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Para entender a tecnologia social Uma viagem Uma viagem pelo Brasil pelo Brasil

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Para entender a tecnologia social

Uma viagem Uma viagem pelo Brasilpelo Brasil

Você sabe o que é tecnologia social? p.4

Tecnologia social promove os direitos humanos p.6

Tecnologia social tem história p.10Tecnologia social começa com a identificação dos problemas p.8

O conceito de tecnologia social p.12Tecnologia social implica organização e sistematização p.14Tecnologia social é feita em harmonia com o meio ambiente p.16Inovar com as pessoas e as coisas de cada lugar p.18

Tecnologia social e empreendedorismo solidário p.30

Tecnologia social promove a acessibilidade p.32

As conquistas são nossas, vamos celebrar! p.34

As quatro dimensões da tecnologia social p.36

Tecnologia social é a ponte entre os problemas e as soluções p.20

Tecnologia social promove o diálogo entre diferentes saberes p.22

Tecnologia social é um processo participativo e democrático p.26

Tecnologia social, conhecimento que inclui p.28

Sumário

Você sabe o que é tecnologia social?

Felipe: Ufa! Enfim as férias! Precisosair daqui de Brasília...

Joana: E então Felipe, vai viajar paraonde?

Felipe: Estou pensando... E você?Joana: Eu quero viajar para um local

onde eu possa conhecer algumas experiên-cias de tecnologia social.

Felipe: Nossa, como é isso?Joana: Ah! Ainda não sei muito bem, mas

assisti a uma palestra sobre tecnologia sociale gostei muito, fiquei curiosa para conhecer.Elas estão mudando para melhor a realidadede muitas pessoas. Então quero ir a algumlugar onde eu possa ver isso de perto!

Felipe: Uau, parece interessante. Masme explica direito. O que são as tecnologiassociais?

Joana: Olha só o que eu anotei: na pales-

tra disseram que “são aplicações do conheci-mento para solucionar problemas da popula-ção e promover os direitos humanos”.

Felipe: Hum, não consigo visualizar... Joana: Eles deram o exemplo da seca

que ocorre em algumas áreas do Nordeste. Afalta de chuva provoca as pessoas a pensarem uma forma de ter água onde normalmen-te não tem. Assim, desenvolvem e aplicamseu conhecimento para produzir algo queresolva este problema na prática.

Felipe: Entendi, não é uma coisa queacontece por acaso, são as pessoas quefazem.

Joana: Isso.Felipe: Mas tem outra coisa: quais pro-

blemas da população são estes? É qualquerproblema? E o que isso tem a ver com direi-tos humanos?

Joana: É, Felipe, essa parte vamos terque pesquisar.

Felipe: Então vamos!

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Tecnologia social promove osdireitos humanos

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Como você deve ter perce-bido, não demorou quasenada para o Felipe embar-

car na viagem da Joana, foi“picado pelo bichinho dacuriosidade”. Os doisforam pesquisar.

Felipe: Olha só,Joana, encontrei essasinformações sobre osdireitos humanos.

Joana: Conta o quevocê achou!

Felipe: Eles represen-tam aquilo que todos neces-sitam para viver com digni-dade. Por isso são indivisíveise incluem direitos civis, polí-ticos, econômicos, sociais eculturais. São uma conquista

- Direito à vida, à alimentação e à saúde- Direito de ir e vir- Direito à moradia- Direito ao trabalho - Direito à educação e ao conhecimento - Direito à cultura e à identidade - Direito a participar do patrimônio científico, tecnológico e cultural

Joana: Se é assim, as tecnologias sociais buscam atingir os direitosque estão sendo violados, agindo sobre os problemas que podem serresolvidos por meio de ações da sociedade, não é mesmo?

Felipe: Faz sentido. Mas quais seriam esses problemas?Joana: Puxa! Acho que são diversos, temos que pensar sobre isso.

Olha só, Felipe, eu pesquisei alguns projetos que utilizam tecnologiassociais e que a gente pode conhecer. Vamos programar nossa viagempelo Brasil?

Felipe: Legal, vamos.

de muitas gerações, que lutaram e lutamcontra todo tipo de desrespeito às pes-soas. Desde 1948, existe um documentoassinado pela maioria dos países, inclusiveo Brasil: é a Declaração Universal dosDireitos Humanos, que assegura essesdireitos a todo ser humano no mundointeiro.

Joana: Que interessante! Então as tec-nologias sociais existem para contribuirpara a garantia desses direitos?

Felipe: Sim. Li num site da internetsobre tecnologias sociais que elas são uminstrumento nessa luta. Veja, aqui temuma lista com alguns direitos humanos:

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Tecnologia social começa com aidentificação dos problemas

Depois de mui-ta conversa,Felipe e Joana

escolheram algumastecnologias que queriamvisitar.

Joana: Pena que nãodá para conhecer todas asexperiências, são muitaspor esse Brasil afora!Vamos ter que escolherumas três e deixar asdemais para outras oportu-nidades.

Felipe: É. Fica para aspróximas viagens.

Joana: Eu gostaria muitode conhecer o Projeto AbelhaNativa, no Maranhão. O quevocê acha?

Felipe: Ótimo! E eu queria conhe-cer a Pedagogia Griô, da associaçãoGrãos de Luz e Griô, em Lençóis, naBahia.

Joana: Já temos duas. A terceirapoderia ser numa cidade grande.

Felipe: Então podemos conhecero programa de Economia Popular eSolidária de Osasco, no estado deSão Paulo.

Joana: Perfeito. E que tallevarmos na nossa bagagem umcaderno para anotar o que consi-deramos ser os problemas e ostemas mais urgentes a seremenfrentados para se garantir osdireitos humanos?

Felipe: Excelente idéia,Joana.

Contaram o dinheiro,compraram passagens, arru-

maram as malas e pegaram o aviãorumo à primeira parada nesta viagempara conhecer as tecnologias sociaisbrasileiras: São Luís do Maranhão.

Tecnologia social tem história 10

Antes de sair, Felipe e Joana telefona-ram para a Associação Maranhensepara a Conservação da Natureza

(Amavida), combinando a visita. Quando che-

garam, o Murilo estava esperando por eles. Murilo: Bom dia! Fizeram boa viagem?Felipe: Fizemos sim, Murilo, obrigado. Murilo: Ótimo, vamos tomar um suco de

caju, enquanto falo para vocês sobre tecno-logia social e depois levo vocês até ProjetoAbelha Nativa.

Joana: Murilo, expliquepara a gente, tecnologiasocial é um tipo novo detecnologia?

Murilo: Bem... para en-tender melhor este conceito,vamos recontar rapidamentea sua história. No Brasil, atecnologia social é decor-rência direta dos movimen-tos que durante as décadas

de 1970 e 80 lutaram muitopara reivindicar direitos dapopulação – como escola,moradia, saneamento bási-

co, saúde. Eram anos de ditadura e precisa-va de muita mobilização para fazer valer osnossos direitos.

Felipe: E os movimentos conseguiram oque queriam?

Murilo: Conseguiram muitas coisas einfluenciaram muito na elaboração daConstituição Brasileira, promulgada em1988, que passou a garantir muitos direitosque antes eram desrespeitados.

Joana: E o que mudou de lá pra cá?Murilo: Depois dessas conquistas, che-

gou a hora de tirar os direitos do papel,fazer a lei virar realidade. Então os movi-mentos sociais, ONGs, universidades, sindi-catos e mesmo empresas e governos senti-

ram necessidade de dar uma nova qualidadeàs suas ações. Em vez de confiar apenas naforça da mobilização, investiram no conhe-cimento e na construção de soluções inova-doras para os problemas enfrentados pelapopulação.

Felipe: Mas aí pararam de exigir que ogoverno cumprisse suas obrigações?

Murilo: Não, as coisas se acrescentaram.A gente pode dizer que tecnologia social é oresultado dessa soma de mobilização econhecimento.

Joana: Entendi. E isso só aconteceu noBrasil? Como foi no resto do mundo?

Murilo: Não foi só no Brasil não. Vamosver isso direito.

O conceito de tecnologia social

Murilo: Durante muito tempo, aspessoas acreditaram que a melho-ria do conhecimento técnico tra-

ria solução para todos os problemas.Achavam que era só investir em pesquisacientífica que o resto viria naturalmente.

Felipe: Mais ou menos assim: deixa ocientista trabalhar, que no fim todos serãobeneficiados e viverão felizes?

Murilo: Era essa a lógica. Com o passardos anos, foi-se percebendo que a realidadenão era tão simples assim. Houve muito pro-gresso, sem dúvida, mas também novos pro-blemas foram gerados. A poluição do ar pelogás carbônico, por exemplo, que hoje causao efeito estufa e o aquecimento global, éresultado do atual modelo de desenvolvi-mento econômico e tecnológico, que já vemde alguns séculos de uso de máquinas movi-das a combustíveis como carvão e gasolina.Casos como vazamentos de usinas nuclea-

res, o desenvolvimento de armas superpo-tentes que punham em risco a própria espé-cie humana e a contaminação por agrotóxi-cos, só pra citar alguns exemplos, mostra-ram que tecnologia é um assunto importan-te e delicado, que interessa a toda a socie-dade e não só aos técnicos.

Joana: Então a tecnologia traz soluções,mas também problemas?

Murilo: Isso mesmo. Outro problema gra-ve é a desigualdade: algumas pessoas sãomuito beneficiadas pelas tecnologias eoutras não. Assim, foram criadas muitaspropostas alternativas, até que nos anos1960 surgiu um movimento chamadoCiência, Tecnologia e Sociedade, que defen-de a participação de toda a sociedade nasdecisões que dizem respeito à ciência e atecnologia. Afinal, os resultados afetam avida de todos! Esse movimento ganha cadavez mais força e influenciou o desenvolvi-mento das tecnologias sociais brasileiras.

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Tecnologia social é o conjunto de técnicas e metodologias

transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação

com a população e apropriadas por ela, que representam soluções

para a inclusão social e melhoria das condições de vida.

Tipos de tecnologia social

Novos produtos, dispositivos ou equipamentos

Novos processos, procedimentos, técnicas ou metodologias

Novos serviços

Inovações sociais organizacionais e de gestão

Felipe: Bem... mas eu ainda me pergun-to como é que a tecnologia atua na transfor-mação social.

Murilo: Então vamos voltar um pouqui-nho, para a gente se entender. Quandoalguém fala em tecnologia, no sensocomum, o que as pessoas pensam?

Joana: Ah! em coisas futuristas, comonaves espaciais, supercomputadores...

Murilo: Pois é, a palavra tecnologia diz

muito mais que isto. Em termos gerais, eladesigna toda aplicação de conhecimentopara uma finalidade prática. Pode ser umproduto que nos é útil, resultante de estudossobre equipamentos, ou processos obtidos apartir de um conhecimento particular.

Joana: E a tecnologia social?Murilo: Além do aspecto técnico, ela

incorpora valores e objetivos socioambien-tais. Assim, em 2004, mais de 80 organiza-ções se reuniram para formular juntas umconceito de tecnologia social. O resultadofoi o seguinte, anotem aí:

Tecnologia social implica organização e sistematização

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Joana: Murilo, qual é a tecnologiasocial utilizada no Projeto AbelhaNativa?

Murilo: Vamos falar do natmel,que é o mel da abelha nati-va, um dos produtos denosso projeto. A

PAN, ou a tecnologia do Projeto AbelhaNativa, se baseia no princípio de que a qua-lidade do produto final que é comercializa-do somente será alcançada se, ao longo detodo o processo de produção, se mantiver a

qualidade de sua base de sustenta-ção. No nossocaso, isso

quer dizer quedevemos cuidar

da qualidade am-biental de todo oecossistema por on-de as abelhas nati-vas realizam suasviagens explorató-rias para a obten-ção de seu alimen-to: néctar, pólen eágua.

Joana: Enten-di... a produção de

mel, nesse caso, ajuda a promover o meioambiente de toda a área.

Murilo: Isso. A manutenção da qualida-de ambiental na região de produção éalcançada a partir de algumas metodolo-gias de mobilização comntária. Vou citarum exemplo pra vocês: o rastreamento dascolônias e dos produtos das abelhas.Conhecendo bem as abelhas, e estruturan-do as atividades com organização e siste-matização, dá pra ter mais controle epotencializar a sua produção.

Felipe: Dê um exemplo de uma técnicaque vocês usam?

Murilo: Uma das técnicas é a matura-ção do natmel. Em vez de pasteurizar omel, que faz ele perder muitas de suasqualidades, nós usamos uma fermentaçãocontrolada. Essa técnica, na verdade, émuito antiga, foi usada durante muitotempo por índios da região. Agora, usamosequipamentos que garantem um maioraproveitamento, principalmente pelo rigo-roso controle sanitário da coleta e domanuseio do natmel.

A técnica é a seguinte: depois de coletar e armazenaro natmel em garrafas plásticas com tampade rosca, deixamos ele fermentar em umlocal escuro e fresco. De tempos em tem-pos, alguém afrouxa a tampa para sair ogás da fermentação, sem abrir a garrafa.Após alguns meses, a fermentação se esta-biliza, o natmel está pronto. Fazemos oteste da degustação, se estiver bom, aí jáse pode consumir! Quer provar?

Joana: Que delícia, Murilo! Murilo: A nossa tecnologia ainda envol-

ve outras metodologias e técnicas. Mascom estes exemplos vocês já começam aentender.

Felipe: Muito obrigado. Depois de conhecer as pessoas que tra-

balham no projeto, tomaram o ônibusrumo a Lençóis, na Bahia, onde foramconhecer a associação Grãos de Luz eGriô, que desenvolve uma tecnologia deeducação chamada Pedagogia Griô.

Fotos: Divulgação Amavida

Tecnologia social é feita em harmonia com o meio ambiente

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Avisita ao Maranhão tinha reveladomuitas coisas interessantes. Deupara perceber como as pessoas

estavam mudando suas vidas por meio doconhecimento e de novas práticas.

Felipe: Incríveis aquelas abelhas, nem

sabia que existiam, e elas são nativas doBrasil!

Joana: Reparei nisso também, e me veiouma dúvida: será que a tecnologia socialsempre acontece desse jeito integrado como meio ambiente local?

Felipe: Boa pergunta! Vamos telefonarpara o Murilo e perguntar?

Na parada do ônibus, no Crato, Ceará,Joana ligou e Murilo confirmou.

Murilo: É isso mesmo.Tecnologia social não depredao ambiente, ao contrário,busca uma harmonia comele. Ela ajuda as pessoas aproduzir e retirar do lugar oque precisam, mas de um

jeito sustentável, para que asconquistas de hoje possam

vigorar para as gerações futuras.

Enquanto essa con-versa acontecia, Felipeviu uma banquinha ondese vendiam alguns produ-tos agrícolas, principal-mente hortaliças. Ele sesurpreendeu, pois ali erauma região muito seca.

Felipe: Olá, meunome é Felipe, sou deBrasília, e o senhor?

Carlos: O meu éCarlos e sou daqui doCeará mesmo, doCrato...

Felipe: Seu Carlos, eupensava que não davapra produzir essas coisaspor aqui por conta da seca, viemos lá do

Maranhão e nesses dias de viagemvimos muitos locais de pura seca.

Carlos: Essa é uma realidadedessas bandas de cá, mas

dá pra produzir sim.É que a gente

instalou umat e c n o l o g i asocial dea rmazena -mento daágua da chu-

va, e com isso

conseguimos plantar, colher, alimentar nos-sa família e ainda vender.

Felipe: Que legal! Eu e minha amigaJoana estamos viajando justamente paraconhecer tecnologias sociais!

Carlos: Vocês estão com sorte! Façam oseguinte, retirem a bagagem do ônibus e meacompanhem que eu mostro essa tecnologiapara vocês. É possível seguir viagem no ôni-bus que passa no final da tarde.

Felipe e Joana decidiram aceitar asugestão de Carlos.

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Inovar com as pessoas e as coisas de cada lugar

Depois de caminhar por uma hora,chegaram à casa de Carlos, ovendedor de hortaliças.

Carlos: Vejam, esta é uma cisterna, éuma tecnologia de convivência com oSemi-Árido.

Felipe: Convivência? Como assim,Carlos?

Carlos: A nossa idéia não é alterar o

meio ambiente, mas simusar a inteligência para aproveitaro que tem aqui e viver bem. Assim a gentemuda nossa vida pra melhor, sem provocar umdesequilíbrio na natureza.

Joana: Então, como conviver com oSemi-Árido?

Carlos: Aqui na região, chove em quatromeses do ano seguidos, depois ficam oitomeses sem chover. Se a gente armazenar aágua da chuva e souber poupar, dá pra con-viver com o período da seca, mantendo umaboa qualidade de vida. Para isso, a genteinstala esses coletores nos telhados, quedirecionam a água para a cisterna.

Joana: É bem interessante. Mas precisa

ter uma cisterna para cada casa, não é?Carlos: Sim, o projeto da ASA –

Articulação no Semi-Árido Brasileiro, umarede que articula muitas organizaçõespopulares aqui do Nordeste, é de construir1 milhão de cisternas. Com isso conseguegarantir uma vida muito melhor para toda aregião. Além deste, existe um projeto cha-mado P1+2, ou Uma Terra e Duas Águas, queacrescenta à água usada para beber umaoutra água, para a agricultura. Para issousamos esta outra tecnologia, o cisternãoou cisterna calçadão. Com ela armazena-mos água para irrigar nossa lavoura. É porisso que eu consigo plantar e colher as ver-duras que você viu lá na parada do ônibus.

Felipe: É genial, pois permite vivermelhor com as coisas que o próprio lugarjá tem.

Carlos: E tudo acontece de modo parti-cipativo. Somos nós mesmos que construí-mos a cisterna, e fazemos uma formaçãopara saber como cuidar para ter água dequalidade.

Joana: Muito obrigada, Carlos, foi muitoenriquecedor.

Carlos: Foi um prazer. A gente fica mui-to feliz de poder mostrar as coisas boas quefazemos, não é mesmo?

Eles ainda tinham um tempinho, entãoCarlos sugeriu que eles fossem até um miran-te que havia ali perto, apreciar a paisagem erefletir sobre tudo que conheceram.

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Tecnologia social é a ponte entreos problemas e as soluções

Felipe: As pessoassempre podem su-perar suas condi-

ções, né? Joana: É verdade, só

precisam saber como. Aíentra a tecnologia social.

Felipe: Enfrentandodesafios, aprendendo einovando, elas trans-formam suas vidas.

Joana: Está ven-do aquela ponte? Atecnologia social écomo uma ponte,de um lado estãoos problemas, dooutro, as solu-ções. Ela liga osdois...

Felipe: Que bonita esta metáfora, Joana. Mas faltauma coisa. Não adianta vir alguém de fora, fazer a pon-te e ir embora. Ajuda naquele momento, mas na próxi-ma dificuldade que aparece a população não sabe o quefazer. Tecnologia social é a ponte que a própria comu-nidade aprende coletivamente a construir e a manter.Ela fortalece as pessoas e traz autonomia.

Felipe e Joana tomaram o ônibus nofim da tarde, viajaram a noite intei-ra e finalmente chegaram a Lençóis,

na Chapada Diamantina, Bahia. O pessoalestava avisado de que eles chegariam e foirecebê-los.

Velho Griô: Joana e Felipe, que alegriaTenham uma feliz chegadaE preparem-se, neste dia, Para uma visita animada. Aos mestres peço licença Pra mostrar nossa ciênciaAqui começa a caminhada.

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Tecnologia social promove o diálogo entre diferentes saberes

Fotos: Di

A escola é muito importantePra formar a sociedadeE trazer conhecimentosPra gente da comunidade,Mas quando ela perde o encantoNinguém mais sabe quantoEla vale de verdade.

Tudo fica sem sentidoNinguém quer aprender nadaE a nossa roda da vidaParece que fica parada.Aí tem que mudar o passoTem que reatar o laçoPra sair dessa enrascada.

E percebemos que os mestresDe tradição oral sabem disso,Que aprender e ensinarÉ como um lindo feitiçoQue religa a novidadeCom a ancestralidadeE o fim é de novo um início.

É assim que entramos na escolaCom música, dança e poesia,Fazemos uma grande rodaPra trocar sabedoria.Todos ensinam e aprendemE muito melhor se entendemUnidos pela cantoria.

Prontamente, eles sepuseram a caminhar com oVelho Griô, que foi cantan-do versos, explicando o queera a Pedagogia Griô acom-panhado de seu violão.

ivulgação Grãos de Luz e Griô

Eles observaram como o griô trabalha.Ele entra na escola, reúne alunos, professo-res, funcionários, diretora, coordenadores,todo mundo numa roda. Ali eles têm umavivência, que reforça os laços de todos, fazse sentirem igualmente importantes, econectados com suas histórias de vida e a

cultura que vem de seus ancestrais. A esco-la é re-encantada pela arte e pelo diálogo,os alunos redescobrem que podem e que-rem aprender. Os saberes dos mestres aju-dam a criar a situação de aprendizagem emque se pode abordar qualquer conteúdo, detradição oral ou de origem científica.

Velho Griô:Sim, é uma grande conversaBuscando a reinvençãoDo saber da academia E dos mestres de tradição,E neste diálogo abertoO distante fica pertoPara fazer a inovação.

Joana: Acho que enten-di, Velho Griô, então oconhecimento se pro-

duz no diálogo?

Felipe: Nessa roda, todos aprendem mais,Qualquer assunto é possível,A escola é parte da vida,Essa pedagogia é incrível.

Joana: Felipe! Nunca tinha visto você improvisarversos!

Felipe: Pois é, aprendi na roda!

Velho GriôObrigado, novos amigosPor esta visita de um diaTem muito mais pra saberDa nossa metodologiaMas assim resumidamenteVocês já estão cientesDa nossa tecnologia.

Eles ficaram mais alguns dias ali, acompa-nhando a prática dos griôs, dos mestres e tam-bém das professoras e professores nas escolas,com seus alunos. Depois tomaram o ônibus paraSalvador e o avião para São Paulo, e seguirampara cidade de Osasco, na Região Metropolitanada capital paulista, onde foram conhecer asOficinas Setoriais e a Incubadora Pública deEmpreendimentos Populares e Solidários, a últi-ma experiência que planejaram visitar.

Tecnologia social é um processoparticipativo e democrático

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No avião com destino a São Paulo, foramconversando sobre as coisas que apren-deram com o Velho Griô.

Por isso a gentesente tanta vida nas

escolas dali, não é mes-mo? É muita vontade de

aprender e ensinar!

Sim. Este é o verdadeirodiálogo entre os saberes. Outra

coisa que esse projeto me passou foique a educação é muito mais eficaz

quando leva em conta os saberes que osestudantes já têm. Ou seja, quando elesparticipam de verdade, trazendo toda a

sua cultura, tudo o que sabem edesejam saber.Felipe você percebeu

que essa Pedagogia Griô consegueunir nas suas atividades o saber do pedago-

go (que é um estudioso da educação, uma pes-soa da cultura escrita) com o saber do mestre detradição oral (que é um sábio popular)? Nem

pedagogo nem mestre precisam tomar o lugarum do outro. Muito pelo contrário, ambos

aprendem e ensinam juntos.

Lembra, isso tem aver com o que a gente viu sobre a

tecnologia social no início da nossa via-gem: ela parte dos problemas e necessidades

reais das pessoas. No caso da educação, nãoadianta chegar com uma aula pronta, precisadecidir coletivamente aquilo que as pessoas

têm necessidade ou vontade de aprender.Senão não faz sentido para elas.

Exatamente. E foi issoo que a gente viu lá no Maranhão,

com as metodologias participativas depromoção da qualidade ambiental, e noCrato, onde são os moradores que pro-

duzem e fazem a manutenção desuas cisternas.

Por ser feita no diá-logo, a tecnologia social

reforça o processo democrático.Afinal, todos têm que decidir, todostêm que aprender a dialogar e a

entender a posição e a neces-sidade dos outros.

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Chegandoao aero-porto de

São Paulo, toma-ram o ônibus eforam a Osasco.A Carmem esta-va ali para rece-bê-los.

Tecnologia social, conhecimento que inclui

Carmem: Sejam bem-vindos!Joana: Obrigada, Carmem. Viemos conhecer a

experiência de Osasco em economia popular e solidá-ria. Vimos que vocês têm as oficinas setoriais e a incu-badora. Pode explicar o que são essas duas coisas?

Carmem: Claro! Venham comigo, vou mostrar paravocês uma oficina setorial voltada à panificação econfeitaria.

As oficinas setoriais são espaços de experimenta-ção e aprendizagem de produção e comercializaçãoem várias áreas. Na Oficina-Escola Têxtil, por exem-

Foto: Fernando P. de Souza

plo, as pessoas aprendem e praticama costura; as Hortas Modelo desenvol-vem agricultura urbana orgânica.Agora nós estamos no projetoPãoSol, que acontece nesta padariamodelo, com todos os equipamen-tos mais modernos, instaladosseguindo rigorosas normas sanitá-rias e de segurança.

Toda a metodologia doPãoSol foi desenvolvida em par-ceria com o Instituto deTecnologia Social (ITS Brasil).Aqui, os beneficiários do projetoaprendem o ofício da padaria e confeita-ria, ao mesmo tempo em que se conheceme criam vínculos que serão importantes nahora de criar um empreendimento coope-rativo.

Felipe: Quer dizer que além destesaprendizados e práticas as pessoas têm aoportunidade de montar seus própriosempreendimentos?

Carmem: Isso mesmo, é aí que entra aincubadora.

Joana: Mas Carmem, incubadora não éaquela estufa onde os bebês prematurosficam até estarem mais fortinhos?

Carmem: A idéia é a mesma, só que emvez de bebês a gente cuida dos empreendi-mentos, quando eles ainda não estão “for-tes” o bastante para sobreviver no merca-do. Então a incubadora dá todo o apoionecessário nesse comecinho.

Felipe: Hum...estou começando aentender. Mas comoas pessoas conseguemmontar seus empreen-dimentos, elas fazemcursos?

Carmem: Fazem, etambém têm outros tiposde apoio. A incubadorapode ajudar a comprarequipamentos, dá forma-ção técnica, ajuda a mon-tar um catálogo de produ-tos ou serviços e oferece

formação em vendas. E o empreendimentopode usar o espaço das oficinas setoriaisenquanto isso.

Felipe: Todo mundo que passa pelas ofi-cinas monta cooperativa?

Carmem: Não, muitas pessoas vão tra-balhar como assalariadas, outras trabalhamsozinhas.

Joana: Isso quebra nossos preconceitos.Estamos acostumados a achar que ter o pró-prio negócio é coisa de rico, não é mesmo?

Carmem: Com a tecnologia social é dife-rente, o conhecimento é difundido e todossão incluídos nesta oportunidade! E se elasoptarem por este caminho, a gente ajuda ainseri-las numa outra economia, que é aeconomia solidária.

Joana: Explica o que é isso?Carmem: Claro!

Foto: Bia Rangel

Tecnologia social e empreendedorismo solidário

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Carmem: A economia solidária sebaseia não na competição pura edireta, mas sim na colaboração.

Não funciona na base do “eu ganho, vocêperde”, a gente procura construir uma rela-ção “eu ganho, você ganha”. As cooperati-vas costumam ser o jeito natural de as pes-soas se organizarem para esta economia.Afinal, sua estrutura é horizontal, sem umpatrão que manda nos funcionários e explo-ra o seu trabalho. Todos são iguais na coope-rativa, todos são donos do empreendimentoe trabalham também.

Felipe: Que interessante! Mas comoacontece aqui na incubadora? Como as pes-soas se apropriam disso?

Carmem: Aqui temos vários grupos,tanto só com mulheres quanto mistos. Temum grupo de mulheres que sempre gosta-ram de cozinhar e já trabalhavam com isso,

só que informalmente. Elas passaram umperíodo no PãoSol, estudaram, se prepara-ram, aprimoraram a apresentação dos pro-dutos... Aí elas montaram um empreendi-mento econômico solidário que presta ser-viços de buffet para festas e eventos. Estádando muito certo!

Joana: Mas elas precisam ter muitacoragem, pois mesmo com todo este apoioexiste o risco de o empreendimento não darcerto, não é?

Carmem: O risco sempre existe. Daí aimportância de toda a formação e o apoio queelas recebem, pois é o saber fazer e o conhe-cimento dos processos de gestão que ajudama reduzir os riscos. Ainda assim, não dá paraser empreendedor sem querer enfrentardesafios e estar disposto a buscar soluçõesconforme as dificuldades vão aparecendo.

Felipe: Isso me faz lembrar o que oMurilo, da Amavida, nos dissesobre a tecnologia social. O con-ceito surge quando os movi-mentos, além de reivindicar

que o Estado cumpra o seu papel, começama pôr a “mão na massa” e procuram criarsoluções inovadoras para os problemasenfrentados, sem esperar que outros façamisso por eles.

Carmem: Exatamente! Ao vivenciar asmetodologias de tecnologia social, as pes-soas se preparam com conhecimento e habi-lidades para enfrentar coletivamente odesafio de dar uma vida digna para suasfamílias e comunidades. E essas pessoas seorganizam em redes, trocam conhecimentose também comercializam entre si os seus

produtos e serviços. Joana: Dá para ver que é sempre o

ser humano que está no centro do pro-cesso, né?

32

Tecnologia social promove a acessibilidade

Uma das sócias no empreendimento,que estava ao telefone, terminou aligação e falou com Joana:

Marilene: Olá, eu sou a Marilene. Estãogostando dos nossos quitutes?

Joana: Oi, Marilene, estão uma delícia!Você também põe literalmente a “mão namassa”?

Marilene: Não, eu aqui sou responsávelpelas vendas.

Felipe: Mas você também passou peloPãoSol?

Marilene: Na verdade, a minha históriafoi um pouco diferente. Eu estava sem tra-balho e recebia a bolsa família. Então fui aoPortal do Trabalhador, que é um centro deatendimento ao trabalhador. Como souusuária de cadeira de rodas, enfrento maisdificuldades que outras pessoas para conse-guir um emprego, embora a lei garanta que

eu tenha as mesmas oportunidades quequalquer cidadão brasileiro.

Carmem: Este é um ponto muito impor-tante para vocês que estão conhecendo astecnologias sociais.

Joana: Qual? Carmem: Como instrumentos para a

inclusão social, as tecnologias sociais tam-bém atuam na inclusão das pessoas comdeficiência, que muitas vezes têm quesuperar barreiras que a sociedade impõe.

Felipe: Que barreiras são essas? Marilene: Vou citar um exemplo. Às

vezes as empresas não estão preparadasnem mesmo para fazer uma entrevista detrabalho com um usuário de cadeira derodas. Aí como vamos conseguir trabalho?

Carmem: No Portal do Trabalhador hápessoas preparadas para fazer toda a articu-lação entre as pessoas com deficiência e omundo do trabalho. Por exemplo, a empre-sa pode fazer a entrevista com o candidato

ao emprego num espaço adequado que ficano Portal. No caso da Marilene, ela é umapessoa muito comunicativa e com talentoem vendas. E também gostou da ideia deser uma empreendedora. Passou por forma-ção e se integrou neste grupo.

Joana: Então a acessibilidade das pes-soas com deficiência também é uma carac-terística da tecnologia social?

Carmem: Exatamente. Muitas tecnolo-

gias sociais são desenvolvidas com esteobjetivo.

Marilene: Mudando de assunto, vocêsvieram a Osasco numa data muito boa.Como na semana passada fechamos um con-trato para fazer os salgadinhos de um gran-de evento, hoje vamos ter uma grandecomemoração aqui na praça. E vocês estãoconvidados!

Joana e Felipe: Excelente!

34

As conquistas sãonossas,vamos celebrar!

Carmem: Isso também é muito importante: as nossas conquistas precisam sercelebradas. Neste momento, fortalecemos nossos laços e renovamos nossaenergia para vencermos juntos os novos desafios que surgem.

Felipe: Sem falar que as festas também marcam a nossa memória, ajudam a contarnossas histórias de vida, conforme elas vão se transformando.

Joana: E com a tecnologia social a transformação na vida das pessoas é enorme.Tem mais é que festejar!

36

As quatro dimensões da tecnologia social

Felipe: Nossa, hein, Joana,quanta coisa aprendemos nes-ta viagem!

Joana: Demais! Você anotou tudo? Felipe: Anotei, sim. Fiz até um

resumo, a partir do que nos disseram.

Joana: Quero ver!Felipe: Anotei doze característi-

cas da tecnologia social, que eu abre-viei como TS, organizadas em quatrodimensões. Olha só:

1ª dimensão: Conhecimento, ciência, tecnologia

1º – A TS tem como ponto de partida os problemas sociais

2º – A TS é feita com organização e sistematização

3º – A TS introduz ou gera inovação nas comunidades

3ª dimensão: Educação 7º – A TS realiza um processo que é pedagógico por inteiro

8º – A TS se desenvolve num diálogo entre saberes populares e cien-

tíficos9º – A TS é apropriada pelas comunidades, que ganham autonomia

2ª dimensão: Participação, cidadania e democracia

4º – A TS promove a democracia e cidadania

5º – A TS se vale de metodologias participativas

6º – A TS busca a inclusão e a acessibilidade, para atingir

o máximo de pessoas

4ª dimensão: Relevância social

10º – A TS é eficaz na solução de problemas sociais

11º – A TS tem sustentabilidade ambiental

12º – A TS provoca a transformação social

Joana: Está ótimo,Felipe, você tem umbom poder de síntese!

Felipe: Obrigado!Joana: Vamos voltar

para casa transforma-dos, não é mesmo?

Felipe: É isso mes-mo, a tecnologia socialmudou a nossa maneirade ver o mundo!

www.projetoabelhasnativas.orgwww.asabrasil.org.brwww.graosdeluzegrio.org.brwww.osasco.sp.gov.brwww.itsbrasil.org.br

Agradecimentos

Líllian Pacheco e Marcio Caires

Murilo Drummond

Sandra Faé Praxedes

Mouzar Benedito e Ohi

Você pode conhecer mais sobre os projetos de tecnologia social visitados por Felipe e Joana nos seguintes endereços eletrônicos:

32

INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

Endereço: Rua Rego Freitas, 454, cj. 73

República – CEP: 01220-010

São Paulo – SP

Tel/fax: (11) 3151-6499

E-mail: [email protected]

www.itsbrasil.org.br

Coodernação geralIrma Passoni e Jesus Carlos Delgado Garcia

Roteiro e textosMaurício Ayer

Ministro da Ciência e TecnologiaDr. Sérgio Machado Rezende Secretário da C&T para a Inclusão SocialJoe Valle

Edição de artePaulo Junqueira ColaboradoresAdriana Zangrande, Beatriz Rangel, Gerson José

Guimarães, Liu Onawale e Marcos Palhares

IlustraçõesDiogo Nii CavalcantiImpressão

XXX

Instituto de Tecnologia Social

Rua Rego Freitas, 454, cj 73 – República

CEP: 01220-010 – São Paulo - SP – Tel/fax: (11) 3151-6499

www.itsbrasil.org.br