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Departamento de Comunicação Social PARA NOVOS MEIOS, NOVAS MENSAGENS: PUBLICIDADE,CULTURA E LINGUAGEM NA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA Aluno: Eduardo Jardim Sena Orientadora: Cláudia Pereira Introdução - um caso sério “Duas pessoas conversam no banco da praça”. Uma cena que para muitos pareceria simples, ou até mundana, carrega uma profunda complexidade aos olhos das reflexões propostas nesta pesquisa. Não intriga nem a imagem do banco, nem mesmo a da praça. A inquietude advém da percepção do que compõe uma conversa entre duas pessoas, e, portanto, o que compõe dois atos de fala [2] entre duas existências distintas. Na trivialidade cotidiana, a presente pesquisa procura destrinchar possíveis camadas comunicacionais que configuram, juntas, um processo tão complexo que pode muito claramente revelar alguns dos alicerces que sustentam diferentes vidas em sociedade. A menor unidade do pensamento aqui proposta apoia-se e aproveita-se da anatomia dos sinais da teoria de Ferdinand de Saussure [1], pai da linguística e da semiologia, na obra Cours de Linguistique Générale. Pressupõe-se, assim, que o signo existe somente na dicotomia entre o significante (a imagem da palavra - sua representação sonora ou visual) e o conceito (a ideia dos fenômenos significada através da imagem). E logo nessa primeira camada, deparamo-nos com nosso primeiro objeto de reflexão: o “átomo”, imagem aqui usada para figurar est a dicotomia, morfologicamente, em sua dimensão mais simples do processo comunicacional antes observado. O que se sublinha, aqui, é o importante lugar, também, dos elétrons, prótons” e “nêutronscarregados naquelas então simples unidades duais de significantes e significados. Estes elementos orbitais e circulantes são o que podemos, então, chamar de cultura. Por natureza, a definição do significante uma imagem ancorada a um conceito desejado e, de alguma forma, compartilhado. Assim sendo, a determinação da formajá carrega em si certo grau de arbitrariedade - não à toa a humanidade desenvolveu diferentes códigos padronizados e diferentes idiomas. Para o escritor, isso teria duas consequências ambas calcadas na questão da cultura enquanto um filtro, um caldeirão particular. A primeira é a experiência de diferentes imagens visuais e sonoras vivenciadas por distintas culturas que resultariam eminentemente em representações referenciadas em objetos distintos. A segunda consequência é que os conceitos (apesar de carregarem um questionável paralelismo idiomático e cultural) jamais conseguiriam ser traduzidos plenamente entre culturas visto que os recheiosdos significantes jamais seriam idênticos. Platonicamente, conseguimos entender o universalismo de algumas ideias como “mãe” ou “sol”, entretanto, atribuímos diferentes cargas e valores conotativos a elas, estabelecemos diferentes relações com as noções, principalmente por encontramos a necessidade de articulá-las com os demais conceitos do idioma, o qual procura sintetizar a experiência cultural em jogo. Na frase “duas pessoas conversam no banco da praça”, invocamos, necessariamente, imagens diferentes de “pessoas”, “banco” e “praça” e temos relações diferentes com esses conceitos, carregamo-los com diferentes valores, atribuindo-lhes inclusive cargas que podem ser positivas ou negativas. Desta forma, a palavra, em sua

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Departamento de Comunicação Social

PARA NOVOS MEIOS, NOVAS MENSAGENS:

PUBLICIDADE,CULTURA E LINGUAGEM

NA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Aluno: Eduardo Jardim Sena

Orientadora: Cláudia Pereira

Introdução - um caso sério

“Duas pessoas conversam no banco da praça”. Uma cena que para muitos

pareceria simples, ou até mundana, carrega uma profunda complexidade aos olhos das

reflexões propostas nesta pesquisa. Não intriga nem a imagem do banco, nem mesmo a

da praça. A inquietude advém da percepção do que compõe uma conversa entre duas

pessoas, e, portanto, o que compõe dois atos de fala [2] entre duas existências distintas.

Na trivialidade cotidiana, a presente pesquisa procura destrinchar possíveis camadas

comunicacionais que configuram, juntas, um processo tão complexo que pode muito

claramente revelar alguns dos alicerces que sustentam diferentes vidas em sociedade.

A menor unidade do pensamento aqui proposta apoia-se e aproveita-se da

anatomia dos sinais da teoria de Ferdinand de Saussure [1], pai da linguística e da

semiologia, na obra Cours de Linguistique Générale. Pressupõe-se, assim, que o signo

existe somente na dicotomia entre o significante (a imagem da palavra - sua

representação sonora ou visual) e o conceito (a ideia dos fenômenos significada através

da imagem). E logo nessa primeira camada, deparamo-nos com nosso primeiro objeto

de reflexão: o “átomo”, imagem aqui usada para figurar esta dicotomia,

morfologicamente, em sua dimensão mais simples do processo comunicacional antes

observado. O que se sublinha, aqui, é o importante lugar, também, dos “elétrons”,

“prótons” e “nêutrons” carregados naquelas então simples unidades duais de

significantes e significados. Estes elementos orbitais e circulantes são o que podemos,

então, chamar de cultura.

Por natureza, a definição do significante uma imagem ancorada a um conceito

desejado e, de alguma forma, compartilhado. Assim sendo, a determinação da formajá

carrega em si certo grau de arbitrariedade - não à toa a humanidade desenvolveu

diferentes códigos padronizados e diferentes idiomas. Para o escritor, isso teria duas

consequências – ambas calcadas na questão da cultura enquanto um filtro, um caldeirão

particular. A primeira é a experiência de diferentes imagens visuais e sonoras

vivenciadas por distintas culturas que resultariam eminentemente em representações

referenciadas em objetos distintos. A segunda consequência é que os conceitos (apesar

de carregarem um questionável paralelismo idiomático e cultural) jamais conseguiriam

ser traduzidos plenamente entre culturas visto que os “recheios” dos significantes jamais

seriam idênticos. Platonicamente, conseguimos entender o universalismo de algumas

ideias como “mãe” ou “sol”, entretanto, atribuímos diferentes cargas e valores

conotativos a elas, estabelecemos diferentes relações com as noções, principalmente por

encontramos a necessidade de articulá-las com os demais conceitos do idioma, o qual

procura sintetizar a experiência cultural em jogo.

Na frase “duas pessoas conversam no banco da praça”, invocamos,

necessariamente, imagens diferentes de “pessoas”, “banco” e “praça” e temos relações

diferentes com esses conceitos, carregamo-los com diferentes valores, atribuindo-lhes

inclusive cargas que podem ser positivas ou negativas. Desta forma, a palavra, em sua

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dicotomia, já figuraria a imagem de uma imagem, tornando-se um instrumento obsoleto

no acesso aos fenômenos absolutos do mundo. Não há nem significante, nem

significado universal. Não existiria, consequentemente, um conceito universal – um que

atravessasse todas as culturas. Todos estão sujeitos a um filtro, a uma distorção. Apesar

de se apresentar como veículo único na comunicação inter-humana, o símbolo e a

palavra limitam-se sempre a reduzir os fenômenos do mundo, reforçando as teorias

estruturalistas propostas pelo filósofo Simon Black [3], que afirma que a crença em

fenômenos da vida humana não é inteligível, exceto se forem consideradas as suas inter-

relações, as quais são construídas por uma estrutura com leis constantes da

especificidade local, com todas as suas variações superficiais.

Encaminhando a discussão, enfim, para o foco da presente pesquisa, pode-se

afirmar que a impossibilidade de universalizar uma ideia solidifica-se à medida que

reconhecemos as manifestações sociais das juventudes que emergem no século XXI; um

tempo no qual o individualismo tornou-se um valor predominante, uma espécie de

reação à massificação da comunicação e dos produtos consumidos simbólica e

fisicamente. Em segundo plano, o individualismo se tornou também inerente a um

processo social em uma era virtual na qual a internet comprimiu as noções de espaço e

tempo para gerar acesso e romper as barreiras culturais. A experiência cultural deixou

de ser algo coletivo (restrito temporal e geograficamente) para tornar-se também uma

experiência individual. Em virtude disso, emergem as diferentes formas de juventudes,

nas quais cada indivíduo aplica seu próprio filtro à realidade, e, por consequência, aos

conceitos compartilhados. Os jovens constroem suas próprias formas de expressão, sua

própria linguagem, seu próprio padrão idiomático. Em termos de comunicação, isso é

um obstáculo não só para a troca intercultural, mas também interpessoal – ou melhor,

em sua forma mais reduzida.

Fala-se também de uma juventude cada vez mais imersa em uma realidade

digital possibilitada pela worldwide web, nossa aldeia global. Posto que é, hoje,

impossível dissociar cultura de tecnologia, de que forma o meio de comunicação da

internet estaria moldando a mensagem? Considerando as teorias de McLuhan [4], de

que forma estaria a internet influenciando a produção de novos significantes e imagens

e, portanto, o direcionamento de ideias? No espaço da internet, somos limitados a ações

pré-definidas: por exemplo, “Curtir”, “Seguir”, “Bloquear”, “Denunciar”. A maneira

como essas palavras são interpretadas orienta e molda diretamente a ação da pessoa no

espaço digital, assim como, de forma incontrolável, as percepções de interlocutores a

respeito destas ações. A palavra – fria, distante, frágil e silenciosa em sua emissão – está

sujeita a demasiadas distorções no espaço da internet, um espaço cujo tempo apresenta

alta efemeridade e o receptor está meramente de “passagem”, engajando seu tempo.

Existe assim um mercado todo fundamentado em seduzir o consumidor a permanecer na

“nuvem”: a internet como uma janela para o mundo não-digital, a partir do qual

observamos (e controlamos) a nós mesmos. Com a superexposição crescendo em

detrimento da privacidade, optamos por projetar ideais insustentáveis de nós mesmos no

mundo digital.

Objetivo da pesquisa

Chega-se, não sem demora, ao objeto de pesquisa deste estudo. Em sua

dimensão mais ampla, ocupa-se das juventudes e mais especificamente de suas

representações na publicidade – no espelho da percepção social conservadora. Mais

especificamente, preocupa-se em observar o contexto atual da cultura jovem,

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particularmente com relação às suas formas de expressão influenciadas pelas novas

tecnologias, partindo da premissa de que há um "espírito do tempo" que leva a uma

quebra de paradigmas linguísticos no sentido de buscar uma liberdade de expressão que,

ao contrário, parece estar limitando ações e até mesmo a própria prática da

comunicação.

Para tanto, considerando a falta de distanciamento histórico com relação ao

objeto da pesquisa, serão tomados como referências (1) o movimento punk do final dos

anos 1970 como vontade e expressão desta quebra de paradigmas linguísticos

(Hebdidge, 1994) e (2) peças publicitárias, que representaram, num determinado

contexto político, a polarização decorrente de uma radicalização ideológica, entre os

"comunistas" e os "capitalistas", os "guerrilheiros" e os "alienados", o que pode servir

como o que Moscovici (1991) denomina de "ancoragem" para a construção de

representações sociais do que acontece hoje nas redes sociais online que, por sua vez,

estão pautadas por um controle social entre seus participantes com relação a palavras,

ideias e imagens que designam um polo ou outro desta disputa. Nesta dinâmica, vêm

sendo criados novos significantes para novos significados que, se por um lado

apresentam propostas políticas e de identidade mais amplas, inclusivas e plurais, por

outro geram um estado constante de "patrulhamento ideológico" que acaba por

intensificar uma dicotomia e a polarização, também, entre os jovens.

A reciclagem da linguagem

Distintas juventudes podem ser percebidas como formas de reavaliação dos

valores vigentes em suas sociedades, expressando-se através de manifestações de reação

e de reprocessamento daquilo que vivenciam coletivamente. Fator relevante das

mudanças culturais, aspecto inerente da modernidade, é o encontro de diferentes visões

de mundo que estabelecem a interação, a mútua assimilação e a geração de novas

representações, novos códigos. Emergem assim, destas reconfigurações, as subculturas

e as contraculturas. Subculturas, entenda-se bem, não numa conotação de “inferior” ou

“fragmento” de uma cultura-mãe, mas tipos de culturas “paralelas”, filtros particulares

da realidade em construção [5], atravessados por traços específicos de transgressão e,

algumas vezes, de rebeldia [6]. O que difere da contracultura, que se propõe

reativamente a romper com os códigos vigentes que não são capazes de veicular ou

representar sua vivência e seus ideais [7].

Assim sendo, a linguagem, enquanto perpetuadora e tradutora dos valores

vigentes, torna-se o principal alvo da ruptura daqueles que visam estabelecer novos

paradigmas. Testemunha-se uma tentativa de remanejar o código de forma que ele

melhor comporte os anseios e os fenômenos de determinado recorte social. De uma

perspectiva histórica, o processo é cíclico e inerente às reações culturais. Um dos casos

mais notórios da contracultura em prática foi o movimento punk, originalmente

manifestado na década de 1970.

Com o devido distanciamento temporal, podemos afirmar, a partir de Hebdidge

[8], que o movimento punk mergulhou a fundo nesse processo de desconstrução. Sua

força motriz era um descontentamento com o vazio de uma cultura consumista

alavancada ideologicamente pelo capital. Referenciado em linhas como o dadaísmo,

visava ativamente chocar a sociedade através uma atitude de “do it yourself”. A

rebeldia, sustentada pela ressignificação do uso de objetos – bricolagem -, tornava-se

evidente das mais diversas maneiras: nos artefatos de moda / estilo (sempre agressivos),

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no cinema, na poesia, na música e nas demais formas de expressão. Fundamentalmente,

o movimento se apropria e subverte os códigos normativos a fim de explodir os

símbolos que são insuficientes e impotentes diante de sua realidade [8]. Entretanto, seria

um movimento da natureza destrutiva do punk capaz de alcançar o “não-símbolo”? Ou

seria essa completa ruptura, em si, uma nova proposta semântica e estética? Apesar de

propor-se à destruição dos símbolos, a ressignificação dos significantes é, sozinha, uma

construção de linguagem, de um novo código.

Mais adiante, reconhece-se também que toda linguagem está sujeita a um

deslocamento de sentido orientado por uma distorção intencionada ou por uma

interpretação subjetivamente ancorada em um sistema de valores diferenciado daquele

na qual a linguagem original se sustenta. A recorrência desse fenômeno não seria

também novidade, principalmente considerando o discurso publicitário. A publicidade

desfruta da concepção de juventude enquanto “conceito estratégico da publicidade” [9]

para sustentar discursos de uma sociedade de consumo ancorada em um complexo

sistema cultural de significação. Pressupondo que as novas linguagens advêm,

principalmente, de reações das juventudes inerentes à sua natureza de mudança,

encontramos em Moscovici [10] sustentação teórica para observar que a mídia colabora

para que este discurso “não familiar” dos jovens se incorpore ao senso comum,

alargando sua intenção primária de desconstrução. Observe-se abaixo como o processo

ocorreu diante da representação do discurso contracultural do punk [11].

Figura 1: Anúncio da Volkswagen - CrossPolo

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Na Figura 1, o primeiro sinal de reapropriação de discurso já é notório a partir

do momento em que há uma aproximação dos valores punk com a folclórica e popular

figura do Snoopy – um personagem não só comercial e embora também direcionado a

um público jovem, infantil. Na sua essência, o punk lutava justamente contra esse tipo

de lógica reprodutível e massificada. Trata-se, acima de tudo, de uma apropriação

fragmentada representada metonimicamente através do estilo de corte de cabelo

moicano – estilisticamente popular entre os punks. Assim sendo, percebemos uma

apropriação reducionista que limita o movimento a um mero elemento estético,

descontextualizado da sua configuração social. O texto do anúncio de carros da marca

alemã Volkswagen, “O Polo, um pouco mais selvagem. O CrossPolo”, indica uma

apropriação seletiva e distorcida do ideal punk que é invocado pelo valor da energia, da

aventura e do vigor – e não pelos seus códigos fundamentais. Dessa maneira,

percebemos que a publicidade filtra e reconfigura o entendimento diante da cultura punk

de forma a desenvolver um conceito estratégico de comunicação - fundamentado na

noção de juventude – para alavancar as vendas. Desfruta assim de um discurso

contracultural para reproduzir a lógica da cultura dominante em um processo de

familiarização do discurso alheio.

A seguir, alcança-se como o discurso publicitário no contexto de um mundo

radicalizado pela Guerra Fria contribui para uma polarização de indivíduos baseada em

posições ideológicas e políticas. A segunda metade do século XX é marcada pela

divisão entre o sistema “comunista” e o “capitalista”, reiterando o que nos ensina a

perspectiva estruturalista de Lévi-Strauss [12]. Desta forma, os conceitos passaram a

acumular um amplo campo semântico ao seu redor. Aos termos utilizados para um,

criam-se outros de força igual e oposta. Instituíam-se pares de oposição evidenciados

em dicotomias como “guerrilheiros x alienados” ou “comunistas x capitalistas”. O

questionamento que fica é se a linguagem se transforma em decorrência dos

acontecimentos sociais ou se os eventos coletivos são orientados por um direcionamento

linguístico. De toda forma, observa-se na Figura 2 como a publicidade acompanhou este

fenômeno, contribuindo para a manutenção do sistema de significação do consumo [13],

seduzindo, atraindo e persuadindo.

A publicidade sempre funcionou enquanto um espelho, uma espécie de radar

social. Percebe-se através dela, a compreensão do senso comum diante dos fenômenos e

uma leitura dos conceitos e valores popularmente disseminados. O anúncio da

Gradiente (Figura 2) vende caixas de som em pleno período de ruptura social – um

período na qual a música estava traduzindo amplamente a voz de uma camada social

afinada com ideologias de protesto, ideologias de esquerda que por muito contestavam a

lógica capitalista do consumo. Criticavam a lógica da massificação dos produtos

justamente por ela representar em, muitos aspectos, a origem de diversas preocupações

sociais e o cerceamento da capacidade crítica do ser humano. O anúncio aqui estudado

se apropria, de forma quase irônica, do discurso contracultural para motivar o consumo

do produto em questão. Sustentada assim em um discurso paradoxal de que o consumo

seria capaz de veicular a luta e o protesto do consumo, a peça publicitária mais uma vez

se apropria de elementos estéticos descontextualizados para representar (de maneira

reducionista) um outro discurso: a barba, os óculos redondos do John Lennon, as

“canções de protesto” as “músicas de Dylan e Belchior”. Entretanto, aplicados fora de

contexto, os significantes acima ficam ocos. Nesse processo, a publicidade evidencia

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fundamentalmente a polarização sustentada na linguagem, argumentando que haveria

um binarismo entre os que protestariam e os demais membros do corpo social.

Figura 2: Anúncio Gradiente

A palavra nua e crua

Moscovici tratou do fenômeno das representações sociais, e seus processos de

“ancoragem” e “objetificação” – em que significantes “não familiares” são relacionados

a coisas “familiares” e, então, assimilados, classificados e incorporados ao senso

comum através de uma imagem, ideia, objeto, enfim, na proposta de criar novos

conceitos com novas cargas semânticas. O processo dá a luz, assim, a um conceito

instrumental, plenamente integrado na leitura-filtro de mundo do agente, colocado

constantemente em análise etimológica, num processo de destilação e decomposição da

palavra, a fim de racionalizar e delinear sua natureza primária. Observe-se, por

exemplo, a histórica questão dos diferentes tons de pele, especialmente aqueles

autodeclarados dentro do contexto brasileiro. Sem qualquer juízo de valor ou

desdobramento conclusivo, fato é que, na circunstância ótica e física do fenômeno,

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reconhecem-se diversas tonalidades de pele entre os seres humanos. É imperativo, para

a funcionalidade simbólica de nossas culturas, atribuir conceitos que circunscrevam as

mínimas variações fenomenológicas (talvez essa seja justamente a empreitada do

discurso taxonômico científico – “dar nome aos bois”, como se diz vulgarmente; mas

apenas nomes). Nem por isso, precisamos hierarquizar ou categorizar os conceitos; essa

já seria uma segunda etapa semântica. Há assim um motivo pelo qual a luta pela

igualdade preza com cuidado pela palavra utilizada. Tome-se, por exemplo, a

preferência pelo termo “preto” em detrimento do “negro”. Diferente do “preto” que

aparece meramente para designar uma pessoa de pele preta, o “negro” passou a ser

adotado mais amplamente durante a escravidão. Assim sendo, o “negro” possui carga

histórica negativa de um período tão deplorável da humanidade. Não à toa,

reconhecemos em outros exemplos a implicação do conceito para desqualificar e

categorizar outros conceitos: o “negro” sempre abarcou a obscuro, o tortuoso, a

marginalidade e o fúnebre; os navios negreiros, a magia negra. Afinal, qual seria

fundamentalmente a diferença entre a magia negra das bruxas e a ciência dos

alquimistas se não um desequilíbrio conceitual?

Novos meios para novas mensagens e novas mensagens para novos meios

Se o digital é nosso meio, e nosso meio, nossa mensagem, qual seria a

mensagem do ambiente digital? No universo das redes sociais, os símbolos visuais – e

principalmente a palavra como texto – encontram-se extremamente em evidência em

detrimento do desaparecimento de outros elementos da emissão (i.e. gestos, entonação,

cadência, presença). Entretanto, diferente do “homem tipográfico” [14], o “homem

digital” emerge da privacidade então criada para criar-se esfera da exposição. Outra

diferença é a expansão do caráter imagético da palavra que se desdobrou no uso de

elementos audiovisuais na expressão: constituem-se assim os gifs, memes, emojis, e

outros modelos dentro do idioma do mundo digital. Isto representa, de fato, uma

expansão na expressão, posto que o ser humano nunca antes pode veicular o

pensamento em tantos modelos, com tamanha velocidade, como pode agora. Em

contrapartida, até que ponto a intertextualidade não implicaria em uma maior

fragmentação da mensagem, representando assim um ruído ou uma distorção? Até que

ponto esta velocidade não fragiliza os próprios conceitos recém-criados, porém

ultrapassados? Até que ponto essa nova comunicação não alimenta a polarização dos

conceitos em decorrência do caráter binário do digital, que é incapaz de veicular as

nuances do real?

Na era da internet, é dada a largada para a caça às palavras. Testemunham-se

dois processos paralelos: o primeiro, uma reedição da linguagem que procura “explodir”

símbolos obsoletos por carregarem valores datados e que não mais dialogam com os

anseios da atualidade; o segundo, a contínua criação de plataformas e moldes nos quais

conseguimos traduzir a expressão emocional. Desta forma, estamos alterando tanto a

receita quanto a apresentação do prato. Nem tão ousado seria argumentar que estamos

modificando inclusive a forma de comê-lo. Assim se dá a evolução orgânica da

linguagem que se retroalimenta com os anseios sociais e culturais. Nas redes sociais, as

juventudes estão criando um novo código que é ao mesmo tempo a força motriz e a

reação às reinvindicações sociais. Mas, diferente do punk, essa recodificação propõe-se

não só a explodir os símbolos, mas como também propor novos. O processo é nítido em

diversos âmbitos das lutas sociais, entretanto, dá-se destaque, aqui, à questão do

“gênero’”.

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Uma das grandes pautas das juventudes do século XXI é o ideal de libertação de

identidades fixas e ancoradas em gênero binários, sob o argumento de que se trata de

uma redução do ser humano a construções sociais dominadas pelo poder-saber [15].

Entretanto, a defesa dessa bandeira requer uma completa ruptura com a linguagem que

hoje sustentamos, principalmente no que se refere ao idioma Português. As palavras em

Português (assim como outros sistemas idiomáticos) estabelecem por si só uma natureza

de gênero e grau. Não à toa, temos uma Língua que necessita do artigo definido para seu

funcionamento. Não seria mera coincidência que “meninos brincam com bonecos” e

“meninas brincam com bonecas” – existe um direcionamento linguístico no

comportamento cultural; ou no mínimo uma tradução na língua que reproduz o tal

comportamento. Mas a questão se complexifica à medida que não só as palavras se

associam a este sistema binário de gênero. Consideremos, por exemplo, a distinção

entre banheiros disponibilizados separadamente para o sexo masculino e o feminino. A

linguagem utilizada nesta distinção não reconhece a existência dos demais gêneros e,

assim, sua simbologia é insuficiente. A porta do banheiro feminino expõe símbolos

ligados a seu universo (saias, saltos altos, bolsas) e, do masculino, também,

respectivamente (calças, sapatos, cartolas). A partir do momento em que as semânticas

se rompem, o símbolo se torna obsoleto uma vez que uma saia, por exemplo, poderia

perfeitamente pertencer ao campo semântico do gênero masculino. É isso que

observamos nos denominados movimentos sociais pela “identidade de gênero”, que

desvinculam o gênero do corpo, como propunha Butler [16]; uma tentativa de explodir

os símbolos ao recontextualizá-los, de forma que melhor atendamos anseios de diversas

identidades de gênero. Entretanto, há duas formas de por isso em prática. A primeira

seria através da intervenção diretamente na rotina da cultura: homens que usam saias ou

mulheres que não se depilam – ou qualquer outra ação que choque o padrão de

expectativa.

A segunda possibilidade parece ser uma cirurgia direta na linguagem. Ela se

fundamenta na noção de que, à medida que ressignificamos os termos e propomos

novos moldes para a expressão, somos capazes de desancorar suas cargas conotativas e

oferecer um veículo que melhor abarque os anseios da atualidade. É uma luta

diretamente no campo conceitual – seja ele no cerne ou no perímetro da questão. Por

isso, no que se refere ao Português, observa-se a tentativa de tirar o chão que sustenta o

dualismo dos gêneros: a letra “a” como indicador feminino e a letra “o” como indicador

masculino. Propõe-se uma linguagem na qual é impossível discernir o gênero da

palavra, justamente por ela não remeter a tal dimensão.

Um exemplo claro teria nascido nas redes virtuais e já adquirido forma no

mundo offline. Professores do Colégio Pedro II (uma escola da rede pública na Zona Sul

do Rio de Janeiro, conhecido pelo seu profundo engajamento social) passaram a adotar

o termo “alunxs” (em detrimento de “aluna” ou “aluno”) para se referir aos estudantes

sem fazer alusão a qualquer gênero. Os artigos antes da palavra também caíram, de

forma a estabelecer um grau de igualdade de gênero através da comunicação.

Reivindica-se, assim, a não-violência sutil que reproduz a desigualdade pelas vias de

uma linguagem naturalizada no cotidiano [17].

Movimentos feministas e LGBTs já reforçam a utilização de termos como

“médicx”, “enfermeirx” e “advogadx” para dar representatividade àqueles que não se

reconhecem no sistema de gêneros como configurado. Tal questão fica evidente nas

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palavras de Liniker, cantor (ou cantora, ou cantorx) brasileiro (ou brasileira, ou

brasileirx) atual, em entrevista para a TV Folha:

Eu acho que essa questão do gênero não vem nem só do vestir-se. Eu

acho que é uma dimensão de se desconstruir toda uma ideia de que a

gente precisa viver num padrão, de que a gente precisa seguir uma

estética normativa. Eu tirei o artigo da minha vida, não sou nem “o”

nem “a” – sou Liniker. (...). Não sei colocar se sou homem ou mulher;

sou Liniker. [18]

Curioso é perceber que essa transformação direcionada à linguagem se viabiliza

justamente pelo caráter tipográfico do homem digital. Afinal, essa mudança altera não

só o significante visual como sonoro, modificando também as pronúncias das palavras;

propondo até palavras que foneticamente fogem das características vigentes na Língua

como é. É uma proposta que se potencializa com a relevância do significante visual nas

telas dos computadores, tablets, smartphones e gadgets. Nesse sentido, o

impronunciável ganhou tanta força na comunicação digital, que a palavra perdeu força

diante de significantes tão virgens quantos intuitivamente imagéticos: os memes, gifs e

emojis. Tal movimento permitiu com que os significantes se potencializassem uma vez

que eram capazes de movimento, dinâmica, legenda e variações infinitas – expandido

seu alcance semântico. A geração de novos significantes é uma realidade tão potente

que parece diretamente reativa às demandas comunicacionais sociais. Os emojis, figuras

animadas utilizadas em plataformas e aplicativos de troca de mensagem, ganharam, na

metade de 2015, tons de pele diversos para cada expressão. Os emojis são,

fundamentalmente, um recorte de uma expressão, um sentimento, uma emoção –

representados figurativamente através da imagem. A diversificação da imagem não

alteraria assim o fundamento da expressão em si, expandiria apenas sua capacidade

representativa. Trata-se de um novo dicionário de significados mais autoexplicativos

[19].

Mais uma vez a publicidade é capaz de evidenciar como a questão da imagem

ganhou relevância na comunicação – para muito além dos próprios emojis. A seguir,

podemos observar uma série de anúncios de grandes marcas que pareceram entender

que a imagem tomou o papel de protagonismo na comunicação das novas juventudes,

principalmente daquelas imersas da virtualidade. Compreenderam assim que

significantes imagéticos configurariam uma linguagem mais acessível, amplamente

visual, e que melhor comportaria as expressões sociais no espírito dos tempos vigentes.

Percebe-se, nos exemplos abaixo, como a linguagem semântica do universo digital está

presente. O fato de grandes marcas como Itaú, Vivo, McDonalds desfrutarem dessa

linguagem representa a legitimação do novo papel da imagem nos processos de

comunicação, em qualquer âmbito ou dimensão.

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Observamos assim, a campanha publicitária de três marcas de renome no

mercado: Itaú, Vivo e McDonalds. A primeira motivação pela escolha dessas peças

consiste do fato de pertencerem a marcas que elaboram comunicações “B2C” e assim

visam fundamentalmente uma linguagem acessível àqueles que consomem e optam, ao

fim do dia, pelo produto ou serviço. Além disso, foi importante escolher marcas que

atuam em segmentos diferentes do mercado de forma melhor compreender a dimensão

dos fenômenos. São peças que indicam como que a publicidade se apropria de uma

linguagem jovem, moderna e irreverente como conceito estratégico de comunicação.

Figura 3: Emojis na campanha do Itaú

A Figura 3 traz a campanha do Itaú, direcionado para o varejo dos serviços

bancários, ganhou o nome de “Itaú Digital – DigItaú Com “Ú”. Trata-se de uma

comunicação que busca colocar a marca dentro dos novos paradigmas tecnológicos;

explicitar que o Itaú traduz a modernidade e oferece um serviço de ponta. Além disso,

no seu processo de branding, vende jovialidade, irreverência e relevância. Assim

sendo, o uso pelos emojis emerge justamente da necessidade de desfrutar de uma

linguagem que se adeque a esse conceito; uma linguagem que melhor traduza os anseios

e a estética da modernidade. O comercial basicamente atribui um “emoji” equivalente a

cada palavra cantada na música – estabelecendo assim que existe, mesmo que não-

cartesianamente, certo paralelismo entre os significantes das linguagens em questão

(real vs. virtual). Nessa campanha, observamos também como que esses significantes

são flexíveis para comunicar nos mais diversos âmbitos e semânticas, vide os pilares da

campanha: Futebol, Youtube, Mudanças, Música. A campanha se alastrou através de

comercial para TV aberta e fechada, cinema, mídia online e anúncios para revistas e

jornais (todos meios de comunicação altamente visuais).Trata-se de uma linguagem

pouco útil por exemplo para ser veiculada via rádio – ela não existe enquanto um código

sonoro.

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Figura 4: Vivo: “Viver É A Melhor Conexão”.

Paralelamente, a Vivo é uma empresa de telecomunicação que atua

exclusivamente no segmento de novas tecnologias e interatividade. Não à toa

percebemos um campo semântico na comunicação ancorado diretamente nas linguagens

digitais. Entretanto, desta vez não ganham destaque os emojis, e sim, os modos de

interação nas redes sociais (todos com um devido e reconhecido significante imagético).

A campanha propõe um novo posicionamento da marca Vivo diante da era das

convergências digitais e intitula-se assim “Viver É A Melhor Conexão”. Estabelecem-se

nela paralelismos entre situações reais e digitais (e.g “fazer login” seria uma pessoa

acordando). Desta forma, é possível analisar como que os significantes no meio digital

oferecem moldes pré-definidos à interação; ações já orientadas semanticamente e já

carregadas de valores. Parte assim do pressuposto, ainda que polêmico, de que para toda

ação real, existe uma ação equivalente e proporcional no universo virtual (uma regra

quase newtoniana!). Mais uma vez enxergamos nesse ‘carpe diem’ digital, uma questão

de posicionamento de marca que busca mostrar-se engajada nas novas tecnologias e

preocupada em alcançar novos mercados, principalmente no que se refere ao mercado

consumidor jovem.

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Figura 5: McDonalds (FR) - Emojis

Finalmente, estudamos a campanha do sempre relevante McDonalds. Foi

importante estudar uma marca que atue no mercado alimentício justamente pelo seu

produto não se confundir diretamente com sua comunicação (como nos demais

exemplos estudados nessa pesquisa). Assim sendo, a opção de linguagem relaciona-se

diretamente com o processo de branding da marca que quer gerar empatia no

espectador. O comercial foi veiculado na França, o que indica também que não estamos

falando de um fenômeno limitado geograficamente e sim a uma revolução mundial nas

comunicações. A partir do momento que essa forma de comunicação se enraíza em

mercados como o do McDonalds, podemos finalmente concluir que o processo de

apropriação das linguagens virtuais está completo. Legitima-se assim o novo paradigma

comunicacional, o paradigma da imagem visual.

Considerações Finais

Seria demasiadamente precoce concluir que a reconfiguração no papel dos

significantes, motivada pelo advento das novas mídias, indicaria a extinção da palavra

escrita como instrumento estruturante para a comunicação em sociedade. Estamos ao

que tudo indica, no olho do furacão, em plena fase de “mudança de pele” no que se

refere aos modelos de comunicação. Sugere-se, assim, uma análise que contemple o

reposicionamento do papel da palavra. A eterna explosão dos significantes e

significados fez com que os conceitos ganhassem ininterrupta volatilidade e assim, as

palavras, categorizadas e definidas, seriam incapazes de acompanhar o dinamismo dos

anseios sociais e da própria comunicação nos novos espaços de interação. Assim sendo,

a sociedade recorre a significantes ‘virgens’ e capazes de expressar uma série de

significados, sem nenhum engessamento semiótico. A escrita passaria a servir para

consolidar ideias mais perenes, que atravessam o tempo – restringindo-se então a alguns

espaços específicos, como a Academia. Entretanto, seria tamanha presunção e

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prepotência “bater o martelo” sobre essas questões – fica aqui de relevante somente o

questionamento a seguir.

Até que ponto os novos significantes surgem a partir de um reprocessamento da

conscientização cultural ou até que ponto essa reconscientização é decorrência do

desenvolvimento de novas imagens? Seria o meio moldando a mensagem ou a

mensagem demandando novos meios? Caímos finalmente em uma pergunta tão

existencial e filosófica quanto à questão da galinha e do ovo.

No sentido platônico do processo, a imagem só poderia surgir a partir da

existência de um objeto-espelho a ser distorcido. A palavra, como imagem, só poderia

ter surgido para traduzir um sentimento, um anseio, um fenômeno pré-existente.

Entretanto, com as ressignificações e distorções inerentes à liquidez das linguagens, a

imagem passa a perder seu espelho inicial e a atribuir um segundo objeto ou tornar-se

um objeto por si só. A partir desse momento, ela é capaz de orientar um pensamento a

partir do seu uso e gerar novas imagens igualmente deformadas e sugestivas. Quem teria

assim, o objeto ou a imagem, a força para quebrar esse ciclo eternamente vicioso?

Já percebemos as ramificações dessa questão, por exemplo, na emergência do

“politicamente correto”. O politicamente correto preza pelo uso de palavras

desprovidas de um carregamento histórico ou conotativo, desprovida de um juízo de

valor negativo, e está sob eterna vigilância. Acredita-se, desta forma, que o uso do meio,

da imagem ou da palavra correta, seria capaz de orientar o pensamento em novas

direções gerando gradativamente uma forma de re-pensamento da consciência e da

cultura em pauta. A prática é tão forte que se configurou um “patrulhamento

ideológico” nas novas mídias, um reforço de qual seria a palavra mais adequada a ser

utilizada sem ninguém ofender. Desdobra-se assim um reforço da polarização presente

nas redes sociais como extensão do seu binarismo enquanto forma de comunicação.

Essa radicalização e esse patrulhamento destacam-se muito em função das

características dos novos meios: meios de superexposição, imagéticos, rápidos,

fragmentados e não lineares. Percebemos também o caráter educativo e pedagógico da

publicidade que, enquanto espelho da média social, legitima ou deslegitima o uso de

certos conceitos. Desta forma, a incorporação de uma linguagem na publicidade

indicaria sua incorporação no senso comum, na percepção média social. A publicidade

funciona enquanto um radar que orienta quais conceitos e ideias devem ser seguidos e

valorizados (reprimindo e omitindo tudo aquilo que fuja de um padrão que harmoniza as

diferenças e mantém a coesão social). Observamos assim uma dinâmica retroalimentar

que não reconhece nem começo, nem meio, e muito menos fim.

Por mais louvável que ela seja, até que ponto não seria a luta do politicamente

correto vã diante da fragilidade dos termos? Todo conceito, por mais virtuoso que seja

em algum ponto, está sujeito a uma “poluição” conotativa que o desvirtua e o torna

obsoleto diante do progresso social. Talvez seja justamente o destino da linguagem,

como imagem social, estar fadada a ser para sempre reativa a uma sociedade em

constante desenvolvimento. Intrínsecos, a linguagem e a consciência compõem uma

dinâmica singular; uma dança na qual tanto o cavalheiro quanto a dama querem

conduzir, mas que depende invariavelmente da capacidade da harmonizarem seus

movimentos entre si mesmos e com as músicas que tocam.

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6 – HAENFLER, R. Subculture, The basics: Routledge, 2013

7 – ROSZAK, T. A contracultura: reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a

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Petrópolis: Vozes, 2011

11 – PEREIRA, C.; SENA, E. O paradoxo hipster: sobre representações publicidade

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12 –LÉVI-STRAUSS, C. Anthropologie structurale (Antropologia estrutural) Paris,

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13 – ROCHA, E. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade.

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14 – MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem

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15 – FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

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16 – BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio

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17 – Disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/professores-do-pedro-

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Acessado em 27 de junho de 2016.

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18 – Disponível em

https://www.facebook.com/linikeroficial/videos/1745785122332396/. Acessado em 27

de junho de 2016.

19 – Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/11/emojis-terao-tons-

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Figura 1 - Anúncio da Volkswagen – CrossPolo – Disponível em http://www.lpm-

blog.com.br/?p=22591. Acessado em 31 de Julho de 2016.

Figura 2 - Anúncio Gradiente - Disponível em http://bit.ly/2aKngB5 . Acessado em 31

de Julho de 2016.

Figura 3 - Emojis na campanha do Itaú - Disponível em

https://www.youtube.com/user/BancoItau/videos . Acessado em 31 de Julho de 2016.

Figura 4 - Vivo: “Viver É A Melhor Conexão” - Disponível em

https://www.youtube.com/user/Vivo Acessado em 31 de Julho de 2016.

Figura 5 - McDonalds (FR) – Emojis - Disponível em

https://www.youtube.com/channel/UC2_6yNdzqnTG8QxaeOdD_0g Acessado em 31

de Julho de 2016.