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16
Estudo de Caso: Terremoto no Equador Visão do Especialista: Saúde Mental Entrevista: Julio Sarmiento América do Sul Resiliente n.04 RISCOS DE DESASTRES Dezembro / 2016

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Estudo de Caso: Terremoto no Equador

Visão do Especialista: Saúde Mental

Entrevista: Julio Sarmiento

América do Sul Resiliente

n.04 RISCOS DE DESASTRESD

ezem

bro

/ 201

6

O que são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável? Como serão monitorados?

Instituto Sul-Americano do Governo em Saúde

Diretora Executiva

Carina Vance Mafla

Coordenador Técnico

Henri Jouval

Chefe de Gabinete

Luana Bermudez

Coordenadora de Gestão da Informação

e do Conhecimento

Flávia Bueno

Editor-Chefe

Manoel Giffoni

[email protected]

Textos

Manoel Giffoni e Rafael Giménez

Tradução

Maíra Ferreira e Peter Lenny

Fotografias

Acervo ISAGS, Banco de Imagens

da ONU

Projeto Gráfico

TUUT Design

Apoio

Alessandra Ninis, Aline Fontainha,

Ángela Acosta, Beatriz Nascimento,

Bruno Macabú, Felippe Amarante,

Gabriela Jaramillo, Laura Santana

Agradecimentos

Ministerio de Salud de Chile,

Ministerio de Salud Pública

de Ecuador y UNDP Bolivia

n.04

Qual o papel do ISAGS nessa nova jornada? Saiba de tudo em http://bit.ly/ODSnoISAGS

04

06

10

12

14

eDItOrIAl

PrINcIPAlamérica do sul resiliente

eStUDO De cASOterremoto no ecuador

eNtrevIStAJulio sarmiento

vISãO DO eSPecIAlIStAsaúde mental

eDItOrIAl

4

No último dia 19 de novembro, uma tempestade atingiu

a pequena comunidade de Nicolândia, no sudeste

do Brasil. Mas o que parecia ser uma notícia irrelevante

se transformou em uma tragédia ao revelarem que

aproximadamente 60% das casas foram seriamente

danificadas e que, além de cinco desaparecidos, três

pessoas foram encontradas sem vida. Com a sua principal

via de acesso interrompida – a tempestade também

levou a ponte que ligava a comunidade aos grandes

centros urbanos –, os bombeiros e a defesa civil tiveram

dificuldades para se deslocar até o local. No entanto,

o caso de Nicolândia não aparecerá nas estatísticas

gerais de desastres.

Uma avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS)

de 2013 calcula que, para cada desastre listado nos bancos

de dados globais, há outros 20 desastres com impacto

devastador que não são registrados. Essa informação

mostra a importância da gestão de risco de desastres no

mundo e, particularmente, na América do Sul, uma região

afetada por grandes fenômenos naturais como terremotos,

tsunamis e vulcões em erupção, bem como também por

desastres de menor intensidade, como tempestades e

enchentes, e fenômenos não catastróficos a curto prazo,

como a seca.

Conforme as evidências coletadas pelo Painel

Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a

situação pode agravar-se nos próximos anos. Um relatório

publicado no ano de 2014 afirma que “a emissão contínua

de gases de efeito estufa provocará um maior aquecimento

e mudanças permanentes em todos os componentes

do sistema climático, o que fará com que aumente

a probabilidade de impactos graves, generalizados e

irreversíveis para as pessoas e os ecossistemas”.

Com esse desafio em mente, o décimo primeiro

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) chama

a atenção dos países para “fazer com que as cidades e

os assentamentos humanos sejam inclusivos, seguros,

resilientes e sustentáveis” e, mais especificamente “para

2030, reduzir de forma significativa o número de mortes

e de pessoas atingidas por desastres”.

A gestão de risco de desastres é uma das grandes

preocupações dos países da UNASUL. Na sua estrutura

de integração há dois órgãos que têm trabalhado

com esse assunto e que, como detalharemos nas

páginas seguintes, vêm apresentando progressos para

aprofundar a cooperação e torná-la mais eficiente.

O ISAGS, por sua vez, com o objetivo de assegurar que a

abordagem se desenvolva considerando a saúde pública

e os determinantes sociais, faz a sua parte apoiando as

iniciativas existentes e promovendo novos mecanismos.

Desde o recente episódio no Equador até o conhecimento

adquirido pelo Chile com o seu histórico de terremotos,

a presente edição da revista Inspira 2030 abrangerá tanto

diferentes aspectos da gestão de riscos de desastres e

experiências de países sul-americanos, quanto esforços

que, certamente, resultarão em uma América do Sul

mais resiliente.

Boa leitura!

5

AMÉRICA DO SUL RESILIENTE

6

Superlativa em termos naturais, a América do Sul também tem que conviver com enormes desafios na gestão de riscos de desastres.

PrINcIPAl

O primeiro resultado obtido pelo Google sobre os

desastres naturais refere-se às “enormes perdas

materiais e vidas humanas ocasionadas por eventos e

fenômenos naturais como os terremotos, enchentes,

tsunamis, deslizamentos de terra, desmatamento, poluição

ambiental e outros”. Essa abordagem, no entanto, é

claramente simplista e não abrange um desastre natural

na sua totalidade.

Uma das grandes críticas ao modelo adotado na Agenda

de Desenvolvimento do Milênio foi a falta de perspectiva

ao segmentá-la em Objetivos delimitados. Por esse

motivo, com a nova Agenda 2030 apresenta-se uma visão

holística da rede de causas, consequências e problemas

simultâneos e um trabalho intersetorial para abordá-los.

Sob essa perspectiva, a noção de riscos de desastres não

se refere apenas às “perdas materiais e vidas humanas”,

mas também contempla a mudança climática, a falta de

planejamento do território e previsão nas populações

vulneráveis e é reconhecida, também, como uma causa

determinante que leva milhares de pessoas à pobreza.

Superlativa em termos naturais, em condição bioceânica,

com os maiores sistemas fluviais, de territórios semiáridos

a geleiras, da mais longa cordilheira à mais extensa

floresta, a América do Sul também tem que conviver

com enormes desafios na gestão de riscos de desastres.

De acordo com o relatório Visão Regional da Situação de Risco

de Desastres na América do Sul, produzido pela agência da

ONU dedicada ao tema (UNISDR) e pela comissão de Ajuda

Humanitária e Proteção Civil da União Europeia, entre

os anos de 2002 e 2011 foram registrados mais de 4 mil

desastres na região, nos quais morreram mais de um

milhão de pessoas.

“Na região, temos os exemplos mais concretos com o

fenômeno El Niño, cujos efeitos são cada vez mais evidentes

em matéria de seca, enchentes e derretimento das geleiras,

que são a fonte de água doce do continente”, explica o

pesquisador boliviano e economista do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ernesto

Pérez de Rada. “O ano de 2016 tem sido particularmente

problemático, dado que não se via o grau de intensidade

do referido fenômeno desde a década de 80 e início dos

anos 90. É provável que este cenário de ‘exceção’ seja

a regra nas próximas décadas, isso é, a previsão é de

que os fenômenos tenham cada vez menos intervalos

de ocorrência, o que, evidentemente, afetará tanto as

condições produtivas quanto sociais da América do

Sul”, acrescentou.

O estudo Shock Waves, do Banco Mundial, lançado esse

ano, destaca o impacto negativo dos desastres naturais

na erradicação da pobreza, que em nosso continente

tem diminuído, de forma consistente, nas últimas

décadas. Entre os fatores destacados estão “os choques

de preços que podem ter como resultado uma menor

produção agrícola e a destruição de bens”. Para Pérez de

Rada, os setores sociais mais vulneráveis são não apenas

os pobres, mas também aquelas camadas da sociedade

que, recentemente, saíram da faixa de pobreza na região

“mas cuja renda ainda não permite a sua ascensão à

classe media consolidada”. E acrescenta: “De acordo

com as evidências de inúmeros estudos, o desastre vai

gerar, em médio prazo, não apenas uma diminuição

na renda familiar, mas também uma piora dos outros

indicadores sociais, revelando um cenário de pobreza

multidimensional entre os atingidos”.

É importante considerar que as áreas onde vivem os mais

vulneráveis, muitas vezes, já dispõem de determinantes

pouco otimistas, seja em termos da própria disponibilidade

dos serviços de saúde ou da infraestrutura das habitações

e do saneamento básico. Com o colapso provocado

pelos desastres naturais, os desafios para o sistema de

saúde incluem não só o atendimento aos feridos, mas

também a prevenção do surto de epidemias e de doenças

transmissíveis, de casos de desnutrição e os cuidados de

saúde mental, que será abordado, detalhadamente, mais

7

adiante nessa revista. Nesse sentido, a área da saúde

desempenha um papel crucial na gestão de risco de

desastres e em garantir que a população possa se reabilitar

e dar início à reconstrução das suas vidas e do seu entorno.

“Na realidade, a pronta resposta ao atendimento às vítimas

dos desastres é apenas um dos aspectos da atuação da

área da saúde nesse assunto”, afirma Alessandra Ninis,

consultora técnica do ISAGS sobre Determinantes Sociais.

“Pelo seu contato muito próximo com as comunidades,

os agentes e equipes de saúde da família podem atuar

na prevenção, através do mapeamento de áreas de risco

crítico e de pessoas em situação de vulnerabilidade, e

também na educação ambiental”.

Na publicação da Organização Pan-Americana da Saúde

(OPAS) Desastres Naturais: Protegendo a Saúde Pública, porém,

são listados alguns mitos em torno da resposta, como o

que diz que qualquer tipo de assistência internacional,

seja em termos de profissionais ou doações, é necessário.

De acordo com o documento, “uma resposta precipitada

que não se baseie em uma avaliação imparcial só

contribui para o caos”.

Pérez de Rada, do PNUD, acredita que as instituições

e organizações multilaterais têm, nesse contexto, um

papel preponderante: “consiste em promover atividades

articuladoras entre os países para uma gestão efetiva e

mais eficiente, não só de emergência diante de riscos

ambientais, mas também para o desenvolvimento

de plataformas transnacionais de políticas públicas,

programas e projetos ambientais levando em consideração

a prevenção, o planejamento do desenvolvimento e o

fortalecimento de capacidade”.

Como declarou a ministra da Saúde do Equador Margarita

Guevara, depois do terremoto que atingiu o país em

abril desse ano, mais de 50% da ajuda internacional que

chegou ao país vieram dos países sul-americanos, urgia

que a UNASUL pudesse coordenar melhor a resposta a nível

regional, de forma que a solidariedade não se tornasse um

problema para o país beneficiário. É assim que o bloco,

que já havia criado no âmbito do Conselho de Saúde uma

rede para a gestão de riscos de desastres (GRIDS-UNASUL),

também formou, em 2013, um grupo de alto nível para

tratar do tema.

Dois anos depois, o grupo aprovou um Manual de Gestão de

Riscos e Desastres Naturais que, nas palavras do secretário-

geral da UNASUL, Ernesto Samper, “não passa de um

mecanismo de coordenação e assistência mútua que

sistematiza a preparação para responder coordenada

e institucionalmente à ocorrência desses desastres”.

No conteúdo estão especificados os termos e conceitos

para serem empregados e, além disso, estão definidos

os agentes responsáveis por coordenar a chamada

internacional – as chancelarias – e para informar sobre as

necessidades dos países no caso de um desastre natural

– os Sistemas Nacionais de Gestão de Risco de Desastres,

de Defesa Civil ou outro órgão responsável.

O Manual também estabelece critérios para o transporte

e documentação das doações, indicando os casos em

que seria mais pertinente a transferência de recursos

financeiros para compras locais. Por outro lado, cria

protocolos para casos em que os países necessitem de

pessoal qualificado, como equipes de resgate, equipes

médicas, entre outros.

Com o objetivo de criar as condições operacionais para o

cumprimento dos aspectos relacionados à área da saúde

no Manual, a rede supracitada do Conselho de Saúde da

UNASUL esteve no ISAGS, em outubro desse ano, para a

Oficina de elaboração do Plano Sul-Americano de Riscos de

Desastres em Saúde 2017-2021. Com a participação de oito

países do bloco e representantes do ORAS-CONHU, da OPAS

e do Médicos Sem Fronteiras, o encontro serviu para que

fossem apresentadas as experiências na gestão de riscos

Em termos práticos, por exemplo, os países terão apoio na

implementação da estratégia de ‘hospitais seguros e inteligentes’, estabelecida pelo Marco de Ação

de Sendai, que lista uma série de medidas para garantir que

os estabelecimentos continuem funcionando no caso de um

desastre natural.

8

de desastres tanto em âmbito nacional, quanto regional;

e para que fosse disponibilizado um roteiro detalhando

as diversas atividades a serem realizadas a partir de

dezembro de 2016. Entre elas, destaca-se a produção de

relatórios e documentos técnicos, além da criação de uma

plataforma regional de capacitação.

Em termos práticos, por exemplo, os países terão apoio

na implementação da estratégia de ‘hospitais seguros e

inteligentes’, estabelecida pelo Marco de Ação de Sendai,

que lista uma série de medidas para garantir que os

estabelecimentos continuem funcionando no caso de

um desastre natural. Em média, quando um hospital não

funciona, cerca de 200 mil pessoas ficam sem cuidados

médicos e o colapso do serviço de emergência diminui

consideravelmente a possibilidade de salvar vidas.

Com o enorme desafio de mitigar os seus efeitos cada

vez maiores em um contexto de mudanças climáticas

e de orçamentos ameaçados por planos de austeridade,

Ministério da Saúde da Argentina (Adaptada)

evitar a duplicação de esforços, aproveitar a experiência

dos que estão dispostos a compartilhá-la e administrar

de forma eficaz a ajuda que vem dos países vizinhos é

uma estratégia possível e fundamental. A UNASUL está

promovendo essa política.

01PREVENÇÃO

02ATENUAR POSSÍVEIS DANOS

05REABILITAÇÃO

FASE CDEPOIS DO DESASTRE

FASE BDURANTE O DESASTRE

FASE AANTES DO DESASTRE

03PLANEJAMENTO DA RESPOSTA 06

RECONSTRUÇÃO

Trata-se de evitar

ou impedir a

ocorrência de danos.

Para tal, se deve

eliminar a ameaça,

a vulnerabilidade ou

ambas, até eliminar

defi nitivamente o

risco.

O objetivo é minimizar

os danos, portanto, é

necessário intervir em

um dos dois fatores

de risco: diminuir

a ameaça ou a

vulnerabilidade.

Inclui o conjunto de

medidas para reduzir

ao máximo a perda

de vidas humanas e,

adequadamente, uma

eventual resposta e a

reabilitação antes da

ocorrência do desastre.

Envolve as ações para salvar vidas, reduzir o sofrimento, diminuir as perdas e reduzir os riscos secundários.

Busca o

reestabelecimento

rápido e no menor

tempo possível dos

serviços básicos da

comunidade e início

da reparação do

dano físico, social e

econômico.

É a reparação a médio

e longo do dano físico,

social e econômico, a

um nível de proteção

superior ao existente

antes do evento. Aqui,

se retomam as etapas

da primeira fase:

prevenção, mitigação e

preparação.

04IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE RESPOSTA

9

TERREMOTO NO EQUADOR

eStUDO De cASO

Aregião de Manabí despontava como uma das áreas

mais atraentes para o turismo no Equador. Com as

suas praias extensas e limpas, de ondas grandes, áreas de

mergulho e o Parque Nacional de Machalilla, que abriga

mais de 200 espécies de pássaros, o lugar vivia uma nova

fase de desenvolvimento como ponto de descanso e

lazer, graças à recém-construída infraestrutura que inclui

modernas rodovias da capital do país, Quito, e novas

opções de hospedagem.

O florescimento da indústria do turismo, contudo,

não favoreceu apenas a construção de grandes hotéis

e cadeias de restaurantes, mas também estimulou os

microempresários a expandir a sua estrutura física,

seja com um novo terraço ou quartos extras para as

suas pousadas.

No dia 16 de abril, quando um terremoto de 7,8 graus

na escala Richter teve como epicentro a região, essas

construções precárias foram as primeiras a reduzir-

se a escombros, poeira e ruína. Entre o terremoto

principal e as suas quase duzentas réplicas, algumas com

intensidade de até 6,8 graus, 671 pessoas perderam as

suas vidas e, segundo o Escritório das Nações Unidas para

a Coordenação de Assuntos Humanitários, mais de um

milhão foram atingidas. “A tragédia é muito grande, a dor

é muito grande” declarou o presidente Rafael Correa ao

decretar estado de emergência em todo o país.

Ainda que a magnitude do acontecimento possa

impressionar, os desastres naturais não são uma surpresa

para o país. “O Equador tem um território que sofre

várias ameaças, como vulcões, enchentes e também risco

sísmico”, explica Santiago Tarapues, consultor de Riscos

de Desastres do Ministério da Saúde Pública do país. No

entanto, acrescenta que, embora o Equador tenha tido

eventos dessa natureza, o terremoto do dia 16 de abril foi o

pior a assolar o país nas últimas três décadas.

A ministra da Saúde equatoriana, Margarita Guevara,

estava de visita na região logo quando começaram os

tremores. “Sentimos uns tremores bem fortes no carro

já de volta para Quito, mas não sabíamos exatamente o

que estava acontecendo, até que começaram a chegar

os primeiros alertas”, afirmou. De acordo com Guevara,

apesar de nenhum lugar ou região no mundo estar cem

por cento preparada no caso de um desastre natural,

deve-se destacar que apenas dois hospitais entraram em

colapso e não houve mortes nos mesmos. “Nos últimos

dez anos, o Ministério da Saúde promoveu a estratégia

de credenciar hospitais seguros e realizar capacitações

e simulações permanentes. Dessa forma, o pessoal dos

hospitais pôde evacuar as instalações de maneira muito

eficiente”. Infelizmente, morreram três médicos cubanos

no hotel onde viviam no município de Pedernales, e três

enfermeiras equatorianas, que morreram em suas casas.

Se a infraestrutura existente revelou-se adequadamente

resiliente, a resposta ao terremoto também contrariou

as expectativas ruins, como observou o secretário-geral

da ONU Ban Ki-moon ao reconhecer a liderança das

autoridades equatorianas nas operações de resgate e

prestação de assistência às comunidades.

Inicialmente, foram mobilizados, 10.000 militares e 4.600

policiais para as operações de busca e para assegurar

que as pessoas pudessem acessar os serviços básicos.

“Nas primeiras 72 horas tivemos 4859 atendimentos

emergenciais tanto no estado de Manabí quanto no

vizinho Esmeraldas, também afetada”, falou a ministra.

Para dar conta desse aumento, foram utilizados três

hospitais ambulantes. “Geralmente, essa operação de

implementação dura pelo menos seis dias, às vezes dez;

nesse caso, levou de 48 a 72 horas, o que foi um recorde”.

Outro aspecto destacado pela ministra foi a organização

para receber ajuda tanto de outros estados quanto do

exterior. “As pessoas, às vezes, achavam que éramos

soberbos porque não aceitávamos qualquer tipo de doação,

não aceitávamos medicamentos que não estavam dentro

das necessidades”. Guevara acrescentou que o Ministério

coordenou inclusive os esforços da rede privada de Saúde:

10

Para dar conta desse aumento, foram utilizados três hospitais ambulantes. “Geralmente, essa operação de implementação dura pelo menos seis dias, às vezes dez; nesse caso, levou de 48 a 72 horas, o que foi um recorde”.

“Em Quito e Guayaquil, alguns hospitais enviaram brigadas

do seu pessoal e nós determinamos onde deveriam

atender. Sem coordenação, a ajuda pode, de fato, tornar-

se um obstáculo”. Os esforços para essa coordenação se

centraram no Comitê de Operações de Emergência (COE),

liderados pelo próprio presidente Rafael Correa, que tem

as suas delegações regionais nos estados.

Durante o processo muitas lições foram aprendidas, como,

por exemplo, relacionadas à resposta em mais longo

prazo, no que diz respeito ao controle vetorial e à atenção

à saúde mental. Para a ministra Guevara, tanto as

conquistas quanto os desafios que permanecem podem e

devem ser socializados entre os países. “Há uma diferença

muito grande, diante de uma situação de desastre, na

forma de administração por um país deprimido, um

país desenvolvido e um país em desenvolvimento, como

os nossos na UNASUL, com nossas particularidades e

realidades compartilhadas”, afirma. “Temos que contar

e também escutar a experiência de países como Colômbia,

Uruguai, Chile, entre outros. O conhecimento já existe e

um órgão como o ISAGS pode aprofundá-lo ao consolidar

e organizar o mesmo”.

A ministra Margarita Guevara visita um hospital de campanha.

11

JULIO SARMIENTOO Chefe de Departamento de Gestão de Riscos em

Emergências e Desastres do Ministério da Saúde do Chile

e coordenador do GT do Conselho de Saúde dedicado ao

tema, Julio Sarmiento, explica o progresso que tornou

o país uma referência internacional e permitiu que os

mecanismos do Estado respondessem de forma muito

mais eficiente ao terremoto de 2015 em comparação com

a tragédia que ocorreu em 2010, na cidade de Concepción.

i2030 Depois do terremoto de 2010, pode-se dizer

que a gestão de riscos tornou-se uma questão

prioritária no Chile?

JULIO Com certeza. Nós, embora tivéssemos instituições,

no Chile, para a gestão de riscos em termos de proteção

civil, que data de 2002, 2010 nos pegou de surpresa,

sem a preparação necessária, e ocorreram vários

desalinhamentos e dificuldades na abordagem da

resposta que, uma vez identificados, possibilitaram

o desenvolvimento de ações para poder obter uma

melhor preparação.

Desde o ano de 2010 até o momento, avançamos muito

em termos de planejamento, capacitação dos recursos

humanos, elaboração de protocolos e planos para os

diferentes componentes da resposta e, sobretudo,

segurança das instalações.

Isso significa que no ano passado, por exemplo, tivemos

um terremoto muito intenso que causou poucos danos

em termos de perdas de vidas humanas e também

de comprometimento de infraestrutura, o que foi

surpreendente para toda a comunidade internacional.

i2030 Como funciona hoje o sistema de gestão de

riscos quando se trata de saúde?

O Ministério da Saúde conta, atualmente, com um

Departamento de Gestão de Riscos, Emergências e

Desastres, que depende diretamente da Ministra da Saúde

e que tem várias áreas de trabalho, entre as quais está a

gestão clínica, a gestão do trabalho com a comunidade e

a saúde mental, a gestão de um sistema de comunicação

de emergência, a gestão territorial de informação e há

também profissionais de alto nível técnico em uma

boa posição para poder articular-se com o conjunto do

Ministério e da rede de prestadores, ações em todo o ciclo

de gestão de risco, a sua preparação, mitigação e também

de resposta e reabilitação.

Esse Departamento é apoiado pelas regiões do país

através da existência de Coordenadores de Emergências

e Desastres, que são quem realizam o trabalho territorial

de acordo com as diretrizes estabelecias no Ministério da

Saúde. E esse Departamento, então, com o conjunto de

agentes territoriais, constitui a Rede de Gestão de Riscos

com a qual opera, principalmente, o Ministério da Saúde

em situações de emergência e desastres.

Como funciona, no Chile, a questão da participação

comunitária e cidadã no âmbito da gestão de riscos

e desastres?

JULIO No patamar de todas as instituições do sistema

nacional de serviços de saúde existem diferentes

órgãos nos quais ocorre a participação. Há conselhos de

eNtrevIStA

12

desenvolvimento local, que são organismos da sociedade

civil, que contribuem para a discussão dos planos e

programas implementados nos diferentes centros e

existem Conselhos Consultivos no patamar de todas as

instituições do sistema público.

Através desses órgãos, a sociedade organizada participa dos

assuntos relativos à gestão institucional. Referente às ações

de preparação, ainda não conseguimos fazer com que seja

considerada realmente importante no âmbito de gestão de

riscos. Mas foi essencial no que diz respeito à resposta.

Quando há eventos nos quais nós, da área da saúde,

participamos das ações como, por exemplo, de proteção

da saúde mental, a comunidade sempre desempenha um

papel fundamental e são criados espaços de encontro que

permitam tanto promover a saúde quanto se basear na

organização comunitária para desenvolver comunicação

de risco e ações de proteção da saúde mental.

Os líderes comunitários, por exemplo, são agentes-

chave para a socialização de diferentes medidas tomadas

no âmbito da área de Saúde, para poder esclarecer

preocupações que a comunidade possa ter e para poder

promover a saúde mental fornecendo informações claras

e relevantes às comunidades. E sempre procuramos

considerar o mesmo dentro das ações de resposta que

executamos para os diferentes acontecimentos.

i2030 Quais são os futuros desafios que o Chile

enfrentará nessa área?

JULIO Há dois temas principais nos quais nós ainda temos

um logo caminho a percorrer. Um: que exista uma política

de gestão de riscos que tenha todas as condições para

poder ser totalmente implementada. O que quero dizer

com isso? Que exista um documento base que nos oriente

sobre quais são, em médio e longo prazo, os objetivos

estratégicos que vamos propor em termos de gestão de

riscos no âmbito da Saúde.

Atualmente, temos diferentes planejamentos operacionais,

diferentes níveis de elaboração de planos, mas que

têm uma visão de curto prazo. Não existe uma carta

de navegação mais estratégica. Deveríamos apontar

nessa direção.

O segundo é a implementação da Estratégia de Hospital

Seguro, que não conseguimos fazer com que esteja

efetivamente consolidada no funcionamento do sistema

nacional de serviços de saúde, porque não dispõe da

institucionalização nem do financiamento necessário para

poder, primeiro, avaliar todos os hospitais e, segundo,

desenvolver os serviços de mitigação que esta avaliação

possibilite identificar.

i2030 De que forma, ações conjuntas entre os países da

UNASUL podem ajudar a mitigar os efeitos dos desastres

e a prevenir futuros?

JULIO Em espaços de encontro como a oficina que o

ISAGS organizou, em outubro, sempre é possível conhecer

experiências bem-sucedidas de outros países, aprender

com as boas práticas que desenvolveram e poder adaptar

à realidade nacional de cada um os aspectos positivos

que possam ser vistos na gestão dos outros. A Cooperação

Sul-Sul, promovida em espaços como esse, permite

que os que estão no comando da gestão de riscos nos

países disponham de melhores ferramentas para poder

desenvolver esse assunto nos nossos países e poder utilizar

o melhor que tem a região em termos de estratégia,

aprendizagem e produto para realizar os objetivos

que estabelecemos.

Desde o ano de 2010 até o momento, avançamos muito em termos de planejamento,

capacitação dos recursos humanos, elaboração de protocolos e planos

para os diferentes componentes da resposta e, sobretudo,

segurança das instalações.

13

A Doutora em Psicologia, Ionara Rabelo, ajuda-nos a entender

como se articula a Saúde Mental na Gestão de Riscos e

Desastres a partir de uma visão integradora face à estigmatização

e a medicalização. De olho nas experiências sul-americanas.

SAÚDE MENTAL

vISãO DO eSPecIAlIStA

Muitas vezes, em uma situação de desastre, diversos

grupos de ajuda humanitária internacionais se

juntam às autoridades locais com a melhor das intenções

e apoiados pelos planos tecnicamente impecáveis. Porém,

se a coordenação e o fluxo de informações falharem, pode

surgir um problema adicional.

Para a especialista Ionara Rabelo, existe um fator

fundamental na problemática descrita acima: a voz dos

próprios atingidos foi deixada de lado. 

“As pesquisas revelam que, quanto mais as populações

vulneráveis forem capacitadas para lidar com desastres,

menor será o número de pessoas que desenvolvem algum

tipo de transtorno”, afirma a Doutora em Psicologia,

Coordenadora da Comissão de Psicologia de Emergências

e Desastres do Conselho Federal de Psicologia do Brasil,

voluntária no Médicos Sem Fronteiras e integrante da

equipe da Secretaria de Saúde de Goiânia. 

“Mesmo depois do desastre, as pessoas que

desenvolvem transtornos psicológicos, consideramos

normal durante as primeiras horas ou meses e, logo após

os primeiros 3 meses é que começamos a falar talvez de

transtornos, caso esses sinais e sintomas não desapareçam

e afetem a rotina dessas pessoas”.

De acordo com Rabelo, o foco deveria estar nos aspectos

psicossociais da saúde mental, como a proteção das

famílias, a reintegração social, o suporte às vítimas e

familiares, entre outros, que são o que mais atingem as

pessoas. Trata-se de um trabalho coletivo.

“Essa abordagem é fundamental, também, para evitar a

medicalização das vítimas. Muitas pessoas ficam ansiosas,

alteradas, não conseguem dormir e, quando vão buscar

ajuda nos centros de saúde, acabam sendo medicadas e

isso não é recomendável. Se as equipes sabem como agir,

podemos diminuir esse início de uso de remédios e reduzir

também o estigma associado a esses sinais e sintomas,

para que essas pessoas possam resgatar a sua saúde

mental e não desenvolver transtornos psicológicos mais

graves”, acrescentou.

A especialista pegou como exemplo uma experiência

ocorrida em Belo Horizonte. Sendo uma das maiores áreas

metropolitanas do Brasil, a cidade apresenta características

não raras em seus homólogos sul-americanos, como

um processo de ocupação desordenada e a ausência de

políticas de planejamento urbano eficientes, além de

particularidades geográficas que favorecem as enchentes.

Essa ameaça é responsável pela maior quantidade de

eventos de desastres e pessoas atingidas na América

do Sul e o Brasil concentra o número mais alto de

casos registrados.

Para mitigar os efeitos das enchentes em Belo Horizonte,

Rabelo participou de uma iniciativa na qual as equipes

técnicas profissionais trabalharam lado a lado com a

população local para identificar rotas de evacuação,

reconhecer a extensão real do desastre e recorrer à

memória coletiva e ao esforço comunitário para alcançar

objetivos comuns. Ela destaca as vantagens de não se ter

iniciado um projeto de cima para baixo, verticalmente,

sem contemplar as vozes dos atingidos: “Essa estratégia

14

de trabalhar a gestão do risco de desastre capacitou

a comunidade, trazendo à pauta quais seriam as

famílias mais vulneráveis que precisariam de um maior

apoio, trabalhando aspectos sociais. Sem dúvida, uma

experiência fantástica”.

Após o terremoto de abril desse ano, Rabelo viajou para o

Equador como voluntária do Médicos sem Fronteiras, onde

a resposta ao desastre foi dada, no âmbito da Saúde Mental,

baseando-se em uma rede pré-existente, vinculada ao

Ministério da Saúde do país.

“Todas as organizações que chegaram ao Equador

para colaborar com a resposta depois do terremoto

se reportavam a essa rede para trabalhar em conjunto,

capacitando e fortalecendo a rede, mostrando onde

estavam as fragilidades e pedindo ao Ministério

que articulasse melhor algumas políticas de

resposta ao desastre”.

A experiência no Equador contrasta fortemente com

o vivido no Haiti, onde, depois do terremoto, muitas

organizações humanitárias dirigiram-se à ilha e

deixaram evidente que muitas delas não tinham

a preparação adequada.

“Desde então – conta Rabelo – todos os profissionais que

estão em uma situação de desastre em outro país devem

reportar-se a um comitê para que esse valide que esse

profissional está realmente qualificado para aquilo a que

se propõe. Então, o cuidado inclui também voluntários”.

Apesar de reconhecer um progresso no que diz respeito à

saúde mental em gestão de riscos e desastres, a especialista

brasileira mostrou-se preocupada com a persistência de

certos modelos importados que insistem na medicalização

e nos conceitos de stress e ansiedade “quando, na

realidade, percebemos que muitos dos transtornos de

ansiedade ocorrem tanto pela situação de desastre quanto

pela ineficiência do Estado ao propor estratégias para, por

exemplo, construir casas ou, pelo menos, fornecer um

abrigo seguro.”

A abordagem da Saúde Mental em situação de riscos

e desastres implica, portanto, não só capacitar as

comunidades e trabalhar em rede de maneira coordenada,

mas também pressupõe, além disso, a necessidade de lutar

no plano simbólico, que signifique erradicar o estigma

da saúde mental na América Latina e evitar, sempre que

possível, a medicalização, isso é, tratar com medicamentos

o que deveria ser tratado através da assistência psicológica,

tanto individualmente quanto coletivamente.

TRANSTORNO GRAVE psicose, depressão profunda, ansiedade aguda

ANTES DA EMERGÊNCIA prevalência de 12 meses

DEPOIS DA EMERGÊNCIA prevalência de 12 meses

TRANSTORNO LEVE E MODERADO formas de depressão ou transtornos de ansiedade leves e moderados, incluindo TEPT

ANSIEDADE NORMAL sem transtorno

3—4

%

15—20

%

2—3

%

10

%ALTA PORCENTAGEM

SEM ESTIMATIVA

Fonte: Organização Mundial da Saúde, 2005

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