paÍses da amÉrica latina se reÚnem para buscar...

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Todos os dias, cerca de 20 meninas entre 10 e 14 anos dão à luz na Colômbia. Na Nicarágua, quase 30% das mulheres alegam que foram mães antes dos 18 anos. Em ambos os casos, a referida transformação na vida dessas mulheres está relacionada às suas condições sociais e, muitas vezes, a episódios de violência sexual. Para debater sobre situações como essas, que resultam em 2 milhões de nascimentos por ano em toda a América Latina, 15 países da região se reuniram em San Salvador, El Salvador, entre os dias 24 e 25 de outubro, no Fórum “Reduzindo Iniquidades – Ações estratégicas para a prevenção da gravidez na adolescência”. O evento foi coorganizado pelo Conselho de Ministros da Saúde da América Central e República Dominicana (COMISCA) e pelo Organismo Andino de Saúde (ORAS- CONHU) e contou, também, com o apoio do ISAGS, no âmbito do acordo de colaboração O ISAGS APOIOU O FÓRUM ORGANIZADO EM EL SALVADOR PELO COMISCA E ORAS-CONHU, QUE CONSEGUIU REUNIR REPRESENTANTES DE PAÍSES E ORGANIZAÇÕES DE TODA A REGIÃO interinstitucional assinado entre o Instituto e as duas organizações; possibilitando, assim, a participação de outros países-membros da UNASUL como Brasil, Suriname e Uruguai. Também compareceram ao encontro representantes do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e da Organização Pan-Americana da Saúde. Durante as apresentações iniciais, foram identificadas as tendências regionais que fazem da região o segundo lugar do mundo em números absolutos com mais gravidez na adolescência, ficando atrás apenas da África subsaariana. No seu discurso, a consultora do ISAGS, Alessandra Ninis, explicou que o assunto é ainda mais crítico. “Embora as taxas de fertilidade do mundo tenham diminuído consideravelmente nas últimas décadas, na América Latina houve um aumento e, hoje, uma em cada três mulheres engravidam antes dos 20 anos”. “Viemos aqui para nos encontrar, compartilhar experiências e apresentar propostas sobre o assunto a partir do aspecto técnico, estratégico- político e legal”, disse o secretário executivo do COMISCA, Julio Valdés, na abertura do Fórum. Durante o encontro, os países formaram grupos para consolidar os resultados a partir das experiências dos seus países e, no final, fornecer recomendações para os países. Entre as propostas, figura o reconhecimento de que a gravidez na adolescência é multicausal e, portanto, a resposta deve ser intersetorial. Por isso, parte da referida resposta teria que envolver “a educação integral da sexualidade, a partir de uma perspectiva de direitos e de gênero como eixo fundamental para a redução das iniquidades”. Outrossim, alguns participantes argumentaram que, embora os países estejam contando com planos para abordar o assunto, alguns inclusive ancorados em compromissos internacionais, as ações de cumprimento e sustentabilidade não foram possíveis por falta de verba e vontade política, razão pela qual recomendaram a introdução de instrumentos de prestação de contas. Por outro lado, fizeram um apelo para uma visão laica, baseada em evidencias e nas melhores práticas apresentadas no fórum. A reunião foi a segunda vez na qual o COMISCA e o ORAS-CONHU se reuniram para abordar a questão de prevenção da gravidez na adolescência, agora com a presença de outros países da América do Sul . “Na medida em que formos aumentando o radar, temos que tomar cuidado com a atomização, mas, em toda a nossa diversidade, acho que temos muitos pontos em comum”, afirmou Valdés. Gloria Lagos, representante do ORAS- CONHU, aplaudiu a participação do ISAGS. “Nosso primeiro evento ocorreu em um país andino e agora estamos em El Salvador. Esperamos que o próximo fórum seja em um país do Cone Sul”, falou. Para Vicky Camacho, assessora regional de Saúde Sexual e Reprodutiva do Escritório Regional do UNFPA, é importante estabelecer as estratégias dos diferentes mecanismos de integração. “As diferentes visões e experiências facilitam a configuração de um diagnóstico de por que não conseguimos acelerar a redução da gravidez na região”, disse. “Embora tenhamos estruturas bem definidas, ainda existem lacunas que precisamos preencher”, concluiu. PAÍSES DA AMÉRICA LATINA SE REÚNEM PARA BUSCAR SOLUÇÕES DE PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA Rio de Janeiro, Outubro/Novembro de 2016 . N o 1

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Todos os dias, cerca de 20 meninas entre 10 e 14 anos dão à luz na Colômbia. Na Nicarágua, quase 30% das mulheres alegam que foram mães antes dos 18 anos. Em ambos os casos, a referida transformação na vida dessas mulheres está relacionada às suas condições sociais e, muitas vezes, a episódios de violência sexual. Para debater sobre situações como essas, que resultam em 2 milhões de nascimentos por ano em toda a América Latina, 15 países da região se reuniram em San Salvador, El Salvador, entre os dias 24 e 25 de outubro, no Fórum “Reduzindo Iniquidades – Ações estratégicas para a prevenção da gravidez na adolescência”.

O evento foi coorganizado pelo Conselho de Ministros da Saúde da América Central e República Dominicana (COMISCA) e pelo Organismo Andino de Saúde (ORAS-CONHU) e contou, também, com o apoio do ISAGS, no âmbito do acordo de colaboração

O ISAGS APOIOU O FÓRUM ORGANIZADO EM EL SALVADOR PELO COMISCA E ORAS-CONHU, QUE CONSEGUIU REUNIR REPRESENTANTES DE PAÍSES E ORGANIZAÇÕES DE TODA A REGIÃO

interinstitucional assinado entre o Instituto e as duas organizações; possibilitando, assim, a participação de outros países-membros da UNASUL como Brasil, Suriname e Uruguai. Também compareceram ao encontro representantes do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e da Organização Pan-Americana da Saúde.

Durante as apresentações iniciais, foram identificadas as tendências regionais que fazem da região o segundo lugar do mundo em números absolutos com mais gravidez na adolescência, ficando atrás apenas da África subsaariana. No seu discurso, a consultora do ISAGS, Alessandra Ninis, explicou que o assunto é ainda mais crítico. “Embora as taxas de fertilidade do mundo tenham diminuído consideravelmente nas últimas décadas, na América Latina houve um aumento e, hoje, uma em cada três mulheres engravidam antes dos 20 anos”.

“Viemos aqui para nos encontrar, compartilhar experiências e apresentar propostas sobre o assunto a partir do aspecto técnico, estratégico-político e legal”, disse o secretário executivo do COMISCA, Julio Valdés, na abertura do Fórum. Durante o encontro, os países formaram grupos para consolidar os resultados a partir das experiências dos seus países e, no final, fornecer recomendações para os países.

Entre as propostas, figura o reconhecimento de que a gravidez na adolescência é multicausal e, portanto, a resposta deve ser intersetorial. Por isso, parte da referida resposta teria que envolver “a educação integral da sexualidade, a partir de uma perspectiva de direitos e de gênero como eixo fundamental para a redução das iniquidades”. Outrossim, alguns participantes argumentaram que, embora os países estejam contando com planos para abordar o assunto, alguns inclusive ancorados em compromissos internacionais, as ações de cumprimento e sustentabilidade não foram possíveis por falta de verba e vontade política, razão pela qual recomendaram a introdução de instrumentos de prestação de contas. Por outro lado, fizeram um apelo para uma visão laica, baseada em evidencias e nas melhores práticas apresentadas no fórum.

A reunião foi a segunda vez na qual o COMISCA e o ORAS-CONHU se reuniram para abordar a questão de prevenção da gravidez na adolescência, agora com a presença de outros países da América do Sul . “Na medida em que formos aumentando o radar, temos que tomar cuidado com a atomização, mas, em toda a nossa diversidade, acho que temos muitos pontos em comum”, afirmou Valdés. Gloria Lagos, representante do ORAS-CONHU, aplaudiu a participação do ISAGS. “Nosso primeiro evento ocorreu em um país andino e agora estamos em El Salvador. Esperamos que o próximo fórum seja em um país do Cone Sul”, falou.

Para Vicky Camacho, assessora regional de Saúde Sexual e Reprodutiva do Escritório Regional do UNFPA, é importante estabelecer as estratégias dos diferentes mecanismos de integração. “As diferentes visões e experiências facilitam a configuração de um diagnóstico de por que não conseguimos acelerar a redução da gravidez na região”, disse. “Embora tenhamos estruturas bem definidas, ainda existem lacunas que precisamos preencher”, concluiu.

PAÍSES DA AMÉRICA LATINA SE REÚNEM PARA BUSCAR SOLUÇÕES DE PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Rio de Janeiro, Outubro/Novembro de 2016 . No 1

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Durante o mês de outubro e início de novembro, representantes de todos os países-membros da UNASUL – reunidos no Conselho Diretor do ISAGS – realizaram uma prolífica discussão sobre as propostas apresentadas pela diretora-executiva, Carina Vance, para a Regulamentação Interna do Pessoal e do Manual de Classificação de Cargos do Instituto. O resultado positivo acabou configurando o ISAGS após um processo de institucionalização que começou em 2011 e permitirá a incorporação de quatro especialistas de diferentes países do bloco. “Foi uma demonstração clara de que os doze países apostam na integração”, observou Vance.

A primeira reunião extraordinária do Conselho Diretor no Rio de Janeiro, nos dias 18 e 19 de outubro, contou com a presença de 8 países presencialmente, além da participação virtual de outros três. Na ocasião, a Diretoria Executiva apresentou as sugestões dos representantes, até que no dia 16 de novembro uma versão foi finalmente aprovada por todos os Estados-membros do bloco.

Com a aprovação dos documentos, abrem-se as portas para a contratação através de concurso público de quatro especialistas técnicos do Instituto, que deverão desenvolver pesquisas e outras atividades nas áreas de determinantes

sociais da saúde, medicamentos, sistemas de saúde e vigilância em saúde. “Ao gerar mais representatividade dos países, acredito que haverá um maior sentido de apropriação do ISAGS por parte dos países da UNASUL que são os criadores dele e o fortalecimento da sua estrutura, permitirá produzir análise mais aprofundada quanto à Saúde Pública na região e associar esse conhecimento às políticas públicas que possam surgir”, explicou Vance.

Dentre os requisitos mínimos dos candidatos para o posto de especialista em saúde, estão: ter a nacionalidade de um dos países da UNASUL, contar com cinco anos de experiência profissional, possuir um mestrado na área de especialização específica ou correlata, e fluência no idioma espanhol e inglês (desejável o conhecimento do português ou neerlandês), além da vontade de se mudar e de morar, no mínimo, três anos no Rio de Janeiro.

As inscrições serão aceitas até o dia 5 de dezembro e espera-se que os quatro candidatos selecionados iniciem as suas atividades no dia 1º de fevereiro de 2017.

PAÍSES-MEMBROS DA UNASUL APROVAM UNANIMEMENTE A NOVA ESTRUTURA DE PESSOAL DO ISAGSO Instituto conclui o seu processo de institucionalização e inicia o processo para a incorporação de especialistas em saúde da região

“VIVAS NOS QUEREMOS”Reflexões sobre o papel do setor da saúde para erradicar o feminicídio

Em 19 de outubro, em resposta ao brutal estupro e assassinato de Lucía Pérez, de 16 anos, em Mar del Plata, realizou-se na Argentina uma passeata contra o feminicídio, da qual participaram dezenas de milhares de mulheres. Sob o lema “Nem uma a menos”, a iniciativa surgiu no “31º Encontro Nacional de Mulheres” em Rosario, para denunciar a violência de gênero. Bolívia, Brasil, Chile, Equador e Peru são alguns dos países da região onde foram organizadas manifestações nessa data e onde, além disso, estão previstas mais passeatas exigindo dos Estados e da sociedade uma resposta contundente para um problema tão sério.

Há quem questione a abordagem que se tem sobre os assassinatos de mulheres, indicando que os índices são muito menores do que os relacionados a assassinatos de homens. De fato, segundo os últimos dados da OPAS, na região sul-americana, embora a taxa de homicídios na população em geral

tenha sido de 15,18 a cada 100.000 pessoas (mais de 66.000 mortes por ano), a taxa para homens foi 7 vezes maior do que a de mulheres (26,15 vs. 3,56). Mas esses valores escondem diferenças importantes quanto à natureza dos crimes. A OMS estima que 38% das mortes violentas de mulheres são cometidas pelo cônjuge, muitas nos seus próprios lares e todas no âmbito de profundas assimetrias sociais.

Uma das acadêmicas feministas que mais tem desenvolvido o conceito do feminicídio é a mexicana, Marcela Lagarde. Ela argumenta que, diferentemente do assassinato de uma mulher, o feminicídio é o assassinato de uma mulher pela sua condição de ser mulher e aponta para a inércia do Estado frente à problemática. Entre as demandas dos movimentos de mulheres consta reforçar as medidas de prevenção do sistema judicial, mudar os padrões e estruturas sociais machistas e assegurar a vigência plena dos direitos sexuais e direitos reprodutivos, incluindo o acesso ao aborto seguro.

A violência de gênero pode ser física, sexual, psicológica, econômica e patrimonial ou simbólica, e uma problemática tão complexa exige ação de várias frentes como a educativa, judicial, cultural, dos meios de comunicação, e evidentemente, do setor da saúde. Há importantes progressos na América do Sul, com estratégias do setor da saúde de alguns países que destaco:

Abordagem de direitos em todas as ações de promoção da saúde, prevenção e acesso aos serviços de saúde, com sensibilidade para com as diferenças

socioeconômicas, étnicas ou culturais, etárias, de condição migratória, deficiência, orientação sexual ou identidade de gênero.

Direito à vida, saúde, liberdade, segurança, integridade, privacidade, não discriminação, etc. Direito a decidir sobre quantos filhos ter e quandoAcesso à informação baseada em evidência

Trabalho intersetorial com setores da educação e desenvolvimento social para conseguir mudar padrões socioculturais discriminatórios e com o setor da justiça para ajudar as vítimas de violência a entrar nos complexos sistemas judiciais e impedir a re-vitimização.

Acesso a serviços completos de saúde sexual e saúde reprodutiva, incluindo assessoria em planejamento familiar, medicamentos e métodos contraceptivos.

Geração de estatísticas em saúde que recolham dados sobre os diversos tipos de violência para entender a sua natureza.

Participação cidadã ampla que envolva as mulheres para conseguir democratizar os sistemas de saúde.

No Tratado Constitutivo da UNASUL, os 12 países-membros têm como objetivo “eliminar a desigualdade socioeconômica, conquistar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias”. Evidentemente, erradicar o feminicídio e a violência de gênero faz e deve continuar fazendo parte da agenda sul-americana para atingir esse objetivo.

AO PONTOPor Carina Vance

Foi com esse espírito que o ISAGS realizou, nos dias 8 e 9 de novembro desse ano, a Oficina “Migração e Saúde da América do Sul”, organizada na sua sede do Rio de Janeiro. Compareceram representantes de países da UNASUL, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), do Organismo Andino de Saúde - Convênio Hipólito Unanue e do Mercosul, entre outras instituições.

O encontro não só expôs a realidade dos migrantes em relação ao acesso à saúde na América do Sul, mas também buscou estratégias para alinhar a política de migração na região com ênfase especial nos Direitos Humanos.

A AMÉRICA DO SUL APOSTA NA HUMANIDADE

Carina Vance, diretora do ISAGS, destacou que a América do Sul estabeleceu a meta, no âmbito da UNASUL, de criar sistemas de saúde universais e é sob essa premissa que as e os migrantes devem ser contemplados como sujeitos plenos de direito à saúde; direito que deve ser garantido pelas políticas de saúde de cada um dos países sul-americanos, em sintonia com a explicação da Dra. Eleonor Conill, do Observatório Ibero-americano de Políticas e Sistemas de Saúde (OIPASS), que enfatizou os esforços dos sistemas de saúde sul-americanos para garantir o acesso universal à saúde.

Em busca de uma abordagem alternativa, os países da UNASUL estão se reunindo em instâncias como as que o ISAGS promove para discutir como

alinhar políticas de migração inclusivas enquanto, em uma linha completamente diferente, alguns líderes mundiais falam de muros, deportações e todo o tipo de limitações aos migrantes.

Tal como enfatizava Fernando Calado, da OIM, “enquanto vemos que em outras partes do mundo criam-se restrições e fecham-se as fronteiras, aqui na América do Sul estão ocorrendo importantes progressos que servem de exemplo não só para a região, mas para o mundo”.

Não é a primeira vez que a América do Sul contradiz a tendência mundial, apostando na inclusão e nos direitos humanos em um contexto adverso. A UNASUL, na realidade, surgiu em grande parte para consolidar o compromisso dos 12 países do Sul por uma região de paz, de diálogo e de inclusão social. Citando a Dra. Deisy Ventura, da Universidade de São Paulo, não podemos ignorar: “Tratar essa questão com uma perspectiva de direitos humanos é muito importante, pode salvar a vida das pessoas”.

Como bem disse Mariano Nascone, diretor de Assuntos Sociais da Secretaria Geral da UNASUL, durante a abertura da Oficina: “Diferentemente da Europa, nós somos uma região que tende a construir um sistema de integração e a fortalecê-lo, e não vice-versa. Temos uma História em comum, temos tradições e temos muitos aspectos que tornam a nossa identidade sul-americana”.

Em uma região na qual mais de 60% das migrações ocorre entre países vizinhos, a UNASUL busca reforçar a ideia da identidade sul-americana aceitando as diferenças e abraçando a diversidade, e essa Oficina foi um exemplo disso.

QUANDO O MIGRANTE NÃO É O INIMIGOO fenômeno das migrações tem ganhado, nos últimos anos, uma visibilidade inédita no mundo, mas enquanto as discussões parecem concentrar-se cada vez mais no caminho da exclusão e, inclusive, da xenofobia, a América do Sul busca alternativas de integração

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HABITAT III E O DIREITO À CIDADEEM OUTUBRO DESSE ANO, REPRESENTANTES DE QUASE 200 PAÍSES REUNIDOS EM QUITO, SOLENEMENTE, ASSINARAM A NOVA AGENDA URBANA COMPROMETENDO-SE A LUTAR POR UM MUNDO MAIS SUSTENTÁVEL E INCLUSIVO. OS LOGROS DO ACORDO SÃO CLAROS, MAS ALGUMAS VOZES TÊM FEITO UM CHAMADO À REFLEXÃO SOBRE POSSÍVEIS VAZIOS NA AGENDA

Convocados sob o lema A mudança nasce no coração do mundo, delegações dos 193 países-membros da ONU reuniram-se no Equador entre os dias 17 e 20 de Outubro desse ano para debater sobre a atualidade e o futuro dos assentamentos humanos, a qualidade de vida e o desenvolvimento urbano sustentável.

A terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Sustentável (Habitat) culminou com a assinatura de um documento de uma relevância política importantíssima, a Nova Agenda Urbana, mas que, no entanto, decepcionou mais de um especialista, visto que a concepção da Cidade como um Direito, uma das grandes aspirações dos especialistas em urbanismo sustentável, não foi contemplada.

A primeira Habitat, em Vancouver dos anos 70, reuniu arquitetos, modernistas, sociólogos, planejadores, urbanistas, políticos, científicos e visionários e idealistas de todo o tipo e de todos os lugares, que atenderam ao chamado das Nações Unidas para acabar de uma vez com a pobreza e a desigualdade e pôr fim, ao mesmo tempo, à destruição do meio ambiente.

Vinte anos depois, quando Istambul recebeu a Habitat II, os compromissos assumidos em Vancouver se chocaram com a realidade de um mundo no qual as cidades não eram mais limpas, nem mais inclusivas nem mais sustentáveis. Algo tinha dado errado.

A Habitat III propôs tomar as devidas providências, mas apesar dos esforços e logros gerados, para alguns observadores os resultados não foram suficientes. Para Cristian Suau, um dos especialistas em urbanismo sustentável mais importantes do Cone Sul, a habitação como direito e o direito à cidade são conceitos que têm sido excluídos das discussões da Nova Agenda Urbana.

“A principal questão – diz Suau – é aceitar que existe uma pluralidade, que não podemos pensar em erradicar as favelas, por si só, para aspirar a um modelo que no fundo é insustentável. O importante é pensar que podemos aprender a partir da informalidade desse tipo de arquitetura que representa 80% da nossa paisagem urbana”.

O direito à cidade implica não só o direito ao espaço público e à livre mobilidade, mas também o direito a viver em um ambiente saudável e a viver a urbanidade com direitos plenos para todos e todas, fora da lógica de Mercado, e nesse sentido, como diz o especialista chileno, a Saúde e a Educação têm um papel fundamental:

“É importante que os órgãos de Saúde e de Educação trabalhem com a questão da cidade, não como elementos externos, mas sim como ativos projetistas do modelo urbano. (…) É importante entender que a cidade é nosso elemento natural,

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e isso nos leva inevitavelmente a promover a civilidade, a perder o medo e a vencer essa cultura neoliberal que nos faz viver atomizados”.

A saúde, na verdade, esteve presente na Habitat III através da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde, do Ministério da Saúde do Equador e da Secretaria de Saúde de Quito, que desenvolveram eventos

paralelos durante o encontro. A crítica de Suau é feita, porém, devido à não centralidade da Saúde durante os debates principais da Habitat III.

Em 2036 será formada a Habitat IV e vamos ver se tudo isso foi em vão ou se, pelo contrário, aprendemos alguma coisa e realmente somos capazes de assumir o controle do nosso futuro e, ao menos uma vez, deixar o mundo para as

próximas gerações um pouco melhor do que quando chegamos.

O compromisso por um hábitat mais saudável, inclusivo e justo não só está contido nos documentos fundacionais da UNASUR e do ISAGS, ele está materializado também na política diária das iniciativas de integração do Sul.

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Iniciativas recentes na Região estão divulgando, através do setor público, fontes de informação de medicamentos úteis para promover um melhor uso dos mesmos. Tanto terapeutas quanto usuários de medicamentos encontram orientações relacionadas às indicações aprovadas em cada país pelas Agências de Medicamentos, cuidados especiais, efeitos colaterais, produtos farmacêuticos disponíveis em cada país, e instruções de uso referenciadas nos Guias de Prática Clínica nacionais.

Equador, a partir do seu projeto Yachay, cidade planejada para a inovação tecnológica e negócios intensivos em conhecimento, lançou o Vade-mécum Farmacoterapêutico em 2015. O principal objetivo dessa fonte é selecionar a melhor alternativa farmacológica para cada paciente, tornando-se, assim, uma fonte de informação importante e confiável para os profissionais da saúde que trabalham com atenção primária. Foram impressos 15.000 livros Vade-mécum para serem distribuídos

Os contrastes do Rio de Janeiro, Brasil

PALAVRAS DO ESPECIALISTA

Formulários Terapêuticos Nacionais, por Ángela Acosta, consultora técnica de medicamentos do ISAGS

através da rede pública da saúde do Ministério da Saúde Pública do país.

A Colômbia, por sua vez, acaba de lançar Medicamentos a un Clic (Medicamentos com um clique). Nesse portal de informação, qualquer usuário acessa as informações e uso dos medicamentos atualmente na Colômbia, além de poder realizar consultas rápidas por nome genérico ou por patologia. As informações disponíveis indicam se a tecnologia é coberta ou não pelo Sistema de Saúde, bem como em quais Guias de Prática Clínica nacionais se aplica terapeuticamente. http://bit.ly/MedicamentosAUnClic

Na América do Sul, esses esforços locais poderiam ser aproveitados regionalmente para promover práticas terapêuticas efetivas, bem como fontes de informação transparentes, de fácil acesso, e articuladas com instâncias como a aprovação, cobertura e financiamento de medicamentos. Sem dúvida, um panorama que contribui para o melhor funcionamento dos nossos Sistemas de Saúde.

Soluções para o desenvolvimento: isso é o que busca anualmente o Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC) com o seu Global South-South Development Expo (GSSD Expo), uma plataforma que promove a troca de boas práticas, experiências bem-sucedidas e inovação implementadas por países do Sul Global. Para o Diretor do Escritório, o argentino Jorge Chediek, a exposição é importante porque revela “que no Sul temos as respostas e estamos também mostrando que podemos e vamos compartilhar as mesmas.”

Sob o lema “Promovendo inovação para a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, representantes de países e organizações internacionais do mundo inteiro estiveram em Dubai, Emirados Árabes Unidos, entre os dias 31 de outubro e 3 de novembro, para participar da 8ª edição da GSSD Expo. Países da América do Sul e o ISAGS ganharam destaque nos diferentes espaços do evento.

O ISAGS/UNASUL na GSSDEssa é a segunda vez que o ISAGS participa

da GSSD na sua exposição principal. O Instituto apresentou e difundiu experiências bem-sucedidas da UNASUL em cooperação Sul-Sul junto a outros think thanks, organizações internacionais, órgãos das

Nações Unidas e governos. Durante a sua intervenção, a chefe de gabinete do ISAGS, Luana Bermúdez, enfatizou o papel da saúde na cooperação sul-sul, que “também une os povos para identificar soluções comuns para problemas semelhantes”.

A UNASUL também foi tema da apresentação de Cecilia Milesi, pesquisadora do Global Change, que destacou o papel do bloco na solução de conflitos na América do Sul. Para ela, a memória histórica, a construção de confiança, o espaço de diálogo horizontal e a liderança são características importantes da União para o sucesso das suas intermediações.

A questão de gênero e a sustentabilidade das ações de cooperação

A Argentina apresentou o seu programa para a criação de capacidades em comunidades em segurança alimentar e nutricional, o Pro Huertas (Pró-Hortas), que é desenvolvido no país há mais de 20 anos e que está sendo compartilhado com outros países da América Latina como Haiti, com o apoio, em termos logístico e financeiro, da UNASUL. A Diretora-Geral de Cooperação Internacional da Argentina, Ana Ciuti, salientou que o programa tem um forte componente social e educacional, destacando o papel das mulheres para a sustentabilidade das ações.

AMÉRICA DO SUL EXPÕE BOAS PRÁTICAS EM COOPERAÇÃO SUL-SUL EM EVENTO GLOBALArgentina, Brasil, Colômbia, Uruguai e ISAGS apresentaram as suas experiências bem-sucedidas na 8ª edição da Global South-South Development Expo

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“O Programa tem um grande componente de gênero, porque percebemos que as mulheres realmente são as que estão à frente do projeto. Quando alguém as visitava no campo, todas as hortas que realmente funcionavam eram comandadas por mulheres”, enfatizou.

O controle do tabaco no Brasil e UruguaiA implementação na América do Sul da

Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (FCTC, na sigla em inglês) também ganhou destaque na GSSD Expo com o Brasil e o Uruguai à frente, países que compartilharam as suas experiências no painel sobre essa problemática que é responsável por mais de 6 milhões de mortes por ano no mundo.

Na negociação do acordo, o Brasil liderou as discussões para incluir um artigo sobre os agricultores, “o elo mais frágil da cadeia”, segundo Diogo Alves, assessor de cooperação internacional do Ministério da Saúde do Brasil. Nesse sentido, o país promove a capacitação de agricultores para que tenham alternativas para o cultivo do tabaco e novas fontes de renda.

Por sua vez, o Uruguai, que é reconhecido mundialmente pela implementação bem-sucedida desse Acordo, vem colaborando com o assunto com outros países da região, como é o caso do Equador e da Colômbia, para o aumento de impostos de produtos do tabaco. O país apresentou a sua experiência em embalagem que, a partir de 2017, será genérica para os produtos de tabaco, com o intuito de diminuir o seu consumo e, além disso, apresentou o processo judicial entre o país e a empresa de tabaco suíça Philip Morris, no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, onde prevaleceu o interesse público. Para o diretor do Centro de Cooperação Internacional para o Controle do Tabaco, Winston Abascal, isso representou “o equilíbrio entre o direito dos investidores e o poder do Estado para intervir na Saúde pública”.

Argentina e Colômbia pela pazUm importante momento da exposição

foi a apresentação da cooperação entre Argentina e Colômbia em relação a questões forenses e de direitos humanos. Essa cooperação se concretizou na identificação de pessoas desaparecidas na Colômbia, na criação de um banco de perfis genéticos, em um projeto que envolve a Direção de Direitos Humanos colombiana e o Ministério de Ciência e Tecnologia da Argentina, além de organizações não governamentais.

Durante os quatro dias da GSSD Expo foram apresentadas diferentes plataformas que visam promover a Cooperação Sul-Sul.

Acesse os sites para colaborar!

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O SocialProtection.org está vinculado ao International Policy Center (IPC/UNDP) e tem como objetivo ser o ponto central para a troca de conhecimento para o desenvolvimento de capacidades e para a colaboração em diversas questões relacionadas à proteção social com foco na cooperação sul-sul, onde estão reunidas publicações, comunidades on-line e são realizados webinars temáticos. SocialProtection.org

O SSMART para os ODS foi lançado no âmbito da 8ªGSSD Expo como uma plataforma do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que busca criar um espaço onde demandas e ofertas de cooperação para a realização dos ODS se encontrem. global-ssmart.org/

O Saber Hacer Colombia é um portfólio de conhecimento que a Colômbia pode oferecer com duas linhas principais de oferta: uma sobre construção da paz, onde existem 16 casos documentados de boas práticas, e outra linha relacionada ao desenvolvimento de ODS. bit.ly/SaberHacerCOL

PLATAFORMAS DE COOPERAÇÃO

40 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento

Em 1978, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, cujo principal resultado foi o Plano de Ação de Buenos Aires, que estabeleceu um dos fundamentos básicos da Cooperação Sul-Sul: a cooperação horizontal. Em contraposição à cooperação tradicional, de caráter vertical, esse plano propõe relações mais equitativas e a troca de experiências,

com a ideia de que todos têm a oferecer. Em 2018, o Plano completa 40 anos, e um das ideias da UNOSSC é que seja realizado na Argentina um evento comemorativo nesse âmbito para a Cooperação Sul-Sul.

ISAGS-UNASULDiretora-Executiva: Carina Vance Mafla Chefe de Gabinete: Luana Bermudez

GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTOCoordenadora: Flávia Bueno Editor do Informe ISAGS: Manoel Giffoni Reportagem: Flávia Bueno, Karla Menezes e Manoel GiffoniEquipe: Bruno Macabú e Felippe AmaranteContato: [email protected] Telefone: +55 21 2505 4400

EXPEDIENTE

RINC/UNASUL VALIDA PLANO REGIONALDE CONTROLE DO CÂNCERDO COLO DO ÚTERORepresentantes de países da UNASUL e de nações da América Central e Caribe validaram o Plano que pretende erradicar o câncer do colo do útero na América do Sul, projeto do qual o ISAGS é co-executor

Esse é o informe do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), o centro de pensamento estratégico na área de saúde da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) que visa contribuir para a melhoria da qualidade do governo em saúde na América do Sul por meio da formação de lideranças, gestão do conhecimento e apoio técnico aos sistemas de saúde.

No último dia 11 de outubro reuniu-se no Rio de Janeiro o Grupo Operativo para o Controle do Câncer de Colo do Útero, instância que faz parte da Rede de Institutos e Instituições Nacionais de Câncer (RINC) da UNASUL. Na reunião, validou-se o “Plano UNASUL Região Livre de Câncer do Colo do Útero”, projeto que passará agora a ser avaliado pelo Conselho de Saúde Sul-Americano, que reúne as Ministras e Ministros da Saúde dos 12 países que formam o bloco.

O câncer do colo do útero é uma doença com cura e passível de prevenção, o que significa que todas as mortes por esse tipo de câncer “são todas mortes que poderiam ter sido evitadas”, como observou durante a reunião a Dra. Lucía Delgado, Coordenadora da RINC, enfatizando, além disso, que além do número de falecimentos, que varia muito de um país para outro, “todas as mortes são contabilizadas”.

Entre as áreas de interesse destaca-se a vacinação contra o vírus HPV das meninas antes dos 14 anos, a ampliação de cobertura da triagem e o tratamento adequado, incluindo uma plataforma de assistência técnica e capacitação para os gestores e profissionais da saúde. O Plano, que tem

o ISAGS como entidade de execução, será implementado com o apoio de instituições do mundo inteiro, como a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC-OMS), a União Europeia, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, entre outros.

Carina Vance, diretora executiva do ISAGS, destacou o âmbito do Plano, que ultrapassa as fronteiras sul-americanas, e lembrou-se da importância de levar em consideração “os determinantes sociais que atravessam os diversos sistemas de Saúde” dos países da UNASUL e que nos convidam a “pensar em quais são as principais causas das diferentes condições” oferecidas em termos de saúde dos nossos povos.

UM MODELO INOVADORA Dra. Silvia Arrosi, coordenadora do

Grupo Operativo para Controle do Câncer do Colo do Útero, também ficou satisfeita depois do encontro: “É a cristalização de muitos meses de trabalho, do trabalho de toda uma equipe, um trabalho em rede. Agora estamos esperando o momento de poder botar isso em prática”.

Na mesma linha, o Dr. Luiz Santini, Coordenador do projeto, ressaltou o caráter inovador presente no processo de elaboração do documento, processo realizado de forma horizontal, através de muito diálogo e participação: “Quando se impõe um Plano de cima e os países devem implementá-lo em suas próprias realidades, geralmente, não funciona. Isso não é fácil, não é simples. Há debates, há pontos de vista diferentes. Mas isso tem a ver com a Democracia. Demora mais, é mais trabalhoso, mas dessa forma pretendemos alcançar os nossos objetivos e alcançar uma efetividade maior”, falou.

Santini espera que esse modelo inovador, participativo e horizontal seja tomado como exemplo para a implementação de outros planos e projetos na região, e destacou o acompanhamento e a articulação com o ISAGS durante o processo.

Cada delegação apresentou as conquistas e desafios dos seus países no momento de lutar contra o câncer do colo do útero e todas concordaram com a importância da implementação imediata desse Plano. O compromisso dos 12 países sul-americanos é erradicar o câncer do colo do útero na região.