para onde vai a gestão de pessoas (1)

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| 20 GVEXECUTIVO • V 11 • N 2 • JUL/DEZ 2012 | RECURSOS HUMANOS • PARA ONDE VAI A GESTÃO DE PESSOAS? A

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Trajetória da área de RH

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  • | 20 GVEXECUTIVO V 11 N 2 JUL/DEZ 2012

    | RECURSOS HUMANOS PARA ONDE VAI A GESTO DE PESSOAS?A

  • PARA ONDE VAI A GESTO DE PESSOAS? O BRASIL EST CRESCENDO E AS EMPRESAS VALORIZAM

    CADA VEZ MAIS O CAPITAL HUMANO, DISPUTANDO TALENTOS E SE ESFORANDO PARA DESENVOLVER LDERES.

    PARADOXALMENTE, A GESTO DE PESSOAS RUMA PARA A IRRELEVNCIA. VISITAR SUA HISTRIA AJUDA

    A ENTENDER A REALIDADE DESTA REA E A INDICAR POSSVEIS CAMINHOS PARA O FUTURO

    Depois de dcadas de instabilidade poltica e econmica, o Brasil passa por um perodo de crescimento. Embora seu desempenho seja mais modesto que o da China e de alguns pases em desenvol-vimento, h uma inegvel vitalidade no ambiente de negcios bra-sileiro. Nas empresas, fala-se em expanso e internacionalizao. Tal contexto gera presses considerveis sobre a gesto, espe-cialmente a gesto de pessoas. O fator humano passou a ser apontado como uma das grandes preocupaes das empresas locais. Em um evento promovi-do pelo jornal Valor Econmico, em maio de 2012, empresrios e executivos como Wilson Ferreira Jnior (CPFL Energia), Renato Alves Vale (Companhia de Concesses Rodovirias CCR), Larcio Cosentino (Totvs), Heraldo Marchezini (Medley/Sanofi Avantis) e Antonio Carlos Valente (Telefnica/Vivo) expressaram, em coro, inquietao com o ciclo da gesto de pessoas: a atrao e a seleo de profissionais com perfil adequado, sua socializao na cultura e nas prticas da empresa, seu desenvolvimento e a conduo de suas carreiras.

    Por outro lado, a gesto parece no estar altura da misso. O discurso pre-sente na mdia de negcios e nos eventos de gesto de pessoas triunfalista. Entretanto, especialistas e profissionais de recursos humanos tm demonstrado preocupao com o estado das coisas e com os rumos deste campo. No h um diagnstico consolidado, mas h percepes que podem ser aglutinadas para dar forma a uma anlise preliminar da situao.

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    | POR THOMAZ WOOD JR. + MARIA JOS TONELLI + BILL COOKE

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  • EXECUTIVOS DE GRANDES EMPRESAS TM EXPRESSADO INQUIETAO COM O CICLO DA GESTO DE PESSOAS: A ATRAO DE PROFISSIONAIS

    COM PERFIL ADEQUADO, SUA SOCIALIZAO NA CULTURA DA EMPRESA, SEU DESENVOLVIMENTO E A CONDUO DE SUAS CARREIRAS

    VISO CRTICADurante muito tempo, a gesto de pessoas constituiu

    um gueto dentro das organizaes. Inicialmente, como departamento de pessoal, era responsvel pelos registros trabalhistas e por outras atividades burocrticas. Depois, como departamento de recursos humanos, incorporou fun-es de treinamento, desenvolvimento, remunerao, ges-to de desempenho, entre outras.

    Nas ltimas duas dcadas, essa realidade foi fortemente alterada. A rea assumiu um discurso de alinhamento com os negcios e foi descentralizada. Contudo, as mudanas, em geral positivas, provocaram efeitos colaterais. A rea perdeu sua antiga identidade e no foi capaz de criar uma nova. Encontra-se fragmentada e espalhada em estruturas organizacionais matriciais, passando a se subordinar s de-mandas, nem sempre coerentes, de seus clientes internos.

    O momento atual parece permeado por apreenses e pela emergncia de crticas, algumas contundentes e que, de forma geral, podem ser agrupadas em dois conjuntos. No primeiro, esto as que apontam a rea de gesto de pes-soas como uma porta escancarada para a entrada de mo-dismos, desde as vexatrias tcnicas de autoajuda e pales-tras motivacionais at a implantao de novos sistemas e modelos de alta sofisticao e baixa adequao realidade das empresas. No segundo, esto as crticas que destacam a fraqueza conceitual e a deficincia na formao dos pr-prios gestores de recursos humanos. Tal condio se trans-formou em um ciclo vicioso: a rea incapaz de atrair talentos, o que a torna pouco relevante; sendo pouco rele-vante, ela se torna ainda mais incapaz de atrair talentos. O resultado a existncia de quadros pouco preparados para dialogar com seus clientes internos e desenvolver solues adequadas para os negcios os quais deveriam atender.

    DE VOLTA AO PASSADOPara entender melhor como chegamos a essa situao

    e como podemos construir um futuro diferente, conve-niente visitar o passado e compreender os passos do de-senvolvimento da gesto de pessoas nos ltimos 60 anos no Brasil. Para isso, recorremos ao estudo Colonizao e neocolonizao da gesto de recursos humanos no Brasil (19502010), realizado pelos autores do presente artigo e

    publicado na RAE-Revista de Administrao de Empresas, volume 51, nmero 3, em 2011.

    O argumento central da pesquisa que a gesto de pes-soas (ou gesto de recursos humanos) se desenvolveu no Brasil a partir de um movimento de colonizao oriundo do estrangeiro. Foram analisados dois perodos: de 1950 a 1980 e de 1980 a 2010. A dcada de 1950, aps a Segunda Guerra Mundial, foi marcada pelo processo de moderniza-o do pas. A de 1980, por sua vez, caracterizou-se pela democratizao, a qual abriu espao para a liberalizao econmica, ocorrida na dcada de 1990.

    COLONIZAO (19501980)Este primeiro perodo foi marcado pela introduo das

    prticas fundamentais da gesto de pessoas: recrutamento e seleo, treinamento e desenvolvimento, e gesto de car-reira. O discurso, dominante na poca, pressupunha que a importao e a implementao de modelos e prticas de recursos humanos desempenhavam um papel importante na profissionalizao das empresas, na melhoria das pr-ticas administrativas e na modernizao das relaes de trabalho.

    Essa perspectiva relaciona o processo ocorrido substi-tuio das relaes de trabalho arcaicas por condutas mais modernas. Segundo tal ponto de vista, os modelos e prti-cas importados por empresas multinacionais e escolas de administrao trouxeram benefcios para as organizaes, as quais puderam aumentar a sua eficincia operacional. Eles tambm trouxeram vantagens para os trabalhadores diretamente envolvidos, que passaram a ter acesso a vrios benefcios, incluindo os programas de sade, formao e desenvolvimento.

    NEOCOLONIZAO (19802010)O segundo perodo se caracterizou por trs grandes mu-

    danas na gesto de pessoas. A primeira foi a busca por um melhor alinhamento com os objetivos empresariais, por meio da adoo de estruturas descentralizadas e da criao de postos de trabalho para consultores internos, a fim de responder s demandas dos negcios.

    A segunda foi a incorporao intensiva de novos mo-delos e prticas de trabalho. De fato, a rea de gesto de

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  • pessoas se transformou em uma porta de acesso para mo-dismos gerenciais. Headhunters se tornaram obrigatrios nos processos de seleo de pessoal qualificado para altos cargos. Setores de treinamento e desenvolvimento expan-diram suas atividades. reas de gesto de carreira adota-ram novos mtodos de avaliao, comearam a utilizar as prticas de coaching e mentoring para desenvolver a lide-rana e, finalmente, passaram a promover a incorporao de cdigos de tica e de polticas de responsabilidade so-cial e diversidade.

    A terceira mudana diz respeito adoo de uma nova retrica, com discurso caracterizado por valores individu-alistas relacionados ao sucesso e excelncia, ao culto dos lderes transformacionais e promoo dos princpios de adaptabilidade, inovao e competitividade. Tal discurso se materializou, com frequncia, em projetos de interven-o cultural, que buscaram promover comportamentos e valores sintonizados com o contexto dos negcios.

    MIRANDO O FUTUROAs transformaes ocorridas nessas seis dcadas ajudam

    a compreender o momento atual. O perodo entre 1950 e 1980 foi marcado pela construo de uma identidade, por meio da atuao na coordenao de processos tcnicos. O momento seguinte foi caracterizado por grandes mudanas em termos de orientao, estrutura, temas, um novo dis-curso e a adoo macia de modas e modismos na gesto de pessoas. Ocorre que modas e modismos nem sempre acontecem por necessidade substantiva. Muitas empresas incorporam tais novidades gerenciais devido aos chama-dos mecanismos isomrficos, ou uma tendncia de se co-piarem. Outras o fazem por razes relacionadas poltica interna, por exemplo, para gerar ganhos polticos para de-terminados gestores.

    Com isso, em muitas grandes empresas, cria-se um am-biente frentico de implantao de novos sistemas e mo-delos, orientados para atender interesses especficos, en-quanto as questes substantivas de recursos humanos so relegadas a um segundo plano. Falta, para muitos gesto-res, capacidade para identificar e diagnosticar os proble-mas reais, desenvolver solues adequadas e executar sua implementao.

    A GESTO DE PESSOAS DEVE SE LIBERTAR DA HERANA COLONIAL, SEM PERDER A PERMEABILIDADE SAUDVEL AO CONHECIMENTO E RECONSTRUIR SUA IDENTIDADE

    COM SIMPLICIDADE E VALORES HUMANISTAS

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  • Como reverter a situao? Em primeiro lugar, ne-cessrio realizar um grande esforo de capacitao dos quadros de gesto de pessoas. Os profissionais que hoje atuam na rea tm formao variada, nem sempre con-sistente ou complementada por contedos especficos do campo. preciso lhes prover tanto os fundamentos das disciplinas formadoras da perspectiva humanista so-ciologia, psicologia e antropologia quanto capacit-los no entendimento das dinmicas organizacionais e de ne-gcios, apoiando sua formao como agentes de mudana desses aspectos.

    Em segundo lugar, preciso investir em pesquisas que tragam tona a realidade local. Muitas anlises que pau-tam a agenda do campo so hoje realizadas por empre-sas de consultoria e assessoria. Tais investigaes tm seus mritos, porm constituem veculos para a venda de servi-os e nem sempre so conduzidas com critrios cientficos ou esto voltadas para questes locais. necessrio con-duzir pesquisas rigorosas, que tratem das questes reais do campo, permitam anlises adequadas e cheguem a solu-es consistentes.

    Em terceiro, indispensvel nutrir o velho e bom sen-so crtico. O discurso ufanista e laudatrio dos livros de autoajuda empresarial e da mdia de negcios, com seus rankings e prmios, cria uma camada de neblina que di-ficulta a viso e o tratamento dos problemas reais. Contra essa realidade paralela, preciso estimular o senso crtico, com vises que escapem do lugar comum e do discurso corporativamente correto e foquem as ambiguidades e pa-radoxos do campo. Em suma, necessrio que a gesto de pessoas se liberte da herana colonial, sem perder a perme-abilidade saudvel ao conhecimento originado no exterior, e reconstrua sua identidade, pautando sua ao por valores humanistas, por uma conscincia ampliada da realidade e pela simplicidade.

    A GESTO DE PESSOAS SE TORNOU UMA PORTA ESCANCARADA PARA A ENTRADA DE MODISMOS GERENCIAIS. SEUS QUADROS

    SO CONSIDERADOS FRACOS E COM FORMAO DEFICIENTE

    THOMAZ WOOD JR. > Professor da FGV-EAESP > [email protected] MARIA JOS TONELLI > Vice-diretora da FGV-EAESP > [email protected] BILL COOKE > Professor da Universidade de Lancaster > [email protected]

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