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P p ara uma crítica dos discursos da identidade reflexiva F f or a critical discourse of the reflexive identity RESUMO: A partir da análise dos escritos de Marilda Gonçalves Dias Facci, com relação à formação de professores reflexivos, o presente artigo procura estabelecer o entrecruzamento dos conceitos Pierre Bourdianos de estrutura e habitus, presentes em O Senso Prático, alocando-os, de forma crítica, no bojo das questões relativas ao processo de produção da subjetividade docente. Em seguida, pretende-se questionar as identidades constituídas a partir da imersão na profissão docente, suas correlações, seus entrecruzamentos, seus traumas, suas indefinições. No bojo da questão central – que identidades? – alocada no cerne das investigações a respeito da temática da formação de professores, pretende-se analisar, sob olhar crítico, os argumentos desenvolvidos pelo aporte teórico escolhido. Procura-se indagar, ainda, a respeito da relevância de tal questionamento para o debate do tema da formação de professores, sobretudo da formação de professores ditos reflexivos. PALAVRAS-CHAVE: Educação, Identidade, Formação de Professores, Professor Reflexivo. ABSTRACT: From the written of Marilda Gonçalves Dias Facci, with respect the of reflexive teachers, this article seeks to make the intersection of Pierre Bourdieu's concepts of habitus and structure present in O Senso Prático, placing them in a critical way, in the midst of issues relating to the production process of teacher subjectivity. Then you want to question the identity formed out of immersion in the teaching profession, their correlations, their intersections, their traumas, their vagueness. Amid the central issue - that identities? - allocated at the 1

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Para Uma Crítica Dos Diascursos Da Identidade Reflexiva

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Argumentos para uma anlise crtica das idias apresentadas sobre a profisso docente

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Ppara uma crtica dos discursos da identidade reflexivaFfor a critical discourse of the reflexive identity

RESUMO: A partir da anlise dos escritos de Marilda Gonalves Dias Facci, com relao formao de professores reflexivos, o presente artigo procura estabelecer o entrecruzamento dos conceitos Pierre Bourdianos de estrutura e habitus, presentes em O Senso Prtico, alocando-os, de forma crtica, no bojo das questes relativas ao processo de produo da subjetividade docente. Em seguida, pretende-se questionar as identidades constitudas a partir da imerso na profisso docente, suas correlaes, seus entrecruzamentos, seus traumas, suas indefinies. No bojo da questo central que identidades? alocada no cerne das investigaes a respeito da temtica da formao de professores, pretende-se analisar, sob olhar crtico, os argumentos desenvolvidos pelo aporte terico escolhido. Procura-se indagar, ainda, a respeito da relevncia de tal questionamento para o debate do tema da formao de professores, sobretudo da formao de professores ditos reflexivos.

PALAVRAS-CHAVE: Educao, Identidade, Formao de Professores, Professor Reflexivo.

ABSTRACT: From the written of Marilda Gonalves Dias Facci, with respect the of reflexive teachers, this article seeks to make the intersection of Pierre Bourdieu's concepts of habitus and structure present in O Senso Prtico, placing them in a critical way, in the midst of issues relating to the production process of teacher subjectivity. Then you want to question the identity formed out of immersion in the teaching profession, their correlations, their intersections, their traumas, their vagueness. Amid the central issue - that identities? - allocated at the forefront of research on the theme of teacher education, we intend to examine, on a critical eye, the theoretical arguments by choice. Search inquire also about the relevance of such questions for the debate on the issue of teacher training, particularly training of teachers said reflective.

KEY WORDS: Educacion, Identity, Teacher Formetion, Reflexive Teacher.

O presente trabalho pretende Qquestionar as identidades constitudas a partir da imerso na profisso docente, suas correlaes, seus entrecruzamentos, seus traumas e, suas indefinies, configura-se a empreitada do presente trabalho.Para tanto, a leitura do escrito de Marilda Gonalves Dias Facci, Valorizao ou esvaziamento do trabalho do professor: um estudo crtico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana, analisado sob a tica dos conceitos de estrutura e de habitus, em Pierre Bourdieu, ser adotada na perspectiva de demarcar um ncleo problemtico. O presente texto, portanto, busca construir uma investigao da profissionalidade docente, ancorado no cruzamento dos escritos de Facci e Bourdieu.No bojo da questo central que identidades? alocada no cerne das investigaes a respeito da temtica da formao de professores, pretende-se analisar, sob o olhar crtico, os argumentos desenvolvidos pelo aporte terico escolhido. E, ainda mais, o presente textoAlm disso, procura-se indagar a respeito da relevncia de tal questionamento para o debate do tema da formao de professorescitado, sobretudo da formao de professores reflexivos.Como supracitadomencionado, a questo que perpassa as linhas aqui inscritas, resumidamente, : como se d o processo de formao de identidade do ser professor? Marilda Gonalves Dias Facci apresenta-nos alguns pontos de crtica em relao aos discursos que circulam e comumente circunscrevem a problemtica da formao de professores;, sobretudo, como j citado, a partir da abordagem da perspectiva do ensino reflexivo, corrente de pensamento que teve incio, na dcada de 1960, na Inglaterra, e nos EUA, a partir dos anos de 1980., Sua cuja principal caracterstica consiste numa reao concepo tecnocrtica do professor, que enfatiza a aprendizagem de tcnicas, ao racionalismo tcnico (FACCI, 2004, p. 41). A autora inicialmente analisa alguns pontos obscuros nas impresses das ideias de Antnio Nvoa, pensador portugus, ainda que ressalte os aspectos positivos de seus escritos. Enfatiza, concordando com Nvoa, a urgncia de um investimento na pessoa do professor e na sua profisso (FACCI, 2004ibid., p.60). Salienta, ainda, para tanto, a urgncia da obrigatoriedade quanto a busca de uma poltica de valorizao do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores (FACCI, 2004,ibid, p.60), assim como pretendia Nvoa, em suas anlises.No entanto, a autora diagnostica um aspecto problemtico e de suma importncia nos escritos do autor portugus. Segundo ela, Nvoa desconsidera que tanto as subjetividades quanto a profissionalidade do professor se constroem a partir das condies histrico-sociais em que a profisso se desenvolve (FACCI, 2004ibid., p.60)., ou sejaEm outras palavras, o profissional professor, imerso na estrutura profisso professor, sendo esta histrica e socialmente construda, assume , em sua identidade, identidades prprias da estrutura na qual imergiu. Nos termos de Facci, a subjetividade formada por sujeitos concretos que, apesar da singularidade, so, ao mesmo tempo, constitudos social e historicamente (FACCI, 2004ibid., p.60).Facci A autora afirma ainda ser preciso ir alm dos aspectos da formao reflexiva adotados por Antnio Nvoa. Para ela, o autor peca porque opera a partir de um reducionismo, quando considera a temtica das identidades. Ela afirma,

Constato que Nvoa, responsvel pela difuso inicial dessa perspectiva no Brasil, assim como os demais autores que defendem uma formao reflexiva dos professores, trata de uma identidade que envolve o eu pessoal e o eu profissional, no superando esta vinculao (FACCI, 2004, p. 60).

Facci, inclusive, fala de um aspecto psicossocial que se arvora das configuraes de subjetividades. Defendendo, nesste sentido, uma correlao extrema dos aspectos scio-histricos nas produes subjetivas. Ela diz:

Em relao formao da personalidade, vemos que as condies objetivas da nossa sociedade esto promovendo o surgimento de determinadas caractersticas psicolgicas que s podem ser compreendidas se considerarmos as demandas do contexto social em que os indivduos vivem (FACCI, 2004, p.61).

Portanto, para a autora, a questo nuclear diz respeito aos modos de produo dos sujeitos na sociedade contempornea, afirma Facci. A construo da identidade no algo esttico;. aAo contrrio, Facci advoga por um dinamismo das subjetividades. A autora demonstra uma radicalidade prpria dos discursos contemporneos. Conclui que a subjetividade fundada na relao com outros indivduos, gerando novas identidades em constante processo de transformao (FACCI, 2004ibid., p.61). inevitvel, assimqui, no ouvir ressoar , na relao de interdependncia subjetiva a que Facci nos remete , os conceitos contemporneos de redes e conexes subjetivas, facilmente encontradas em autores como Gilles Deleuze e Flix Guattari. Nestse sentido, o que se percebemos nos escritos de Facci uma fina compreenso a respeito do aspecto transitrio das identidades, de sua efemeridade. Na medida em que compreende o carter transmutante das identidades, a autora coloca-se a questo do dinamismo da subjetividade, sobretudo quando esta se encontra inserida em uma sociedade globalizada, guiada pelo iderio neoliberal (FACCI, 2004ibid., p.61).Ao leitor atento das exposies de Marilda Gonalves Dias Facci, sobretudo aos aspectos da constituio das identidades que emergem em seus escritos, parece irrecusvel o acesso aos conceitos de estrutura e de habitus, propostos e desenvolvidos por Pierre Bourdieu, socilogo francs.A leitura dos escritos de Bourdieu (2009) nos parece permitir um deslocamento conceitual para o campo especfico das preocupaes de Marilda G. D. Facci. O autor francs, tentando escapar ao objetivismo, do materialismo positivista, e ao subjetivismo, do idealismo intelectualista, constri uma terceira via de compreenso da constituio dos sujeitos, a que ele chama de via do conhecimento praxiolgico, da estrutura estruturada e da estrutura estruturante (BOURDIEU, 2009, p. 87)., Esse fatoo que nos reporta a outra possibilidade de inteligibilidade da constituio das identidades, como queria Facci, contrapondo-se a Nvoa, que estivesse adstrita a condio histrica e social dos sujeitos.Segundo Renato Ortiz (1983), o conhecimento praxiolgico efetua a reintroduo do agente social negligenciado pelo objetivismo sem, contudo, reproduzir simplesmente os argumentos desenvolvidos pela escola fenomenolgica, mas vai alm deles, no sentido de sua superao (ORTIZ, 1983, p. 13).Nesste sentido, o conhecimento Praxiolgico, lugar da dialtica do opus operatus e do modus operandi, dos produtos objetivados e dos produtos incorporados da prtica histrica, das estruturas e dos habitus, medeia duas perspectivas da anlise sociolgica. Contra o materialismo positivista, advoga que os objetos de conhecimento so construdos; rejeita, portanto, o realismo da estrutura. Contra o idealismo intelectualista da escola fenomenolgica, admite que o princpio de construo dos objetos de conhecimento o sistema de disposies estruturadas e estruturantes e que tal sistema sempre se constitui na prtica; rejeita, portanto, o subjetivismo.Pierre Bourdieu (2009), por sua vez, afirma que

(...) os condicionamentos associados a uma classe particular de condies de existncia [em nosso caso, os professores] produzem habitus, sistemas de disposies durveis e transponveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes (BOURDIEU, 2009, p. 87).

Em uma passagem categrica, Facci afirma radicalmente a relao entre a identidade do sujeito professor e a identidade da profisso docente. Ela diz:

A identidade do professor est relacionada com a prpria identidade da profisso docente, com a reviso constante dos significados sociais da profisso e com o sentido que tem para cada membro dessa classe profissional o ser professor (FACCI, 2004, p. 61).

Percebeamos, aqui, o sentido que Facci confere ao aspecto movente e fludo das identidades. A autora fala em termos de reviso constante dos significados (FACCI, 2004ibid., p. 61). Ou seja, o ncleo referencial da identidade, aquilo que ontologicamente configura o ser mutante, dado o carter contnuo do movimento.Em seguida, a autora fala a respeito de uma construo sociocoletiva (FACCI, 2004ibid., p. 61) da identidade docente. Nesste sentido, efetuando o deslocamento para a anlise bourdiana, parece-nosconsidera-se possvel pensar em termos de estruturas moventes, de estruturas estruturadas e estruturantes , personagens conceituais presentes no pensamento de Pierre Bourdieu. Estruturas estTais estruturasque constituem fundamentalmente a identidade docente. Ou seja, o sujeito professor, fruto, sim, de uma transformao ininterrupta da subjetividade, , ao mesmo tempo, alocado na estrutura condicional, histrica e socialmente construda, sendo resultado, portanto, de um processo que independe dele, do sujeito. Facci fala, ainda, em condies objetivas que promoveriam o surgimento de determinadas caractersticas psicolgicas (FACCI, 2004ibid., p. 61).A autora, ademais, admoesta a respeito do perigo de desconsiderarmos a historicidade que est presente na formao da personalidade docente (FACCI, 2004ibid., p. 62), da personalidade docente.Portanto, medida que, atravs de um deslocamento conceitual, compreende-se o conceito bourdiano de habitus estrutura estruturada e estruturante que atua na produo das subjetividades com maior clareza, possvel entender na medida em que atravs de um deslocamento conceitual compreendermos o conceito bourdiano de habitus, estrutura estruturada e estruturante que atua na produo das subjetividades, com maior clareza, entenderemos as preocupaes que Facci direciona ao tema da profissionalidade docente.Para Pierre Bourdieu, o conceito de habitus, cuja longa histria remonta a Aristteles, Boetius, Averroes, Toms de Aquino, Hegel, Mauss, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, entre outros, constitudo a partir da superao da clssica dicotomia objetivismo/subjetivismo, representada, aqui, por um lado, pelo culturalismo, estruturalismo e marxismo estrutural, sedimentados numa mesma categoria epistemolgica, que o objetivismo; e, por outro lado, pela escola fenomenolgica, sobretudo a partir das leituras dos primeiros escritos de Jean-Paul Sartre[footnoteRef:1]. [1: Segundo Renato Ortiz (1983), Bourdieu retoma a controvrsia sartriana da Questo do Mtodo e procura reequacionar o problema da interiorizao da exterioridade e da exteriorizao da interioridade (...) Do ponto de vista filosfico, a aproximao com Sartre elucida em grande parte a perspectiva terica adotada por Bourdieu. Apesar da crtica que o autor faz do ultra-subjetivismo sartriano dos primeiros escritos, a discusso permanece. A Critique de la raison dialectique justamente um momento em que Sartre se prope, atraves de um marxismo existencial, combater uma viso ortodoxa do materialismo histrico. Sartre pretende tecer um elo de mediao entre sua posio fenomenolgica anterior, que plenamente desenvolvida em um livro como O ser e o nada e o objetivismo reificado dos marxistas franceses, representados na poca por Garaudy. Para tanto, desenvolve a afirmao de Engels de que os homens fazem eles mesmos sua histria, mas num meio determinado que os condiciona, e procura mostrar que o homem , ao mesmo tempo, produto e produtor da histria (...) A problemtica na qual se situa o pensamento de Bourdieu idntica quela considerada pelo discurso sartriano; veremos, entretanto, que sua resposta ao problma ser distinta (ORTIZ, 1983, pp. 8-9).]

Segundo Bourdieu (2009), o habitus torna possvel a produo livre de todos os pensamentos, de todas as percepes e de todas as aes inscritas [contudo] nos limites inerentes s condies particulares de sua produo (BOURDIEU, 2009, p. 91). Produto da estrutura, o habitus engendra prticas existenciais em que esto presentes, de forma ativa, as experincias passadas, como exerccio das foras exteriores. Bourdieu, por sua vez, fala em interiorizao da exterioridade (BOURDIEU, 2009,ibid., p. 90). Ou seja, foras exteriores so exercidas, segundo uma lgica especfica, de maneira durvel e sistemtica; porm, no mecnica.Nesste sentido, o habitus funciona como uma relao dialtica entre estruturas objetivas e estruturas cognitivas, entre exterioridade e interioridade. A subjetividade, portanto, produto irrecusvel do habitus, existe no entre dessas duas extremidades, a que Bourdieu tenta escapar em suas impresses.Logo, a pergunta a respeito do sujeito, ou melhor, da identidade docente, nos remeteria a uma questo ainda mais ampla: que relaes de interioridade e exterioridade so confeccionadas nos espaos intra e extra-escolar?Facci critica severamente as posies que adotam o espao intra-escolar como nico espao de configurao da identidade docente, afirma que tal posicionamento relega as dimenses contextuais e poltico-ideolgicas da profisso docente a condio de segundo plano (FACCI, 2004, p. 62). Concordando com Serro, Facci (2004) explica:

H aspectos que configuram o trabalho do professor que so de ordem institucional e poltica, que no dependem exclusivamente de uma atitude reflexiva e crtica que tenha, por si s, condies de romper com uma prtica profissional envolvida pela trama social complexa e contraditria (FACCI, 2004ibid., p. 63).

A partir de uma anlise marxista das organizaes educacionais, Facci conclui que a h um limite que a prpria forma de organizao capitalista da sociedade alm dos muros escolares impe aos educadores (FACCI, 2004ibid., p. 63).Pensar, pPortanto, pensar uma identidade docente requer a [(re)]considerao desse elemento fundamental da experincia vivida, encontrado no espao intra e extra-escolar. somente a partir da vida real , afirma Facci, como ser humano concreto, que o professor reflete sua prtica e produz sua identidade (FACCI, 2004ibid., p. 66).Requerer, dessa forma, o exerccio reflexivo do professor, sem, contudo, alocar o reconhecimento de sua prtica e, sobretudo, de sua prtica reflexiva, como parte estruturante de uma complexa engrenagem de funcionamento, serioa-nos demasiadamente absurdo.Bourdieu (2009), em seus escritos, fala de um processo de ajustamento antecipado s exigncias de um campo especfico (BOURDIEU, 2009, p. 108). O pertencimento a um campo, ao campo educacional, espao de jogo e, portanto, da experincia especfica do jogo, e produtor de um senso do jogo, pressupe, segundo de acordo com Bourdieuo autor, uma seduo do jogo, que chega ao ponto de esquecer que se trata de um jogo (BOURDIEU, 2009, p. 109). nestse sentido que Bourdieu admite a existncia de um lento processo de cooptao e de iniciao que equivale a um segundo nascimento (BOURDIEU, 2009, p. 111). Portanto, tentar compreender a produo de uma identidade docente, como a docncia reflexiva, por exemplo, exigiria a percepo de que nosso objeto de estudo deste trabalho emaranha-se na complexidade da estrutura que, dado seu carter movente, funciona como uma estrutura estruturada e estruturante., Oou seja, como um dado fixo, por um lado, e, ao mesmo tempo, por outro, dinmico.Nesste sentido, Pierre Bourdieu (2009), explica:

O inconsciente (...) no jamais, com efeito, seno o esquecimento da histria que a prpria histria produz ao realizar as estruturas objetivas que engendra nessas quase-naturezas que so os habitus. Histria incorporada, feita natureza, e por isso esquecida como tal (BOURDIEU, 2009, p. 93).

Em um segundo momento da crtica, Marilda Gonalves Dias Facci faz ouvir alguns autores que discorrem das especificidades das teorias a respeito do professor e de sua profissionalidade reflexiva. Para fins de sntese, citaremos alguns dos mais relevantes sero citados a seguir. Problematizando as ideias de Shulman (ano??), Facci expe-nos as questes desenvolvidas por Fiorentini, Souza Jr. e Melo (ano??). Os autores questionam uma espcie de desvalorizao dos conhecimentos cientficos, oriunda da definio de professor-reflexivo elaborada por Shulman.Fiorentini, Souza Jr. e Melo (ano??) advogam a imprescindibilidade do referencial prtico para a significao dos conhecimentos tericos (FACCI, 2004, p.64). Os autores afirmam, por outro lado, o carter de irrecusvel importncia do saber terico como fundamento da prtica reflexiva. Nos termos de Facci, no podemos prescindir do conhecimento terico para analisar e modificar a prtica pedaggica (FACCI, 2004,ibid., p.64).Nesste sentido, Facci demonstra sua preocupao em relao ao praticismo, fruto de uma nfase excessiva nas teorias do professor-reflexivo. A grande crtica aos trabalhos de Schn no circunscrevem, necessariamente, a realizao prtica de suas propostas, mas, sim, seus fundamentos pragmticos (FACCI, 2004ibid., p.64).Donald Schn prope a exclusividade de uma profissionalidade docente orbitando a prtica docente, desconsiderando, ou negando, o aporte das teorias da educao (FACCI, 2004ibid., p.65).Outro movimento de questes que emergem do texto de Facci relaciona-se definio do conceito professor reflexivo, brevemente j discutido acima.Com base em alguns autores, Facci levanta questes mais especficas, relativas prpria definio do conceito de reflexo. A partir do dilogo com autores como Matos, Marx e Engels (ano??), Facci conclui que a reflexo se desenvolve no dilogo travado entre o ser humano e o seu mundo (FACCI, 2004ibid., p.66), na medida em que a individualidade do ser humano se processa no meio social (FACCI, 2004ibid., p.66). A reflexo, portanto, uma habilidade especificamente humana que emerge, no entanto, dos encontros de mltiplas e diferenciadas relaes (FACCI, 2004ibid., p.66).Facci, no entanto, percebe um desvio em relao definio dada ao conceito de professor reflexivo. Teme, sobretudo, a reduo do conceito, pura e exclusivamente, ao campo da prtica pedaggica, alijando e dissociando a prtica reflexiva do professor de uma cotidianidade mais ampla e complexa, desconectando-o do contexto histrico-social, no qual atua como profissional docente.Esse reducionismo encerraria a prtica reflexiva do professor dentro do campo de sua prtica pedaggica. Nestse sentido, o professor deveria pensar apenas os meios de superar os problemas cotidianos, e imediatos, surgidos e vividos na escola, reduzindo, assim, o exerccio reflexivo tecn, ao fazer tcnico, ao praticismo das questes imediatas.Facci, comentando alguns autores, fala em um modismo do termo professor reflexivo, uma vez que o despe de sua potencial dimenso poltico-epistemolgica, pois no se transforma em medidas para a efetiva elevao do estatuto da profisso professor e para a melhoria das condies escolares (FACCI, 2004ibid., p.67).Outro problema em relao definio do conceito de professor reflexivo, segundo Facci, o processo de culpabilizao do professor no que se refere falncia do sistema escolar. Ela questiona: Ao dar tanta nfase ao processo de reflexo do professor, no estaramos, de certo modo, mais uma vez, culpando o professor pelo caos em que se encontra a educao? (FACCI, 2004ibid., p.67).Facci demonstra, em sua pesquisa da documentao educacional oficial do Estado, como se d essa relao entre a atitude reflexiva do professor, na perspectiva da confeco das competncias necessria para o exerccio docente, e uma espcie de competitividade de mercado que o capital forja como prottipo para qualquer profissionalidade. Acrescenta, ainda, que a proposio das competncias estabelece um ntimo vnculo com as exigncias da globalizao, do mundo do desemprego, do iderio liberal (FACCI, 2004ibid., p.67).Segundo Facci (2004),

o capital, a forma como os preceitos neoliberais esto aglutinados ao mercado de trabalho, requer um trabalhador polivalente, com capacidade de adaptar-se a vrias frentes de trabalho, com diversas competncias para dar conta de atender s necessidades postas pelo esprito mercantilista (FACCI, 2004ibid., p.68).

A autora, ainda, salienta que a formao dada ao profissional professor situa-se, de certo modo, dentro dessa lgica do mercado. Lembra, ademais, que autores do timbre de Perrenoud (ano??), por exemplo, legitimam tal investida quando afirmam uma espcie de reducionismo da educao, na expectativa da confeco das competncias, vida cotidiana, a uma individualidade em si (FACCI, 2004ibid., p.68).Facci, ao contrrio, advoga por uma escola que encaminha os indivduos reflexo sobre os conhecimentos no -cotidianos, como a cincia, a arte, a filosofia, a moral e a poltica (FACCI, 2004ibid., p.68), a partir dos quais se abriro outras possibilidades de reflexo e compreenso da sociedade, sobretudo sua crtica e problematizao.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

BOURDIEU, Pierre. O senso prtico. Traduo de Maria Ferreira. Petrpolis, RJ: Vozes, 2009.

FACCI, M. G. D. Valorizao ou esvaziamento do trabalho do professor: um estudo crtico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores associados, 2004.

FIORENTINI; SOUZA JR.; MELO

MATOS; MARX; ENGELS

ORTIZ, Renato. A procura de uma sociologia prtica. In: BOURDIEU, Pierre. Sociologia. Traduo de Paula Montero e Alcia Auzmendi. So Paulo, SP: tica, 1983. PERRENOUD

SHULMAN