paola cappellin - política de igualdade de oportunidades. interpelando as empresas no brasil

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  • 7/24/2019 Paola Cappellin - Poltica de igualdade de oportunidades. Interpelando as empresas no Brasil

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    Seminrio Internacional

    Mercado de trabalho e gnero; Comparaes internacionais Brasil - Frana - Europa

    GDRE MAGE Fundao Carlos Chagas

    Poltica de igualdade de oportunidades. Interpelando as grandes empresas no Brasil

    Paola Cappellin PPGSA / [email protected]

    Texto provisorio 4 de abril 2007 1

    INTRODUO

    A abordagem das polticas de igualdade de oportunidades nos locais de trabalho vincula-se aopressuposto terico e poltico de que as relaes contratuais de emprego contribuem para a melhoria daqualidade de vida das pessoas. , sem dvida, uma temtica fascinante para quem observa como, na

    sociedade, se constroem sinergias plurais e de cooperao (as organizaes sindicais, as instituies eas instancias descentralizadas do poder pblico) interpelando, no diversificado campo dos agenteseconmicos, as empresas em qualidade de empregadores. Significa incentivar estes agentes a aderir amecanismos de regulao concertada e estimul-los a elevar o padro das relaes industriais incluindoa perspectiva das relaes de gnero.

    As polticas de igualdade de oportunidades, no fim dos anos 1980, vieram ampliar asexperincias de aes afirmativas que se preocupavam em estancar a discriminao nos ambientes detrabalho. Estas experincias inicialmente foram apresentadas como formas de compensar os efeitos depreconceitos histricos do passado. Hoje, devido reorganizao profunda das ocupaes, aosurgimento de novas ferramentas de gerenciamento do trabalho, precarizao dos empregos emdescompasso com a acentuada modernizao tecnolgica, estas buscam conter as assimetrias atuais e

    futuras nas oportunidades oferecidas aos homens e s mulheres pelas organizaes. 2

    A perspectiva da ao afirmativa se submete a diferentes modelos. Pode reagir sdiscriminaes, pela via das aes judiciais individuais ou coletivas junto aos tribunais (exemplos EUA 3);

    1Gostaria agradecer a prof. Ana Alice Alcntara Costa (UFBA) e M. Berenice (Didice) Delgado pela atenta leituraque alem de me alertar pelos meus freqentes erros lingsticos, me estimularam a formatar esta primeira redao.2 Na literatura brasileira escassa a perspectiva de estudo da sociologia das organizaes e gnero. Lembramosalguns autores que estudam como a cultura organizacional absorve, produz e reproduz as assimetrias de gnero: LuisReygadas 1998 & Martin J. 1990 "Deconstructing organizational taboos: the supression of gender conflict inorganization," in Organization Sciencen.4: 339-359; Cals M. and Smircich L. (1996) "From the woman's Point ofview: feminist approach to organizations studies", in Clegg S.T, Nord W.R. (eds) Handbook of organization studies,London: Sage.3The Washington Post maro 2007. Um tribunal de apelao federal determinou na tera-feira que a maior aojudicial por discriminao sexual da histria dos Estados Unidos poder prosseguir como uma ao judicial coletivacontra o Wal-Mart, na qual a empresa acusada de pagar menos s funcionrias e dar-lhes menos promoes que aoshomens. A deciso permitir que cerca de 2 milhes de mulheres que trabalharam para a Wal-Mart desde 1998solicitem compensaes por discriminao como um grupo. O Wal-Mart declarou que solicitar ao Tribunal deRecursos dos EUA da 9 Circunscrio em So Francisco que reconsidere sua deciso. Fora isso, a empresa solicitar Suprema Corte dos EUA que derrube o recurso."Achamos que esta anlise condescendente demais com asfuncionrias e errou em no levar em considerao as provas do Wal-Mart", disse Theodore Boutrous, um dosadvogados do Wal-Mart. Segundo ele, a deciso judicial no trata dos mritos das alegaes das mulheres, mas simse o processo atende os requisitos para ir adiante como ao judicial coletiva.O processo judicial, protocoladoinicialmente por seis funcionrias em 2001 e que deve reunir at 2 milhes, a maior ao judicial por discriminaosexual j impetrada contra uma empresa. As mulheres que protocolaram a ao esto representadas pela Impact Fund,uma entidade sem fins lucrativos com sede na Califrnia. Richard Drogin, estatstico contratado pelas vtimas, dizque as mulheres levam 4,38 anos para serem promovidas a gerente-assistente enquanto para os homens esse tempo

    de 2,86 anos. Ele concluiu que as mulheres gerentes ganham um salrio mdio de US$ 89.280 ao ano, enquanto queos homens na mesma posio ganham US$ 105.682 por ano.

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    ou, seguindo as diretrizes europias, pode escolher o espao coletivo dos negociados, estabelecendoacordos e pactos entre diversos atores sociais que interagem nos ambientes de trabalho. Mais ainda,desde os anos 90 estes programas mantm um olhar atento na reconfigurao dos ambientes de trabalhoque colocam em risco os resultados at ento alcanados na qualidade do emprego.

    H, assim, uma aliana entre a permanente atualizao das formas de gerir trabalho, direitos egarantias, e as ferramentas de igualdade de oportunidades. atravs desta articulao que se acreditareduzir a reproduo de costumes e tradies em hierarquizar assimetricamente os espaosocupacionais pelos critrios de sexo ou de raa/cor. O que se visa neutralizar as segregaeshorizontais e verticais que so moldadas pelas condutas, atitudes e imagens de gnero sexistas difusasneste espao social.

    Estudar como se elaboram e como se efetivam as polticas de igualdade de oportunidades nosambientes de trabalho significa acompanhar como a complexa alquimia das disparidades difusas nasociedade e nas organizaes renova suas maneiras de ser, alimentando mecanismos de frgeisincluses e de renovadas excluses.

    As empresas so parte da sociedade e incidem culturalmente na mesma, so espaos

    profundamente vinculados s transformaes sociais e polticas da sociedade.4

    A autonomia que asempresas tm para responder s urgncia dos desafios econmicos de rentabilidade lhe consenterenovar e reinterpretar as imagens de gnero dispersas na sociedade.

    Descobrir como se realizam estes fluxos de influncias recprocas uma tarefa de pesquisa. Sea observao do mercado de emprego acompanha os acordos contratuais, suas normas, suas regrasexplicitas e implcitas, suas tradies de integrar e excluir as pessoas nas organizaes, a pesquisadeveria se estender em reconstruir no s o cenrio mas tambm os embates que a se desenham.

    Como analisar os ajustes de normas e prticas nos ambientes de trabalho? Alm de reconstruira histria das demandas dos trabalhadores e das trabalhadoras, a perspectiva da sociologia do trabalhointerroga as estratgias empresariais, traduzindo-as em configuraes de atitudes, de comportamentos,

    de valores, em suas urgncias econmicas. A anlise das contingncias estruturais se amplia paraabarcar tambm as concepes que as empresas produzem por ser centros de tomadas de decises epor ter porta-vozes, em diferentes posies hierrquicas de autoridade. A diferena entre empresasprivadas e empresas pblicas/estatais, entre empresas nacionais e multinacionais no decorre s daheterogeneidade de suas estruturas, mas tambm pelos processos distintos de combinar interesses evalores.

    Nesta minha interveno, fundamentada pelas pesquisas j concludas e em cursos, gostaria deidentificar algumas das tendncias da dcada 19962006, que tm produzido no Brasil iniciativasdiversas inspiradas pelas aes afirmativas e pela igualdade de oportunidades. Consideramos que taisiniciativas nas empresas deveriam ser submetidas a uma anlise de seus pressupostos antes de seremqualificadas como virtuosas ou menos virtuosas.

    Algumas perguntas devem ser postas:- Que configuraes de valores estas iniciativas aportam s imagens de gnero que j circulam desde osanos 1990?- Qual o lugar atribudo por elas s garantias, as normas de proteo ao trabalho das mulheres ?- Com quais recursos tericos e com quais informaes as empresas se aproximam ao formatar planosde igualdade de oportunidades ?

    4 As configuraes de valores no econmicos nos comportamentos econmicos se enriquecem pelos elos dainterface da complexa interao economiasociedade. (Polanyi 1944 e Granovetter & Swedberg 1992). Referimo-nos contribuio de K Polanyi em The Great Transformation. Segundo A. Martinelli, as relaes economia esociedade so um objeto privilegiado da anlise dos fenmenos sociais do capitalismo moderno. Para ele, as relaeseconomia e sociedade evidenciam processos de condicionamento recproco e/ou de complementaridade. Segundo o

    autor, o conflito entre liberalismo econmico e protecionismo social enfrentado por Polanyi pode ser hoje traduzidona questo sociolgica clssica dos fundamentos da solidariedade numa sociedade individualista e utilitarista.Martinelli A. Economia e sociedade , ed. do Comunit Milano 1999 pgina 118.

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    - Que sinergias institucionais estas iniciativas promovem?

    O perodo 1996-2006 nos permite obter uma viso bastante ampla, porque inclui os legados dacrise, da emergncia de linhas de sada, de divergncias e tenses interpretativas entre os atoresenvolvidos. Estas dinmicas, se confrontadas com o panorama internacional, tambm percorrido porcrises, poderiam ajudar a consolidar percursos comparativos. 5

    Concentro minha ateno em algumas dinmicas internas aos setores do variegado mundoempresarial brasileiro, por ser um campo menos analisado. interessante ver como nesta dcada 1996-2006, alguns espaos empresariais se aproximam da perspectiva da igualdade de oportunidades parahomens e mulheres. Sem o estudo sobre suas atitudes, comportamentos e cultura contratual, me pareceque perderamos a viso das atuais transformaes, mas sobretudo reduziramos, simplificando eachatando, a complexidade dos processos que esto interpelando estes agentes econmicos em suascompetncias e responsabilidades no que diz respeito a elevar a qualidade do emprego.

    Dividimos nossa exposio em trs partes.

    Na primeira parte, contextualizo algumas configuraes do mercado de trabalho, seja para nosubestimar as mudanas em curso, seja para manter viva a ateno sobre a metamorfose e a recriaodas formas como as trabalhadoras brancas e negras so diferenciadas quanto ao acesso, ao tratamentoe promoo no mbito do trabalho.

    No poderei me estender muito neste aspecto, mas h caractersticas estruturais do mercado detrabalho brasileiro que as polticas de igualdade de oportunidades no podem esquecer.

    Fundamentalmente devemos sempre ter presente que no Brasil existe uma confluncia de ritmose de modalidades de absorver o trabalho que decorrem:

    Do aumento de campos profissionais de alta qualificao; Da persistncia do acesso a empregos de mais reduzida qualificao; Da reproduo de situaes de excluso ao emprego garantido, que at alimentado

    pelas dinmicas de desemprego, segmenta e confina a presena de homens emulheres no setor informal, sendo s vezes includo pelas prprias estratgias dasempresas, na indstria e nos servios.

    Devemos sempre fixar, tanto do ponto de vista analtico como tambm poltico, que estas trsconfiguraes dialogam entre si, tornando at difcil identificar as expresses novas de discriminao e,conseqentemente, dificultando o desenho de propostas virtuosas de peso, altura da situao.

    Na segunda parte desta interveno, mais que apontar uma lista de experincias encaminhadaspelas grandes empresas e consideradas como experincias pioneiras a favor da equidade ocupacionaldas mulheres, gostaria de interrog-las pelos processos que estas formatam para definir os programas econstruir os projetos e, inclusive, comunicar e divulgar suas propostas.

    Isto , me pergunto: que tipo de adeso as empresas esto sinalizando ter? As experincias queelas nos propem partem de homogneos pressupostos de polticas de igualdade de oportunidades?Qual a margem de permeabilidade e de disponibilidade que elas sinalizam ter quanto a:

    identificar nos seus ambientes: as tradicionais formas de segmentao por gnero ecor/raa no exerccio profissional; os desnveis salariais; as discriminaes no acesso carreira e as promoes?

    desenhar em fruns coletivos negociados para identificar os percursos possiveis afavor da equidade e das oportunidades para homens e mulheres ?

    5Ver R. Locke e K. Thelen Comparaes contextualizadas: uma abordagem alternativa para a anlisise da polticasindical em Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo, n.8, 1998; e Piore M. E C. Sabel the secondindustrial devide, New York, Basic Books.

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    Caberia tambm a pergunta: qual a preocupao das empresas em reduzir as prticas informaisde contratao das mulheres ? Como pensam intervir para reduzir a alta informalidade domercado de trabalho?

    Se substituirmos o conceito de cultura de empresa, pelo conceito de interaes culturais nasempresas (Saunsaulieu, Boltanski e Chiapello e Capecchi), poderemos perceber que estas estruturasno so exclusivamente configuraes e espaos monolticos da produo material, nem exclusivamenteestruturas de defesa de interesses econmicos. Estas tambm produzem e reproduzem valores porqueso espacos de interaes entre diferentes segmentos sociais, que esto em permanente tenso. Podemreforar formas autocrticas e hierrquicas da tomada de decises ou podem tambm fomentar prticasde negociao.

    Sendo assim, cabvel aproximarnos s empresas e sua organizao burocrtico-administrativa, atribuindo-lhe a capacidade tanto de reproduzir valores tradicionais difusos na sociedade,como tambm de ser parte ativa na elaborao e disseminao de alteraes de valores e imagens. Isto, de ter a possibilidade de desenhar propostas de igualdade de oportunidades, passando pela reviso daeficincia, do controle, da disciplina, da competncia, valore estes dispersos em seus ambientes.

    O interessante que nesta perspectiva de anlise, os setores empresariais no podem serhierarquizados entre economicamente modernos e virtuosos por seus valores, em oposio aostradicionais e menos virtuosos. Foram monitorados os mais modernos, no setor financeiro, e algunssetores tradicionais, como o setor da construo civil, da agricultura; e tambm o setor automobilstico, oqumico, assim como uma ampla gama dos servios. Por exemplo, havia at 2003 uma frgil noo deque a promoo da igualdade das oportunidades passaria pela anlise das discriminaes e pelaintroduo de experincias concertadas com as organizaes sindicais dos trabalhadores. Ou, tambm,que as convenes internacionais assinadas pelo governo brasileiro fossem parmetros que lhesconcernissem.

    Na terceira parte, queria submeter como elemento da anlise deste complexo xadrez da dcada19962006 a atividade de arbitragem promovida pelas instncias do Estado. Chamo de cultura de

    monitoramento as formas que ampliam os fruns e as ferramentas de arbitragem entre 1996-2006.

    Escolho, por limites de tempo e por t-lo estudado com mais detalhes, o Ministrio do Trabalhoe Emprego e o Ministrio Pblico do Trabalho e SPM. Nessa dcada 1996-2006, as demandas dasmulheres veiculadas pelas organizaes sindicais, combinadas com a crescente visibilidade do fenmenoda precarizao, tm mobilizado, de diferente maneira, um entorno de mudanas institucionais, que atento era dspar, cheio de luzes e sombras.

    Fazem parte ativa dessa dcada 1996-2006 os investimentos institucionais de alguns segmentosprofissionais do Estado contra o trabalho infantil, os acidentes de trabalho, a discriminao racial, oassdio sexual nos locais de trabalho, o trabalho escravo, a degradao ambiental.

    No mbito das instncias pblicas, o empenho de modificar os ambientes de trabalho ligado cultura de monitoramento pela via de efetivar as normas trabalhistas. Esta , sem dvida, uma via paraenfrentar a cultura tradicional que quer as mulheres trabalhadoras mais dceis, que opem menorresistncia, que aceitam empregos que no lhes oferecem as mesmas garantias dos homens.

    A escolha do monitoramento veio num contexto que conjuga antigas questes de inibir a burladas normas com a preocupao de enraizar a cultura de boas condutas, para difundir patamarespositivos de qualidade no trabalho e no emprego.

    Nas concluses, gostaria de colocar, como balano, no tanto os resultados alcanados pelasiniciativas nas empresas em cursos, j que as novidades esto despontando s agora. Mas gostaria depensar sobre as incipientes adeses empresariais que parecem inovar os legados deixados pelasdcadas anteriores a 1996. A interpelao feita s empresas no Brasil passa pela aplicao dastradicionais e novas normas. Essa interpelao se confronta com outras prticas iniciadas pelasempresas, inseridas no lema da responsabilidade social. Esses diferentes encaminhamentos pem em

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    evidncia a falta de homogeneidade das linguagens, das ferramentas e dos modelos hoje em circulao.O confronto concentra-se entre o modelo das intervenes pontuais, privadas e discricionrias propostopelas empresas, e a solicitao de que estas adiram ao monitoramento pblico (M.T.E. e MPT) ou que seempenhem em projetos planejados de ajustamento de sua conduta (SPM).

    O trabalho muda e os sexos permanecem 6

    A literatura nacional e internacional j tem evidenciado que, no final dos anos 1980, as formas deproduo, suas estruturas e sua organizao alteraram profundamente as configuraes dos mercadosde trabalho. A flexibilizao das relaes contratuais aliada ao aumento dos ritmos de trabalho; asalteraes das competncias ocupacionais, da hierarquia organizativa, tudo compe um cenrio que, porsuas caractersticas, generalizou a crise das relaes contratuais estveis, adotando internacionalmenteo modelo vigente no Brasil como expresso desse novo curso. Lembramos a imagem de U. Beck (2000),de que as conseqncias das mudanas levam brasilianizao do ocidente devido ao aumento daprecarizao, da descontinuidade, da flexibilidade e da informalidade.

    No querendo abandonar as especificidades nacionais, podemos definir melhor o quanto estadcada 1996-2006 inclui reformatar a diviso sexual de trabalho e as formas de insero dastrabalhadoras.7

    de conhecimento de todos que no Brasil os processos de desestruturao do mercado detrabalho e de desregulamentao das regras de proteo8 tm transmitido vrios legados para adcada submetida a nossa observao. 9 No perodo que a precede, h simplesmente um movimento deretrao das contrataes, mas ocorre uma mudana que combina a ampliao da incorporao dasmulheres ao mercado de trabalho com o fortalecimento da fragmentao e da diferenciao, com apersistncia de descompassos e ambigidades.

    6Este ttulo recupera a instigante reflexo da sociloga Alessandra VINCENTI, vinculada Universtit di Urbino(Itlia), em seu livro Relazioni responsabili. Umanalisi critica delle politiche di pari opportunit ed Carocci, 2005,pgina 52.7 A reestruturao do mercado de trabalho tambm gera conseqncias relacionadas com a taxa elevada derotatividade da mo-de-obra no Brasil (proporo de trabalhadores contratados para substituir os que saram em dadoperodo de tempo). Pesquisas mostram que a taxa mdia de rotatividade, entre 1989 e 1999, diminuiu lentamente, mascontinuou beirando os 40 %. Outros estudos revelam que o ligeiro decrscimo se deveu a mudanas introduzidaspelas empresas, como a terceirizao de servios de alimentao, limpeza e transportes, que empregam mo-de-obrade baixa qualificao. mais uma estratgia, entre outras, de reduo de custos. Mas os dados indicam uma variaosegundo o tamanho das empresas. Assim, nas empresas de pequeno porte (que ocupam menos de 19 empregados), arotatividade da mo-de-obra se manteve na faixa de 69% entre 1989 e 1999. J entre as empresas mdias (queocupam de 22 a 99 empregados) a rotatividade da mo-de-obra diminuiu, passando de 58,7 % em 1989 para 52,6 %em 1999. No caso das empresas de grande porte (que empregam mais de 500 trabalhadores) a taxa caiu de 23 % em

    1989 para 14,9 % em 1999.8A literatura (CARDOSO, J. C. 2001, IPEA,) explicita esta combinao da desestruturao do mercado de trabalhoe a desregulamentao das regras de proteo dos empregados. A primeira se caracteriza empiricamente pelocrescimento patolgico de investimentos no setor tercirio (comrcio e servios) da economia; pelo crescimento dainformalidade nas relaes de trabalho; pelo aumento dos nveis de desocupao e do desemprego; pela piora eprecarizao da qualidade dos postos de trabalho; enfim, pela estagnao dos rendimentos mdios dos trabalhadoresativos. Uma expresso desta estagnao de rendimentos foi visvel entre 2001 e 2005, quando a renda dostrabalhadores caiu, em media 5,74%. Por outro lado, a cultura contratual dos empregadores fortalece adesregulamentao das regras de proteo dos empregados. Esta se apia nas novas medidas legais que, desde1994, flexibilizaram as condies de uso da fora de trabalho; flexibilizaram as condies de remunerao;modificaram os marcos de proteo e assistncia aos trabalhadores.9 Com as primeiras mudanas que introduzem novas formas de contratao, de demisso, da jornada de trabalho(lembramos as leis das cooperativas, o regime de tempo parcial, o novo contrato de trabalho a tempo determinado) edas polticas de remunerao (as regras de reajuste salariais e do salrio mnimo), a reedio da MP 1053/95 dispssobre a desindexao salarial, acabando com os mecanismos oficiais de reajuste salarial e determinando que as partes

    negociem os reajustes no mbito de cada categoria. Essa medida foi entendida pelos sindicalistas e por alguns juristascomo subordinao da negociao coletiva poltica econmica de combate inflao, deixando a maioria dostrabalhadores desprotegidos por estarem desorganizados.

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    a tesoura entre o mercado informal - sem garantias, e o formal - garantido. Assim, temos queconsiderar a tenso permanente entre esses mercados que coexistem alternando-se nas experinciasdas pessoas, aumentando ou atenuando um pouco suas histricas distncias, sem conseguir fluir um nooutro.10

    Houve e h novos postos de trabalho oferecidos s mulheres que conseguem valorizar seusnveis de alta qualificao, no sempre com as mesmas garantias obtidas pelos homens. Mas, at nasempresas pblicas, onde se entra por concurso, nessa dcada registra-se a entrada de mulheres de altaqualificao profissional com vnculo a tempo determinado, empregadas por empresas terceirizadas, comcontratos que no lhes do as mesmas garantias dos que acederam por concurso. Houve tambm umaumento de espaos ocupacionais deixados s mulheres pelos homens, e que estruturalmente setornaram mais frgeis e desqualificados.

    Nesta decada continua alta a taxa de atividade, mas at o setor industrial forma seus nichos detrabalho informal (trabalhadores por conta prpria, sem carteira, etc). O estudo realizado peloObservatorio Social, 2006, Negociaes da OMC e os impactos sobre as desigualdades de gnero: ocaso brasileiro, alerta que o emprego na indstria de transformao deve contabilizar o uso detrabalhadores absorvidos como informais, os quais podem ter diversas inseres (sem carteira,

    trabalhadores por conta prpria e no remunerados). A variao entre 1992 a 1998 evidencia umaumento de 15% do emprego de mulheres includas nas industrias pela informalidade, e 7.6% doemprego dos homens nessas mesmas circunstncias. Em 1998, a participao do emprego feminino naindstria de transformao por tipo de emprego era: 26% formal e 34% informal. Vrios setores (txtil,vesturio, eletroeletrnico, automotivo) aumentaram em 1998 o nvel de informalidade na ordem de at1/3 dos empregos. Para as mulheres, no setor eletroeletrnico e no automotivo, a variao % de empregoinformal de setores da indstria de transformao era em 1992 66.3 e passa para 103.6 em 1998,quando a variao % dos homens passa de 37,5 para 20,8. Como tendncia geral, parece que aparticipao das mulheres nos empregos informais eleva-se nos segmentos industriais mais intensivosem capital, como forma de reduzir custos e maior flexibilidade produtiva.(Observatorio Social, pgina 40,grfico 9 e pgina 41, tabela 11).

    Em outros setores, que j contam com uma elevada informalidade, a prpria feminizao seexpande no nvel de ambos os sexos, estabelecendo relaes salariais precrias para ambos. O relatriocontinua: Em setores onde se eleva a participao das mulheres no setor informal, ocorre uma duplafeminizao, pela presena das mulheres, mas tambm pela presena de um padro de empregoprecrio, o que faz com que a mdia salarial feminina tenda a cair mais do que o verificado para oshomens. (Observatorio Social, 2006:42)11

    No conjunto da economia informal, as recentes tabulaes do IBGE que confrontam o assimchamado perodo de retomada 2003 a 2005, evidenciam uma expanso mais intensificada entre asmulheres em ambos os perodos e para todas as regies metropolitanas. Com isso, a participao dasmulheres dentre os ocupados nas grandes capitais passou de 43,0% em 2003 para 44,0% em 2006. 12 Ataxa de ocupao nacional das mulheres em 2006 42%, enquanto a dos homens 61%. (IBGE)

    Se considerarmos como importante contraponto a taxa de desemprego, a perspectiva dasmulheres de permanecer ocupadas continua sendo diferente da dos homens. O Panorama Laboral(2006), avaliando uma dcada, aponta que em 1995 a taxa anual mdia de desemprego dos homens e

    10Ver Bruschini C e Lombardi M.R. A polaridade do trabalho feminino no Brasil contemporneo Revista F. C.Chagas n. 110, 2000; L. Lavinas mpregabilidade no Brasil: inflexes de gnero e diferenciais femininos, texto paraDiscusso IPEA n. 826, setembro 2001 e Boletim DIEESE A situao das mulheres trabalhadoras brasileiras,edio especial 2001. www.dieese.org.br e IBGE 2007.11 Nos peridicos levantamentos do Panorama Laboral na Amrica Latina (OIT), registra-se que na estrutura doemprego urbano a taxa de participao das mulheres no setor formal de 1990 a 2005 deve saber lidar com ummovimento de instabilidade da lnea virtuosa de progresso. Era 52,5% em 1990, decai para 44% em 1995, e em 2005chega a alcanar 48%, sem por isto alcanar os valores de 1990.12As referncias so Pesquisa Mensal de Emprego. Principais destaques da evoluo do mercado de trabalho nasregies metropolitanas abrangidas pela pesquisa: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo e PortoAlegre.

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    das mulheres era praticamente prxima, isto , 4.5%. Em 2000, porm, registra uma significativadiferena entre os sexos: homens 6.5% e mulheres 8.0%. At que em 2005 esta disparidade aumenta adesfavor das mulheres: os homens 7.8%, as mulheres 12.4%. 13

    Conclumos este levantamento de indicadores observando os valores das retribuies. Enquantoh quem acredita que haver uma natural paulatina igualdade de oportunidades, a disparidade salarialsegue evidente nesta decada. A disparidade est vinculada a dois importantes contextos: o nvel deescolaridade e as distines de cor/raa entre as pessoas ocupadas. Se confrontarmos a taxa mdia deremunerao fornecida pela PNAD de 2001, j podemos perceber que, por hora trabalhada, as mulheresrecebem em mdia 79% da remunerao dos homens, sendo que as mulheres negras recebiam emmdia 39% dos ganhos dos homens brancos (Panorama Laboral, OIT, 2003, pgina 87). Seconsiderarmos o valor por ms, as mulheres ganharam em 2001, em mdia, 66% do que ganharam oshomens (Panorama Laboral, OIT, 2003, pgina 87).

    Observando a variabilidade da dcada 1992-2001 nos dados do IBGE/PNAD, as aproximaesde salrio homens-mulheres se demonstram bastante frgeis. Em 1992, as mulheres at trs anos deestudo ganhavam por hora 70% dos homens; com mais de quinze anos de estudo, as mulheresganhavam 57% do que ganhavam os homens

    Em 2001 os valores mudam a favor das mulheres, especialmente daquelas com menor nvel deinstruo. Com menos de trs anos de escolaridade, as mulheres ganham, por hora, 85% dos valoresdos homens; e para as mulheres com mais de 15 anos de estudo, o valor fica prximo a 61% dos ganhosdos homens. (Fonte: Panorama Laboral 2003, pg. 87)

    Cruzando cor, sexo e rendimento, no perodo 19922001 a esperada aproximao dasremuneraes no to evidente. A remunerao das trabalhadoras negras, em 1992 por hora, era 50%dos ganhos dos homens brancos. E se cruzarmos os dados com o tempo de escolaridade, asaproximaes esto bem longe de acontecer: De 1992 a 2001, as mulheres negras com mais de 15 anosde estudo permanecem recebendo, por hora, 46% dos homens brancos. (Panorama Laboral,Desigualdad y discriminacin de gnero y raza en el mercado de trabajo brasileo, 2003, pgina 89)

    Para termos uma percepo mais realista, devemos lembrar que as mulheres negrasrepresentam, em 2001, 18% da PEA. Segundo o IBGE, em 2006, o rendimento mdio mensalhabitualmente recebido pela populao ocupada foi estimado em R$1.045,75, registrando um ganho de4,3% em relao mdia estimada em 2005 e de 5,6% frente a 2003.

    Diferenas na incorporao ao mercado de emprego, disparidade na estabilidade, discriminaosalarial alteram-se nas dcadas, mas as variveis sexo e cor so ainda significativas para avaliar quantoo mercado de trabalho, ao mudar, carrega consigo condies diferenciadas para homens e para asmulheres, brancas e negras.

    Se passarmos da anlise estatstica da segmentao dos espaos ocupacionais anlise dosdepoimentos dos responsveis pela seleo e gesto dos R.H., aparecem de forma evidente novas

    argumentaes. Considera-se que h uma maior abertura nas oportunidades scioeconmicas queprecedem o acesso ao trabalho a famlia incentiva mais as escolhas de novos percursos escolares e htambm fatores culturais que modificam as modas no acesso universitrio. Mas h condutas dasempresas argumentando a seleo das pessoas a contratar.14 A preocupao com a possibilidade da

    13Para ter uma idia quantitativa da populao, lembramos que estamos lidando com 20 milhes de pessoas ocupadase de 2 milhes de desocupados nas seis principais reas metropolitanas do pas. Fonte Panorama laboral OIT 2006,pgina 29 do relatrio. Para melhor compreender os nveis de amparo das garantias previdencirias (sade e penso),atribuio universal no modelo brasileiro, a aproximao entre os sexos se faz notar pelas distines do acesso paracategorias profissionais distintas: para os trabalhadores no mercado formal prxima a 80%, enquanto para ostrabalhadores na economia informal 35% (para os trabalhadores independentes chega a 13,2%; para o serviodomstico, 6.4%) .14Hoje comum que as empresas deleguem a outras empresas e centros de RH a seleo e a gesto de mo-de-obra.No menos importantes, os profissionais que dirigem as direes de RH nas prprias empresas vocalizam um mundode referncias que distinguem a seletividade em contratar operrias e jovens graduadas.

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    maternidade, a clssica queixa dos empregadores sobre os altos custos da mo-de-obra feminina, 15 acrescida por argumentaes mais sofisticadas para no selecionar as mulheres: a ausncia de mulheresbrancas e negras em algumas reas universitrias; a menor mobilidade territorial das mulheres; oambiente de trabalho no condizente, por ser um universo predominantemente masculino; as atitudesdesfavorveis dos clientes; pouca segurana do ambiente externo empresa onde o profissional deveatuar; a resistncia dos colegas nas sees. As justificativas do tipo no tivemos candidatas mulheresou a sociedade brasileira machista, s com o tempo vai se modificando so freqentes. Mas aargumentao oficial da resistncia em querer intervir em repensar a segregao ocupacional nosambientes de trabalho : Os nossos procedimentos de recrutamento selecionam as competncias, soconsideraes objetivas. Passam os melhores.16

    j conhecido que o itinerrio que leva a definir uma vaga numa grande empresa do setorprivado, seja do cho de fbrica ou do escritrio, considera um conjunto de critrios aliados a dimensesdiscricionrias da hierarquia, que no se limitam qualificao.17As especificaes do ttulo de estudo, operfil de experincias, a capacidade profissional, as caractersticas tcnicas se misturam com imagensveladas relativas ao sexo, cor e boa aparncia. nesse itinerrio que a subjetividade e a discriodos chefes de seo, dos gerentes, e da direo de R.H aumenta, numa bola de neve, os critrios

    seletivos tanto para o acesso como para a promoo.Para melhor compreender estes dados, temos que observar os mecanismos culturais e sociaisque atuam como filtros ao longo da formao das carreiras (5 a 10 anos), dificultando a maior aberturapara a ascenso das mulheres.18

    Por exemplo, as pesquisas do Observaorio Social nos supermercados, aponta a distribuio dasmulheres, por classes de ocupao, concentra-se em subgrupos ocupacionais distintos abertura depossibilidades para os homens. Podemos perceber que, para as mulheres, os mbitos ocupacionais sodistintos daqueles previstos para os homens. Numa rede de um supermercado, para as mulheresestavam abertos os setores:

    ATENDIMENTO

    ADMINISTRAOTXTILBAZARADM HIPERHIG E LIMP

    15Ver Lais Abramo (ed) Questionando um mito: custos do trabalho de homens e mulheres. OIT, 2005.16Ver P. Cappellin Gnero e trabalho no contexto da responsabilidade social das empresas.2002 mimeo UFRJ /CNPq. A literatura brasileira cita outras referncias da reproduo de desigualdades nos locais de trabalho.Lembramos as contribuies de Cibele S. Rizek & Marcia Leite (1998) e L. Abramo & Rosalba Todaro (1998). Asautoras avaliam a contingncia da reestruturao produtiva na Amrica Latina como cenrio marcado pela ausnciade inovaes significativas no mbito dos valores de gnero. Estas seriam decorrentes das caractersticas tecnolgicas

    e da referncia simblica da fora fsica masculina, da diviso sexual do trabalho entre vida domstica e vidaprofissional e da referncia de complementaridade, provisoriedade e instabilidade do trabalho feminino, do acesso qualificao profissional e da reduzida experincia feminina, vistos como mecanismos fomentadores de assimetriasocupacionais. Ver Cibele S. Rizek & Marcia Leite, Dimenses e representaes do trabalho fabril feminino em L.Abramo e A Rangel de Paiva Abreu "Gnero e trabalho na sociologia latino-americana" ALAST 1998, e L. Abramo& Rosalba Todaro, Gnero y trabajo en las decisiones empresariales em Revista Latino-Americana de Estudos doTrabalho, n. 7, Campinas, 1998. Abramo e Todaro questionadas de como atuam as consideraes de gnero nocontexto das polticas de RH, concluem que as "decises que afetam o trabalho feminino e masculino na empresano se tomam somente a partir de critrios tcnicos e de racionalidade substantiva, mas tambm por influnciasprovindas das culturas empresariais, trabalhistas, fortemente marcadas por critrios de gnero".(1998:85)17Em um levantamento que realizamos nos anncios de jornais antes e depois da lei de 1999, havia ainda nos maioresjornais ofertas de emprego que exigiam do candidato qualificado estar casado, ou, para ocupaes de contato com opblico, a famigerada exigncia de boa aparncia.18Esta rea de estudo equal pay for work of comparable worth, bastante difcil de ser realizada no Brasil, se se querusar os parmetros internacionais utilizados para averiguar a difuso dos princpios da conveno OIT n. 100, porque

    as informaes so as mais sigilosas nas empresas. No h at agora nenhuma empresa no Brasil que aceitou odesafio de se auto-monitorar com esses critrios. Ver M. Gunderson1994 e F. Eyraud, Revista Internacional delTrabajo n. 2, 1993.

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    REFEITRIO TerceirizadasLIMPEZA terceirizadas

    No mesmo supermercado, aos homens esto abertos os setores:

    HORTIFRUTICARNES E PEIXESFRIOS E SALELETROMERCEARIAPADARIA INDMANUTENOPADARIA CDEPSITO

    Fonte OS. 2000

    Se considerarmos o setor bancrio, em 2000 o setor empregava 400.854 trabalhadores, sendo 44%mulheres 19. As funes com maior nmero de trabalhadores so: caixas, escriturrios e auxiliares,recepcionistas, secretrias e operadores. Mas se observarmos a distribuio das mulheres no perfilhierrquico das competncias de comando e do operacional, fica evidente a segregao vertical.

    FONTE: Maro 2007 http://www.bancariosdf.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1173Documento: Aes Institucionais que garantam a Eqidade de Gnero e Etnia nas Relaes de Trabalho

    Para completar o perfil da alta gerncia das empresas como espao limitado para a absorodas mulheres, podemos citar a fonte RAIS, que, em 2000, registra em 76% os diretores homens. A

    19 Ver Balano Social dos Bancos, publicado pela Federao Brasileira da Associao dos Bancos, Febraban, nainternet www.febraban.org.br

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    mudana em 2002 mnima: os diretores homens continuam sendo 75%, num total de 50.000 pessoas.Entre 2000 e 2002, as mulheres no cargo de gerente passam de 27,5% para 31%. 20

    Em contraste com estas informaes recolhidas nos documentos das categorias dostrabalhadores e na Rais , o ambiente empresarial brasileiro continua divulgando pesquisas de opinio

    junto aos executivos das empresas, ferramenta de moda nas diretrizes empresariais internacionaisrecentes. Estas pesquisas oferecem timas indicaes sobre as atitudes da alta gerncia. At comosuporte do World Economic Frum edita-se o Executives Opinion Survey no tema especfico GlobalGender Gap Report, desde 2003. bastante curioso que estas organizaes empresariais, em vez deestimular que as empresas publiquem os dados contveis sobre o estado da arte das disparidadessalariais, estimulam seus executivos a emitir opinies subjetivas a este respeito, a partir de perguntas dotipo: Na sua opinio as mulheres que trabalham em sua empresa recebem remunerao igual ousuperior a dos homens em alguns destes nveis?Em 2003 e em 2005, nas publicaes do Instituto Ethos,as respostas assim se distribuem:

    2% opinam que as mulheres podem receber remuneraes inferiores ao homens naposio de alto executivos, enquanto 45% afirmam que a remunerao nesta posio igual dos homens e para 38% superior.

    3% e 4% dos presidentes opinam que no cargo de gerente as mulheres podem receberremuneraes inferiores a dos homens, enquanto 85% e 83% afirmam ser esta

    remunerao igual ou superior.

    Estas opinies mostram que a proposta de interpelar as empresas para que faam uma leiturade suas efetivas formas de segregar e diferenciar as oportunidades por sexo, raa/cor no tem respostaobjetiva, mas s argumentos que enmascaram a realidade. Tambm mostram que as demandas sindicaispara a polticas de igualdade de oportunidades tm um vasto campo de interveno, seja sobre asprticas, seja sobre as atitudes de seus mais altos quadros (presidentes, executivos e diretores).Finalmente, comum cultura empresarial ter dificuldade para tornar disponveis as informaes de seusdepartamentos de R.H. 21

    A modernizao de valores e as relaes industriais. Propostas eperspectivas empresariais.

    No cenrio internacional as polticas de igualdade de oportunidades interpelaram22 o meioempresarial para incentivar anlises internas das empresas e assim construir planos ad hocde ajustescapazes de corrigir prticas e atitudes discriminatrias; tambm para criar mecanismos que permitamrevalorizar as profisses femininas e masculinas; e para reverter a reduo de emprego, decorrentes dosprocessos de enxugamento. Alm disso, nestes ltimos anos, face difusa precarizao das garantiasdos postos de trabalho, posta em questo a fragilidade da aplicao das normas. 23Os programas soenriquecidos por outra ferramenta, a do mainstreaming, que teria o objetivo de combinar numa relaovirtuosa a modernizao gerencial e a modernizao dos valores em toda a organizao.

    A igualdade de oportunidades parte da grande famlia dos direitos includos na cidadaniasocial. So denominados direitos imperfeitos ( diferena dos direitos dos mbitos poltico e civil,denominados direitos incondicionados), j que a realizao deles depende de escolhas polticas e de

    20Dados gentilemente enviados pela redao do jornal Globo, respondendo a nossa solicitao.21Ver as publicaes do Instituto Ethos Perfil social, racial e de gnero das quinhentas maiores empresas do Brasile suas aes afirmativas em 2003 e 2005. Disponveis www. Ethos.org.br22Interpelar um termo que sugere duas modalidades. Uma, mais relacional, fazer perguntas, Dirigir a palavra algum para perguntar alguma coisa. Outra de uso na terminologia jurdica: demandar explicaes, at promover a

    interpelao de. [Cf. citar (4), notificar (5) e intimar. Dicionrio Aurlio.23 Vale a pena evidenciar que este ano, 2007, a Unio Europia considera o ano da eqidade das oportunidades,European year of equal opportunities for all. Ver o stio da European Commision.

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    intervenes sobre a poltica econmica. Para P. Barcellona (1988), os direitos sociais ... dependem dasrelaes de fora na distribuio dos recursos, na medida em que envolvem um deslocamento da riquezade alguns para outros, de uns grupos privilegiados para os excludos ou marginalizados.24

    Assim, as escolhas e estratgias contratuais, se no responderem a garantias legais, deixam aproblemtica da proteo dos trabalhadores aos mecanismos do mercado, transformando este ltimo emuma arena onde os interlocutores esto em permanente tenso ou conflito. No perodo recente, o cenrioda concorrncia tende a tornar esta arena no transparente. A objetividade das metas do mercado, adinmica da competio internacional de preos, a modernizao do aparato produtivo, aparecem todascomo dinmicas impostas aos agentes. por isto que, ao serem denominados direitos imperfeitos,elucidam quanto poderiam se ampliar os processos no controlados da redistribuio da riqueza; semconseguir colocar limites amplia liberdade de ao do mercado. Os direitos imperfeitos buscamintroduzir normas de redistribuio da riqueza.

    A literatura brasileira que nos anos 1990 (Werneck Vianna et alli 1999, E. Noronha, 2000, A.Cardoso 2003) estudou as atitudes e o comportamento empresarial em sua fase de reorganizao,sugere a hiptese de que tal modernizao nos ambientes de trabalho se realizou combinada a uma

    dinmica de deslegitimao das normas trabalhistas. Esta hiptese se sustenta na observao do exguorespeito lei praticado pelos empregadores. Os sintomas da crise da ordem legal estariam nocrescimento das demandas dos trabalhadores de interveno judicial. Para fazer valer seu direitos, ostrabalhadores recorrem ao balco judicirio (2003: 158/159).

    Para esta linha de estudo o respeito da lei, junto aos empresarios poderia ter varis respaldos,mesmo no sentido instrumental (A.Cardoso 2003) O respeito lei poderia proteger seu agir dasincertezas flutuantes do mercado; poderia provir de um clculo de custos e benefcios de tal forma que alei lhe de suporte frente a outras prticas que escapam de seu controle. O empresrio poderia, enfim,incorporar a lei como parte de sua adeso aos cdigos civilizatorios. Para A. Cardoso, os empresriosbrasileiros se sentem crescentemente desobrigados, flexibilizam o mercado de trabalho e aceitam s asinterpelaes individuais dos ex-trabalhadores no balco judicirio (A. Cardoso, 2003, pgina 159). Estaconstatao, mesmo que formulada para compreender os anos 1990, um bom ponto de partida para as

    nossas incurses sobre as atitudes e comportamentos empresariais entre 1996-2006. Essa atitude podeser vlida tambm porque coincide com a maior abertura do mercado de trabalho para as mulheres.Pelos dados anteriores, a maior afluncia das mulheres ao trabalho no reduziu a taxa de desempregofeminino, nem expande as garantias da formalizao do vnculo de trabalho e tampouco modifica adisparidade salarial, mesmo que haja normas que a probam .

    A introduo de polticas de igualdade de oportunidades no Brasil assumida como demandadas trabalhadoras nas organizaes sindicais, usando-se como guia a aplicao da norma trabalhista afavor da proteo do mercado de trabalho das mulheres. Porm, esta encontra pouca ressonncia entreos empresarios / empregadores.

    A deslegitimao da norma trabalhista (A. Cardoso, 2003) representa s um aspecto das

    atitudes e do comportamento das empresas que ignoram os apelos feitos nos anos 1990. Outro aspecto que, nesse perodo, nos meios empresariais se preparou uma proposta de reforma trabalhista.25Tambm, nossos estudos sobre as empresas multinacionais no estado do Rio de Janeiro evidenciam oescasso envolvimento dessas organizaes na busca de exemplos virtuosos a serem discutidos nosdebates que estavam se realizando nos fruns das organizaes sindicais e nos centros de pesquisas.26

    24O jurista italiano Pietro Barcellona (1988) assim explicita a cidadania social....faz referncias s dinmicas quedesignam o conjunto de expectativas que cada cidado expressa junto ao Estado para obter garantias de segurana

    na vida e no trabalho, concorrendo todas a oferecer a dignidade, a liberdade e a assistncia individual.

    25Este projeto, inclusive estruturado pela liderana da FIRJAN e do M.T.E., fica na agenda at 2003, quando o novogoverno o abandona. Ver proposta da FIRJAN para democratizao das relaes do trabalho, FIRJAN, 1999.26Lembramos os debates em So Paulo e Rio de Janeiro e junto aos parlamentares em 1997 e 1998, promovidos pela

    rede de instituies: Fundao F. Ebert-Ildes (FES-ILDES), a UFRJ, a ong Elisabeth Lobo Assessoria (ELAS), e oCentro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) e teve apoio da CUT, Fora Sindical e o PNBE. A publicaodo livro Mulheres e trabalho. Experincias de ao afirmativarecolhe as contribuies destes fruns. Ver D. G.

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    no bojo desses debates que importantes setores de empresas se empenham em dar vida ainiciativas scio-assistenciais, usando outras ferramentas e conceitos e tendo a preocupao deevidenciar que as empresas estavam abrindo um novo leque de mensagens, de atitudes e decomportamentos, que se agregam no lema a responsabilidade social das empresas.27Estas fomentaminvestimentos voluntrios, discricionrios, junto s comunidades de seu entorno, desprestigiando aconsigna sindical de ampliar as garantias dos/das trabalhadores/as. este um perodo em que o terceirosetor assume a liderana na conduo de programas de assistncia social.28 O lema daResponsabilidade Social, em sua configurao brasileira,29 se difunde nesse perodo sobretudo com apreocupao de formatar a incluso social, contribuindo direta e indiretamente na produo de valores esmbolos sobre a feminilidade, a imagem da famlia e da mulher. So recursos discursivos que, se por umlado enriquecem as referncias culturais das organizaes junto sociedade, por outro, nem sempreparecem se harmonizar com as propostas sugeridas pelo enfoque de polticas de igualdade deoportunidades, que tm como objetivo a difuso e universalizao da qualidade do emprego.30

    Parece, assim, haver um desencontro entre as solicitaes demandadas pelas mulherestrabalhadoras s empresas e as iniciativas promovidas pelas empresas. As atitudes de priorizarinvestimentos em servios sociais s pessoas nos bairros de periferia demonstra uma escolha que

    substitui a relao direta junto a quem ela emprega. 31

    Os elos com a populao proporcionados por

    Delgado, P. Cappellin e V. Soares (org) Mulheres e trabalho. Experincias de ao afirmativa, Ed. Boitempo2000. em 1998 houve um seminrio promovido pelo IPEA.27 Lembramos nossos anteriores artigos sobre esta temtica: em colaborao com G.M. Giuliani, R. L. Morel, E.Pessanha. As organizaes empresariais brasileiras e a responsabilidade social in Empresa, empresrios eglobalizao, P. Cappellin, A. M. Kirschiner e E. R. Gomes (org) ed. Relume Dumar e FAPERJ, 2002, pginas 253-278; em colaborao com G. Giuliani Virtudes privadas e virtudes cvicas: sistematizao dos hbitos de doar deempresas e fundaes Cordaid Holanda CICLO Brasil; e com G.Giuliani , The political economy of corporateresponsibility in Brazil,Programme on Technology, Bunsiness and Society, n. 14, UNRISD, Geneve, 2004, ISSN1020-8216. A pesquisa chega a evidenciar que entre 1990-2000 houve uma sutil proposta por parte doempresariado. O envolvimento das iniciativas privadas nas questes sociais locais conectava-se a trs processos: 1)reformar e reduzir os compromissos trabalhistas, associando-os ao enxugamento da mo-de-obra contratada

    diretamente pelas empresas; 2) formatar uma nova imagem social da empresa junto opinio pblica, e 3)modernizar o clima organizacional, de forma a aliviar as tenses vivenciadas pela mo-de-obra que aindapermanecia empregada.28Lembramos, s para respeitar as origens, que a rede Grupo de Institutos, Fundaes e Empresas (GIFE) comeouno Brasil e espalhou-se por toda a Amrica Latina como uma nova viso do interesse das empresas privadas nofomento a projetos sociais. Apesar de oficialmente formalizado em 1995, o GIFE realizou sua primeira reunio em1988, com um debate sobre filantropia patrocinado por representantes das filiais brasileiras da Alcoa e da KelloggFoundation, em colaborao com a Cmara Americana de Comrcio de So Paulo. A critica corrupo na LegioBrasileira de Assistncia (LBA, na poca a mais importante organizao nacional para assistncia social), epreconizou a gesto tica e o investimento de recursos privados em projetos sociais. O grupo deseja trabalhar com oEstado em programas destinados a reduzir a desigualdade social. Dessa maneira, ele participa de debates legislativose colabora com o programa nacional da Comunidade Solidria.29Ver Cappellin Paper, "Beyond the Administrative Vision in Organizations. Update in Benson's dialectical point ofview"University of Massachusetts, June 2001.30

    H poucos exemplos de empresas no Brasil que dialogam com as organizaes sindicais para formatar programasde igualdade de oportunidades. H caso isolados de empresas que por suas prpria deciso se dispem a inovar suasposturas a favor da eqidade de gnero. Citamos o caso de uma multinacional que, monitorada por suas prticasprejudiciais ao meio ambiente, decidiu rever sua estratgia. Introduziu em sua estrutura, em nvel mundial, a aoafirmativa que prev ter 20% de mulheres na posio de senior executive como meta a ser alcanada entre 1999 e2008. Esta iniciativa ainda no foi divulgada pela empresa. Ver Cappellin P. Grandes empresas no Brasil: relaesde gnero, trabalho igualdade de oportunidades (Mimeo) 2002; e Emanuelle Malheiros Estudando gnero numaempresa de engenheiros. Percepes dos executivos de uma multinacional do estado do Rio de Janeiro , (mimeo)PPGSA/UFRJ 2005.31A configurao dosistema de Welfare State recuperada por M. Paci, (1982) quando este autor acrescenta novasdimenses do conceito de Welfare State, elaborado no interior do paradigma de Cincias Polticas. O autor lembraque esta passagem passar para o conceito de sistema de welfare.. capaz de dar conta de diferenciadas modalidades,pblicas e privadas, de respostas s necessidades de bem-estar emergentes na sociedade. H assim uma maiorvariedade de atores: ao lado do Estado e as elites polticas e administrativas, aparecem no s os partidos e as grandesorganizaes sindicais, mas tambm os grupos profissionais, as associaes voluntrias, as empresas de seguros, os

    movimentos sociais, os grupos informais de ajuda mtua, as grandes agregaes de classe, os estratos sociaisemergentes, a famlia nuclear, as redes de parentelas e os cidado consumidores, grupos importantes hoje paraexpressar as preferncias de bem-estar (M. Paci, 1989: 17). Ver tambm A.J. Heldenheimer, Lo sviluppo del

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    esses programas abandonam os vnculos da reciprocidade salarial e, conseqentemente, a assistncia eas doaes se apresentam como manifestaes de gratuidade. Na retrica discursiva que acompanha osprogramas no campo da assistncia, responsabilidade e solidariedade aparecem como lemas quequalificam as virtudes das empresas junto populao.32

    No se pode negar que a resposta s demandas das pessoas-mulheres-trabalhadoras abandonada pelas propostas filantrpicas, que no reconhecem a juno destes trs papis comoportadores de exigncias; seus projetos respondem s demandas de qualidade de vida da populao,sem por isso reunir os elos que intercorrem entre o trabalho, a vida familiar e o respeito dignidade.33

    Interpelar as empresas com a proposta de planos de igualdade de oportunidades foi e continuasendo uma tarefa fora de moda, ou melhor, no ainda de moda, porque a cultura contratual das empresasse mantm mais ancorada cultura filantrpica.

    A cultura de monitoramento de gnero: alargando os fruns e asferramentas entre 1996-2006

    Para completar o mapeamento das instituies empenhadas em interpelar as empresas sobre aigualdade de oportunidades, cabe registrar os atores sociais que no Brasil pressionam nesta direo. Notodos conseguem exercitar a mesma presso, nem instaurar uma interlocuo virtuosa com as empresas.Mesmo assim, temos a abertura de mediaes institucionais. Os mais recentes resultados obtidos, entre1996-2006, evidenciam que so quebradas algumas barreiras e resistncias de algumas grandesempresas publicas , considerando-se estas parte concernida nessa modernizao de valores.

    No Brasil, as trabalhadoras levantam a proposta de polticas de igualdade de oportunidades nosambientes de trabalho desde 1993.34 Essa proposta toma como referncia as disparidades no mundoprodutivo (as barreiras de acesso ao crdito, terra, ao salrio digno, ao emprego formal), quando

    confrontadas com a presena das mulheres na vida nacional. Em 1995, lanada no interior da 7a

    Plenria Nacional da Central nica dos Trabalhadores a plataforma Cidadania, Igualdade deOportunidades na vida, no trabalho e no movimento sindical. As ferramentas elaboradas pela redeextremamente ampla, que soma esforos intelectuais e polticos nacionais e internacionais (Canad,Itlia, Frana, EUA e Unio Europia), se norteiam pela diretriz da negociao coletiva entreempregadores e empregados. As empresas so solicitadas a desenhar aes afirmativas e planos deeqidade nos ambientes de trabalho, num contexto de dilogo social. A experincia que tem maiorressonncia a da categoria dos/das bancrias e a Federao Nacional dos Bancos,35 desde 1997.36

    welfare state in Europa e America, Mulino, Bologna 1983; Eisenstadt S.N. Macro societal analysis: background,development and indications in Macro societal theory. Vol.1 Sage, Beverly Hill 1985.32Esses programas de estilo filantrpico movimentaram em 2003, segundo o IPEA, R$ 4.7 bilhes. Pesquisas IPEA

    (2003). Ver artigo P. Cappellin e G.M. Giuliani, Prticas privadas de bem-estar: algumas perguntas luz doconceito sociolgico de solidariedade ed. UFJF 2006.33 Ver N. Freser Talking about needs, in Feminism and political theory, Ed. by C. Sustein, Chicago UniversityPress, 1989.34Isto foi possvel pelas demandas encaminhadas s organizaes sindicais.35A categoria dos bancrios, em particular aquela filiada Central nica dos Trabalhadores, tem criado condiespara que novas relaes possam ser estabelecidas no ambiente de trabalho e que sejam implementadas medidas paracorrigir as distores presentes no mundo do trabalho quanto igualdade de oportunidades, mas encontra umaenorme resistncia, mesmo em instituies financeiras com matrizes em outros pases que j desenvolvem esse tipode ao, como caso do Santander. Assim que, desde 1997, as campanhas salariais dos bancrios passaram a trazer tona a discusso de igualdade de oportunidades, fundamentada nas Convenes 100 e 111 da OIT. Na campanhasalarial de 1999, a questo da igualdade foi um dos eixos, conforme aprovado no Congresso da ConfederaoNacional dos Bancrios (CNB-CUT). Por ter um alto grau de sindicalizao e de mobilizao, esta categoria decidesuas campanhas salariais de forma unificada, ultrapassando na prtica os limites da legislao. Naquele ano, noconseguiram que as clusulas correspondentes fossem incorporadas conveno coletiva. Em 2000, o tema da

    igualdade de oportunidades foi novamente tratado na campanha salarial, sendo includa uma clusula na convenocoletiva que abria um espao de negociao com as direes dos bancos por meio da Fenaban Federao Nacionaldos Bancos. Neste processo de negociao, a Fenaban alegou que no conhecia os dados da discriminao e lanou

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    Tambm, desde 2002, as categorias de trabalhadoras dos sindicatos filiados Internacional dos ServiosPblicos (ISP/Brasil)37, aps um levantamento dos diferenciais de remunerao nos servios pblicos noBrasil, atuaram na campanha mundial do ISP sobre a eqidade salarial entre 2002-2006.38

    Sempre no cenrio sindical, entre 1997/1998 tem incio o projeto de criao do Observatrio Social-CUT39, que se prope a monitorar a adoo de clusulas sociais e ambientais nos acordos de comrciointernacional. As convenes n. 100 e n. 111. da OIT so partes das referncias para monitorar oscomportamentos de empresas multinacionais e so fontes para enriquecer as negociaes coletivas,nacionais e internacionais.40Pelo nosso acompanhamento detalhado de onze grandes empresas, apesarde evidentes formas de segregao vertical e horizontal nas designaes ocupacionais para homens emulheres, nenhuma multinacional dispunha, at 2003, de programas estruturados de poltica para aigualdade de oportunidades. S no sistema financeiro, algumas empresas ensaiavam tmidos programaspara incluir a temtica da diversidade. O que importante sublinhar que, nos contatos, as empresasopunham dificuldades para dar acesso s informaes. Elas demonstraram pouca abertura ao dilogo eescassa disponibilidade para ajustar suas condutas.

    importante lembrar que nesse perodo surgem outras iniciativas que tm como norte interpelar as

    empresas. Outras prticas, outras configuraes de demandas, outras tmidas e parciais adeses sesomam nesse heterogneo laboratrio interessado em convocar as empresas.Sempre em 1997, lanada pelo IBASE41a ferramenta Balano Social. A empresa, por sua iniciativavoluntria, declara e publica dados que possam tornar transparentes alguns aspectos de suacontabilidade. J na dcada de 1980 houve essas iniciativas isoladas.42No modelo de balano social e deseu relativo selo, h a solicitao de assinalar o corpo funcional por sexo e cor, alm de contabilizar opercentual de mulheres nos postos de comando. Essa informao, at 2005, era bastante ausente nos

    um desafio para que a categoria os comprovasse. Em 2001, a Confederao Nacional dos Bancrios realizou apesquisa O rosto dos Bancrios Mapa de gnero e raa no setor bancrio brasileiro, junto com o Dieese. Assim,

    depois de inmeros debates com as direes dos bancos, foi introduzida pela primeira vez num acordo coletivo umaclusula que trata da igualdade de oportunidades de gnero e raa.36A clusula finalmente introduzida na negociao de 2001/2002 - Clusula Qinquagsima Segunda - Igualdadede Oportunidades. As partes ajustam entre si a constituio da Comisso Bipartite que desenvolver campanhas deconscientizao e orientao a empregados, gestores e empregadores no sentido de prevenir eventuais distores quelevem a atos e posturas discriminatrias nos ambientes de trabalho e na sociedade de forma geral.37Esta categoria faz referncia aos trabalhadores inseridos nas empresas de gua, saneamento, energia, sade privadae pblica, previdncia social, esfera municipal da administrao do Estado.38Ver atas das reunies em S. Paulo em 2002 /2003 e www.world-psi.org39 O Observatrio uma iniciativa da CUT Brasil em cooperao com o CEDEC (Centro de Estudos de CulturaContempornea), DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Scio-Econmicos) e UNITRABALHO (RedeInter-Universitria de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho). As principais interlocutores internacionais so FNVMondiaal (Holanda), DGB Bildungswerk (Alemanha), Oxfam (Reino Unido), Sask (Finlndia), LO (Noruega), AFL-CIO (Estados Unidos), Fundao Friedrich Ebert (Alemanha), Fundao Hans Bckler (Alemanha) e ISP -

    Internacional do Servio Pblico. O Observatrio Social tambm participa da Red Puentes de ResponsabilidadeSocial, da Gurn (Global Union Research Network - Rede de Pesquisa de Sindicatos Globais) e da Rede Latino-Americana de Pesquisa em Empresas Multinacionais, que envolve entidades de sete pases do continente.40 O instituto estudou at agora mais de 50 empresas. Os resultados, at 2003, evidenciam que a reorganizaoestrutural promovida pelo complexo industrial multinacional atingiu principalmente os setores bancrio, metalrgico,de comunicaes e de energia. As tecnologias modernas e intensivas em capital no geram um volume significativode novos empregos. Mais, as empresas desses ramos industriais optaram por estratgias e tecnologias gerenciais quetm a clara finalidade de estimular a intensificao do trabalho e, ao mesmo tempo, de fortalecer a tendncia geralpara o rebaixamento das normas de trabalho.41Vale a pena lembrar que a capacidade do Ibase para interessar as empresas no tema da RSE deve-se ao trabalho deseu fundador, Betinho. Em 1992/1993, ele organizou a primeira campanha de combate epidemia da AIDS, voltadaaos meios empresariais. Conhecida pelo ttulo de A solidariedade uma grande empresa, a campanha defendeu aadoo de programas especialmente orientados para a proteo dos trabalhadores contra a AIDS em diversasempresas nacionais e internacionais. Essa experincia levou o Ibase a uma posio estratgica na sociedade civil quelhe permitiu influir diretamente no comportamento das empresas.42Lembramos a Nitrofrtil, empresa estatal localizada no Estado da Bahia, que publicou em 1984 um dos primeirosbalanos sociais realizados no Brasil; o Sistema Telebrs publicou balanos sociais nos anos 1990; e o Banespa. VerS.Torres da Silva, dissertao de mestrado UFF, 2000.

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    formulrios enviados pelas empresas ao IBASE.43Mas h pelo menos um dado novo. O selo do IBASEquebra algumas reservas que inibiam a interpelao das empresas, sobretudo as pblicas-estatais.44

    Outras iniciativas, como as de premiar e divulgar projetos de empresas proativas, nascem tambm nointerior das prefeituras.45 Os selos como atestados de responsabilidade empresarial so uma fonteinteressante. Permitem averiguar as incipientes modalidades para estimular as empresas a tornartransparentes alguns elementos de suas estruturas, atravs da divulgao de alguns indicadores dacomposio da mo-de-obra, e mostrar se h investimentos em aes sociais internas e externas ao seucorpo funcional. Tambm por estas incurses de informaes no emergem exemplos significativos deplanos de igualdade de oportunidades.

    Estas iniciativas de segmentos organizados da sociedade ficaram por alguns anos solitrias na tarefa dechamar a ateno das empresas para aceitarem submeter-se ao monitoramento.

    O Estado brasileiro, atravs de suas instncias ministeriais Ministrio do Trabalho e Emprego,

    Ministrio Pblico do Trabalho e Secretaria Nacional de Polticas para as Mulheres , em 2000, assumediretamente como sua prerrogativa a prtica de monitorar o respeito s normas trabalhistas para revertera difuso das discriminaes de sexo e raacor, e direciona sua interpelao s empresas a fim elasformatem iniciativas para estabelecer a eqidade. Os caminhos no so homogneos. Sensibilizar,estimular e controlar as iniciativas efetivas de igualdade de oportunidades nos ambientes de trabalho soatividades que nascem ao reboque das tentativas difceis das organizaes sindicais, quase aproveitandodos seus ensaios na negociao com os empregadores.

    Em outras palavras, a atuao do Estado no Brasil, em seus ganhos e perdas de legitimao, decorre damobilizao de atores sociais (trabalhadores, empregadores e opinio pblica) que se confrontaramquanto aplicao, nas relaes contratuais, da proteo do trabalho com perspectiva de gnero. Nonosso caso, o que est em causa a aplicao das garantias a respeito do princpio constitucional da

    proteo do mercado de trabalho das mulheres. Tal princpio, mesmo que no explicite a modalidadenormativa de planos de igualdade de oportunidades, como acontece em outros contextos nacionais, uma referncia para interferir no comportamento dos empregadores, e passa pelos dispersos preceitosnormativos da legislao trabalhista. Mais ainda, com a difuso da nova terminologia a favor das aesafirmativas em outros mbitos do Estado, as instituies competentes na regulao do emprego se

    43O Ibase distribui um prmio o Selo IBASE/Betinho de Balano Social s empresas que seguem seu modelo. Omodelo de balano social de 2001 acrescentou outros indicadores. Nos itens que tratam dos empregados, porexemplo, incluram-se perguntas relacionadas origem tnica, idade e cargo, assim como sobre a extenso daterceirizao. No intuito de aperfeioar a avaliao da conscincia social da empresa, foram acrescentadas perguntasa respeito dos programas de voluntariado e das medidas de segurana do trabalho em que haja participao da

    gerncia e dos trabalhadores. Como atividade complementar, o Ibase organizou em 2001 com o apoio da SocialAccountability International (SAI) e do Ncleo de Responsabilidade Social da Firjan um seminrio sobrecertificao de condies de trabalho, direitos trabalhistas e aplicao da norma SA8000. Segundo o relatrio Ibasede 2002, 67 empresas haviam publicado o balano e 102 eram os relatrios certificados. No ano de referncia de2006, 52 empresas receberam o selo do IBASE.44Lembramos que o IBASE j tinha interpelado as empresas no decorrer dos anos 1990: a Ao da Cidadania Contraa Misria Pela Vida (1993), a campanha contra HIV/AIDS (1996). A literatura internacional na rea de administraousa o conceito de stakeholders para dar conta das vrias presses exercidas pela sociedade sobre as empresas. Aabordagem de Frooman sugere diversos modos de identificar esses pblicos interessados. Frooman atribui aosstakeholders alguns dos seguintes atributos: (a) eles tm poder de influenciar as empresas; (b) mantm relaeslegtimas com as empresas; (c) poder de encaminhar empresa demandas que exigem ao imediata (Frooman 1999;ver tambm Mitchell et al. 1997).45Um exemplo especialmente notvel foi a resoluo de maio de 1988 da prefeitura do municpio de So Paulo, queinstituiu o selo de Empresa-Cidad, seguida pela prefeitura de Santo Andr (1997), Porto Alegre (1998), Urbelndia(1999) e Joo Pessoa (1999). Trata-se de um prmio que funciona como um atestado oficial do compromisso social

    das empresas. Esse compromisso abrange trs aspectos: (1) o perfil social dos empregados; (2) o alcance das polticassociais praticadas no ambiente de trabalho; (3) o conjunto de incentivos ao desenvolvimento humano e qualidade devida prevalente na companhia e na comunidade circundante.

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    envolvem nas propostas de monitorar as empresas.46 H, assim, uma traduo dessa ferramenta porparte do MTE e do MPT e, mais recentemente, pela SPM.

    Estas instituies, por caminhos diferentes, introduzem pela primeira vez o monitoramento institucional(sensibilizao, controle e fiscalizao) contra as discriminaes de gnero e raa. E incentivam, desde2005, a realizao de programas voluntrios nas empresas pblicas a favor da eqidade de gnero. Ainstituio do Selo Pr-Eqidade, para aes afirmativas voluntrias nas empresas pblicas, pode serinterpretado como uma modalidade de interpelar as empresas para a proteo do emprego das mulherescom enfoque de igualdade de oportunidades. O respeito s normas de trabalho fica implcito entre asreferncias.

    As origens destes programas assentam em dois fruns de presso coletiva: o primeiro constitudopelas denncias sindicais, ainda em 1992 (MTE), como se ver a seguir; o segundo assenta sualegitimidade nos resultados da convocao das mulheres no Io Plano Nacional das Mulheres em 2004(SPM).

    Devemos reportar-nos a 1992 para nos referir aos Ncleos de Promoo da Igualdade de Oportunidades

    e Combate Discriminao no Emprego e na Ocupao junto s Delegacias Regionais do Trabalho47

    .Naquele ano, as trs centrais sindicais brasileiras (CUT, CGT e Fora Sindical) encaminham Conferncia Internacional do Trabalho da OIT a denncia de que o Brasil estaria descumprindo aconveno n. 111, baseadas em dados do mercado de trabalho, que apontam as diferenas deremunerao entre homens e mulheres e entre brancos e negros.48

    Em 1995, um ano aps o governo brasileiro ter respondido OIT, ele reconhece e assume oficialmente aexistncia de prticas discriminatrias nas relaes de trabalho. Graas cooperao tcnica solicitada OIT, em 1995 o Ministrio do Trabalho formaliza o Programa de Combate Discriminao no Trabalho ena Profisso. Neste mbito, o MTE promove algumas iniciativas sem conseguir imprimir mudanasefetivas.49

    Finalmente, em junho de 2000 o MTE edita a portaria n. 604, instituindo Ncleos de Promoo daIgualdade de Oportunidades e Combate Discriminao no Emprego e na Ocupao junto aos seusrgos descentralizados, as Delegacias Regionais do Trabalho.

    De 2000 a 2005, foram constitudos mais de setenta Ncleos, que respondem pela fiscalizao, atravsdos arquivos RAIS, da aplicao da legislao trabalhista nos temas da discriminao (racial, de sexo edos PPD, entre outros).50

    46Mesmo escolhendo o recorte temtico do mundo do trabalho urbano, no podemos deixar de considerar que aPresidncia da Repblica decreta em 30 de outubro de 2001 que o PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimentoda Agricultura Familiar seja orientado pelo princpio de aes afirmativas que facilitem o acesso de mulheres,

    jovens e minorias tnicas aos benefcios do programa. Tambm se deve mencionar que o Ministrio da Justiainstituiu o programa de aes afirmativas do M.J em 20 de dezembro de 2001; e que o Presidente da Repblica, em13 de maio de 2002, formata, no mbito da administrao pblica federal, o programa nacional de aes afirmativas.47Os Ncleos de Promoo da Igualdade de Oportunidades e Combate Discriminao no Emprego e na Ocupao,que formulam a reunio de prticas de sensibilizao com prticas de fiscalizao e de monitoramento de empresas,foram institudos em 2001 pelo MTE e, em outros formatos, em 2002 pelo MPT. Estes tm como quadrojurdico/legal aplicar as convenes internacionais da OIT n. 100 e n.111.48Ver Relatrio Nacional Brasileiro, Protocolo Facultativo CEDAW, Braslia, 2002 pgina 158.49Outras iniciativas do MTE, neste primeiro perodo. Em 1999, o Ministrio do Trabalho e Emprego redige a portarian. 1740/9, de 26 de outubro, que determina a incluso do quesito cor no formulrio manuseado pela Relao Anual deInformaes Sociais (RAIS) e solicita que todas as estatsticas do mercado de trabalho, com fonte RAIS, incorporemo enfoque de gnero. Junto atuao da Assessoria Internacional, o Grupo de Trabalho Multidisplinar (GTM),constitudo por representantes de cinco secretarias do MTE: Secretaria de Relaes de Trabalho, SRT; Secretaria dePolticas de Emprego e Salrios, SPES; a Secretaria de Formao e Desenvolvimento Profissional, SEFOR,divulgaram a conveno n. 111 da OIT, pela promoo de eventos, produo de cartilhas e folders.50Pelos resultados de fiscalizao e de atendimentos de 2006, pode-se confirmar que os ncleos do Cear, EspritoSanto, Minas Gerais, Paran, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e So Paulo permanecem os mais ativos. Verwww.oit.org/brasilia, Cappellin, 2005.

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    O envolvimento do Ministrio do Trabalho e Emprego se completa com a criao, em agosto de 2004, daComisso Tripartite de Igualdade de Oportunidades e Tratamento de Gnero e Raa no Trabalho.

    Em sucesso temporal, a Procuradoria do MPT51, em 2002, institui uma Coordenadoria Nacional dePromoo da Igualdade de Oportunidades e Eliminao da Discriminao no Trabalho(CORDIGUALDADE).52 Em 2005, introduz o Programa de promoo da igualdade de oportunidades,lanando um plano piloto junto aos bancos do Distrito Federal53, destinado sucessivamente a serestendido a sete unidades da federao. A proposta se fundamenta na anlise da multiplicidade dasfontes e efeitos das discriminaes de gnero:

    Maior educao e classes de rendimento menores; Aumento da desigualdade salarial com o aumento do nvel de remunerao, que acaba

    influenciando inclusive os diferentes nveis de aposentadoria das mulheres e dos homens.

    Quanto s discriminaes de cor/raa: O nvel de educao no suficiente para superar a desigualdade de rendimentos; Gnero e raa se complementam para aumentar as desvantagens das mulheres negras; 1/3 dos domiclios dos 40% mais pobres no tm saneamento bsico, contra o 10% dos mais

    ricos. O acesso universidade para brancos e negros profundamente desgual.

    A proposta, formulada junto a parceiros sindicais (Conselho Executivo do Instituto Sindical Interamericanopela Igualdade Racial INSPIR; DIEESE, etc.), amplia a rede de instituies hoje envolvidas no debatedas relaes de gnero e raa (como a Associao Nacional dos Procuradores do Trabalho; aAssociao Nacional dos Magistrados Trabalhistas). Aps o levantamento das condies de admisso54,remunerao55e ascenso56do quadro funcional, realizado em parceria com IPEA e OIT, e a consulta dedados da contabilidade nacional e do MTE (RAIS), segue-se o monitoramento das empresas,interpelando-as para estabelecer metas57 capazes de eliminar as condutas de desigualdades.58 Se

    51

    O Ministrio Pblico do Trabalho/MPT um dos ramos do Ministrio Pblico da Unio. O Ministrio Pblico doTrabalho guardio da Constituio Federal e das leis. Pela Constituio, como fundamento da Repblica, difunde apromoo do bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminao. Probe a diferena de salrios, de exerccio de funes e de critrios de admisso por motivo de sexo,idade, cor ou estado civil. Em sua atuao, o MPT busca promover a igualdade de oportunidades para todos osbrasileiros, seja na admisso para o emprego, no curso do contrato ou na demisso, visando resguardar o plenoexerccio da cidadania.52O MPT, para melhor articular as aes desenvolvidas na rea, em 8 de novembro de 2002 instalou a CoordenadoriaNacional de Promoo da Igualdade de Oportunidades e Eliminao da Discriminao no Trabalho - Cordigualdade.A discriminao nas relaes de trabalho pode estar fundada na excluso ou preferncia e sempre inibir o acesso aoemprego ou alterar a igualdade de oportunidades de trabalhadores.53So cinco os maiores bancos do Distrito Federal (HSBC, Ita, Bradesco, ABN-AMRO Real e Unibanco) que soalvo de ACPs na Justia do Trabalho de Braslia,54O clculo confrontar a PEA na regio e as mulheres e os negros nas empresas com a escolaridade mnima exigida

    pela empresa.55A remunerao mdia das mulheres e dos negros deveria ser semelhante quela dos brancos homens.56Nas diretorias e chefias, a proporo deveria ser semelhante PEA negra e feminina do estado com escolaridademnima exigida pelas empresas.57 A conversa, acompanhada por representantes da Federao Nacional dos Bancos (Fenaban), deu incio aoprocesso de negociao com as instituies bancrias, com vistas a ampliar o acesso de trabalhadores de diferentesgneros e raas nos quadros de funcionrios dos bancos. No encontro, a tcnica de Planejamento e Pesquisa doInstituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), Luana Simes Pinheiro, e o assessor da PGT, Santiago FalluhVarella, expuseram as premissas e metodologias de clculos que esto sendo utilizadas pelo Ministrio Pblico doTrabalho no programa . Fonte: Conexo Sindical, 15 Novembro 2006.58Na revista Isto Dinheiro, de maro 2006, aparecem algumas notcias: Neste exato momento, procuradores doMinistrio Pblico do Trabalho preparam duas centenas de aes contra os grandes bancos privados, acusando-os dediscriminao racial. O MP est exigindo que os bancos implementem polticas afirmativas para aumentar o nmerode funcionrios afro-descendentes. Os procuradores querem que os bancos estabeleam prazos para melhorar as suasestatsticas raciais. Alegam que 43% da populao brasileira de afro-descendentes e que o percentual de

    funcionrios negros no mercado financeiro flutua entre 2% e 15%, dependendo do Estado... Temos uma culturademocrtica, no praticamos qualquer espcie de discriminao, reage Milton Matsumoto, diretor de RecursosHumanos do Bradesco. Do ponto de vista do maior banco brasileiro, que tem cerca de 13% dos seus 73 mil

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    houver resistncia para chegar a estas por tentativas extrajudiciais de erradicao, o MPT chegar aexigir pagamento de indenizaes por danos morais causados aos trabalhadores.59

    Em novembro de 2006 a Confederao Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro - Contraf,divulga um ulterior avano: a Federao Brasileira de Bancos - FENABAN - assume o compromisso deser parte ativa no Pacto pela Diversidade, comprometendo-se a realizar o Mapa da Diversidade do SetorBancrio, que ser assinado aps a realizao do Mapa que investigar trs itens essenciais: data deadmisso, ascenso profissional e remunerao. Os dados sero analisados por gnero, raa, etnia e porgerao. Os critrios sero discutidos com o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) e aexecuo ser monitorada pela Comisso de Direitos Humanos. A partir da o MPT far oacompanhamento da evoluo dos programas de diversidade, banco a banco, para verificar ocumprimento do Pacto.60

    Por caminho distintos, em 2005 a Secretaria Nacional de Polticas para as Mulheres lana nacionalmenteo programa Pr eqidade de gnero: oportunidades iguais. Respeito s diferenas. Este programa,inspirado na proposta de amparar a difuso de boas condutas entre as empresas, inaugura no Brasil umpercurso de adeso voluntria por parte de empresas pblicas61,no sentido de ajustar suas prticas de

    gesto do pessoal e orientar sua cultura organizacional em favor da eqidade. O itinerrio negociadoentre a SPM e as presidncias das empresas. Aps ter submetido a um comit as iniciativas inovadoras eassinado um temo de compromisso formal, a empresa avaliada por suas polticas de ajuste um anodepois. Se ela cumprir com as metas do plano assinado, o comit, composto por especialistas erepresentantes de instituies, outorga o SELO Pr Equidade relativo ao ano de referncia.

    Esta iniciativa acaba de completar o primeiro ano em dezembro de 2006. Nesse ano, de 16 empresaspublicas, 11 receberam o selo.

    EMPRESASque receberam o selo Pr Equidade 2006

    CEAL - COMPANHIA ENERGTICA DE ALAGOAS

    CEF CAIXA ECONMICA FEDERALCGTEE - COMPANHIA DE GERAO TRMICADE ENERGIA ELTRICA

    CEPEL CENTRO DE PESQUISAS DE ENERGIA ELTRICA

    funcionrios auto-identificados como negros ou pardos. preciso ter aes afirmativas. A sociedade tem umadvida, diz Fernando Perez, diretor de RH do Ita. Preocupado com a mesma questo, o ABN-Amro eliminou aexigncia de ingls nos testes de ingresso, porque ela barrava jovens negros no processo seletivo. Maria CristinaCarvalho, do RH do banco, diz que a orientao mudar a cultura interna e abrir espao para minorias. Vamosavanar devagar, diz ela. As empresas trabalham com metas numricas em todas as suas atividades, mas quando setrata de incluso de funcionrios negros elas se recusam. Por qu?, indaga o professor Hlio Silva, do InstitutoBrasileiro de Diversidade.59Notcias de 4/5/2005, boletim OIT: Uma ao indita do Ministrio Pblico do Trabalho ser o ponto de partida

    para combater a discriminao de gnero e raa no mercado de trabalho brasileiro. Em uma investigao sobre oquadro de pessoal dos cinco maiores bancos privados do Distrito Federal foram constatadas inmeras desigualdades.Divulgada no dia 11 de abril, a pesquisa revela que negros e mulheres ainda so minoria e sofrem muitadiscriminao. Os dados fornecidos pelas instituies financeiras foram comparados com informaes do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e do Ministrio do Trabalho.60Neste relato do pacto, a Febraban informou que no ano passado o sistema financeiro investiu mais de R$ 1 bilhoem aes sociais. Alm disso, a Federao patronal disse que cada banco tem tido diversas iniciativas, cominvestimento de recursos em diversos projetos. Segundo a entidade, os bancos esto trabalhando com duas vertentes:incentivar projetos sobre educao desde a base; dar acesso aos negros que j esto preparados para o mercado. 61 Empresa estatal" um termo genrico, no tcnico, usado para designar qualquer tipo de empresa que tenhaparticipao do Governo. As "empresas estatais" so de dois tipos e se denominam, corretamente, de: 1 - empresapblica, que se subdivide em duas categorias: 1.1 - empresa pblica unipessoal, com patrimnio prprio e capitalexclusivo da Unio; 1.2 - empresa pblica de vrios scios governamentais minoritrios, que unem seus capitais Unio, tendo esta a maioria do capital votante. Na monografia de Mrcia Carla Pereira Ribeiro, Rosngela do SocorroAlves e Gisela Dias Chede, "Gesto das empresas estatais: uma abordagem dos mecanismos societrios e

    contratuais" admite-se uma especfica caractersticas de transparncia para as empresas pblicas. A constituiobrasileira, em seu artigo 37, prev como princpios aplicveis administrao pblica juntamente com a legalidade, aimpessoalidade, moralidade e eficincia, o principio da publicidade. Ministrio de Planejamento, 2006:42

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    ELETROBRS CENTRAIS ELTRICAS BRASILEIRAS S.A.ELETRONORTE CENTRAIS ELTRICAS DO NORTE S.A.

    ELETRONUCLEAR ELETROBRS TERMONUCLEARELETROSUL CENTRAIS ELTRICAS S.A.

    FURNAS CENTRAIS ELTRICAS S.A.ITAIPU BINACIONAL

    PETROBRS PETRLEO BRASILEIRO S.A.

    CONCLUSES

    Pelos elementos evidenciados, entendemos que a dcada aqui considerada apresenta umaconfigurao complexa. As mudanas nas estruturas produtivas e a introduo de algumas normas

    jurdicas com relao ao trabalho feminino tornam mais aguda a preocupao com a consolidao daigualdade de oportunidades entre homens e mulheres nas estratgias de contratao das empresas. Por

    isso, consideramos legtimo o interesse de identificar como as empresas articulam as estratgias de suamodernizao organizacional com a recente difuso do valor cultural da igualdade de oportunidades. uma dcada que coloca em cheque a idia de que a marcha da modernizao produtiva levainevitavelmente melhoria da qualidade do emprego e igualdade de oportunidades.

    Como entra na pauta das empresas este valor? Quais mecanismos estas consideramdisponveis para ampliar e valorizar a insero profissional das mulheres, para praticar a igualdade deremunerao, para, enfim, elevar a qualidade do emprego?

    A diversidade das iniciativas mostra cinco encaminhamentos diferentes para envolver asempresas: 1) Interpelar as empresas no mago das negociaes sindicais; 2) Solicitar que elas se abram,oferecendo informaes sobre seu corpo funcional e seus investimentos sociais; 3) Lev-las a aceitar o

    monitoramento sindical em seus comportamentos e atitudes, tendo como referncia as clusulas sociaise as convenes da OIT; 4) Fiscalizar o respeito s normas em vigor; 5) Incentivar as empresas a adotarplanos anuais de ajuste de suas condutas.

    Estes procedimentos, maturados ao longo da ltima dcada, tm uma matriz comum:consideram as relaes contratuais como princpios de reciprocidade entre o trabalho desempenhado e aefetivao das garantias contratuais.

    Com esses cinco procedimentos, a interpelao poderia parecer caminhar num nico sentido,decorrente da prospectiva de generalizar as normas, forma legal e legtima de chamar a ateno dasempresas para promover a igualdade de oportunidades.

    Mas, justamente porque consideramos a dcada 1996-2006, no podemos esquecer outros

    arranjos internos aos diversificados setores empresariais. O campo de observao deve-se abrir sconfiguraes surgidas aps 1994, com as iniciativas empresariais classificveis pelo lema daResponsabilidade Social, que proporcionam investimentos sociais dirigidos incluso social e smulheres, entre outros.

    O lema brasileiro da responsabilidade social desconhece a centralidade da gesto dos recursoshumanos nas empresas. Introduz, quando consegue, a igualdade de oportunidades como fruto dediferentes acessos aos servios de assistncia dispersos no entorno das empresas. No mais a mulher-trabalhadora seu interlocutor, mas a mulher, a me de famlia, a jovem; no a portadora de direitosauferidos por sua insero no mundo do trabalho, mas simplesmente a portadora de exigncias debem-estar.

    Assim, as empresas, em seus programas de responsabilidade social, ignoram as mediaes daqualidade do emprego e tambm as instncias coletivas das organizaes que representam ostrabalhadores, para introduzir outras mediaes e dar forma a aglutinaes de interesses e de demandas.

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    Em outras palavras, nessa dcada confrontam-se termos clssicos de uma tenso: de um lado,os programas que visam introduzir a igualdade de oportunidades, encaminhada pelo modelo clssico dasrelaes sociais do welfare state. De outro, as iniciativas pulverizadas de empresas que veiculamrecursos em aes de apoio populao, seguindo modalidades bastante diferenciadas: caridadeindividual, filantropia e doaes, voluntariado corporativo, associativo e religioso.

    Como prosseguir nossa anlise? A rea de estudos leis e organizaes(law and organizations)leva a considerar as leis e normas pelos processos de sua aceitao. O termo em ingls compliancerecupera a referncia da aquiescncia, referindo-se ao latim acquiescentia. Em ingls, significa o ato deanuir, o ato que recebe a aprovao e o aceite sem protestar, mas tambm sem entusiasmo. Esta linhade estudo desenvolve a preocupao de considerar o IMPACTO das leis na sociedade,identificando osfatores que levam conformidade e/ou no aceitao, a observncia, a capacidade das leis de seenraizar nas relaes sociais, de proporcionar a adequao das prticas conforme as normas.

    Essa rea se debruou justamente na nossa problemtica. A sociloga americana LaurenEdelman, da Universidade de Wisconsin (1992),62 estudou como a legislao americana a favor doaumento das oportunidades, a favor do emprego eqitativo e das aes afirmativas, foi aceita pelas

    empresas. Em 1989, analisou mais de 346 organizaes, preocupada em compreender os processosatravs os quais as organizaes respondem s leis. Ela aponta que, nos Estados Unidos de Amrica,para perceber como as organizaes interpretam, aceitam e aplicam as leis, necessrio considerar umacomplexa malha de variveis. As leis podem conter uma linguagem vaga ou controversa; pode haver leisque regulam mais os procedimentos das organizaes e definem menos como deve ser a busca paraalcanar resultados substantivos. H tambm leis que podem proporcionar orientaes, mas que podemse demonstrar muito frgeis em seus mecanismos de aplicao, deixando muita margem para ainterpretao por parte das empresas.63Estas observaes parecem dizer que as empresas formatamsua adeso s normas tendo como fonte interpretaes que elas mesmas constroem.

    Assim, podemos confrontar diferenciadas concepes que informam as propostas. Por um lado,h uma centralidade das relaes contratuais que evidencia que:

    os sujeitos sociais que esto em jogo so as mulheres-trabalhadoras; o emprego uma relao social que proporciona interfaces, que media a reciprocidade entre

    produo e reproduo social; a interlocuo de atores coletivos - as organizaes sindicais - contribui a romper as formas

    tradicionais de representar as mulheres pela via de uma imagem essencializada, pelanaturalizao de seus papis reprodutivos, ou naturalizada pela sua cor.

    As polticas de igualdade de oportunidades podem surgir por diversos encaminhamentos,voluntrios ou no, mas estes se amparam em procedimentos institucionais de monitoramentoque envolvem instncias e fruns pblicos.

    Por outro, nessa dcada, circula nos meios empresariais uma outra interpretao quanto saes dedicadas s mulheres, inscritas no lema da responsabilidade social. Esta interpretao, prpriada empresa como instituio social autocrtica, desenha iniciativas voluntrias, discricionrias, para seusempregados e para seu entorno. Nesse contexto circulam outras concepes:

    A empresa uma instncia bastante independente, capaz de iniciativas que podem beneficiar apopulao do seu entorno e no territrio: podem ser as jovens, as mulheres, as mes, etc.

    Para as empresas, o emprego no central, mas a relao promotora de reciprocidades aincluso. Assim, as empresas podem se apresentar como fornecedoras de servios gratuitos ou

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