUSS, El M ovimie nto Ecumnicoen la perspectiva de la liberacin, La Paz : Hisbol; Quito : CLAI, 1996.

    7 Essa foi a exignc ia expressa do modelo da unio orgnica , propagado no incio do movimentoecumnico moderno. Falavase na necessidade da renncia identidade denominacional, de uma espcie de morte das confisses tradicionais a fim de que fosse cedido espao para uma nova expresso transconfessional da f. Veja Einheit vor uns, op. cit., p. 1415; Gerhard TIEL, op. cit.;etc. A idia da transconfessionalidade tem repetidamente fascinado o mundo ecumnico. Cf. Os novos movimentos transconfessionais e as igrejas : tomada de posio do Instituto de PesquisaEcumnica de Estrasburgo, So Leopoldo : Sinodal, 1977. Entrementes parece consolidarse oconsenso de que confessionalidade e ecumenismo de modo algum precisam conflitar. Cf. Harding

    MEYER, verbete Konfession , in: kumene Lexikon, Frankfurt am Main ; Lembeck/Knecht,1983, col. 692701.

    8 Cf. entre outros Vtor WESTHELLE, Una sancta: a unidade da Igreja na diviso social, op. cit.

    9 Quanto ao significado de apostolicidade , veja, entre outros, Carl BRAATEN, Robert JENSON (eds.), Dogm tica crist, So Leopoldo : Sinodal, 1990, v. 2, p. 220222; 227230; JrgenROLOFF, Apostolisch glauben: die Heilige Schrift, in: Apostolizitt und ku mene : Bekenntnis,Hannover : Lutherisches Verlagshaus, 1987, p. 929 (Fuldaer Hefte, 30).

    10 Mesmo o livro de Atos, que tanto enfatiza a unanimidade da primeira comunidade (cf At 1.14; 4.24; 8.6; etc.), sabe da existncia de conflitos (ex.: At 6.1s.). De qualquer maneira, a expanso da Igreja implicou a multiplicao da variedade. Cf. Walter BAUER, Rechtglub igke it und

    Ketzer ei im ltesten Christentum, 2. ed., Tbingen, 1964 (Beitrge zur historischen Theologie, 10);Hans CONZELMANN, Geschichte des Urchristentums, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht,1969 (Grundrisse zum Neuen Testament, NTD, 5). Apesar de destacar fortemente a unidade dotestemunho neotestamentrio, James D. G. DUNN, Unity and Diver sity in the N ew Testament, 2.ed., London : Trinity International, 1990, constata no ter havido uma s forma normativa de f e vivncia crist no sculo I (p. 373). Esta a evidncia entrementes largamente aceita.

    11 Na Amrica Latina se desen volveu particular sensibilidade para os conflitos socia is nas comuni-dades e em seu mundo circundante e para seus ntidos reflexos nos textos. Cf., a ttulo de exemplo, Francisco Rivera LPEZ, Unidade e pluralismo na Igreja primitiva em meio ao conflito, Rev ista de Interpretao Bb lica Latino-Americana, n. 13, p. 920, 1992.

    12 O assunto controvertido. Conforme Leonhard GOPPELT, Die Pluralitt der Theologien imNeuen Testament und die Einheit des Evangeliums als kumenisches Problem, in: Vilmos VAJTA (ed.), Evan ge liu m und Einheit, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1971, p. 117s., a multipli-cidade das teologias do NT no espelha a existncia de igrejas confessionais na primeira cristan-dade, e, sim, as posturas teolgicas individuais de seus autores. Posio semelhante encontrase em Jrgen ROLOFF, Kirchliches Lehren nach dem Neuen Testament, in: H. BRANDT (ed.), Kirchliches Lehren in kum enischer Verpflichtung : eine Studie zur Rezeption kumenischer Dokumente, Stuttgart : Calwer, 1986, p. 99. Diferentemente Emst KSEMANN, Begrndet derneutestamentliche Kanon die Einheit der Kirche?, in: ID., Exe ge tische Versuche und Besinnungen,Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1960, v. 1, p. 214223. certo que no se pode retrojetar

    a situao confessional da atualidade s origens da Igreja. E, no entanto, os autores do NT no podem ser isolados das comunidades de que so expoentes e cuja orientao teolgica ajudarama moldar. Com relao ao todo cf. Harding MEYER, verbete Konfession , op. cit., col. 698s.

    13 Cf. Hans von CAMPENHAUSEN, Die Entstehung des Neuen Testaments, in: Emst KSE-MANN (ed.), Das Neu e Testament als Kanon, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1970, p.121; Werner G. KMMEL, Notwendigkeit und Grenze des neutestamentlichen Kanons, in: ibid.,

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    p. 87. verdade que critrios formais prevaleceram por sobre os critrios de contedo, o que, conforme Kmmel, representa um grave erro da primeira cristandade. De fato, apostolicidade um termo ambguo, ainda que imprescindvel, visto que j nos primeiros tempos havia contro-vrsias em tom o da pergunta acerca de quem e do que seria autenticamente apostlico . VejaEmst KSEMANN, Kritische Analyse, in: ibid., p. 343; Jrgen ROLOFF, Apostolisch glauben,op. cit.; etc.

    14 Veja o instrutivo estudo da COMISSO DE F E ORDEM DO CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, A confisso da f apostlica, trad. de Jaci C. Maraschin, So Paulo, 1993.

    15 Remetemos tosomente a Werner G. KMMEL, Introduo ao N ovo Testamento, So Paulo :Paulinas, 1982, p. 627s. (Nova Coleo Bblica, 13), e Hans von CAMPENHAUSEN, op. cit.

    16 O Conclio de Trento equipara expressamente a tradio escrita da Sagrada Escritura oral,enquanto o Conclio Vaticano I estabelece em definitivo o magistrio da Igreja como juiz de toda doutrina. Com isto, a prpria Igreja passa a ser a tradio , com o julga acertadamente Gerhard

    EBELING, Sola Scriptura und das Problem der Tradition, in: Emst KSEMANN (ed.), op. cit., p. 308 e passim. Para o luteranismo, enquanto isso, a tradio Cristo, crtico frente atodas as demais tradies . Cf. tambm Werner G. KM MEL, Notwendigkeit und Grenze desneutestamentlichen Kanons, op. cit., p. 75; veja ainda Harding MEYER, O problema da tradio,

    Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 4, p. 181191, 1964.

    17 Assim o disse M. Lutero em seu prefcio s cartas de Tiago e de Judas (a traduo nossa); in:Luthers Werke : Weimarer Ausgabe, DB 7, 384,26. Veja tambm o prefcio ao Novo Tstamentoem seu todo, de 1522, in: Martinho LUTERO, Pelo evang elho de Cristo : obras selecionadas demomentos decisivos da Reforma, trad. de Walter O. Schlupp, Porto Alegre : Concrdia; So Leopoldo : Sinodal, 1984, p. 171177.

    18 Cf. L iv ro de concrdia : as confisses da Igreja Evanglica Luterana, So Leopoldo : Sinodal;Porto Alegre : Concrdia, 1980, p. 500501; Heinrich TAPPENBECK, A Sagrada Escritura e aIgreja sob o ponto de vista protestante, Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 3, p. 126, 1963/4; EmstHeinz AMBERG, Apostolisch Glauben: Das Bekenntnis, in: Bekenntnis Apostolizi t tund kumene, Hannover : Lutherisches Verlagshaus, 1987, p. 3036 (Fuldaer Hefte, 30); CarlBRAATEN, Robert JENSON (eds.), op. cit., p. 7894; etc.

    19 O termo se encontra em Harding MEYER, Schriftautoritt und berlieferungsdynamik als trans-konfessionelles theologisches Problem, in: R. STAUFFER (ed.), In Necessariis Unitas : mlangesofferts JeanLouis Leuba, Paris, 1984, p. 268. Est sendo caracterizada dessa forma a flagrante crise do cnon , bem descrita, por exemplo, por Hermann STR AH TM AN N, D ie Krise des

    Kanons der Kirche, in: Emst KSEMANN (ed.), op. cit., p. 4161.20 No por acaso que a ortodoxia protestante que seguiuse Reforma se propusesse a demonstrar,

    entre outras, a suficincia da Sagrada Escritura como sendo uma de sus affectiones. Veja, porexemplo, Otto WEBER, Grundlagen der Dogmatik, Neukirchen, 1955, v. 1, p. 302s.

    21 Emst KS EM AN N, Begrndet der neutestamentliche Kanon die Einheit der Kirche?, op. cit., p.221 (a traduo nossa).

    22 Com referncia a isto e ao que se segue veja Eduard LOHSE, Die Einheit des Neuen Testamentsals theologisches Problem, Evangelische Theologie, v. 35, p. 141s., 1975; Werner G. KMMEL,Introduo ao Novo Tstamento,op. cit., p. 640s.; Hans von CAMP ENHA USEN, op. cit., p. 116s.; etc.

    23 A legitimidade da pluralidade sempre esteve, de uma ou de outra forma, na conscincia do

    movimento ecumnico. uma implicao da autocompreenso da Igreja como corpo de Cristo.E, no entanto, por demais vezes, a luta pela unidade teve que articularse como luta pelo direito diversidade. Cf. Crisis and Chollenge o f the Ecumenical M ov em em en t: Integrity and Indivisibility : a Statement of the Institute for Ecumenical Research Strasbourg, Geneva : WCC, 1994, p.15s.; Harding MEYER, kumenische Zielvorstellungen, op. cit., p. 61 e passim.

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    24 Emst KSEMANN, op. cit., p. 222s.

    25 Veja o nosso estudo: Gottfried BRAKEMEIER, Interpretao evanglica da Bblia a partir de Lutero, in: Martin N. DREHER (org.),Reflexes em tomo deLutero,So Leopoldo, 1981, v. 1, p. 2948.

    26 Assim com justas razes Klaus HAENDLER, Schriftprinzip und theologischer Pluralismus, Evangel isch e Theologie, v. 28, p. 421, 1968. A fala em compreenso legalista do cnon , superadapela Reforma, de Gerhard EBELING, Das Neue Testament und die Vielfalt der Konfessionen, in: Wort Gottes und Tradition, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1964, p. 153.

    27 nesse sentido que manifestada crtica a E. Ksemann por Gerhard EBELING, op. cit.: j queo Novo Tstamento no um aglomerado arbitrrio e desconexo de textos, nem todas as confisses podem legitimamente nele apoiarse. O cnon no deixa de ser critrio. A pergunta pela hermenutica que ele exige.

    28 Nesses termos Martin Khler havia falado do cnon. Cf. Gnther BORNKAMM, El Nuevo Tstamento y la historia dei cristianismo prim itivo, Salamanca : Sgueme, 1975, p. 17 (Biblioteca

    de Estdios Bblicos, 10). O Novo Tstamento est sendo entendido como o documento origi-nal da f crist.

    29 Chama a ateno a este particular, com muita propriedade, Gerhard BARTH, Vielfalt und Einheitals Problem neutestamentlicher Theologie, in: Neutestamentliche Versuche und Beobachtungen,Waltrop : H. Spenner, 1996, p. 436. No combate heresia o cnon fornece critrios teolgicos, delimitando a variedade.

    30 Werner G. KMMEL, Notwendigkeit und Grenze, op. cit., p. 96.

    31 O N ovo Testamento, embora seja parte da tradio, no permite ser qualificado como um produtoda Igreja. Ela de modo algum dona do cnon. Continua havendo neste tocante uma divergncia entre a Igreja Catlica Romana e a Evanglica. Cf. Johannes FEINER, Lukas VISCHER, O novo

    livro da f : a f crist comum, Petrpolis : Vozes, 1976, p. 350358; Gerhard EBELING, SolaScriptura und das Problem der Tradition, op. cit.

    32 Quanto concepo de um consenso diferenciado veja Harding MEYER, Welche Art vonKonsens ist zur Kirchengemeinschaft (communio) erforderlich?, in: Communio und Dialog Kom pa tib ilitt Konvergenz Konsens, G en f: Lutherischer Weltbund, 1992, p. 60; bem com oos estudos reunidos em Andr BIRMEL, Harding MEYER, (eds.). Grundkonsens Grunddifferenz, Frankfurt am Main : Lembeck; Paderborn : Bonifatius, 1992.

    33 Carl E. BRAATEN, Das Bischofsamt und das Petrusamt als Ausdruck der Einheit, in: Kirch eohne Konfessionen?, Mnchen : Claudius, 1971, p. 100s. Algo muito semelhante afirma GerhardEBELING, Das Neue Testament und die Vielfalt der Konfessionen, op. cit., p. 150: a leitura

    correta do Novo Tstamento anula as pretenses monopolistas das denominaes justamente por evidenciar a pluriformidade na Igreja das origens. Perguntamos: no reside a um dos motivos para a enorme fora ecumnica da Bblia atravs dos tempos?

    34 Sobre a emergncia da concepo de koinonia como meta ecumnica, veja Michael KINNA MON, Brian E. COPE (eds.), The Ecumenical Movement An Anth olo gy o f K e y Txts andVoices, Michigan : WCC, 1994, p. 124s.; Thomas BEST, Gnther GASSMANN (eds.), On theWay to Fuller Koinonia : Official Report of the Fifth World Conference on Faith and Order,Geneva : WCC, 1994; Elisabeth PARMENTIER, La koinonia en el dilogo ecumnico contem-porneo : las interpretaciones de las teologas feministas, Cuademos de Teologia, Buenos Aires(ISEDET), v. 15, n. 1 e 2, p. 147165, 1996; Harding MEYER, kum enische Z ielvorstellungen,

    op. cit., p. 77s.35 Assim tambm Eduard LOHSE, D ie Einheit des Neuen Tstaments, op. cit., p. 154.

    36 Para tanto exemplo instrutivo o projeto da Declarao Conjunta evanglica luterana/catlicaromana sobre a justificao. a tentativa de conseguir um consenso que, embora deixe margem para articulaes prprias, seja suficiente para declarar que as condenaes recprocas de outrora

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    Estudos Teolgicos, v. 37, n. 3, p. 205-222, 1997

    hoje no mais se aplicam. Sobre a questo toda veja Gottfried BRAKEMEIER, Doutrina dajustificao no limiar de um acordo ecumnico?, Tocomunicao, Porto Alegre, v. 26, n. 113,p. 331343, 1996.

    37 O consenso fundamental em Cristo a base de todo ecumenismo. No se trata de construir aunidade ou a comunho, e, sim, fazla visvel. S isto! Essa conscincia acompanha a histria do movimento ecumnico desde suas origens. Cf. Reinhard FRIELING, D er Weg des kum enischen Gedankens, Gttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1992, p. 220s. (Kleine VandenhoeckReihe, 1564).

    38 por que o captulo VII da Confisso de Augsburgo condiciona a unidade da Igreja unicamenteao acordo na pregao do evangelho e na administrao dos sacramentos, ou seja, ao que chamamos de instrumentos da graa . o que basta (satis est!). Todo o resto, isto , ritos,cerimnias, regras, estruturas, tradies, criadas por conveno humana, no pode reivindicarqualidade sagrada ou salvfica. Conseqentemente, tambm no pode dividir a Igreja.

    Gottfried Brakemeier

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