paniculite pancreÁtica associada a neoplasia do...

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Ana Santos Arriscado Palhares Delgado PANICULITE PANCREÁTICA ASSOCIADA A NEOPLASIA DO PÂNCREAS Estudo de Um Caso e Revisão da Literatura Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior para obtenção do grau de Mestre em Medicina Orientador: Profª. Drª. Isabel Cristina de Albuquerque Epifânio da Franca Professora Auxiliar da Universidade da Beira Interior Covilhã Junho 2009

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  • Ana Santos Arriscado Palhares Delgado

    PANICULITE PANCRETICA ASSOCIADA

    A NEOPLASIA DO PNCREAS

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    Dissertao apresentada Faculdade de Cincias da Sade

    da Universidade da Beira Interior para obteno do grau de

    Mestre em Medicina

    Orientador: Prof. Dr. Isabel Cristina de Albuquerque Epifnio da Franca

    Professora Auxiliar da Universidade da Beira Interior

    Covilh Junho 2009

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    i

    DEDICATRIA

    minha Me, ao meu Pai e Irmo a quem devo tudo. Pelo apoio constante que

    me deram nestes anos e por toda a fora que me transmitem.

    Aos meus Avs por estarem presentes em tudo o que fao, pela motivao e

    carinho.

    Ao Filipe, por acreditar em mim. Por me ajudar nos momentos mais difceis,

    pela compreenso e incentivo incondicional.

    minha amiga Maria da Paz, fiel companheira de estudo, por toda a amizade e

    pela disponibilidade constante nos momentos menos bons.

    Lai e Gonalo, que me acompanharam estes anos na Covilh, pela amizade e

    tranquilidade transmitida nas alturas mais difceis.

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    ii

    AGRADECIMENTOS

    Um agradecimento muito especial Prof. Dr. Isabel da Franca, por ter aceite

    a orientao deste trabalho. Por me incutir o interesse pela Dermatologia, por todo

    o empenho e dedicao, pela amizade, pelos ensinamentos, e, acima de tudo, pela

    exigncia.

    Agradeo ao Dr. Carlos Monteiro, Assistente Hospitalar do Servio de

    Dermatologia da Unidade de Sade Local da Guarda, responsvel pela investigao

    clnica e diagnstico do caso apresentado, por me fornecer todo o material

    necessrio para a elaborao do caso clnico deste trabalho.

    Ao Prof. Dr. Miguel Castelo Branco, por transmitir um estmulo constante na

    aquisio de novos conhecimentos, pela disponibilidade e pelos ensinamentos.

    Dr. Rosa Saraiva bibliotecria no CHCB, pela ajuda preciosa na

    disponibilizao dos artigos solicitados.

    Ao Departamento de Informtica da FCS, pela grande ajuda, sem a qual no

    seria possvel finalizar este trabalho.

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    iii

    Todas as verdades so fceis de

    perceber depois de terem sido

    descobertas, o problema descobri-las.

    Galileo Galilei

    1564-1642

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    iv

    NDICE

    RESUMO ....................................................................................................................................... vii

    ABSTRACT ................................................................................................................................... viii

    Captulo 1...................................................................................................................................... 1

    1.1. INTRODUO .................................................................................................................... 2

    1.2. MTODOS ......................................................................................................................... 4

    1.3. OBJECTIVOS GERAIS E ESPECFICOS .............................................................................. 5

    1.3.1. Objectivo Geral.......................................................................................................... 5

    1.3.2. Objectivos Especficos .............................................................................................. 5

    Captulo 2...................................................................................................................................... 6

    2.1. PANICULITES ..................................................................................................................... 7

    2.1.1. Definio ................................................................................................................... 8

    2.1.2. O Tecido Adiposo ...................................................................................................... 8

    2.1.3. Necrose Gorda ........................................................................................................14

    2.2. PANICULITE PANCRETICA ............................................................................................18

    2.2.1. Noes gerais .........................................................................................................18

    2.2.2. Epidemiologia .........................................................................................................20

    2.2.3. Etiologia ...................................................................................................................21

    2.2.4. Patogenia ................................................................................................................23

    2.2.5. Diagnstico .............................................................................................................30

    2.2.6. Diagnstico Diferencial ..........................................................................................35

    2.2.7. Tratamento..............................................................................................................46

    2.2.8. Prognstico .............................................................................................................50

    Captulo 3....................................................................................................................................52

    3.1. DESCRIO DO CASO CLNICO ......................................................................................53

    Captulo 4....................................................................................................................................62

    4.1. DISCUSSO .....................................................................................................................63

    4.2. CONCLUSO ....................................................................................................................69

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................71

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1: Tecidos constituintes da pele,

    http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/images/che/pele2.jpg ................ 9

    Figura 2: Estrutura da hipoderme, (5) ........................................................................... 11

    Figura 3: Paniculite septal, (5) ....................................................................................... 12

    Figura 4: Paniculite lobular, (5) ...................................................................................... 13

    Figura 5: Ndulos eritematosos na paniculite pancretica, (6) .................................. 18

    Figura 6: Ndulos ulcerados e a drenar substncia oleosa, (6) .................................. 19

    Figura 7: Ndulos ulcerados na paniculite pancretica, (6) ........................................ 19

    Figura 8: Ndulos inflamatrios no EN,

    http://dermis.net/dermisroot/en/30437/diagnose.htm .......................................... 37

    Figura 9: Ndulos subcutneos na paniculite lpica, ................................................. 38

    Figura 10: Ndulos na regio gltea, na doena Weber Christian (Pfeiffer Weber

    Christian), elrincondelamedicinainterna.blogspot.com .............................................. 40

    Figura 11: Leses ulceradas e hemorrgicas na paniculite histioctica citofgica, (6)

    ........................................................................................................................................ 41

    Figura 12: Livedo reticular na poliarterite nodosa, (12) ............................................... 42

    Figura 13: Leses cutneas ulceradas caractersticas de vasculite sitmica, ......... 43

    Figura 14: Mltiplas mculas e ppulas na granulomatose de Wegener,(6) ............. 44

    Figura 15: Tromboflebite das veias superficiais, (6) .................................................... 45

    Figura 16: Doente com ndulos subcutneos eritematosos no membro inferior no

    dia 10/05/05, Gentilmente cedido pelo Dr. Carlos Monteiro, CHCB ...................... 54

    Figura 17: Ndulos de paniculite pancretica aps tratamento com Indometacina,

    ........................................................................................................................................ 55

    file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986752file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986752file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986753file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986754file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986755file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986756file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986757file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986758file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986759file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986759file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986760file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986761file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986761file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986762file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986762file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986763file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986764file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986765file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986766file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986767file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986767file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986768file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986768

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1: Classificao das Paniculites. ...................................................................... 17

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Universidade da Beira Interior

    RESUMO

    Dissertao de mestrado

    Mestrado Integrado em Medicina

    PANICULITE PANCRETICA ASSOCIADA A NEOPLASIA DO PNCREAS

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    A paniculite pancretica uma dermatose pouco frequente, caracterizada por

    necrose gorda subcutnea como um fenmeno distncia no contexto de doena

    do pncreas, e que pode constituir o primeiro indcio desta patologia. Contudo, esta

    afeco cutnea mantm-se como uma complicao pouco comum de doena

    pancretica, nomeadamente de neoplasia e de pancreatite.

    A classificao das paniculites baseia-se na localizao do infiltrado

    inflamatrio, que, no caso da paniculite pancretica, predomina nos lbulos de

    gordura da hipoderme.

    Como a neoplasia do pncreas frequentemente assintomtica, mandatrio

    investigar qualquer suspeita de doena pancretica na presena de ndulos

    subcutneos dos membros inferiores, eritematosos, dolorosos, principalmente

    quando surgem associados a antecedentes de queixas digestivas.

    O presente trabalho tem como objectivo apresentar um caso de carcinoma

    pancretico associado a ndulos subcutneos dos membros inferiores, cujo exame

    histopatolgico evidenciou tratar-se de paniculite com necrose gorda. Pretende-se

    assim, atravs de uma reviso actual da literatura, lembrar esta associao rara

    que se torna de grande importncia clnica.

    Palavras-chave: paniculite pancretica, necrose gorda, neoplasia do pncreas

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Universidade da Beira Interior

    ABSTRACT

    MS Dissertation in Medicine

    PANCREATIC PANNICULITIS ASSOCIATED TO PANCREATIC CARCINOMA

    A Case Study and Literature Review

    Pancreatic panniculitis is a rare dermatosis, characterized by necrosis of

    subcutaneous fat as a phenomenon linked to diseases of the pancreas, which may

    be the first evidence of a pancreatic illness. Though, this cutaneous affection is still

    an uncommon complication of pancreatic disease, namely of carcinoma and

    pancreatitis.

    The classification of panniculitis, is based on the location of the inflammatory

    infiltrates, which in pancreatic panniculitis are mostly found in the fat lobules of the

    hypodermis.

    The carcinoma of the pancreas is frequently asymptomatic, being mandatory an

    investigation directed to the suspicion of pancreatic disease, in the evidence of

    painful, erythematous, nodules especially when there is a history of gastrointestinal

    symptoms.

    The present work aims to report a case of pancreatic carcinoma associated with

    subcutaneous nodules, with histopathological findings of panniculitis with fat

    necrosis. It is also to remind, through a literary revision, that this uncommon

    association is of great clinical importance.

    Key-words: pancreatic panniculitis, fat necrosis, pancreatic carcinoma

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Captulo 1

    1.1. Introduo

    1.2. Mtodos

    1.3. Objectivos gerais e especficos

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    1.1. INTRODUO

    A associao de paniculite e doena pancretica encontra-se bem descrita, mas

    tem despertado grande interesse devido relativa raridade desta dermatose como

    manifestao de neoplasia pancretica ou at de pancreatite. (1) Sendo rara, esta

    afeco cutnea no apresenta grandes avanos no esclarecimento da sua

    nosologia, patogenia e tratamento, gerando dificuldades na sua interpretao

    clnica que prejudicam o diagnstico. Embora se aponte uma associao quase

    absoluta das enzimas pancreticas com a necrose da gordura subcutnea, a

    maioria dos mecanismos subjacentes e factores precipitantes na formao dos

    ndulos de paniculite pancretica ainda permanecem desconhecidos ou so mal

    entendidos. (2, 3, 4)

    Aps uma pesquisa preliminar sobre o assunto, pude constatar que a literatura

    existente acerca da paniculite pancretica muito escassa e que feita sobretudo

    base de relatos de casos clnicos, estando disponveis ainda muito poucas

    revises sistemticas da literatura.

    Por ser uma dermatose que sinaliza uma doena sistmica, sendo este, para

    mim, um dos aspectos mais fascinantes da Dermatologia, e, porque apesar dos

    avanos actuais, a paniculite ainda hoje considerada um modelo biolgico

    intrigante, cujos mecanismos continuam por esclarecer e por compreender na sua

    totalidade, optei por apresentar esta dissertao de mestrado.

    Com efeito, o gosto pessoal por esta rea da Dermatologia, concretamente,

    pelas doenas cutneas que alertam para a possibilidade da existncia de

    alteraes sistmicas graves, tornou-se desde logo o principal aliciante para a

    abordagem deste assunto. Finalmente, o conhecimento de um caso no Centro

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    Hospitalar da Cova da Beira, ou constituiu o motivo ltimo para a escolha deste

    tema de dissertao.

    O presente trabalho tem por objectivo descrever um caso de neoplasia do

    pncreas associada a ndulos subcutneos que corresponderam ao diagnstico

    histotopatolgico de paniculite pancretica.

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    1.2. MTODOS

    A metologia utilizada nesta dissertao teve por base uma recolha de

    bibliografia atravs das bases de dados digitais oferecidas pela Universidade, tais

    como a PubMed com os termos paniculite pancretica, paniculite e necrose

    gorda nos idiomas portugus, ingls, espanhol e francs e da qual se recolheu um

    total de 31 artigos. Foi tambm realizada a pesquisa atravs da consulta de

    manuais de referncia. Toda a bibliografia posterior a 1960, no sentido de trazer

    a este estudo a informao mais actual possvel.

    No que diz respeito recolha de dados sobre o doente, procedeu-se consulta

    do processo clnico fornecido pelo Dr. Carlos Monteiro, mdico especialista em

    Dermatologia que exerce funes no Centro Hospitalar Cova da Beira. O anonimato

    do doente ser mantido ao longo do texto, no sentido de preservar a proteco de

    dados pessoais.

    Como este trabalho um estudo de caso, compreende-se que as concluses

    retiradas permitem apenas um conhecimento mais profundo da patologia e uma

    integrao da teoria na prtica. No se pretende generalizar os dados obtidos ou as

    concluses sobre os mesmos populao em geral, mas sim enriquecer a

    aprendizagem clnica e desenvolvimento de competncias.

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    1.3. OBJECTIVOS GERAIS E ESPECFICOS

    1.3.1. Objectivo Geral

    Promover uma melhor compreenso global da paniculite pancretica.

    1.3.2. Objectivos Especficos

    Clarificar a classificao da paniculite pancretica, at hoje confusa.

    Clarificar a sua patogenia, at hoje incerta e desconhecida.

    Sistematizar a abordagem diagnstica e teraputica da doena.

    Alertar para a importncia prognstica desta afeco cutnea.

    Alertar para a importncia de investigar de modo sistemtico e detalhado

    antecedentes de afeces do pncreas ou co-relacionados, face suspeita

    clnica de paniculite pancretica.

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Captulo 2

    2.1. Paniculites

    2.2. Paniculite Pancretica

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    2.1. PANICULITES

    A hipoderme ou tecido celular subcutneo constitui o compartimento mais

    profundo da pele. formada por lbulos de tecido gordo separados por septos

    fibrosos, locais onde se alojam os vasos sanguneos e linfticos, assim como os

    ramos nervosos, que irrigam e inervam este compartimento. (5)

    A sntese e armazenamento de gordura contnua ao longo da vida, quer por

    acumulao de lpidos dentro das clulas quer por proliferao dos adipcitos e,

    tambm, por recrutamento de novas clulas a partir do mesnquima

    indiferenciado. (5)

    As paniculites definem-se como uma inflamao da hipoderme mas a paniculite

    pancretica prende-se, tambm, com o conceito de necrose gorda que ocorre

    associada paniculite e que estar na sua origem.

    As doenas inflamatrias da gordura subcutnea so por vezes difceis de

    classificar, em parte devido utilizao de descries baseadas em literatura fivel

    mas que cairam em desuso ou esto ultrapassadas. (6)

    Nesta primeira parte, irei descrever os diferentes conceitos implicados na

    definio de paniculite pancretica, tentando sistematiz-los de forma clara e

    ordenada.

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    - 8 -

    2.1.1. Definio

    A paniculite ou hipodermite um processo inflamatrio focal que afecta

    predominantemente a hipoderme ou tecido celular subcutneo. (5)

    Pode comprometer a poro septal, lobular ou ambas, manifestando-se

    clinicamente como ndulos subcutneos, eritematosos e dolorosos, localizados

    geralmente nas extermidades inferiores (7,8), sendo frequentemente sinal de

    doena sistmica. (8) Esta subdiviso histolgica totalmente emprica, porque, na

    verdade, a maior parte das paniculites afectam ambas as pores que constituem

    o tecido subcutneo. (6)

    Os ndulos subcutneos podem ser nicos ou mltiplos e a sua consistncia

    firme-elstica ou mole. (9) As leses podem, ou no, ulcerar, formando cicatriz. (9)

    Apesar de existirem diferentes etiopatogenias para as paniculites, as formas de

    apresentao clnica so relativamente uniformes, pelo que o diagnstico

    especfico feito atravs do estudo histopatolgico. (5, 7, 10, 11,12)

    2.1.2. O Tecido Adiposo

    O tecido adiposo um verdadeiro orgo em termos de estrutura e funo. (7)

    constituido por lbulos de clulas gordas chamadas tambm lipcitos ou

    adipcitos, separados por finos septos de tecido conjuntivo.

    Os adipcitos so clulas especializadas do sistema reticuloendotelial, capazes

    de produzir e armazenar gordura. Com a tcnica de colorao pela hematoxilina-

    eosina, os adipcitos parecem clulas vazias devido a um grande vacolo

  • Ana Palhares Delgado

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    intracitoplasmtico que armazena gordura e que empurra o ncleo para a

    periferia.(7)

    Os septos correspondem ao tecido conjuntivo, albergando fibras de colagnio e

    de reticulina, vasos sanguneos, vasos linfticos e nervos. (11, 13)

    A pele constituida por trs tecidos principais: (13)

    Epiderme um epitlio pavimentoso, estratificado, queratinizado,

    que se auto-regenera;

    Derme Corresponde camada subjacente de tecido conjuntivo,

    fibroelstico rgido, de sustentao e nutrio. A derme compreende a

    derme papilar e a derme reticular;

    Hipoderme a camada mais profunda, varivel de espessura,

    sobretudo constituda por tecido adiposo.

    Figura 1: Tecidos constituintes da pele, http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/ima

    ges/che/pele2.jpg

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    A hipoderme ou tecido celular subcutneo constitui a parte mais profunda da

    pele, derivando embriologicamente do mesnquima cujas clulas do origem aos

    adipcitos.

    Localiza-se entre a derme profunda ou reticular e a fascia muscular superficial.

    A sua separao da derme no est bem delimitada e pode considerar-se que

    h continuidade entre ambas, estando interligadas do ponto de vista funcional e

    estrutural atravs de redes nervosas e vasculares e na continuidade dos anexos

    cutneos: os bulbos do folculo piloso e a poro secretora das glndulas

    sudorparas, que se dispem entre as duas camadas. (5)

    Sendo a constituio bsica da hipoderme o adipcito, estes, organizam-se em

    lbulos de aproximadamente um centmetro de dimetro, que, por sua vez, so

    constituidos por coleces microscpicas de lipcitos: os microlbulos. (5)

    Os lbulos esto separados e so simultaneamente suportados por septos de

    tecido conjuntivo onde passam os vasos sanguneos, linfticos e nervos. Destes

    septos originam-se outros, muito mais finos, que rodeiam cada microlbulo

    formando uma rede de fibras de colagnio e de reticulina com abundantes

    capilares terminais.

    Este tipo de vascularizao terminal dos lbulos gordos, sem anastomoses ou

    comunicao capilar com a derme nem entre os microlbulos, torna estas

    estruturas particularmente vulnerveis. (7)

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    A hipoderme isola o corpo do frio, serve como reservatrio de energia, protege a

    pele e permite a sua mobilidade sobre as estruturas subjacentes. Tem tambm um

    efeito esttico ao moldar o contorno do corpo. (5)

    As paniculites permanecem um mistrio em termos fisiopatolgicos.

    Em 1973 Reed et al. (14) propuseram uma classificao das paniculites baseada

    no tipo de estrutura mais afectada, distinguindo assim entre aquelas que envolvem

    principalmente os septos e as que envolvem sobretudo os lbulos.

    Nas paniculites, a evoluo das alteraes degenerativas no tecido adiposo

    encontra-se directamente relacionada com a irrigao sangunea. A artria principal

    irriga o centro do lbulo, seguindo depois para a vnula presente nos septos

    localizados na periferia dos lbulos.

    Assim modificaes degenerativas do lbulo, resultam da alterao a nvel da

    irrigao arterial deste, dando origem paniculite lobular. Por seu turno, a

    paniculite septal resulta de alteraes degenerativas nos septos e em zonas

    perifricas dos lbulos, consequentes a perturbaes da irrigao venosa local. (14)

    Figura 2: Estrutura da hipoderme, (5)

  • Ana Palhares Delgado

    Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas

    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

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    Conforme o tipo de vasos alterados assim teremos a localizao das alteraes

    mais no lbulo ou mais a nvel perifrico, nos septos originando as respectivas

    paniculites.

    No diagnstico histopatolgico importa tambm avaliar a existncia ou no de

    vasculite, tendo sempre em ateno o tipo e tamanho dos vasos afectados.

    Nas paniculites septais, que ocorrem principalmente a nvel do plexo venoso,

    sobrevm espessamento, edema e necrose do septo.

    Nas paniculites lobulares as alteraes degenerativas manifestam-se numa fase

    inicial por um infiltrado de clulas inflamatrias no tecido intersticial entre os

    lbulos. medida que o processo evolui os lipcitos vo degenerando (tornam-se

    anucleados) e algumas destas clulas rompem. As alteraes vasculares so

    comuns nas leses de paniculite lobular. (14) As pequenas arterolas apresentam

    Figura 3: Inflamao septal com extenso do

    infiltrado entre os adipcitos, (5)

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    - 13 -

    trombos e necrose com fibrinide. A natureza vascular da paniculite lobular,

    ocasionalmente, evidenciada por hemorragia intralobular. (14)

    Histologicamente, as paniculites, como todos os outros processos inflamatrios,

    apresentam um carcter dinmico em que a composio e distribuio do infiltrado

    inflamatrio sofre alteraes ao longo do tempo. H autores que referem a

    dificuldade da classificao das paniculites em septal ou lobular, por, na maioria

    dos casos, estas apresentarem um padro misto. (7)

    Com efeito, estes padres podem sobrepor-se, particularmente em estdios

    mais avanados da doena. Comprometem assim todas as reas do panculo

    adiposo que, por isso, se denomina paniculite mista ou difusa. (5)

    Num estudo de caso, Ball et al. (10) propem um modelo de evoluo da

    paniculite pancretica, a qual se iniciaria como uma paniculite septal, adquirindo

    depois um padro marcadamente lobular de necrose gorda, terminando numa

    paniculite lobular granulomatosa seguida de fibrose.

    Figura 4: Infiltrado lobular, (5)

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    Por ltimo, deve-se identificar a natureza das clulas presentes no infiltrado

    inflamatrio e olhar para outras caractersticas histopatolgicas que permitem um

    diagnstico especfico da doena, envolvendo a gordura subcutnea.

    Actualmente sabe-se que a melhor forma de classificar as paniculites atravs

    da histologia. Dependendo da localizao inicial, do processo inflamatrio e do tipo

    do seu infiltrado e do atingimento ou no dos vasos sanguneos, assim se

    classificam as respectivas leses. (5)

    2.1.3. Necrose Gorda

    A necrose celular corresponde ao conjunto de alteraes morfolgicas que se

    seguem morte celular, num tecido ou rgo vivo, resultante de aco degradativa

    por parte de enzimas que provocam edema mitocondrial, floculao nuclear, lise

    celular e morte celular, sobre uma clula letalmente agredida. (15)

    As causas de necrose celular podem ser classificadas em cinco categorias:

    i) isqumia ou anxia;

    ii) agentes fsicos;

    iii) agentes qumicos;

    iv) agentes biolgicos;

    v) hipersensibilidade.

    Como consequncia da necrose tecidular ocorre inflamao nos tecidos

    adjacentes. Durante este processo inflamatrio acumulam-se leuccitos na

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    periferia do tecido lesado, os quais libertam enzimas teis ao processo de digesto

    das clulas necrosadas. (15)

    O aspecto morfolgico da necrose resulta da digesto das clulas necrticas

    pelas suas prprias enzimas (autlise) ou por enzimas derivadas dos leuccitos

    (heterlise).

    Microscopicamente, percebemos alteraes citoplasmticas e nucleares. As

    alteraes citoplasmticas consistem em aumento da acidofilia, retraco e

    vacuolizao, depois das enzimas terem digerido os organelos citoplasmticos. As

    alteraes nucleares consistem em cariopicnose (retraco e aumento da basofilia

    nucleares, com cromatina firmemente compactada), cariorrexis (fragmentao do

    ncleo) e carilise (dissoluo nuclear). Normalmente o ncleo desaparece.

    Macroscopicamente, s comeamos a ver necrose 12 a 24 horas aps a morte

    celular. (15)

    Morfologicamente distinguem-se diversos tipos de necrose: (15)

    1) Necrose de coagulao ou isqumica: caracterizada pela desnaturao das

    protenas celulares, devido queda do pH celular durante o processo de leso por

    hipxia ou isqumia. Consequentemente, o citoplasma torna-se eosinoflico e como

    a maioria das enzimas autolticas foram desnaturadas, a clula mantm a sua

    arquitectura.

    2) Necrose de liquefao: Associada a infeces bacterianas ou fngicas

    provocando o aparecimento de um processo inflamatrio devido ao recrutamento

  • Ana Palhares Delgado

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    - 16 -

    de leuccitos. Neste caso pode ocorrer leso e morte celular mediada por toxinas

    ou, ento, devido ao processo inflamatrio. A digesto do tecido necrosado resulta

    na formao de pus. Ocorre principalmente no SNC.

    3) Necrose caseosa: um tipo de necrose de coagulao na qual existe uma

    mistura de protenas tecidulares coaguladas com lpidos. Ocorre devido a um

    mecanismo de hipersensibilidade e frequentemente observada na tuberculose.

    Macroscopicamente, o tecido torna-se esbranquiado, granuloso e amolecido

    (aparncia de queijo fresco).

    4) Necrose gangrenosa: No um tipo especfico de necrose contudo utilizada

    para descrever um tipo de necrose de coagulao que afecta principalmente as

    extremidades dos membros (superiores e inferiores) por perda da irrigao

    sangunea. Este tipo de necrose designada gangrena seca. Quando se associa a

    uma infeco bacteriana, a necrose ocorre por liquefaco e denomina-se

    gangrena hmida.

    5) Necrose gorda (ou enzimtica): Caracterizada por extravasamento de enzimas

    lipolticas para o tecido adiposo. Desta forma ocorre a liquefaco dos adipcitos e

    a ruptura das ligaes dos triglicerdeos, libertando cidos gordos livres que se

    combinam com ies clcio, formando reas esbranquiadas no tecido adiposo.

    Ocorre principalmente em casos de doena pancretica.

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    - 17 -

    2.1.4. Classificao

    Tabela 1: Classificao das Paniculites.

    Adaptado de REQUENA L.: Normal Subcutaneous Fat, Necrosis of Adipocytes and Classification of the

    Panniculitides; Semin Cutan Med Surg, 2007, 26:66-70 (7)

    Paniculite maioritariamente septal

    Paniculite maioritariamente lobular

    Com vasculite

    Tromboflebite superficial Eritema indurado de Bazin

    Poliartrite nodosa cutnea Eritema nodoso leprtico

    Fenmeno de Lcio

    Sem vasculite

    Eritema nodoso Paniculite esclerosante

    Necrobiose lipidica Calcifilaxia

    Esclerodermia localizada Esclerema neonatal

    Granuloma anular subcutneo Necrose gorda subcutnea do

    recm-nascido

    Ndulo Reumatide Paniculite ps-corticoterapia

    Xantogranuloma necrobitico Lpus eritematoso profundo

    Paniculite fria

    Paniculite pancretica

    Paniculite por dfice de -1 anti-

    tripsina

    Paniculite infecciosa

    Paniculite idioptica (Pfeiffer-Weber-

    Christian)

    Lipodistrofia e lipoatrofia

    Necrose gorda lipomembranosa

    Paniculite traumtica

    Sarcoidose subcutnea

    Paniculite histioctica citofgica

    Paniculite tipo linfoma subcutneo

    Paniculite esclerosante ps-radiao

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    2.2. PANICULITE PANCRETICA

    2.2.1. Noes gerais

    A paniculite pancretica uma afeco rara, onde ocorre necrose da gordura

    subcutnea despoletada por doena pancretica de causa inflamatria, traumtica

    ou neoplsica. Est associada a pancreatite ou carcinoma do pncreas, 80% a

    100% dos casos. (1)

    Clinicamente, as leses cutneas de paniculite pancretica manifestam-se como

    ndulos subcutneos com dimenses que variam entre poucos milmetros e cerca

    de cinco centmetros de dimetro (2), de consistncia firme-elstica, dolorosos, com

    uma colorao eritemato-azulada da pele suprajacente (16, 17), podendo o seu

    centro ter uma consistncia mais amolecida (flutuante) e ser coberto por pele mais

    fina. (1) Podem aparecer isoladamente ou em grupos. O perodo de regresso das

    leses varia entre as duas e as oito semanas formando habitualmente cicatriz

    atrfica e pigmentada. (18)

    Figura 5: Ndulos eritematosos na paniculite pancretica, (6)

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    Caractersticamente, na necrose gorda intensa os ndulos ulceram

    espontaneamente e drenam uma substncia oleosa acastanhada e viscosa que

    resulta da necrose de liquefao dos adipcitos. (1, 4, 17, 19, 20) Com excepo da

    paniculite por dfice de 1 anti-tripsina, esta caracterstica no aparece noutro

    tipo de paniculites. (1)

    A localizao mais frequente destas leses nas pores distais das

    extremidades inferiores, principalmente volta do tornozelo e do joelho (11, 21), mas

    tambm foram descritas em raras ocasies na regio gltea, nos membros

    superiores, no tronco e no couro cabeludo. (17)

    Foram igualmente referidos casos de paniculite pancretica com apenas um

    ndulo. (11, 22)

    Figura 7: Ndulos ulcerados na paniculite

    pancretica, (6) Figura 6: Ndulos ulcerados e a drenar

    substncia oleosa, (6)

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    2.2.2. Epidemiologia

    A paniculite pancretica ocorre em 2-3% de todos os doentes com doenas

    pancreticas (4, 11, 18), estando mais frequentemente associada a pancreatite ou

    carcinoma pancretico. (10, 16, 19)

    Mullin e colaboradores em 1968 (in Dahl et al., 1995) (1), demonstraram a

    raridade desta afeco num estudo retrospectivo onde identificaram apenas um

    caso de paniculite pancretica, numa amostra de 893 doentes com doena

    pancretica de vrias causas.

    Quando associada a pancreatite foi descrita como sendo secundria ingesto

    crnica de lcool em 40% dos casos, ao traumatismo em 10% e a clculos

    pancreticos tambm em 10%. (20)

    A idade mdia de aparecimento deste tipo de paniculite de 46 anos quando

    associada a pancreatite e de 62 anos quando associada a carcinoma

    pancretico.(23) mais frequente no sexo masculino, sendo a relao homem-

    mulher no carcinoma pancretico de 5:1 e na pancreatite de 3:1. (21)

    A paniculite pode ser o sinal de apresentao de doena pancretica. (17) Esta

    afeco pode manifestar-se em 40% dos doentes com pancreatite e estar

    associado ao carcinoma do pncreas em cerca de 68% dos casos. Pode preceder a

    deteco da doena pancretica entre um a sete meses, pelo que o seu

    reconhecimento de importncia crucial. (4, 18)

    Hughes et al., 1975 (in Dahl et al., 1995) (1) num estudo retrospectivo de 53

    casos concluiu que 40% dos doentes com necrose gorda secundria a pancreatite

    e 80% dos doentes com doena secundria a carcinoma do pncreas no

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    - 21 -

    apresentavam sintomas abdominais, sendo os ndulos cutneos o nico sinal de

    envolvimento pancretico.

    A artrite associada a doena pancretica resulta de necrose gorda periarticular

    ou de trajectos fistulosos situados entre a articulao e os locais adjacentes onde

    decorre a necrose. O lquido sinovial semelhante ao do exsudado das lceras de

    pele, revelando elevada concentrao de cidos gordos livres. (1)

    Conclui-se pelo estudo bibliogrfico que as manifestaes articulares esto

    presentes em 54% a 88% dos doentes com necrose gorda disseminada,(1) mas

    raro, a artrite anteceder o diagnstico de doena pancretica assintomtica.

    2.2.3. Etiologia

    A associao entre necrose gorda subcutnea e pancreatite aguda foi

    primeiramente descrita por Chiari em 1883 e logo depois por Hansemann em

    1889. (1, 18, 24, 25)

    Mais tarde, em 1946, Blauvert relacionou necrose gorda com pancreatite

    subaguda. (25)

    Em 1908, Berner relatou uma sndrome similar, porm associada a doena

    neoplsica do pncreas. (17)

    A partir dai, seguiram-se diversas referncias deste tipo de associao: Hegler e

    Wohlwill em 1930, Titone em 1936, Auger em 1947, Osborne em 1950, Belsky e

    Cornel em 1955, Szymanski em 1959 e Bluefarb em 1959 (in Lucas and Owen,

    1962). (25)

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    - 22 -

    Durante anos a paniculite pancretica foi classificada como variante da doena

    idioptica de Weber-Christian (Weber, 1925; Christian, 1928). (21,26)

    Esta uma afeco caracterizada por leses clnica e histologicamente

    semelhantes s da paniculite pancretica. Normalmente estas so s detectadas

    na autpsia, sendo mais aparentes a nvel de rgos internos, e das articulaes.

    No foram descritos casos de doentes com sndrome Weber-Christian associada a

    doena pancretica (Steinberg, 1953 in Dahl et al., 1995) (1), sendo a maior parte

    das mortes de doena Weber-Christian devido a infeces ou doenas

    concomitantes.

    Assim em 1961, Szymanski e Bluefarb afirmaram que este tipo de paniculite

    patognomnica de doena pancretica. (1)

    A pancreatite ocorre mais frequentemente em indivduos novos,

    comparativamente com os casos de carcinoma pancretico. Os casos de

    pancreatite podem ocorrer secundariamente ingesto crnica de lcool em 40%

    dos casos, a traumatismo em 10% e a litase biliar em 10%. (20) pois de extrema

    importncia suspeitar de doena pancretica como causa de paniculite,

    principalmente em homens com hbitos alcolicos. (2, 26)

    O carcinoma pancretico acinar, que corresponde a 10% de todos os carcinomas

    pancreticos est associado a 84% dos casos de paniculite (19), mas tambm se

    descreveram casos de carcinoma ductal (21) e o tipo menos frequentemente

    associado a paniculite foi o carcinoma das clulas dos ilhus pancreticos. (11)

    O carcinoma pancretico associa-se frequentemente a eosinofilia.(4, 17, 18, 19, 24)

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    - 23 -

    Tm sido descritas outras patologias associadas a paniculite nodular

    pancretica, tais como: pncreas divisum, pseudoquistos pancreticos, fstulas

    pancreto-vasculares, pancreatites ps-traumticas, pancreatites txicas, tumores

    neuroendcrinos, tumores intracaniculares (23) e frmacos (corticides,

    sulfasalazina, tiazidas, anticonceptivos, sulindaco, azatioprina, furosemida,

    ciclosporina, antimoniato de meglumina). (21)

    A paniculite associada a doena pancretica tambm tem sido descrita em

    doentes com lpus eritematoso sistmico (LES), transplantados renais e num

    doente com infeco por HIV e sindroma hemofagoctico (ou sindroma de activao

    macrofgica). (Martnez-Escribano et al., 1996 in Fernndez-Jorge et al., 2006) (21)

    2.2.4. Patogenia

    De uma forma simplista, a definio de necrose gorda ajuda a entender o

    mecanismo da paniculite pancretica, mas, na verdade, este processo muito

    mais complexo, no estando ainda bem esclarecido. Esta necrose observada em

    casos de alteraes pancreticas, nas quais as enzimas lipolticas activadas,

    extravasam os cinos pancreticos e caem no parnquima pancretico e na

    cavidade peritoneal ou entram na circulao sistmica, atravs do canal torcico

    e/ou circulao portal, passando para outros locais, ricos em triglicerdeos. Desta

    forma ocorre a hidrlise da gordura em glicerol e cidos gordos livres. (2, 22) Foi

    constatado que mais de 50% dos doentes com fistulas pancretico-portais

    desenvolvem paniculite, apoiando a afirmao de que as enzimas pancreticas

    circulam na corrente sangunea causando necrose gorda. (24)

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    - 24 -

    A vulnerabilidade do adipcito necrose neste contexto foi estudada

    principalmente a nvel da susceptibilidade da membrana leso.

    O adipcito apresenta uma ultraestrutura nica, com clulas dos capilares

    endoteliais adjacentes, estando em comunicao com o lmen capilar por uma

    membrana contnua (27). As lipoproteinas so degradadas no endotlio por lipases

    ligadas membrana e os produtos hidrolisados so transportados para o interior

    do adipcito e reesterificados. cidos gordos livres atraem as enzimas lipolticas,

    podendo provocar concentrao de lipases no interior do adipcito levando lise

    celular. (27)

    Os tecidos ricos em tecido adiposo so especialmente vulnerveis aco

    enzimtica podendo a necrose gorda ocorrer em locais tais como o epplon e o

    peritoneu assim como na gordura periarticular e gordura intramedular (1), incluindo

    o SNC, causando focos de desmielinizao predominantemente perivasculares. (21)

    Como j foi repetidamente referido, quando a necrose ocorre na pele aparecem

    ndulos subcutneos inflamatrios.

    Apesar de estar descrito na literatura que a hidrlise da gordura a principal

    causa da necrose gorda subcutnea, o aparecimento destas leses subcutneas

    pouco frequente, comparado com a incidncia de pancreatite. (1) A raridade do

    aparecimento dos ndulos subcutneos, associada a uma falta de correlao entre

    as concentraes enzimticas e o aparecimento das leses cutneas leva a

    questionar o papel das enzimas pancreticas na patognese da necrose gorda

    subcutnea.

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    - 25 -

    Berman e colaboradores em 1987 (27) apresentam um caso fatal de pancreatite

    com ndulos dolorosos subcutneos na face anterior das extremidades inferiores.

    Numa investigao, o soro deste doente utilizado em estudos in vitro

    juntamente com enzimas pancreticas humanas purificadas para evidenciar a

    paniculite pancretica. A incubao da gordura subcutnea no revelou qualquer

    alterao, apesar das concentraes de amilase e lipase estarem muito

    aumentadas. Mesmo aps a introduo do soro do doente a esta experincia, no

    se verificou necrose gorda. Esta evidncia experimental sugere que a necrose

    subcutnea de liquefaco no consiste apenas numa relao causa-efeito com as

    enzimas pancreticas. necessrio outro factor ou factores que no estaro

    presentes no soro normal, possivelmente apresentando labilidade ou necessitando

    de activao.

    Por outro lado Mourad e colaboradores (2) numa publicao recente, apontam o

    dfice de 1 anti-tripsina como o outro factor necessrio, no como causa directa

    de paniculite mas agravando e provavelmente disseminando as leses, hiptese

    igualmente confirmada por Rubinstein et al., em 1977 (31).

    Outro mecanismo possvel e estudado, foi a diminuio da 2-macroglobulina. A

    tripsina circula predominantemente ligada a esta protena inibidora de proteases,

    que rapidamente eliminada pelo sistema reticuloendotelial. (3) Uma correlao

    inversa entre 2-macroglobulina e nveis aumentados de tripsina num doente com

    paniculite associada a pancreatite foi recentemente demonstrada, implicando que

    estas molculas formam complexos que so retirados do plasma. Desta forma, em

    doentes com baixas concentraes de 2-macroglobulina, a pancreatite pode

    estar associada a altas quantidades de tripsina que induz a liplise. Contudo no

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    - 26 -

    h estudos suficientes que comprovem a relao dos nveis de 2-macroglobulina

    em doentes com pancreatite e com ou sem paniculite. (2, 3)

    De qualquer forma, apesar dos inmeros estudos revelando um factor

    desconhecido para despoletar a paniculite pancretica, esta afeco tem relao

    com as enzimas pancreticas, logo, o papel destas demonstrado em todas as

    referncias bibliogrficas, como causa da paniculite pancretica.

    J foi evidenciada a libertao das enzimas pancreticas despoletando a

    paniculite atravs do efeito benfico do anlogo da somatostatina, octeotrido. A

    administrao deste a um doente com carcinoma pancretico acinar preveniu o

    crescimento de novos ndulos. (2, 3)

    O octreotido um octapeptdeo de aco prolongada, anlogo da somatostatina.

    A somatostatina por sua vez, segregada pelas clulas D das ilhotas.

    responsvel pela inibio local de libertao de insulina e glucagon no interior das

    ilhotas, e tambm diminui a aco secretora excrina do pncreas. (24, 32)

    O achado imunohistoqumico com anticorpos (Acs) monoclonais anti-lipase de

    lipase nas reas de necrose gorda, corrobora tambm, esta hiptese. (4, 11) Popper

    e Necheles em 1940, demonstraram em animais que a obstruo do ducto

    pancretico provoca um aumento da amilase e da lipase na veia porta e no canal

    torcico. (20)

    Tambm foram encontrados nveis elevados de lipase no soro, na urina, em

    leses cutneas e no aspirado dos lquidos pleural, pericrdico e asctico, mesmo

    na ausncia de doena pancretica. (21)

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    - 27 -

    Panabokke e Hallberg e Theve (in Berman et al., 1987) (27) sugerem que a

    necrose da clula gorda pode ser o resultado da activao das lipases

    intracelulares e possivelmente de outras enzimas, aps dano da membrana da

    clula gorda ou atravs de estmulo hormonal da lipase devido baixa

    concentrao de insulina e diminuio de norepinefrina srica que ocorrem

    habitualmente na pancreatite aguda.

    Embora a paniculite pancretica tenha como causas a aco da lipase,

    fosfolipase A, tripsina e amilase no tecido subcutneo, j foram reportados casos

    de paniculite com nveis de lipase e amilase normais. (1, 17, 18, 21)

    A aco da lecitinase tambm foi avanada como hiptese etiopatognica. (27)

    Outro mecanismo fisiopatolgico, mencionado pela equipa de investigao de

    Dauendorffer em 2007 (33), consiste na interveno das citocinas pr-inflamatrias

    (factor de necrose tumoral , interleucina I ) induzidas pelas leses pancreticas.

    O mecanismo de activao das enzimas pancreticas percursoras no bem

    conhecido, supondo-se que o aumento das enzimas pancreticas na circulao

    aumenta a permeabilidade vascular, permitindo a entrada destas enzimas nas

    clulas gordas e, consequentemente, o desencadear da necrose. (10, 19)

    Alguns autores sugeriram, ainda, uma aco sinrgica entre a lipase e a tripsina.

    A tripsina aumenta a permeabilidade dos vasos sanguneos e a lipase penetra nos

    tecidos e hidrolisa os cidos gordos. (4) Dahl et al, 1995 (1) e Fernndez-Jorge et al.,

    2006(21) so os investigadores que consideram a tripsina como a enzima

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    - 28 -

    responsvel pela alterao da permeabilidade vascular, podendo tambm a estase

    venosa favorecer este mecanismo, devido a um aumento do tempo de contacto da

    parede do vaso com as enzimas pancreticas (explicando assim a maior frequncia

    das leses nas extremidades dos membros inferiores).

    Outros admitem que o dano endotelial provocado por estas enzimas origina

    isqumia e enfarte das zonas afectadas levando a necrose. (30)

    Em casos raros pode no ser demonstrada doena pancretica, apesar dos

    nveis sricos elevados de lipase pancretica, cuja origem nestes casos

    desconhecida. (4, 11)

    Foram tambm referidos casos bem documentados de paniculite pancretica

    em doentes com nveis sricos das enzimas pancreticas normais. (27)

    Higgins and Ive, em 1990 (28) apresentam casos clnicos em que, aps a

    resoluo das leses cutneas, as concentraes sricas de enzimas pancreticas

    permanecem elevadas mas, contraditoriamente, no aparecem novas leses,

    implicando que as enzimas pancreticas no so exclusivamente responsveis

    pela paniculite pancretica.

    No seu trabalho, Durden et al, 1996 (17) mencionam um investigador que sugere

    um mecanismo imunolgico para despoletar o aparecimento das leses cutneas.

    A hiptese acerca deste mecanismo baseou-se no estudo de um doente com

    carcinoma pancretico, necrose da gordura subcutnea, serosite e diminuio dos

    nveis do complemento pleural com deposio de IgG.

  • Ana Palhares Delgado

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    Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura

    - 29 -

    Zellman, 1996 (34) refere a necessidade de uma leso prvia da parede dos

    vasos sanguneos por infeco, causando edema e inflamao, ou por um

    mecanismo imunolgico mediado por imunocomplexos, o que provocaria alterao

    vascular. Foi tambm Zellman (34) que em 1996 estudou um doente que teve um

    episdio de celulite antes do aparecimento dos ndulos, o que poder ter causado

    dano vascular atravs de inflamao ou mecanismo auto-imune com deposio de

    imunocompexos antignio-anticorpo (Ag-Ac).

    Em concluso:

    No h critrios de referncia para a classificao da paniculite pancretica.

    Sendo uma afeco rara, o seu reconhecimento clnico de extrema importncia

    na medida em que pode ser o primeiro e nico sinal de doena pancretica grave.

    Esta suspeita dever ser muito forte quando o quadro se apresenta da seguinte

    forma: ndulos subcutneos dolorosos e mltiplos com aumento da lipase srica e

    associados a doena pancretica.

  • Ana Palhares Delgado

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    - 30 -

    2.2.5. Diagnstico

    2.2.5.1. Histria Clnica

    Os doentes geralmente fornecem uma histria tpica com leses cutneas que

    precedem muitas vezes qualquer outro sinal clnico, logo, importante saber

    reconhec-las. Como so normalmente dolorosas, quando nos chegam estes

    doentes no apresentam leses com muito tempo de evoluo.

    Uma grande parte pode ter associada histria de dor epigstrica, sugerindo

    patologia pancretica.

    pois importante apurar nos antecedentes pessoais tais como, hbitos

    alcolicos, hbitos tabgicos, a existncia de doenas prvias, nomeadamente

    infecciosas, endcrinas, txicas, bem como antecedentes traumticos e histria

    medicamentosa, porque nos podem orientar para a suspeita de uma patologia

    pancretica.

    2.2.5.2. Exame fsico

    importante fazer um diagnstico baseado em dados clnicos e analticos

    decorrentes da patologia de base existente mas nunca poderemos deixar de

    realizar uma boa anamnese e adequada explorao fsica.

    O diagnstico provvel de uma paniculite pode ser estabelecido com a

    observao clnica, tendo em conta as caractersticas morfolgicas, distribuio e o

    tipo de evoluo das leses. De qualquer forma, indiscutvel a necessidade de

    uma grande competncia para diagnosticar um tipo especfico de paniculite com

    base no exame clnico.

  • Ana Palhares Delgado

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    - 31 -

    Ao exame fsico, os doentes tm ndulos dolorosos, medindo entre um a dois

    centmetros, eritematosos, mveis podendo surgir isolados ou difusos. Podem

    ocorrer em qualquer parte do corpo, mas, frequentemente, aparecem nos membros

    inferiores, sobretudo rea pr-tibial, e poro inferior dos joelhos. (18)

    A dor abdominal, quando presente, caracteristicamente intensa, profunda e

    alivia quando o doente faz flexo (se dobra sobre si prprio). Tipicamente a dor

    mais intensa no epigastro, mas pode irradiar para os dois hipocndrios e regio

    dorsal (dor em barra ou em cinto). (8)

    A poliartrite uma rara complicao de pancreatite e de carcinoma pancretico.

    O envolvimento articular varivel, podendo ser mono ou poliarticular, simtrico ou

    assimtrico (30), manifestando-se em simultneo ou de forma diferida dos ndulos

    subcutneos. Podem preceder a dor abdominal ou qualquer outra manifestao de

    doena pancretica, mas raramente antecede o diagnstico desta. (18)

    As manifestaes articulares esto presentes em 54% a 88% dos doentes com

    necrose gorda disseminada. (1)

    A pesquisa diagnstica deve, sempre que possvel, incluir exame do lquido

    sinovial das articulaes comprometidas, como tambm bipsia do ndulo.

    A artrite pode mimetizar a gota, febre reumtica, sarcoidose, artrite infecciosa ou

    doenas do tecido conjuntivo. (18)

    importante a determinao de enzimas pancreticas, ecografia abdominal,

    principalmente em doentes dependentes do lcool, com conhecida doena

    pancretica. (30)

  • Ana Palhares Delgado

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    - 32 -

    O comprometimento sseo pode ocorrer, relacionando-se com a extenso da

    necrose da gordura intramedular e a destruio trabecular ssea, cujo aspecto

    radiolgico corresponde a mltiplas pequenas leses na regio cortical de ossos

    longos, sendo geralmente indolores. (18)

    2.2.5.3. Histopatologia

    A melhor forma de classificar uma paniculite do ponto de vista histopatolgico.

    (5, 7, 10, 11,12)

    A hipoderme o local de uma variedade etiolgica de processos inflamatrios e

    a observao clnica desta patologia dificultada pelo facto da hipoderme ser

    sobreposta pela derme e pela epiderme. O diagnstico provvel pode ser

    estabelecido tendo em conta a observao clnica, distribuio das leses e

    antecedentes da sua evoluo. Para estabelecer um diagnstico definitivo

    obrigatrio fazer uma bipsia ampla e profunda da pele, que inclua epiderme,

    derme, gordura subcutnea e em certos casos a fscia muscular.

    A paniculite pancretica classificada como paniculite maioritariamente lobular

    com necrose intensa de adipcitos, sem vasculite. Alguns autores propem que

    inicialmente ocorre uma paniculite maioritariamente septal, dando-se

    posteriormente a necrose dos adipcitos. (11, 19) Uma fase muito inicial, pode,

    inclusivamente, no mostrar sinais de necrose mas apenas um infiltrado

    perivascular linfocitrio anlogo ao do eritema nodoso. (17) certo, contudo, que as

    leses totalmente desenvolvidas tm um padro lobular de necrose gorda. H,

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    - 33 -

    portanto, evidncias suficientes que mostram que as alteraes histolgicas no

    so estticas, correspondendo antes a um espectro evolutivo de diferentes fases.

    Numa fase crnica da leso, as reas septais e paraseptais so fibrticas e

    observa-se proliferao vascular semelhante a um tecido de granulao. (1)

    As leses j bem desenvolvidas mostram tambm necrose de coagulao dos

    adipcitos o que leva formao de clulas fantasma, que correspondem a

    membranas residuais de adipcitos parcialmente digeridos pelas enzimas

    pancreticas. Por um processo de saponificao d-se a deposio de clcio na

    gordura originando a calcificao distrfica. (7)

    As clulas fantasma perderam o ncleo e contm material basfilo e granular no

    citoplasma devido calcificao. Normalmente estas clulas aparecem em grupos

    no centro do lbulo de gordura, enquanto na periferia existe um infiltrado

    neutroflico. As reas de necrose gorda esto livres, no centro, de clulas

    inflamatrias mas esto rodeadas por coleces densas e difusas de linfcitos,

    macrfagos, leuccitos polimorfonucleares, um nmero varivel de eosinfilos e

    por vezes histicitos, que se podem estender at derme reticular profunda. (1, 20)

    Por vezes observam-se focos de hemorragia. Quando presentes os eosinfilos

    encontram-se desgranulados podendo observar-se tambm grnulos de eosinfilos

    extracelularmente.

    Para uma melhor compreenso da paniculite pancretica, apesar do

    conhecimento actual sobre as alteraes histolgicas resultantes, novos estudos

    sero necessrios para avaliar as transformaes sofridas pelas membranas dos

    adipcitos na pancreatite e no carcinoma pancretico, transformaes estas que

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    - 34 -

    estaro relacionadas com o aumento das enzimas pancreticas circulantes e a

    activao intracelular da lipase e de outras hidrolases.

    Por outro lado, j do conhecimento geral que as caractersticas histolgicas da

    paniculite pancretica so praticamente diagnsticas da doena, pois no se

    observam nem no eritema nodoso, na vasculite alrgica ou na doena de Weber-

    Christian (doena de Pfeiffer-Weber-Christian). (27)

    A observao microscpica de reas de gordura poupadas a este processo em

    casos de pancreatite grave, ainda est por explicar.

    2.2.5.4. Avaliao laboratorial

    As alteraes analticas podem indicar se h suspeita de patologia pancretica

    em casos de aparecimento de ndulos subcutneos sem outros sinais ou sintomas.

    Contudo, no havendo valores de referncia, nem um padro patognomnico para

    relacionar os nveis das enzimas pancreticas com as leses cutneas, haver

    sempre um certo grau de empirismo nas concluses a retirar.

    Dahl et al. num estudo feito com 11 doentes verificaram que a lipase e amilase

    sricas estavam elevadas em nove dos dez doentes testados. Frequentemente,

    uma das enzimas estava nos limites normais e a outra encontrava-se muito

    elevada. (1)

    Heykharts et al., 1999 (24) reportam o caso de uma doente do sexo feminino,

    com ndulos dolorosos e quentes que, analiticamente, alm do aumento da

    actividade da lipase e da tripsina tinha um aumento da velocidade de

    sedimentao e leucocitose.

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    - 35 -

    Praticamente em todas as referncias bibliogrficas, foram encontrados nveis

    sricos aumentados de enzimas pancreticas, mas foram Durden et al., 1996 (17)

    que mencionaram um caso de paniculite pancretica com valores enzimticos

    sricos de lipase e amilase normais.

    A eosinofilia pode ocorrer associada a esta afeco cutnea (16, 17, 18, 20, 24), como

    foi demonstrado por Beltraminelli et al., 2004 (4) num doente com artrite e

    paniculite pancretica por carcinoma das clulas acinares do pncreas. O aumento

    srico e urinrio dos nveis de lipase pode ocorrer associado a nveis normais de

    amilase. A elevao enzimtica pode ser temporria, e a alterao da lipase e da

    amilase pode ocorrer intermitentemente no decurso da doena. (26) Alm disso, foi

    demonstrado por Higgins and Ive, 1990 (28), um caso em que aps a resoluo das

    leses cutneas, as enzimas pancreticas se mantiveram elevadas.

    2.2.6. Diagnstico Diferencial

    H um conjunto de outras patologias a ter em considerao no diagnstico

    diferencial destes ndulos subcutneos. Deve-se considerar outras paniculites,

    principalmente o eritema nodoso, paniculite lpica, doena de Weber-Christian

    (Pfeiffer-Weber-Christian) e paniculite histioctica citofgica. Outros diagnsticos

    diferenciais incluem a poliarterite nodosa cutnea, a vasculite de Churg-Strauss, a

    ganulomatose de Wegener e a tromboflebite migratria. (4, 8, 18, 30)

    sobretudo atravs do exame histolgico que se distingue a paniculite

    pancretica das afeces abaixo descritas.

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    - 36 -

    2.2.6.1. ERITEMA NODOSO (EN) (vasculite nodular, eritema contusiforme)

    uma sndrome clnica aguda que corresponde a um processo inflamatrio da

    hipoderme, caracterizada pela recorrncia de ndulos dolorosos, de colorao

    vermelho violceo, quentes, afectando predominantemente a superfcie pr-tibial

    dos membros inferiores de forma bilateral e simtrica, podendo no entanto

    estenderem-se a outras zonas do corpo. (12, 30) Os ndulos, que oscilam entre os

    meio e cinco centmetros de dimetro, regridem espontaneamente em vrias

    semanas, sem deixar cicatriz residual, sendo o padro histopatolgico o de uma

    paniculite septal sem vasculite. Por outro lado, na paniculite pancretica os

    ndulos so mveis, podem ulcerar e a regresso das leses varia entre duas a oito

    semanas, formando cicatriz atrfica e pigmentada. (17) O padro histolgico da

    paniculite pancretica, o de uma paniculite lobular sem vasculite.

    O EN provavelmente, a forma mais comum de paniculite (12).

    Caracteristicamente mais frequente no sexo feminino, aparecendo entre os 15 e

    os 30 anos.

    Dentro das doenas sistmicas as causas mais frequentes so as infeces,

    nomeadamente a estreptoccica, a tubercolose, a sarcoidose e a infeco fngica.

    Pode ainda surgir como complicao de doena inflamatria do intestino ou doena

    linfoprolifrativa, podendo preceder ou coexistir com esta. A associao com a

    ingesto de frmacos est tambm descrita sendo os mais implicados os

    anticonceptivos orais (ACO), os derivados da penicilina e das sulfamidas. (12)

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    - 37 -

    2.2.6.2. PANICULITE LPICA (lpus eritematoso profundo)

    A paniculite lpica afecta a gordura subcutnea e faz parte do grupo de doenas

    que caracteriza o lpus eritematoso cutneo. uma paniculite lobular crnica

    caracterizada por ndulos profundos nicos, mltiplos ou confluentes, formando

    placas infiltradas de bordos bem definidos. Tm um tamanho que varia entre um a

    quatro centmetros, evoluindo para cicatriz atrfica. Este tipo de paniculite mais

    caracterstico no sexo feminno, entre os 30 e os 60 anos de idade. Tal como na

    paniculite pancretica, os ndulos so aqui firmes, mveis, podem ulcerar na sua

    Figura 8: Ndulos inflamatrios no EN,

    http://dermis.net/dermisroot/en/30437/diagnose.htm

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    - 38 -

    superfcie, mas pode tambm surgir eritema ou ento apresentarem-se cobertos

    por pele normal.

    A sua localizao mais frequente a nvel da face, couro cabeludo, ombros,

    regies glteas e a parte proximal dos membros superiores que so zonas pouco

    envolvidas noutras variantes de paniculite. (5, 11) Ao exame histolgico encontra-se

    na gordura subcutnea uma paniculite maioritariamente lobular com infiltrado

    inflamatrio predominantemente constitudo por linfcitos, agregados linfocitrios

    ou formao de folculos linfides (muito caracterstico de paniculite lpica),

    calcificao e necrose hialina da gordura. (5, 11)

    Quando ocorre nos membros inferiores, o diagnstico diferencial feito atravs

    do respectivo exame histolgico. (6)

    Figura 9: Ndulos subcutneos na paniculite lpica,

    www.scielo.br/scielo

    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0482-50042005000200008&script=sci_arttext

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    - 39 -

    2.2.6.3. DOENA DE WEBER CHRISTIAN (paniculite nodular febril recidivante

    no supurativa, paniculite idioptica, sndrome Pfeiffer-Weber-Christian)

    Caracterizada primeiramente por Christian em 1928, manifesta-se como

    episdios febris recidivantes, acompanhados pelo aparecimento, em surtos, de

    ndulos inflamatrios subcutneos que se localizam na face, no tronco e nas

    extremidades (superiores e inferiores), mas principalmente nas coxas. (35) A sua

    etiologia desconhecida mas pode ser explicada, por vezes, como uma vasculite

    afectando os vasos da hipoderme com necrose secundria das clulas adiposas,

    da a paniculite pancretica j ter sido considerada como uma variante desta

    doena. (21) O antignio agressor pode ser uma infeco recente, nomeadamente

    por micobactrias atpicas, ou ter origem medicamentosa. Clinicamente o quadro

    manifesta-se como leses nodulares subcutneas, inflamatrias, de um a dois

    centmetros de dimetro que podem ser mveis ou aderentes aos planos

    adjacentes. Laboratorialmente pode ocorrer leucocitose, porm, o mais comum a

    leucopenia. (35)

    As alteraes histolgicas iniciais so de degenerao de clulas adiposas

    acompanhadas por um infiltrado inflamatrio composto de neutrfilos, linfcitos e

    histicitos. Na segunda fase ocorre edema e necrose do tecido adiposo,

    predominando os histicitos que invadem os lbulos e fagocitam as clulas

    adiposas. Os histicitos de citoplasma espumoso, s vezes multinucleados,

    acabam por substituir todo o lbulo. Na terceira fase (regressiva) h proliferao

    fibroblstica substituindo os macrfagos. (35)

  • Ana Palhares Delgado

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    - 40 -

    H autores que defendem que o termo Doena de Weber-Christian deve ser

    abolido da literatura, pois engloba caractersticas pouco especficas e abrangentes

    a quase todos os tipos de paniculite. Existem casos descritos como uma afeco

    tipo doena de Weber-Christian que se adequam tanto paniculite lpica, como

    paniculite pancretica, ou paniculite por deficincia de 1 anti-tripsina, entre

    outras. Tal como referiu Patterson: o diagnstico clnico de doena Weber-

    Christian assinala o incio da pesquisa da verdadeira afeco (6)

    2.2.6.4. PANICULITE HISTIOCTICA CITOFGICA

    uma paniculite predominantemente lobular tal como a paniculite pancretica,

    caracterizada por um infiltrado de histicitos citofgicos e est associada a uma

    alta taxa de morbilidade e mortalidade. (6, 26) As localizaes mais frequente dos

    ndulos inflamatrios subcutneos so os membros superiores e inferiores

    podendo ocorrer noutros locais tais como na face e no tronco. Analiticamente

    Figura 10: Ndulos na regio gltea,

    na doena Weber Christian (Pfeiffer

    Weber Christian),

    elrincondelamedicinainterna.blogspot.

    com

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    - 41 -

    caracterstico ocorrer anemia, leucopenia, alteraes da coagulao e da funo

    heptica. Ao exame histolgico observa-se inflamao da rea lobular com

    expanso para os septos. Alguns casos apresentaram maioritariamente inflamao

    septal (26), verificando-se mais uma vez, que a diviso entre paniculite septal e

    lobular est ultrapassada. As clulas inflamatrias predominantes so os

    histicitos, sendo caracterstico desta afeco uma actividade fagoctica intensa

    onde tambm se podem encontrar linfcitos, eritrcitos e plaquetas. (6, 26)

    Figura 11: Leses ulceradas e

    hemorrgicas na paniculite histioctica

    citofgica, (6)

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    - 42 -

    As vasculites sistmicas, so um grupo heterogneo de doenas caracterizadas

    por inflamao e necrose de vasos. Comprometem vrios sistemas de orgos:

    2.2.6.5. POLIARTERITE NODOSA

    A poliarterite nodosa uma vasculite necrotisante sistmica que envolve as

    artrias de pequeno e mdio calibre. Tem alta taxa de mortalidade e normalmente

    os doentes aparecem com sintomas constitucionais como perda de peso, pirexia e

    anorexia.(36) As leses cutneas tipicamente apresentam-se como ndulos

    eritematosos subcutneos que podem ulcerar, sendo o local mais frequente para o

    seu aparecimento os membros inferiores. Um livedo reticular muito caracterstico

    pode ocorrer, preferencialmente nos membros inferiores. (12, 36) Em contraste com a

    doena sistmica, na poliarterite nodosa cutnea no h evidncia de alteraes

    imunolgicas. (36)

    Histologicamente, os ndulos de poliarterite nodosa subcutnea mostram a

    existncia de vasculite septal, tornando fcil a distino da paniculite pancretica

    que tipicamente lobular. Os vasos da derme superior e mdia revelam um

    infiltrado perivascular linfocitrio no especfico. (12)

    Figura 12: Livedo reticular na poliarterite nodosa, (12)

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    - 43 -

    2.2.6.6. VASCULITE DE CHURG-STRAUSS (angete granulomatosa alrgica)

    uma vasculite sistmica necrotisante que atinge vrios orgos, tipicamente

    aparece em indivduos asmticos, sendo caracterizada por febre e eosinofilia. (6)

    Este achado analtico tambm pode ocorrer na paniculite pancretica associada ao

    carcinoma pancretico. (4, 17, 18, 19, 24) Para ser diagnosticada, a vasculite de Churg-

    Strauss, tem de obedecer a determinados critrios, que, por si s, fazem distino

    da paniculite pancretica e dos outros tipos de vasculite. Esses critrios so, a

    asma, mononeuropatia, infiltrados pulmonares radiografia torcica, e

    analiticamente encontra-se eosinofilia. Histologicamente, observa-se vasculite

    necrotisante e granulomas extravasculares. O sintoma principal, que diferencia

    esta doena das outras vasculites, a asma. (6)

    O envolvimento cutneo ocorre em 70% dos doentes, aparecendo desde

    ppulas a ndulos dolorosos nos membros inferiores e superiores mas podem

    atingir outras zonas.

    A histologia tpica de vasculite necrotisante de vasos de pequeno e mdio calibre

    totalmente distinta da histologia de paniculite pancretica. (6)

    Figura 13: Leses cutneas ulceradas caractersticas de vasculite sitmica,

    http://www.scielo.br/img/revistas/jbpneu/v31s1/a04fig01.jpg

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    - 44 -

    2.2.6.7. GRANULOMATOSE DE WEGENER

    A Granulomatose de Wegener caracterizada por uma vasculite granulomatosa

    das vias respiratrias superiores e inferiores juntamente com glomerulonefrite.

    uma vasculite auto-imune e, a especificidade de anticorpos citoplasmticos anti-

    neutrfilos (c-ANCA) para esta doena muito alta, especialmente se existe

    glomerulonefrite. O envolvimento da pele ocorre em 46% dos doentes, e a biopsia

    revela vasculite necrotisante distinguindo-se vasos de mdio calibre, com necrose

    fibrinde, infiltrado neutroflico polimorfonuclear e detritos nucleares. (6, 8)

    2.2.6.8. TROMBOFLEBITE MIGRATRIA

    Afecta veias de mdio e pequeno calibre, sendo a etiologia desconhecida.

    Caracteriza-se pelo aparecimento, em surtos, de ndulos cilndricos ou fusiformes,

    dolorosos localizados principalmente nas extremidades inferiores, nos segmentos

    Figura 14: Mltiplas mculas e ppulas na granulomatose de

    Wegener,(6)

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    - 45 -

    das veias superficiais. (37) Estes ndulos podem ocorrer tambm nas paredes

    abdominais, flancos, membros superiores ou qualquer outra regio.

    Histologicamente, as paredes das veias apresentam-se espessadas, com

    trombos ocluindo o lmen do vaso. As paredes so invadidas por clulas

    inflamatrias e podem apresentar graus variados de fibrose. Ocorre inflamao

    discreta ou nenhuma em torno das veias com ausncia de fibrose ou necrose do

    tecido adiposo. Pode ser indicador de patologia grave sistmica como neoplasia

    visceral. Quando ocorre a associao de neoplasia e tromboflebite migratria

    chama-se sndrome de Trousseau. Distingue-se da paniculite pancretica

    principalmente por ser uma afeco das veias superficiais e por no afectar o

    tecido subcutneo. Ao exame fsico as leses podero apresentar semelhanas,

    mas atravs do exame histolgico faz-se a distino entre as duas. (37)

    Figura 15: Tromboflebite das veias

    superficiais, (6)

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    - 46 -

    2.2.7. Tratamento

    No existe tratamento especfico para esta afeco cutnea mas, como se

    encontra inevitvelmente associada a patologia pancretica implica o tratamento

    etiolgico, desta doena de base.

    A neoplasia pancretica, na maioria dos casos, muito difcil de ser tratada. A

    cura s possvel quando detectados precocemente, mas, pela ausncia de

    sintomas na sua fase inicial, geralmente os tumores malignos do pncreas so

    diagnosticados em fase avanada.

    Nos casos de pancreatite aguda, a cura possvel atravs da administrao do

    octreotido para inibir secreo pancretica e pela introduo de alimentao

    parentrica.

    Na pancreatite crnica poder optar-se pela administrao de enzimas

    pancreticas e, nos casos mais graves, pela cirurgia.

    A necrose da gordura subcutnea tem alta taxa de morbilidade e mortalidade,

    especialmente em casos de neoplasias malignas do pncreas. (20) Segundo

    Requena and Sanchez, 2001 (11), paniculite pancretica associada a carcinoma

    pancretico tende a ser crnica e as leses mais persistentes, com recorrncias

    frequentes, ulcerao e envolvimento de outras reas cutneas para alm das

    extremidades inferiores. (11, 16)

    O tratamento reside na eliminao da doena pancretica de base, que vai

    originar a regresso das leses cutneas em duas a oito semanas. (18)

    Normalmente so menos de dez leses e evoluem para cicatriz atrfica

    hiperpigmentada (1, 33) no deixando manchas residuais de despigmentao como

  • Ana Palhares Delgado

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    no EN. (28) Por outro lado, Watts et al, 1993 (30) afirmam que as leses subcutneas

    regridem sem deixar cicatriz, em dias ou semanas.

    Na sua forma grave, podem tornar-se ulcerativas e flutuantes (4, 18) ou formar

    abcessos estreis. (16, 20)

    A cirurgia de resseco a nica teraputica eficaz no tratamento de cancro do

    pncreas. (8, 11)

    O tratamento depende fundamentalmente do estdio de evoluo do tumor e do

    estado geral do doente. Infelizmente, esta cirurgia apenas possvel em 10-15%

    dos doentes, normalmente em indivduos com tumor da cabea do pncreas, em

    que a ictercia foi o sintoma de apresentao da neoplasia. Os doentes propostos

    para esta cirurgia no podem apresentar metstases. (8)

    A taxa de mortalidade associada a este procedimento superior a 15%, e a

    sobrevida aos cinco anos apenas de 10%. (8) Contudo, os doentes que foram

    submetidos a resseco tumoral e que eventualmente apresentaram recorrncia

    da doena, sobrevivem trs a quatro vezes mais do que aqueles que no foram

    submetidos a cirurgia, o que indica que este procedimento tambm tem um papel

    paliativo. (8)

    O carcinoma das clulas acinares do pncreas um tumor raro e o tratamento

    dos doentes com este tipo de neoplasia ainda no consensual. (38) A paniculite

    pancretica associa-se em 80% a este tipo de neoplasia pancretica. (38)

    Curiosamente, este tumor corresponde apenas a 1% dos tumores excrinos do

    pncreas.

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    Sabbagh et al., 2008 (38) apresentam o caso de um doente do sexo masculino

    com tumor das clulas acinares do pncreas, no qual a reseco pancretica do

    tipo esplenopancreatectomia esquerda foi eficaz, resultando no desaparecimento

    das leses cutneas algumas semanas aps esta cirurgia. Foi submetido a

    quimioterapia com cisplatina e sobreviveu por 13 meses aps a cirurgia.

    Em doentes com tumores irresecveis sem metstases o tratamento com

    quimioterapia juntamente com radioterapia poder aumentar a sobrevida. (8)

    Por outro lado, a aplicao de quimioterapia em doentes com doena

    metasttica revelou-se desanimadora.

    Dahl et al., 1995 (1) apresentam dois casos de pancreatite por clculos biliares,

    que tiveram resoluo das leses cutneas e da doena pancretica aps

    colecistectomia.

    Segundo Lambiase et al., 1996 (3), quando o octeotrido foi administrado a um

    doente com carcinoma pancretico acinar, foi prevenida a formao de novos

    ndulos de paniculite, mas, nem todos os doentes respondem a este tratamento,

    particularmente no caso de pancreatite crnica apresentado por Mourad et

    al.,2001 (2).

    Foi tambm Lambiase et al., 1996 (3) que referiram um doente com pancreatite

    crnica com estenose do ducto pancretico proximal no qual o tratamento consistiu

    na colocao de um stent pancretico. Como resultado, o valor da amilase desceu

    para valores normais numa semana, e houve involuo total das leses cutneas

    em cerca de um ms. A desobstruo de uma estenose levou resoluo da

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    doena pancretica, diminuio da libertao de enzimas pancreticas e

    subsequente regresso da paniculite.

    Pena et al., 1999 (20) preconizam teraputica paliativa como analgesia e

    tratamento postural. Heykharts et al., 1999 (24) apresentam um caso em que se

    tentou o tratamento das leses cutneas com amoxicilina, meias elsticas e

    repouso que no provocaram melhoria. Corticosterides administrados ao mesmo

    doente, tambm no melhoraram o quadro de paniculite pancretica. Foi tambm

    Mourad et al, 2001 (2) que apresentaram um caso, que, aps tratamento com AINE

    e corticosterides, no melhoraram as queixas de algia articular. A terapia com

    AINE e agentes imunossupressores mostraram-se ineficazes no processo

    inflamatrio, no interferindo na evoluo dos ndulos subcutneos, nem no

    processo articular. (18)

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    2.2.8. Prognstico

    2.2.8.1. Quanto sobrevida

    A paniculite uma leso cutnea altamente especfica para doena pancretica,

    particularmente para o carcinoma acinar do pncreas, e denota mau prognstico.

    (18)

    Este depende da doena de base e tambm da extenso da necrose gorda a

    outros orgos e estruturas (articulaes, ossos, pleura). (21)

    A taxa de mortalidade associada cirurgia de resseco de tumor do pncreas

    superior a 15%, e a sobrevida aos cinco anos apenas de 10%. A sobrevida mdia

    para doentes com tumores pancreticos no ressecveis de seis meses. (8)

    Segundo Mourad et al., 2001 (2) esta afeco cutnea apresenta mau

    prognstico com taxa de mortalidade que chega aos 40%, em doentes com

    pancreatite com uma ou mais manifestaes extrapancreticas. O prognstico

    agrava quando ocorre artrite como primeira manifestao de doena pancretica.

    Na ocorrncia de serosites e derrames, associa-se tambm imediatamente um pior

    prognstico. (10)

    A trade necrose gorda, poliartrite e doena pancretica mencionada como

    uma sndrome que ocorre em menos de 1% dos doentes com pancreatite aguda ou

    carcinoma pancretico mas com altas taxas de mortalidade. (30)

    A Trade de Schmid, que consiste na associao de paniculite pancretica,

    poliarterite e eosinofilia, foi mencionada por Beltraminelli et al. (4) como sinal de

    mau prognstico. Heykharts et al. (24) afirmam que, em alguns doentes, a

    associao paniculte com doena pancretica, artrite, derrame pleural, ascite e

    eosinofilia revela igualmente um mau prognstico.

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    2.2.8.2. Quanto qualidade de vida

    Considerando-se que na maioria das vezes enfrentamos um tipo de cancro

    incurvel, muito importante que se evite ao mximo a morbilidade associada ao

    tratamento sem comprometer o sucesso teraputico. Apesar de ainda no existir

    uma cura definitiva, as opes disponveis permitem um bom equilbrio entre

    eficcia e efeitos colaterais, o que possibilita melhor qualidade de vida.

    O controlo da dor importante na melhoria da qualidade de vida dos doentes

    com neoplasia do pncreas. Caractersticamente uma dor abdominal constante e

    grave, necessitando de altas doses de analgsicos narcticos. (8)

    A radioterapia em doentes com tumores irresecveis, sem invaso de outros

    orgos alm do pncreas, no aumentou a sobrevida mas teve aco paliativa ao

    diminuir o tamanho do tumor e consequentemente a dor. (8)

    A quimioterapia com frmacos tais como a gemcitabina, mostrou melhorar a

    qualidade de vida em doentes com neoplasia pancetica avanada. (8)

    Acima de tudo, os tratamentos paliativos visam a melhoria da qualidade de vida

    do doente principalmente naqueles com tumores irresecveis ou com invaso de

    estruturas vizinhas.

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    Captulo 3

    3.1. Descrio do caso clnico

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    3.1. DESCRIO DO CASO CLNICO

    Os dados da Histria Clnica foram recolhidos atravs dos registos do processo

    clnico do doente. A anamnese, foi baseada em registos das consultas de

    Dermatologia e dos internamentos em Cirurgia e Gastrenterologia, por falta de uma

    histria clnica completa do doente. No foi possvel apurar antecedentes

    familiares, e, evidentemente, no foi possvel realizar exame fsico. Esta descrio

    corresponde a um resumo da histria clnica do doente, no seu fim de vida.

    IDENTIFICAO

    Nome: J.L.

    Sexo: Masculino

    Idade: 84 anos

    Data de Nascimento: 25/11/1920

    Naturalidade: Covilh

    Residncia: Covilh

    HISTRIA CLNICA

    O doente foi enviado consulta de Dermatologia do CHCB pelo Centro de Sade

    da Covilh no dia 10 de Maio de 2005, por leses nodulares eritematosas a nvel

    dos membros inferiores, com evoluo h cerca de um ano.

    Nesse dia foi realizada bipsia de uma das leses nodulares. Na mesma

    consulta, foi detectada uma mancha pigmentada na hemiface direita, muito

    sugestiva de lntigo maligno, pelo que foi tambm feita uma bipsia desta leso. O

    doente foi medicado com Indometacina (anti-inflamatrio no esteride AINE),

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    para alivio sintomtico, ficando de regressar dai a 10 dias para conhecimento dos

    resultados histopatolgicos.

    Figura 16: Doente com ndulos subcutneos eritematosos no membro inferior no dia

    10/05/05, Gentilmente cedido pelo Dr. Carlos Monteiro, CHCB

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