panorama critico 002 ensaio ismael monticelli

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Panorama Critico #02 - Ago/Set 2009 Conexões e Desconexões: A Museografia e a Arquitetura Autoral Ismael Monticelli Resumo: O presente artigo trata da análise, através do percurso do visitante, de alguns aspectos relevantes da exposição Iberê Camargo: um ensaio visual, buscando conexões e desconexões entre a museografia e a arquitetura autoral, partindo do cruzamento entre a experiência empírica do espectador e os conceitos de três importantes autores: Ángela García Blanco, Brian O’Doherty e Sonia Salcedo Del Castillo. Palavras-chave: museografia; diálogo exposição/arquitetura autoral; Fundação Iberê Camargo. Panorama Crítico | ISSN 1984-624X | Edição #02 | Agosto/Setembro 2009

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Page 1: Panorama Critico 002 Ensaio Ismael Monticelli

Panorama Critico #02 - Ago/Set 2009

Conexões e Desconexões: A Museografia e a Arquitetura Autoral Ismael Monticelli Resumo:

O presente artigo trata da análise, através do percurso do visitante, de

alguns aspectos relevantes da exposição Iberê Camargo: um ensaio visual,

buscando conexões e desconexões entre a museografia e a arquitetura autoral,

partindo do cruzamento entre a experiência empírica do espectador e os

conceitos de três importantes autores: Ángela García Blanco, Brian O’Doherty

e Sonia Salcedo Del Castillo.

Palavras-chave: museografia; diálogo exposição/arquitetura autoral; Fundação

Iberê Camargo.

Panorama Crítico | ISSN 1984-624X | Edição #02 | Agosto/Setembro 2009

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Panorama Critico #02 - Ago/Set 2009

Connections and Disconnections: the Museography and the Architecture Copyright Ismael Monticelli

Abstract:

This article attends on the analysis, through the visitor’s route, of some

aspects of the exhibition Iberê Camargo: um ensaio visual, developing

connections and disconnections between the museography and architecture

copyright, based on the empirical experience of the visitor and the concepts of

three important authors: Ángela García Blanco, Brian O’Doherty e Sonia

Salcedo Del Castillo.

Keywords: museography; dialogue exhibit/architecture copyright; Iberê

Camargo Foundation.

 

 

 

 

Panorama Crítico | ISSN 1984-624X | Edição #02 | Agosto/Setembro 2009

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Panorama Critico #02 - Ago/Set 2009

Conexões e Desconexões: A Museografia e a Arquitetura Autoral Conexões e Desconexões: A Museografia e a Arquitetura Autoral Ismael Monticelli Ismael Monticelli

  

  Porto Alegre, no ano de 2008, ganha um novo

espaço expositivo. A Fundação Iberê Camargo é a

primeira instituição museológica gaúcha projetada,

exclusivamente, para ser um museu de arte. A

importância do estabelecimento de determinada

obra arquitetônica em nosso contexto é a novíssima

problemática trazida consigo. Ela apresenta

questões pertinentes ao debate, em âmbito mundial,

relacionadas à tipologia museu na

contemporaneidade. A arquitetura, como elemento

gerador de estética, deve proporcionar às supostas

obras a condição de adequação a qualquer objeto

artístico que esteja contido em sua espacialidade.

Aqui encontramos um dos pontos de tensão do

projeto de museus. O presente artigo pretende

analisar aspectos relevantes da exposição Iberê

Camargo: um ensaio visual e, concomitantemente,

perceber a relação estabelecida com o espaço

arquitetônico, evidenciando potencialidades e

fragilidades advindas desta relação inédita e

desconhecida para a museografia local.

  Porto Alegre, no ano de 2008, ganha um novo

espaço expositivo. A Fundação Iberê Camargo é a

primeira instituição museológica gaúcha projetada,

exclusivamente, para ser um museu de arte. A

importância do estabelecimento de determinada

obra arquitetônica em nosso contexto é a novíssima

problemática trazida consigo. Ela apresenta

questões pertinentes ao debate, em âmbito mundial,

relacionadas à tipologia museu na

contemporaneidade. A arquitetura, como elemento

gerador de estética, deve proporcionar às supostas

obras a condição de adequação a qualquer objeto

artístico que esteja contido em sua espacialidade.

Aqui encontramos um dos pontos de tensão do

projeto de museus. O presente artigo pretende

analisar aspectos relevantes da exposição Iberê

Camargo: um ensaio visual e, concomitantemente,

perceber a relação estabelecida com o espaço

arquitetônico, evidenciando potencialidades e

fragilidades advindas desta relação inédita e

desconhecida para a museografia local.

Imagem 1: Exploração do percurso como leitmotiv projetual.                                         Fonte: Eduardo Nasi 

O prédio da instituição foi projetado pelo

arquiteto português Álvaro Siza, que é destaque

dentro do panorama arquitetônico atual. Utiliza para

a criação do museu, como leitmotiv projetual, a

exploração do percurso da exposição (imagem 1). A

diretriz utilizada não é inédita na história da

arquitetura dos Museus. É inevitável que surja a

comparação de diversos críticos e teóricos com a

O prédio da instituição foi projetado pelo

arquiteto português Álvaro Siza, que é destaque

dentro do panorama arquitetônico atual. Utiliza para

a criação do museu, como leitmotiv projetual, a

exploração do percurso da exposição (imagem 1). A

diretriz utilizada não é inédita na história da

arquitetura dos Museus. É inevitável que surja a

comparação de diversos críticos e teóricos com a

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edificação emblemática, sugerida por Frank Lloyd

Wright, para o Museu Guggenheim de Nova York

(1959). Ambas as propostas tem a circulação como

elemento definidor da forma e da função de seus

espaços museais, porém, com formas de articulação

diferentes. Enquanto o Museu de Nova York é

tratado como espaço ininterrupto e único1 (imagem

2), a Fundação Iberê Camargo faz um cruzamento

entre o espaço expositivo do cubo branco2 e a obra

autoral de Wright, rompendo com a continuidade e

homogeneidade salientada por Sonia Salcedo.

Álvaro Siza, oriundo de uma tradição arquitetônica

autoral, faz uso de uma linguagem estética pessoal,

facilmente identificável em um conjunto vasto de

obras de sua autoria (imagem 3), salientando a

dimensão escultórica que seu método de projetar

acaba por adquirir.

Imagem 2: Museu Guggenheim de Nova York – Tratamento como espaço ininterrupto e único.                                  Fonte: www.educatorium.com 

Imagem 3: Fundação Serralves, Portugal – Incidência de similar vocabulário formal arquitetônico.            Fonte: gesbanha.blogs.sapo.pt 

A exposição Iberê Camargo: um ensaio visual

tem como curadora a argentina María José Herrera,

que é proponente de um enfoque curatorial que está

centrado na coerência interna do percurso artístico

do artista – a originalidade da obra, resistindo a um

contexto histórico marcado pelo abstracionismo

concretista e pelo conceitualismo3. Ela, juntamente

com a museógrafa Germana Konrath, sugerem um

zoneamento expositivo pertinente ao discurso da

curadoria:

1 Sonia Salcedo del Castillo em Cenário da Arquitetura da Arte (São Paulo, Martins Fontes, 2008), p.267. 2 Ver No interior do Cubo Branco, Brian O’Doherty (São Paulo, Martins Fontes, 2007). 3 Ver catálogo e folder da exposição Iberê Camargo: um ensaio visual (Porto Alegre, Fundação Iberê Camargo, 2009).

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• Quarto pavimento: O olhar para as formas

– enfoque sobre o caminho do artista até a

abstração;

• Quarto pavimento: O olhar para as formas

– enfoque sobre o caminho do artista até a

abstração;

• Terceiro pavimento: O olhar para o

homem: retratos no tempo – apresenta

uma série de auto-retratos registrando a

passagem do tempo e,

concomitantemente, a evolução estilística

da pintura do artista;

• Terceiro pavimento: O olhar para o

homem: retratos no tempo – apresenta

uma série de auto-retratos registrando a

passagem do tempo e,

concomitantemente, a evolução estilística

da pintura do artista;

• Segundo pavimento: O olhar para a

natureza: a paisagem – enfoque nos

desenhos da década de 1940, que

prenunciam as formas compositivas e

expressivas da obra madura, e o retorno

da paisagem no fim da década de 1980

carregadas de desolação;

• Segundo pavimento: O olhar para a

natureza: a paisagem – enfoque nos

desenhos da década de 1940, que

prenunciam as formas compositivas e

expressivas da obra madura, e o retorno

da paisagem no fim da década de 1980

carregadas de desolação;

• Primeiro pavimento: conclusão do

percurso da exposição.

• Primeiro pavimento: conclusão do

percurso da exposição.

O circuito expositivo inicia no primeiro

pavimento (imagem 4), onde se localiza o acesso à

Fundação. Ao passar pelas portas de vidro,

visualizamos imediatamente o átrio (imagem 5), que

força um olhar ascensional do espectador, devido à

monumentalidade, imponência e forma interna do

espaço museal. Podemos constatar a relação

poderosa estabelecida entre o vazio da forma

interna, que evoca a dramaticidade, e a reação do

visitante, que é submetido inconscientemente à

necessidade de compreender o vazio. À direita

percebemos o início da passarela, que permeia toda

a forma interna/externa. Há a existência de um

sinalizador de percurso junto dela (imagem 6),

O circuito expositivo inicia no primeiro

pavimento (imagem 4), onde se localiza o acesso à

Fundação. Ao passar pelas portas de vidro,

visualizamos imediatamente o átrio (imagem 5), que

força um olhar ascensional do espectador, devido à

monumentalidade, imponência e forma interna do

espaço museal. Podemos constatar a relação

poderosa estabelecida entre o vazio da forma

interna, que evoca a dramaticidade, e a reação do

visitante, que é submetido inconscientemente à

necessidade de compreender o vazio. À direita

percebemos o início da passarela, que permeia toda

a forma interna/externa. Há a existência de um

sinalizador de percurso junto dela (imagem 6),

Imagem 4: Planta Baixa – 1° Pavimento. Fonte: arquivo pessoal 

Imagem 5: Átrio força olhar ascensional.                         Fonte: arquivo pessoa 

Imagem 6: Sinalizador de percurso.        Fonte: arquivo pessoal 

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indicando o começo do circuito pelo elevador. O

projeto, originalmente, não contava com a anexação

deste tipo de elemento, apostando na dimensão

utópica da compreensão do espaço arquitetônico

empiricamente, sem a necessidade de sinalização

visual para o percurso. Aqui demonstramos,

pontualmente, a distância entre a teoria conceitual

do projeto e a prática, efetivamente. Essa dimensão

utópica implica na capacidade de entendimento

natural do leigo sobre o percurso do museu: primeiro

pavimento, quarto pavimento, terceiro pavimento,

segundo pavimento e, fechando o circuito, primeiro

pavimento. Notavelmente, mostrou-se necessário

gerar sinalizadores que salientem o percurso correto

da exposição.

indicando o começo do circuito pelo elevador. O

projeto, originalmente, não contava com a anexação

deste tipo de elemento, apostando na dimensão

utópica da compreensão do espaço arquitetônico

empiricamente, sem a necessidade de sinalização

visual para o percurso. Aqui demonstramos,

pontualmente, a distância entre a teoria conceitual

do projeto e a prática, efetivamente. Essa dimensão

utópica implica na capacidade de entendimento

natural do leigo sobre o percurso do museu: primeiro

pavimento, quarto pavimento, terceiro pavimento,

segundo pavimento e, fechando o circuito, primeiro

pavimento. Notavelmente, mostrou-se necessário

gerar sinalizadores que salientem o percurso correto

da exposição.

Imagem 7: Planta Baixa – 4º Pavimento. Fonte: arquivo pessoal 

Prosseguindo com a visita, já no quarto

pavimento (imagem 7), ao sair do elevador,

visualizamos a apresentação da exposição com o

título e o texto da curadora. Na sala ao lado,

encontramos a última obra pintada por Iberê

Camargo, que parece apresentar pictoricamente a

exposição. Acompanhada dela, está a etiqueta

agrupada com um texto do artista e um texto que

contextualiza temporalmente a pintura,

demonstrando a fórmula comunicativa que será

constante dentro da exposição. Este processo de

comunicação caracteriza a exposição como

pedagógica, orientando-se pela transmissão do

saber, dirigida, portanto, ao fazer compreender o

conhecimento que se pretende transmitir por meio

de textos escritos (contextualização cronológica) ou

Prosseguindo com a visita, já no quarto

pavimento (imagem 7), ao sair do elevador,

visualizamos a apresentação da exposição com o

título e o texto da curadora. Na sala ao lado,

encontramos a última obra pintada por Iberê

Camargo, que parece apresentar pictoricamente a

exposição. Acompanhada dela, está a etiqueta

agrupada com um texto do artista e um texto que

contextualiza temporalmente a pintura,

demonstrando a fórmula comunicativa que será

constante dentro da exposição. Este processo de

comunicação caracteriza a exposição como

pedagógica, orientando-se pela transmissão do

saber, dirigida, portanto, ao fazer compreender o

conhecimento que se pretende transmitir por meio

de textos escritos (contextualização cronológica) ou

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interpretativos (frases subjetivas do artista)4. Uma

exposição de arte, como outra de qualquer gênero,

possui intenção estética. Desta forma, verificamos o

cruzamento do conceito pedagógico com o

estético/contemplativo:

Seria mais bem chamada de “contemplativa”, pois todas as atuações expositivas são dirigidas a favorecer a contemplação, sendo esta a única resposta possível quando não se entende o valor ou significado do que se vê e não existe meio para entendê-lo. A mesma atitude contemplativa pode ser provocada em uma exposição de conteúdo artístico ou científico, cujo significado é conhecido somente por iniciados ou conhecedores.5

Imagem 8: Recurso museográfico –diálogo com a pré‐existência.                Fonte: arquivo pessoal 

Imagem 9: Deslocamento imaginário do preenchimento da porta – diálogo com a pré‐existência. Fonte: arquivo pessoal A apresentação do setor O olhar para as

formas (imagem 8), demonstra o recurso

museográfico que é utilizado ao longo do trajeto

expositivo. Quando vislumbramos o vão da porta,

percebemos uma parede que, a priori, atua como

barreira visual, impedindo que vejamos, de imediato,

o conteúdo da sala. Porém, ao atravessá-lo,

percebemos a intencionalidade museográfica do

gesto: a barreira criada é resultado de um

deslocamento imaginário do preenchimento da

porta, que é salientado pela presença de cor no vão,

evidenciando a “parte recortada” (imagem 9 e 10).

Tal atitude demonstra a preocupação em relacionar

o elemento puramente museográfico com a

arquitetura pré-existente na tentativa de promover

um diálogo, que não esteja pautado no contraste,

Imagem 10: Deslocamento imaginário do preenchimento da porta – diálogo com a pré‐existência. Fonte: arquivo pessoal 

4 Ángela García Blanco em La Exposición, un medio de comunicación (Madrid, Ediciones Akal, 1999), p. 63. 5 Ibid., p.64

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nem no conflito com a linguagem estética da

edificação, além de despertar certa “curiosidade” no

visitante, que não vê o conteúdo da próxima sala de

maneira imediata. Percebe-se a eficiente costura

estabelecida entre o elemento e o espaço, explicada

pelo surgimento de uma nova significação, que se

baseia em uma “intervenção escultórica”.

nem no conflito com a linguagem estética da

edificação, além de despertar certa “curiosidade” no

visitante, que não vê o conteúdo da próxima sala de

maneira imediata. Percebe-se a eficiente costura

estabelecida entre o elemento e o espaço, explicada

pelo surgimento de uma nova significação, que se

baseia em uma “intervenção escultórica”.

Imagem 11: Filete – impressão equivocada de linha do tempo.         Fonte: arquivo pessoal 

Essa zona da exposição possui uma série de

fotografias relacionadas à biografia de Iberê

Camargo, alguns textos e obras que pretendem

distinguir a trajetória da investigação pictórica do

artista, que parte da figuração para a abstração em

uma direção coesa. Constatamos a existência de um

filete branco, levemente inclinado, colado junto à

parede, elemento que faz a ligação tanto das

fotografias, quanto das obras. A primeira impressão

fornecida é da criação de uma linha de tempo

(imagem 11), que é dissolvida quando percebemos

que a ordem de disposição dos elementos não é

cronológica. Essa linha é, simplesmente, utilizada

como recurso de composição da museografia,

restringindo-se ao objetivo puramente estético.

Claramente, na parte em que as fotografias estão

locadas, existe a necessidade de algum elemento

que as ligue. Porém, no momento em que o filete

levemente inclinado atravessa as obras, transforma-

se em um recurso conflitante com apreciação das

mesmas (imagem 12). A inclinação confere a

desestabilização da noção de paralelismo com as

arestas das paredes e, consequentemente,

estabelece a ilusão de que as obras estão mal

posicionadas. Apesar de possuir cor branca, o

elemento detém força dentro da disposição espacial

Essa zona da exposição possui uma série de

fotografias relacionadas à biografia de Iberê

Camargo, alguns textos e obras que pretendem

distinguir a trajetória da investigação pictórica do

artista, que parte da figuração para a abstração em

uma direção coesa. Constatamos a existência de um

filete branco, levemente inclinado, colado junto à

parede, elemento que faz a ligação tanto das

fotografias, quanto das obras. A primeira impressão

fornecida é da criação de uma linha de tempo

(imagem 11), que é dissolvida quando percebemos

que a ordem de disposição dos elementos não é

cronológica. Essa linha é, simplesmente, utilizada

como recurso de composição da museografia,

restringindo-se ao objetivo puramente estético.

Claramente, na parte em que as fotografias estão

locadas, existe a necessidade de algum elemento

que as ligue. Porém, no momento em que o filete

levemente inclinado atravessa as obras, transforma-

se em um recurso conflitante com apreciação das

mesmas (imagem 12). A inclinação confere a

desestabilização da noção de paralelismo com as

arestas das paredes e, consequentemente,

estabelece a ilusão de que as obras estão mal

posicionadas. Apesar de possuir cor branca, o

elemento detém força dentro da disposição espacial

Imagem12: Filete – Conflito estabelecido com as obras.                         Fonte: arquivo pessoal 

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e interfere diretamente no conteúdo das pinturas. Ao

olhá-las, nosso raio de visão inevitavelmente

escorrega para fora das dimensões da moldura,

sendo conduzida até o filete de papel6.

e interfere diretamente no conteúdo das pinturas. Ao

olhá-las, nosso raio de visão inevitavelmente

escorrega para fora das dimensões da moldura,

sendo conduzida até o filete de papel6.

Ao concluirmos esse trecho, que mantêm

mesma linguagem expositiva, percebemos uma nova

dimensão estabelecida entre a exposição e a

arquitetura do museu. O amplo raio de visualização,

que é explorado pelo arquiteto como diretriz

projetual, permite que tenhamos uma captação geral

do que acontece em, praticamente, todo andar. Este

fato contribui para que desmistifiquemos a imagem

obtida ao deambular pelo espaço. A impressão, que

estava centrada na organização espacial, dá lugar à

estética do excesso de elementos e informações, à

poluição visual, ao caos e ao conflito em detrimento

ao espaço. Desta forma, a amplitude visual não

favorece a exposição e salienta a relação frágil entre

ela e a arquitetura interna do edifício (imagem 13).

Ao concluirmos esse trecho, que mantêm

mesma linguagem expositiva, percebemos uma nova

dimensão estabelecida entre a exposição e a

arquitetura do museu. O amplo raio de visualização,

que é explorado pelo arquiteto como diretriz

projetual, permite que tenhamos uma captação geral

do que acontece em, praticamente, todo andar. Este

fato contribui para que desmistifiquemos a imagem

obtida ao deambular pelo espaço. A impressão, que

estava centrada na organização espacial, dá lugar à

estética do excesso de elementos e informações, à

poluição visual, ao caos e ao conflito em detrimento

ao espaço. Desta forma, a amplitude visual não

favorece a exposição e salienta a relação frágil entre

ela e a arquitetura interna do edifício (imagem 13).

Imagem 13: Conflito entre exposição e arquitetura.                                             Fonte: arquivo pessoal 

O conflito em relação à linguagem do prédio e

da exposição é justificado pela presença de uma

relevante estética arquitetônica, que é a

problemática implícita a toda arquitetura de cunho

autoral. Constatamos, efetivamente, visualizando o

acontecido no quarto pavimento (imagem 14), fato

recorrente ao longo do circuito, a concomitância de

O conflito em relação à linguagem do prédio e

da exposição é justificado pela presença de uma

relevante estética arquitetônica, que é a

problemática implícita a toda arquitetura de cunho

autoral. Constatamos, efetivamente, visualizando o

acontecido no quarto pavimento (imagem 14), fato

recorrente ao longo do circuito, a concomitância de

Imagem 14: incidência de três linguagens estéticas – arquitetura, obra de arte e a exposição.                                       Fonte: arquivo pessoal 

6 Ver capítulo Notas sobre o espaço da galeria em No interior do Cubo Branco, Brian O’Doherty (São Paulo, Martins Fontes, 2007).

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três estéticas distintas e o seu difícil casamento: a

linguagem pictórica do artista, expressada nas obras

expostas, a linguagem museográfica, representada

pelos recursos expositivos, e a linguagem

arquitetônica do prédio.

Dentre essas três recorrências, a única que

não possui caráter de mobilidade e transição é a

arquitetura, que não pode ser remodelada, movida,

re-configurada com facilidade, e é, deste modo, uma

criação concebida para a “eternidade”, ganhando

estatuto de obra de arte desvinculada daquelas que

irá comportar. Essa relação dicotômica e paradoxal

de uma escultura/objeto de arte, em escala

monumental, que abriga arte, faz ressonar o

questionamento: “o arquiteto deve conceber o

museu como uma obra de arte independente

daquelas que ele contém ou como uma simples

‘máquina’ para expor objetos?” 7.

O questionamento gerado por Hautecoeur é

respondido por ele próprio, quando explicita a

imagem que o museu deve transmitir ao visitante:

O espectador deve ter a percepção de uma ordem e harmonia no espaço do museu e que estes não são para dar ao arquiteto a oportunidade de projetar o belo reconstituído, mas para dar valor às obras de arte e evitar a fadiga psíquica e intelectual do visitante.8

Esta crítica a arquitetura da Fundação Iberê

Camargo é justificada pela incidência recorrente de

arquiteturas similares a ela na contemporaneidade,

7 Louis Hautecoeur apud Castillo, 2008:260. 8 Louis Hautecoeur apud Castillo, 2008:263.

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em que constatamos um adormecimento do aspecto

funcional, uma exaltação da forma estética e um

esmaecimento da energia empregada em solucionar

aspectos pertinentes as exigências de um espaço

destinado à exposição de arte.

em que constatamos um adormecimento do aspecto

funcional, uma exaltação da forma estética e um

esmaecimento da energia empregada em solucionar

aspectos pertinentes as exigências de um espaço

destinado à exposição de arte.

Dando continuidade ao trajeto de visitação, a

saída do quarto pavimento é marcada pela entrada

na passarela, espaço de transição entre um andar e

outro (imagem 15). Ao vagar por ela, percebemos a

rica variação de iluminação e de amplitude espacial,

conferindo nitidamente à arquitetura a capacidade

de despertar sensações. Ao passar pelas aberturas

voltadas para a paisagem externa, percebem-se

incisões estratégicas da curadoria e da museografia.

Junto às janelas, encontram-se frases do artista, de

caráter extremamente subjetivo, adesivadas

(imagem 16 e 17), que propõem estabelecer

relações entre o entorno, enquadrado pela abertura

como uma paisagem pintada em um bastidor, e a

obra de Iberê Camargo. Esta atitude induz o

expectador, inevitavelmente, a uma pausa para

reflexão sobre as relações contemplativas propostas.

Tal atitude mostra-se bem aplicada por sua

comunicabilidade eficiente e sua excelente inserção

em uma região que, pontualmente, propicia a

introspecção. Sob o ângulo curatorial, percebe-se

neste gesto a perpetuação do enfoque dado pela

proposta, que corresponde à tentativa de humanizar

e amenizar a imagem de Iberê Camargo, detentor de

uma obra pessimista e “carregada”.

Dando continuidade ao trajeto de visitação, a

saída do quarto pavimento é marcada pela entrada

na passarela, espaço de transição entre um andar e

outro (imagem 15). Ao vagar por ela, percebemos a

rica variação de iluminação e de amplitude espacial,

conferindo nitidamente à arquitetura a capacidade

de despertar sensações. Ao passar pelas aberturas

voltadas para a paisagem externa, percebem-se

incisões estratégicas da curadoria e da museografia.

Junto às janelas, encontram-se frases do artista, de

caráter extremamente subjetivo, adesivadas

(imagem 16 e 17), que propõem estabelecer

relações entre o entorno, enquadrado pela abertura

como uma paisagem pintada em um bastidor, e a

obra de Iberê Camargo. Esta atitude induz o

expectador, inevitavelmente, a uma pausa para

reflexão sobre as relações contemplativas propostas.

Tal atitude mostra-se bem aplicada por sua

comunicabilidade eficiente e sua excelente inserção

em uma região que, pontualmente, propicia a

introspecção. Sob o ângulo curatorial, percebe-se

neste gesto a perpetuação do enfoque dado pela

proposta, que corresponde à tentativa de humanizar

e amenizar a imagem de Iberê Camargo, detentor de

uma obra pessimista e “carregada”.

Chegando ao 3º pavimento (imagem 18),

ainda na passarela, percebemos um dos pontos

Chegando ao 3º pavimento (imagem 18),

ainda na passarela, percebemos um dos pontos

Imagem 15: Passarelas – elementos de articulação entre um pavimento e outro. Fonte: arquivo pessoal 

Imagem 16: Incisão da curadoria: janelas e frases adesivadas.                Fonte: arquivo pessoal 

Imagem 17: Incisão da curadoria: janelas e frases adesivadas                  Fonte: arquivo pessoal.  

Imagem 18: Planta Baixa – 3º Pavimento.  Fonte: arquivo pessoal 

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mais críticos da exposição. A parede que

vislumbramos possui obras de pequenas dimensões

(imagem 19), estabelecendo uma relação conflitante

com o espaço em que estão dispostas. Isto é

constatado através da visual panorâmica que é

obtida em determinado ponto. É, sem dúvida, o

momento do circuito onde conseguimos ver o que

acontece em, praticamente, todos os andares. Para

compreender este ponto crítico, utilizaremos o

conceito de contemplação e distração, definido por

Sônia Salcedo:

mais críticos da exposição. A parede que

vislumbramos possui obras de pequenas dimensões

(imagem 19), estabelecendo uma relação conflitante

com o espaço em que estão dispostas. Isto é

constatado através da visual panorâmica que é

obtida em determinado ponto. É, sem dúvida, o

momento do circuito onde conseguimos ver o que

acontece em, praticamente, todos os andares. Para

compreender este ponto crítico, utilizaremos o

conceito de contemplação e distração, definido por

Sônia Salcedo:

Imagem 19: Obras de pequenas dimensões em ponto crítico.                 Fonte: arquivo pessoal 

(...) a expografia possui duas teses opostas relacionadas à concepção espacial, sobretudo em função daquilo a que a mesma se propõe: a que tende a concentrar a atenção do espectador sobre os objetos expostos, eliminando todas as interferências espaciais possíveis; e a que, antagonicamente, propõe-se a acrescentar elementos informativos, em especial os decorativos e os documentais, conforme as características dos elementos expostos.

(...) a expografia possui duas teses opostas relacionadas à concepção espacial, sobretudo em função daquilo a que a mesma se propõe: a que tende a concentrar a atenção do espectador sobre os objetos expostos, eliminando todas as interferências espaciais possíveis; e a que, antagonicamente, propõe-se a acrescentar elementos informativos, em especial os decorativos e os documentais, conforme as características dos elementos expostos.

Consequentemente, no curso da sequência espaço-temporal da forma arquitetônica que ocupa a mostra, duas respostas expressam-se, reciprocamente, na atitude do espectador: ou ele responde de modo passivo, devido às possíveis mensagens emitidas pelos objetos expostos, ou participa ativamente, diante de possíveis mensagens ulteriores aos objetos expostos.

Consequentemente, no curso da sequência espaço-temporal da forma arquitetônica que ocupa a mostra, duas respostas expressam-se, reciprocamente, na atitude do espectador: ou ele responde de modo passivo, devido às possíveis mensagens emitidas pelos objetos expostos, ou participa ativamente, diante de possíveis mensagens ulteriores aos objetos expostos.

Correlacionadas à tese anterior, no espaço tempo inscrito na forma arquitetônica interna dos museus, assim como em todas as exposições, convivem duas atitudes opostas, expressando a resposta do

Correlacionadas à tese anterior, no espaço tempo inscrito na forma arquitetônica interna dos museus, assim como em todas as exposições, convivem duas atitudes opostas, expressando a resposta do

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espectador a esse espaço: a contemplação e a distração.9

No momento em que locamos obras de pequeno

porte em uma região que possui elevado raio de

amplitude visual, onde é possível ver,

concomitantemente, as obras, os textos, as

fotografias e os recursos museográficos, agregando

a estética arquitetônica ao somatório, constatamos

uma gama grande de informações veiculadas para o

visitante. Consequentemente, esse excesso de

elementos visualizados ao mesmo tempo conduz à

dispersão e faz com que as pinturas desta parede

fiquem entre o limiar de estarem expostas e do

“enfeite”. Comparando com a primeira exposição

realizada na instituição, Iberê Camargo: Moderno no

Limite, realizada em Agosto de 2008, percebíamos

que o vínculo estabelecido entre o espaço e as

obras estava mais adequado (imagem 20), na

medida em que o conjunto de pinturas possuía maior

dimensão, demonstrando estar mais disposto a

impor-se diante do amplo raio visual. Além disso,

possibilitava a apreciação estética à distância,

recurso restrito na exposição atual, que dispôs

pequenos auto-retratos, exigindo aproximação do

espectador para visualização dos mesmos.

Imagem 20: Iberê Camargo: Moderno no Limite.                                                     Fonte: Eduardo Nasi 

Imagem 21: Incisão curatorial – relação literal das obras com enfoque da janela. Fonte: arquivo pessoal 

A partir do terceiro andar, os recursos

museográfico permanecem os mesmos até o

fechamento do circuito de visitação, onde podemos

observar a supressão do filete branco levemente

inclinado, elemento característico do quarto

pavimento. Podemos destacar uma inserção pontual

9 Sonia Salcedo del Castillo em Cenário da Arquitetura da Arte (São Paulo, Martins Fontes, 2008), p.271.

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relevante da curadoria no segundo andar, onde é

utilizada uma das aberturas para estabelecer relação

direta com duas pinturas do setor um olhar para a

natureza: a paisagem (imagem 21). Apesar da

associação literal, a relação só não é mais eficiente

pela disposição desequilibrada realizada somente

com dois quadros, onde seria necessário certo

número que pudesse compor melhor com a

dimensão da janela.

Percebendo o panorama da exposição,

constatamos o objetivo de percorrer uma linha do

tempo da vida do artista Iberê Camargo em sentindo

contrário, demonstrando nitidamente que o conceito

de Ángela Blanco sobre a Museologia da Idéia

encaixar-se-ia perfeitamente nesta concepção

curatorial: conceitualiza o conjunto de pinturas como

portador de informação, como signo representativo e

como suporte de significados referenciais. As obras

são portadoras de idéias, de conceitos, que vão

construindo o conteúdo conceitual da exposição e

são dispostas de modo que esse discurso,

efetivamente, seja transmitido10.

Pudemos identificar, ao longo deste artigo,

algumas questões frágeis encontradas no

relacionamento da arquitetura da Fundação Iberê

Camargo e o diálogo estabelecido com a exposição.

Há situações em que se percebe uma interessante

comunicação com o espaço. Porém, existem pontos

que expressam a vulnerabilidade da proposta

museográfica em detrimento ao lugar. Porto Alegre,

10 Ángela García Blanco em La Exposición, un medio de comunicación (Madrid, Ediciones Akal, 1999), p. 60-61.

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ao receber um museu projetado exclusivamente para

tal fim, supunha estar diante do espaço expositivo

ideal. No entanto, constatamos, na prática, uma

arquitetura de cunho autoral que traz uma série de

novos condicionantes museográficos, novas

restrições espaciais, falta de maleabilidade e um

conjunto de novas relações estéticas desconhecidas

pela comunidade. Qualquer interferência que o

museógrafo pretenda fazer deverá ser muito bem

planejada e bem elaborada, levando em conta a

difícil missão de criar um diálogo entre linguagens

portadoras de diferentes mensagens: a obra de arte,

a arquitetura e a exposição.

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Referências Bibliográficas

BLANCO, Ángela García. La exposición, un medio de comunicación.

Madrid: Ediciones Akal, 1999.

CANAL, José Luiz; FIGUEIRA, Jorge; SEGRE, Roberto; FRAMPTON, Kenneth;

KIEFER, Flávio. Fundação Iberê Camargo - Álvaro Siza. São Paulo: Cosac

Naify, 2008.

CASTILLO, Sonia Salcedo Del. Cenário da arquitetura da arte. São Paulo:

Martins Fontes, 2008.

HERRERA, Maria José. Iberê Camargo: um ensaio visual. Catálogo. Porto

Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2009.

O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Sobre o Autor

Ismael Monticelli é acadêmico do curso de bacharelado em Artes visuais da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – e acadêmico do curso

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –

UNISINOS. Atua, também, como bolsista de extensão na Galeria da

Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS.