palavras em movimento: o discurso jornalístico sobre o sujeito com deficiência

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

DANIELLA HAENDCHEN SANTOS

PALAVRAS EM MOVIMENTO:

O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O SUJEITO DEFICIENTE

Itajaí

2004

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DANIELLA HAENDCHEN SANTOS

PALAVRAS EM MOVIMENTO:

O DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE O SUJEITO DEFICIENTE

Monografia apresentada à disciplina ProjetosExperimentais como requisito à conclusão doCurso de Comunicação Social Habilitação emJornalismo, do Centro de Educação Superior de

Ciências Humanas e da Comunicação, daUniversidade do Vale do Itajaí.

Orientador: Prof. MSc. Rogério Christofoletti.

Itajaí

2004

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DEDICATÓRIA

Aos avós Sálvio e Ena

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AGRADECIMENTOS

Aos alunos e funcionários da Escola Especial Tempo Feliz,

À mãe-amiga Carla,

À irmã Deborah,

Ao mestre Rogério Christofoletti.

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Cada um pensa em mudar a humanidade,

mas ninguém pensa em mudar a si mesmo.

Tolstoi (1828-1910)

 Não basta que seja pura e justa a nossa causa.

É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós.

Agostinho Neto (1922-1979)

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SUMÁRIO

RESUMO ..................................................................................................................................... 07

SUMMARY ................................................................................................................................. 08

PRIMEIRAS PALAVRAS........................................................................................................... 09

1. COMO UMA FOLHA DA ÁRVORE: A participação da mídia e sociedade na construção

da Sociedade para Todos ............................................................................................................. 12

2. A ANÁLISE DO DISCURSO E A IMPRENSA: Revisão de conceitos ................................ 20

3. FRÁGEIS COMO AS PENAS: Os discursos dos jornais catarinenses sobre as pessoas com

deficiência .................................................................................................................................... 27

3.1. Sujeito Deficiente, o sujeito oculto da história ..................................................................... 27

3.2. Terminologias, as penas que os ventos espalham ................................................................. 423.3. Sensacionalismo, a imagem grotesca do sujeito deficiente .................................................. 46

3.4. Políticas Públicas, um direito de todos ................................................................................. 50

3.5. Discriminação, ninguém a merece ........................................................................................ 54

PALAVRAS FINAIS .................................................................................................................. 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 63

APÊNDICE ................................................................................................................................. 66

ANEXO ....................................................................................................................................... 85

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RESUMO

Esta pesquisa é uma descrição do funcionamento discursivo das matérias jornalísticas sobre as

pessoas com deficiência publicadas nos principais jornais catarinenses durante a Semana

Nacional do Excepcional, comemorada entre os dias 21 e 28 de agosto, de 2003. Esse

exercício de reflexão consiste em observar, através da Análise do Discurso de linha francesa,

os mecanismos de operação da linguagem e as condições sócio-históricas que envolvem o

discurso da imprensa local. São observados textos dos jornais  Diário Catarinense, Jornal de

Santa Catarina  e  A Notícia que contêm expressões referentes às pessoas com deficiência e

que demonstram como o assunto é retratado pela imprensa. Estas expressões foram

confrontadas com os textos que as contêm, possibilitando uma análise completa sobre a

construção da imagem da pessoa com deficiência. Numa análise prévia, foi diagnosticado o

reforço aos preconceitos, o despreparo técnico e a ignorância sobre o tema. O jornalista

precisa, então, rever procedimentos sob o prisma da inclusão para que a mídia colabore no

processo de construção da Sociedade para Todos, uma transformação social promulgada pela

Resolução 45/91 da Organização das Nações Unidas (ONU) e que contempla o

reconhecimento da diversidade humana. A atuação dos meios de comunicação como aliados

pró-inclusão facilita o processo de conscientização/ação da sociedade que, ao desmistificar a

deficiência, rompe com as barreiras incapacitantes que impedem a participação plena e efetiva

dos indivíduos deficientes.

Palavras-chave:

Deficiência, Mídia, Análise do Discurso, Inclusão e Sociedade.

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SUMMARY

This research is a description of the discursive operation of the journalistic matters on the

people with deficiency published in the principal catarinenses newspapers during the National

Week of the Exceptional, from the 21st of August to the 28st, of 2003. That reflection exercise

consists of observing, through the Analysis of the Speech of French line, the mechanisms of

operation of the language and the socio-historical conditions that involve the speech of the

local press. Texts of the newspapers  Diário Catarinense,  Jornal de Santa Catarina  and  A Notícia were observed, and they contain referring expressions to the people with deficiency

and that demonstrate how the subject is portrayed by the press. The expressions were

confronted with the texts that contain them, making possible a complete analysis about the

construction of the person's image with deficiency. In a previous analysis, was diagnosed the

reinforcement to the prejudices, the technical unpreparedness and the ignorance on the theme.

The journalist must, then, review procedures under the prism of the Inclusion so that the

media can collaborate with the process of construction of the Society for All, a social

transformation promulgated by the Resolution 45/91 of the Organization of the United

Nations (ONU) and that contemplates the recognition of the human diversity. The

performance of the communication means as an allied for-inclusion it facilitates the

process/action of the society that, upon desmistificating the deficiency, breaks up with the

unabling that they impede the full and effective participation of the deficient individuals.

Key-words:

Deficiency, Media, Analysis of the Speech, Inclusion and Society.

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Primeiras Palavras

A intenção de pesquisar o binômio Mídia-Deficiência surgiu, a partir de uma atividade

curricular em Antropologia, quando visitei a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

(APAE), de Balneário Camboriú. Naquela tarde ensolarada de 28 de maio de 2001, o contato

com a diferença/deficiência transformou minha filosofia de vida. Se há tempos atrás, devido

minha herança sócio-educacional, eu pensava que apenas o governo deveria se preocupar com

os grupos excluídos, hoje, acredito que cada cidadão é responsável pelo progresso da

humanidade, incluindo aí, a atuação dos profissionais da comunicação.

Como conseqüência do pensamento libertador, em que meus pré-conceitos foram

aniquilados, minha participação pessoal misturou-se à profissional na construção de uma

Sociedade para Todos. A primeira semente a ser plantada é este Trabalho de Conclusão de

Curso, cujos dados consistem em descrições detalhadas do funcionamento discursivo sobre a

deficiência nos três principais jornais impressos de Santa Catarina:  Diário Catarinense,

 Jornal de Santa Catarina e  A Notícia.  No entanto, minha preocupação não é com a

representação numérica a respeito das matérias publicadas pelos referidos jornais, mas sim

com a qualidade do conteúdo referente às pessoas com deficiência.

Ao longo de três anos, fiz o levantamento bibliográfico e constatei que há poucas

pesquisas científicas em torno do tema Mídia-Deficiência, embora haja livros excelentes paranortear qualquer trabalho sobre a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Desta

maneira, autores como Romeu Kazumi Sassaki (2002) e Cláudia Werneck (2000) são a alma

desta pesquisa, pois em seus trabalhos a mídia aparece como alicerce junto à família e à

escola na construção da Sociedade para Todos. Além disso, é dever dos profissionais da

comunicação ajudar na construção de uma imagem positiva e humana da pessoa com

deficiência através de informações edificantes. 

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Mas, durante a pesquisa de campo, realizada entre os dias 21 e 28 de agosto de 2003,

recorte temporal referente à Semana Nacional do Excepcional, constatei a falta de

aprofundamento nas pautas com foco na deficiência. A maioria delas são notas escondidas

pelos quatro cantos da página do jornal e que dão continuidade à exclusão social, porque não

compreende o real significado da diferença/deficiência. De fato, há certo desinteresse pelos

profissionais da comunicação em, também, plantar a semente da Sociedade para Todos, que

contribui para o reconhecimento da deficiência como parte da diversidade humana e põe fim a

toda forma manifesta de discriminação.

Ressalto que, não foi minha pretensão fazer deste trabalho um manual do

“politicamente correto”. Minha intenção foi propor aos jornalistas, principalmente os

catarinenses, uma visão mais igualitária e humana a respeito das pessoas com deficiência. O

 jornalista tem o poder de influenciar a opinião pública e pode dar sua contribuição à

Sociedade para Todos se assumir sua responsabilidade social sob o prisma da Inclusão.

Portanto, esta pesquisa se caracteriza pela reflexão sobre o discurso da imprensa local, uma

vez que nela constatei um conteúdo ineficaz para formação de opinião positiva em relação às

pessoas com deficiência.

Com o auxílio de autores como Eni Puccinelli Orlandi (1997) e Helena Nagamine

Brandão (2000), a metodologia utilizada para tal reflexão foi a Análise do Discurso de linha

francesa, que propõe o estudo descritivo da formação discursiva sobre o sujeito no imagináriopopular e dos sentidos possíveis do contexto, para aprofundar a compreensão de um grupo

social tão excluído. Contudo, a existência de termos que reforçam o preconceito, a

discriminação, o estereótipo e o estigma no conteúdo dos jornais catarinenses denunciam a

ignorância e o receio dos jornalistas em retratar as pessoas com deficiência nas suas matérias.

Logo, um trabalho de análise discursiva facilita o entendimento de que as práticas

sociais discriminatórias são conseqüências de práticas discursivas, também, discriminatórias.

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Os pensamentos negativos e preconceituosos do jornalista sobre a pessoa com deficiência

estão impressos diariamente nas páginas dos jornais e influenciam na opinião pública. Como

um ciclo vicioso, as crianças se tornarão adultos preconceituosos porque a (in)formação sobre

a diferença/deficiência não lhes propuseram uma educação inclusiva, em que a convivência

com as diferenças possibilita o reconhecimento e aceitação natural da diversidade humana.

Para aprimorar a cobertura jornalística sobre temas de relevância social, os

preconceitos devem ser aniquilados para que a atitude perante a diferença seja cooperativa.

Nela, a divisão de responsabilidades entre os cidadãos pela qualidade de vida da humanidade

está garantida, porque tomar uma atitude cooperativa significa reconhecer a dignidade de cada

ser humano, contribuir com idéias e visões inovadoras e, também, transformar o poder pessoal

em serviço do bem-estar de todos os indivíduos da sociedade.

Assim, ao exigir mudança de atitude e comportamento da sociedade, os jornalistas

precisam, também, rever seus procedimentos e técnicas de trabalho para facilitar o processo

de conscientização/ação proposto pela Resolução 45/91 da ONU, um documento que clama

por transformações sociais urgentes para concluir até 2010 a Sociedade para Todos. Nesse

sentido, os meios de comunicação fortalecem as raízes da sociedade, porque através de um

conteúdo eficaz, a deficiência será desmistificada pelo público, que ao perder o medo do

desconhecido, possibilitará às pessoas com deficiência a convivência plena e efetiva na vida

em sociedade.

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1. Como uma folha da árvore:

A participação da mídia e sociedade na construção da Sociedade para Todos

Lá nos campos de uma cidade interiorana havia uma árvore grande e repleta de folhas.

Cada folha com suas características próprias, diferindo, assim, uma das outras. Durante o

outono, elas tiveram suas cores alteradas. Era o sinal de que chegou a hora de cair ao chão.

Uma delas estremeceu de tanto medo, não sabia o que poderia lhe acontecer lá embaixo.

Numa manhã fria, os ventos fortes a arrancaram do galho e suavemente ela caiu ao chão. A

descoberta foi incrível! Na nova posição, pela primeira vez, ela pôde apreciar a beleza de uma

árvore inteira. E, ainda, as outras folhas, que a esperaram ansiosas, lhe disseram que sua

participação naquele solo fortificaria aquela árvore tornando-a mais vigorosa. 1 

***

Assim acontece com os seres humanos: o medo nos enfraquece diante daquilo que é

desconhecido. Quando encontramos uma pessoa com deficiência, cuja limitação é parte da

diversidade humana, confrontamos nossas semelhanças e diferenças para pôr em julgamento

aquilo que não nos é familiar. Desta maneira, a pessoa com deficiência é estigmatizada

porque está fora dos padrões estéticos, físicos e mentais produzidos, pela sociedade, nasrelações pessoais, e que refletem no pensamento, nas imagens e atitudes dos homens.

Tal comportamento é resultado da construção histórica da divisão hierárquica das

condições humanas, em que o corpo bem formado define o ser normal. Essa idéia é

reproduzida pelas gerações por longos anos. Nas sociedades mais antigas, a exclusão

significava o morticínio de bebês nascidos com deficiência. Muitos deles eram jogados em

1  Texto adaptado do original “História de uma folha”, uma mensagem recebida por correio eletrônico, cujaautoria é desconhecida.

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esgotos, abandonados ao relento ou queimados junto às suas mães. A deficiência era vista

como um castigo divino para alcançar a purificação da alma.

A Igreja Católica foi a primeira entidade a se preocupar com a situação deplorável em

que viviam as pessoas com deficiência, oferecendo-lhes, então, proteção em abrigos junto aos

doentes e idosos. No princípio, esses abrigos eram nas dependências da igreja. Depois

surgiram os asilos, conventos e albergues destinados às pessoas com deficiência. Porém, o

tratamento oferecido era de reclusão total, sem nenhum tipo de atendimento psico-pedagógico

e centralizado na área médica e sanitária.

A segregação institucional, praticada até o final da década de 1940, não atingiu bons

resultados porque ao afastar as pessoas de suas famílias, impediu que elas enfrentassem os

desafios da vida. Conseqüentemente, o desenvolvimento, tanto das habilidades quanto da

tomada de decisões, era limitado e a interação com a sociedade, nula. Por outro lado, numa

visão mais otimista, essa fase contribuiu para o progresso da humanidade, porque não

estimulou o extermínio das pessoas com deficiência.

O ponto de partida para a evolução das práticas sociais é a promulgação da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em 1948, em que são afirmados os direitos e os deveres sob

condições de igualdade e liberdade entre todos os homens. Esse documento marca a transição

da fase segregacionista para integracionista, na qual as pessoas com deficiência são

reconhecidas como cidadãos participantes da sociedade desde que, através da reabilitação,experimentem os padrões e estilos de vida comuns à sua cultura a fim de se adequar à

sociedade como ela é, sem maiores modificações. (SASSAKI, 2002).

É com essa mentalidade que, a partir dos anos 60, as pessoas sem deficiência ligadas,

ou não, a pessoas com deficiência formam os primeiros movimentos organizados para

reivindicar melhores condições de vida com mais dignidade, participação plena e efetiva dos

indivíduos deficientes na sociedade. Mas, assumem uma postura paternalista-assistencial

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diante dessas reclamações. Rui Bianchi do Nascimento (2001) diz que essa característica

reforça o estereótipo, uma atitude ainda existente baseada em desinformações, da

incapacidade das pessoas com deficiência em seguir seu próprio caminho.

Deste modo, a Integração é uma prática social insuficiente para pôr fim nas formas de

manifestação da discriminação porque se sustenta no modelo médico da deficiência, cujo

destaque é a representação patológica da deficiência, em que cabe ao sujeito deficiente “o

papel desamparado e passivo de paciente, no qual ele é dependente do cuidado de outras

pessoas, incapaz de trabalhar, isento dos deveres normais, levando uma vida inútil”. (STIL

apud  SASSAKI, 2002, p.28). 

É válido ressaltar que a deficiência não é patológica, mas sim congênita ou adquirida.

Na sociedade em que vivemos, é comum haver a confusão entre deficiência e doença, pois o

preconceito existente é originário da falta de informações sobre as deficiências. Com isso,

acreditamos na incapacidade das pessoas com deficiência por considerá-las doentes. Aliás,

esse pensamento é o reflexo das primeiras tentativas de educar e tratar as pessoas com

deficiência em instituições segregativas, misturando-as com pessoas doentes, cujo tratamento

era igual para todos os internos.

Porém, uma deficiência pode ser conseqüência de uma doença, mas nunca o contrário.

Um exemplo é a rubéola. Se a mãe contrair a doença durante a gestação, a criança pode nascer

com deficiência, mas gozando de boa saúde. De acordo com Léo Buscaglia (1983), adeficiência, na sua maioria, é o produto de partos mal sucedidos e acidentes automobilísticos.

Logo, é um equívoco considerar que as pessoas com deficiência sejam doentes, porque uma

doença é passível de cura. A deficiência, pelo contrário, a pessoa consegue através da

reabilitação desenvolver habilidades prejudicadas, mas não é a cura total.

Diante dos impasses conceituais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou,

em 1980, a Classificação Internacional dos Casos para definir: Desvantagem (concerne aos

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prejuízos que a deficiência acarreta ao indivíduo); Deficiência (modificação temporária ou

permanente que ocasiona anomalia, defeito ou perda de qualquer estrutura corporal) e

Incapacidade (conseqüência da deficiência no que se refere ao desempenho das atividades do

cotidiano).

Ou seja, algo ocorre com o indivíduo (de forma congênita ou adquirida) em função

de uma cadeia de circunstâncias (etiologia) provocando alterações na estrutura ou

funcionamento do corpo (patologia). Essas alterações (manifestações), se evidentes,

são exteriorizadas por anomalias na estrutura ou aparência, ou ainda no

funcionamento de um órgão ou sistema (deficiência) alterando a capacidade de

realização (incapacidade), o que pode colocar o indivíduo em situação de prejuízo

(desvantagem), resultante de deficiência ou incapacidade, em relação a outros

indivíduos de seu grupo. (AMARAL, 1995, p.65).

Ressaltamos que essa Classificação enfoca apenas os aspectos médicos da deficiência,

pois foi formulada somente por profissionais da saúde. Com isso, podemos dizer que a

diferença biológica é conduzida para a vida social do cidadão, pois a sociedade define o

sujeito deficiente pela sua limitação, transformando-no em sujeito incapacitado. Mas, o fato

de ter uma limitação não invalida as potencialidades das pessoas. Todos nós, pessoas sem e

com deficiência, possuímos limitações que nos impedem de realizar alguma tarefa, mas nem

por isso somos incapazes de participar plena e efetivamente da vida em sociedade.

Reconhecer as diferenças e os talentos em pessoas que nos ensinaram a ver somente as

limitações é uma meta a se alcançar com a construção da Sociedade Inclusiva, um novo

modelo de processo social promulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) na

Resolução 45/91, que determina a “mudança de foco do programa das Nações Unidas sobre

deficiência passando da conscientização para a ação, com o propósito de se concluir com

êxito uma sociedade para TODOS por volta do ano de 2010”.

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Desta maneira, a Sociedade Inclusiva (leia-se Sociedade para Todos) reclama por

reformulações nas políticas sociais vigentes para atender as necessidades de quaisquer

pessoas, assumindo, assim, um compromisso com ela mesma, pois “todos têm direito de

participar ativamente da sociedade, contribuindo de alguma forma para o seu

desenvolvimento, principalmente os indivíduos marginalizados que terão a oportunidade de

mostrar seus talentos”. (WERNECK, 2000, p.42). Na Inclusão, a responsabilidade pela

qualidade de vida do outro é dividida entre todos.

Uma ressalva, o conceito de Inclusão surgiu na Declaração de Salamanca, anunciada

pela UNESCO em 1994, junto aos princípios norteadores da Escola Inclusiva. Nela, os alunos

devem estudar juntos nas mesmas classes independente dos atributos físicos e mentais e a

escola, por sua vez, deve desenvolver uma proposta curricular que atenda as necessidades

deles. (SASSAKI, 2002). A partir daí, surgiram expressões derivadas como Sociedade

Inclusiva, Empresa Inclusiva, Turismo Inclusivo, Lazer Inclusivo, Mídia Inclusiva, dentre

outros.

Baseada no modelo social da deficiência, que enfatiza os direitos humanos e a

equiparação de oportunidades para as pessoas com deficiência, a Inclusão traz benefícios para

todos os seres humanos, independente deles terem, ou não, uma deficiência, porque segue

preceitos que valorizam a integridade das pessoas, tais como: “celebração das diferenças,

direito de pertencer, valorização da diversidade humana, solidariedade humanitária, igual

importância das minorias, cidadania com qualidade de vida”. (SASSAKI, 2002, p.17).

Porém, a ignorância, a negligência, a superstição e o medo são fatores que retardam o

processo que nos leva a Inclusão. Por isso, a mídia deve atuar como uma aliada pró-inclusão

na difusão da consciência de co-responsabilidade que cada indivíduo possui no

desenvolvimento da sua comunidade. Além disso, o poder de influenciar opiniões contribui

para a desmistificação da deficiência, uma vez que a sociedade precisa aceitar as diferenças

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para romper com as barreiras incapacitantes que impedem a participação plena dos indivíduos

deficientes na sociedade.

Por outro lado, Sueli Yngaunis (2001) verificou, numa pesquisa sobre a participação

da mídia no universo das pessoas com deficiência, que os profissionais da comunicação não

as consideram um público relevante. É válido ressaltar que, de acordo com a OMS, em

qualquer população há 10% de indivíduos com alguma deficiência, assim distribuídos: 5%

deficiência mental, 2% deficiência física, 1,5% deficiência auditiva, 1% deficiência múltipla e

0,5% deficiência visual. Logo, há no Brasil aproximadamente 17 milhões de pessoas com

deficiência.

Se pensarmos ainda que há pelos menos duas pessoas (pai e mãe) envolvidas

diretamente com esses indivíduos, teremos, então, 34 milhões de seres humanos que esperam

por viver numa sociedade mais justa e humana. Assim, o descaso ou o despreparo dos

 jornalistas diante dessa parcela da população é uma situação inaceitável porque não contribui

para a construção da Sociedade Inclusiva. Pelo contrário, os “pré-conceitos” são

exteriorizados diariamente nos veículos de comunicação através de informações mal

colocadas e que geram múltiplas interpretações, comprometendo, assim, a qualidade das

notícias.

Entretanto, o jornalista prefere preservar a imagem das pessoas com deficiência para

usufruí-la apenas em pautas como descobertas científicas, atividades assistenciais e datas

comemorativas. Ana Maria Morales Crespo (2000, p.06) afirma que “a mídia reflete uma

imagem tão imprecisa e incompleta - das pessoas com deficiência -, que torna impossível

reconhecer-se nela”. Logo, as informações distorcidas são sustentadas pela falta de

(in)formação sobre a diferença/deficiência.

Essa postura é o reflexo da nossa herança sócio-educacional, pois, quando criança não

nos ensinaram que a deficiência é parte da diversidade humana. E, assim, crescemos

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acreditando que as pessoas com deficiência são diferentes demais para interagir com a

sociedade. Por este motivo, o debate em torno da Educação Inclusiva tem se destacado nos

documentos internacionais para que a sociedade atente para o fato de que a família e a escola

devem educar a criança sob o prisma da Inclusão, para no amanhã, ela ser um adulto despido

de preconceitos.

Portanto, a participação dos profissionais da comunicação, como aliados da família e

da escola, no processo de transformação social é necessária, pois eles são mediadores de

diferentes saberes. Pela Declaração de Sundberg, anunciada pela UNESCO em 1981, “o

conteúdo das informações disseminadas pela mídia, assim como o treinamento dos

profissionais da mídia, precisa incluir aspectos correspondentes aos interesses e necessidades

das pessoas deficientes”. (SASSAKI, 2002, p.155).

Porém, os jornalistas demonstram estar atrasados na divulgação de mensagens

edificantes à Sociedade Inclusiva, pois entendemos que a deficiência não é assunto de

interesse coletivo, apenas de alguns núcleos familiares que têm um integrante com

deficiência. Nas palavras de Veet Vivarta (2003, p.12), “a não valorização do assunto

‘deficiência’ como de utilidade e de interesse públicos, provoca o empobrecimento das

matérias publicadas com este foco nos jornais brasileiros”.

Por convicção, podemos afirmar que indivíduo e sociedade são indissociáveis. A

discriminação contra as pessoas com deficiência é um problema a ser resolvido por todos,

porque somos produto e produtores da história. Comumente, acreditamos que o governo deve

equacionar os problemas da nação, quando, na verdade, a sociedade organizada consegue

resolver problemas sociais agudos sem depender do Estado, pois a mudança de

comportamento começa pela mentalidade das pessoas, que precisam se conscientizar e tomar

atitudes construtivas para eliminar todas as formas de discriminação.

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Nós somos mais capazes do que o Estado para entender os anseios das pessoas

comuns e seus problemas relacionados à vida cotidiana. Não cabe ao Governo a

tarefa de resolver todos os problemas sociais, até porque nem sempre os problemas

sociais que enfrentamos são de responsabilidade apenas do Governo. (WERNECK,2000, p.186).

Julgamos, então, que os meios de comunicação são um espaço público, de interação

entre os cidadãos no processo de circulação e tomada de decisões políticas. Por esse motivo,

eles podem acelerar o processo de conscientização/ação da sociedade desde que os jornalistas,

dentre outros profissionais, sejam reeducados sob a perspectiva da Inclusão para que “as

informações provoquem reflexões capazes de romper com paradigmas anteriores. É quando o

 jornalista assume seu papel de educador social”. (WERNECK, 2002, p.48).

Assim, a atuação da mídia, junto à escola e a família, no processo educacional da

sociedade fortalecerá as raízes da Sociedade Inclusiva, uma vez que as pessoas perderão o

medo de enfrentar o desconhecido, assim como as folhas que caíram ao chão. Todas as

mudanças da vida nos exigem coragem para superar os obstáculos encontrados pelo caminho,

mas é preciso dar o primeiro passo para fazer com que a bela árvore seja vigorosa. Na

Sociedade Inclusiva, o primeiro passo é reconhecer a diversidade humana.

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2. A Análise do Discurso e a Imprensa:

Revisão de conceitos

Se para toda ação existe uma reação, as práticas sociais ante a diferença/deficiência se

revelam discriminatórias porque o preconceito, a discriminação, o estereótipo e o estigma

estão presentes também nas práticas discursivas. Isto é, as informações veiculadas pelos

meios de comunicação estão tão carregadas de sentidos e significados negativos acerca da

deficiência que dão continuidade à má (in)formação da sociedade e à, conseqüente, exclusão

social dos sujeitos deficientes.

Milton José Pinto (2002) afirma que - nas práticas sociais - todo o processo de

produção, circulação e recepção de discursos é fundamental para a mudança das

representações, identidades e relações sociais. Assim, o jornalismo é como uma ponte entre

práticas discursivas e sociais porque influencia na mentalidade das pessoas, uma vez que

todos os dias as informações circulam repetidamente nos meios de comunicação. Portanto, a

má qualidade da notícia gera desinformação e, por outro lado, a notícia edificante transforma

mentalidades.

O discurso é o uso da linguagem como uma forma de prática social, mais que uma

atividade individual ou um reflexo de situações variáveis (...) O discurso é visto

como um modo de ação, uma forma pelo qual as pessoas podem agir sobre o mundo

e especialmente sobre outras pessoas. (FAIRCLOUGH apud BONFIM, 2002, p.12).

Neste sentido, o discurso jornalístico tem poderes para disciplinar a massa sobre o real

significado da diferença/deficiência desde que as condições de produção do discurso, também,

contribuam para mudança de comportamento e atitude social. Afinal, o contexto histórico-

social em que vivemos, os interlocutores, o lugar de onde se fala e a imagem que se constrói

do outro são fatores que, também, dependem de uma nova postura perante a deficiência. Por

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este motivo, os jornalistas, dentre outros profissionais, precisam rever procedimentos e

técnicas de trabalho para melhor contribuir com as práticas discursivas e sociais inclusivas.

Sendo assim, através da Análise do Discurso de linha francesa, uma base teórico-

metodológica desenvolvida por Michel Pêcheux a partir de 1969, podemos descrever, explicar

e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e recepção dos sentidos e

significados vinculados aos discursos. Ou seja, pela Análise do Discurso podemos estudar as

condições de produção e circulação dos sentidos e significados dispersos no contexto, e sua

exterioridade incidente. Então, “a Análise do Discurso se ocupa da passagem do não-sentido

ao sentido”. (ORLANDI, 1997, p.179). Conseqüentemente, podemos refletir sobre as práticas

sociais derivadas das discursivas.

E nesta passagem, observamos a maneira como as regras da língua funcionam no

discurso e como as condições histórico-sociais auxiliam na construção dos significados acerca

da deficiência, através de recursos lingüísticos e estratégias verbais utilizados nos enunciados,

e que demonstram a ideologia do autor. Para Milton José Pinto (2002, p.27), “a Análise do

Discurso não se interessa tanto pelo que o texto diz, pois não é uma interpretação semântica

de conteúdos, mas sim em como e por que o diz”. E cabe ao analista do discurso encontrar e

interpretar os sentidos possíveis, formados pela ideologia, presentes no discurso.

A prática do analista do discurso, deliberadamente um trabalho de arquivo, vai ter

como núcleo a investigação das positividades enunciativas, a observação dos

estratos das seqüências discursivas. (...) Importa mostrar como funciona a

linguagem, que mecanismos são próprios de determinada formação discursiva, de

que maneira se operam os processos de substituição de palavras e os de constituição

de sentido. (CHRISTOFOLETTI, 2000, p.55).

O discurso mostra-se, então, como um lugar em que os indivíduos ocupam sua posição

de sujeito para manifestar idéias e pensamentos através da linguagem. Logo, tal discurso pode

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ser um texto, uma fala, um artigo de jornal, um conjunto de frases, enfim... Para tanto, na

análise discursiva, um discurso serve como objeto de estudo porque nele podemos nos

debruçar sobre os enunciados, ou até mesmo sobre as palavras que os constituem, a fim de

melhor compreender os processos de significação e formação de sentidos.

Diante disso, entendemos que os sentidos do discurso (escrito ou falado) estão

estabelecidos no contexto porque envolve pelo menos dois interlocutores nos processos de

produção, circulação e recepção de discursos. Logo, o discurso é efeito de sentido porque seu

funcionamento constrói sentidos, sujeitos e verdades. (CHRISTOFOLETTI, 2000). Portanto,

é pelo discurso que acontece, também, a interação social. O indivíduo elabora mentalmente

conteúdos, os expressam pela fala, o outro os recebem, decodificando significados.

Assim, a dinâmica do funcionamento discursivo está submetida às leis históricas e,

também, às intervenções da ideologia e do inconsciente. Então, a constituição do discurso está

na diversidade da fala do sujeito. Mas, Eni Puccinelli Orlandi apud   Helena Nagamine

Brandão (2000, p.89) nos explica que “o discurso não é fechado em si mesmo e nem é de

domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao

lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos”. Sendo assim, a

atividade jornalística revela-se polifônica porque diferentes discursos estão em circulação no

contexto jornalístico, demonstrando, assim, a possibilidade de variações no sentido,

constituído pela ideologia de cada locutor. Para tanto, o conceito de Formação Discursiva nos ajuda a compreender que as

variações de sentido podem ocorrer no discurso porque:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,

semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de

enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade,

diremos, por convenção, que se trata de uma Formação Discursiva”. (FOUCAULT,

1987, p.43).

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Em outras palavras, a Formação Discursiva designa na Análise do Discurso “todo o

sistema de regras que fundam a unidade de um conjunto de enunciados sócio-historicamente

circunscritos, determinando o que pode e deve ser dito a partir de uma dada posição

ideológica numa determinada conjuntura”. (PINTO, 2002, p.60).

Logo, a Formação Discursiva está relacionada à formação ideológica. A definição

daquilo que pode e deve ser dito a partir de um lugar faz com que um enunciado apareça com

formações discursivas diferentes, ocorrendo, assim, variações no sentido. (BRANDÃO,

2000). É o caso da terminologia “pessoa portadora de necessidades especiais” tida como

sinônimo de “pessoas com deficiência”. Tal expressão pode ou não significar “pessoas com

deficiência”, mas dependendo do contexto os sentidos podem ser variados porque ter uma

necessidade especial não quer dizer, necessariamente, ter uma deficiência. 

Contudo, a noção de sujeito está relacionada à ideologia porque se é pela linguagem

que a ideologia se manifesta, então, o sujeito é efeito desta linguagem porque sua posição é

um lugar de fala. Conseqüentemente, sua ideologia, posta em prática pelo discurso, é

responsável pela produção de sentidos. No entanto, para Helena Nagamine Brandão (2000,

p.92) “o sujeito não é a origem, a fonte absoluta do sentido, porque na sua fala outras falas se

dizem”. Assim, tudo o que é dito de uma certa posição revela as condições de produção do

discurso porque são nelas que os sentidos estão embutidos.

Para tanto, a teoria polifônica de Mikhail Bakhtin designa que todo discurso é feitopelo cruzamento de vozes em debate com outros discursos. Neste estudo sobre o discurso

acerca da deficiência, podemos dizer que a heterogeneidade enunciativa aparece no

relacionamento entre as vozes de autoridade e do sujeito deficiente, a história pessoal do

repórter, do momento histórico em que se vive, a ideologia do jornal e daquilo que se imagina

o que é ter uma deficiência. Portanto, todo discurso é heterogêneo porque as palavras estão

em constante movimento.

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A heterogeneidade - constitutiva - há a presença do outro (o interlocutor, o outro

discurso) e do Outro (o inconsciente) e não é indicada por marcas explícitas no

discurso. As falas imbricam-se no discurso indireto livre, através da ironia, da

alusão, da reminiscência, do lapso. E na heterogeneidade mostrada temos o discursorelatado indireto, quando o locutor assume quase uma função de tradutor da fala do

outro e usa suas próprias palavras para fazer uma remissão a uma outra fonte do

sentido do discurso. (CRESPO, 2000, p. 83-84).

Desta maneira, a heterogeneidade discursiva revela a importância do outro porque em

um dado discurso, outros discursos estão presentes. E mesmo que sejam objetos de análise, a

interpretação criada pelo pesquisador é, também, um discurso. Afinal, é produzido sob outras

condições de produção, cujo componente intertextual é o objeto de análise mais outros

discursos. Então, “todo texto é heterogêneo quanto a sua enunciação, no sentido de que ele é

sempre um tecido de ‘vozes’ ou citações, cuja autoria fica marcada ou não, vindas de outros

textos preexistentes”. (PINTO, 2002, p.31).

Para efetuar uma análise do funcionamento discursivo é importante, também, entender

o significado do silêncio dentro do discurso. De acordo com Eni Puccinelli Orlandi (1997), o

silêncio é o ponto de sustentação de muitas formações discursivas porque apaga sentidos

possíveis e indesejáveis numa situação discursiva dada. Em relação à deficiência, os

 jornalistas utilizam eufemismos e hipérboles, dentre outros recursos lingüísticos, para

amenizar a condição real da deficiência, supostamente desagradável, e, com isso, o

silenciamento apaga o significado da diferença/deficiência.

Portanto, às vezes, não dizer é também dizer porque o sentido pode estar no silêncio.

Assim, pela Análise do Discurso, podemos observar que o silêncio sobre a deficiência é

indicativo do fortalecimento do preconceito, da discriminação, do estereótipo e do estigma,

por exemplo, porque se oculta a condição real da diferença/deficiência. É como esconder uma

realidade, um sentido discursivo que não pode circular porque inconveniente e inadequado. E

essa forma de dizer uma coisa para não dizer outras, denuncia, através do sentido, uma forma

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de agressão verbal aos sujeitos deficientes que são excluídos da vida em sociedade,

comprovando, assim, que as práticas sociais são derivadas das práticas discursivas.

Com isso, o efeito do sentido que atravessa as palavras é, então, a necessidade da

ideologia em constituir sentidos e sujeitos. Por isso, cada Formação Discursiva tem seus

sentidos porque são produzidos no processo de interlocução. Por extensão, eles pertencem,

também, às condições de produção do discurso. (BRANDÃO, 2000).

A Análise do Discurso é, então, a metodologia utilizada neste Trabalho de Conclusão

de Curso porque se “propõe trabalhar a forma-sujeito, isto é, o sujeito tal como é definido

historicamente no imaginário da sociedade, e a forma-do-sentido, considerando que os dois

são determinados historicamente pelos processos de constituição e funcionamento”.

(ORLANDI, 1997, p.101). Ou seja, podemos refletir as práticas discursivas e sociais sobre a

deficiência ao verificar como os jornalistas constroem a imagem do sujeito deficiente e quais

os sentidos e significados possíveis da deficiência no texto jornalístico.

Então, para construir o corpus  para análise discursiva, 23 edições dos principais

 jornais diários catarinenses -  Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina e  A Notícia  -

foram coletadas entre os dias 21 e 28 de agosto de 2003, um recorte temporal referente à

Semana Nacional do Excepcional. Nesse período, as escolas especiais têm a oportunidade

para, através de diferentes manifestações, sensibilizar e conscientizar a sociedade para a

realização de políticas públicas que garantam a participação das pessoas com deficiência nasociedade. E os meios de comunicação, por sua vez, desenvolvem pautas sobre essas

manifestações.

Durante o processo seletivo das edições coletadas, escolhemos 15 textos por

apresentarem dados mais ricos em significados a cerca da deficiência e que revelam certo

despreparo e ignorância dos jornalistas ao retratar as pessoas com deficiência nas suas

matérias. Os critérios utilizados para seleção dos textos foram as expressões que designam a

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pessoa com deficiência, como “pessoa portadora de necessidades especiais”, “pessoa

portadora de deficiência” e “pessoa com deficiência” que confrontadas com os textos que as

contém, possibilita condições de tecer uma análise completa sobre a construção da imagem da

pessoa com deficiência nos jornais catarinenses.

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3. Frágeis como as penas:

Os discursos dos jornais catarinenses sobre as pessoas com deficiência

Fazia muito tempo que a bela jovem era desprezada pelos moradores daquele bairro

situado nos arredores da única igreja da cidade. A jovem tinha o terrível hábito de falar mal da

vida alheia. Suas histórias, contadas de boca em boca, geravam conflitos entre as pessoas da

comunidade que, então, decidiram não mais conversar com ela. Cansada da situação, a jovem

foi relatar seus pecados ao padre.

Como penitência, ele sugeriu que ao comprar uma galinha, ela deveria arrancar suas

penas durante um passeio longínquo pelos lados periféricos da cidade. A jovem obediente,

assim o fez. Enquanto caminhava, arrancava pena por pena. Ao fim do dia, ela retornou à

igreja para contar ao padre que havia concluído a tarefa. Em tom de seriedade, o padre

respondeu: “Aquela tarefa era apenas o início de uma longa penitência. Agora, você deve

retomar o caminho percorrido e recolher todas as penas arrancadas”.

A jovem ficou muito aflita porque tal missão era impossível de realizar. Àquela hora

as penas já haviam sido espalhadas pelos ventos para muitas direções. “Eu posso até

conseguir algumas penas, mas não todas”, disse a jovem. “É verdade, minha filha. E é

exatamente isso que acontece com as palavras que você diz. As histórias são espalhadas por aí

e você não tem mais como consertar os mal entendidos”, respondeu o padre.

2

 

3.1. Sujeito Deficiente, o sujeito oculto da história

A Semana Nacional do Excepcional, comemorada entre os dias 21 e 28 de agosto, foi

criada em 24 de junho de 1964, pelo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.

2 Texto adaptado do original “Para quê servem as palavras?”, uma mensagem recebida por correio eletrônico,cuja autoria é desconhecida.

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Durante essa semana, as escolas especiais organizam atividades artísticas, culturais e sociais a

fim de promover ações de conscientização sob diferentes temas. Em 2003, a temática da

campanha foi “Educação Especial garantindo direito e cidadania desde o nascimento”. Porém,

observamos nos jornais de maior circulação em Santa Catarina que, além de ser uma pauta

pouco desenvolvida (e explorada), o discurso dos jornais não estimula reflexões profundas à

mudança de comportamento da sociedade perante as pessoas com deficiência.

É válido dizer que, eventos específicos e anúncios governamentais de novas medidas

são pautas de maior incidência nos jornais analisados. Nelas, as fontes são as vozes de

autoridade quem dá lugar à voz do sujeito deficiente, reforçando, assim, o preconceito

subentendido de que a pessoa com deficiência não tem capacidade para tomar decisões

sozinha, nem mesmo expressar suas preferências.

E, ainda, o privilégio às fontes oficiais dá ênfase ao desequilíbrio no ato

comunicacional porque quanto mais se reproduzem suas falas, maior poder de influência se

exerce sobre a massa. Por outro lado, os não acessados continuam sem vozes e com menos

poder sobre as opiniões. (BONFIM, 2002). Exemplificamos com um enunciado publicado na

editoria Geral do Jornal de Santa Catarina, em 21 de agosto, na página 3B, sob o título

“Alunos da Apae visitam o Santa”:

Alunos da Apae visitam o Santa

Um grupo de oito alunos da Apae de Blumenau esteve no Santa ontem para agradecer pelo pedágio

realizado no dia 12 de julho, promovido pelos veículos da RBS. A arrecadação na cidade alcançou R$

49 mil, acima da expectativa da instituição, que era de R$ 40 mil. A presidente da Apae, Lorena Starke

Schimdt, destacou que a colaboração dos profissionais da RBS foi fundamental. Uma aluna entregou

um quadro de agradecimento ao gerente-geral Diego Quevedo. Na visita, os alunos conheceram as

instalações do Santa. Na redação, foram recebidos pelo editor-chefe Edgar Gonçalves Jr. 

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A voz de autoridade é, neste caso, representada pela presidente da Associação dos Pais

e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Blumenau. Por outro lado, não há vozes

representativas dos alunos da escola especial, mesmo assim eles são referenciados no contexto

por quatro vezes. Ora, se a visita à redação do jornal é de alunos, conforme o título nos

informa, era necessário que suas falas estivessem presentes, também, no contexto.

Porém, Eni Puccinelli Orlandi (1997) nos ensina que em muitas formações discursivas

o silêncio é o ponto de sustentação dos enunciados porque não há dependência com aquilo

que é dito. Logo, o sentido do silêncio não é o mesmo das palavras. Assim, há muitos

significados ocultos no silêncio da voz do sujeito deficiente e que nas entrelinhas podem

significar rejeição àqueles que têm deficiência, denunciando, assim, o preconceito e a

discriminação.

Outro exemplo da superposição da voz de autoridade sobre a voz do sujeito deficiente

está na matéria de capa “Animais ajudam a reforçar amizade”, também publicada pela editoria

Geral do Jornal de Santa Catarina, em 21 de agosto, na página 3B.

Uma forma diferente de amizade

Alunos de 14 a 44 anos da Apae de Blumenau viveram ontem uma experiência diferente. Através da

pet terapia reforçaram a relação com animais domésticos. A atividade desenvolvida em um trabalho

voluntário estimula a afetividade e melhora a auto-estima do portador de necessidades especiais.

Animais ajudam a reforçar amizade

 Alunos da Apae desenvolvem laços fraternos através da pet terapia

BLUMENAU – Uma matilha de 10 cachorros deu novos contornos ao tratamento de 70 alunos da

Apae de Blumenau. A relação entre animais domésticos e portadores de necessidades especiais move a

chamada pet terapia, na qual os estudantes reforçam pelo toque os laços fraternos com os animais.

Ontem, dois grupos com idades entre 14 e 44 anos estiveram na clínica da médica veterinária Paula

Bonat de Mello, que presta o serviço voluntariamente.

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A idéia nasceu de uma pesquisa em revistas internacionais feita pela professora do Centro de

Convivência da Apae de Blumenau Francine Christina Balduino. Mas as duas ciências só se uniram

quando, ao participar de uma exposição de bichos de estimação, Francine conheceu Paula.

Para quem é portador de necessidades especiais, o contato com cães tem um papel importante notratamento. “A atividade psicomotora é desenvolvida com a pet terapia”, disse a veterinária. A

explicação, segundo ela, é semântica: psico por fazer interagir com o mundo real, e motora, pelo

carinho expresso em um movimento contínuo ao tocar o animal.

No convívio diário com os alunos, a professora Francine pôde perceber as melhores com a

terapia. “Emocionalmente, eles se sentem mais afetivos. E esta estimulação melhora a auto-estima”,

disse. Para ela, o sucesso da pet terapia está na amizade que o animal tem com o homem: “O cão não

cobra nada para receber amor ou carinho, mas fica completamente grato quando recebe atenção”.

Cão estimula adolescente a movimentar os braços

Portadora de necessidades especiais, a adolescente Daiane Borck, 15 anos, vive em uma cadeira

de rodas. Raramente consegue apertar a mão de alguma pessoa ou movimentar os braços. Mas

quando está perto de algum animal de estimação, essa deficiência de Daiane desaparece. Com um

cão em seu colo, ela moveu braços e pernas para fazer carinho. 

“O animal a estimula de forma espontânea”,  disse a professora da Apae Francine Christina

Balduino, ao explicar a causa do sucesso da pet terapia. Segundo Francine, foi muito bom perceber a

disposição que os alunos tiveram com os cães.

E quem não se entusiasma com um bichinho dócil que lhe dá atenção sem não cobrar nada em

troca? “Para mim, gato e cachorro são as melhores coisas da vida”, afirmou Solano Martins de

Oliveira Filho, 44 anos, portador de deficiência mental leve. Até o autista José Josemar Rosa deixou

de viver em seu “mundo particular” para brincar com cachorros.

Benefícios:  Diminuição da pressão sangüínea e freqüência cardíaca; Calmante e antidepressivo;

Melhora do sistema imunológico; Estímulo da interação social; Melhora a capacidade motora;

Diminuição de medicamentos; Melhora da autoconfiança e da auto-estima.

A manchete “Uma forma diferente de amizade” possui diferentes sentidos que nos

levam às muitas interpretações. Nela, não sabemos o real significado da palavra “diferente”

porque na superfície lingüística a ambigüidade funciona como produtora de sentidos que não

são perceptíveis a olhos vistos, o que nos faz pensar se a diferença é porque a amizade é com

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animais ou porque é com pessoas deficientes. Logo, se a diferença é por causa das pessoas, há

uma distinção entre os seres humanos com base na deficiência, o que constitui uma forma de

discriminação.

Desde que nascemos nos fizeram acreditar que é natural a divisão entre iguais e

diferentes feita pela sociedade. Então, a opinião do repórter ante a diferença é refletida tanto

no texto quanto na escolha das fontes. Nesse caso, o repórter citou cinco, duas autoridades e

três alunos. Mas, as vozes que predominam são as de autoridades, a médica veterinária e a

professora, que atuou como porta-voz da aluna Daiane ao dizer: “O animal a  estimula de

forma espontânea”.

Dentre os três alunos citados, apenas um foi ouvido pelo repórter, que evidenciou

desnecessariamente o grau de comprometimento intelectual do entrevistado, um “portador de

deficiência mental leve”. Romeu Kazumi Sassaki (1999) nos alerta que a evidência dos

comprometimentos causados pela deficiência fora do contexto faz com que as pessoas

associem a deficiência com a incapacidade, acreditando, assim, que tais palavras são

sinônimas, quando na verdade não o são. De fato, as situações demonstram que o repórter

entrevistou apenas aqueles cuja comunicação verbal é mais eficiente.

E, ao silenciar a voz dos outros dois alunos, ele reforçou um preconceito baseado na

desinformação sobre as deficiências. Assim, ele refere-se a Daiane como uma garota estática,

que “vive em uma cadeira de rodas” e que “raramente consegue apertar a mão de algumapessoa ou movimentar os braços”, colocando-a numa posição de inferioridade perante aos

animais de estimação no subtítulo “Cão estimula adolescente a movimentar os braços”. O fato

de colocar o animal como sujeito da oração, o transforma em sujeito superior à garota que,

por ser deficiente, está passível aos acontecimentos à sua volta.

E “até ” José, uma pessoa com Síndrome de Autismo, “deixou de viver em seu ‘mundo

particular’ para brincar com cachorros”. Esse desfecho é um estereótipo, pois a pessoa autista

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tem dificuldade no relacionamento social, mas não vive em um mundo à parte. (BRASIL,

1990). A utilização da preposição “até” para se referir ao aluno José, o distancia das pessoas

sem deficiência, sendo a diferença/deficiência a base da distinção entre os indivíduos

pertencentes da mesma sociedade. E, ainda, a preposição é uma marca lingüística que sugere

uma discriminação, cuja conotação é sensacional: “Vejam, ele também brinca com cachorros,

mesmo sendo uma pessoa com deficiência”.

Numa leitura superficial, a matéria mostra-se uma divulgação científica sobre ação-

benefício que o contato com os animais de estimação podem causar nas pessoas com

deficiência mental. Porém, trata-se de um trabalho de voluntariado de uma médica veterinária

que mantém, através da sua profissão, uma relação humana, rica e solidária com as pessoas

deficientes a fim de haver a interação social. Observamos tal confusão pelo discurso

sensacional que nos transmite a idéia de que o tratamento é extraordinário para reabilitação

das pessoas com deficiência.

Mas, os benefícios da pet terapia não servem APENAS para as pessoas com

deficiência mental. A intensidade da relação entre o animal e o homem e benefícios é sentida

por TODA pessoa, adulta e criança, com deficiência e sem deficiência. Percebemos, então,

que não existe “tratamento” inovador e exclusivo para as pessoas com deficiência mental no

sentido denotativo da palavra que é “um processo destinado a curar ou a paliar” (FERREIRA,

1999, p.1993), mesmo porque a causa de uma deficiência pode ser a conseqüência de umadoença, mas não o contrário.

O discurso jornalístico é incoerente nesse quesito porque o tal tratamento faz

“desaparecer” uma deficiência, mostrando que a cura é possível, quando na verdade não o é.

Observamos o seguinte fragmento: “Portadora de necessidades especiais, a adolescente

Daiane (...) vive em uma cadeira de rodas. Raramente consegue apertar a mão de alguma

pessoa ou movimentar os braços. Mas quando está perto de algum animal de estimação, essa

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deficiência de Daiane desaparece. Com um cão em seu colo, ela moveu braços e pernas para

fazer carinho”.

Ao utilizar as expressões “portadora de necessidades especiais” e “essa deficiência”, o

repórter silencia o tipo de deficiência que Daiane tem, demonstrando o receio em referir-se à

pessoa com deficiência mental. Aliás, deduzimos que Daiane tem deficiência mental por se

tratar de uma matéria sobre alunos da APAE. É o que Helena Nagamine Brandão (2000, p.76)

chama de memória discursiva, que “torna possível a toda formação discursiva fazer circular

formulações anteriores, já enunciadas”. Ou seja, mesmo com o silenciamento sobre a

deficiência da garota, a operação de significação acontece porque vem à memória um

enunciado já inscrito. A palavra APAE sempre esteve associada às pessoas com deficiência

mental. Conseqüentemente, não importa se há referências claras à deficiência, pois a palavra

APAE já nos remete a ela.

Caso semelhante é a matéria “Surdos ganham política estadual de educação” publicada

na editoria Geral do jornal A Notícia, em 22 de agosto, na página A8. No contexto, há

predominância de cinco vozes de autoridade sobre uma voz do sujeito deficiente. Apesar da

matéria ter sido escrita por vários repórteres, a credibilidade às fontes autoritárias é

manifestada pela crença na incapacidade das pessoas com deficiência. Desta forma, o sujeito

autoridade assume a posição do sujeito deficiente para enunciar interesses que, na verdade,

são das pessoas com deficiência.

Surdos ganham política estadual de educação

Santa Catarina tem mais de 178 mil deficientes auditivos, mas apenas 1% freqüenta a escola 

FLORIANÓPOLIS – Cerca de 400 representantes de entidades voltadas para a educação de surdos se

reúnem com o secretário da Educação e Inovação, Jacó Anderle, em São José, na Grande

Florianópolis. O objetivo é formular uma proposta de política estadual de educação para os alunos quenão podem ouvir. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

existem mais de 178 mil surdos em Santa Catarina, mas apenas 1% deles freqüenta a escola. O assunto

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vai ser tratado no 1º Seminário Catarinense de Educação de Surdos, no auditório da Fundação

Catarinense de Educação Especial (FCEE).

A fundação elaborou uma proposta preliminar de implantação de um sistema de educação

voltado para os surdos no Estado. “Essa proposta foi encaminhada há cerca de 20 dias às entidades quetrabalham na área, que a analisaram e vão discuti-la amanhã (hoje)”, disse o diretor da FCEE, Salésio

Manoel Bastos. Entre essas entidades, estão a Federação Nacional de educação e Integração de Surdos

(Feneis), o Fórum em Defesa dos Direitos dos Surdos, as universidades Federal (UFSC) e Estadual

(UDESC) e o Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (Cefet/SC).

Libras – A base da proposta a ser apresentada pela FCEE no seminário é o oferecimento do ensino da

língua brasileira de sinais (Libras) nas escolas do ensino regular onde houver alunos com surdez. “Isso

envolve, primeiro, um levantamento para detectarmos onde estão os alunos surdos no Estado,

principalmente os que estão fora da escola, já que hoje não temos esses dados”, explica Bastos. A

proposta inclui ainda o desenvolvimento de metodologias e tecnologias educacionais específicas

(trabalho que já é feito por entidades como a Udesc e o Cefet) e a capacitação de professores para o

ensino de Libras e outras matérias para alunos surdos.

Para o diretor de assistência ao estudante da FCEE, Pedro de Souza, a inclusão de pessoas

surdas no ensino regular é um desafio. Na avaliação do diretor, os alunos têm o direito de acesso ao

conhecimento por meio da sua própria língua. “Para garantir esse direito, estamos investindo na

formação e capacitação de dois tipos de profissionais: o professor intérprete e o instrutor surdo”,

afirma Souza. “A surdez deve ser considerada uma diferença, e não uma deficiência”, explica.

 Muitos planos para o futuro

TUBARÃO – Com muitos planos para o futuro, Talita Joaquim Benincá, 18 anos, freqüenta a 7ª série

à tarde. Portadora de deficiência auditiva, para acompanhar os colegas, recebe reforço matutino da sala

de recursos para surdos que funciona na Escola de Educação Básica Hercílio Luz. Comunica-se

através da linguagem brasileira de sinais (Libras) e consegue ler os lábios das pessoas com quem

conversa. “Quero estudar, me formar e ser professora para pessoas como eu”, informa, por sinais.

A sala de recursos para surdos era um sonho antigo da pedagoga especializada em educação

especial Silvânia das Dores Constantino. Em 1998, seu projeto foi aceito pela empresa de alumínios

Alcoa, que construiu através da Alcoa Fundation todo o espaço físico. O local é mantido pelo governo

do Estado, mas todo o recurso físico foi doado pela empresa. Na sala, 22 alunos entre seis e 25 anos

têm como suporte o acompanhamento do ensino regular. “Trabalhamos com o Libras e com imagens.

Fazemos passeios pelas ruas para que todos associem a palavra com a imagem”, explica Silvânia.

Ressalta que muitos têm dificuldade, mas conseguem acompanhar os estudos através das aulas de

reforço. “Utilizamos o apelo visual e temos bons resultados”, comemora a professora, que trabalha na

área há 17 anos.

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A Brasil Telecom doou à escola um telefone para surdos. O aparelho tem teclas em que a

pessoa digita, e a mensagem aparece num visor. Uma telefonista completa a ligação e serve de

intérprete para quem está recebendo a mensagem. O aparelho é acoplado a um telefone público, e as

chamadas são feitas com cartão. “É um grande passo para a comunicação de surdos”, lembra Silvânia.

 Integração entre Apaes

SÃO BENTO DO SUL / RIO NEGRINHO – Promover a integração entre os alunos das

Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) e conscientizar a população sobre a

importância da aceitação de pessoas portadoras de necessidades especiais é o objetivo da Semana

Nacional do Excepcional. As comemorações iniciaram ontem e prosseguem até quinta-feira. Jogos,

brincadeiras e palestras fazem parte da programação no Estado.

O tema escolhido pela Federação das Associações este ano é “Educação especial garantindo

direito e cidadania desde o nascimento”. Em Rio Negrinho, a abertura das festividades contou com

uma feira dos trabalhos dos alunos da escola. Hoje, há uma gincana entre a Apae local e a de Campo

Alegre, e os alunos participam de festival de danças e de uma tarde de cantos. Em São Bento do Sul, a

Apae tem 181 alunos, e todos participarão das festividades. Hoje, alguns participam da Gincana da

Integração, em Joinville. Para os que ficam, está programado um passeio até o Saltinho, em Campo

Alegre. O incentivo da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), garantiu o Dia da Alegria. “Na terça-

feira, os alunos terão um dia inteiro de brincadeiras”, explicou a diretora Zulma Grossl. Durante a

semana, os alunos também recebem visitas. Ontem, alunos do colégio Global entregaram materiais de

higiene e limpeza para a Apae são-bentense. Os donativos foram arrecadados numa gincana interna.

Para encerrar a semana, a Apae de São Bento realiza, dia 28, a Feira da inclusão. Os alunos

vão expor trabalhos feitos nas oficinas pedagógicas, entre eles peças de cestaria feitas com papel-

 jornal, embalagens para presente e cartões feitos de papel reciclado. 

Uma aluna expressa seus planos para com a educação das pessoas surdas na frase:

“Quero estudar, me formar e ser professora para pessoas como eu, informa, por sinais”. É

uma opinião importante para o contexto social em que vivemos porque ninguém mais além

das pessoas surdas para saber o quão é difícil educar-se numa sociedade que não valoriza a

diversidade humana. Porém, percebemos que as informações em torno da aluna reforçam o

estereótipo e o estigma, dois contribuintes à atitude e comportamento segregacionistas.

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O primeiro é marcado pelos destaques desnecessários à forma de comunicação, a

Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS). Observamos a frase, “Comunica-se através da Libras

e consegue ler os lábios das pessoas com quem conversa”. Se a garota é surda, dizer que ela

se informa por sinais é uma informação estereotipada porque se generaliza uma condição que

não cabe a todas as pessoas surdas. (SASSAKI, 1999). É possível que elas aprendam a falar

através de tratamento com fonoaudiólogo, porque a surdez não tem relação direta com a

mudez, as cordas vocais estão intactas.

Existem múltiplas formas de comunicação entre seres da nossa espécie, sendo

impossível compará-las com a “mais humana” ou a “menos humana”. O fato de a

maioria das pessoas “falar pela boca” não nos dá o direito de considerar esta forma

de expressão como a única valorizada, ou seja, o modelo. Esta é uma visão que

favorece a comparação entre condições humanas. Para uma pessoa surda é difícil

falar o Português, sendo natural que opte pela Língua de Sinais Brasileira. Neste

caso, ela não é muda, apenas surda. (ESCOLA DE GENTE, 2003, p.72).

O estigma é marcado pela dissipação do debate sobre a educação para falar sobre as

ações beneficentes das empresas de alumínio e telecomunicações, que transformou as pessoas

com deficiência em meras receptoras de favores e doações, porque são pautas distintas. Para

as instituições de atendimento às pessoas com deficiência, toda doação é bem-vinda, porque a

maioria das instituições é Organização Não-Governamental (ONG), ou seja, não se sustentam

diretamente das verbas do governo. Mas, é preciso contextualizar os assuntos devidamente

para não mais insistir naquela idéia de que as pessoas com deficiência são “coitadinhas” e que

precisam “sempre” da ajuda dos outros para sobreviver.

Ter uma deficiência não é, necessariamente, sinônimo de precisar de uma política

assistencialista para viver. (...) A política assistencialista se caracteriza porestabelecer uma relação de dependência e conceber o beneficiário como um ser

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passivo, contemplado não com um direito, mas com um favor. (VIVARTA, 2003,

p.29).

Referente à voz de autoridade, observamos que, mesmo assumindo uma postura de

“dono da verdade”, o desconhecimento sobre o movimento da inclusão de pessoas com

deficiência na sociedade ocorre, não só no discurso jornalístico, no qual há informações

equivocadas referentes aos conceitos de inclusão e integração, como também no discurso de

autoridade assistencial.

Exemplificamos com o fragmento: “Para o diretor de assistência ao estudante da

FCEE - Fundação Catarinense de Educação Especial - (...), a inclusão de pessoas surdas no

ensino regular é um desafio”.  Ora, se as pessoas surdas estão fora da escola é porque a

sociedade ainda não está adepta à inclusão. Logo, o desafio não é incluí-las no ensino regular,

o desafio é transformar a mentalidade de toda a sociedade para que ela reconheça as

diferenças humanas sem discriminá-las.

A inclusão é, então, um processo autônomo e incondicional, que depende de uma nova

postura perante a diferença. Desse modo, a pessoa com deficiência e a sociedade precisam

trilhar juntas nos caminhos da inclusão para que todos possam desempenhar os diversos

papéis de sujeito na sociedade, sem que a diferença/deficiência seja um empecilho para a

conquista de oportunidades. Em outras palavras, a “inclusão social constitui um processo

bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar

problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos”.

(SASSAKI, 2002, p.41).

Ou seja, a inclusão “atende as necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias,

dos privilegiados aos marginalizados”. (WERNECK, 2000, p.21). Logo, ressaltamos que a

inclusão não está diretamente relacionada às causas das pessoas com deficiência, mas sim aos

interesses e necessidades de toda a sociedade, principalmente dos grupos excluídos que,

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muitas vezes, têm seus direitos negados porque a diferença transgride os padrões já

estabelecidos. Em “De rodas”, publicada na editoria Visor do Diário Catarinense, em 28 de

agosto, na página 03, percebemos que o desconhecimento sobre o significado da Inclusão

transforma uma bela pauta em nota escondida pelos quatro cantos da página do jornal.

De rodas - Vinte cadeiras de rodas produzidas por detentos nas oficinas da Penitenciária de Chapecó

foram entregues ontem pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão ao Rotary Club de

São José, que as distribuirá entre hospitais e asilos da Grande Florianópolis. Elas foram feitas a partir

do aproveitamento de bicicletas apreendidas pela polícia. 

É regra básica do jornalismo responder nas primeiras linhas da notícia quem fez o quê,

como, onde, quando e com quê finalidade. Porém, percebemos que o repórter viola uma das

regras ao não mencionar quem são os beneficiários das cadeiras de roda, ocorrendo, assim, o

apagamento das diferenças através do silêncio. De acordo com Eni Puccinelli Orlandi (1997,

p.14), “o silêncio que atravessa as palavras indica que o sentido pode sempre ser outro, ou

ainda, que aquilo que é o mais importante nunca se diz”.

Ou seja, as pessoas com deficiência são objetos de uma ação beneficente, mas, elas

sequer são mencionadas em palavras. Este silenciamento se caracteriza pela ocultação do

sujeito deficiente, demonstrando, assim, a discriminação que, neste caso, é contra dois grupos

excluídos: os detentos e as pessoas com deficiência. Suas vozes não são contextualizadas e,

ainda, a palavra “detentos” é citada apenas uma vez e termos que se refiram à deficiência são

ignorados.

Uma ressalva, a inclusão não é promoção, como sugere o título “Escola  promove 

inclusão pela dança e pela música”, também publicado pelo Diário Catarinense, na editoria

Santa Catarina, em 28 de agosto, na página 29.

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Escola promove inclusão pela dança e pela música

A Escola Estadual de Educação Básica Marilda Lênia Araújo, em Rancho Queimado, proporciona

escola em tempo integral. Os alunos freqüentam aulas de dança, coral, teatro e outras atividades noperíodo em que não estão em sala de aula. Com 300 alunos na educação infantil e no ensino médio, a

escola também promove a inclusão de alunos portadores de necessidades especiais, um deles cego, no

ensino regular. Alessandra Aparecida da Silva, professora de educação especial e responsável pelo

projeto, trabalha a inclusão através do coral, da dança e do teatro.

A escola na Sociedade para Todos é aquela que não exclui candidatos à matrícula em

razão de qualquer atributo, assim todos os alunos estudam juntos nas mesmas classes.

(SASSAKI, 2002). Logo, a inclusão é um processo de conscientização que parte para a ação.

Ninguém consegue trabalhá-la ou promovê-la porque é uma mudança natural de atitude e

comportamento que dependem da mentalidade de cada cidadão.

Por isso, a participação das pessoas com deficiência deve acontecer não apenas nas

atividades extraclasse (coral, dança, teatro...), mas em todas as atividades da escola. Aliás,esta nota retrata o mainstreaming, um conceito integracionista que significa oportunizar aos

alunos com deficiência atividades específicas (coral, dança, teatro...) para estar junto à

sociedade. (SASSAKI, 2002). Então, o foco da notícia não é Inclusão, mas sim Integração.

Cláudia Werneck (2002) afirma que muitas informações das fontes são reproduzidas

pelos jornalistas sem questionamentos, ocorrendo assim, o uso leviano do conceito da

Inclusão, que defende o direito de TODAS as pessoas. Temos outro exemplo publicado na

editoria Visor do Diário Catarinense, em 27 de agosto, na página 03. É uma nota intitulada

“Informática”, em que o projeto Informática Educativa Inclusiva oportuniza aos grupos

excluídos a adquirirem conhecimentos em informática.

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INFORMÁTICA - A UFSC entrega hoje, às 19h, na sala dos conselhos da Reitoria, na Capital, os

certificados de conclusão do curso de Iniciação em Informática. Sessenta alunos carentes e 12

 portadores de necessidades especiais receberão o certificado. O  Informática Educativa Inclusiva 

funciona desde março de 2002 e já formou cerca de 400 alunos. É voltado para desempregados,trabalhadores, estudantes do ensino público médio, com renda familiar inferior a quatro mínimos, e

portadores de necessidades especiais.

Mas, o repórter categoriza os participantes em “sessenta alunos carentes e 12

 portadores de necessidades especiais”, separando-os com base na diferença/deficiência. Isto

é uma forma de discriminação! E também, demonstra a falta de conhecimento do repórtersobre as características e benefícios da Inclusão para a sociedade, sendo a Acessibilidade um

conceito intimamente relacionado à equiparação de oportunidades. De acordo com Romeu

Kazumi Sassaki apud   Veet Vivarta (2003), há seis quesitos básicos da Acessibilidade que

garantem a Inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, são eles: arquitetônica,

comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal.

Por convicção, acreditamos que a acessibilidade atitudinal é a mais importante porque

quando uma pessoa aniquila o preconceito, a discriminação, o estereótipo e o estigma de seus

pensamentos, conseqüentemente, sua atitude perante a diferença/deficiência é positiva e as

outras formas de acessibilidade estão garantidas porque as oportunidades são as mesmas para

todos. Tal fato contribui para a aceitação das diferenças humanas. Logo, na Inclusão, não há

uma categorização entre indivíduos com e sem deficiência em qualquer situação.

Em “Restaurante tem cardápio em Braille”, publicada na editoria Geral do jornal A

Notícia, em 27 de agosto, na página A9, percebemos o quão é importante o contato entre

pessoas sem e com deficiência porque é através desta interação que podemos avaliar nossas

atitudes e comportamentos perante a diferença.

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Restaurante tem cardápio Braille

BALNEÁRIO CAMBORIÚ –  O Restaurante Roque’s, que funciona há 13 anos em Balneário

Camboriú, está lançando o primeiro cardápio em Braille da região. A iniciativa foi possível através deconvênio entre o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Balneário Camboriú e a

Associação de Deficientes Visuais de Itajaí e Região (Advir), essa última responsável pela confecção

do cardápio.

 A intenção do sindicato e do dono do restaurante, Roque Pratto, é garantir a integração

social do portador de deficiências visuais.  “A minha mãe perdeu a visão de um dos olhos quando

tinha um ano. Conheço de perto as dificuldades das pessoas com deficiência visual”, conta Pratto.

Para a presidente da Advir, Maria Rosa Rodrigues, “o cardápio em Braille é uma questão de

independência, de sermos respeitados com qualidade no atendimento”.

A iniciativa de confeccionar cardápios em Braille só se concretizou porque houve a

relação interpessoal entre o dono do restaurante e as pessoas com deficiência. E os efeitos

desta relação são positivos para ambos. Mas, tal iniciativa não integra e nem inclui as pessoas

com deficiência visual. É apenas um diferencial do restaurante. É preciso ver as condições do

local para saber se é inclusivo, ou não. Não basta ter cardápio em Braille e possuir barreiras

arquitetônicas que impedem a locomoção de pessoas com deficiência, e até idosos que têm

dificuldades em andar. Por esse motivo, a Inclusão é necessária, a Acessibilidade é um

benefício para todos.

É importante lembrar que Integração e Inclusão são dois conceitos relacionados aos

movimentos internacionais de defesa dos direitos das pessoas com deficiência. Utilizá-los sem

domínio teórico pode desviar o significado original. Na dúvida, a palavra “inserção” é o

correto, pois não está associada a nenhum movimento. A propósito, na Integração, a pessoa

com deficiência é aceita pela sociedade desde que, por méritos pessoais e adaptações (muleta,

bengala, prótese...), ela seja autônoma, pois a sociedade não faz esforços para aceitá-la.

Em “Deficiência Física”, publicada na editoria Diário do Leitor do Diário Catarinense,em 27 de agosto, na página 46, o repórter refletiu a idéia integracionista de que é preciso

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normalizar a deficiência. Ou seja, o modo de viver das pessoas com deficiência deve ser

semelhante ao que é disponível à maioria das pessoas da sociedade. Com isso, é necessário

tentar de alguma forma ser normal, sem deficiência.

DEFICIÊNCIA FÍSICA - No período de 26 a 29 de novembro, Blumenau sediará a 1ª Feira de

Produtos e Equipamentos do Cone Sul para Pessoas Portadoras de Deficiência. Serão apresentados

 produtos, equipamentos, serviços e publicações que visam adaptar e incluir a pessoa portadora de

deficiência na sociedade. Em paralelo à feira, acontecerá a 1ª Jornada Catarinense de Inclusão que,

através de palestras, debates e troca de experiências, buscará soluções para a inclusão social. Mais

informações no site www.feprodef.com.br 

Ao escrever que existem produtos e equipamentos para pessoas com deficiência “que

visam adaptar e incluir (...) na sociedade”, o repórter reflete o pensamento negativo de que a

deficiência precisa ser disfarçada para ser aceita, pois o uso do verbo “adaptar” sugere que tal

diferença/deficiência não está em harmonia com os padrões estéticos estabelecidos pela

sociedade. Logo, estes produtos e equipamentos podem adequar os corpos deficientes fazendo

com que eles sejam normais.

No entanto, esse discurso, além de divulgar erroneamente o conceito de Inclusão, pode

influenciar negativamente nas práticas sociais. As pessoas deficientes continuam acreditar que

são seres inferiores devido às suas limitações e as pessoas não deficientes, por sua vez,

continuam mal (in)formadas sobre o real significado da diferença/deficiência.

Conseqüentemente, as práticas sociais continuam discriminatórias e excludentes.

3.2. Terminologias, as penas que os ventos espalham

Outra questão precisa ser debatida. É a utilização da terminologia para designar as

pessoas com deficiência. De acordo com Veet Vivarta (2003, p.38) “o rigor com os conceitos

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está intimamente ligado à atenção com a linguagem. A mudança de mentalidade - proposta

pela Inclusão - deve estar atrelada à da terminologia”. Porém, diante do material coletado para

esta análise, percebemos que os repórteres sentem-se confusos e até receosos ao referir-se às

pessoas com deficiência, pois utilizam diferentes terminologias como sinônimos e, também,

criam novos termos que tentam minimizar a dimensão da deficiência, são os eufemismos.

Embora os textos legais utilizem a expressão “pessoa portadora de deficiência”, alguns

estudiosos consideram o termo um equívoco porque a palavra “portadora” sugere que a

deficiência é um fardo a ser carregado pela pessoa e que é possível tirá-la das costas para

descansar. Além disso, esta “palavra não cria relação de direito-dever entre pessoas com e

sem deficiência, porque não divide responsabilidades. É como se a deficiência não fosse uma

questão de interesse público, apenas um problema do ‘portador’ e de seus familiares”.

(ESCOLA DE GENTE, 2002, p.50).

Situação semelhante ocorre no uso de expressões como “estudantes especiais”, cartola

utilizada pelo Jornal de Santa Catarina na matéria de capa “Animais ajudam a reforçar

amizade”, sob a editoria Geral, na página 3B. As palavras: especial, excepcional, dito normal

e anormal, mesmo usadas entre aspas, distanciam as pessoas com deficiência das pessoas sem

deficiência porque nos transmitem a sensação de que a sociedade necessita de condições

extraordinárias para lidar com pessoas “especiais”. E, também, é uma diferenciação

inadequada, pois qual filho não é especial para seus pais?Na referida matéria, o repórter utilizou, ainda, a expressão “portador de necessidades

especiais” como sinônimo de “portador de deficiência”. Comumente, estas expressões são

tidas como sinônimos para evitar o uso da palavra “deficiência”, supostamente desagradável.

Romeu Kazumi Sassaki (2002) nos alerta que essas expressões não são sinônimas porque a

necessidade especial não está diretamente relacionada às pessoas com deficiência, ela é

decorrente de situações atípicas. Por exemplo, uma criança vítima de estupro não seria uma

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pessoa com necessidades especiais, devido aos problemas psicológicos causados pela

agressão? Portanto, os estudiosos defendem o uso da expressão “pessoa COM deficiência”

porque:

A forma verbal acentua o aspecto dinâmico da situação; desloca o eixo de atributo

do indivíduo para sua condição e, simultaneamente, recupera a pessoa como “sujeito

da frase”, coloca a deficiência não como sinônimo da pessoa (...) tem um caráter

mais descritivo que valorativo; sublinha a unicidade do individuo. (AMARAL,

1995, p.61).

Exemplificamos o uso da expressão “pessoa com deficiência”, através do contraste

entre a fala do entrevistado e a fala do repórter em “Restaurante tem cardápio em Braille”,

publicada pelo jornal A Notícia. O entrevistado refere-se à mãe como uma pessoa com 

deficiência visual, demonstrando que não há nenhuma agressividade em tal expressão, e o

repórter, por sua vez, toma o cuidado (desnecessário!) de escolher as palavras para dizer que:

“A intenção do sindicato e do dono do restaurante - em confeccionar cardápios em Braille -

(...) é garantir a integração social do portador  de deficiências visuais”.

Um alerta dos estudiosos. Não podemos utilizar a palavra “deficiente” e derivados

como substantivo, pois, assim, estaremos valorizando a deficiência, ao invés do ser humano

em questão. Temos alguns títulos que exemplificam tal fato: “Surdos ganham política estadual

de educação”, publicado na editoria Geral do jornal A Notícia, em 22 de agosto, na página

A8; “ Autista  morre em cerimônia de exorcismo”, publicado na editoria Mundo do Diário

Catarinense, em 26 de agosto, na página 34; “Senado aprova isenção de IPI para deficientes”,

publicado na editoria Economia do Jornal de Santa Catarina, em 22 de agosto, na página 7A e

“ Deficientes terão 10% das vagas de estágio”, publicado na capa do ClassiSanta - Empregos e

Oportunidades do Jornal de Santa Catarina, em 23 e 24 de agosto.

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É possível que os repórteres tenham optado pela utilização das palavras grifadas como

substantivo para que o título coubesse no espaço reservado à matéria. O jornalismo tem essa

preocupação devido aos anúncios publicitários e, também, por questões estéticas. Mas, como

em toda regra há exceção, nesse caso a exceção é quando, em contexto explicativo, for

inevitável a repetição das expressões para não cansar o leitor. (SASSAKI, 2002).

Encontramos, também, casos de eufemismo. Com o intuito de amenizar a dimensão

real da deficiência, o repórter utiliza expressões inovadoras que ocultam o significado da

diferença/deficiência e, ainda, demonstram o receio em referir-se às pessoas com deficiência,

sem que haja agressividade. Porém, Veet Vivarta (2003) nos alerta que o eufemismo também

constitui uma forma de discriminação e agressão, porque a condição do sujeito não está

expressa de forma verdadeira. Três exemplos ilustram o fato: “Deficiência cujos portadores” 

e “portadores de deficiências especiais” são as expressões eufemísticas utilizadas pelo

repórter em “Senado aprova isenção de IPI para deficientes”, publicada na editoria Economia

do Jornal de Santa Catarina, em 22 de agosto, na página 7A. Em “Diferenças”, publicada na

editoria Santa Catarina do Diário Catarinense, em 21 de agosto, na página 30, a expressão

usada é “pessoas com histórico de deficiência”.

Senado aprova isenção de IPI para deficientes

BRASÍLIA – O plenário do senado aprovou ontem, por unanimidade, o projeto de lei ampliando os

tipos de deficiência cujos portadores  são isentos do pagamento do Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI) na compra de veículos. O projeto altera a legislação que permite a isenção do IPI

apenas para aquisição de veículos a combustível de origem renovável ou sistema reversível de

combustão. Agora, os portadores de deficiências especiais  também vão poder adquirir veículos a

gasolina e com câmbio automático. 

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DIFERENÇAS –  A Fundação Catarinense de Educação Especial e a Secretaria de Estado de

Educação promovem, de hoje a 27 de agosto, na Capital, a 10ª Semana da Sociedade Inclusiva. As

instituições que têm suas ações voltadas para  pessoas com histórico de deficiência  discutem a

construção de uma sociedade que absorva as diferenças.

3.3. Sensacionalismo, a imagem grotesca do sujeito deficiente

A desvalorização da pessoa com deficiência é decorrente das práticas sociais, que, por

sua vez, são derivadas das práticas discursivas. Assim os meios de comunicação contribuem

para massificar a idéia de que a diferença/deficiência é uma pauta sensacional por se tratar de

um assunto que é “signo do excepcional, um fenômeno desligado da estrutura da nossa

sociedade e que é visto como problema do outro”. (SODRÉ, 1992, p.73). E como toda

informação repetida contagia a massa, é inevitável que as práticas sociais se caracterizem

pela: 1.) rejeição social aos corpos limitados, 2.) intolerância à diferença, 3.) discriminação ao

indivíduo deficiente. (VASH apud CORRER, 2003).

Conseqüentemente, o contato com a diferença/deficiência, seja pela convivência

familiar ou social, nos provoca a hegemonia do emocional sobre o racional. (CRESPO, 2000).

Então, nas matérias jornalísticas há construção da imagem do sujeito deficiente com base no

sensacionalismo porque a atitude e comportamento do repórter perante a deficiência são

guiados pela emoção, e esta é difícil de ser controlada. É o caso da “Estação Sonora”, uma

matéria de capa do caderno Anexo, publicado pelo jornal A Notícia, em 27 de agosto.

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Estação Sonora

FLORIANÓPOLIS – Paralamas do Sucesso e Frejat integram a segunda edição do Estação TIM, em

shows que a operadora de telefonia celular promove no Teatro Ademir Rosa do Centro Integrado deCultura (CIC). A banda abre o projeto, hoje, com o show da turnê “Longo Caminho”, a primeira

depois que seu líder, Herbert Vianna, retornou ao grupo após um acidente de ultraleve que o deixou

numa cadeira de rodas.

O cantor carioca Frejat interpreta na Capital, amanhã, o repertório do disco “Sobre nós 2 e o

resto do mundo”, o segundo que grava sem a participação dos colegas do Barão Vermelho, grupo o

qual lidera. Toda a bilheteria será revertida para as entidades filantrópicas Sociedade Espírita de

Recuperação, Trabalho e Educação (Serte) e Lar São Vicente de Paulo.

Um dos mais populares representantes do rock brasileiro, Paralamas do Sucesso tem legião de

fãs espalhadas de Norte a Sul do País e também no exterior, principalmente na Argentina. Desde seu

aparecimento, há 20 anos, o grupo nunca tinha saído de cena antes da tragédia que atingiu Herbert  

Vianna em 2001, quando a queda do ultraleve que pilotava matou sua mulher e o deixou com seqüelas.

Mas a ameaça de que não voltaria a cantar nem compor não se concretizou e eles retornaram em

grande estilo com o disco que empresta nome ao show, apresentado ao público brasileiro pela primeira

vez no segundo semestre do ano passado.

O álbum “Longo caminho” (Warner) se converteu numa demonstração de força de vontade,

não só de Vianna, mas dos demais integrantes da banda, que esperaram pacientemente e

acompanharam passo a passo sua recuperação,  para só então voltarem aos palcos e aos estúdios.

Algumas das canções do trabalho foram compostas pelo líder antes do acidente e outras são resultado

do que criou depois, refletindo o novo momento. O resultado é uma pegada mais roqueira e pesada,

sem, no entanto, deixar de lado as baladas e outros ritmos que o consagraram. Na apresentação de

hoje, devem interpretar também alguns sucessos marcantes da carreira.

Quando o repórter envolve o acidente ocorrido com Herbert Vianna no contexto

original da matéria, a apresentação do grupo Paralamas do Sucesso no CIC, ocorre o desvio

de atenção do leitor para o sensacionalismo porque o acidente recebe conotação de tragédia

em que a conseqüência (deficiência) é transformada em ameaça para se ter uma vida normal e

faz a pessoa “sair de cena”. Observamos o seguinte enunciado: “(...) o grupo nunca tinha

saído de cena antes da tragédia que atingiu Herbert Vianna  em 2001, quando a queda do

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ultraleve (...) o deixou com seqüelas. Mas a ameaça de que não voltaria a cantar nem compor

não se concretizou”.

Por este discurso, percebemos que o fato de ter uma deficiência é motivo para o

afastamento de Herbert dos palcos, quando, na verdade, é a reabilitação, bem como qualquer

outro motivo de problemas de saúde, que impossibilita o sujeito deficiente (ou não!) a

continuar sua vida normal por algum tempo. Mas, como as “ameaças não se concretizaram” a

atuação de Herbert nos palcos comprova que é possível, mesmo em cadeira de rodas,

continuar a vida cotidiana.

Aliás, a expressão “demonstra a força de vontade” para referir-se à recuperação do

líder da banda é uma marca lingüística, denominada hipérbole, que engrandece Herbert a

categoria de herói, afinal, ele conseguiu superar as dificuldades pós-acidente. Mas, todas as

pessoas, com e sem deficiência, são capazes de superar os desafios da vida. Logo, a utilização

de expressões hiperbólicas é sensacional, reforça estereótipos e tenta minimizar a dimensão da

deficiência. (SASSAKI, 1999).

Outra questão presente em “Estação Sonora” é o silenciamento a respeito da condição

de Herbert. Em nenhum momento se fala em paraplegia, mas, sim, que ele está “numa cadeira

de rodas” e “com seqüelas”. É um exemplo em que o repórter tenta apagar uma condição

virtual da deficiência, através de expressões eufemísticas, para amenizar uma condição real.

Quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever

a sua categoria e os seus atributos. Esses atributos formam a identidade social, que

consiste ao mesmo tempo na identidade social virtual - ou, aquilo que o estranho

deve ser - e a identidade social real - ou, o que a pessoa realmente é, com a categoria

e atributos que prova ter. (GOFFMAN apud NASCIMENTO, 2001, p.41).

Ou seja, o repórter imagina o que é ter uma deficiência, e, em seguida, ele tenta porestratégias lingüísticas amenizar aquilo que para ele é uma ameaça. Conseqüentemente, suas

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informações não revelam o real significado da diferença/deficiência porque há o

silenciamento das condições reais do sujeito deficiente, através do uso das expressões “está

numa cadeira de rodas” e “com seqüelas”. É uma forma de dizer uma coisa para não dizer

outras. (ORLANDI, 1997).

Outro exemplo de divulgação sensacional é a matéria “Autista morre em cerimônia de

exorcismo”, publicada na editoria Mundo do Diário Catarinense, em 26 de agosto, na página

34, sendo a morte de uma pessoa com deficiência o objeto de exploração da ignorância do

repórter em retratá-la no texto jornalístico.

Autista morre em cerimônia de exorcismo

MILWAUKEE – Um garoto autista de oito anos morreu durante uma cerimônia religiosa em uma

igreja de Milwaukee, no estado de Wisconsin (Meio-Oeste dos EUA), realizada, segundo o pastor,

para exorcizar os ‘espíritos’ responsáveis por sua condição.

Um homem foi preso suspeito de ligação com a morte, que ocorreu na sexta-feira à noite na

Igreja Templo da Fé. A mãe levava seu filho à igreja três vezes por semana nas últimas três semanas

na esperança de curar seu autismo, afirmou o pastor David Hemphill.

Depois de uma hora do início da cerimônia, um membro da igreja percebeu que o garoto não

se movia e chamou a emergência, disse Hemphill. “Pedíamos a Deus para levar o espírito que estava

atormentando esse garoto”, declarou Hemphill. “Estávamos rezando muito, mas não para ele morrer”.

Garoto estava enrolado em lençóis

Hemphill identificou o garoto como Torrance Cantrell e o homem preso como Ray Hemphill,

seu irmão e outro pastor que estava liderando a cerimônia de sexta-feira. David Hemphill declarou que

não havia conversado com seu irmão ou com a mãe do garoto, Patrícia Cooper, desde sexta-feira.

Os resultados da autópsia não foram divulgados. Membros da igreja tinham enrolado o garoto

em lençóis para que não arranhasse a si mesmo ou aos outros, mas podia sentar “da maneira que se

sentisse confortável”, declarou Hemphill. A avó afirmou que ele tinha sido sufocado. “Eles seguraram

o garoto até que ele ficou sem ar”, disse Mary Luckett.

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A falta de aspas nos enunciados “espíritos responsáveis por sua condição”  e

“esperança de curar seu autismo” revela que o repórter interpretou as vozes de autoridade,

modificando, assim, os sentidos dos enunciados. Então, percebemos no seu discurso que a

deficiência tem sua origem nos maus espíritos e é possível curá-la por métodos não-

científicos. De acordo com Ana Maria Morales Crespo (2000), ao traduzir a fala do outro, a

ideologia do repórter produz novos sentidos no discurso porque ele assume uma outra posição

de sujeito. Assim, os sentidos “originais” são alterados porque foram reproduzidos em outras

condições de produção.

Conseqüentemente, a fala do repórter pode conter sentidos e significados errôneos

quando não se tem domínio sobre aquilo que se fala. Então, o discurso do repórter mostra-se

baseado na desinformação sobre as deficiências porque a deficiência não é passível de cura,

ainda mais se for através de crendices. E, também, utiliza-se do sensacionalismo para

despertar o interesse do leitor pelo conteúdo porque o sujeito deficiente “desperta desejos

íntimos de saciar a curiosidade sobre um assunto proibido”. (WERNECK, 1996, p.07).

3.4. Políticas Públicas, um direito de todos

Falamos inicialmente que o anúncio de novas medidas governamentais é uma das

pautas de maior relevância dentre o material coletado. Pois bem, em se tratando de pessoascom deficiência, o assunto é um tanto polêmico porque, na nossa realidade, é preciso criar leis

específicas para que elas tenham seus direitos garantidos. E, muitas vezes, a conquista de um

direito recebe a conotação de que é um presente para aqueles que, “infelizmente por ser

deficiente”, não podem usufruir os mesmos direitos das pessoas sem deficiência porque o

preconceito e a discriminação não permitem.

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Por exemplo, o título “Surdos ganham política estadual de educação”. Por trás desse

enunciado está embutida uma prática social paternalista e assistencial porque o uso do verbo

“ganhar” sugere que a nova política educacional é um presente do governo para as pessoas

surdas. Logo, o sentido implícito valoriza os sujeitos benfeitores, mas não os sujeitos

beneficiários que conquistaram um direito, ocorrendo, assim, o esquecimento sobre a

equiparação de oportunidades.

A educação não é um presente embrulhado em papel colorido, é um direito assegurado

por lei para todas as pessoas, com e sem deficiência. Porém, por vivermos numa sociedade

excludente, foi preciso promulgar a Educação Especial junto a Lei de Diretrizes e Bases

(LDB), em 1996, porque havia a necessidade de ajustar à legislação federal, ressaltando a

educação das pessoas com deficiência, principalmente, no ensino regular. No caso das pessoas

surdas, a política educacional precisou de revisão porque a LIBRAS foi reconhecida por lei

como idioma em 2002.

Destacamos o reconhecimento da importância da LDB na evolução educacional

proporcionada aos estudantes brasileiros. Mas, sob o ponto de vista da Inclusão, não haveria

razão para existir capítulos separados como é a Educação Especial na LDB. Na Sociedade

Inclusiva, as leis e decretos não mencionam a quem se destinam, pois os direitos das pessoas

sem deficiência valem também para as pessoas com deficiência. Romeu Kazumi Sassaki

(2002) enfatiza a necessidade da criação de leis com características inclusivas para que todasas pessoas se sintam integrantes da sociedade, com oportunidades iguais de participação nas

atividades cotidianas.

Uma ressalva, é comum aparecer no contexto jornalístico a escrita incorreta da Língua

de Sinais Brasileira (LIBRAS), em que há confusão entre linguagem e língua. Um exemplo é

a nota “Inclusão” publicada numa coluna social do Diário Catarinense, em 27 de agosto, na

página 21.

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INCLUSÃO – Santa Catarina tem cerca de 150 mil surdos. Para incluir essas pessoas na sociedade,

com oferta de educação e trabalho, a deputada estadual Simone Schramm já apresentou na Assembléia

projeto de resolução. A meta é disponibilizar profissionais capazes de entender a linguagem de sinais 

em órgãos públicos, escolas, universidades e outros. O deputado Wilson Vieira, o Dentinho, presidente

da Escola do Legislativo, disse que a instituição pode treinar os funcionários.

De acordo com Helena Nagamine Brandão (2000, p.91), a linguagem “é um

instrumento de comunicação e de transmissão de informação e a língua é um sistema abstrato.

Assim, a linguagem é interativa e só existe como atividade porque a fala é a realização

concreta da língua”. Então, a LIBRAS é um sistema com códigos e regras, como qualquer

outro idioma, que definem a linguagem gestual utilizada pelas pessoas surdas para efetuar o

ato comunicacional.

Assunto igualmente polêmico são as leis que obrigam empresas a reservar vagas nos

quadros de funcionários para pessoas com deficiência. Por trás dessa aparente conquista está

escondida uma atitude discriminatória porque a reserva de vagas, mesmo sendo uma

obrigação pronunciada pela lei nº 8213 de 1991, possibilita a decisão de não aceitar pessoas

com deficiência no preenchimento das vagas por motivos diversos.

Por exemplo, em “Deficientes terão 10% das vagas de estágio”, publicado na capa do

ClassiSanta - Empregos e Oportunidades do Jornal de Santa Catarina em 23 e 24 de agosto, a

competência do sujeito deficiente é posta em dúvida porque há necessidade de uma avaliação

médica para “atestar a condição”  e “avaliar a compatibilidade  entre a deficiência e o

exercício da função”.

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Deficientes terão 10% das vagas de estágio

O Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aprovou a reserva de 10%

das vagas do programa de estágio da corte para portadores de deficiência. Como os demais candidatos,os estudantes nessa situação devem comprovar a conclusão de ao menos metade do curso em que estão

matriculados. Também na inscrição, precisam apresentar laudo médico atestando a condição. O

médico avaliará a compatibilidade entre a deficiência e o exercício da função que irá exercer.

Assim, através do uso das palavras “atestar” e “compatibilidade”, demonstra-se que há

desconfiança sobre as potencialidades das pessoas com deficiência em, também, competir no

mercado de trabalho. Além disso, a oportunidade de conseguir tal vaga está revestida pela

característica de premiação. Aquele que provar que é capaz, leva o prêmio. Caso contrário,

não. Na Sociedade Inclusiva, o sujeito deficiente não precisa provar sua capacidade para

ninguém, porque todas as pessoas reconhecerão suas habilidades e competências, e,

conseqüentemente, no seu local de trabalho, não haverá exclusão de funcionários, nem mesmo

candidatos a emprego, em razão de qualquer característica individual porque a empresa será

inclusiva.

Por outro lado, Veet Vivarta (2003) diz que os repórteres precisam articular nas suas

matérias a legislação junto ao benefício para que a sociedade entenda que não se trata de um

privilégio conquistado por ser uma pessoa com deficiência, mas sim, porque é um cidadão.

Em “Senado aprova isenção de IPI para deficientes”, publicado na editoria Economia do

Jornal de Santa Catarina, em 22 de agosto, na página 7A, não sabemos qual é o motivo para

tal privilégio, porque, mesmo que isenção de impostos seja um benefício, afinal ninguém

gosta de pagar os inúmeros impostos, o princípio de igualdade é ferido, pois as pessoas sem

deficiência pagam tais impostos. E, ainda, o “benefício” possibilita a continuidade para que as

pessoas deficientes sejam excluídas da participação plena e efetiva na sociedade, porque a

conquista do privilégio foi baseada na diferença/deficiência.

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3.5. Discriminação, ninguém a merece

De acordo com Cláudia Werneck (1996, p.05), o ensino de noções erradas sobre a

diferença/deficiência dá origem aos comportamentos e atitudes discriminatórios. Assim,

torna-se um ciclo vicioso porque “os adultos não conseguem reverter os preconceitos. No

máximo, dominá-los. Para tanto, é necessário modificar a formação das crianças”. Mas, se os

meios de comunicação são alicerces da escola e da família na educação social, como vamos

reverter os pensamentos negativos acerca da deficiência se a discriminação está estampada

nas páginas dos jornais?

Em “Arte questiona a estética humana”, matéria publicada no Caderno Variedades do

Diário Catarinense, em 23 de agosto, na página 5, o comportamento discriminatório é

revelado pelo uso de palavras grosseiras, que constituem uma atitude preconceituosa de quem

as escreveu, e que influenciam negativamente na opinião pública. Conseqüentemente, os

leitores recebem informações equivocadas sobre a diferença/deficiência e continuam a

discriminar porque as práticas sociais são conseqüências das discursivas.

Arte questiona a estética humana

 Artista cria suas obras a partir do que encontra nas ruas

CHAPECÓ – Os traços que ilustram a exposição artística da pintora Adriana dos Santos, na Escola deArtes de Chapecó, podem até chocar  os visitantes, mas conduzem à reflexão sobre o valor das pessoas

deficientes.

As pinturas revelam personagens sem perna, braço ou em cadeira de rodas. A escolha desse

tema faz parte de um estudo acadêmico da artista, que também é professora de artes visuais da

Unochapecó. As imagens retratadas por Adriana baseiam-se na observação da artista de pessoas

 portadoras de deficiência que encontra nas ruas. 

Nos desenhos, a próteses usadas pelos deficientes ganha um papel especial. Para Adriana dos

Santos, o elemento que substitui o membro inexistente é uma moldura do corpo. “A cadeira de rodas

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faz parte do ser humano  portador de deficiências”, comenta. Com isso ela se propõe a questionar a

estética.

Segundo Adriana, a beleza não está presente apenas nos corpos ditos perfeitos. “Na verdade

eles (deficientes) não são melhores nem piores. São normais, mas que produzem uma sensibilidade,por isso achei interessante mostrar esse detalhe”, explica a artista.

Os quadros foram pintados com lápis crayon e com basto de tinta a óleo sobre papel de

outdoor. Com base no pensamento do filósofo Georges Bataille (1897/1962), que aborda a

transgressão, a artista chapecoense também revela a invasão dos deficientes na vida das demais

 pessoas que têm que se adaptar às necessidades de quem convive com algumas limitações do corpo

mutilado.

Analisemos, então, o título “Arte questiona  a estética humana”. O uso do verbo

“questionar” nos propõe o debate em torno da aparência estética. Em se tratando de pessoas

com deficiência, tal debate revela-se preconceituoso porque “nos agrupamos pelas

semelhanças e não pelas diferenças. Logo, o diferente, além de estar em minoria, é

discriminado”. (WERNECK, 1996, p.07). Então, o título sugere a discriminação do sujeito

deficiente porque põe em questão sua aparência, muitas vezes, tida como anormal. Logo

ressaltamos que, sob o ponto de vista da Inclusão, a diferença/deficiência não deve ser

questionada, mas, sim, reconhecida.

Outro exemplo, reflexo do pensamento preconceituoso, é o subtítulo “artista cria suas

obras a partir do que encontra nas ruas”. Tal enunciado, além de silenciar a condição real do

sujeito deficiente retratado pela artista plástica, reforça o estigma porque nos dá a impressão

de que todas as pessoas com deficiência, principalmente aquelas que usam cadeiras de roda,

vivem nas esquinas e cruzamentos das ruas como pobres e pedintes. E, quando a artista as

encontrou teve um repente de inspiração. Assim, a generalização de uma idéia, faz com a

sociedade acredite que todas as pessoas com deficiência são iguais, caracterizando, assim, o

comportamento estigmatizante. (RIBAS, 1985).

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Além disso, no contexto da matéria, observamos o uso de palavras grosseiras para

referir-se às pessoas com deficiência e que, também, denunciam o reforço aos

comportamentos e atitudes discriminatórios. A começar pelo verbo “chocar” no lide: “a

exposição artística (...) pode até chocar  os visitantes, mas conduz à reflexão sobre o valor das

pessoas deficientes”. Tal verbo possui sentido conotativo da deficiência como aberração

porque causa uma impressão desagradável aos visitantes da exposição. É como se a

diferença/deficiência fosse uma agressão aos olhos. Mas, apesar de tudo, os visitantes “podem

refletir sobre o valor das pessoas deficientes”.

Assim, o uso da palavra “valor” que, aparentemente é uma forma de compensar a

agressividade do verbo “chocar”, sugere a comparação entre condições humanas e valores

numéricos. Isto é, a condição ser deficiente é avaliada pelo grau do valor humano do sujeito

deficiente. Claudia Werneck (2003, p.36) nos ensina que “quem nasce de um ser humano é

um ser humano com o mesmo valor”. Logo, “não somos um composto de percentuais

variados de humanidade”. Então, avaliar a diferença/deficiência pelo seu grau valorativo é

uma forma de discriminação porque não existe condição “mais humana” e “menos humana”.

Além disso, valor humano não se mede, afinal, as diferenças fazem parte da humanidade.

Nesse sentido, Claudia Werneck (2003, p.29-30) afirma que, na Sociedade Inclusiva,

as pessoas devem assumir uma nova postura ética perante a diferença/deficiência porque é

necessário reconhecer as diversas condições humanas. Assim, é preciso desfazer a idéia daigualdade entre os homens, até mesmo porque não somos iguais. Trata-se, então, da ética da

diversidade que contrapõe a ética da igualdade.

A ética da igualdade é aquela que admite modelos de gente, por valorizar única e

exclusivamente o que as pessoas têm de semelhança. Neste sentido, acaba por

hierarquizar condições humanas, pois cria a categoria do “diferente”. A ética da

diversidade, por se apoiar na certeza de que a humanidade encontra infinitas formas

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de se manifestar, não admite a comparação entre diferentes condições humanas,

nem privilegia uma delas em detrimento de outras.

Nesse quesito, a postura ética dos jornalistas perante a diferença/deficiência ainda

encontra-se baseada no preconceito, na discriminação, no estereótipo e no estigma porque em

seus discursos tais elementos estão presentes. Observamos, então, mais um enunciado que

exemplifica a normalização da deficiência: “As próteses usadas pelos deficientes ganham um

 papel especial, (...) substituem o membro inexistente”. Tal informação ressalta, através da

expressão “ganha um papel especial”, que o uso de próteses, além de ser uma forma de

disfarçar uma deficiência, é a oportunidade para o sujeito deficiente inserir-se na sociedade

porque o “membro inexistente” é trocado por um “existente”.

Assim, o repórter revela a desinformação sobre as deficiências porque não há recursos

tecnológicos que substituam partes do corpo humano, que afetadas pela deficiência, estão

prejudicadas. Tais recursos servem apenas para facilitar a locomoção e/ou auxiliar no

processo de reabilitação. E, ainda, ao utilizar as expressões “membro inexistente” e “corpo

mutilado”, o repórter as generalizam como a única forma manifesta de deficiência física.

Além disso, tais expressões têm conotação de agressividade para com as pessoas com

deficiência porque está subentendido que ter uma deficiência física é um fardo insuportável

para se carregar. Logo, entendemos que “quem convive com algumas limitações do corpo

mutilado” tem um carma.

Para finalizar, observamos, ainda, o enunciado: “a artista chapecoense também revela

a invasão  dos deficientes na vida das demais pessoas”. O uso da palavra “invasão” tem

conotação agressiva, preconceituosa e segregativa. De acordo com Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira (1999), invasão significa entrada por meio da violência. Assim, entendemos

que os sujeitos deficientes não foram “convidados” para pertencer à sociedade e, por causadisso, eles se fizeram pertencer através da “invasão”.

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Para tanto, mais uma vez, ressaltamos que a deficiência é uma condição parte da

diversidade humana e deve ser reconhecida e aceita como tal. Logo, as pessoas com

deficiência não invadiram a vida dos demais, elas tentam ocupar seu lugar de sujeito na

sociedade para ter os mesmos direitos e deveres dos sujeitos não deficientes. Para isso, o

movimento da Inclusão, dentre outros, utiliza-se de documentos internacionais para facilitar o

processo de conscientização/ação da sociedade, que precisa modificar atitudes e

comportamentos para não mais discriminar pessoas.

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Palavras Finais

Nas palavras do jornalista Ricardo Kotscho (2000, p.08), “o jornalismo é a arte de

informar para transformar”. Nesse sentido, através do trabalho de análise do funcionamento

discursivo sobre a diferença/deficiência, foi possível refletir sobre o papel do jornalismo

catarinense na edificação da Sociedade Inclusiva, uma vez que, além de divulgar fatos e

acontecimentos da vida cotidiana, é, também, um agente transformador de mentalidades

porque influencia no comportamento e atitude sociais.

Entretanto, numa leitura desatenta pelas páginas dos jornais, acreditamos que os

 jornalistas têm domínio sobre aquilo que escrevem e, sem questionamentos, acatamos as

informações como se elas fossem retratos fiéis da realidade. Daí, a importância de pesquisas e

estudos que se sustentam por conceitos e métodos como a Análise do Discurso. Através desta

base teórico-operacional, percorremos caminhos escondidos por entre as palavras para

verificar quais sentidos e significados da diferença/deficiência circulam  no discurso

 jornalístico. E, ainda, pudemos tracejar uma radiografia da constituição da imagem do sujeito

deficiente.

Mas, os resultados revelaram-se nada satisfatórios. Tão logo iniciamos esta pesquisa,

em que selecionamos 15 matérias publicadas pelos jornais  Diário Catarinense,  Jornal de

Santa Catarina e A Notícia entre os dias 21 e 28 de agosto de 2003, notamos a fragilidade doconteúdo jornalístico. Belas pautas são reduzidas às perguntas básicas (quem, fez o quê,

quando, como e com quê finalidade) e, assim, transformadas em notas, cuja mensagem não

propõe à sociedade a reflexão sobre o real significado da diferença/deficiência no contexto

social. Logo, as informações sobre o sujeito deficiente não transformam mentalidades porque

fortalecem os “pré-conceitos” já existentes.

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Um exemplo é a nota “De rodas” publicada na editoria Visor do Diário Catarinense,

em 28 de agosto, na página 03. A fabricação de cadeiras de roda pelos presidiários em

benefício às pessoas com deficiência é uma pauta que poderia ser modelo de mensagem

inclusiva se transformada numa reportagem, por exemplo. Assim, valorizaria condições

humanas adversas aos padrões estabelecidos pela sociedade, e, ainda, provocaria reflexões

capazes de romper com paradigmas preconceituosos perante as diferenças. Mas, o repórter

imbuído com seus “pré-conceitos” transformou uma boa pauta numa nota escondida pelos

quatro cantos da página do jornal.

Então, a atividade jornalística mostra-se como uma “faca de dois gumes”. No mesmo

instante em que possui poderes para transformar mentalidades em prol da humanidade, ela

fortalece pensamentos negativos sobre as diferenças. Conseqüentemente, caminhamos no 

sentido contrário ao modelo de sociedade ideal para o reconhecimento das diferenças

humanas. Isto é, as condições de produção do discurso jornalístico sobre a deficiência, ainda,

não são favoráveis à construção da Sociedade Inclusiva porque há nas entrelinhas a

reprodução do preconceito, da discriminação, do estereótipo e do estigma.

Exemplificamos com “Arte questiona a estética humana”. É uma matéria

extremamente discriminatória, publicada no Caderno Variedades do Diário Catarinense, em

23 de agosto, na página 5, em que simboliza o sujeito deficiente como um cidadão intruso,

que tenta participar da vida em sociedade sem ser convidado. Ora, se tal matéria foi publicadacom o aval de todas as pessoas envolvidas na produção jornalística é porque as condições de

produção do discurso não são favoráveis à Inclusão. Afinal, o discurso não nos mostra o

sujeito deficiente como um cidadão com direitos e deveres que, por ser tão excluído, tenta de

alguma forma ocupar seu lugar na vida em sociedade.

E, ainda, observamos, a invisibilidade do sujeito deficiente como fonte de informação

e o monopólio das autoridades para expressar opiniões sobre os interesses que, na verdade,

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são das pessoas com deficiência. Assim, o silenciamento da voz do sujeito deficiente

representa uma atitude preconceituosa do repórter baseada na desinformação sobre as

deficiências, porque se acredita na incapacidade do sujeito deficiente em seguir seu próprio

caminho e expressar suas idéias sobre os acontecimentos à sua volta. Então, mais uma vez,

percebemos os passos contrários à Sociedade Inclusiva.

Nesta questão, apontamos como exemplo a matéria “Alunos da Apae visitam o Santa”,

publicada na editoria Geral do Jornal de Santa Catarina, em 21 de agosto, na página 3B. Nela,

observamos que não há vozes representativas dos sujeitos deficientes, sendo que o motivo

deles visitarem as dependências do jornal é o agradecimento pelo apoio cedido pela empresa

na arrecadação de verbas para a Instituição na qual eles estudam. Porém, a voz de autoridade

é quem deu lugar a voz do sujeito deficiente. Portanto, comprova-se que o repórter dá

credibilidade às fontes oficiais, excluindo, assim, vozes que, para ele, são “inexpressivas”.

Além disso, as pessoas com deficiência são transformadas em objetos de ações e

favores caritativos quando a falta de contextualização sobre os benefícios por elas

conquistados é misturada às pautas mais expressivas. É o caso da matéria “Surdos ganham

política estadual de educação”, publicada na editoria Geral do jornal A Notícia, em 22 de

agosto, na página A8, em que o raciocínio construído sobre a educação dos surdos é dissipado

pela referência (sem contexto!) das doações das empresas de telecomunicação e alumínio.

Assim, acredita-se que tais doações são privilégios conquistados com base nadiferença/deficiência.

Para tanto, os “pré-conceitos” somados à ignorância e ao despreparo dos jornalistas

facilitam na divulgação equivocada sobre os sentidos e significados da diferença/deficiência.

Assim, por medo de agredir o sujeito deficiente, o repórter reveste-se de bondade para, através

de recursos lingüísticos, como a hipérbole e o eufemismo, referir-se às pessoas com

deficiência. Conseqüentemente, constroem-se imagens distorcidas sobre os sujeitos

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deficientes porque eles são transformados em heróis e/ou coitadinhos pelas expressões

hiperbólicas e eufemísticas. Citamos como exemplo, as expressões “demonstra a força de

vontade” e “pessoas com histórico de deficiência”.

O discurso jornalístico sobre a deficiência é, então, ineficaz para construir a Sociedade

Inclusiva. Nesse sentido, os jornalistas devem rever seus procedimentos e técnicas de trabalho

para, sob o prisma da Inclusão, facilitar no processo de reconhecimento da deficiência como

parte da diversidade humana. Assim, as informações edificantes são aquelas em que o sujeito

deficiente aparece em diversos momentos da vida, e não apenas em datas comemorativas,

descobertas científicas e atividades assistenciais. Uma parceria com consultores da Inclusão é

um caminho para reverter por hora a insuficiência das matérias jornalísticas com foco na

deficiência.

Por outro lado, a academia deve proporcionar aos estudantes de Jornalismo a reflexão

sobre a diversidade humana no contexto da Inclusão, uma vez que, a capacitação profissional

é uma forma de multiplicar conceitos e reverter “pré-conceitos”, através da troca de

experiências entre pessoas com e sem deficiência. É neste sentido que a Resolução 45/91 da

ONU prevê a mudança de comportamento e atitude sociais até 2010. Da conscientização à

ação, o passo inicial para inclusão de pessoas com deficiência na sociedade é a difusão de

mensagens edificantes à Sociedade Inclusiva.

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APÊNDICE

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

DANIELLA HAENDCHEN SANTOS

O DISCURSO SOBRE O SUJEITO COM DEFICIÊNCIA

NA MÍDIA IMPRESSA CATARINENSE

Itajaí

2003

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DANIELLA HAENDCHEN SANTOS

O DISCURSO SOBRE O SUJEITO COM DEFICIÊNCIA

NA MÍDIA IMPRESSA CATARINENSE

Projeto de Pesquisa Científica apresentado à

disciplina Técnicas de Projetos em Jornalismo, sob

a orientação da professora Jane Cardozo da

Silveira como requisito para execução do Trabalho

de Conclusão do Curso de Comunicação SocialHabilitação em Jornalismo, da Universidade do

Vale do Itajaí, a ser orientado pelo professor

Rogério Christofoletti.

Itajaí

2003

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1. INTRODUÇÃO

Descrever o funcionamento discursivo de matérias jornalísticas a respeito das pessoas

com deficiência é o norte da minha monografia, a ser realizada como Trabalho de Conclusão

de Curso no próximo semestre letivo. Esse exercício de reflexão consiste em observar, através

da Análise do Discurso, os mecanismos de operação da linguagem e as condições sócio-

históricas que envolvem a formação discursiva.

Assim, a seleção de matérias dos principais jornais de Santa Catarina foi realizada

durante a Semana do Excepcional de 2003, comemorada entre os dias 21 e 28 de agosto.

Nesse período, as escolas especiais organizaram atividades artísticas, culturais e sociais para

promover ações de conscientização sob o tema “Educação Especial garantindo direito e

cidadania desde o nascimento”. E essas festividades, comumente, foram pautadas pelos

veículos de comunicação.

Porém, a forma como a questão da deficiência é abordada no texto jornalístico pode

contribuir para reforçar, ou não, o preconceito, a discriminação, o estereótipo e o estigma,

dependendo do modo como o jornalista exterioriza suas avaliações a respeito da pessoa com

deficiência. Para tanto, o trabalho de análise discursiva é justificável, pois nas entrelinhas das

formações discursivas, essas avaliações podem estar camufladas.O ideal é que a mídia colabore no processo de construção da sociedade inclusiva,

porque seu poder de transformação social é imensurável. E a deficiência será desmistificada

pelo público, se o jornalismo catarinense - nosso enfoque para estudo -atuar como agente

facilitador no processo de conscientização da população, pois a deficiência é parte da

diversidade humana e a sociedade precisa aceitar as diferenças para garantir autonomia,

qualidade de vida e cidadania para todos.

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2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

•  Analisar como os jornais  A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Diário Catarinense 

retrataram as pessoas com deficiência em matérias publicadas durante a Semana do

Excepcional, entre 21 e 28 de agosto de 2003.

2.2 Objetivos específicos

•  Verificar se o conteúdo das matérias conduz o leitor a formar opinião em relação às

pessoas com deficiência.

• 

Analisar como os termos ‘inclusão’ e ‘integração’ são utilizados no texto jornalístico.

•  Investigar a existência de termos que reforcem o preconceito, a discriminação, o

estereótipo e o estigma.

•  Discutir se esses jornais contribuem para o processo de inclusão das pessoas com

deficiência na sociedade.

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3. JUSTIFICATIVA

Devido à dificuldade de se encontrar pesquisas em torno do tema ‘mídia e deficiência’,

este trabalho pretende refletir sobre como os jornais impressos focalizam a pessoa com

deficiência. Essa reflexão é essencial à construção de uma sociedade para todos, pois no

contexto de inclusão das pessoas com deficiência, os profissionais da imprensa formam, junto

com a família e a escola, o triângulo educacional da sociedade. (SASSAKI, 2002).

Para Werneck (1996, p.05), “o preconceito vem da falta de informação e de formação

desde o início das nossas vidas. Há um lento e progressivo acúmulo de noções erradas sobre a

diferença / deficiência”. E um jornalista mal informado pode transformar suas avaliações

sobre a pessoa com deficiência em motivos de exclusão e reprovação, inseridos no contexto

de suas matérias.

Portanto, essa pesquisa para o campo da comunicação sugere alternativas para reverter o

quadro de desconhecimento sobre as deficiências. “Ao abordarmos corretamente essa questão,

estaremos criando as condições necessárias para que a sociedade atente para o fato de que,

mesmo portando alguma deficiência, as pessoas podem e devem participar do processo de

convivência plena”. (BRASIL, 1996, p.02-03).

Pretendo com esse trabalho plantar a minha semente na construção da sociedade paratodos. Não quero fazer desse trabalho o “politicamente correto”, mas quero propor aos

 jornalistas, principalmente, uma visão mais igualitária e humana a respeito das pessoas com

deficiência. Pois, o jornalista tem o poder de influenciar a opinião pública e pode dar sua

contribuição ao assumir a sua responsabilidade social.

No âmbito pessoal, esse trabalho é uma forma de retribuir o carinho e a amizade

conquistada na Escola Especial Tempo Feliz, APAE de Balneário Camboriú, quando lá eu

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participei do programa de serviço voluntário da Univali, em 2001. E, ainda, iniciar a minha

caminhada junto ao movimento da inclusão para reivindicar a participação plena, efetiva e

incondicional das pessoas com deficiência na sociedade.

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4. ASPECTOS METODOLÓGICOS

Natureza: Pesquisa Científica

Suporte: Monografia

Tipo: Pesquisa bibliográfica

4.1 Metodologia da pesquisa bibliográfica

Esta proposta de trabalho é uma pesquisa qualitativa, cujos dados consistem em

descrições detalhadas do funcionamento discursivo sobre o tema da deficiência nos principais

 jornais impressos de Santa Catarina. Logo, “a preocupação do pesquisador não é com a

representatividade numérica, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo

social” (GOLDENBERG, 1999, p.14).

Um estudo sobre a participação da mídia no universo da pessoa com deficiência,

idealizado por Sueli Yngaunis, da Universidade de Guarulhos, revela que há “lacunas

existentes na mídia, deixadas pelos profissionais da comunicação por não considerarem as

pessoas com deficiência um público relevante”.

Portanto, a reflexão sobre como a deficiência é construída discursivamente no texto

 jornalístico analisa informações que se “mal colocadas e mal interpretadas podem gerarmúltiplas interpretações e significados, que por vezes transformam os meios de comunicação

em agentes perpetuadores do comportamento preconceituoso em relação às pessoas com

deficiência”. (YNGAUNIS, 2001).

A mídia, um dos instrumentos mais fortes no processo de transformação social, pode

guiar o caminho da sociedade para a inclusão das pessoas com deficiência se cumprir com a

Resolução 45/91 que determina “mudança de foco do programa das Nações Unidas sobre

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deficiência passando da conscientização para a ação, com o propósito de se concluir com

êxito uma sociedade para TODOS por volta do ano de 2010”.

Autores como Werneck (2000) e Sassaki (2002) indicam caminhos para execução

desta pesquisa, pois em seus trabalhos a mídia aparece como alicerce junto à família e à

escola na construção da sociedade para todos. Além disso, é dever dos profissionais da mídia

“ajudar a formar uma imagem positiva e humana da pessoa portadora de deficiência através

de mensagens edificantes verbal e visualmente” (SASSAKI, 2002, p.156).

4.2 Metodologia da pesquisa de campo

A Semana do Excepcional, criada em 24 de junho de 1964, pelo presidente Umberto

de Alencar Castelo Branco, foi o recorte temporal para construção do corpus para a análise

discursiva, porque em datas comemorativas as pessoas com deficiência são lembradas como

fontes de informação. De 21 a 28 de agosto de 2003, foram observadas 23 edições dos jornais

de maior circulação do Estado,  A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Diário Catarinense,

com tiragens médias diárias de 40.000, 18.000 e 37.000, respectivamente.

Do total, 13 edições tinham alguma menção ao tema no noticiário. A partir desse

montante, foi feita uma seleção de frases para analisá-las sob o viés da Análise do Discurso de

linha francesa, que “se propõe trabalhar a forma-sujeito, isto é, o sujeito tal como é definidohistoricamente no imaginário da sociedade, e a forma-do-sentido, considerando que os dois

são determinados historicamente em seus processos de constituição e funcionamento”

(ORLANDI, 1997, p.101).

A Análise do Discurso não considera apenas as marcas lingüísticas nos textos, mas

também as condições de produção dos discursos e a exterioridade deles. Além de ser uma

metodologia, Análise do Discurso é também um conceito teórico que nos ajuda a pensar as

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práticas sociais derivadas das práticas discursivas. Assim, este trabalho nos mostra como os

 jornais constroem a imagem da pessoa com deficiência, como reforçam os preconceitos e

como revelam certo despreparo e ignorância sobre o tema.

Os critérios para seleção de frases foram as expressões que designam a pessoa com

deficiência, tais como: “pessoas portadoras de necessidades especiais”, “pessoas com

necessidades especiais”, “portadores de necessidades especiais”, que são usadas para

substituir as expressões “pessoas portadoras de deficiência”, “pessoas com deficiência” e

“portadores de deficiência” a fim de que seja evitada a palavra “deficiência”. Porém, o uso

inadequado desses termos pode reforçar o preconceito, a discriminação, o estereótipo e o

estigma. É válido ressaltar que os termos serão confrontados com os textos que os contém,

dando maiores condições para tecer uma análise.

Portanto,

a prática do analista do discurso, deliberadamente um trabalho de arquivo, vai ter

como núcleo a investigação das positividades enunciativas, a observação dos

estratos das seqüências discursivas. (...) Importa mostrar como funciona a

linguagem, que mecanismo são próprios de determinada formação discursiva, de

que maneira se operam os processos de substituição de palavras e os de constituição

de sentido. (CHRISTOFOLETTI, 2000, p.55).

Com isso, a Análise de Discurso se coloca como uma ponte para observarmos como se

dão as construções de significados nos textos jornalísticos acerca da deficiência.

4.3 Definição operacional dos termos

Discurso: É o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se a uma

concepção de língua como mera transmissão de informação). “O discurso não é fechado em si

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mesmo e nem é de domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação ao

que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros

discursos”. (ORLANDI apud BRANDÃO, 2000, p.89).

Texto: Unidade complexa de significação cuja análise implica as condições de sua produção

(contexto histórico-social, situação, interlocutores). Para Orlandi, o texto como objeto teórico

não é uma unidade completa; sua natureza é intervalar, pois o sentido do texto se constrói no

espaço discursivo dos interlocutores. Mas, como objeto empírico de análise, o texto pode ser

um objeto acabado com começo, meio e fim. (BRANDÃO, 2000, p.92).

Sujeito: Na perspectiva da Análise do Discurso, a noção de sujeito deixa de ser uma noção

idealista, imanente; o sujeito da linguagem não é o sujeito em si, mas tal como existe

socialmente, interpelado pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte

absoluta do sentido, porque na sua fala outras falas se dizem. (BRANDÃO, 2000, p.92). O

sujeito é uma posição, um lugar de fala. Assim, tudo é dito de uma certa posição, e isso revela

as condições de produção do discurso.

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5. CRONOGRAMA

Atividades Fevereiro Março Abril Maio Junho

Pesquisa de campo X X X

Entrega do relatório nº1 X

Elaboração da estrutura do texto X

Entrega do relatório nº2 X

Redação do texto, revisão e impressão X X X

Entrega do TCC e defesa em banca X

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6. ORÇAMENTO

Materiais Quantidade Valor unitário Total

Disquete 1 caixa 12,50 12,50

Tintas para impressora 4 cartuchos - 270,00

Livros 8 - 168,00

Xerox 720 0,09 64,80

Jornais 23 exemplares - 37,00

Papel sulfite A4 2 resmas 13,90 27,80

Encadernação 6 2,00 12,00

Total 592,10

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Janeiro: WVA, 2000.

________________ . Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu todos? 2.ed. Rio de Janeiro:

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________________ . Você é gente?. O direito de nunca ser questionado sobre o seu valor

humano. Rio de Janeiro: WVA, 2003.

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ANEXO