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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOLOGIA & ESCOLA POLITÉCNICA NÚCLEO DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO SNUC – TEORIA, POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA. LEONARDO GELUDA ORIENTADOR: CARLOS EDUARDO F. YOUNG RIO DE JANEIRO, RJ AGOSTO DE 2005

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Page 1: PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS … - Leonardo Geluda.pdf · Os primeiros ancestrais dos seres humanos, que apareceram há cerca de sete milhões de anos, já foram responsáveis

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOLOGIA & ESCOLA POLITÉCNICA

NÚCLEO DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO SNUC – TEORIA,

POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA.

LEONARDO GELUDA

ORIENTADOR: CARLOS EDUARDO F. YOUNG

RIO DE JANEIRO, RJ AGOSTO DE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOLOGIA & ESCOLA POLITÉCNICA

NÚCLEO DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS PROGRAMA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO SNUC – TEORIA,

POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA.

LEONARDO GELUDA

ORIENTADOR: CARLOS EDUARDO F. YOUNG

RIO DE JANEIRO, RJ

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AGOSTO DE 2005

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO SNUC – TEORIA, POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA.

LEONARDO GELUDA

Projeto final de curso submetido ao corpo docente do

Programa de Formação Profissional em Ciências

Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários para obtenção do

Certificado de Formação profissional em Ciências

Ambientais.

Data da Defesa:

Aprovada por:

Prof. D. Phil. Carlos Eduardo F. Young Instituto de Economia e NADC / UFRJ (Presidente da Banca/orientador)

Prof. D.Sc. Rodrigo Medeiros NADC / Instituto de Biologia / UFRJ

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Geluda, Leonardo.

Pagamentos por serviços ecossistêmicos previstos na lei do SNUC – teoria, potencialidades e relevância. – Rio de Janeiro, 2005.

xviii, 10 f. Projeto de Final de Curso (Programa de

Formação Profissional em Ciências Ambientais) – Universidade Federal do Rio de Janeiro & Escola Politécnica/NADC, 2005.

Orientador: Carlos Eduardo F. Young 1.Pagamentos por serviços ecossistêmicos. 2.SNUC –

Projeto de Final de Curso. I Young, Carlos Eduardo F. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro & Escola Politécnica/NADC. III. Título

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Dedico esse trabalho aos meus pais.

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Agradecimentos Agradeço ao meu orientador e amigo Cadu. Devo a ele essa estrada pela qual estou caminhando! Outras pessoas que me iluminaram profissionalmente: Peter May, Valéria Vinha, Sônia Peixoto, Breno Coelho e Fábio Leite.

Agradeço também a minha família, sempre presente onde quer que eu vá! Em especial ao meu irmão e meu avô!

Agradeço também aos meus amigos, em especial aqueles que hoje são meus irmãos: Paulo e Pedro! E também os que ainda fazem a diferença na minha vida: Martin, Charuto, Raquel, Karina, Max e Sávio!

Agradeço também a uma pessoa que se fez especial nesse período de pós-graduação. Minha amiga de turma e hoje minha namorada (e amiga!) Roberta. Dividimos alegrias, amor, aprendizados e diferenças todos os dias que passamos juntos.

Por fim, agradeço ao Flamengo, pois, apesar de tudo, uma vez flamengo, sempre flamengo!

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RESUMO

Pagamentos por serviços ecossistêmicos (PSE) são transferências financeiras de beneficiados

de serviços ambientais para os que, devido a práticas que conservam a natureza, fornecem

esses serviços. Os PSE podem promover a conservação através de incentivos financeiros para

os fornecedores de serviços ecossistêmicos. As áreas protegidas são potencias provedoras e os

sistemas de PSE podem direcionar recursos para essas, o que, diante do contexto nacional de

descaso político e desvalorização orçamentária, pode representar um incremento significativo

para a gestão das mesmas. É aqui que a Lei do SNUC poderá cooperar de forma expressiva ao

definir quatro ferramentas de PSE para unidades de conservação.

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ABSTRACT

Environmental Services Payments (ESP) are financial transferences from beneficiaries of

environmental services to the ones that, due to the practice of nature conservation, provide

these services. The ESP can promote conservation through financial support to the

environmental services suppliers. The protected areas are potential providers and the ESP

systems can grant the resources to them, which can represent a significant increase in their

management as a result of the national background of political carelessness and low budget.

And this is where the “SNUC” law can cooperate in a considerable way when defining ESP

tools to the conservation units.

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LISTA DE SIGLAS

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

PSE - Pagamentos por serviços ecossistêmicos

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO (adicional para Projeto de Final de Curso em forma de trabalho apresentado em congresso ou simpósio)......................................................

x

BIBLIOGRAFIA (da introdução adicional)............................................................... xviii

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO SNUC – TEORIA, POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA........................... (Artigo enviado para simpósio)

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RESUMO........................................................................................................................ 1

ABSTRACT................................................................................................................... 1

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 1

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS: TEORIA E RELEVÂNCIA.............................................................................................................. 2

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS NA LEI DO SNUC....... 6

DISCUSSÃO.................................................................................................................. 9

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 10

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INTRODUÇÃO (adicional para Projeto de Final de Curso em forma de trabalho

apresentado em congresso ou simpósio).

“As rochas mais ancestrais analisadas, seja na micro, seja na macrofísica, se enquadram

sob a lógica da interação e da complexidade. Elas são mais que sua composição físico-

química. Elas estão em contato com a atmosfera e influenciam a hidrosfera. Interagem

com o clima e assim se relacionam com a biosfera. Um número quase infinito de

átomos, elementos subatômicos e campos de força constituem sua massa. Um poeta que

se deixa tomar pela grandiosidade das montanhas rochosas produz um inspirado poema.

As montanhas participam desta concriação. A seu modo vivem porque interagem e se

re-ligam a todo universo, também com o imaginário do poeta. Em razão disso, elas são

portadoras de espírito e de vida.” (Leonardo Boff, 2004: 50)

Desde o início de sua história o homem interage com a natureza para poder sobreviver,

utilizando seus recursos e nela despejando seus resíduos. Os primeiros ancestrais dos seres

humanos, que apareceram há cerca de sete milhões de anos, já foram responsáveis por

importantes impactos ambientais. A extinção de algumas espécies da megafauna, como

mamutes, preguiças gigantes e outros animais de grande porte, foi atribuída a eles, que pelo

seu estilo de vida eram denominados de caçadores-coletores (Diamond, 2001). PAREI AQUI

O início da produção de alimentos (agricultura e criação de animais), há cerca de

11.000 anos, resultou na geração de excedentes que, o que permitiu um grande crescimento

populacional (de 5 para 86 milhões de pessoas em 4 mil anos – de 10 a 6 mil anos atrás), o

surgimento de especialistas (que não precisavam se dedicar ao cultivo) e, conseqüentemente,

o desenvolvimento da tecnologia e de estruturas sócio-econômicas mais complexas,

intensificando a capacidade de moldar e impactar a natureza (Brody & Brody, 2000;

Diamond, 2001). A construção de casas, fortalezas, templos, monumentos, a busca mais

veemente por recursos naturais (como metais e madeiras), a caça, as represas, e a própria

agricultura são alguns exemplos dos primeiros impactos que o homem causou no meio

ambiente.

Avançando no tempo, as principais organizações sócio-econômicas pós-agrícolas

foram, em maior ou menos grau, ambientalmente degradadoras (incluindo a Europa feudal e

os sistemas coloniais). Mas foi o surgimento da sociedade industrial (século XVII) que

intensificou a problemática ambiental (Soffiati, 2003). Como resultado surgiram diversos

problemas, tais como a destruição e fragmentação de habitats, a perda da biodiversidade, a

contaminação do solo, água e ar e as mudanças climáticas de caráter global. Com a

industrialização também surgiram os produtos não-recicláveis naturalmente, como o

alumínio, os plásticos e os resíduos químicos (Roman, 1996).

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Na era moderna, as pressões sobre os ambientes naturais são onipresentes em todos os

sistemas econômicos, estando indiferente à ideologia política ou ao nível de riqueza. Apesar

de diferentes causas, a deterioração ambiental ocorreu nos países ricos e pobres, capitalistas e

socialistas (Pearce & Turner 1990; Soffiati, 2003). Apesar dessa globalização de degradação,

muitos afirmem que são os países desenvolvidos os principais responsabilidade pela maioria

das mais graves ameaças ambientais (Martine, 1996).

Esses reflexos negativos sobre o meio ambiente passaram a preocupar e fazer parte da

agenda das sociedades modernas. Assim, no final dos anos 60, as críticas ao modelo

socioeconômico vigente, ambientalmente degradador, tomaram uma dimensão mundial,

dando origem à temática denominada “Questão Ambiental”. Parcelas crescentes da sociedade

passaram a se mobilizar e diversos movimentos, tanto locais quanto internacionais brotaram,

sempre procurando estabelecer uma relação mais harmônica do homem com o meio ambiente.

No Brasil, o meio ambiente também sofreu (e sofre) das mais diversas formar de

impactos, o que gerou grande perda das riquezas naturais antes existentes. O vasto território

brasileiro abrange climas desde o tropical até o temperado, propiciando um dos ambientes

mais múltiplos do mundo. Dentre os 17 países megadiversos, o Brasil é aquele que possui a

maior variedade biológica. O país abriga entre 15 e 20% de toda a biodiversidade mundial, e

possui cerca de 30% das Florestas Tropicais, as mais ricas em heterogeneidade (Santos &

Câmara, 2002). Essa riqueza sempre gerou a fantasia de que a abundante biodiversidade

brasileira fosse inesgotável, e por isso vem sendo explorada de forma desorganizada e

predatória desde o tempo colonial.

A Mata Atlântica, possuidora de grande diversidade biológica, está reduzida a menos

de 7% de sua área original, o Cerrado já perdeu mais de 50% de sua vegetação nativa, a

Caatinga já teve alterado cerca 45% de seu bioma, o frágil equilíbrio dos ecossistemas

pantaneiros vem sendo ameaçado pelas novas tendências de desenvolvimento, e a Amazônia,

apesar de ser o bioma mais bem conservado do país, vem sofrendo forte ameaça da expansão

agrícola (Santos & Câmara, 2002).

Percebendo esses problemas, a sociedade brasileira também vem, aos poucos, se

mobilizando no sentido de se transformar. Ela se organizou, e vem buscando contornar o

problema interno de seu sistema econômico-social predatório ao meio ambiente. Preservar e

conservar os recursos naturais passaram a ser um anseio, uma pretensão da população. Como

resultado, as questões ambientais passaram a entrar no cenário político (setor público) e nas

estratégias do setor privado. Porém, a prioridade dada a essa área ainda não é satisfatória,

permitindo que muitos problemas ambientais continuem acontecendo e até se agravem.

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Apesar dos avanços, principalmente devido a legislação ambiental, a lógica do setor privado

ainda não abraçou devidamente as demandas ambientais em sua busca pela lucratividade e

sobrevivência. O caso do setor público é grave, pois, como veremos, existem diversas lacunas

políticas e orçamentárias que impedem que o patrimônio ambiental brasileiro seja gerido,

mantido e preservado de forma adequada. Esse fato torna-se alarmante na medida que, como

na maioria dos países em desenvolvimento, é o setor público que vai financiar grande parcela

dos projetos de conservação.

Mas por quê nos preocupamos em preservar o meio ambiente? Qual é o nosso

interesse? A resposta mais óbvia e utilitarista é que a conservação da natureza possui

importância basal para o bem-estar e para a sobrevivência do homem. Essa justificativa,

antropocêntrica, é a mais difundida quando o assunto é conservar a biodiversidade. Mas não é

a única.

São vários os bens e serviços ecossistêmicos gerados gratuitamente pela natureza que

são de interesse – econômico, social ou ecológico – do homem. Podemos destacar alguns

deles: a provisão de alimentos, fibras e energia; a manutenção dos recursos genéticos para o

desenvolvimento de produtos industriais, farmacológicos e agrícolas; a possibilidade de

estudos; a provisão de madeira e minerais; a estabilização do clima; o controle de pestes e

doenças; a purificação do ar e da água; a manutenção da fertilidade do solo e do ciclo de

nutrientes; a decomposição dos rejeitos orgânicos; os benefícios estéticos e culturais e as

possibilidades de lazer (Langley, 2001).

Porém, como foi dito, os objetivos da conservação não são unicamente voltados para

benefícios diretos para o ser humano. A ética ambiental, um ramo da filosofia, defende que a

vida tem valor próprio, seja ela do interesse humano ou não, e só por isso já deve ser

preservada. Nesse sentido, o princípio à vida é um princípio fundamental que deve ser

estendido a todos os seres vivos (Milano, 2001). É o valor de existência da natureza, que é

totalmente dissociado do uso desta e reflete questões morais, culturais, éticas ou altruísticas.

São esses os motivos que levam o homem a lutar e se organizar em favor da

conservação ambiental, sobretudo em tempos em que o meio ambiente é constantemente

ameaçado. Essa ameaça vem de usos alternativos, não conservacionistas, do solo:

agropecuária, urbanização, extrativismo intensivo, mineração, lixões e etc. Vem também das

externalidades negativas das ações humanas, como a poluição do solo, do ar, e da água, o

assoreamento, a introdução de espécies exóticas, a desertificação e o aquecimento global.

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Não é difícil responder agora (e também não acredito que era antes) a pergunta “por

quê queremos conservar a natureza?” O ponto de partida é o valor que atribuímos aos bens e

serviços fornecidos pelo meio ambiente, fontes de nossa sobrevivência e bem-estar. Ou seja, a

natureza nos é extremamente (ou infinitamente) útil. Essa é a essência da prática utilitarista da

conservação. Mas o problema que nos leva a lutar pela preservação é o seu movimento

antagônico: a degradação. Essa mesma natureza, fonte de tantos benefícios, vem sendo

degradada intensivamente pelas atividades antrópicas. O modelo desenvolvimentista,

ambientalmente insustentável e globalmente replicado a partir da revolução industrial, trouxe

consigo prejuízos naturais profundos. E, ainda dentro da justificativa pela conservação,

também encontramos motivos morais e éticos para a defesa da vida não humana.

A percepção desses problemas gerou alguns mecanismos de resposta, numa tentativa

de salvaguardar o meio ambiente. No Brasil, como já dito, cabe ao setor ser o motor principal

da conservação, seja através da legislação, de políticas e projetos específicos e do orçamento

destinado à gestão ambiental. Nesse ponto podemos apontar um primeiro problema,

relacionado com o orçamento público para o meio ambiente. Como podemos ver no gráfico I,

o orçamento real federal para a gestão ambiental vem sendo desvalorizado.

Gráfico I: Orçamento Federal para Gestão Ambiental

Houve, entre 2001 e 2003, uma queda significativa no orçamento, que não foi

recuperada pelo pequeno aumento realizado entre 2003 e 2004. Numa análise relativa, esses

valores podem ser avaliados em proporção do total de gastos, o que resulta no percentual

gasto com gestão ambiental em relação aos gastos totais. Temos que esse porcentual caiu de

0,50% para 0,19% entre 2001 e 2003, subindo para 0,22% em 2004. É um orçamento muito

curto para as complexidades, necessidades, dimensões, e riquezas ambientais nacionais.

1.289.378.732,08

1.120.166.897,33

2.070.713.556,82 1.835.639.530,51

243.754.118,40**

3.128.664.047,81

2000 2001 2002 2003 2004 2005**Ano

*delfator: IGP-DI

**até maio

Orçamento Federal para Gestão Ambiental - valores reais* (atualizados) - em R$

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Os gastos ambientais dos estados e dos municípios também são inferiores a 1% dos

gastos totais. E, no caso dos estados, também apontam tendência de queda.

Apesar desse descaso orçamentário, o setor público vem atuado fortemente na área

ambiental através da legislação. Pode-se dizer que o Brasil possui um complexo arcabouço

legal destinado à conservação da natureza. Infelizmente a falta de prioridade política e

orçamentária acaba por impedir que muitas das leis criadas sejam cumpridas, seja por falta de

fiscalização, pelo descaso ou por interesses outros. Mesmo assim, a legislação é uma das

principais ferramentas públicas para a preservação.

Nesse contexto podemos destacar a criação da Lei do Sistema Nacional de Unidades

de Conservação da Natureza (SNUC) – Lei Nº 9.985 – em 18 de junho de 2000. Seu objetivo

central é instituir “o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza”

estabelecendo “critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de

conservação” (art. 1°). Ou seja, a Lei do SNUC visa a proteção do patrimônio ambiental

brasileiro através da criação e gestão eficiente de áreas destinadas à conservação do meio

ambiente. Podemos destacar como a Lei define uma unidade de conservação:

“espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com

características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com

objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao

qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (Lei nº 9.985, art 2º, inciso I);

Outros objetivos dessa lei são: a conservação dos recursos naturais, o desenvolvimento

sustentável a partir dos recursos naturais e das práticas de conservação; a recuperação de áreas

degradadas; o incentivo a pesquisa, a estudos, a educação e a recreação; e a valorização

econômica e social da diversidade biológica e das comunidades tradicionais e suas culturas e

meios de subsistência.

O uso de áreas protegidas como ferramenta conservacionista é uma prática

internacionalmente utilizada e apontada como uma das mais eficientes para esse fim. As

unidades de conservação surgem como uma alternativa conservacionista de uso de solo e,

junto com as outras áreas protegidas existentes, podem constituir o núcleo do que restará, no

futuro, da biodiversidade (Nogueira-Neto, 2001).

Logicamente não foi a Lei do SUNC que iniciou o processo de proteção legal de áreas

naturais. No Brasil, as primeiras áreas protegidas de caráter nacional foram o Parque Nacional

de Itatiaia (1937) e o Parque Nacional de Iguaçu (1939). Mas a Lei surge como uma tentativa

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de sistematizar essas unidades, ao mesmo tempo em que tenta lhes dar suporte para criação,

manutenção e gestão.

Porém, além da ferramenta “unidade de conservação”, a lei ainda trouxe o que

podemos chamar de instrumentos econômicos voltados para a conservação. Dentro do

contexto nacional anteriormente mostrado de pouca disponibilidade de recursos para essa

finalidade, vem se tornando uma prática governamental cada vez mais comum a criação

desses instrumentos. Na Lei do SNUC podemos identificar quatro destes, os quais podemos

enquadrar nos denominados sistemas de pagamentos por serviços ecossistêmicos.

O meio ambiente oferece, como visto anteriormente, diversos serviços para a

humanidade. As práticas que conservam esses serviços encaram custos, que por sua vez não

são normalmente repassados a todos os que acabam sendo beneficiados. Um sistema de

pagamentos por serviços ecossistêmicos pode existir em situações onde é fácil identificar os

beneficiários diretos desses serviços: os beneficiários (demandantes) pagam para os

fornecedores dos serviços, estes sendo agentes que atuam na conservação ambiental. A

implementação desses sistemas pode se dar de forma voluntária (com negociação entre os

ofertantes e demandantes de serviços) ou através de imposição legal (como fez a Lei do

SNUC).

O que a Lei do SNUC teve o mérito de perceber, é que são as áreas destinadas à

conservação (incluindo aí as unidades de conservação) que possuem maior potencial de

fornecer serviços ambientais, mas quase nunca recebem compensações financeiras por isso.

Assim, foram criados no corpo da Lei do SNUC os seguintes instrumentos que se enquadram

em sistemas de pagamentos por serviços ecossistêmicos:

• pagamentos pela exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços

obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais ou da exploração da

imagem de unidade de conservação;

• pagamentos previstos pela compensação ambiental, onde os empreendimentos

considerados de significativo impacto ambiental devem destinar pelo menos

meio por cento dos custos totais previstos para sua implantação para a

implantação e manutenção de unidades de conservação;

• pagamentos de empresas de abastecimento de água beneficiadas pela proteção

proporcionada por uma unidade de conservação; e

• pagamentos de empresas de distribuição de energia elétrica beneficiadas pela

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proteção proporcionada por uma unidade de conservação

A possibilidade de esquemas de PSE que direcionem recursos para essas áreas pode

significar uma contribuição efetiva para a gestão dessas, uma vez que a maioria delas passa

por dificuldades funcionais devido à falta de recursos financeiros. Muitas unidades

encontram-se com grandes problemas para atingir seus objetivos, seja o mais amplo, que é a

conservação do meio ambiente, ou os mais específicos, como a promoção do lazer. E é a falta

de recursos financeiros e de apoio político impede que muitas unidades consigam evitar a

degradação de seus recursos naturais e materiais (infra-estrutura).

A falta de recursos financeiros e de recursos humanos qualificados (este segundo, em

parte, conseqüência do primeiro) torna um desafio para qualquer chefe de unidade de

conservação manter protegidos os recursos ambientais da área, pois torna muito difíceis

atividades de fiscalização, repreensão, trabalhos de educação ambiental e até mesmo a

elaboração do plano de manejo. Assim, usos inadequados da área, como invasões,

desmatamento, extração de recursos, caça e até construção de moradias acabam por acontecer

sem que se possam tomar providências ou até mesmo conhecimento destas com tempo hábil

de se organizar uma resposta. Do mesmo modo, impede que se criem condições estruturais,

tanto referentes à mão-de-obra quanto à infra-estruturas físicas. Da mesma forma, a falta de

recursos vai evitar a manutenção dessas estruturas, acarretando na deterioração do patrimônio

público (incluindo aí o meio ambiente).

São freqüentes as críticas feitas a muitas unidades devido a sua não funcionalidade.

São ditas “unidades de papel”, pois só existem devido ao ato jurídica que delibera sua criação,

sem oferecer condições de preservar o meio ambiente e de atender outros objetivos

periféricos.

É nesse contexto de orçamento deficiente que os mecanismos de pagamentos por

serviços ecossistêmicos podem ter grande significado econômico para a sobrevivência das

unidades de conservação. Porém, esses instrumentos ainda devem ser muito debatidos para

serem regulamentados e estabelecidos de forma mais completa, com a criação de

metodologias para estabelecer as contrapartidas financeiras. Além disso, esses mecanismos

criados pela legislação devem ser encarados como aliados do orçamento público, ou seja, a

política ambiental precisa ser revista e valorizada, pois o meio ambiente nacional não pode

depender apenas desses instrumentos para ser efetiva (principalmente porque esses

instrumentos são voltados exclusivamente para as unidades de conservação).

Esse trabalho tem como objetivo definir o que são sistemas de pagamentos por

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serviços ecossistêmicos, e identificar estes dentro da Lei do SNUC, fazendo uma análise de

sua potencialidade para geração de recursos para as unidades de conservação dentro do

contexto nacional de falta de recursos, além das lacunas existentes para sua efetividade.

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BIBLIOGRAFIA (da introdução adicional).

BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. BRODY, D.E; BRODY, A.R. As sete maiores descobertas científicas da história. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DIAMOND, J. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record, 2001. LANGLEY, S. The systen of protected areas in the United States. In: Benjamin, A.H. (Coord). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 116-163 MARTINE, G. População, meio ambiente e desenvolvimento: o cenário global e nacional. In: – (org.). População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996. p. 21-43 MILANO, M.S. Unidades de Conservação – técnica, lei e ética para a conservação da biodiversidade. In: Benjamin, A.H. (Coord). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 3-41. NOGUEIRA-NETO, P. Evolução histórica das ÁRIES e APAs. In: Benjamin, A.H. (Coord). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 363-371. PEARCE, D.W.; TURNER, R.K. Economics of natural resources and the environment. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1990 ROMAN, C.R. A ciência econômica e o meio ambiente: uma discussão sobre o crescimento e preservação ambiental. Teor. Evid. Econ., Passo Fundo, v.4, n.7/8, p.99-109, mai/nov. 1996. SANTOS, T.C.C.; CÂMARA, J.B.D. GEO Brasil 2002 – perspectivas do meio ambiente no Brasil. Brasília: Edições IBAMA, 2002. SOFFIATI, A. O mercado e o meio ambiente. Home Page: Rede Ambiente. Disponível em: http://redeambiente.org.br/Opiniao.aso?artigo=41. Acessado em: 10 julho 2003.

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1

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PREVISTOS NA LEI DO

SNUC – TEORIA, POTENCIALIDADES E RELEVÂNCIA.

GELUDA, L.1

YOUNG, C.E.F.2

1Economista ambiental, pós-graduado em Ciências Ambientais (NADC/UFRJ) e Mestrando (UFRRJ) – [email protected] 2Professor do Instituto de Economia da

UFRJ – [email protected]

RESUMO

Pagamentos por serviços ecossistêmicos (PSE) são transferências financeiras de beneficiados

de serviços ambientais para os que, devido a práticas que conservam a natureza, fornecem

esses serviços. Os PSE podem promover a conservação através de incentivos financeiros para

os fornecedores de serviços ecossistêmicos. As áreas protegidas são potencias provedoras e os

sistemas de PSE podem direcionar recursos para essas, o que, diante do contexto nacional de

descaso político e desvalorização orçamentária, pode representar um incremento significativo

para a gestão das mesmas. É aqui que a Lei do SNUC poderá cooperar de forma expressiva ao

definir quatro ferramentas de PSE para unidades de conservação.

ABSTRACT

Environmental Services Payments (ESP) are financial transferences from beneficiaries of

environmental services to the ones that, due to the practice of nature conservation, provide

these services. The ESP can promote conservation through financial support to the

environmental services suppliers. The protected areas are potential providers and the ESP

systems can grant the resources to them, which can represent a significant increase in their

management as a result of the national background of political carelessness and low budget.

And this is where the “SNUC” law can cooperate in a considerable way when defining ESP

tools to the conservation units.

INTRODUÇÃO.

O meio ambiente oferece diversos serviços para a humanidade. As práticas

conservacionistas protegem esses serviços, mas, por isso, encaram custos de oportunidade e

de manutenção que normalmente não são repassados a todos os que acabam sendo

beneficiados. Portanto, em situações onde é fácil identificar os beneficiários diretos desses

serviços, surge o potencial de se estabelecer um sistema de pagamentos por serviços

ambientais (PSE): os beneficiários (demandantes) pagam para os fornecedores dos serviços,

estes sendo agentes que atuam na conservação ambiental.

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As áreas naturais protegidas são aquelas com maior potencial de fornecer serviços

ambientais, mas quase nunca recebem compensações financeiras por isso. A possibilidade de

esquemas de PSE que direcionem recursos para essas áreas pode significar uma contribuição

efetiva para a gestão dessas, uma vez que a maioria delas passa por dificuldades funcionais

devido à falta de recursos financeiros. Nesse contexto, a Lei 9.985/2000, que regulamenta o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), define instrumentos de

PSE que, quando forem devidamente regularizados e desenvolvidos, poderão contribuir

significantemente para a melhoria do SNUC.

Esse trabalho objetiva definir o que são sistemas de PSE, como podem beneficiar as

áreas protegidas, sua importância e potencial dentro do contexto orçamentário da gestão

ambiental nacional, e, por fim, as possibilidades trazidas pela Lei do SNUC.

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS: TEORIA E RELEVÂNCIA.

Os sistemas de PSE têm princípio básico no reconhecimento de que o meio ambiente

fornece gratuitamente uma gama de bens e serviços que são de interesse direto ou indireto do

ser humano, permitindo sua sobrevivência e seu bem-estar. Entre esses bens e serviços

podemos destacar a provisão de alimentos, fibras e energia; a manutenção dos recursos

genéticos para o desenvolvimento de produtos industriais, farmacológicos e agrícolas; a

possibilidade de estudos; a provisão de madeira e minerais; a estabilização do clima; o

controle de pestes e doenças; a purificação do ar e da água; a regulação do fluxo e qualidade

dos recursos hídricos; o controle da sedimentação; a manutenção da fertilidade do solo e do

ciclo de nutrientes; a decomposição dos rejeitos orgânicos; os benefícios estéticos e culturais

e as possibilidades de lazer.

Porém, o modelo socioeconômico vigente é predominantemente degradante ao meio

ambiente, o que vem enfraquecendo o potencial da natureza de oferecer esses serviços.

Desmatamento causado por conversão do solo para agricultura e extração predatória de

madeira, caça ilegal, poluição do ar e da água, disposição inadequada de resíduos sólidos e

outras formas de uso não sustentável de recursos naturais estão entre os fatores antrópicos que

vêm contribuindo para essa degradação. A deficiente gestão do patrimônio natural e a

carência de incentivos econômicos relacionados com a conservação ambiental são as causas

determinantes para essa realidade (Pagiola e Platis, 2003). O desafio recente está na busca por

soluções inovadoras para este problema, e entre elas temos os sistemas de pagamento por

serviços ecossistêmicos como uma das principais opções.

Um sistema de PSE ocorre quando aqueles que se beneficiam de algum serviço

ambiental gerado por uma certa área realizam pagamentos para o proprietário ou gestor da

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área em questão. Ou seja, o beneficiário faz uma contrapartida visando o fluxo contínuo e a

melhoria do serviço demandado. Os pagamentos podem ser vistos como uma fonte adicional

de renda, sendo uma forma de ressarcir os custos encarados pelas práticas conservacionistas

do solo que permitem o fornecimento dos serviços ecossistêmicos. Esse modelo complementa

o consagrado princípio do “poluidor-pagador”, dando foco ao fornecimento do serviço: é o

princípio do “provedor-recebedor”: o usuário paga e o conservacionista recebe.

Além do caráter econômico, os sistemas de PSE contribuem na educação

(conscientização) ambiental na medida em que insere uma nova relação entre os fornecedores

dos serviços e os beneficiados com a conservação da natureza (real prestadora do serviço) e

com o recurso ambiental em si (fornecido pela natureza).

Os serviços ambientais mais comumente mencionados na literatura são normalmente

divididos em três grupos: (i) os relacionados com o clima, (ii) os relacionados com os

recursos hídricos, e (iii) os relacionados com a biodiversidade. Os relacionados com o clima

são o seqüestro dos gases do efeito estufa e o controle da umidade, temperatura, precipitação

e ventos. Já os relacionados com os recursos hídricos são: a regulação de seu fluxo; a

manutenção de sua qualidade; o controle de erosão e sedimentação; a redução da salinidade; a

manutenção do habitat aquático; e os serviços culturais (recreação). Por fim, os serviços

relacionados com a biodiversidade são: a atração de fauna; a diversificação de culturas; a

conectividade de blocos florestais (corredores biológicos); os serviços culturais (recreação,

turismo e valores de existência); a manutenção da qualidade do solo; e a bioprospecção.

O primeiro passo para a existência de um PSE é a identificação de que pelo menos um

desses serviços está beneficiando algum agente interessado. Este agente deve ter uma

disposição a pagar voluntária pela manutenção do fornecimento do serviço ou precisa existir

algum instrumento legal impondo a contrapartida. Porém, a implantação de sistemas de PSE

não é simples, existindo diversos pré-requisitos e etapas a serem superados (King, Letsaolo e

Rapholo, 2005). É necessário evidenciar a relação de causa e efeito entre o fornecimento ou

melhoria de um serviço e um determinado tipo de uso de solo para se confirmar quem está

fornecendo o serviço – muitas vezes essa relação é duvidosa (Landell-Mills e Porras, 2002).

Além disso, os direitos de propriedade devem ser bem definidos, como forma de se precisar

quem está fornecendo os serviços e quem pagará por eles (beneficiários).

É imprescindível estruturar um sistema de monitoramento para verificar as eficiências

social, econômica e ambiental do PSE. Deve-se acompanhar o fluxo e qualidade dos serviços

prestados e dos pagamentos, para assegurar a credibilidade do sistema. Outro ponto

importante é a “precificação” dos serviços, pois a maioria deles não possui preço de mercado.

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O valor deve refletir o real benefício obtido pelo favorecido e deve satisfazer os interesses dos

fornecedores (cobrir, ou ao menos contribuir para cobrir, os custos líquidos encarados por

estes). A “precificação” deve ser obtida usando-se técnicas de valoração dos recursos

ambientais e num processo intenso de negociações entre as partes envolvidas.

Passadas essas etapas, o funcionamento eficiente desse sistema poderá representar

uma importante ferramenta visando a conservação ambiental. Simultaneamente, poderá

beneficiar financeiramente os fornecedores dos serviços. Assim, pode-se dizer que o objetivo

de sistemas de PSE é garantir o fluxo contínuo dos serviços ambientais através da articulação

e motivação dos atores envolvidos (provedores e beneficiários). Mas nem sempre os

esquemas de PSE poderão ser implantados. Eles devem ser adotados com devida cautela,

apenas em conjunturas onde poderão surtir melhor eficácia na gestão do meio ambiente.

Os beneficiários são todos os agentes, privados ou públicos, que são favorecidos pelos

serviços ambientais oriundos de práticas que conservam a natureza. Podem ser, entre outros,

empresas farmacêuticas procurando novos compostos em áreas protegidas (bioprospecção),

organizações internacionais mantendo florestas visando a fixação de gases do efeito estufa,

empresas hidroelétricas e fábrica de bebidas favorecidas pela proteção hídrica fornecida por

agricultoras sustentáveis, e indivíduos ou empresas de ecoturismo que pagam para fazer

turismo ecológico (lazer) dentro de uma unidade de conservação.

Do outro lado do esquema temos os fornecedores dos serviços, onde podemos destacar

dois grupos principais: (i) as áreas naturais protegidas e (ii) as áreas com certa degradação

onde mudanças nas práticas vigentes fortaleçam a oferta dos serviços. O primeiro grupo é

primordialmente representado por áreas onde o meio ambiente encontra-se conservado, como

as áreas protegidas (legalmente ou não), que por serem destinadas a conservar o meio

ambiente, acabam sendo as principais fontes de serviços ecossistêmicos. O segundo grupo é

constituído por áreas onde o uso do solo por parte dos proprietários (como agricultores), em

sua maioria, enfraquece a geração dos serviços, mas onde uma mudança nas práticas correntes

pode alterar esse quadro e assim fortalecer a oferta desses serviços. O PSE aparece como uma

forma de agregar valor monetário aos serviços gerados, tornando a oferta de serviços

ecossistêmicos parte da decisão estratégica dos agentes, pois os usuários terão um incentivo

direto a tornar suas práticas mais sustentáveis (Pagiola, Bishop e Landell-Mills, 2002).

Nesse trabalho vamos nos concentrar nas oportunidades de PSE para áreas protegidas.

A conservação do ambiente natural nessas áreas permite que elas sejam as principais

fornecedoras dos serviços descritos anteriormente. Já existem alguns movimentos nacionais e

internacionais no sentido de buscar os mecanismos de PSE como uma fonte extra de recursos

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para as áreas protegidas. A possibilidade de sistemas de PSE envolvendo áreas de proteção

ambiental brasileiras torna-se um fato relevante dentro da realidade política e orçamentária na

qual estas estão inseridas. O orçamento destinado às unidades de conservação (e para a gestão

ambiental como um todo) sempre foi insuficiente, o que, junto com o descaso político, acaba

gerando lacunas funcionais e institucionais, dificultando e até impedindo que as unidades

cumpram os fins para os quais foram concebidas (Milano, 2001). Grande parte dos problemas

enfrentados pelas áreas protegidas deriva da falta ou ineficiência de seu manejo, que, por sua

vez, decorre dessa falta de prioridade política e pela indisponibilidade de recursos

(Dourojeanni, 2001). Esses problemas são antigos e se perpetuam até os dias atuais.

Uma avaliação das unidades de conservação federais de proteção integral, realizada

em 1999, mostrou que das 86 unidades analisadas, 55% estavam em situação precária, 37%

foram consideradas como minimamente implementadas e somente 8,4% foram classificadas

como razoavelmente implementadas (Lemos de Sá e Ferreira, 2000). Além disso, em 2003,

por falta de infra-estrutura para receber os visitantes, 22 dos 55 parques nacionais brasileiros

(42,3% do total) estavam fechados à visitação pública, o que representa perdas em termos de

turismo, preservação e educação ambiental. A inexistência da infra-estrutura de manutenção e

fiscalização facilita usos inadequados, invasões, moradias irregulares, atividades econômicas

ilegais e degradação ambiental. (Figueiredo e Leuzinger, 2001; Viveiros, 2003).

Esse descaso pode ser observado dentro da política da gestão ambiental federal, onde

orçamento destinado para essa função é muito pouco valorizado, como mostra o gráfico 1

(que tem seus demonstra o orçamento federal para gestão ambiental ao longo dos últimos

valores atualizados para 2005 – o que significa que os valores entre 2000 e 2004 foram

corrigidos levando em conta a inflação em cada período, usando 2005 como ano base).

Gráfico 1: Orçamento Federal para Gestão Ambiental

Fonte dos valores: Secretaria do Tesouro Nacional

Podemos observar que de 2001 para 2003 houve uma queda significativa no

orçamento dedicado à gestão ambiental no Brasil, nem de longe recuperada pelo pequeno

1.289.378.732,08

1.120.166.897,33

2.070.713.556,82 1.835.639.530,51

243.754.118,40**

3.128.664.047,81

2000 2001 2002 2003 2004 2005**Ano

*delfator: IGP-DI

**até maio

Orçamento Federal para Gestão Ambiental - valores reais* (atualizados) - em R$

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aumento realizado entre 2003 e 2004. Em termos relativos, podemos notar mais nitidamente o

descaso político, pois o porcentual do valor gasto com gestão ambiental em relação aos totais

de gastos do governo federal (excluindo-se os gastos com refinanciamento da dívida) caíram

de 0,50% para 0,19% entre 2001 e 2003, subindo para 0,22% em 2004. É um orçamento

muito curto para as complexidades, necessidades, dimensões, e riquezas ambientais nacionais.

São esses fatos que tornam a possibilidade de implantação de PSE para unidades de

conservação tão importante, pois estes podem aparecer como alternativa financeira para

fortalecer a gestão e efetividade das unidades. A idéia não é que os PSE substituam o papel do

governo na proteção do meio ambiente. O governo teria que adotar uma política própria que

valorizasse o orçamento e a gestão ambiental, enquanto que o PSE atuaria como um fator

incremental de receitas e de educação ambiental. Os sistemas de PSE poderão cooperar

também para que aumente a contribuição de fontes internacionais no financiamento da

conservação ambiental no Brasil, um modelo mais justo na medida em que evitaria que os

países em desenvolvimento, detentores das principais florestas naturais, arquem sozinhos com

a proteção de um meio ambiente que favorece a todos.

PAGAMENTOS POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS NA LEI DO SNUC.

Como já mencionado, os esquemas de PSE podem ser voluntários ou impostos por

meios legais. Para as áreas protegidas, é interessante a existência de uma legislação impondo

o sistema de pagamentos, pois pula a etapa de convencer o beneficiário a fazer contrapartidas.

Esse fato é relevante, pois os beneficiários dificilmente aceitariam pagar por um serviço que

não poderia ser interrompido (já que áreas legalmente protegidas não poderiam “parar de

conservar” a natureza) e que vem sendo fornecido gratuitamente há muitos anos.

Dentro desse quadro legal, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza (SNUC) aparece definindo algumas possibilidades de sistemas de PSE. A Lei do

SNUC nasceu em 2000, com o objetivo maior de conservar o patrimônio ambiental brasileiro

através do estabelecimento de “critérios e normas para a criação, implantação e gestão das

unidades de conservação” (art. 1° da Lei do SNUC).

A Lei do SNUC estabeleceu alguns instrumentos que visam o fortalecimento da gestão

das unidades de conservação numa tentativa de reverter o quadro de precariedade da maioria

das áreas protegidas. Dentre esses instrumentos, existem aqueles que podem ser enquadrados

como pagamentos por serviços ecossistêmicos. O primeiro deles está presente no art. 33:

“Art. 33. A exploração comercial de produtos, subprodutos ou serviços obtidos ou desenvolvidos

a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais ou da exploração da imagem de

unidade de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio

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Natural, dependerá de prévia autorização e sujeitará o explorador a pagamento, conforme disposto

em regulamento”.

Esse artigo define que o agente que explorar comercialmente bens e serviços

desenvolvidos a partir dos recursos ambientais e culturais de unidades de conservação estará

sujeito a pagar por esse uso. Ou seja, o beneficiário pagará para a unidade de conservação,

que é a fonte (fornecedora) dos bens e serviços demandados. O Decreto n° 4.340 de 2002, que

regulamenta a Lei do SNUC, afirma que o “uso de imagens de unidade de conservação com

finalidade comercial será cobrado conforme estabelecido em ato administrativo pelo órgão

executor”, mas exclui o pagamento quando a “finalidade do uso de imagem (...) for

preponderantemente científica, educativa ou cultural” (Decreto 4.340, art. 25). Muitas

unidades de conservação, devido aos seus atributos naturais, possuem grande potencial para

serem beneficiadas por esse instrumento, mas os recursos a serem obtidos não devem ser

muito significativos nos casos da exploração das imagens. Ainda falta uma regularização dos

casos mais gerais da exploração de produtos, subprodutos e serviços gerais. Esses possuem

um potencial significativo de gerar receita caso mecanismos de PSE forem desenvolvidos.

Ainda no SNUC, temos ainda dois artigos que envolvem os serviços de proteção dos

recursos hídricos fornecidos pelas áreas protegidas. São os artigos 47 e 48:

“Art. 47. O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pelo abastecimento de água ou que

faça uso de recursos hídricos, beneficiário da proteção proporcionada por uma unidade de

conservação, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de

acordo com o disposto em regulamentação específica”.

“Art. 48. O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pela geração e distribuição de

energia elétrica, beneficiário da proteção oferecida por uma unidade de conservação, deve

contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de acordo com o disposto

em regulamentação específica”.

Esses artigos trazem de forma evidente a teoria dos PSE em seu conteúdo. Obrigam

aqueles que se beneficiam de um serviço específico, no caso é a proteção hídrica, a pagar para

aqueles que oferecem tal serviço, as unidades de conservação. Os beneficiados são o órgão ou

empresa responsável pelo abastecimento hídrico (art. 47) ou pela geração e distribuição de

energia elétrica (art. 48). Empresas de abastecimento e de geração de energia possuem

demandas especificas por serviços florestais que mantenham o fluxo e a qualidade da água.

Existe um potencial significativo de gerar receitas para as unidades de conservação

que fazem a proteção hídrica para essas empresas. O que ainda falta, como no caso anterior, é

a regulamentação e a metodologia de cobrança. O Parque Nacional da Tijuca é um exemplo

de unidade que favorece a empresa estadual de distribuição de água no Rio de Janeiro.

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Por fim, o mecanismo de PSE previsto na Lei do SNUC que causará mais impacto é a

compensação ambiental prevista no artigo 36:

“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto

ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de

impacto ambiental e respectivo relatório (...), o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e

manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral (...)”.

“§1° O montante de recursos a ser destinado (...) não pode ser inferior a meio por cento dos custos

totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão

ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento”

Aqui o caso é peculiar. Trata-se de um instrumento baseado sobretudo no princípio do

“poluidor-pagador” Mas, pode-se pensar que, depois da cobrança, os recursos são

obrigatoriamente destinados para unidades de conservação como forma de compensar os

impactos “negativos, não mitigáveis” (Decreto 4.340, art. 31). É como um pagamento para

manter os serviços gerais (e bens) prestados por áreas protegidas como forma de compensar

os bens e serviços ambientais degradados pelo empreendimento. Nesse ponto de vista, devido

a vinculação feita, pode-se pensar a compensação como um soma dos princípios do “poluidor-

pagador” e do “provedor-recebedor” e encará-la como um PSE.

A compensação ambiental tem grande potencial de gerar recursos financeiros,

podendo atuar de forma significativa para a manutenção e criação de unidades de

conservação, como já demonstramos em outro trabalho (Geluda e Young, 2004). Embora

ainda não esteja clara a regulamentação de sua implementação (Steffen 2005), já existem

diversos exemplos de sua aplicação, como o Parque Estadual da Pedra Branca que recebeu

quatro milhões de reais da termoelétrica Eltrobolt em 2003 e o Parque Nacional da Chapada

Diamantina que recebeu cerca de cinco milhões oriundos da empresa italiana TSN como

contrapartida da implantação de linhas de transmissão de energia.

Recentemente o IBAMA divulgou as unidades de conservação a serem beneficiada

com R$ 235,7 milhões oriundos de compensações referentes ao licenciamento de rodovias,

hidrelétricas, gasodutos, ferrovias e outras obras de significativo impacto ambiental. Desse

montante, R$ 16,2 milhões foram efetivamente investidos e R$ 109,8 milhões têm

cronograma de execução para os próximos meses e anos. Além desses valores, o Ibama está

programando a destinação de mais R$ 93,7 milhões, conseqüência de licenciamentos

ambientais já concluídos ou em fase final de apreciação (Sato, 2005). Esses valores mostram

o potencial desse mecanismo, principalmente quando comparados com os valores destinados

para a gestão ambiental federal (sendo que este último é repartido para diversas finalidades –

não apenas áreas protegidas).

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Porém, alguns aspectos ainda precisam ser revistos nesse intrumento. As unidades de

conservação não devem depender de recursos oriundos de atividades que degradam

intensamente o meio ambiente: a compensação deve ser apenas uma aliada do orçamento

público (assim como os demais mecanismos de PSE). A exclusividade dada às unidades de

conservação para receberem os recursos pode trazer sérios problemas na alocação

orçamentária para a conservação ambiental: em um contexto de crescente aperto nos gastos

públicos, as unidades de conservação poderão ter aumento significativo de recursos através

das compensações, mas outros temas ambientais (combate à poluição, por exemplo) poderão

sofrer cortes de verbas sob o argumento de que a área ambiental já teria obtido aumento de

recursos extra-orçamentários – fenômeno semelhante ocorreu na área de saúde quando a

CPMF foi criada (Young 2005). Além disso, existe o viés anti-população da alocação dos

recursos: as compensações devem ser alocadas exclusivamente em unidades de conservação

de proteção integral, onde teoricamente não deveriam residir populações humanas, e as

reservas de desenvolvimento sustentável só podem ser beneficiadas quando diretamente

afetadas pelo projeto. Por fim, o debate principal que vem ocorrendo é sobre a metodologia

utilizada para o cálculo da compensação, pois a que está em vigor carece de embasamento

técnico e teórico e gera resultados absurdos por estar ancorada nos valores dos custos do

empreendimento e não exclusivamente nos impactos. Este equívoco deve ser desfeito: a

compensação deve ser função do valor do dano, estimado por técnicas consagradas de

valoração econômica dos recursos naturais, e não do custo total do empreendimento (Geluda e

Young, 2004; Young, 2005).

DISCUSSÃO.

Os gastos ambientais no Brasil têm sido afetados de forma negativa pela crise fiscal

dentro do setor público. Porém, a legislação recente abre portas para alternativas de

financiamento de projetos de conservação através da criação de instrumentos econômicos

para a gestão ambiental, trazendo um aumento potencial de recursos para assas atividades. Os

pagamentos por serviços ecossistêmicos previstos na Lei do SNUC se enquadram dentro

desse instrumental, e assim poderão contribuir de forma significativa para a gestão das áreas

protegidas, num quadro nacional de baixo orçamento direcionado a estas. Porém, esses

instrumentos ainda devem ser muito debatidos para serem regulamentados e estabelecidos de

forma mais completa, com a criação de metodologias para estabelecer os pagamentos.

Vale destacar ainda, que os PSE devem atuar como aliados do orçamento público, ou

seja, a política ambiental precisa ser revista e valorizada, pois o meio ambiente nacional não

pode depender apenas desses instrumentos para ser efetiva. Além de não contemplarem todas

as áreas protegidas, os sistemas de PSE ficam ainda mais distantes de contemplar todas as

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questões ambientais. E, além disso, a diversidade, complexidade, importância e ameaça de

degradação do meio ambiente nacional tornam imperativa uma transformação política e

orçamentária em relação às demandas ambientais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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