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Público Domingo 23 Novembro 2008 •5 RUI GAUDÊNCIO O rosto da F5S João Tocha, o homem-telemóvel a Pouca gente terá ouvido falar de João Tocha, mas entre os poucos que sabem quem ele é está muita gente próxima do poder político e empre- sarial do país. Residente na Quinta da Beloura, apreciador de grandes car- ros, este influente consultor tem tido um percurso heterodoxo. Do que é público, sabe-se que per- tenceu à direcção da JS com António José Seguro, que editou o jornal uni- versitário Universus, que criou uma empresa na área da arquitectura e da construção civil, a Primeira, depois a Jardim e Arte, no sector dos espaços verdes, e por fim, em 2003, a Tocha Global Communication. Antes, a sua entrada no mundo da comunicação sucedeu na Emirec, nos anos 90. Num currículo disponibilizado em 2004, Tocha assumia-se como “con- sultor” do Presidente Eduardo dos Santos, de “forças políticas em Áfri- ca”, do presidente do Governo Regio- nal dos Açores (para o qual fez, aliás, a campanha das eleições regionais), de “diversos ministérios do Governo por- tuguês” e coordenador de “diversas” campanhas autárquicas em Portugal. Mais recentemente, desde 2004, trabalhou para a LPM, onde assumiu o departamento de comunicação re- gional e local, através do qual coor- denou várias campanhas autárquicas por todo o país. Forçado a sair pelo próprio Luís Paixão Martins, João Tocha ingressou depois, já em 2006, na agência rival de António da Cunha Vaz. A experiência seria contudo cur- ta. Já em Setembro de 2007, cerca de dois anos das legislativas de 2009, aparecia como a cara da F5C. Actualmente, nem os seus concor- rentes o desmerecem. “É alguém que almoça e janta com 30 mil pessoas e depois, quando tem de cobrar, co- bra”, define um ex-colega. “Está sem- pre ao telemóvel, às vezes punha um funcionário a conduzir-lhe o carro, só para poder ir a falar ao telemóvel”, refere. 2003 Depois de passar pela Emirec, João Tocha funda neste ano a Tocha Global Communication. Mas não faltou muito para que a sua rede de clientes saltasse para fora de Portugal. Em 2004, era já consultor do Presidente de Angola Um início auspicioso First Five Consulting Sucesso de agência de comunicação que trabalha para o Governo intriga concorrentes Ricardo Dias Felner F5C foi criada há um ano e é liderada por João Tocha, “amigo” de vários ministros socialistas e do assessor de imprensa de José Sócrates a O protagonismo ganho junto do Go- verno por uma pequena agência de comunicação, criada no final do ano passado, está a intrigar as agências de comunicação numa altura em que aceleram os anúncios, os lançamen- tos e as cerimónias promovidos pelo executivo e aumenta a guerra pelos contratos associados a eventos insti- tucionais. Quadros dessas agências, que se recusam a ser identificados, suspeitam de favorecimento por parte do Governo. Em causa está o facto de a First Five Consulting (F5C), que apenas surgiu em Setembro de 2007, ter passado desde logo a estar associada à orga- nização de vários eventos públicos do Governo que contaram com a presen- ça de José Sócrates e de vários minis- tros. Neste momento, segundo fontes de várias agências concorrentes, esta agência está já a rivalizar com as maio- res e mais antigas empresas do sector, nomeadamente na área de influência do Ministério dos Transportes e das Obras Públicas. A F5C conta apenas com oito funcionários, não faz qual- quer tipo de publicidade – e não tem sequer site na Internet. Desconhecida até há pouco tem- po da maioria das empresas da área da comunicação e publicidade, a sua presença no sector começou por ser detectada através do aparecimento em eventos governamentais de João Tocha, um experiente e conhecido especialista na área da comunicação, com longa colaboração com o PS e com elementos ligados ao Governo. No entanto, no meio ninguém conhe- ce os donos formais da nova empresa, registada como sociedade anónima. Ao consultar o registo comercial da agência, apenas se apura que tem um administrador único, o advoga- do José Abreu Rodrigues, sócio do mesmo escritório de António Ramos Preto, deputado do PS. E que o mes- mo José Abreu Rodrigues é também um dos seus cinco sócios, de longe o maior: dos 50.000 euros de capital social, Abreu Rodrigues subscreveu 49.980. A empresa teve ainda outros quatro sócios fundadores, todos com a participação simbólica de uma ac- ção (cinco euros). Contactado pelo PÚBLICO, João To- cha, que se apresenta como director para a área da comunicação, recusou explicar como esta foi formada e disse não conhecer os sócios, para além de José Abreu Rodrigues: “Não faço a mí- nima ideia de quem são”, disse. As vendas líquidas declaradas pela F5C ao fisco, em 2007, obtidas durante os primeiros três meses de funciona- mento, foram de 197.097 euros, lamen- tando que estejam a “marrar” com ele quando há outros a “comer à grande”. De resto, acrescentou, tem traba- lhado para vários partidos e forças políticas, dando como exemplos disso as colaborações que manteve com dois dirigentes do PSD: Hermínio Loureiro, presidente da Liga de Clu- bes, e Fernando Ruas, da Associação Nacional de Municípios Portugue- ses. “Quando os outros o fizerem, eu também ponho a minha carteira de clientes em cima da mesa”, afirmou, referindo-se depois às duas outras agências que mais proximidade ti- nham com o Governo PS quando a F5C foi criada: “Já lá andavam a LPM e a Unimagem”. À frente da Unima- gem está Miguel Almeida Fernandes, ex-chefe de gabinete de Jaime Gama, quando este era ministro dos Negó- cios Estrangeiros. Muitos contactos no PS Desde então, o trabalho de João To- cha para o Governo tem passado pela produção de eventos para mi- nistérios como os das Obras Públi- cas, Ambiente e Saúde, mas não só. Ainda em 2007, após declarações polémicas do ministro da Econo- mia, durante a viagem oficial de Jo- sé Sócrates à China, João Tocha foi chamado a ajudar Manuel Pinho. Instado a comentar essa ligação, na altura, Tocha disse que havia sido apenas uma “troca de opiniões” en- tre “amigos”. Já no início do ano, essa “troca de opiniões” estender-se-ia a outros ministros, como o semanário Sol noticiaria em Abril. Primeiro foi Correia de Campos, em Janeiro, depois Ana Jorge, que lhe sucedeu, e também Nunes Correia, ministro do Ambiente. Ao PÚBLICO, João Tocha disse ser “amigo e conhecido” das pessoas em causa e não ter culpa de ter “muitos contactos”, nomeadamente no PS. Já os gabinetes dos ministros das Obras Públicas, do Ambiente e da Saúde negaram ter qualquer relação “con- tratual” ou “laboral” com a F5C, não respondendo contudo sobre a exis- tência de outro tipo de colaboração com João Tocha ou com a empresa Tocha Global Communication, que tem como único empregado Tocha. Correia de Campos, contactado pe- lo PÚBLICO, admitiu ter “recorrido” a João Tocha, mas durante pouco mais de uma semana e numa altura em que “já não havia condições” para salvar a sua imagem pública. Sobre a relação contratual nesse período o ex-minis- tro disse nada saber. Quadros de quatro agências diferentes referiram ao PÚBLICO que a rápida ascensão da F5C pode dever-se à sua proximidade com um dos assessores de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo. O assessor de Sócrates, de quem João Tocha afirmou ser amigo há 13 anos, é apontado como tendo um papel importante na escolha das agências. Além da relação pessoal, o PÚBLICO apurou que entre os cinco sócios que constituíram a F5C está um cunhado do assessor de imprensa. Luís Bernardo nega estar a privilegiar a F5C. “Quando por vezes me pedem conselhos, recomendo um conjunto de cinco a seis nomes de entre os profissionais mais prestigiados no mercado consoante o trabalho em questão, e não ninguém em especial”, disse, afirmando orientar os seus conselhos por “critérios de elevado profissionalismo”. Acrescentou ainda que nunca tinha indicado o nome de João Tocha, pelo que considera a associação um “disparate total”. Num primeiro contacto, Luís Bernardo assegurou também que o seu cunhado não era sócio da F5C para, posteriormente, ao ser confrontado com os elementos recolhidos pelo PÚBLICO, acabar por precisar que este entrara na constituição da sociedade, mas que vendera a participação. A venda dessa participação ocorreu já depois da primeira repartição dos lucros, a 14 de Julho. Luís Bernardo Assessor de Sócrates desmente privilégios à F5C Polémica agita bastidores das agências de comunicação

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Público • Domingo 23 Novembro 2008 • 5

RUI GAUDÊNCIO

O rosto da F5S

João Tocha, o homem-telemóvel

a Pouca gente terá ouvido falar de João Tocha, mas entre os poucos que sabem quem ele é está muita gente próxima do poder político e empre-sarial do país. Residente na Quinta da Beloura, apreciador de grandes car-ros, este influente consultor tem tido um percurso heterodoxo.

Do que é público, sabe-se que per-tenceu à direcção da JS com António José Seguro, que editou o jornal uni-versitário Universus, que criou uma empresa na área da arquitectura e da construção civil, a Primeira, depois a Jardim e Arte, no sector dos espaços verdes, e por fim, em 2003, a Tocha Global Communication. Antes, a sua

entrada no mundo da comunicação sucedeu na Emirec, nos anos 90.

Num currículo disponibilizado em 2004, Tocha assumia-se como “con-sultor” do Presidente Eduardo dos Santos, de “forças políticas em Áfri-ca”, do presidente do Governo Regio-nal dos Açores (para o qual fez, aliás, a campanha das eleições regionais), de “diversos ministérios do Governo por-tuguês” e coordenador de “diversas” campanhas autárquicas em Portugal.

Mais recentemente, desde 2004, trabalhou para a LPM, onde assumiu o departamento de comunicação re-gional e local, através do qual coor-denou várias campanhas autárquicas

por todo o país. Forçado a sair pelo próprio Luís Paixão Martins, João Tocha ingressou depois, já em 2006, na agência rival de António da Cunha Vaz. A experiência seria contudo cur-ta. Já em Setembro de 2007, cerca de dois anos das legislativas de 2009, aparecia como a cara da F5C.

Actualmente, nem os seus concor-rentes o desmerecem. “É alguém que almoça e janta com 30 mil pessoas e depois, quando tem de cobrar, co-bra”, define um ex-colega. “Está sem-pre ao telemóvel, às vezes punha um funcionário a conduzir-lhe o carro, só para poder ir a falar ao telemóvel”, refere.

2003Depois de passar pela Emirec, João Tocha funda neste ano a Tocha Global Communication. Mas não faltou muito para que a sua rede de clientes saltasse para fora de Portugal. Em 2004, era já consultor do Presidente de Angola

Um início auspicioso

First Five Consulting

Sucesso de agência de comunicação que trabalha para o Governo intriga concorrentes

Ricardo Dias Felner

F5C foi criada há um ano e é liderada por João Tocha, “amigo” de vários ministros socialistas e do assessor de imprensa de José Sócrates

a O protagonismo ganho junto do Go-verno por uma pequena agência de comunicação, criada no final do ano passado, está a intrigar as agências de comunicação numa altura em que aceleram os anúncios, os lançamen-tos e as cerimónias promovidos pelo executivo e aumenta a guerra pelos contratos associados a eventos insti-tucionais. Quadros dessas agências, que se recusam a ser identificados, suspeitam de favorecimento por parte do Governo.

Em causa está o facto de a First Five Consulting (F5C), que apenas surgiu em Setembro de 2007, ter passado desde logo a estar associada à orga-nização de vários eventos públicos do Governo que contaram com a presen-ça de José Sócrates e de vários minis-tros. Neste momento, segundo fontes de várias agências concorrentes, esta agência está já a rivalizar com as maio-res e mais antigas empresas do sector, nomeadamente na área de influência do Ministério dos Transportes e das Obras Públicas. A F5C conta apenas com oito funcionários, não faz qual-quer tipo de publicidade – e não tem sequer site na Internet.

Desconhecida até há pouco tem-po da maioria das empresas da área da comunicação e publicidade, a sua presença no sector começou por ser detectada através do aparecimento em eventos governamentais de João Tocha, um experiente e conhecido especialista na área da comunicação, com longa colaboração com o PS e com elementos ligados ao Governo.

No entanto, no meio ninguém conhe-ce os donos formais da nova empresa, registada como sociedade anónima.

Ao consultar o registo comercial

da agência, apenas se apura que tem um administrador único, o advoga-do José Abreu Rodrigues, sócio do mesmo escritório de António Ramos Preto, deputado do PS. E que o mes-mo José Abreu Rodrigues é também um dos seus cinco sócios, de longe o maior: dos 50.000 euros de capital social, Abreu Rodrigues subscreveu 49.980. A empresa teve ainda outros quatro sócios fundadores, todos com a participação simbólica de uma ac-ção (cinco euros).

Contactado pelo PÚBLICO, João To-cha, que se apresenta como director para a área da comunicação, recusou explicar como esta foi formada e disse não conhecer os sócios, para além de José Abreu Rodrigues: “Não faço a mí-nima ideia de quem são”, disse.

As vendas líquidas declaradas pela F5C ao fisco, em 2007, obtidas durante os primeiros três meses de funciona-mento, foram de 197.097 euros, lamen-tando que estejam a “marrar” com ele quando há outros a “comer à grande”.

De resto, acrescentou, tem traba-lhado para vários partidos e forças políticas, dando como exemplos disso as colaborações que manteve com dois dirigentes do PSD: Hermínio Loureiro, presidente da Liga de Clu-bes, e Fernando Ruas, da Associação Nacional de Municípios Portugue-ses. “Quando os outros o fizerem, eu

também ponho a minha carteira de clientes em cima da mesa”, afirmou, referindo-se depois às duas outras agências que mais proximidade ti-nham com o Governo PS quando a F5C foi criada: “Já lá andavam a LPM e a Unimagem”. À frente da Unima-gem está Miguel Almeida Fernandes, ex-chefe de gabinete de Jaime Gama, quando este era ministro dos Negó-cios Estrangeiros.

Muitos contactos no PSDesde então, o trabalho de João To-cha para o Governo tem passado pela produção de eventos para mi-nistérios como os das Obras Públi-cas, Ambiente e Saúde, mas não só. Ainda em 2007, após declarações polémicas do ministro da Econo-mia, durante a viagem oficial de Jo-sé Sócrates à China, João Tocha foi chamado a ajudar Manuel Pinho.

Instado a comentar essa ligação, na altura, Tocha disse que havia sido apenas uma “troca de opiniões” en-tre “amigos”. Já no início do ano, essa “troca de opiniões” estender-se-ia a outros ministros, como o semanário Sol noticiaria em Abril. Primeiro foi Correia de Campos, em Janeiro, depois Ana Jorge, que lhe sucedeu, e também Nunes Correia, ministro do Ambiente.

Ao PÚBLICO, João Tocha disse ser “amigo e conhecido” das pessoas em causa e não ter culpa de ter “muitos contactos”, nomeadamente no PS. Já os gabinetes dos ministros das Obras Públicas, do Ambiente e da Saúde negaram ter qualquer relação “con-tratual” ou “laboral” com a F5C, não respondendo contudo sobre a exis-tência de outro tipo de colaboração com João Tocha ou com a empresa Tocha Global Communication, que tem como único empregado Tocha.

Correia de Campos, contactado pe-lo PÚBLICO, admitiu ter “recorrido” a João Tocha, mas durante pouco mais de uma semana e numa altura em que “já não havia condições” para salvar a sua imagem pública. Sobre a relação contratual nesse período o ex-minis-tro disse nada saber.

Quadros de quatro agências diferentes referiram ao PÚBLICO que a rápida ascensão da F5C pode dever-se à sua proximidade com um dos assessores de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo. O assessor de Sócrates, de quem João Tocha afirmou ser amigo há 13 anos, é apontado como tendo um papel importante na escolha das agências. Além da relação pessoal, o PÚBLICO apurou que entre os cinco sócios que constituíram a F5C está um cunhado do assessor de imprensa.

Luís Bernardo nega estar a privilegiar a F5C. “Quando por vezes me pedem conselhos, recomendo um conjunto de cinco a seis nomes de entre os profissionais mais prestigiados no mercado consoante o trabalho em questão, e não ninguém em especial”, disse, afirmando orientar os seus conselhos por “critérios de elevado profissionalismo”. Acrescentou ainda que nunca tinha indicado o nome de João Tocha, pelo que considera a associação um “disparate total”. Num primeiro contacto, Luís Bernardo assegurou também que o seu cunhado não era sócio da F5C para, posteriormente, ao ser confrontado com os elementos recolhidos pelo PÚBLICO, acabar por precisar que este entrara na constituição da sociedade, mas que vendera a participação. A venda dessa participação ocorreu já depois da primeira repartição dos lucros, a 14 de Julho.

Luís BernardoAssessor de Sócrates desmente privilégios à F5C

Polémica agita bastidores das agências de comunicação