saterÉ-mawÉ e sÁmi: culturas indÍgenas ancestrais …

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Page 1: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO

SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB O

OLHAR DO TURISMO ÉTNICO

BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)

2020

Page 2: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

UNIVALI

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria - PPGTH

Curso de Doutorado em Turismo e Hotelaria

JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO

SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB

O OLHAR DO TURISMO ÉTNICO

Tese apresentada ao colegiado do PPGTH

como requisito parcial à obtenção do grau de

Doutor em Turismo e Hotelaria – área de

concentração: Planejamento e Gestão do

Turismo e da Hotelaria – (Linha de Pesquisa:

Planejamento do Destino Turístico).

Orientador: Prof. Dr. Luciano Torres

Tricárico.

Coorientadora: Profa. Dra. Solange Pereira do

Nascimento.

BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)

2020

Page 3: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

UNIVALI

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Turismo e Hotelaria - PPGTH

Curso de Doutorado em Turismo e Hotelaria

CERTIFICADO DE APROVAÇÃO

JOELMA MONTEIRO DE CARVALHO

SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS SOB O OLHAR

DO TURISMO ÉTNICO

Tese avaliada e aprovada pela Comissão

Examinadora e referendada pelo Colegiado do

PPGTH como requisito parcial à obtenção do

grau de Doutor em Turismo e Hotelaria.

Balneário de Camboriú, 30 de novembro de 2020.

Membros da Comissão:

Presidente:

Dr. Luciano Torres Tricárico (UNIVALI)

Membro Externo

Dra. Solange Pereira do Nascimento (UEA)

Membro Externo

Dra. Cláudia Marinho Wanderley (UNICAMP/SP)

Membro Interno

Dr. Francisco Antonio dos Anjos (UNIVALI)

Membro Interno

Dr. Luiz Carlos da Silva Flores (UNIVALI)

Page 4: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

AGRADECIMENTOS

O poeta João Cabral de Melo Neto, ao escrever o poema “Tecendo Amanhã”, já

preconizou que “o galo sozinho não tece o amanhã”, nessa direção, da mesma forma, o homem

precisa de outro homem para tecer o amanhã. O percurso desse estudo de doutorado não pode

ser resumido apenas a uma trajetória do campo de pesquisa. Ele se constrói por percurso

individual, social e espiritual.

Assim, pelos encantamentos da floresta Amazônica e pelos segredos dos fiordes da

Noruega, agradeço arduamente, a gratidão por todas as pessoas e instituições que contribuíram

para que o resultado que aqui se apresenta fosse plausível. Mesmo correndo o risco de ser

injusta, ao não elencar todos os nomes dos que de alguma maneira contribuíram para que eu

seguisse nessa empreitada.

A seguir, destacaremos aqueles que diretamente nos deram apoio nesses anos de

aprendizagens.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo

fomento por consolidar iniciativas de fortalecimento ao DINTER.

Reitor da Universidade do Estado do Amazonas/ UEA, professor Dr. Cleinaldo de

Almeida Costa pela coragem e determinação em promover o DINTER, com a Universidade do

Vale do Itajaí-UNIVALI, em prol do desenvolvimento profissional, acadêmico e científico para

o Estado do Amazonas.

À Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI representada pelos professores de

excelência e de inovação, os quais foram responsáveis pelo compartilhamento dos

conhecimentos.

À Universidade de Tromsø pelo acolhimento e encaminhamentos acadêmicos (UIT).

À Embaixada da Noruega em Brasília, na pessoa do senhor Kristian Bengtson,

coordenador do Programa de Apoio aos Povos Indígenas, pela habilidade de ouvir, trocar as

experiências e os devidos encaminhamentos.

Ao Centro de Estudos Sámisk, em Tromsø/Noruega, na pessoa do Dr. Torjer Andreas

Olsen (UIT) e toda a sua equipe do Centro Sámi.

Page 5: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

À secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino do Amazonas pela

sensibilidade em compreender que é necessário fazer ciência para o desenvolvimento da

Amazônia.

A Coordenadora dos Cursos de Gastronomia e Turismo e Hotelaria Prof.ª Célia Denise

Uller pelo apoio e incentivo, durante o Estágio Doutoral.

Aos coordenadores do DINTER/ Professor Dr. Francisco Antônio dos Anjos

(UNIVALI), Professora Dra. Selma Batista e Dra. Edilza Laray de Jesus (UEA) por acreditar

na inovação científica para o Estado do Amazonas, num diálogo do Norte com o Sul do Brasil.

Ao professor Dr. Luciano Torres Tricárico, meu grande tuxaua, pelos momentos de

orientações, na condução dessa tese.

A minha coorientadora professora Dra. Solange Pereira do Nascimento, a mestra xamã,

que nos empoderou para os achados científicos, além de líder do grupo de Pesquisa Mythos

(UEA). Obrigada por todos os aconselhamentos.

A professora Dra. Dra. Cláudia Marinho Wanderley e aos professores Dr. Luiz Carlos

da Silva Flores e Dr. Francisco Antônio dos Anjos que além de aceitarem o convite para

participar da banca, apresentaram valiosas contribuições no exame de qualificação.

A diretora da Escola Superior de Tecnologia/UEA, professora Mestre Ingrid Gadelha,

pelo apoio, incentivo e compreensão.

À senhora Wilqui Dias e esposo Egil Lundstedt, pela atenção, explicação e entrevistas

cedidas durante a estadia em Tromsø.

A Senhora Unni Lundstedt e família por ceder tão valiosas entrevistas, narrando

histórias sagradas do povo Sámi com as vestes Kolt e Gákti. Momentos de muitas emoções.

A senhora Trine Marit e esposo por abrir sua comunidade Sámi e acreditar em nossos

estudos participando dos rituais de acolhida regado ao prato típico, bidos de carne de rena,

sonorizado pelo yoik.

Ao senhor André Bonotto, fotógrafo e agente de turismo pelas lives em plena pandemia,

direto do campo Sámi. À Sra. Vanessa Jensen e a Sra. Susanne Normann em proporcionar

momentos dialógicos em Tromsø e Oslo-Noruega. Ao casal Sámi por me receber, uma

estrangeira da Amazônia.

Page 6: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

Ao meu xamã esposo Waldemir Lima de Carvalho e aos meus pontos cardeais da base

matrimonial: Diego Monteiro de Carvalho, Bruno Monteiro de Carvalho e Agnes Monteiro de

Carvalho pelo total apoio, ensinamentos e caminhadas com as respectivas famílias.

Ao casal Diego (filho) e Lilian (nora) pelo presente da minha primeira neta. Ela vai

chegar e fazer parte do empoderamento feminino. À Bebel, minha preciosa neta canina, que

ama, sente e expressa seus sentimentos, pelos momentos de guarda.

A minha raiz ancestral, inesquecível e eterna professora, minha mãe Maria da Conceição

do Carmo Monteiro e pai Jorge Monteiro, in – memoriam. Obrigada pelo dom da vida e pelos

ensinamentos tão preciosos.

A minha constelação de irmão Joelson, Joseane, Nagib Jorge, Josué, Júlio, Jadson,

Carlos Fabrício, Zenilson e respectivas famílias pelos mimos que supriram meus desejos.

À estimada sogra Benedita Lima de Carvalho, minha Aurora Boreal, aquela que ilumina,

pelas infinitas orações intencionadas ao meu trajeto.

Aos sete cunhados, em especial Waldemar Lima de Carvalho e Shirley Lima de

Carvalho e família, pelo acolhimento e apoio em Balneário de Camboriú e em Gaspar - Santa

Catarina/SC.

Ao casal de amigos, em Balneário, Corina Ramos e família pelo almoço literário,

encorajamento e sessão de harmonia plena com Jin Shin Jyutsu.

À minha parceira e amiga das incursões nos territórios étnicos, dona de um coração

melancólico e apaziguador, Daniele Marian Araújo, amiga sonhadora com os mesmos ideais.

Obrigada por compartilhar momentos tão especiais.

Ao colega Francisco Irapuã, heroico e persistente, gratidão pelos trocadilhos e

momentos filosóficos do café nos corredores da Univali, foram muitas aprendizagens.

À querida aguerrida, Cláudia Menezes Martins pelas degustações gastronômicas desde

o peixe tainha até ao sanduiche x-caboquinho, enfim, recheadas de um bom papo e fé.

Aos demais colegas do DINTER, pelos momentos de aprendizagens, divertimentos,

apoio, incentivo e solidariedade durante o período do doutoramento.

À estimada professora Dra. Francisca Moraes pelo apoio e compreensão desde o início

dessa fase, promulgando sábias palavras guiadoras.

Page 7: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

Ao amigo querido William Sandes, nosso Thor, por se dispor em viajar, do Rio de

Janeiro até Balneário de Camboriú para momentos memoráveis e aventureiros.

À imensa generosidade do casal amigo Francisco Máximo Gomes e Eliana de Almeida

Monteiro pelo olhar acadêmico nos dias do café literário.

Aos colegas de trabalho da UEA/ EST, na pessoa da professora Mestra Rejane Gomes

Ferreira, coordenadora do curso de Engenharia de Produção, pelos livros e parcerias nos

projetos.

À querida amiga professora Mestra Nadja Polyana Cabete pelos momentos de diálogos

sobre ciência na Amazônia.

A minha amiga professora Mestra Margarida Liliane de Sá Brito pelas vibrações e trocas

de saberes na trajetória profissional.

Aos professores Mestre Rodrigo Teixeira e Francisco Gomes pela confiança no

compartilhamento dos acervos bibliográficos.

Ao povo Sateré representados pelo tuxaua Pedro Ramãw, esposa Yrá Ticuna e família

da comunidade Inhãa-bé, pelos saberes compartilhados nas rodadas do sakpo.

À tuxaua Midian Silva, ao pajé Sahu, ao professor João e toda sua esquipe da

Comunidade Sahu-Apé, pelos momentos de conhecimentos e de cura espiritual na kunã.

Ao Trovão (Huru-huru’é) Rucian da Silva Vilácio, e Regina Vilácio da Associação de

Mulheres Indígenas Sateré-Mawé – AMISM, pelos projetos idealizados em prol da nação.

À queridíssima Vanessa Damasceno minha designe gráfica e companheira de projetos

em prol dos Sateré-Mawé e Sámi.

Aos artistas e ex-aluno do curso de Licenciatura Plena em Computação Hector Lucas

Cavalcante de Souza Rocha (EST/UEA), Eliandro Tavares, Josinaldo Matos (Artistas

parintinenses) e ao professor Bruno Eduardo Rosas Marcílio pelas generosas traduções.

Aos espíritos da floresta pela calmaria, saúde e perseverança na condução dessa

ritualística, plainando sob as profundas bençãos de tupana. Obrigada por permitir acesso ao

xamanismo urbano.

Page 8: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

Aos profissionais de saúde que foram incansáveis no combate à pandemia,

representados pelos médicos Dr. Diego Monteiro de Carvalho, Dr. Bruno Monteiro de Carvalho

e Dra. Paula de Carvalho. Que Deus possa dar-lhes muita saúde e sabedoria na profissão.

A Deus, por tudo isso, nessa fase limiar da minha vida acadêmica, tão árdua e sonhada.

Obrigada por manter acessa a minha fé. Por nos livrar da COVID-19, que assolou o mundo,

dando-nos esperança a não desistir. E assim, com a permissão dos deuses, continuo tecendo o

Amanhã...

Page 9: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

EPÍGRAFE

Artigo I. “Fica decretado que agora vale a verdade. Agora

vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida

verdadeira”.

(Thiago de Mello)

Page 10: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar os signos identitários da cultura dos povos indígenas

Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a partir da complexa

relação simbólica que os une, nas práticas ritualísticas, como possíveis contribuições para o

turismo étnico. Esses elementos da ritualização são manifestados no mito, nas formas e modos

de organização dentro do contexto histórico e cultural desses povos. A pesquisa levantou os

traços simbólicos empregados nessas duas culturas, como forma de comunicação com seus

espíritos e seus antepassados. Saber quais os meios que mantém viva a cultura, como tradição

cultural para ambos os povos. Como são realizadas as cerimônias, a organização política, social

e cultural, dentro das comunidades indígenas e não indígenas. O estudo atende a uma

perspectiva metodológica e teórica de cunho descritivo, exploratório tendo por base a dialógica,

sugerida por Edgar Morin, que nos permitiu tecer uma rede de conversa com outros saberes, de

abordagem etnográfica, a partir de estudos de caso. Pretendemos analisar os signos que são

atrativos para o turismo étnico, bem como o convívio social em contextos contemporâneos. A

coleta dos dados se deu em duas fases. Na primeira fase foi realizada uma pesquisa

bibliográfica, nas plataformas de Bases de dados Ebsco host, Scielo, dentre outras, para

respaldo do embasamento teórico. A segunda fase, o lócus da pesquisa se deu nas comunidades

I’nhãa-bé e Sahu-Apé, com 15 participantes, na faixa etária de 18 a 80 anos e com 15 pessoas

do povo Sámi, localizados em área metropolitana da cidade de Manaus e de Tromsø/ Noruega,

respectivamente. Buscamos saber sobre os signos identitários entre os dois povos, as

características históricas-culturais e suas representações simbólicas à luz da etnografia, da

semiótica, como indutores para o turismo étnico, enquanto forma de fortalecimentos da cultura

e da sobrevivência, em contextos contemporâneos. O material coletado foi interpretado a partir

do marco teórico adotado, em que utilizamos a análise de conteúdo. Utilizamos também,

narrativas do mito de origem, fotos, cantos, danças, rituais e comemorações para a compreensão

dos povos participantes. Assim, a comparação desvelou a diversidade das práticas culturais que

existe entre os povos Sateré-Mawé (Amazonas- Brasil) e o povo Sámi (Noruega - Europa), e as

possibilidades de atração para o desenvolvimento do turismo étnico. Logo, os principais

resultados poderão desvelar para a possibilidade do turismo étnico, que possibilitará a melhoria

de vida para os que vivem em áreas metropolitanas de Manaus e Tromsø. Desta forma,

destacamos que os signos indenitários descritos, são potencializadores para um turismo étnico,

com foco do desenvolvimento sustentável; acenam que a cosmologia indígena está ancorada no

ambiente natural da floresta, como meios de sobrevivência. Nessa direção, sugerimos para a

necessidade para salvaguardar o patrimônio material e imaterial dos indígenas das regiões em

estudo.

Palavras- Chave: Turismo étnico; semiótica; ritualização; indígenas; metropolitana

Page 11: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

ABSTRACT

This study aims to analyse the identity signs of the culture of the indigenous peoples Sateré-

Mawé (Amazonas - Brazil) and Sámi (Tromsø - Norway), based on the complex symbolic

relationship that unites them in ritualistic practices, as possible contributions to ethnic. These

elements of ritualization are manifested in myth, in the forms and modes of organization within

the historical and cultural context of these peoples. The research raised the symbolic traits used

in these two cultures, as a way of communication with their spirits and their ancestors. We seek

to identify which means keep the culture alive as a cultural tradition for both peoples and how

ceremonies, political, social and cultural organization are carried out within indigenous and

non-indigenous communities. The study serves a methodological and theoretical perspective of

a descriptive and exploratory nature, based on the dialogic, suggested by Edgar Morin, which

allowed us to weave a network of conversation with other knowledge of ethnographic approach,

through case studies. We analyse the signs that are attractive for ethnic tourism, as well as social

interaction in contemporary contexts. The data collection was performed in two phases. In the

first, we conducted a bibliographic search on Business Source Complete (EBSCOhost) and

Scielo platforms, among the others, in order to support the theoretical basis. The second phase

consisted of field research in two communities in the metropolitan area of the city of Manaus,

I'nhãa-bé, Sahu-Apé, with 15 participants, aged 18 to 80 years, and in the city of Tromsø,

Norway, where 15 natives of the Sámi people participated, respectively We seek to analyse the

identity signs between two peoples, the historical-cultural characteristics and their symbolic

representations in the light of ethnography, semiotics, as inducers for ethnic tourism, as a way

of strengthening culture and survival in contemporary contexts. The material collected was

interpreted from the theoretical framework adopted, for which we used Content Analysis. We

also used the narratives of the myth of origin, photos, songs, dances, rituals and celebrations to

understand the participating peoples. Thus, the comparison revealed the diversity of cultural

practices existing between the Sateré-Mawé peoples (Amazonas - Brazil) and the Sámi people

(Norway - Europe), as well as the possibilities of attraction for the development of ethnic

tourism. Therefore, the main results point to the ability of ethnic tourism to make life better for

those who live in the metropolitan areas of Manaus and Tromsø. Hence, we conclude that the

signs described are enhancers of ethnic tourism with a focus on sustainable development; they

point out that indigenous cosmology is anchored in the natural environment of the forest, as a

means of survival. In this sense, we highlight the need to safeguard the material and immaterial

heritage of the indigenous people in the regions under study.

Keywords: ethnic tourism, semiotics, ritualization, indigenous, metropolitan.

Page 12: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa de localização dos Sateré-Mawé migrantes para Manaus – Amazonas ........ 57

Figura 2: Imagem do mapa de localização da Comunidade I’nhãa-Bé................................... 60

Figura 3: Croqui da Comunidade I’nhãa-Bé ........................................................................... 61

Figura 4: Formação política e social da comunidade I'nhãa-Bé ............................................. 63

Figura 5: Mapa da localização da comunidade Sahu-Apé ...................................................... 64

Figura 6: Croqui dos espaços da Comunidade Sahu-Apé ....................................................... 65

Figura 7: Família Sahu-Apé .................................................................................................... 68

Figura 8: Mapa da localização da Capital da Noruega e a cidade de Tromsø ........................ 76

Figura 9: Calendário anual: estações do ano ........................................................................... 77

Figura 10: Embarcação Sámi .................................................................................................. 78

Figura 11: Buzina - objeto musical ....................................................................................... 103

Figura 12: Mosaico toco da árvore envireira e luva com Tucandeiras ................................. 109

Figura 13: Signo Sateré-Mawé: patawi ................................................................................. 115

Figura 14: Waraná (guaraná)................................................................................................. 116

Figura 15: Modelo de tambor com elementos rúnicos .......................................................... 119

Figura 16: Tambor Sámi Norte ............................................................................................. 120

Figura 17: Signos em vestuários ........................................................................................... 126

Figura 18: Artesanatos identitários ....................................................................................... 127

Figura 19: Mosaico do preparo da formiga Tucandeira antes do Ritual ............................... 132

Figura 20: Artesanato preparados para o turismo ................................................................. 133

Figura 21: Objetos nativos: Sámi e Sateré ............................................................................ 134

Figura 22: Etnoespaço: organização política na grande maloca do Ritual ........................... 142

Figura 23: Fortalecimento da Tradição ................................................................................. 143

Figura 24: Mosaico de signos identitários Sateré-Mawé ...................................................... 158

Figura 25: Aurora boreal e Aplicativo forecast3d ................................................................. 160

Figura 26: Lavvu (externo e interno) .................................................................................... 162

Figura 27: Turista alimentando renas .................................................................................... 164

Figura 28: Marcador da cultura em banheiro de Shopping ................................................... 165

Figura 29: Desenho de uma criança Sámi ............................................................................. 166

Figura 30: Bandeira Sámi ...................................................................................................... 167

Figura 31: Elementos intersectivos entre os povos Sateré-Mawé e Sámi ............................. 176

Figura 32: Patawi elemento de união entre os povos ............................................................ 180

Page 13: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Relação triádica ...................................................................................................... 83

Quadro 2: Literatura internacional: outros termos relacionados aos temas ritual indígena e

turismo étnico. .......................................................................................................................... 90

Quadro 3: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade Sahu-Apé.................. 151

Quadro 4: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade I’nhãa-Bé.................. 152

Quadro 5: Etnocircuito do ritual o turismo criativo do povo Sámi ....................................... 154

Quadro 6: Indutor turístico – Sateré-Mawé .......................................................................... 156

Quadro 7: Investimentos no turismo de experiência em Tromsø ......................................... 159

Quadro 8: Interpretação das narrativas ................................................................................. 169

Quadro 9: Análise dos signos em Sámi ................................................................................ 171

Quadro 10-Análise dos signos em Sateré-Mawé. ................................................................. 172

Quadro 11: Interconexão para os dois povos para o turismo étnico ..................................... 177

Page 14: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

TABELAS

Tabela 1: Literatura internacional sobre ritual indígena, turismo étnico, do povo Sámi e povo

Sateré-Mawé ............................................................................................................................. 89

Tabela 2: Estações do ano e fenômenos atrativos ................................................................. 147

Tabela 3: Classificação dos equipamentos turísticos ............................................................ 173

Tabela 4: Classificação das Instalações ................................................................................. 174

Page 15: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

LISTA DE ABREVIATURAS

AMISM- Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé

APIB-Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

CGTSM Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé

CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEP- Comitê de Ética em Pesquisa

CONEP- Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DSEI- Distritos Sanitários Especiais Indígenas

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FEPI- Fundação Estadual dos Povos Indígenas

FAPEAM- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas

FEI- Fundação Estadual do índio

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

IFHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IG - Indicação Geográfica

INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial

ISA- Instituto Sócio Ambiental

Kr- Coroa Norueguesa

MEC- Ministério da Educação

ODS- Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

OMS- Organização Mundial da Saúde

OMT- Organização Mundial do Turismo

OIT- Organização Internacional do Trabalho é uma agência multilateral da Organização das

Nações Unidas

PPGTH- Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria

SEDUC- Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas

SEBRAE- Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SIASI-Sistema de Informação da Saúde Indígena

SESAI -Secretaria Especial de Saúde Indígena

SPC - Conselho Parlamento Sámi

SPI- Serviço de Proteção ao índio

TCLE- Termo de Consentimento Livre Esclarecido

Page 16: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

TI- Terra Indígena

UEA- Universidade do Estado do Amazonas

UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas

UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNIVALI- Universidade Vale do Itajaí

Page 17: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

MINHAS ENTRÂNCIAS VIVIDAS NA AMAZÔNIA PROFUNDA

As reminiscências me encontram no ponto que marca a trajetória desta pesquisa.

Momentos que revelam minha história de vida como um caldeirão de narrativas em que

transbordam os tempos passados. Minha viagem de memórias começa numa embarcação que

segue entre os rios Amazonas e Tapajós, margeados por terras caídas. Em 1967, em frente à

cidade de Santarém, no Estado do Pará, nascia esta pesquisadora, pelas mãos de uma parteira e

sobre os verdes águas que banham minha terra natal.

Neta de indígena paterna pertencente ao povo Tapuia, cresci vivenciando as narrativas

e hábitos ancestrais de meus avós e de meus pais, Jorge Monteiro e Maria da Conceição do

Carmo Monteiro, in memoriam, aos quais devo todas as conquistas e aprendizados adquiridos

ao longo da minha trajetória de vida.

Primogênita de nove irmãos, filha de pai pescador, juticultor, semianalfabeto, fui

alfabetizada e letrada por minha mãe, professora primária de uma escola da área rural. Morei e

estudei até aos 8 anos de idade na área rural, em uma pequena vila de moradores chamada

Cacoal Grande, Monte Alegre (PA), área de pesquisa da EMBRAPA, onde meus pais

trabalhavam.

Morávamos em área de várzea cuja moradia era uma cabana de assoalho em madeira,

preparada para as enchentes amazônicas. Foram tempos de felicidade, de paz e de harmonia,

porém superação, uma vez que meus tinham que enfrentar inúmeros obstáculos para alimentar

e educar a mim e aos meus irmãos.

A cabana aconchegante, bem organizada, abrigava os nove filhos e possuía duas

divisórias: uma para nossos pais e outra para nós. Os alimentos, como o açaí, o muruci, o

tucumã, o jenipapo e o tarubá eram sempre retirados da natureza, dos lagos, dos rios e da terra.

Os cuidados e a atenção básica com a saúde chegavam por via fluvial, às margens dos barrancos

de terras caídas do rio Amazonas, pela corveta da Marinha do Brasil.

Na comunidade de Cacoal Grande, a vida religiosa era forte, movida pelo catolicismo.

Aos domingos, íamos à pequena capela onde fui batizada, tendo como padrinhos o amável casal

Bianor Romildo de Souza Pessoa e Maria do Perpétuo Socorro Araújo Pessoa, in memoriam.

As famílias se reuniam e, entre as orações em latim ensinadas pelos missionários, louvava-se a

Deus. Todos os ritos do catolicismo eram seguidos e levados às famílias em procissões e em

orações pela única ruela do vilarejo.

Page 18: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

Aos nove anos de idade, mudei-me para o município de Santarém, a fim de cursar a

segunda série do ensino primário. Lá, iniciei a nova etapa de estudos na Escola Estadual Madre

Imaculada e permaneci nessa instituição até concluir o ensino fundamental. Já na área urbana,

morei na casa de parentes e de meu padrinho. Nesse meio tempo, realizei trabalhos domésticos

até os 11 anos de idade, para garantir os estudos.

Aos 15 anos, nas asas dos meus pais, cursei o magistério no Colégio Estadual Professor

Álvaro Adolfo da Silveira. Em 1993, ingressei no curso de Licenciatura Plena em Letras –

Língua Portuguesa –, da Universidade Federal do Pará (UFPA), tendo como Trabalho de

Conclusão de Curso a monografia: “A mulher indígena na obra Iracema de José de Alencar e a

mulher indígena da atualidade”, pesquisa realizada em Parintins com as mulheres indígenas

Sateré-Mawé.

Como a indígena guerreira de José de Alencar, fui em busca de novos desafios. Mudei

para o município de Parintins (Amazonas) em 1994, já casada e com dois filhos: Diego

Monteiro de Carvalho e Bruno Monteiro de Carvalho, atualmente formados em medicina.

Naquele período, procurei emprego e qualificação profissional, conseguindo com esforço

iniciar minha carreira como professora na Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de

Ensino do Amazonas (SEDUC – AM) e na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), como

servidora pública estatutária. Em 2001, nasceu a minha filha, Agnes Monteiro de Carvalho, a

pequena dos lábios de mel. No ano de 2009, retornei para Manaus, onde estabeleci residência

e vivo até hoje.

Em 2012, fui selecionada em edital específico da Universidade Federal São Joao Del

Rei, para cursar a segunda Pós-graduação em extensão universitária, junto a outros 32

professores de universidades comunitárias, municipais, estaduais e federais. Os resultados

foram apresentados no dia 23 de agosto, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Belo

Horizonte (MG). O projeto foi um dos contemplados pelo Programa de Apoio à Participação

em Eventos Científicos e Tecnológicos (Pape), iniciativa do Governo do Estado, via Fundação

de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Em 2013, ingressei no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes da

Universidade do Estado do Amazonas, na Escola Superior de Artes e Turismo (ESAT), com o

intuito de conhecer outras culturas e aprofundar conhecimentos para futuras pesquisas. Nesse

mesmo ano, participei do Congreso Extensión y Sociedad, realizado na Universidade de La

Page 19: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

República de Montevidéu (Uruguai), no qual tive a oportunidade de apresentar um estudo

intitulado “Extensão Universitária da Universidade do Estado do Amazonas: um panorama no

período de 2011 a 2013, desafios e conquistas dos municípios de Parintins e Tabatinga”. Na

ocasião, pude conhecer o Museu de Arte Pré-colombiana e Indígena (MAPI), e tive contato

com a cultura, as crenças, a tecnologia e os costumes dos povos que já habitaram o Uruguai e

outras regiões ao redor, inclusive brasileiras.

Em 2013 e 2017 participei, do Congresso Internacional sobre Culturas: Interfaces

da Lusofonia, realizado na Universidade do Minho, Portugal, cidade de Braga. Levantamo-

nos breve estudo sobre a diversidade cultural da humanidade no museu da cidade e na

biblioteca da Universidade de Coimbra. Nesses espaços, foi possível compreender a

intencionalidade dos navegantes cronistas no Brasil e na Amazônia.

No mestrado, atuei na linha de pesquisa Linguística e etnolinguística, abordando a

temática Ritual Indígena da etnia Sateré-Mawé: língua, memória e tradição cultural. Nesse

curso, publiquei artigos em eventos nacionais e internacionais, e em revistas, como: a

“Amazonas Faz Ciência” (dezembro de 2014/2015) e na revista Thule (na Itália, em

2015/2016), dentre outras publicações.

Ainda na Itália, em 2015, ao participar do Congresso Internacional de Americanística,

a convite do professor Dr. Paride Bollettin, participei de mesa redonda sobre povos da

Amazônia. Durante minha estada, conheci o Museu Arqueológico Nacional da Úmbria, na

cidade de Perúgia, destinado a preservar um rico acervo de arte e arqueologia da região, datado

desde a pré-história até a era romana. O local abriga artefatos das civilizações umbros e dos

etruscos, de acordo com o perfil topográfico-cronológico, evidenciando o fecundo intercâmbio

entre as duas civilizações.

Outro ano marcante foi 2019, pois publiquei um livro, em formato e-book, intitulado

“Ritual de Passagem, das Terras Indígenas às áreas urbanas dos Sateré-Mawé”, pela editora

universitária da UEA. Na práxis docente, enquanto servidora da Seduc e da UEA, priorizei a

voz do estudante a partir de um olhar etnográfico e etnolinguístico, pois sempre trabalhei com

discentes advindos das áreas rurais: pescadores ribeirinhos, indígenas, dentre outros. Nesse

período, atuei nos municípios de Parintins, Barreirinha, Maués, Itacoatiara, Maraã, Nova Olinda

do Norte, Uarini, Japurá, Presidente Figueiredo, Manacapuru, Iranduba, Manicoré, Novo

Aripuanã, Itacoatiara, Autazes e Careiro, todos no estado do Amazonas.

Page 20: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

No ambiente familiar, encontrei meu suporte para navegar pelos afluentes da pesquisa.

Sou vista pelo meu esposo e filhos como uma pessoa que veio de uma família humilde e que,

pelos estudos, busca incessantemente o crescimento profissional e, sobretudo, humano.

Nas linhas escritas pelo meu filho Bruno Monteiro de Carvalho (31), encontro minha

descrição: “Joia dos ourives Jorge Monteiro e Maria da Conceição. Do vermelho sangue

amazônico, sobre a madeira de Itaúba do pequeno Vera Cruz, nasceste acalentada pelos braços

azuis do Tapajós, em um pequeno barco, na imensidão do verde. Já chegaste desbravando o

mundo, calmamente avançando correntes, banzeiros e rebojos. Cercada por essa força de Gaia,

nunca te vi esmorecer, nem perder a fé. Tua fé é uma tocha inextinguível que ergues à tua frente,

espanta o escuro e aquece o coração. Abaixo dessa luz, nossa vida se enche de graça. E é por

toda essa graça que hoje agradecemos, por tua vida, teu amor e força”.

E assim, como a pororoca, fenômeno inquietador do rio Amazonas, continuo navegando

pelos braços dos rios e da floresta, levando comigo ervas de proteção e impulso aventureiro

singular, à procura das vivências do mundo, seja nos barrancos das terras caídas do rio

Amazonas, seja pelas encantadas terras geladas, cercadas pelos misteriosos fiordes do Polo

Ártico. Viajo, então, pelo temeroso calor Amazônico até as misteriosas placas de gelos do outro

lado do mundo. Nesse cenário, desemboco na mágica pesquisa em um universo multifacetado.

Após diversas experiências acadêmicas e pessoais com os povos indígenas, senti o

desejo de ingressar no doutorado e ampliar ainda mais esse horizonte que sempre me cercou.

Assim, em novembro de 2017, meu desejo se realizou por meio Programa de Doutorado

Institucional (DINTER), destacando a integração entre a Universidade do Vale do Itajaí

(Univali) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), atendendo a Lei n.º 3.656 de 01

de setembro de 2011, nos termos do artigo 34, item I, aliado às diretrizes do plano de

formação docente da UEA. No certame de seleção, apresentei o projeto de pesquisa e, após

um curto intervalo de tempo, veio a tão esperada aprovação para participar do Programa de

Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria (PPGTH) da Univali. Era a oportunidade de

sistematizar toda a praxeologia acumulada ao longo dos anos de vivências, na vida pessoal e

acadêmica; era o momento de alçar novos voos até a tese.

Destaco que, na Amazônia, a falta de incentivo ao desenvolvimento de pesquisas

acadêmicas ainda é uma realidade, a escassez de oferta de cursos de Pós-Graduação strito

sensu persiste e se evidencia em muitas áreas. Por essa razão, muitos pesquisadores aguardam

Page 21: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

novas ofertas por longo período ou até buscam seus estudos em outros estados do Brasil ou

no exterior. Atualmente, algumas parcerias vêm sendo feitas para diminuir essa lacuna, como

as realizadas entre as Instituições de Ensino Superior e o DINTER.

No tocante ao meu ingresso no curso de doutorado e no processo de desenvolvimento

de minha pesquisa, destaco primeiramente a disciplina Abordagens Epistemológicas para

Estudos no Turismo. Essa, por sua vez, me permitiu pensar além das ditas “caixinhas”, pois

a cada aula era possível refletir não somente sobre o espaço geográfico de atuação, mas

também sobre a forma global, universal.

Outras duas disciplinas possibilitaram o aprimoramento do objeto de estudo da

pesquisa. Foram elas: Marketing turístico, ministrada pelo professor Dr. Luiz Carlos Flores,

e Patrimônio cultural e turismo, conduzida pelo professor Dr. Luciano Torres Tricárico. Essas

fortaleceram a ideia de investigar os signos em rituais indígenas como atrativos para os

turistas entre os dois povos indígenas.

No campo do estágio docente, exigência do Ministério da Educação (MEC) e da

Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para os cursos em

formato de DINTER, reafirmamos o objeto da pesquisa. Nesse caso, a disciplina História e

Patrimônio na Gastronomia, ministrada pelos professores Dr. Marcel Oliveira e Claudia

Poffo, contribuiu de maneira grandiosa para isso. Toda essa compreensão nos exigiu

paciência para entender o que precisaria ser feito com as abordagens epistemológicas que

deveríamos trilhar. Os papeis do orientador (Dr. Luciano Torres Tricário) e da coorientadora

(Dra. Solange Pereira do Nascimento) foram essenciais para visualizar o que ainda estava

obscuro e precisava ser fortalecido.

Durante a disciplina Seminário de Tese, consegui a definitiva e necessária

organização do projeto de pesquisa acompanhado do orientador da Univali e da coorientadora

da UEA, os quais oportunizaram as sugestões que precisavam ser desveladas. Já na disciplina

Seminário de Grupo de Pesquisa II conclui a metodologia, como cumprimento do projeto de

tese, um momento tenso para todos os doutorandos em foi possível, no fim, cumprir as

orientações dos professores e dos orientadores.

Minha pesquisa aborda um tema emergente e complexo, voltado às questões indígenas.

Isso envolve uma teia de saberes que perpassam a cultura, o turismo, a literatura, a história, a

antropologia e a sociologia. Inicialmente, tracei o projeto a partir das abordagens do método

Page 22: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

fenomenológico, com estratégias etnográficas e semióticas pelas quais tive a oportunidade de

realizar muitas leituras sobre a percepção dos saberes indígenas, no fortalecimento e na proteção

dos signos identitários importantes para os povos da floresta e sua contribuição para o turismo

étnico.

Entre a etapa de cumprimento das disciplinas e a aplicação das técnicas de coleta de

dados (2019), fomos premiados com o segundo lugar na etapa estadual da 1ª Edição da

Educação Empreendedora, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE). Em 2020, com participação no Fórum Internacional de Turismo e Hotelaria, outra

premiação, também em 2º lugar, na categoria melhor Relato de Experiência. Nessa ocasião, o

trabalho selecionado foi intitulado: “Saberes e enfrentamentos em tempos da covid-19: relato

de experiência extensionista na associação de mulheres indígenas (Amism – Manaus – Am)”,

fruto de uma pesquisa que contou com os acadêmicos indígenas Sateré-Mawé, Rucian da Silva

Vilácio e Vanessa Damasceno, bem como a professora Ma. Rejane Gomes Ferreira (UEA).

Com o amadurecimento nos estudos e no processo de pesquisa, entendi que o

pesquisador deve inicialmente trilhar o caminho a partir da cultura de um povo, para

compreender o gênero humano. Nesse viés, corroboramos as ideias de Morin (2007) ao

enfatizarmos que os temas emergentes passam pela identidade do homem, num diálogo

permanente, sem aniquilar a humanidade. Acenamos, assim, para a preocupação mundial

difundida nas ideias do Papa Francisco (2019), cujas estratégias futuristas apresentam

preocupação de caráter global (BOFF, 2016). Nesse sentido, tecemos um diálogo do Amazonas

com a Noruega, apresentando a tese “Sateré-Mawé e Sámi: culturas indígenas ancestrais sob o

olhar do turismo étnico”.

Page 23: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 24

METODOLOGIA ................................................................................................................... 39

CAPÍTULO 1 – UM ESTUDO PELO UNIVERSO INDÍGENA SATERÉ-MAWÉ E

SÁMI ........................................................................................................................................ 53

1.1. O Povo Sateré-Mawé no tempo e espaço da história amazônica ................................. 53

1.2. O povo Sámi e sua construção histórica como povo indígena do Ártico ..................... 71

1.3. Sateré-Mawé e Sámi: um universo comparativo em construção .................................. 79

CAPÍTULO 2 – RELIGANDO SABERES AO TURISMO ÉTNICO INDÍGENA

SATERÉ-MAWÉ E SÁMI .................................................................................................... 82

2.1. A interface da semiótica com o turismo: signos e símbolos .......................................... 82

2.2. Turismo étnico e suas interfaces .................................................................................... 88

2.3. Turismo de experiência: uma experiência para além do turismo ................................. 96

2.4. Ritualística indígena e xamanismo ............................................................................. 105

CAPÍTULO 3 – DA MITOLOGIA DE ORIGEM SATERÉ-MAWÉ À MITOLOGIA

SÁMI: SÍMBOLOS E SIGNOS DE UM POVO PARA O TURISMO ÉTNICO .......... 108

3.1. A cosmovisão do povo Sateré-Mawé .......................................................................... 108

3.2. O universo xamânico do povo Sámi ............................................................................ 117

3.3. Signos e símbolos: expressões de identidade dos Sámi e dos Sateré-Mawé ............... 123

CAPÍTULO 4 – O SAGRADO E O PROFANO: DIÁLOGOS PARA O TURISMO

ÉTNICO ................................................................................................................................ 135

4.1. Turimo étnico: ressignificado ou perda de identidade ................................................. 135

4.2. O turismo criativo entre os Sateré-Mawé e Sámi ........................................................ 144

4.2.1. Modelo empírico de desenvolvimento do turismo étnico Sateré-Mawé e Sámi

......................................................................................................................................... 150

4.3. Experiências memoráveis entre os povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi ................. 155

4.3.1. Rena e o ato de pastorear: a essência Sámi ....................................................... 163

4.4. O impacto do turismo como atividade econômica para os dois povos em estudo ....... 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 182

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 191

ETNOGLOSSÁRIO ............................................................................................................. 206

APÊNDICES ......................................................................................................................... 214

ANEXOS ............................................................................................................................... 218

Page 24: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

24

INTRODUÇÃO

Artigo II. “Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a

converter-se em manhãs de domingo”.

(Thiago de Mello, 2009).

Os versos da epígrafe acima são um recorte da obra “Os Estatutos do Homem”, do

escritor amazonense Thiago de Mello (2009). O poeta da floresta canta os desejos mais simples

da vida diária, dando valor simbólico a cada elemento da natureza. Em cada verso do poema,

está presente o sentimento de preservação aos povos e à natureza, numa visão global e

emergente para a humanidade, conforme preconiza Morin (2002). É essa, pois, a perspectiva

que destacamos ao longo deste trabalho, com a propositura do título Sateré-Mawé e Sámi:

culturas indígenas ancestrais sob o olhar do Turismo Étnico, bem como a definição de nosso

caminho metodológico.

Como um barco de velas erguidas em alto mar, passamos a desbravar o enigmático

campo do eldorado Amazônico, da trajetória histórica e atual dos Sateré-Mawé (Amazonas –

Brasil). Tecemos ainda um diálogo com a altivez do povo Sámi (Tromsø – Noruega),

desvelando os signos identitários narrados desde o período mitológico até os dias atuais para o

turismo étnico. Assim, como garras do altaneiro gavião real e do falcão, descortinamos a

temática central, perpassando pela etnocultura de cada povo, com os elementos simbólicos

marcados pela memória, num jogo de identidade que passa pela trajetória da ancestralidade

indígena.

No Brasil, os Sateré-Mawé constituem uma população de, aproximadamente, 17.200

indígenas, segundo dados de 2019 do Sistema de Informação da Saúde Indígena

(SIASI/SESAI), Ministério da Saúde. Estão espalhados em um território de 790 hectares,

situados nas bacias dos rios Uaicurapá, Andirá e Marau, distribuídos em 91 comunidades,

conhecidas como comunidades (SENA; TEIXEIRA, 2006). Atualmente, residem tanto em

áreas urbanas como também em áreas demarcadas ou denominadas Terras Indígenas (TI). É um

povo que, mesmo em espaços urbanos e metropolitanos, carrega a garra e a determinação para

manter os rituais e seus elementos sígnicos como meio de renda familiar, vivendo de artesanatos

e da prospecção da tradição cultural.

Page 25: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

25

No processo histórico dos Mawé, observamos que no fim da década de 1970 houve

migração de famílias para áreas urbana e metropolitana de Manaus1 , sinalizado por Sousa

(2013) e para outras cidades do Estado do Amazonas. Ao migrarem para o município de

Manaus, organizaram-se em espaços constituindo uma população de aproximadamente 600

pessoas, conforme dados de 2018 do Instituto Socioambiental (ISA).

No que se refere ao Sámi, povo nórdico da Noruega, esses vivem nos quatro países

denominados de Sa'pmi: Rússia, Finlândia, Suécia e Noruega. Nesse último, vivem cerca de 35

mil, os quais desenvolvem um turismo que é exemplo para muitos. Em Tromsø, cidade

norueguesa onde realizamos parte da pesquisa, existem 842 pessoas dessa etnia, segundo dados

do Parlamento Sámi (TODAL, 2018).

Quanto aos dados étnicos no país norueguês, conforme base de dados da Central de

Intelligence Agency (2018, s/p), correspondem um percentual de 83,2%, o que inclui cerca de

60.000 (sessenta mil) Sámi. Dentre os outros europeus, o percentual chega a 8,3%, e outros,

além de 8,5% (2017 est.), Os Sámi são considerados habitantes nômades que vivem nos cinco

condados mais ao norte do país, acima do Círculo Polar Ártico. Sua trajetória histórica é

marcada pela tradição cultural que se mantém por meio de variados signos identitários, dentre

eles o pastorear das renas, os artesanatos e as canções entoadas em rituais. Os Sámi, enquanto

povo com direitos, deveres e princípios, obtiveram marcas identitárias por meio de símbolos

necessários ao reconhecimento da cultura num contexto contemporâneo.

Dorsch (2017, p. 47) reafirma que “os Sámi são representados na Assembleia

Parlamentar na Noruega, na Finlândia e na Suécia e embora percebidos como órgãos que

governam a autonomia Sámi”, no que tange às políticas sobre educação, cultura, língua e ao

estatuto indígena. O envolvimento nas causas políticas em prol do povo, tem superado conflitos

e o rompimento com o estigma social imperado ao longo da história.

A partir da década de 1980 a retomada das tradições cresceu apoiada pelo governo

norueguês, conforme preconiza a Organização Internacional do Trabalho – OIT, na Convenção

169, em seu Art. 2.º: “Os governos terão a responsabilidade de desenvolver, com a participação

dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática para proteger seus direitos e garantir

respeito à sua integridade”. Nesse contexto, o povo Sámi constantemente dialoga com as

autoridades em prol da melhoria da etnia.

1 Criada em 30 de maio de 2007 pela Lei Nº. 52/2007 a Região/área Metropolitana de Manaus constituiu-se por

uma vontade política, organizado pelo Estado.

Page 26: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

26

O desassossego durante o percurso ritualístico, no processo de construção dessa

pesquisa e da escrita, foi desafiador. Buscamos estabelecer conexão entre os dois povos: de um

lado, os Sámi, denominados povo do Ártico; do outro, o povo Sateré-Mawé. Nessa viagem,

buscamos analisar as semelhanças e diferenças, bem como a integração entre as tradições dos

dois povos por meio da etnicidade.

Adotamos uma metodologia que nos levou a considerar os aspectos qualitativo, apoiado

no pensamento complexo e multidimensional (MORIN, 2006), com estratégias etnográficas e

semióticas do tipo descritiva e exploratória, a partir de estudos de caso comparativos (YIN,

2015). Quanto a narrativa dos participantes foi imprescindível para a remorização da trajetória

histórica até o espaço vivido e desenvolvido no turismo em áreas metropolitanas da cidade de

Manaus, Amazonas-Brasil e Tromsø -Noruega. Foram realizadas entrevistas abertas com

quinze participante Sateré-Mawé e quinze Sámi, além da observação direta nas comunidades

dos respectivos povos em estudo.

Com a propositura do tema: “Sateré-Mawé e Sámi: Culturas ancestrais sob o olhar do

turismo étnico”, fomos instigados a mergulhar pelos universos étnicos dos povos de nossa

pesquisa. O primeiro, advindo do baixo Amazonas, Brasil; o segundo, ao Norte da Noruega.

No entanto, do ponto de vista da trajetória histórica geral, ambos são povos marcados pela

ancestralidade que rege a tradição cultural na contemporaneidade.

Desse modo, os povos Sateré-Mawé e Sámi se unem para além das fronteiras étnicas e

geográficas, a partir dos signos ritualísticos e pelas vertentes da mitologia e da natureza

empregadas nos adornos de tais práticas. Nesse espaço lacunar, a polifonia no ecoar que vem

da floresta Amazônica e das tundras e Taiga do Círculo Polar Ártico refletem a identidade por

meio de manifestações culturais, formas ritualísticas e seus respectivos signos (DIAS, 2013).

Assim, mostram-se nos cantos ancestrais, artesanatos, grafismos e nas expressões linguísticas,

entre outras que resistem ao tempo.

Percebemos que essas questões simbólicas se intercruzam pelo elo da natureza, de onde

se alimentam e vivem para realização de práticas turísticas, conforme narrativa do tuxaua

Ramãw “é da natureza que tiramos nosso alimento e dela nossa matéria prima para o artesanato

e ritual, por isso continuamos plantando sem derrubar a floresta da comunidade”. Acerca de

narrativas memoráveis que este estudo nos fez trilhar por caminhos de belas histórias míticas e

seculares de paisagens que são a âncora de resistência física e cultural.

Page 27: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

27

A delimitação do tema se baliza na cultura dos povos Sateré-Mawé e Sámi: culturas

indígenas ancestrais sob o olhar do turismo étnico. O recorte do estudo está no minucioso

levantamento dos signos usados em práticas ritualísticas dos dois povos, e que tem acordado

para o potencial econômico, social e cultural, como partes agregadoras ao turístico.

De tal modo, ao fazer a imersão nos estudos sobre estes povos, nos deparamos com

vários elementos identitários de representações empregados nos rituais. Isso não significa dizer

que sejam apenas os elementos de ligação que os unem, mas também os processos de

descontinuidades de lacunas, os quais surgem quando nos propomos a realizar estudos

comparativos, como evidenciou Durkheim (1985). Sendo assim, os registros encontrados

durante a imersão são contribuições para a garantia dos Sámi e dos Sateré (BOFF, 2016). Outra

contribuição é sinalizar o turismo étnico em áreas metropolitanas, para um turismo sustentável

no contexto social, ambiental e cultural com a finalidade de permanência da tradição cultural.

A diversificação do patrimônio cultural é construída por sentimentos simbólicos na

tradição cultural e, para que os saberes não se percam, eles merecem registros que visem à

preservação, contribuindo para um futuro processo de salvaguarda. No âmbito do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), preconiza-se a garantia dos ofícios (o

modo de preparo das bebidas, realização de ritual, formas de grafismos e preparo de

artesanatos).

A definição oficial de patrimônio cultural imaterial é definida pela Organização das

Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 2003, p. 34), como: aquilo que

“se transmite de geração em geração, que é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos de sua interação com a natureza e sua história”. No âmbito da pesquisa realizada na

Noruega, os signos fortalecem os atos que o Parlamento Sámi já sinaliza dentro da organização;

já no domínio dos Mawé, garante a permanência e a valorização da cultura.

Peirce (2017, p. 49), ao classificar as categorias do signo, definiu que a “relação triádica

de comparação são as que fazem parte da natureza lógica de desempenho e estão relacionadas

às naturezas dos fatos; e de pensamento ligadas à natureza das leis. Estas relações triádicas são

divisíveis em outros três modos correlatos”. O signo, a cada momento se divide em dez classes,

derivadas das tricotomias. De modo geral, no campo semântico, a relação triádica do signo

Page 28: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

28

defendida pelo autor se relaciona com o signo, com o objeto e com o interpretante. Diante dessa

classificação, será utilizada a décima2 classe, a qual Peirce denominou de símbolo e argumento.

A relação do signo no turismo étnico, para onde se encaminha este objeto, é vista nas

atividades indígenas que servem de atrativo. Elas promovem no indivíduo a curiosidade em

conhecer o estilo de vida diferente do estabelecido nos padrões capitalistas. Nesse sentido,

conhecer o cotidiano e as atrações de um grupo, bem como a forma que se projetam no tempo

e no espaço, conforme Santos (2014), é uma experiência incomum. É nesse contexto que se

evidencia o desafio de reconhecer a semiótica, os signos e imagens como linguagem do turismo

(MELLO, 2019).

É bem verdade que a cultura está integrada em todo processo étnico, no qual os

elementos culturais singulares são as partes constitutivas que compõe a tradição cultural

(MALINOWSKI, 1953). Para estudar um povo, devemos compreender a sua totalidade

pretendida na unidade, na diversidade, na solidariedade dos saberes sob a marca da

transdisciplinaridade (BANDEIRA e COSTA, 2015).

À luz de Ricoeur (1989), compreender esse mundo diversificado de vida, a partir dos

elementos sígnicos presentes nos rituais dos Sateré-Mawé e do povo Sámi, requer desvelar a

essência e o sentido do “fenômeno desses povos, nas representações, investidos de significados

simbólicos”, conforme Langer (2015, p. 12). Além disso, promove a compreensão da forma de

comunicação e de resistência empregadas em rituais. Sobre isso, refletimos sob duas

observações relativas à pesquisa sobre rituais: a primeira é que devemos estar inseridos no

campo da cultura para entendermos o contexto sociocultural, adentrando no universo mítico

relacionado ao mundo espiritual desses povos. A outra observação é perceber a relação dos

signos verbais e não verbais presentes em cerimônias carregadas de simbologia.

No que diz respeito à semiótica aplicada ao turismo, Mello (2019) destaca que os signos

tratam de uma “coisa que pode representar outra”, de sentido polissêmico; o objeto, no caso.

Dialogando com Peirce (2017), numa relação mútua entre o signo, o objeto e o interpretante,

nos deteremos ao símbolo. Nessa abordagem, o Turismo apresenta uma variedade de símbolos

com significados que estão ancorados na paisagem, nas viagens, nos museus, nas pessoas, nos

2 Dez classes do signo (I) Qualisigno, icônico, Remático, II Sinsigno, icônico, Remático, III Sinsigno, indicial,

Remático (IV) Sinsigno Dicente, (V) Legisigno, icônico, Remático, (VI) Legisigno, indicial, Remático, (VII)

Legisigno, indicial, Dicente, (VIII) Legisigno, Símbolo, Remático (IX) Legisigno, Símbolo, Dicente (X)

Legisigno, Símbolo, Argumento (PEIRCE, 2017, p. 55-57).

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29

sentimentos, os quais formam elementos sígnicos (MELLO, 2019). O imaginário do turista

acontece involuntariamente a partir da tríade proposta por Peirce, como veremos ao longo da

tese.

Os estudos sobre povos indígenas nos permitiram uma visão crítica sobre os

construtores de identidade e de empatia. Nesse estudo, buscamos a alteridade, contrastando as

relações de semelhanças e as diferenças na construção, com o intuito de incluir os povos

indígenas nas práticas do turismo étnico, como construção de empoderamento. Diante disso,

pretendemos sair da visão romântica de que o indígena não pode prosperar no modelo

contemporâneo de sociedade.

Sendo um tema emergente no atual cenário do século XXI, as atividades turísticas são

estratégias para alavancar o potencial nas administrações dos governos como atividade

econômica. De tal modo, podemos perceber que a Organização Mundial do Turismo (OMT,

2017) aponta essas atividades como a terceira mais importante do mundo.

Abordar o turismo que trata da etnicidade, em especial aquele voltado para a cosmovisão

indígena em espaços organizados pelo próprio indígena, é um tema pouco discutido na

academia. Nesse sentido, é preciso estimular as etnias que vivem em espaços fora das Terras

indígenas a compartilhar os saberes para um público que apresenta interesse em fazer a imersão

e viver momentos autênticos, protagonizados pelos indígenas, denominado de turismo étnico.

Além de fortalecer a etnicidade, de acordo com Azanha (2002, p. 31) um “desafio permanente

e consiste em se reproduzirem como sociedades etnicamente”.

Nesse sentido, foi durante a imersão nas comunidades que percebemos a participação

de turistas nas atividades desenvolvidas pelos comunitários. Não se trata de turismo de massa,

mas sim, um tipo de turismo em que o interessado se apresenta como responsável social, com

forte tendência a contemplar uma cultura diferenciada, voltada para a ecologia e planejada pelos

próprios indígenas, em equilíbrio com a natureza (BOFF, 2016). Nesse âmbito, consideramos

que os conhecimentos de tradição étnica têm um grande valor tanto para o povo Sateré-Mawé

quanto para o povo Sámi.

Assim, empreendemos esforços para abordar um tema sobre culturas indígenas no

turismo, que ainda é pouco discutido no mundo, mas que tem sido apreciado pelos que praticam

o turismo étnico. Esse fato aos poucos tem sido observado no contexto da Amazônia, sobretudo

em Manaus, dentro das comunidades indígenas. O mesmo ocorre na Noruega, cidade de

Tromsø, onde o turismo tem contribuído sobremaneira com as comunidades indígenas.

Page 30: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

30

No âmbito da investigação em turismo, uma das principais áreas de interesse está

associada ao planejamento dos destinos turísticos. MacCannell (1999) enfatiza que o turista

estabelece contatos antes de conhecer o lugar, mas aprimora a viagem pelos aspectos simbólicos

do lugar almejado. Essas características específicas justificam uma análise particular pelo que

esses lugares apresentam, no sentido de significativa investigação teórica e aplicada no destino

turístico. Logo, esses territórios focalizam no desenvolvimento do turístico étnico indígena,

como nova política de investidores (SANTOS, 2015).

Para Pettersson (2001), o poder de atração no Sámi tradicional tem crescido no mercado

turístico, atualmente, por meio da cultura com foco no pastoreio de renas e estilo de vida

nômade. Muitos estudos consideram que o desejo do turista em adentrar os espaços indígenas

pode se dar por várias razões, dentre as quais destacamos os signos da tradição cultural, que são

usados em rituais e por isso constituem potencial na área dessa investigação.

Nesse sentido, nossa pesquisa se construiu a partir do pressuposto de que a atividade

turística indígena se desenvolve progressivamente como potencial cultural e econômico nas

cidades. Trata-se de um campo de investigação promissor que pode contribuir com a garantia

da tradição dos povos indígenas. Estamos assim perante uma investigação inserida no âmbito

das Ciências Sociais e enquadrada na esfera do desenvolvimento direcionado ao planejamento

do turismo étnico indígena. Visamos aos signos da ritualização: a natureza, a cosmovisão e o

xamanismo, como produtos estratégicos de atrativos turísticos, como marcadores identitários

de Manaus (AM) e Tromsø (NOR). Tais marcadores fazem parte do imaginário do indígena e

do não indígena e estão intimamente ligados à cultura, pois se afirmam como resultado do

contexto histórico e da tradição cultural, conforme Gastal (2005).

Como ponto de partida, analisamos as especificidades dos elementos sígnicos dos

territórios Mawé e Sámi e tecemos os princípios para o desenvolvimento turístico sustentável,

desde a matéria prima até a finalização das ações como serviço etnocultural para o turista.

Partindo desse estudo, sugerimos, dentro do planeamento do turismo étnico, uma

abordagem holística do setor do turismo e procuramos chegar a uma proposta de referenciação,

a fim de assegurar os signos/símbolos como garantia da sobrevivência dos povos deste estudo,

como fortes marcadores de identidade e da memória.

O interesse em pesquisar questões relacionadas aos povos indígenas, a exemplo do povo

Sateré-Mawé, surgiu aproximadamente há 24 anos, momento em que tive contato com alunos

indígenas, da região do baixo Amazonas, especificamente das cidades de Parintins, Barreirinha,

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31

Boa Vista do Ramos e Maués, quando professora do ensino médio pela SEDUC e UEA. Nesse

período, ministrei aulas nos cursos da Pedagogia Intercultural Indígena, História e Letras, com

o componente curricular de Linguística e Cultura Amazônica.

Durante as aulas, era comum o aluno indígena fazer referência às práticas culturais,

como o ato de narrar os mitos, falar da pesca e da caça, dos conhecimentos do pajé, entre outras

situações. Conforme a líder Andreza da Silva (36), “ao longo do tempo, a cultura se perdeu por

medo dos parentes, que não sabem enfrentar o governo e deixam de se reafirmar, “temos que

enfrentar o branco”. A partir desse relato, percebemos a intenção da indígena, o zelo para com

a sua nação, com a finalidade de garantir às futuras gerações as práticas e a identidade cultural

do seu povo.

No exercício da docência, sempre procurei desenvolver atividades voltadas para os

temas relacionados à cultura, à língua e às políticas públicas indígenas, especialmente para a

educação diferenciada. Em uma das aulas, os acadêmicos levaram para a sala de aula o tuxaua

da comunidade e, assim, a cada dia era reafirmada a etnicidade do grupo.

Dessa maneira, este trabalho pode ser considerado como um desdobramento do meu

interesse pelas línguas e culturas ameríndias e Escandinávia. Comungo com Merleau-Ponty

(1999, p. 2), “tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão

minha ou de uma experiência do mundo, sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer

nada”. Por isso, sinto-me incomodada.

Agora, no programa de Pós-Graduação em Turismo e hotelaria (PPGTH) da

Universidade Vale do Itajaí, uma questão surgiu para aprimorar a pesquisa: a possibilidade de

investigar a cultura Sateré-Mawé e a Cultura Sámi. Por meio de vivências e pesquisas, no

campo antropológico e semiótico, percebemos uma possível relação entre esses dois povos e

daí o interesse em aprofundar este tema.

Nesse sentido, durante as experiências e percepções nos espaços indígenas, buscamos

compreender a complexa relação dos signos, usados em rituais entre os dois povos Sámi e

Sateré-Mawé, à luz da semiótica dos signos para o turismo étnico. Esses são os elementos

simbólicos que surgem como eixo central desta tese. O elo sustentável que aproxima esses dois

povos está ancorado na etnicidade.

De tal modo, a temática dos signos em rituais Sateré-Mawé e Sámi no âmbito do turismo

étnico não se evidenciou nas pesquisas que realizamos nas plataformas científicas. Os estudos

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sobre a abordagem semiótica no Turismo apresentam pouca aplicabilidade, por isso um

adensamento desse tema, certamente, poderá fortalecer futuros estudos. Desse modo,

consideramos um estudo alvissareiro, com potencial inovador no campo científico das Ciências

Sociais. Nessa direção, navegamos pela canoa da transformação, singrando por espaços ainda

não navegáveis, que poderão direcionar novas rotas no manancial da ciência.

Ao navegar pelo dorso verde da serpente do mundo, a Amazônia, é impossível não se

encantar por sua pujança. É a partir dela que inicio minha navegação pelas letras, fazendo dessa

metáfora as entrâncias deste estudo que não se esgota nos belos rios da Amazônia. Igualmente,

para navegar e chegar às margens dos rios amazônicos e dos mares Sámi, os percursos

metodológicos me ajudaram a encontrar o caminho adequado para desvelar o objeto que gerou

esta tese.

Nessa direção, a pesquisa realizada é de cunho qualitativo, descritivo e exploratório,

imbuída de questões que provocaram conexões com outras ciências, no rebojo da

interdisciplinaridade, na perspectiva de Morin (2007). A técnica de coleta de dados utilizada

foi a observação participante, junto a 30 sujeitos, sendo quinze Sámi e quinze Sateré-Mawé,

moradores de áreas metropolitanas (CRESWELL, 2010). Nesse percurso, procedemos com a

aplicação de entrevistas abertas com os líderes das comunidades, acendendo “as memórias

vivas no tempo da narrativa histórica e poética” (RICOEUR, 2010, p. 113).

A partir da Análise de Conteúdo de Bardin (2016), a categorização das narrativas

proporcionou organizar e compreender os achados, com o intuito de revelar informações sobre

os signos dos dois povos estudados. Partindo dessa assertiva, a primeira parte da pesquisa foi

compreender a tradição histórica e cultural das populações, mediante os estudos científicos

seguidos da imersão no campo.

Na habitabilidade dos Sateré-Mawé até o desaguar nos oceanos, atravessando mares

para chegar ao povo Sámi da Noruega, nos permitimos mergulhar mais profundamente nos

encantos dos fiordes, numa vegetação que interage com o homem do Ártico. Um diálogo que

acreditamos ir para além das fronteiras geográficas, um diálogo para além do previsível, uma

abertura para o mundo científico, alargando a interculturalidade num debate interétnico.

Dialogando com Barros (2019), uma investigação rica e diversa no universo incógnito para a

compreensão e construção de um mundo melhor.

A Amazônia, cenário vivo da biodiversidade no sentido mais amplo do termo, se destaca

pela natureza, pelos barrancos e encantos dos rios e dos igarapés. Ela agrega novas formas para

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o “desenvolvimento sustentável, com ênfase na biotecnologia, piscicultura, ecoturismo e outras

atividades inovadoras” (BENCHIMOL, 2009, p. 511). Por aqui vagueiam vidas que cantam e

encantam, trazendo à mente imagens multifacetadas de uma ambiência convidativa para sair de

suas imagens e adentrar por seus meios ainda ocultos e ocultados do mundo que se adaptou aos

padrões estabelecidos e não aos desvios saudáveis de nossa percepção (DEULEUZE;

GUATTARI, 2007).

Destarte, convém ratificar que Mário de Andrade ao realizar uma viagem pelo

Amazonas (1927), indo até o Peru, retratou na obra “O Turista Aprendiz” o pluralismo cultural

vivenciado por ele, na condição de turista e navegador das terras brasileiras do norte ao sul,

sinalizando as paisagens, os encantos do rio e a bravura dos indígenas. Nessa obra, o autor

demonstra o encantamento diante da cultura indígena, sobretudo no que diz respeito à literatura,

à poesia, à música, à etnografia, ao folclore, à arquitetura, às artes plásticas, à fotografia e às

políticas culturais adotadas pelos povos em contato. Enfim, um universo descrito por múltiplas

culturas carregadas de significações (ANDRADE, 2015).

É certo que, durante milênios, o homem trabalhou com rituais que marcam tradições,

carregados de símbolos que seriam o alicerce de valores éticos, históricos e religiosos,

associados à prática social cotidiana (ELIADE, 2010). Ademais, seguindo o mesmo ideal, o ser

humano da atualidade, continua a marcar seu tempo na história, por meio das práticas

ritualísticas empregadas no dia a dia da vida. Essas práticas são marcadas continuamente por

signos que integram outras culturas diferentes pelo mundo.

A vida diária de cada indivíduo, no seio da sociedade na qual ele se insere, é marcada

pela presença de ritos entendidos por Van Gennep (2018) como um conjunto de cerimônias, de

formalidades praticadas nos campos da religião, da jurisdição, da política, dentre outros. Em

um sentido analógico, também entendemos por rituais toda uma série de procedimentos

invariáveis na realização de determinadas coisas (HOUAISS, 2009), conhecidas como

costumes e hábitos.

Desse modo, os rituais estão presentes desde as primeiras horas do dia: quando

iniciamos um planejamento ou quando estabelecemos tarefas a serem cumpridas em

conformidade com suas normas. Vemos isso no âmbito do trabalho, quando preestabelecemos

horários e tarefas para serem executadas. Também estão presentes na esfera do lar, quando

preparamos refeições, ou ainda nas ruas, no tocante às normas de comportamentos no trânsito,

por exemplo.

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Todos esses rituais promovem o equilíbrio social em qualquer ambiente da vida diária,

numa conexão com o ato de comunicação (LEACH, 1989). Nós os realizamos muitas vezes de

forma espontânea, sem refletirmos sobre sua relevância. Leach (1989) sugere ainda que os

rituais podem ajudar na construção e criação do tempo, mas também geram cortes nas rotinas

sociais. No entanto, todos esses elementos compõem um conjunto de informações que trazem

uma carga semântica, numa conexão com a linguagem, com a língua, com a linguística e com

a semiótica. Nesse sentido, “os rituais seriam instrumentos que permitem maior clareza às

mensagens sociais” (DA MATA, 1997, p. 83). Nele é possível garantir, ao longo da história, os

processos da tradição cultural do povo, expressando os valores sociais e políticos.

Dialogando com o campo do turismo, todos esses comportamentos permitem ao

indivíduo transpor do campo “A” para o campo “B”, nas escolhas dos destinos turísticos. Essa

linha divisória, segundo Learch (1989), é a liminaridade que vai de um ponto a outro da

passagem. Em outras palavras, um novo tipo de turista – empolgado em mergulhar nas

experiências distintas daquelas oferecidas pelo turismo tradicional –, tem demonstrado

comportamentos e desejo de experimentar novos desafios.

Para Urry (2001, p. 30), o “turismo envolve, necessariamente, o devaneio e a expectativa

de novas e diferentes experiências”, ou seja, a cada vivência, o participante é instigado a novos

sentidos. Nessa direção, MacCannell (1978) considera que o turismo é carregado de um sistema

semiótico em que cada objeto apresenta um símbolo de modo interpretativo para aquele que

aprecia ou vivencia qualquer momento.

Dentro das sociedades indígenas, os signos são também elementos de comunicação.

Nesse sentido, pretendemos analisar, a partir da cultura dos povos indígenas Sateré-Mawé

(Amazonas – Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a complexa relação simbólica que

os une, destacando as práticas ritualísticas e suas contribuições para o turismo étnico.

Dito isso, a combinação dos vários saberes científicos das teorias, procedimentos,

conceitos de signos e de turismo étnico vislumbram elementos para fortalecer o planejamento

e o destino turístico com temas emergentes no seio das comunidades indígenas Sámi e Sateré-

Mawé. Mesmo separados geograficamente, é possível visualizar os diálogos com os mesmos

ideais, visto que necessitam de recursos naturais para a permanência dos rituais na garantia de

acesso à inclusão social.

À vista disso, os pressupostos dessa tese buscam responder aos questionamentos

norteadores relativos aos aspectos simbólicos presentes na tradição de ambos os povos: qual a

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trajetória histórica dos povos Sateré-Mawé e Sámi? Quais signos marcam as culturas Sateré-

Mawé e Sámi? Quais os principais elementos sígnicos da ritualística dos povos Sateré e Sámi?

O que une esses povos e quais contribuições expressam para o turismo étnico?

Assim, partimos da cosmovisão dos povos em estudo para encontrar possíveis

elementos que os aproxime, apesar das distâncias geográficas e da diferença acentuada na forma

de viverem. São dois grandes extremos: de um lado, a cultura do povo Mawé do outro, o povo

do Ártico. O que os une? a partir desse contexto, buscamos delinear nosso olhar sobre o turismo

étnico numa perspectiva mais ampla, pela diversidade cultural para o turismo de ambos os

povos (GASTAL, 2020).

Com intuito de responder aos questionamentos citados, de modo a “exprimir opiniões,

aprender a escutar, ouvir e estabelecer diálogos face a face” (OLSEN, 2015, p. 109), o objetivo

geral desta tese é de analisar, a partir da cultura dos povos indígenas Sateré-Mawé (Amazonas

– Brasil) e do povo Sámi (Tromsø – Noruega), a complexa relação simbólica que os une nas

práticas ritualísticas, bem como as contribuições dessas para o turismo étnico revela uma

categoria de síntese que abarca o todo no entrelaçamento das partes.

A proposta da tese, apesar de já existir meu contato com a temática há muito tempo,

somente se fortaleceu após a conclusão da pesquisa do curso de mestrado3, que teve como título:

“Ritual da Tucandeira da etnia Sateré-Mawé, língua, memória e a tradição cultural”. A partir

dali, percebemos a riqueza dos elementos sígnicos presentes na tradição cultural, sobretudo nos

rituais de passagem do povo Sateré-Mawé. Prospectar esses signos requer habilidades no campo

etnográfico e semiótico, afinal, estamos diante de povos indígenas de culturas complexas que

transitam numa espiritualidade animista, entre o mundo da vida e dos espíritos.

Considerando que o ritual é formado por diversos elementos representativos,

fundamentamo-nos na semiótica de Peirce para melhor analisar e compreender os motivos que

atraem os turistas em praticar e vivenciar a tradição deste povo. Como igara nos rios, deslizando

pelas tradições indígenas, percebemos que a tradição da cultura indígena tem despertado no

turista o desejo de vivenciar experiências em comunidades indígenas, sejam elas no Brasil ou

em outros países como a Noruega.

3 Do curso de mestrado originou-se o e-book de minha autoria, cujo título é: “Ritual de passagem: das terras

indígenas às áreas urbanas dos Sateré-Mawé”, publicado pela Editora Universitária da UEA, em 2019. Tal livro

contribui com importantes ideias presentes nesta tese, recebendo o adensamento diferenciado pela nova

abordagem.

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Mundialmente, as populações indígenas têm chamado atenção de turistas para

realizarem práticas de experiências junto às tribos. Entretanto, a história nos mostra que, por

muitos anos, os povos indígenas foram adjetivados como seres brutos, indolentes, preguiçosos,

dentre outros termos. Atualmente, tais adjetivos têm sido abonado pelos variados discursos

colonizatório. Também, é crescente o empenho dos indígenas e dos pesquisadores em

salvaguardar as tradições, em qualquer área do conhecimento.

Dessa maneira, os signos presentes nos rituais, tanto do povo Sateré-Mawé como do

povo Sámi, marcam a história de um tempo vivido pela tradição cultural e nos apresenta um

ciclo de vida, que tem no mito de origem, sua cosmovisão e vivências cotidianas. Nesse viés,

esses aspectos têm fascinado o visitante em lugares diversificados e de tradição cultural.

Com a finalidade de acenar para a contribuição do turismo étnico no cenário amazônico,

foi possível tecer estudos de teóricos para a afluência pertinente com a natureza indígena e para

a problematização desta investigação, uma vez que, os saberes tradicionais indígenas ainda são

desconhecidos. Na perspectiva de uma visão holística que conduzirá para a valorização da

cultura indígena a partir dos saberes, acenamos ainda para a tradição cultural, do mito ao ritual

e de toda cosmovisão indígena.

Assim, a relevância do estudo é encontrar o elo entre os fenômenos das culturas,

merecendo um mergulho no campo da pesquisa. Assim, podemos dizer que a contribuição do

turismo étnico está inserida no turismo cultural, que valoriza e conserva a etnocultura dos povos

indígenas, alinhando seus aspectos socioculturais, identitários e linguísticos, além de contribuir

com o aspecto econômico e emocional dos comunitários, como a inserção social.

Isso tem sido um componente indutivo nas experiências de turistas que procuram o

estado do Amazonas por vários fatores determinantes: contato com a natureza, desbravamento

dos espaços amazônicos, desvelamento da etnocultura e de seus elementos intersemióticos,

como as ervas para o preparo da cura, além dos adereços e ornamentos, caracterizados por

souvenir, grafismos em artesanatos, dentre outros.

O povo Sámi desponta no turismo de forma planejada e com apoio governamental,

facilitando diálogo dentro do país norueguês. Podemos constatar que a cultura do povo Sámi é

respeitada e valorizada, tendo sua manutenção assegurada. Essas conquistas foram observadas

a partir da etnolinguística, na qual a cultura e a língua são primordiais para a manutenção

ancestral. Ambos os povos em estudo permanecem focados na resistência, na resiliência, a fim

de não serem engolidos pelo avanço da “globalização negativa” (BAUMAN, 2007, p. 13).

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37

Como contribuição científica para Amazônia, “deve-se pensar em condições de

infraestrutura, científicas e tecnológicas”, de forma a agregar o turismo étnico, para uma

construção de agenda de gestão de recursos sustentáveis para o estado do Amazonas

(BENCHIMOL, 2009, p. 498). Assim, o turista poderá desfrutar da enigmática cultura indígena

Sateré Mawé, por meio dos símbolos, em relação com a natureza, fortalecendo a mitologia

amazônica.

Da mesma forma, na cidade de Tromsø, os turistas procuram vivenciar experiências

memoráveis junto aos Sámi, a fim de conhecer a cultura milenar, a partir da cosmovisão deste

povo, de forma prazerosa: cuidar e alimentar as renas, pescar, caçar, apreciar a aurora boreal,

apreciar o sol da meia noite, usar os grafismos étnicos, apreciar a natureza, morar na cabana

com os Sámi, visando à sustentabilidade. Para Pettersson (2001), a Noruega é um exemplo de

sucesso do turismo étnico há várias décadas, pois eles procuraram agregar elementos de sua

cultura e de outras atividades que exercem para desenvolver atividades turísticas de forma

responsável.

Bahl (2009) defende que o turismo étnico pode ser entendido como um modo de

expressão de interesse pela cultura e pelo modo de vida de outros povos, bem como uma

tentativa de compreender as diferenças entre os povos. Nesse sentido, consideramos que os

povos indígenas são também se preocupa em ser inseridos no contexto contemporâneo. Assim,

acreditamos que “o ser humano consciente não deve ser considerado à parte do processo de

evolução” (BOFF, 2016, p. 47).

Destarte, o turismo étnico indígena merece ser valorizado e acompanhado, tendo como

finalidade dimensionar e avaliar as interferências, de forma a não descaracterizar as culturas,

que o turismo pode provocar nas comunidades ou em comunidades indígenas. Assim sendo, as

práticas ritualísticas da pescaria, da alimentação e dos momentos xamânicos são simbologias

carregadas de sentimentos ancestrais. Coadunamos com Guimarães (2012, p. 63), quando esse

afirma que “cultura e turismo, nos últimos anos tem sido fundamental para o desenvolvimento

das cidades e países, sobretudo em áreas urbanas”. São questões basilares que envolvem

atividades cuja valorização da produção cultural garante a permanência da memória dos povos

por meio da tradição referente aos rituais.

Nesse sentido, o estudo aponta para as representações sígnicas empregadas nas práticas

ritualísticas que existem entre os povos Sateré-Mawé e o povo Sámi. Além disso, demonstra as

possibilidades de atração para o desenvolvimento do turismo étnico. Outro ponto reside na

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melhoria das condições de vida para os que vivem em áreas metropolitanas, garantindo a

valorização dos conhecimentos tradicionais, sem comprometer as futuras gerações (ONU,

1991).

Quanto à estrutura da tese, está organizada em quatro capítulos principais, os quais

trazem abordagens teóricas acerca dos pressupostos levantados ao longo do estudo. Também

demonstram o caráter metodológico da pesquisa, bem como os procedimentos desenvolvidos

no decorrer da investigação em campo.

O primeiro capítulo é revelador, pois tece uma abordagem histórica e antropológica que

singra o universo do povo Sateré-Mawé e do povo Sámi, apresentando seus aspectos culturais

e sociais, com os primeiros contatos interétnicos. Dividimos em subseções, por questões de

entendimento didático e metodológico. Apresentamos um recorte das informações encontradas,

a respeito dos povos pesquisados em bibliotecas, museus, acervo em formato digital e da árdua

pesquisa de campo etnográfico junto aos indígenas.

Destacamos que a entrada no campo pesquisa atendeu o ritual dos povos e nos exigiu

cuidados especiais na análise e na avaliação dos documentos. Para tanto, procuramos apresentar

as informações precisas, na forma pela qual nos permitiram compreender os povos indígenas

Sateré-Mawé e Sámi, pautando-nos por evidências de seus saberes ancestrais, bem como o

entendimento da cosmovisão marcada pelos símbolos.

No segundo capítulo, desbravamos os caminhos dos teóricos para o embasamento do

tema emergente na urdidura das ideias conceituais: Religando os saberes ao turismo étnico

indígena Sateré-Mawé e Sámi numa interface com os signos e símbolos. Nesse diálogo

refletimos as contribuições da mitologia na formação do espírito criador a partir das narrativas

presentes nos rituais numa descrição semiótica relacionando ao turismo étnico e suas interfaces.

No terceiro capítulo, buscamos compreender como a mitologia contribuiu para a

formação do espírito criador dos indígenas Sateré-Mawé e Sámi, a partir das narrativas

presentes nos rituais, bem como suas contribuições para o potencial turismo étnico dos povos.

Assim, a mitologia retrata a magia dos elementos identitários, dos mitos que norteiam a vida

das etnias Sateré-Mawé e Sámi.

No quarto capítulo emergimos nos aspectos importantes da ritualística do povo Sateré-

Mawé e Sámi, destacando a intersecção entre as duas culturas, sinalizando as possíveis

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contribuições dos signos dos povos Sateré-Mawé e Sámi, como marcadores, em contextos de

inclusão para o turismo étnico indígena, no destino e no planejamento turístico.

Nesse olhar, tivemos a sensibilidade para estreitar as intersecções do Sateré-Mawé e

Sámi, no bojo da Teoria da Complexidade (MORIN, 2002) e na semiótica sinalizada por Peirce

(2017), na análise, nas discussões e reflexões dos achados. Os atrativos turísticos tanto no solo

Manauara como na cidade de Tromsø perpassam pela Mãe Natureza, vinculando-se aos

elementos terra, fogo, água e ar, dos quais os povos se nutrem e extraem a matéria prima para

confecção dos adereços, artesanatos e indumentárias.

Finalmente, apresentamos as considerações finais basilares, conforme os resultados

obtidos a partir da longa trajetória investigativa dos signos. Nessas, fizemos a interconexão

entre os dois povos e constatamos que, mesmo distantes geograficamente, ambos realizam

rituais em suas práticas diárias, como possibilidade de inserção no mercado turístico.

Apresentamos ainda os signos e a sua relação com a natureza, destacando a interface do

xamanismo urbano, conforme descrito por Magnani (2005). Demonstramos que o povo Sateré-

Mawé é o único do Brasil a realizar um ritual com a formiga Tucandeira, primando pelo

fortalecimento da cultura no entorno do município de Manaus. Já o povo Sámi tem se

fortalecido pelo turismo sustentável, revigorando os saberes tradicionais, os quais abarcam a

ecologia, sendo considerados como guardiões da floresta.

Como uma canoa singrando no meio de um rio, realizamos a travessia sob os banzeiros

e ondas, rumo ao outro lado do rio, rumo ao outro lado do mar. Aportamos em terra de florestas

e de planícies por onde habitam os espíritos do bem. Por fim, parafraseando Thiago de Mello

(2009), fica decretado que os povos indígenas têm direito à inclusão social, por meio de seus

elementos simbólicos ritualísticos, garantindo à vida na prospecção do turismo étnico, como

protagonista das ações.

METODOLOGIA

A complexidade das pesquisas sociais realizadas nos ambientes dos povos indígenas

caminha por meio das relações de contrastes. Transitamos nesse campo e percebemos o quanto

é diversificado e complexo, ao mesmo tempo que carrega encantos mágicos e sentimentos que

nos envolvem.

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40

Partindo do pressuposto de que toda investigação científica é uma viagem aprofundada

que fazemos em busca do objeto de estudo, nos colocamos agora na condição de tecer o

caminho metodológico que nos levou a essa jornada, a partir da complexidade do tema sobre

povos indígenas.

A priori, defendemos a ideia de que um estudo é formado por um sistema interligado

dirigido a um objeto. Esse, por sua vez, não existe sem um sujeito, pois carrega elementos

indissociáveis, sendo necessário compreender o todo, a partir das partes que o compõem

(MORIN, 2011). De tal modo, no campo do turismo, a urdidura da construção metodológica se

operacionalizou em dois momentos: i) o da construção e reconstrução da estrutura do objeto;

ii) o momento do campo de pesquisa e a reconstrução do processo de conhecimento na tecitura

da tese.

Para construir ciência sobre o tema turismo étnico, nos apropriamos de outras ciências,

como a antropologia, a semiótica, a geografia, a sociologia e a engenharia de produção. Essas

disponibilizaram princípios importantes na construção e na compreensão dos casos relativos

aos Sateré-Mawé e aos Sámi no construto dessa metodologia. Morin (2011) enfatiza que a

epistemologia não pode ser rígida ou fechada, deve ser problematizada para uma construção

intersubjetiva, depois é preciso avaliar e problematizar o conhecimento na religação dos

conhecimentos.

Nesse sentido, o conhecimento dos povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi não são

lineares, isto é, possuem singularidades que os identificam e exigem inferências e

interpretações. Esses saberes não podem ser ignorados, pois revelam uma carga semântica de

natureza ancestral que contribui com o espaço vivido. Urge uma consciência planetária,

segundo Morin (2011), numa interação de novos conhecimentos que se ligam.

Para determinar a possibilidade do conhecimento é imprescindível pensar que o

conhecimento é construído por partes que se interligam, princípio de redução em que as partes

se religam (MORIN, 2011). Considerando essa articulação, a humanidade tem muitas

possibilidades e caminhos para se chegar a um planeta admirável, sem a extinção das espécies,

sendo assim, acenamos para a garantia dos indivíduos no planeta. Nessa direção, Morin (2013)

enfatiza que a complexidade é díspar que abarca elementos históricos, sociais e culturais do ser.

Ainda para Morin (2012, p. 51), “não só os indivíduos estão na espécie, mas também a

espécie está nos indivíduos; não só os indivíduos estão na sociedade, mas a sociedade também

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está nos indivíduos, incutindo-lhes desde o nascimento deles a sua cultura”. Essa concepção

reforça que o indivíduo faz parte de um conjunto, isto é, está inserido em um contexto que

colabora para o homem e para o meio. Há uma intersecção que não pode ser fragmentada, daí

percorremos com vistas a responder ao problema central desta investigação estabelecendo um

elo entre o povo Sateré-Mawé e o povo Sámi: o que une esses povos e quais as contribuições

desses para o turismo étnico?

A partir disso, destacamos que nossa abordagem é qualitativa, apoiada no pensamento

complexo e multidimensional (MORIN, 2006), com estratégias etnográficas e semióticas do

tipo descritiva e exploratória, a partir de estudos de caso comparativos (YIN, 2015). Assim,

esta pesquisa vai se construindo pelas teias do conhecimento e na lógica do complexus.

O turismo étnico estabelece nova perspectiva de turismo de natureza antropológica,

social e política que nos sugerem um turismo em campo específico para atividade humana,

construída social e culturalmente pelo contexto em que está sendo realizada. Nesse caso, um

turismo produzido por dois povos indígenas que valorizam as crenças, a cosmologia, o mundo

místico, as danças, os rituais e a organização da sua comunidade, mesmo em um mundo

globalizado.

Estabelecer diálogos entre culturas não é uma tarefa fácil, exige contextualizações no

tempo e no espaço, e essas precisam se sobressair num olhar global. No que diz respeito às

pesquisas semióticas no espaço turístico, essas “[...] devem esclarecer numerosas questões

empíricas concretas, em especial sobre modo de construção e comercialização dos espaços,

percepções e práticas turísticas” (SPODE, 2015, p. 4).

As estratégias de análise foram baseadas na corrente semiótica peirceana em que cada

um desempenhou um papel fundamental para o alcance dos objetivos geral e específicos na

construção da tese. Assim, almejamos conferir e analisar quais os signos atrativos para o

turismo étnico, presentes nas práticas ritualísticas das culturas, bem como as contribuições para

o convívio social em contextos contemporâneos.

Ainda destacando a teoria da complexidade de Morin (2005), devemos reunir os

conhecimentos, globalizá-los e contextualizá-los para a vida. Nos estudos estabelecidos entre

os povos Sámi e Sateré-Mawé está o ato de compreender os saberes e fazeres associados às

raízes mais profundas da vida que, além de dinamizar o íntimo da ancestralidade do homem,

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42

traz em si o fenômeno da cognição como possibilidade de criar, aprender e conhecer, numa

inter-relação com o seu entorno.

Do ponto de vista etnográfico, Brito (2016, p. 51) destacou que “a investigação se refere

à análise descritiva da sociedade humana”, visa a conhecer, descrever, explicar e interpretar

com profundidade o modo de vida e a cultura de um povo. Nessa direção, Geertz (2008) ressalta

a questão da etnografia enquanto uma experiência interpretativa na qual o pesquisador não irá

perceber aquilo que seus informantes percebem, mas através do que os outros percebem.

Diante disso, no processo investigativo, com base no contexto interpretativo de Geertz

(2008), prevalece a subjetividade, a individualidade e a descrição detalhada do que é percebido

e observado. Igualmente, a pesquisa etnográfica trata de aspectos antropológicos e sociais e,

conforme descreve Geertz (2008, p. 29), tal pesquisa “orienta o pesquisador na seleção de

informantes, no estabelecimento das relações com a comunidade, além de direcionar quanto ao

mapeamento e construção do diário das atividades de campo”.

A opção pela metodologia qualitativa está fundamentada na definição do problema e do

propósito dos objetivos da pesquisa em tela. Já a pesquisa descritiva expõe características de

determinada população ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações

entre variáveis e definir sua natureza, sem compromisso em explicar os fenômenos que

descreve, embora sirva de base para tal explicação (VERGARA, 2004).

Na abordagem para acesso às pesquisas junto ao povo Sámi, inicialmente tecemos uma

agenda de visitas, passando em 2018 pela embaixada norueguesa, no Rio de Janeiro (Brasil), e

pelo consulado norueguês, em Brasília no ano seguinte. Tanto o acolhimento pela embaixada

como pelo consulado foi de grande valia, pois expusemos nosso projeto de pesquisa e sanamos

algumas dúvidas quanto ao campo e ao povo Sámi. Além disso, tivemos acesso às legislações

e documentações necessárias para a pesquisa de campo.

O coordenador do Programa de Apoio aos Povos Indígenas nos atendeu com muita

atenção e pudemos dialogar sobre os aspectos políticos, sociais e culturais da Noruega. Na

oportunidade, o indígena Sateré-Mawé, Rucian da Silva Vilácio, contribuiu com os diálogos

acerca dos povos indígenas do Amazonas. Além disso, foram fornecidos alguns dados do povo

Sámi por meio digital: sites, catálogos impressos e roteiros de viagens.

Page 43: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

43

Concomitantemente, a pesquisa prosseguiu junto ao Núcleo de Pesquisa da

Universidade de Campinas (Unicamp), onde foi possível estabelecer contatos e posteriormente

um manancial de diálogos com professores da Universidade de Tromsø, Centro de Ensino

Superior situado ao norte do Ártico.

Outro recurso para a primeira fase de estudos sobre os Sámi foi a pesquisa bibliográfica

realizada em revistas, livros, plataformas de pesquisa e boletim digital da Universidade de

Tromsø. O boletim UArctic, assinado e lido mensalmente, nos proporcionou informações sobre

os ideais e objetivos da região da Noruega, além da atualização sobre notícias, atividades,

eventos e oportunidades em toda a rede UArtic.

Em novembro de 2018, estabelecemos calendário de pesquisa de campo na Noruega, na

cidade de Tromsø, com os devidos instrumentos de observação e de entrevistas. Tecemos junto

aos pesquisadores da Unicamp e da UIT a delineação do trajeto, prosseguindo com todos os

protocolos necessários para a viagem ao exterior. Assim, após uma investigação minuciosa

sobre a história o povo Sámi, iniciamos a realização no campo físico da pesquisa, realizada no

2º semestre de 2019, na cidade de Tromsø.

No período de um ano, data para o embarque à pesquisa ao exterior, dialogamos com a

Assessoria de Relação Exterior (ARI) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em

Manaus, seguindo os protocolos de pesquisa para o exterior. Elaboramos uma carta de

apresentação à universidade de UIT/Núcleo de Estudos do povo Sámi, assinada pela

coordenação e chefia imediata da Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA), com as devidas

recomendações funcionais e estatutárias.

Quanto à hospedagem, obtivemos uma carta com endereço e telefones dos anfitriões,

esses falavam português, norueguês e Sámi. Todas as orientações foram registradas conforme

a legislação internacional, além de disporem seguro viagem e recursos em euro e dólar para

chegarmos até o país. Ao chegar na capital Oslo, as moedas foram trocadas em coroa

norueguesa (kr), moeda oficial da Noruega. Destacamos que o uso da referida moeda foi

indispensável, além da utilização de cartão internacional, pois os serviços básicos são pagos,

preferencialmente, com esse cartão.

Do Brasil a Oslo viajamos pela companhia aérea British Airways, em um voo de 15

horas, com escala no aeroporto de Heathrow (LHR), Londres. De Oslo até Tromsø, optamos

pelos serviços da empresa regional Scandinavian Airlines System (SAS), com duração de 1h50

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44

min., em linha reta, 1741 km de distância até Tromsø. A partir de Heathrow, a comunicação se

deu nas línguas inglês e norueguês, e, como recurso comunicativo, adotamos o uso dos

aplicativos google tradutor e weze para traduzir diálogos ou guiar nossas rotas. Ainda em solo

brasileiro, para assegurar a conectividade, comunicação e localização, foi importante a

aquisição cartão skill Sim, que proporcionou o uso de dados ilimitados para os serviços da

pesquisa.

Durante nossas práticas de pesquisa de campo, visitamos bibliotecas, museus e

universidades. Nesses lugares, o uso das tecnologias foi fundamental, desde a impressão até

acesso aos acervos. A partir disso, levantamos vasta literatura sobre o povo Sámi, todas escritas

nas línguas nativa, norueguesa, inglesa e espanhola.

Como instrumento de coleta dos dados, gravamos as entrevistas abertas e realizamos a

captura de imagens fotográficas junto aos participantes, relacionando a trajetória específica de

cada um deles, observando e ouvindo as suas posições e preocupações, conforme a Resolução

CNS n.º 510/2016, artigo 5º: que trata da forma de registro de dados, tanto escritos, quanto

sonoros e visuais.

Foram dias de intenso trabalho que dispusemos para realizar a pesquisa de campo. As

atividades permitiram delinear com profundidade e segurança a vida cultural e histórica dos

Sámi, o que envolveu um vasto conhecimento sobre o assunto, em fontes primárias e

secundárias reunidas em documentos e livros.

A pesquisa trata de um estudo de caso preocupado em tratar da diversidade que há entre

os povos delimitados na pesquisa em campos diferentes (BOURDIEU, 2001). A vida planetária

desses povos reúne conhecimentos de mundo regidos pela natureza como um princípio

emergente, isto é, somando-se a um único objetivo, que é a sobrevivência dos povos na Terra.

O estudo de caso permite a investigação e descrição ponderada das estratégias de coleta e

análise de dados e da conexão entre as evidências, permitindo relacionar o caso e corroborar os

resultados a partir dos fatos (YIN, 2015).

Os povos Sámi e Sateré-Mawé, distintos a princípio, guardam elementos culturais

importantes e comuns que os aproximam. De tal modo, buscamos analisar e compreender os

saberes da tradição cultural entre esses povos indígenas, a partir dos elementos sígnicos

presentes nas práticas culturais ritualísticas, como forma de contributo para o turismo étnico. É

Page 45: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

45

com esse desafio semiótico que o desconhecido fertiliza os caminhos para um estudo aplicado

no turismo (MELLO, 2015).

Olsen (2015) garante se tratar de uma abordagem flexível e necessária no campo dos

estudos de caso. Quanto à composição desse tipo de investigação, concordamos com as

pontuações de Eco (2014), para o qual a aproximação do caso se dá pela sensibilidade do

pesquisador. Nesse contexto, Eco propõe apreender o fenômeno num sentido diverso,

interpretando-o por inferências lógicas; por um método de investigação em que sejam

associadas percepções e raciocínios lógicos. Como estratégia de análise, devemos levar em

consideração as regras, as lógicas internas e os resultados dos pressupostos definidos a partir

da relação triádica definidas por Peirce (2017), pois seu pensamento possibilitou um diálogo

com outras escolas de filosofia já estabelecidas no Brasil (CÁRDENAS; HERBERT, 2020).

A semiótica de Peirce (2017) que trata das categorias universais, está definida na tríade:

primeiridade; secundidade e terceiridade. A primeira, se refere a sentir a relação do signo

consigo mesmo, sendo o primeiro contato; a segunda é reagir estabelecendo relação do signo

com seu objeto no seu cotidiano; a terceira é reconhecer e fazer uma relação do signo na junção

das categorias primeira e segunda, com seu interpretante, isto é, a interpretação do conjunto

(DIAS, 2013).

Peirce trata o signo como universal e, para Santaella (2002, p. 29), a semiótica deve

“[...] abrir as portas do espírito e olhar para os fenômenos”, promovendo um olhar meditativo,

sensitivo, partindo dos aspectos da observação e do subjetivismo. Sendo assim, Dias (2013, p.

893) enfatiza que a “Semiótica de Peirce traz sustentação teórica para as diretrizes

metodológicas para analisar a linguagem, independentemente da área do conhecimento”.

Morin (2011) sinaliza para o signo como fenômeno emergente e indissociável à

compreensão da natureza humana e como possibilidade de diálogos processados pelas relações

pessoais interconectadas. Alguns estudos já realizados proporcionaram vislumbrar pistas desse

processo, pelo fato de se debruçarem sobre os estudos dos povos originários em um campo

ainda incipiente. Levando isso em consideração, dialogamos com a Semiótica do Turismo de

MacCannell (1978), Culler (1981), Morin (2011), Mello (2019), entre outros autores com

interface para o turismo étnico.

O percurso teórico da pesquisa foi construído a partir dos objetivos interdisciplinar e

transdisciplinar, tendo como fio condutor o processo de diálogo que possibilitou a interpretação

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46

e a compreensão da realidade, a partir de abordagem histórico-antropológica do universo

Sateré-Mawé e Sámi. À luz da semiótica das culturas, foi possível realizar um estudo descritivo

sobre os signos usados em práticas mediante mitologia de origem Sateré-Mawé e Sámi:

símbolos e signos de um povo.

Trata-se de uma pesquisa empírica realizada no tear dos teóricos e pesquisadores para

coletar conhecimentos nos territórios delineados do campo, experienciando momentos

indescritíveis movidos pelas exuberantes paisagens e pelas diferentes convivências. A

complexidade dos momentos sugeriu relacionamentos a serem tecidos e depois fechados, de

modo a permitir uma análise racional, utilitária, porém de fatos subjetivos.

Para Mattos (2011, p. 50), “a etnografia traz contribuições para o campo das pesquisas

qualitativas”. Também sobre a pesquisa etnográfica, salientamos que “ela orienta o pesquisador

na seleção de informantes, no estabelecimento das relações com a comunidade, além de

direcionar quanto ao mapeamento e construção do diário das atividades de campo” (GEERTZ,

2008, p. 17).

Partindo da pesquisa qualitativa, delineamos os elementos semelhantes e diferentes

entre a cultura do povo Sateré-Mawé e do povo Sámi, por meio de sistemas complexos de

análises que se intercruzam transversalmente no campo. Isso nos possibilitou estabelecer um

diálogo etnográfico e semiótico para encontrar os elementos comuns e diferentes entre os dois

povos (DIAS, 2013).

Vale destacar que, cada povo foi estudado separadamente, elencando os símbolos

identitários que despertam o interesse dos turistas. Para Cardozo (2006, p. 146), “todo esse

inventário turístico tem se apresentado como importante ferramenta na ordenação da oferta”.

Nessa perspectiva, uma comunidade organizada tem potencial turístico e agrega não somente

valor econômico, mas sobretudo étnico, com valor simbólico, tendo como apelos a natureza e

a espiritualidade (BOFF, 2016).

A seleção do campo de pesquisa foi feita considerando os objetivos deste estudo:

analisar e compreender os signos presentes nas práticas de ritualização dos povos Sateré-Mawé

e Sámi, como contribuição para o turismo étnico. Todo o entendimento foi realizado a partir de

cada tradição cultural, a partir do mito de criação que se manifesta por “processo” das

realizações dos rituais, conforme Santos (2014, p. 69).

Page 47: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

47

Os Sateré-Mawé atualmente compõem 17.200 indígenas, sendo 13.650 residentes em

terras indígenas e 3.550 em outras localidades, de acordo com os dados do Sistema de

Informação da Saúde Indígena (SESAI, 2019). Muitos vivem no estado do Amazonas, nas

cidades de Parintins, Maués, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Rio Preto da Eva, Manaquiri,

Iranduba e Manaus (capital). A motivação da escolha se deu pelo fato de percorremos a temática

indígena desse povo por mais de duas décadas, e, durante esses anos, percebemos que essas

comunidades praticam a tradição cultural se firmando em seus territórios destacando-se no

cenário turístico suas práticas ritualísticas.

Por sua vez, o povo Sámi é formado por 60.000 mil pessoas que vivem nos quatro países

denominados de Sa'pmi: Rússia, Finlândia, Noruega e Suécia, conforme destacou Robert

Pettersson (2001). Por outro lado, 35 mil Sámi vivem na Noruega e são frequentemente citados

no desenvolvimento turístico. Para tanto, coletamos dados junto à Universidade de Tromsø

(2017) e, segundo os registros, há 842 Sámi na cidade (TODAL, 2018).

O universo de participantes da pesquisa é composto por 30 indígenas, sendo 15 deles

advindos da área metropolitana de Manaus/Amazonas, Brasil, nas comunidades I’nhãa-Bé e

Sahu-Apé e 15 do município de Tromsø/Noruega, os quais realizam atividades turísticas. Esses

estão na faixa etária de 18 a 80 anos de idade. Vale destacar que, “por participação, queremos

dizer envolvimento de agentes ativos” (OLSEN, 2015, p. 103). A assertiva do autor demonstra

que a pesquisa participante é colaborativa entre as partes envolvidas, permite um melhor

entrosamento tanto entre os membros da pesquisa, quanto com o objeto pesquisado por meio

do processo de reflexão e ação contínua entre seus participantes.

Constantemente somos inqueridas do porquê da preferência pelos Sámi. Acerca disso,

lembramos que esse é um povo cujo percurso histórico é marcado pela repressão e proibição de

suas práticas tradicionais, ambientais, culturais e políticas. Apesar disso, atualmente, os Sámi

têm ressignificado sua etnicidade na realização de práticas voltadas para o turismo. Além dessa

luta e renovação, esse povo data de citações antigas cujo primeiro registro consta no ano 98

(d.C), pelo Romano Publius Comelius Tacitus, na Obra Germânica (DORSCH, 2017).

A organização política, histórica, social e cultural tem atraído admiradores e turistas,

por meio de tradições ancoradas na ancestralidade, na mitologia e na ritualística. Vislumbram

vivenciar emoções em sintonia com a natureza e com a espiritualidade, bem como conhecer o

planejamento e organização política desse povo bimilenário.

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48

A seleção dos participantes foi do tipo intencional, por acessibilidade. Esses, por sua

vez, foram constituídos por lideranças indígenas que aceitaram participar da construção

dialógica (OLSEN, 2015). Assim, a pesquisa aconteceu com os povos Sámi e Sateré-Mawé,

com estratégias da etnografia.

Quanto à coleta dos dados, essa se deu em duas fases. Na primeira, recorremos aos

estudos por meio de pesquisas bibliográficas em livros, nas plataformas de bases de dados

Ebsco, Scielo, Google Acadêmico, além de repositórios digitais de universidades e portais de

periódicos internacionais. Nas buscas, construímos o tesauro a partir das palavras-chaves

utilizadas: turismo cultural, turismo étnico, turismo com ritual Sámi e Sateré-Mawé, entre

outros termos que consideramos relevantes.

Na segunda fase, entramos no campo da pesquisa nas comunidades Sateré-Mawé,

localizada na região metropolitana da cidade de Manaus, e com o povo Sámi, na cidade de

Tromsø, ao norte da Noruega. A entrada ocorreu após realizarmos contatos telefônicos,

mensagens de e-mails, participação em eventos nacionais e internacionais, rodas de conversas,

oficinas, participação em assembleias e em comunidades.

A coleta documental foi realizada com a leitura de documentos sobre as políticas

públicas referentes ao turismo na região do Polo Ártico, roteiros turísticos já existentes, atos

administrativos do Parlamento Sámi, fotografias, filmes, documentários, imagens de drones e

ainda documentos referentes às localidades e roteiros turísticos. Nessa fase, também foi

elaborado o roteiro de entrevistas para os dois povos, em português, inglês e norueguês.

As técnicas de coleta de dados com as comunidades Sateré-Mawé ocorreram por meio

de observação participante, visando à interação com as organizações indígenas, em reuniões.

Após essas, nos concentramos em entrevistas abertas, diário de campo e roda de conversas, as

quais foram gravadas ou fotografadas, atendendo à Resolução CNS n.º 510/ 2016, Artigo 5º,

que trata da forma de Registro, com as devidas autorizações dos participantes (OLSEN, 2015).

Os contatos para as entrevistas foram realizados com o uso de roteiros. Essas tiveram a

participação de líderes tuxauas, comunitários residentes nas cidades, líderes de associações,

organizações públicas e privadas, turistas e visitantes, bem como pesquisadores. Todas essas

no Brasil e em Tromsø, com os quais tivemos contato.

Segundo Creswell (2010, p. 42), um dos principais aspectos da coleta dos dados é

“observar os comportamentos dos participantes”. Assim, tivemos a preocupação em respeitar o

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espaço de cada informante, atendendo ao agendamento preestabelecido. Partindo dessa visão,

tivemos o cuidado com a assinatura da documentação exigida, para que todos a realizassem

antes das gravações e registros fotográficos. Dialogando com Bardin (2016), os dados coletados

são organizados por categorias com critérios, transcritos à luz da Análise de Conteúdo, além de

comparáveis. Em seguida, realiza-se a interpretação dos dados e a produção textual, além de

“classificar elementos em categorias que impõe a investigação do que cada um deles tem em

comum com o outro” (BARDIN, 2016, p. 148).

A pesquisa de campo foi realizada com entrevista e protocolo de observação, somando-

se as imagens fotográficas, levantamento “na web ou na internet”, conforme considera Creswell

(2010, p. 179). As entrevistas e as notas de campo foram delineadas, acendendo as memórias

vivas no tempo da narrativa histórica e poética (PAUL RICOEUR, 2010, p. 113). Quanto ao

instrumento da entrevista, cabe ressaltar que não foi fácil fazer uma abordagem etnográfica,

pois os informantes eram arredios e desconfiados. Nesse sentido, dialogamos com Bianchetti e

Meksenas (2008), os quais sinalizam para as dificuldades que o pesquisador deve enfrentar.

Em relação aos procedimentos metodológicos, o estudo foi seccionado nas seguintes

etapas: i) a realização das disciplinas de doutorado no ano de 2017/2, a revisão de literatura e a

elaboração projeto de pesquisa. Essa primeira fase foi de suma importância para delinearmos,

à luz das teorias e das discussões em sala de aula, o caminho metodológico traçado e a forma

de escrita da tese. As disciplinas realizadas durante o ano de 2017, até meados de 2019, nos

auxiliaram na formatação do projeto e no processo de uma escrita mais livre e criativa.

Na segunda fase, nos dedicamos ao trabalho de campo com os dois povos indígenas da

pesquisa, buscando ouvir os sujeitos participantes, tanto no processo de entrevista como na

aplicação do formulário de caráter aberto e, já nesse momento, a produção de um artigo

científico sobre o povo Sámi e povo Sateré-Mawé, publicado na revista Turismo e Sociedade,

com o título: “Patrimônio imaterial e o turismo étnico em comunidade indígena”. Esse também

foi aceito para publicação na revista Rosas dos Ventos, sob o título: “Turismo étnico indígena

no Amazonas: mitos e territórios que contam histórias”, por ocasião da realização da pesquisa

de campo para o processo de qualificação. Durante esse percurso, o trajeto de orientação foi

primoroso, justamente porque nos ofereceu um norte para seguirmos com maior segurança a

trilha do estudo.

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De tal modo, o trabalho de campo foi basilar no processo de escrita da tese, porque o

contato direto com os sujeitos nos permitiu fazer um paralelo mais equalizado entre teoria e

praxeologia. Na terceira etapa propriamente dita, ocorreu toda a preparação do dossiê para o

exame de qualificação ocorrido em 28 de abril de 2020, por meio da plataforma da Universidade

do Vale do Itajaí (Univali), sala virtual do ambiente BlackBoard, atendendo às exigências de

saúde quanto ao momento pandêmico mundial. A construção textual para esse momento foi

tensa, uma vez que as únicas companheiras eram as ideias que fervilhavam na mente querendo

achar a sua lógica na escrita. Por essa razão, a qualificação foi uma etapa primorosa no processo

de avaliação da tese para que de fato, sob o olhar cuidadoso da banca examinadora,

conseguíssemos sublinhar e corrigir os equívocos, a fim de tomar fôlego para maior

concentração da escrita final.

Na quarta e última fase, prosseguimos com a consolidação e o aprofundamento da

escrita da tese, visando à defesa pública em 2020. Durante todo esse processo, outros materiais

foram de fundamental importância para ajudar a memória no processo de reminiscência. Por

meio da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016), recorremos a outro companheiro de todas as

horas, o caderno de campo. Com as anotações, nos debruçamos sobre a produção de mapas,

vivenciamos as memórias registradas em fotografias, as gravações das histórias relatadas, as

entrevistas, enfim, todos os registros possíveis que utilizamos como recursos e técnicas para o

compósito da tese e que marcaram essa trajetória de construção do conhecimento.

Dialogando com Bardin (2016), os dados coletados foram organizados por categorias

com critérios, transcritos à luz da Análise de Conteúdo, além de comparáveis. Em seguida,

realiza-se a interpretação dos dados e a produção textual, além de “classificar elementos em

categorias que impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com o outro”

(Bardin, 2016, p. 148). A categorização das narrativas proporcionou organizar e compreender

os achados com o intuito de revelar informações sobre os signos dos dois povos estudados.

Nessa direção, seguimos as ideias de Bardin (2016), em distintas fases, denominadas: a) pré-

análise; b) exploração do material e tratamento dos dados e, por fim, c) a inferência e a

interpretação.

Na pré-análise, os documentos foram organizados de acordo com a intensão, como

sinalizador para a fase posterior de interpretação. Nessa fase, entramos em contato com os

achados dos discursos, em que estabelecemos as primeiras interconexões, na sistematização dos

juízos (BARDIN, 2016). Quanto à exploração do material, essa ocorreu com a leitura das

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respostas e do aprofundamento e organização da análise realizada na fase anterior. De forma

sistemática, organizados em categorias e em subcategorias, foi possível compreender os

achados (DIAS, 2013). Na fase da interpretação dos dados, selecionamos os dados encontrados,

e os organizamos para análise agrupada por povo indígena, construindo dois quadros de

resultados com as informações do objetivo geral desse estudo. “Fase longa e fastidiosa, que

consiste em operação de codificação, decomposição” (BARDIN, 2016, p. 131).

Por fim, realizamos as inferências e interpretações em relação aos objetivos elencados

para a pesquisa, encontrando os elementos intersectivos entre Sateré-Mawé e Sámi. Partindo

dessa assertiva, como propósito mais geral, este estudo postula que o Turismo Étnico traz

contribuições para o entendimento das questões de tradição cultural na contemporaneidade, a

partir do olhar transversal e semiótico do participante, aplicado ao turismo (MELLO, 2019). Os

resultados foram analisados em quadros distintos e organizados em oito categorias.

Nesse caminho, foram respeitadas todas as cláusulas do Termo de Consentimento Livre

Esclarecido (TCLE), bem como as autorizações das organizações indígenas do Brasil e da

embaixada norueguesa, conforme legislação de pesquisa vigente para ambos os países. Quanto

às questões legais, este estudo está registrado no Comitê de Ética com o número de CAAE -

14818919.2.0000.5016, parecer de nº 4.270.019, atendendo às exigências das resoluções do

Comitê (CRESWELL, 2010). Quanto à segurança de Saúde, obtivemos seguro viagem, além

da carteira de vacinação internacional exigida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(Anvisa).

Nas andanças da pesquisa, um momento atípico, e que sinalizamos nos últimos

levantamentos da pesquisa, foi o alastramento do Novo Corona vírus – uma família de vírus

que causam infecções respiratórias, provocando a doença denominada Covid-19 (Sars-coV-2).

Nesse contexto, o estado do Amazonas foi considerado um dos epicentros da doença no Brasil,

afetando diretamente as comunidades. Com isso, destacamos que o povo indígena Sateré-Mawé

sofreu perdas de lideranças indígenas, como o senhor Otávio dos Santos, 67 anos, vítima da

doença no dia 16 de março de 2020. Otávio era tuxaua na comunidade de São Benedito, no rio

Marau, município de Maués, distante 641 km da capital do Amazonas, conforme fonte do Jornal

Amazônia Real (2020).

Tendo em vista as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), da

Fundação de Vigilância Sanitária e dos órgãos da Saúde, seguimos todos os protocolos de

segurança no monitoramento, com responsabilidade, visando à manutenção da saúde dos

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participantes. Para tanto, usamos o suporte da “netnografia” (KOZINETS, 2014), tendo como

recurso as ferramentas do Instagram e do facebook, numa conexão em tempo real, a fim de ter

acesso às informações sobre protocolos de segurança usados no enfrentamento ao Covid-19.

No campo Sámi, tivemos apoio dos influencers Wilqui Dias e André Garcia Bonotto,

brasileiros residentes na Noruega e criadores dos canais: “Noruega_eu” e “Andregbonotto”,

respectivamente. “O que é interessante perceber na apropriação dos pressupostos da etnografia

é o caráter investigativo e de observação da realidade do outro que continua presente na

netnografia” (SILVA, 2015, p. 342).

Enredando para um universo científico, seguimos com um manto de aura místico,

espiritual e toda a magia encoberta nas montanhas e fiordes. Com esse espírito de aurora boreal,

encontrei a senhora Wilqui Dias, paraense da cidade de Marabá, proprietária da casa onde fiquei

hospedada em Tromsø. Nossos primeiros contatos foram no website do AirBnb.com e no

YouTube onde essa possui o canal “Noruega_eu”, conforme já mencionamos. A comunicação

se deu durante 01 (um) ano até minha chegada à Noruega. Na ocasião da hospedagem, seu

esposo e sua cunhada se apresentaram como Sámi.

Coincidentemente, um dos participantes trabalhava na Universidade de Tromsø, (UIT)

o que nos facilitou acessos pela cidade, encaminhamentos dentro das instituições e na tradução

do idioma norueguês e Sámi. No centro comercial, por sua vez, ao realizarmos pesquisas nas

lojas de souvenir, bibliotecas e museus, ainda contamos com a colaboração de outra brasileira

casada com um nativo, residente em Tromsø, falante do Norueguês, a senhora Vanessa Jensen

que também possui um canal no YouTube.

Posto isto, a incursão realizada durante a fertilidade do campo investigativo sublinhou

uma perspectiva da relação homem e natureza extremamente fiel no contexto diário dos povos,

tanto na visão cosmogônica do Sateré, como também para os povos Sámi. É desse

entrelaçamento que construímos na proa da palavra e da escrita o ofício de limar a tese até a

chegada triunfal. Foi necessário unirmos forças espirituais advindas de Deus, de Tupana, dos

cosmos e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas para superarmos os sentimentos

de tristeza por conta da pandemia que assolou o mundo. Porém, o entusiasmo, o encantamento

e o otimismo nos momentos de fraqueza foram decisivos quando as energias definhavam.

Parafraseando o consagrado poeta Fernando Pessoa: a cada dia as velas eram erguidas,

singrando pelos rios, mares e estradas, a fim de atracar no porto do conhecimento.

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CAPÍTULO 1 – UM ESTUDO PELO UNIVERSO INDÍGENA SATERÉ-MAWÉ E

SÁMI

1.1. O Povo Sateré-Mawé no tempo e espaço da história amazônica

Um povo de muitas revelações no campo científico, em que os saberes se transportam

para a ciência. Ao navegar pelo estudo etnográfico, descritivo e reflexivo sobre o universo

indígena Sateré-Mawé, observamos aqui suas vivências no tempo e na história Amazônica, bem

como a magia na construção histórica, política, cultural e social. Desse modo, escolhemos as

comunidades Sahu-Apé e I’nhãa-Bé, ambas na região metropolitana de Manaus, Amazonas

Brasil.

A sofisticação e a complexidade sobre os estudos indígenas nos ofereceram uma

pluralidade sobre os povos da floresta. De tal modo, o ritual de entrada no campo dos estudos

nos permitiu entender a cultura a partir da cosmologia – concepção do mundo –, na incursão

mitológica e histórica de cada povo. No bojo desse contexto, os elementos que fazem parte do

cenário indígena envolvem os partícipes da memória, o meio ecológico e a infraestrutura

(SANTOS, 2014). Foi nesse ambiente, com a permissão dos protagonistas desta pesquisa e

todos os elementos que o cercam que penetramos no universo de pertença desses povos

indígenas.

Inicialmente, caminhamos pelos barrancos dos rios Madeira, Tapajós, Andirá e Marau,

para entendermos a saga histórica do povo Sateré-Mawé, marcado pela corrida na busca da

sobrevivência, baseada na adaptabilidade e as peculiaridades do local. Esse povo, durante a

referida saga, sobreviveu com recursos de subsistência e de criações do imaginário

(BENCHIMOL, 2009).

Os achados na literatura científica e na incursão do campo nos proporcionaram pistas

importantes para a compreensão do povo Sateré-Mawé. Compreensões essas advindas da

cosmogonia e da cosmologia desse povo, mediante os saberes e fazeres tradicionais, da sua

forma de ser, enquanto povo em migração, de tempos passados. É um povo que migra

constantemente e, onde se instalam, costumam preservar a tradição e a memória da etnia, “são

grandes andarilhos vencendo, com incríveis resistência” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 50).

Observamos outro tempo histórico na formação do homem amazônico e na atualidade,

ressaltando o protagonismo nas vozes históricas dos Mawé ao se adaptar facilmente nos locais

que migram.

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54

A história da Amazônia, quando descrita por cronistas do passado, se mostrou um lugar

desejável, de exuberante floresta e de densas águas do rio Amazonas. Tais descrições foram

mencionadas pelo padre Felipe Bettendorf, nos séculos XVI e XVII; por Carvajal em 1542 e

por Cristobal de Acunã, em 1639, nos territórios navegáveis dos Tupinambá, Tapajós e

Amazonas, esses citados nos estudos de Bernal (2009). Na Amazônia colonial – também

denominada de Amazônia Lusíndia, neologismo usado por Benchimol (2009) para designar o

jogo de palavras entre o prefixo luso e o termo índia –, o conhecer, o saber, o viver e o fazer

foram momentos genuinamente indígenas.

No que diz respeito ao termo Sateré-Mawé, segundo Nunes Pereira (2003), outras

denominações foram dadas pelos cronistas. Algumas dessas, conforme Bernal (2009), foram:

Maué, Andiraze, Moos, Mabué, Mangués, Manguês, Jaquezes, Magueses, Mahués, Magués,

Mauris, Mawés, Maraguá, Mahué, Mangueses. Falantes da língua Tupi, os Sateré-Mawé

dominaram setenta e seis territórios diferentes ao longo do majestoso rio Amazonas.

Em breve análise, percebemos que as terminologias dos nomes designados ao termo

Sateré-Mawé, remetem à língua latina, tendo em vista a desinência – (ae). Essa é proveniente

da primeira declinação, nos casos genitivo singular, como função sintática de adjunto

adnominal.

Também verificamos que, na terceira declinação, a desinência –es encontra-se nos casos

nominativo, função sintática de sujeito ou predicativo do sujeito, por fim, dita na língua tupi

com terminações em /ês/ e (é). Segundo Franceschini (2005), não há acentuação tônica na

língua Mawé, isto é, terminada em /é/, logo essa variação ocasionou o desvio da correta

composição do termo original Satere-Mawe, em língua tupi.

Após essa análise mais técnica, observamos que o nome “Sateré” significa “lagarta de

fogo”, que faz referência ao clã mais importante dentre os que compõem esse grupo étnico e

indica a linha sucessória dos chefes políticos da nação. O segundo nome, “Mawé”, quer dizer

“papagaio inteligente e curioso”, o que não remete a uma designação clânica, mas, segundo

Uggé (1993), faz referência ao próprio povo, presente na cosmologia e narrado nos mitos

– saray potairia (as belas palavras dos Sateré-Mawé) – e nos cantos do Waymat (ritual da

tucandeira), conhecidos como rituais de passagens em que o neófito passa da fase de criança

para a fase adulta.

De rica expressividade em suas tradições, os Mawé apresentam vasto conhecimento

relativo à cultura material, destacando os “teçumes” artesanais, como cestarias, abanos,

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chapéus, os quais são tecidos pelos homens (LORENZ, 1992, p. 15). Também são conhecidos

pela arte de construir peças em cerâmicas, adereços e utensílios usados na pesca, em atividades

domésticas ou em outras ações.

A visão política, social e econômica é um ponto forte no grupo e, quase sempre, cumpre

uma “função” utilitária no cotidiano da comunidade tribal, conforme Santos (2014, p. 70).

Politicamente, os Mawé se organizam no Conselho Geral Sateré-Mawé (CGTSM), Consórcio

de Produtores do Guaraná e em associações, todos esses estabelecidos por eles em cada polo.

Além desses, há participação efetiva em interlocuções nos órgãos dos governos Federal,

Estadual e Municipal, demonstrando a crescente atuação do povo nas atividades políticas

(FIORE, 2018). Durante as assembleias, os debates são veementes. A organização é feita em

formato de círculo, onde todos podem dialogar, e, na rodada das conversas, não pode faltar o

waraná, um dos signos da etnia, por onde nasce o mito do povo, associado ao guaraná,

cientificamente denominado Paulinia cupana. É pelo consumo do waraná que as ideias fluem

e entram em sintonia com seus deuses primordiais. Tomar guaraná significa experimentar da

energia mais pura e original que remonta a origem da etnia. Para Lorenz (1992, p. 43), “é a

bebida usada pelos Sateré-Mawé durante seus resguardos”, sendo utilizado pelas mulheres no

período menstrual, no pós-parto ou ainda no luto, e, para todos, na festa das Tucandeira.

Ao caracterizar o povo Sateré, Souza (2011, p. 44) destaca que “são originários de uma

vasta área que se encontra entre os rios do baixo Tapajós, no baixo Madeira, delimitado ao norte

pelas ilhas Tupinambarana, no rio Amazonas, ao sul pelas cabeceiras do rio Tapajós”. Seu local

de origem, segundo Batista (2001, p. 35), é “à margem esquerda do rio Tapajós, numa região

sagrada para nossa gente, de densa floresta e cheio de pedras, e, como dizem os velhos, ‘nesse

lugar as pedras falam’”. A alegoria presente nas narrativas nos sugere a animalidade, por um

discurso que se faz entender a personificação do lugar que sugere a origem da humanidade

(MOISÉS, 2002).

Conforme Romano (1982), a migração dos Sateré-Mawé para Manaus tem como

referência a década de 1940, mas por volta 1970 houve uma ebulição étnica na cidade:

“pesquisadores e estudiosos da área indicam que no final da década de 70 e início da década de

80 houve efervescência dessas identidades étnicas na cidade” (SOUZA, 2011, p. 23).

Esse caráter migratório construído estabelece “uma relação na e com a cidade, baseia-

se em categorias diferentes”, segundo Fiori (2018, p. 34), possibilitando mobilidade para uma

fuga dos problemas e conflitos sociais nas Terras Indígenas. Para Santos (2015), as pesquisas

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sobre Sateré-Mawé não definem as causas pelas quais houve o êxodo rural. Essa atitude é

representada na (figura 1) a qual traz um mapa de migração da tribo.

Segundo Canto (2013), no encontro entre povos colonizadores – ingleses, irlandeses,

espanhóis, franceses e portugueses –, houve forçosamente uma aculturação globalizada, de

assimilação e de readequação no modo de viver e dos costumes. Muitos Sateré fugiram, por

não aceitarem a dominação dos europeus, que os exploravam como mão de obra barata, “uma

reação contra o elemento luso” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 42). Para a igreja, eram

considerados pagãos que necessitavam conhecer e adorar a Deus praticando ritos do

catolicismo, provocando uma negação à etnicidade e as práticas ritualísticas ancestrais

(CANTO, 2013).

O desejo de desvendar a Amazônia e seus encantos foram descritos por cronistas. Como

exemplo disso, trazemos a citação de Lorenz (1992, p. 10), a partir de Rodrigues (1882, p. 10),

o qual expressa em primeira pessoa: “quando investigava a natureza do Amazonas, atravessei

a pé por terra, as denominadas terras dos Mauhes, que vão do rio Tapajós ao rio Mauhés assu”.

Explicamos que, nesse trecho, alguns vocábulos apresentam a escrita utilizada na época pelo

cronista.

A cobiça pelas riquezas patrimoniais da etnia sempre atraiu o desenho da ganância, da

exploração da cultura, do extrativismo mineral e animal (NUNES PEREIRA, 2003). Os

colonizadores atravessaram florestas adentro dos mananciais até as distantes cabeceiras dos rios

em busca das especiarias. Assim, os Sateré foram obrigados a se dissiparem para outros lugares,

mantendo memórias e narrativas se firmando e se estabelecendo em outros territórios.

A saída dos nativos das Terras Indígenas para as áreas urbanas de Manaus, figura 1,

aconteceu pela busca da melhoria de vida, visando à saúde e à educação dos filhos, mas

sobretudo para fugir do massacre do explorador, que os chamavam de selvagens, narrados como

fatos da literatura Amazonense pelos cronistas, segundo destacou Mário Ypiranga Monteiro

(1977).

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Figura 1: Mapa de localização dos Sateré-Mawé migrantes para Manaus – Amazonas, Brasil.

Fonte: IBGE (2019); FUNAI (2019). Elaborado por Tomaz Neto, A. G (2019).

Nesse sentido, Bernal (2009, p.160), descreve três motivos, “a busca de possibilidades

de estudos para os filhos, a necessidade de encontrar um trabalho com objetivo de conseguir

melhor renda para a família e o desejo de aproveitar as facilidades, que não existem no interior

[...] uso de dinheiro e aquisição de produtos. Segundo Araújo (2010) brigas entre as lideranças

do grupo étnico é também uma das causas sinalizadas. Já Uggé (1993), enfatizou que os motivos

dos descontentamentos são motivados por bebidas.

Grande parte dessa etnia vive, atualmente, na região do baixo Amazonas e do Tapajós,

região habitada por grande número de povos e culturas, compondo um cenário diversificado

culturalmente. No que se refere à divisão das Terras Indígenas (TI) em áreas delimitadas pela

Fundação Nacional do Índio (FUNAI), essas estão distribuídas em áreas dos rios Andirá, Marau

e Uaicurapá, de acordo com dados de 2020 do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).

As áreas indígenas demarcadas na região conhecida do rio Andirá são formadas por

49 aldeias, habitadas por 6.980 pessoas. Já na região do rio Marau, existem 37 aldeias com uma

população de 7.286 indígenas e, na região do rio Uaicurapá, estão localizadas apenas 4 aldeias,

onde convivem aproximadamente 990 pessoas. Além dessas, 1.807 indígenas da mesma etnia

residem em outros municípios do Estado do Amazonas.

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Contudo, em Terras Indígenas, segundo Teixeira (2005, p. 40), somam-se as três

áreas: Andirá, Marau e Uaicurapá, em um total de 91 aldeias. Atualmente, moram cerca de

17.053 Sateré-Mawé, de acordo com dados do DSEI (2020). Vale destacar que, além dessas

três áreas mencionadas, a FUNAI reconhece uma aldeia de Sateré, na Terra Indígena Koatá-

Laranjal, áreas do povo Munduruku, no Amazonas.

Atualmente, há cinco comunidades oriundas da família Silva localizadas em:

Manaquiri, Nova Olinda do Norte, Rio Preto da Eva, Iranduba e Manaus, essa última com três

comunidades situadas nos bairros Santos Dumont, Compensa II e Tarumã. A consequência da

migração dos Sateré das TI para as áreas urbanas é a desintegração do grupo, conforme acena

Bernal (2009, p. 243): as “primeiras consequências são a redução drástica das relações sociais

[...] neste caso, nas áreas urbanas, isso implica desintegração das sociedades indígenas”.

Nesse contexto, Souza (2011) nos fala do altruísmo feminino e épico da matriarca

Tereza Silva (in memoriam). Essa, após o falecimento do seu esposo Abdon, teve que tomar

duras decisões e deixar as maravilhas da pequena comunidade de Ponta Alegre. Tereza Silva

teve de abdicar do vasto lago do rio Andirá, das águas aniladas e de bravas ondas, do frescor

do orvalho que nutria e umedecia a flor do Ipé, no município de Barreirinha (NASCIMENTO,

2013). Passou então a caminhar por uma trajetória de desafios marcantes para esse povo sabedor

dos rituais da Tucandeira, da pesca, da plantação do guaraná; caçadores e conhecedores da arte

plumária, segundo Nunes Pereira (2003).

Neste estudo, selecionamos duas comunidades I’nhãa-Bé e Sahu-Apé, as quais são

frutos de grandes esforços, dedicação e resistência da Sra. Tereza Silva e de seus filhos. Nossa

escolha se deu por essas comunidades apresentarem relativas potencialidades para

desenvolverem atividades turísticas no entorno de Manaus, a partir de uma ação coletiva e

comunitária, que para Max Weber (2009, p. 25), os objetivos e as semelhança comunitária

“repousa sobre o sentimento e a dimensão subjetiva dos participantes de pertencer (afetiva e

tradicionalmente) ao mesmo tempo”.

Destacamos que o termo aldeia é usado para espaços de origem nativa e geralmente

usado em terras protegidas e demarcadas pela FUNAI. No entanto, no caso das comunidades

deste estudo, lembramos que essas não pertencem à abrangência de terras homologadas pelo

referido órgão, porém, o sentimento de pertencimento das Terras Indígenas permanece

fortemente.

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A comunidade I’nhãa-Bé, que na língua Sateré - Mawé significa chocalho, foi fundada

no ano dois mil pelo casal Zeila da Silva (in memoriam) e Benedito Carvalho, segundo Araújo

(2010). Atualmente, é chefiada pelo tuxaua (tui’as), único filho homem, o senhor Pedro da Silva

Ramãw, cuja família é constituída pela senhora Irá Ticuna, sua esposa, e mais três filhos

adolescentes: Purêmanã (16 anos), que na língua Sateré-Mawé significa (peito de gavião), Y’y

(12 anos, cujo significado do nome é água) e Ramãw (10 anos, tendo o nome traduzido como

conselheiro). Os nomes fazem referências aos elementos da natureza ou a animais. Uggé (1993,

s/p) explica que “o indivíduo, ao nascer, recebe um nome relacionado a um animal, que pertence

ao clã do pai e que representa a própria família”. Os filhos do casal trilham pelos mesmos ideais

da ancestralidade, participando das atividades no preparo do roçado, no cultivo do guaraná, no

uso do waraná, na participação de rituais de passagem, na produção de artesanato, nos

momentos de escuta das narrativas indígenas, dentre outras práticas da etnia.

A paisagem do local é exuberante, com árvores frutíferas, com grande fartura de

alimentos da pesca, plantação e caça. Local de muita paz, onde a vida apressada não encontra

lugar. Nas palavras de Deleuze (2012, p. 87): “no passado o tempo era a estrutura do espírito”.

O homem tem tempo para apreciar a natureza, interagindo com o ambiente, junto a um

sentimento harmonioso com a Mãe Natureza, constituindo um todo (MORIN, 2014). O coaxar

dos sapos, o cantar dos pássaros, o boto na ponte, o esturro da onça, o gruído do jacaré

estabelecem uma hierarquia sinfônica no ato de cantar. Quando o sol se levanta é hora de

trabalhar no roçado e realizar as atividades diárias que cada membro executa dia após dia.

Porém, o sábado é guardado para o dia do Senhor, com a finalidade de louvar a Deus, seguindo

a denominação Cristã - Adventista do 7º dia. Nesse dia de oração híbrida, as crianças cantam

nas línguas Sateré-Mawé, Ticuna e em português.

Para entrar na comunidade, devemos pedir permissão ao tuxaua, pois se trata de uma

área pertencente a este povo, território de respeito, um local no meio da floresta, rodeado pelas

águas escuras do rio Tarumã-Açu, que desemboca na entrada do igarapé Tiú. Para se chegar à

comunidade I’nhãa-Bé, o trajeto começa pelo centro de Manaus e vai até a margem do rio

Tarumã-açu, via automóvel, em aproximadamente, uma hora de viagem. Em seguida, pega-se

uma pequena embarcação e, em 20 minutos, é possível navegar pelo igarapé até a comunidade,

conforme demonstrado na figura 2.

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Figura 2: Imagem do mapa de localização da Comunidade I’nhãa-Bé.

Fonte: Elaborado por NETO (2020).

Para mostrar melhor o espaço da comunidade elaboramos um croqui, segundo a figura

abaixo sobre a organização tribal: trilha da Tucandeira, barracão cultural, campo de futebol,

casas de dormida, casas da farinha, casa de materiais, cozinha comunitária, escola, roça e igreja.

Para melhor compreender o espaço da comunidade I’nhãa-Bé, apresentamos a figura 3.

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Figura 3: Croqui da Comunidade I’nhãa-Bé.

Fonte: CARVALHO, J. M.; NETO, A. (2019).

Assim, também, nesses espaços são realizadas as atividades de saúde, educação,

visitação, ato religioso e atividades da tradição cultural. Dentre essas, no barracão cultural,

acontece o ritual de passagem, denominado Ritual da Tucandeira, que acontece nos meses de

abril e agosto, em referências ao Dia Nacional do Índio e ao aniversário da comunidade,

respectivamente. Conforme o tuxaua “tradicionalmente, é no mês de novembro que se faz o

ritual, período em que as Tucandeiras são mais fáceis de capturar.

Quanto à educação dos filhos no bilinguismo, tanto o pai, o tuxaua, quanto a mãe, Irá

Ticuna, são professores da comunidade, contratados pela Secretaria Municipal de Educação

(SEMED – Manaus). Em seus contraturnos, ambos aperfeiçoam as línguas Sateré-Mawé,

Ticuna, Português e Inglês, além do coral Kui’á (cuia), das crianças, nas respectivas línguas.

Em entrevista a senhora Irá Ticuna relatou que “pela música relembramos nossos antepassados,

e é um prazer levar nossos cantos musicais aos turistas”.

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Para os pais, “a língua estrangeira facilita o entendimento de turistas falantes do inglês,

no período da visitação, e assim as crianças apreendem e interagem”. A comunidade promove

a interculturalidade no ambiente familiar, como meio de comunicação em um momento híbrido.

Na saga pelas matas da Floresta Amazônica, com a bravura da senhora Zeila (in

memoriam), filha de dona Tereza Silva, foi a mentora da comunidade I’nhãa-Bé. Mãe de seis

filhos, Kutera, como era conhecida, tinha a preocupação com a educação, saúde e trabalho para

os filhos, sendo um exemplo de mãe dedicada, fiel ao seu povo e a sua família. Visando proteger

seus entes queridos, se viu obrigada a migrar para o município de Manaus, procurando melhores

condições para sua família (BERNAL, 2009).

Conforme relatos do seu filho Pedro Ramãw, atual tuxaua da comunidade, dos seis

filhos, uns residem nas terras indígenas e outros estão alocados em Parintins, Barreirinha e

Manaus, mas permanecem unidos pelos laços da tradição do povo deixados pela matriarca.

“São bons exemplos que a mamãe Zeila Silva Vieira nos deixou”, assim descreveu o tuxaua;

“todas as noites a mamãe nos contava as mais belas histórias dos nossos avós e assim eu faço

com meus filhos”.

Essa é uma das razões pela qual, atualmente, o chefe político Pedro Ramãw se reafirma

e revive toda a tradição com as novas gerações. A raiz familiar é a referência para tuxaua,

conforme figura a seguir. Para resgatar essa memória descrita pelo tuxaua, elaboramos a raiz

familiar, da formação política e social da comunidade I’nhãa-Bé, conforme figura 4, a seguir.

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Figura 4: Formação política e social da comunidade I'nhãa-Bé.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

A comunidade I’nhãa-Bé também agrega outros povos que residem às margens do rio

Tarumã-Açu e em toda atividade turística os comunitários participam, sendo que parte da

arrecadação é distribuída entre os participantes e a outra é revertida para o fortalecimento das

culturas e organização do espaço. A comunidade é um ponto de referência para atendimento à

saúde, que compreende serviços odontológicos, consulta médicas com especialistas,

distribuição de medicamentos, cestas básicas e espaço para reuniões, assembleias, bem como

atendimento com o pajé, o qual utiliza plantas medicinais, defumações com breu, ervas e

preparo de medicamentos da medicina tradicional.

No que diz respeito à comunidade Sahu-Apé, que na língua Sateré-Mawé significa “casa

do tatu”, localizada na Estrada AM-070 (Iranduba/Manacapuru), Km 37, área metropolitana de

Manaus, conforme Sousa (2013). Observamos que essa demonstra grande potencial para o

turismo étnico, na promoção da diversidade e da identidade cultural dos comunitários

(CARVALHO; SANTOS, 2019). Pela sua localização, em área verde e pela logística de acesso

como mostra a figura abaixo.

Essa comunidade já recebeu importantes personalidades, como atores, atrizes,

pesquisadores nacionais e internacionais. Sahu-Apé concentra um número expressivo de

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famílias, participando de eventos culturais, apoiado por órgãos voltados ao turismo em Manaus

(VILÁCIO et al., 2019).

A saga traçada pelos membros indígenas para a conquista de terras nesse local foi

marcada por conflitos entre o poder público e as comunidades do entorno, resultando até em

prisões, foram dias tensos, segundo Nascimento (2013). Para o professor João Silva, Sateré-

Mawé “essas terras foram doadas pela prefeitura do município de Manacapuru, onde era um

local de mata fechada, foi um processo longo para a aquisição (2020)”.

Os líderes da comunidade não têm fonte de renda fixa. Eles vivem do turismo étnico.

Conforme destacou Nascimento (2010, p. 82), “os moradores do Sahu-Apé se concentram no

atendimento aos clientes”. Constantemente, a comunidade recebe turistas tanto de Manaus

como também de pousadas e de hotéis do entorno da comunidade. Por estar localizada numa

área metropolitana de Manaus, figura 5, o acesso é bem simples, com ruas asfaltadas, água

filtrada e iluminação adequada, facilitando a imersão dos turistas e visitantes que chegam à

capital Amazonense e participam de atividades memoráveis.

Figura 5: Mapa da localização da comunidade Sahu-Apé.

Fonte: MAGALHÃES, MAGNUS (2020).

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Em 2019, por meio de um trabalho extensionista da Universidade do Estado do

Amazonas, foi possível elaborar o croqui junto com os comunitários sobre a organização e

distribuição dos espaços disponíveis na comunidade (VILÁCIO et al., 2019). A professora

Zelinda da Silva Freitas Neta (2019), em suas narrativas na língua Sateré-Mawé Kian, destaca:

“nossa organização das tarefas e distribuição na comunidade foi pensada pela vovó Baku, cada

localização foi pensada por ela”, que se firmou nesse território, conforme figura 6.

Figura 6: Croqui dos espaços da Comunidade Sahu-Apé

Fonte: VILÁCIO et al., (2019).

O território construído ao logo das vivências históricas da comunidade estabelece um

vínculo afetivo com o lugar. “O território é um produto socialmente produzido, um resultado

histórico da relação de um grupo humano com o espaço que o abriga” (MORAES, 2000, p. 17).

Ao longo do tempo, a comunidade foi se reorganizado para atrair o turista. “Eles querem

conhecer o barracão, a escola e a farmácia” (JOÃO SILVA, 2019). Os comunitários se mantêm

da venda dos artesanatos e de visitas turísticas, sem o apoio de organização ou do governo do

estado.

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Na Saúde, recebem auxílio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), herdeiros

da senhora Zelinda Silva, sendo os filhos: João, Mizael, Midian, Ismael, Luciane e Lucemir,

residentes no mesmo local. Esses formam um grande clã, vivendo de atividades turísticas, tendo

como base central o Ritual da Tucandeira, o artesanato, a plantação de ervas medicinais e a

farmácia tradicional denominada de kunã.

Quanto à Casa da Tupana, os relatos do pajé senhor Ismael da Silva Freitas (Sahu)

informam que “o local desta terra tem uma terra boa, tudo que se planta nasce. Toda matéria

prima usada nos remédios, tem na aldeia, como mangarataia, ervas, mel de abelha e essências”.

A Casa de Tupana chama atenção pelo ato da cura física e espiritual. É um local sagrado onde

só adentra aquele que tiver permissão do tuxaua e do pajé. A líder tuxaua senhora Midian Freitas

reforçou que o “turista vem em busca da cura. Às vezes o turista nem está doente, mas vem em

busca da paz. Vem em busca de conversar com o pajé”.

Na memória narrativa de João da Silva (2020), “o turismo acontece na comunidade

desde o ano 1990, onde nós fazíamos anel de tucumã para vender na Universidades Federal do

Amazonas (UFAM) e universidades particulares de Manaus, então vem de muitos anos”. Ele

relembra um tempo memorável dentro da comunidade, lamentando o declínio por falta de

incentivos. Atualmente, segundo o João “houve uma queda nas atividades turísticas.

Para Vilácio et al. (2019), de forma harmoniosa, coletiva e compartilhada, a liderança

na comunidade é atualmente exercida pela Tuxaua Midian Silva (Pyan), que assumiu após o

falecimento de sua mãe, a senhora matriarca Zelinda (Baku). Segundo Nascimento (2015),

Zelinda por muitos anos foi reconhecida como a primeira Tuxaua mulher, do povo Sateré-Mawé

à frente da organização política da comunidade Sahu-Apé. Cabe ao tuxaua incumbir as tarefas

aos demais líderes, assim como aos professores, ao pajé (Sahu) – líder espiritual – e aos grupos

de jovens guerreiros (merins).

A parte cultural é transmitida pela senhora Midian Silva, que assumiu o papel de tuxaua.

Ela tem a função de transmitir os saberes sobre mito, ritos, e do espaço sagrado (nosoken). João

destacou que as crianças e jovens são ensinadas a caçar e a pescar. Segundo a tuxaua, o senhor

Moi, que é o pai avô, também ensina as tarefas de sobrevivência aos mais jovens.

As mulheres exercem funções de lideranças dentro da comunidade. Depois que as irmãs

deixaram de ser empregadas domésticas, elas se dedicaram ao artesanato que produzem para

atender o mercado turístico no Estado do Amazonas, garantindo o sustento da famíla

(ARAÚJO, 2010).

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Destacamos que, na época das vivências em Terras Indígenas, a proteção das tribos era

de responsabilidade do Estado, por meio do Serviço Público de Proteção ao Índio (SPI). O

órgão constantemente registrava conflitos entre colonos e indígenas, por vários motivos, dentre

eles a invasão das terras e o desmatamento. Tais atitudes feriam os princípios da legislação, que

tinha como um dos objetivos integrar o indígena à sociedade. O descumprimento desse objetivo,

por sua vez, suprimiu o SPI em 1967 (BERNAL, 2005). Atualmente, o órgão responsável é a

Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Foi nesse contexto de conflitos e indecisões, carregada de incertezas, medo de criar os

filhos, diante das doenças que apareceram sem cura, sem vacinas para o índio, que a senhora

Tereza Silva enfrentou os desafios. A líder se apegava no Ritual da Tucandeira, realizado com

as picadas das formigas que, segundo suas crenças, funcionam como uma espécie de vacina,

Sateré-Mawé, conforme destacou Pedro Ramãw Silva, neto da senhora Tereza. Foi em meio a

essa luta que a guerreira deixou seu território, alterando suas raízes, as memórias da fase de

criança, migrando com seus oito filhos, sendo sete mulheres e um homem, ainda menores de

idade, para Manaus.

Conforme os relatos do professor João Silva, “a cultura é passada para as crianças, logo

pela manhã, ainda na mesa do café. Na escola, é repassado os conhecimentos da tradição

cultural pelas professoras formadas em história e em pedagogia”. As crianças são estimuladas

a praticarem rituais diários como caçar, pescar, cuidar da floresta e dos animais. João Silva, nos

revelou cada detalhe da comunidade. “O caçador chamado de Mokeu faz armadilhas

tradicional, mas também usa espingarda. Caça paca, tatu, porco do mato e pássaros para

alimentos”. Na comunidade residem 35 pessoas, sendo 19 crianças e adolescentes, na faixa

etária de 01 mês até 13 anos de idade, formando o grupo familiar da senhora Baku, conforme

figura 7.

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Figura 7: Família Sahu-Apé.

Fonte: CARVALHO J.M. (2020).

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Segundo Pierre Nora (1993, p. 3), “a memória é vida [...] está em permanente evolução,

aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações

sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações [...]”. Assim, as narrativas dos membros

da família sempre se voltam ao passado vividos em Terras indígenas, como afirma o tuxaua

Pedro (2020): “sou índio em qualquer lugar, vivo minhas tradições, comemos peixes assado na

bananeira, banana assada, milho assado, macaxeira”. Essas memórias narradas se transformam

em histórias, permanecendo vivas na tradição.

Os desafios enfrentados pelo povo Sateré-Mawé nas Terras Indígenas ainda hoje

existem. Notamos a luta pelo espaço, a frente contra a intolerância, mantendo sua integridade

física, moral, intelectual, buscando o respeito à singularidade, sua alteridade, o seu modo de

vida. No Estado do Amazonas, essa resistência na sociedade é mantida por 29.506 populações

indígenas, em 35 etnias, num total de 253 Comunidades (DSEI, 2020).

Por outro lado, corroboramos a sustentação de suas práticas ritualísticas, como forma

de internalizar a tradição sociocultural, imersas na sua forma de ser o verdadeiro Sateré,

guerreiros da floresta, com sentimentos, desejos, sonhos e aspirações de forma simbólica, que

se afirmam nos rituais, sobretudo no Ritual da Tucandeira (ALVAREZ, 2009).

Acerca disso, diversos autores destacam variadas formas de comunicação nos rituais.

Para Leach (1995), o ritual não é um tipo de ação e sim qualquer tipo de ação rotinada.

Fundamentados em Turner (2005), Leach (1995) e Saraceni (2013), observamos que todo ritual

traz um elemento principal e representativo, que pode ser humano ou animal, como sapos,

morcegos, vespas, abelhas, vacas, dentre outros.

A magia histórica impregnada nas narrativas enigmáticas dos Sateré-Mawé acena para

a origem do Noçoquem, morada dos heróis míticos do povo. Nas descrições de Nunes Pereira

(2003, p. 22), que viveu com esse povo na década de 1939, consta o lugar de paisagem

exuberante, “pitoresca e opulentas da Amazônia brasileira, sendo a representação panteísta do

Noçoquem”, local onde estão reunidas todas as plantas e animais úteis aos povos, delineado na

lenda do Guaraná. Essa população foi destaque em várias narrativas dos cronistas e viajantes,

“é correndo as ribeiras do Tapajós de parte do leste, fazendo da última cabeceira, viagem de um

dia, se chega ao sítio em que pela terra a dentro se acha já a nação Magues” (NUNES PEREIRA,

2003, p. 24). O interesse dos viajantes era realizar trocas e venda das especiarias. A senhora

Maria Silva (2019) narrou que “muitos comerciantes entravam no rio Andirá em embarcações

conhecidas de regatão”.

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70

Assim, a figura representativa, protagonista, no caso específico da etnia Sateré-Mawé,

é a formiga Tucandeira. Com a força da vibrante formiga e a proteção do deus Tupana, o ritual

com as formigas têm atraído turistas para a comunidade. Assim, a família Silva, com a aura da

mitologia e da floresta mantiveram o sustento de suas famílias. Mitologia que, segundo Barthes

(1999, p. 131), “comanda a vida e a morte da linguagem mítica” e é tão singular.

Essas mulheres, em Manaus, passaram por dias cinzentos, percorreram muitos bairros,

sem profissão, tiveram que trabalhar como empregadas domésticas e muitas vezes foram

humilhadas, conforme relato da neta Midian Silva, atual tuxaua (2020). Sem deixar a tradição

cultural, foram reconhecidas e convidadas a participarem de atividades turísticas do hotel Ariaú,

segundo destacou Nascimento (2013). Foi a oportunidade do empoderamento da senhora

Tereza Silva e das sete filhas de se reafirmarem na epopeia, na saga dos rios e canoas para a

migração em espaços urbanos, no Estado do Amazonas.

Nas narrativas memoráveis do professor João Silva, destacou que desde “1998 entramos

em parcerias com o hotel Ariaú, e realizamos um projeto na Fundação Estadual dos Povos

Indígenas FEPI, hoje é a Fundação Estadual do índio, FEI, em que tivemos a visão da

importância do turismo na comunidade, na valorização da nossa cultura e com o fechamento

do hotel, nosso trabalho ficou prejudicado”. Para Gastal (2018) cultura dialoga com o turismo

pelo viés da intertextualidade, nesse intercruzamento, necessário para novos tempos, em que o

turista almeja conhecer e vivenciar experiências de vida.

Ao longo desses mais de cinquenta anos em Manaus, seus filhos constituíram famílias

e atualmente vivem tanto na capital do Amazonas, quanto em outros municípios próximos. Na

capital, a família de Dona Tereza está organizada em pequenos grupos que moram em diferentes

bairros da área metropolitana.

Com base em tudo que vimos até aqui, destacamos que a relação homem e natureza é

bem marcante, pois afirma o modo de pensar e de se relacionar com a terra, com os elementos

da floresta, com os animais e com linhagens na ancestralidade, em que não há distinção entre a

natureza e o ser humano, sem interferir na vida dos que vivem na cidade.

Destacamos ainda o trecho da Carta Aberta, da V Marcha dos Povos Indígenas do

Amazonas, datada em dezembro de 2019, que enfatiza a necessidade dos que residem na cidade.

O fragmento é este: “que os parentes que vivem na cidade têm o direito à vida e moradia dignas

e a políticas públicas específicas e diferenciadas” (FOREIA, 2019). Assim, o que as lideranças

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71

indígenas buscam é a criação e permanência de políticas públicas e garantir a subsitência das

famílias indígenas que residem nas àres urbanas e metropolitanas de Manaus.

1.2. O povo Sámi e sua construção histórica como povo indígena do Ártico.

Neste item voltaremos nosso olhar para o povo Sámi do Ártico, um povo que tem

resistido ao contexto histórico pela determinação e reafirmação da tradição cultural, como

fortalecimento e reconhecimento dos seus direitos (DORSCH, 2017). Sabemos que a Noruega,

historicamente, envolve uma carga cultural iconográfica que nos revela a saga dos povos do

Ártico, conhecidos pela bravura em navegar lugares desconhecidos, em embarcações próprias,

com vasto conhecimento marítimo e de hábitos diversificados, como pastorear renas, trabalhar

na agricultura e produzir artesanatos manuais. Dessa maneira, segundo Langer (2017, p. 11),

“a diversidade escandinava é baseada na diferença entre grupos de cada região, classificados

como cultura nova ou antiga, estritamente relacionadas à formação das identidades nacionais

durante o século XIX”. Nesse contexto, os povos nórdicos do Norte são uma denominação

decorrente da historicidade, que incluem o povo Sámi, conhecidos como povo do Ártico.

Percebemos a diversidade a partir da capital da Noruega, Oslo. Durante o campo

etnográfico, ao chegar no país norueguês, observamos um povo que tem orgulho da cultura

expressa nos roteiros, conforme anexo A. Nos locais visitados, ainda nos aeroportos,

identificamos sempre a presença de algum elemento que remetesse à cultura do povo Ártico, a

exemplo o canto yoiks nas salas de espera. Já no solo de pesquisa, em Tromsø, nos deparamos

com o emprego constante da língua Sámi, língua cooficial do país. Isso reforça que a cultura

apresenta uma intertextualidade com o turismo, como um fenômeno social presente de forma

planejada em diversos cenários. As narrativas e feitos heroicos do povo também são visíveis

nas leituras dos viajantes daquela época (APOSTOLOS TSIOUVALAS, 2020).

Os feitos heroicos dos Sámi foram divididos em narrativas que falam das crenças e dos

fatos históricos. Nas narrativas ligadas à mitologia, são descritos os seres sobrenaturais da

animalidade, que surgem para vivenciar e alegrar o povo ou para amedrontar ou difamar de

modo bem pejorativo, fazendo atribuições ao não cristão. “Contam sobre os seres que vivem

no mar ou que pastoreiam as suas renas no subsolo, dependendo a sorte e o azar dos humanos

da sua capacidade de compreender e interpretar os fenômenos enfrentados, a realidade e a

natureza circundantes” (ALVES, 2011, p. 30).

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Nos fatos históricos estão presentes os conhecimentos concretos nos quais são descritas

as origens das cidades, mostrando o percurso até o reconhecimento, considerado o único povo

indígena da Noruega. Sendo assim, a partir da ancestralidade, o teor das narrativas tem a função

do mito, refletindo a visão de mundo e a compreensão das leis que no decorrer do tempo

poderão estar aliadas com os fatos históricos (LÉVI-STRAUSS, 2014).

O termo “povos nórdicos” está relacionado às “questões geográficas, as quais englobam

os antigos habitantes da Islândia, da Noruega, da Suécia, da Dinamarca, da Alemanha, da

Holanda e das Ilhas de Orkney, Shetland e Faroé” (FAUR, 2014, p. 30). Nessa diversidade

geográfica havia a troca de saberes culturais na qual os guerreiros vikings ousavam partir para

longe de sua pátria, em realização comercial, socializando os costumes, crenças, mitos (FAUR,

2014). Assim, a Era Viking passou por dois séculos de invasões na Europa e diminuíram após

a adoção do cristianismo pelo rei Olav Tryggvson em 994, d.C (ALVES, 2018).

A Noruega é um país que tem uma população de 5.372.191 (cinco milhões, trezentos e

setenta e dois mil e cento e noventa e um habitantes), conforme dados do censo de Inteligência

dos Estados Unidos (2018). De características peculiares do Norte do Ártico, é um país

diversificado com marcas históricas. Dentre as comunidades norueguesas, Tromsø é uma

cidade ao Norte da Noruega, de poucos mais de 76 mil habitantes, onde a cultura do povo Sámi

é respeitada e garantida por legislação própria.

Nosso percurso se inicia ao atravessar os mares e buscar as vivências culturais do Ártico,

no campo do turismo étnico. Essa foi sem dúvida a melhor maneira de compreender essa

relação, partindo de sua cosmologia, isto é, voltando-nos “às ideias, aos hábitos, às práticas

ritualísticas e aos sonhos de uma sociedade” (BOFF, 2016, p. 17).

O encantamento em estudar o povo Sámi do Norte da Noruega, em Tromsø, se deu pelo

fato de este ser um dos povos indígenas com história bimilenária e ter resistido a inúmeros

ataques e discriminação pela cosmovisão vivida. Detentores de rituais, embora muitos não mais

utilizados, esse povo tem buscado ressignificar a tradição cultural em diálogo com o governo

norueguês, principalmente após a década de 1980 (HOFFMANN, 2011).

Os Sámi, politicamente, têm seu próprio Parlamento e, na legislação, foram assegurados

os variados signos que marcam a identidade do povo no país. Dentre esses estão a bandeira, a

legislação, a língua, sendo reconhecidos em placas sinalizadoras nas ruas das cidades e noutros

espaços de destaque. Em nossos estudos, percebemos que o Parlamento Sámi, regido pela lei

do mesmo povo, tem poder político junto aos setores governamentais (ALVES, 2011).

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73

Atualmente, o Parlamento Sámi estabelece um diálogo harmônico com o governo

Norueguês, na garantia e valorização da tradição cultural (DORSCH, 2017). Destacamos que,

no Brasil, segundo o senhor Bengtson, Kristian, coordenador da Embaixada dos povos da

Noruega, em entrevista, “o fortalecimento dos diálogos entre as instituições e Sámi são sadias

e promovem a sustentabilidade”. São esses os conhecimentos pelos quais o turista que visita à

cidade de Tromsø se sente atraído e manifesta o desejo de conhecer a cultura do povo Sámi do

Ártico.

Na literatura, as origens dos Sámi foram descritas no ano 98, d.C., conforme relata

Dorsch (2017, p. 24).

A primeira vez que um cenário de origens Sámi foi apresentado em fontes literárias

foi pelo romano Publius Cornelius Tacitus, na obra “Germania”, escrita em 98 anno

domini, tornando-se na primeira obra etnográfica sobre as chamadas, tribos bárbaras,

fora do Império Romano (UNRV History, 2003), com um especial foco na localização

geográfica, a afiliação étnico-linguística e os modelos tecnológicos utilizados.

Segundo Alves (2011, p. 27), esses povos foram definidos por J. Martinez no Estudo do

Problema da Discriminação Contra as Populações Indígenas, de 1984, da seguinte maneira:

Tendo uma continuidade histórica com as sociedades anteriores à invasão e

colonização que se desenvolveram em seus territórios, consideram-se diferentes de

outros sectores das sociedades que agora prevalecem nesses territórios, ou em partes

deles. Sectores não dominantes da sociedade e têm a determinação de preservar,

desenvolver e transmitir a futuras gerações, seus territórios ancestrais e sua identidade

étnica, como base da sua existência continuada como povo, de acordo com os seus

próprios padrões culturais, suas instituições sociais e seus sistemas legais.

De acordo com Dorsch (2017), a herança cultural permanece viva, mesmo passando por

fortes preconceitos, conforme crônicas narradas descritas por viajantes, no período de XII, XIII,

XIV e XV. No século XIX e XX, a identidade Sámi teve reconhecimento com crescimento

expressivo dentro do olhar dos governantes noruegueses, caminhando para uma emancipação

cultural.

Já no início do século XX, deu-se início às primeiras pesquisas genéticas sobre o povo

Sámi, desvelando estudos que, no auge de 1990 até 2003, chegaram a achados genéticos que

“determinaram a sequência hereditária de organismos codificados no ADN humano, com o

intuito de identificar o genótipo do genoma humano e mapear um mosaico de sequências de

cromossomas” (DORSCH, 2017, p. 27). Foram períodos tensos, desafiadores, pois a

exploração, as guerras e a navegação marítima fizeram com que os Sámi perdessem parte do

legado cultural. Fato esse sinalizado por Alves (2011, p. 32), que deu destaque à sociedade

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moderna, a qual nos anos após Segunda Guerra Mundial colocou toda a cultura Sámi perante

vários desafios.

Quanto aos dados étnicos noruegueses, esses apresentam um percentual de 83,2%, que

inclui cerca de 60.000 (sessenta mil) Sámi no país, conforme base de dados da Central de

Intelligence Agency, publicados no portal de notícias via web, em 2018. São considerados

habitantes nômades que vivem nos cinco condados mais ao norte do país, acima do Círculo

Polar Ártico. Eles vivem nos quatro países denominados de Sa'pmi, destacou Robert Pettersson

(2001). Conforme dados do Parlamento Sámi em Tromsø (2017), há no município 842 pessoas

Sámi (TODAL, 2018), essas vivem do comércio, do turismo e principalmente de pastoreio.

Os topônimos usados para designar o povo Sámi aparecem por outros etnônimos, tais

como: Saami, sáami e Sámi. Para Valtonen (2017, p. 53), esses termos estão relacionados à

região, especificamente, onde são empregados pela ecolinguística, levando em consideração a

origem, a evolução e o empréstimo das línguas.

Quanto ao idioma, os Sámi falam dez línguas distintas, com variantes linguisticas,

pertencentes a um grupo linguístico raro no qual se encontram o finlandês e o húngaro “do ramo

fino-úgrica da família Uralic” (LEHTOLA, 2005, p. 10-11). Das dez línguas faladas pelos Sámi,

seis possuem sua própria norma escrita, ancorada nas leis do Parlamento Sámi, que é um tipo

de organização política do povo, divididos em dialetos regionais e são reconhecidos como um

povo indígena na Noruega (KAHN; VALIJÄRVI, 2017). Eles formam um grupo étnico nativo

da Lapônia, abrangendo as regiões setentrionais daquele país, além da Suécia e Dinamarca

(GRAHAM-CAMPBELL, 2006). Apesar das diferenças geográficas, climáticas, linguísticas e

culturais, eles têm a mesma origem e compartilham os saberes de tradição cultural semelhantes,

de acordo com Faur (2014).

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

(Unesco, 2013), os seis grupos falantes da língua Sámi estão em situação de perigo, devido aos

fatos associados ao passado histórico do povo. A denominação desses grupos e a quantidade de

falantes é disposta da seguinte maneira: a) Skolt Sámi, com 300; b) North Sámi, com 30.000;

c) Lule Sámi, com 2.000; d) Piter Sámi, com 50; e) Umi Sámi, com 20 e f) Sámi do Sul, com

500 falantes. Esses dados foram apresentados no atlas de 2013 da Unesco, divulgado pela

Universidade de Tromsø, em 2018.

Sobre o Sámi North, os dados da Unesco mostram que, “neste período de 2013, havia

30 mil falantes, sem especificar as cidades” (2018, p. 89). No entanto, na cidade de Tromsø, de

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acordo com dados do Parlamento Sámi de 2017, o número de eleitores identificados foi de

1.404 pessoas, sendo que desses, apenas 842 votaram na última eleição. De acordo com Dorsch

(2017, p. 47), “os Sámi são representados na Assembleia Parlamentar na Noruega, na Finlândia

e na Suécia e, embora percebidos como órgãos, governam a autonomia Sámi”, no que tange às

políticas sobre educação, cultura, língua e ao estatuto indígena.

Um povo de origem indo-europeia que, na sua diversidade, apresenta diferenças

linguísticas e culturais, porém, também apresentam e compartilham mitos, crenças, costumes

folclóricos e conceitos religiosos semelhantes a outros povos. “À medida que os guerreiros

vikings se aventuravam para longe de sua pátria, em busca de comércio, conquistas e pirataria,

eles também levavam consigo, crenças, mitos e costumes” (FAUR, 2014, p. 629).

O povo Sámi, apesar de muito antigo, é “pouco estudado, praticamente desconhecido.

Eles habitam o Norte da Escandinávia, da Noruega, Finlândia e a Península Kola, com

parentesco com Finlandeses, os samoiedos e as tribos siberianas” (FAUR, 2014, p. 567). No

Brasil, os estudos realizados em relação aos Sámi são incipientes, quando comparados com

produções de povos ameríndios. Por essa razão, nosso estudo se debruça sobre esse povo que

habita a Noruega/ Tromsø, tendo a cidade de Oslo, capital do país, como referência. Essa

localização pode ser vista na figura a seguir.

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Figura 8: Mapa da localização da Capital da Noruega e a cidade de Tromsø.

Fonte: TOMAZ NETO, A. G.; CARVALHO J. M. (2019).

De grande mobilidade dentro do mesmo país, a procura por melhores condições de vida,

principalmente por subsistência, é um dos fatores que Dorsch (2017) assinala. Além disso, as

constantes deslocações podem estar relacionadas à mobilidade dos animais que servem como

caça, ou ainda pelas buscas de plantas e frutos ou escolha de um local de proteção das condições

climáticas ou dos predadores.

No período de verão e outono, períodos mais quentes, as renas são deslocadas para

regiões montanhosas, onde fazem o pasto e junto delas os senhores Sámi fazem a companhia.

Em cada estação do ano, segundo Faur (2014, p. 2.151), ocorre o processo de ritual de “semear,

plantar e colher”; são signos expressos por meio dos artesanatos, dos cantos que marcam a

cosmovisão mítica que funcionam como difusor, movendo e alimentando o espírito Sámi,

ilustrado aqui pela figura 9.

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Figura 9: Calendário anual: estações do ano.

Fonte: CARVALHO, Joelma M. (2019).

Assim, a complexidade do fenômeno não se configura somente por questões

econômicas da cidade, mas também pela afirmação identitária que marca o Sámi, reforçando a

etnicidade. Já os distintivos remetem desde a origem histórica deste povo até os dias atuais, que

nos permitem apreender não apenas os produtos cristalizados ou convencionais, mas também,

a composição semiótica (MELLO, 2019). Os elementos que marcam a identidade do povo Sámi

estão relacionados com a cosmovisão dos elementos água e Terra e do elemento cósmico

gerador de sentido, de acordo mútuo com as forças da natureza (FAUR, 2014).

Dialogando com Munch (1926), numerosos mitos surgiram e estão relacionados aos

espíritos que sofreram expulsão por meio de cânticos, orações ou água benta dos sacerdotes

religiosos, e, por este motivo, abandonaram forçosamente suas moradas em pedras ou nos

montes. No passado, os Sámi eram ridicularizados ou acusados de serem supersticiosos por

acreditarem em deuses e xamãs. “Dessa história muita coisa se perdeu e ficou ofuscada e muitos

jovens não sabem disso e não entendem sua própria cultura quando se trata do xamanismo”,

lamentou a senhora Unni Lundstedt (2019).

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São muito presentes as lembranças do passado, memórias deixadas pelos ancestrais,

entre os Sámi, conforme destacou Faur (2015, p. 63): “para criar uma sintonia com a antiga

tradição, o ritual de iniciação deve ser ao ar livre”. Desse modo, os símbolos se apresentam em

cada ato, carregado de metáfora, e um simples andar pela beira do mar é como renascer num

momento do passado.

As práticas ritualísticas se estabelecem por meio de pessoas, objetos e locais, de forma

organizada e dinâmica, “criando danças, cantos, músicas entre outros métodos para garantir a

conexão entre o homem e o sagrado” (AYOUB, 2015, p. 408). Também os rituais ocorriam em

locais naturais como as margens do rio, colinas, campos, ou outros locais (AYOUB, 2013).

Dentro desse contexto, destacamos o compartilhamento da senhora Sámi Trine Marit (2019),

esposa do líder xamã, que mostrou com orgulho, uma pequena embarcação de madeira, usado

em ritual da pesca, conforme figura 10.

Figura 10: Embarcação Sámi.

Fonte: Museu Tromsø (UIT), acervo fotográfico, CARVALHO J. M. (2019)

A embarcação representada na (figura 10), se destaca na tradição desse povo. Ela faz

referência aos antepassados e é usada nas noites e dias de pescarias, assim destacou Faur (2014,

p. 55). Nesse sentido, “a presença constante de barcos mostra a importância do mar, tanto como

fonte permanente de alimento, quanto como meio de transporte e intercâmbio comercial”

(ASAD, 2011, p. 265), ou seja, que todo saber histórico marca um povo por meio de símbolos,

que “traz uma concepção e significância intelectual, instrumental e emocional” (ASAD, 2011,

p. 265).

Em relação aos elementos da natureza, a senhora Sámi Trine Marit (2019), de forma

ritualística, retirou das margens do mar uma pedra gelada e toda amarelada de sal. Em um ritual

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de acolhida, ao receber a pedra, ela estabelecia a sintonia com o povo. Aqui, lanço mão de um

tom ainda mais intimista para afirmar que, ao pegar na pedra, inspirei-me e tão logo retornei ao

mar como agradecimento pelo momento que estávamos vivendo.

Para Apóstolos Tsiouvalas (2020, p. 73) “as narrativas indígenas, o uso de

conhecimentos e crenças espirituais, na tentativa para prevenir incidências iminentes as quais

podem ser encontradas em várias outras formas de literatura oral”. Em forma de gratidão, a

senhora Sámi presenteou-me com outras pedras e conchinhas do mar pois, segundo ela, “os

elementos do mar purificam, vibram e energizam os seres”. Assim, a catarse é um ato de

purificação que projeta os desejos e anseios para um novo momento.

Na mitologia Sámi as pedras fazem conexão com outros mundos, “as grandes pedras

que eram tidas como portais de conexão para os outros mundos, e onde podiam ser realizadas

cerimônias sacrificiais e oferendas às divindades e espíritos” (KENT, 2014, p. 84). Esses eram

momentos para reunir em torno do fogo, cantarolando e se alimentando de frutos da natureza.

1.3. Sateré-Mawé e Sámi: um universo comparativo em construção.

Trilhamos pelos caminhos de dois universos: o primeiro, do povo Sateré-Mawé; o

segundo, do povo Sámi. Esses espaços nos proporcionaram a compreensão da visão

cosmogônica das populações. Ambos os caminhos carregam o altruísmo de guerreiros,

detentores de um manancial cultural, singrando no desejo pela inserção social, de serem

respeitados pela humanidade e de viverem com dignidade no planeta (MORIN, 2014).

Conforme descrito anteriormente, ambos os povos passaram por um processo histórico

de perseguições, de conquistas e de reconhecimento em seus países de origem. De um lado, o

povo Sateré-Mawé, resistindo ao tempo desde o século XVI, em um lugar mítico onde as pedras

falavam, onde a floresta dialogava com os humanos, sendo a natureza o seu habitat,

contribuindo com as necessidades do homem indígena, como o ar, água, terra, alimentos, fauna

e flora. Da mesma forma os Sámi são conhecidos como caçadores-recoletores, os quais

povoavam e ainda povoavam o polo Ártico, com habilidades na caça, na pesca, no ato de

pastorear e com forte presença da tradição cultural (DORSCH, 2017).

A população Sámi apresenta fontes tradicionais de sustento do povo que incluem a

criação de renas, a caça, a pesca, a agricultura e o duodji, artesanato construído de forma

ancestral e que carrega saberes representativos do povo. Essa tradição do mundo nórdico mostra

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artefatos que revelam inquietações e entusiasmo no cenário artístico, no imaginário, no campo

linguístico e místico (LANGER, 2015).

A geografia é um dos fatores que separam o povo Sateré-Mawé do povo Sámi. A

distância em linha reta entre o centro geográfico do Brasil e o centro de Noruega fixa-se em

torno de 9.866 km ou 6.130 milhas. Assim, o que os unem são os mesmos ideais, motivados

pela riqueza histórica e de tradição cultural que o povo Sámi e Sateré representam para nossos

estudos e para o planeta.

É deles que vem o desejo de salvaguardar os biomas da Amazônia e das Tundras e

Taigas, na proteção do meio ambiente, na garantia de vidas futuras e na manutenção dos povos

das florestas, dos povos do Amazonas e dos povos do Ártico, pois sabemos que os

desmatamentos repercutem seus efeitos nas regiões mais extremas do planeta. Desse modo,

trazem consequências diretas para o sofrimento de ambas as culturas (APOSTOLOS

TSIOUVALAS, 2020)

Sabemos que tanto o povo Sámi quanto os Sateré dependem da natureza para manter a

tradição viva, pois é dela que vem toda a matéria prima para a realização de rituais e festas de

tradição milenar, pois a natureza representa a vida, lugar propício para a realização de tudo. Há

uma ligação profunda com a terra em virtude de seu grande demiurgo – waraná, para o Sateré-

Mawé. As teias mitológicas dos Sámi “foram preservadas até hoje pela transmissão oral por

meio dos mitos, lendas, contos de fada, sagas, crenças e outras manifestações” (FAUR, 2014,

p. 174). A senhora Sámi, Unni Lundstedt (2019), em entrevista, afirmou que o povo “vive em

equilíbrio com a natureza, de modo organizado e independente, com o Parlamento e regimentos

próprio, com hinos e bandeiras criados em 1986 e seus respectivos signos”.

Dentro desse contexto, destacamos que todo dia 06 de fevereiro é comemorado o Dia

do Sámi, conquista de 1995 como reconhecimento pela cultura (ALVES, 2011). Nesse dia, as

festividades acontecem em todo território, difundindo danças, cantos, corridas com renas, além

de comidas típicas do povo, numa troca de saberes singular. Nesse viés, cultura e a sociedade

se estabelecem mutuamente por meio das relações e interações entre indivíduos, transmitindo

a tradição, fazendo surgirem as interações, numa metamorfose da sociedade, em qualquer

cultura e vice-versa (MORIN, 2011).

O mundo mitológico é revelado de signos que assinalam a identidade, a história e a

filosofia de vida compondo a cultura imaterial do povo Sámi, que representa parte substancial

da tradição cultural. A história, o mito e os rituais têm papel importante no tempo e no espaço,

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de um povo. Segundo Dorsch (2017, p. 23), o mundo mitológico “funciona como um

renascimento unificado, destacando as relações entre Homem, Natureza e Espírito”. No entanto,

com a expansão da grande Indústria e das tecnologias, esses povos têm sofrido ameaças na

saúde e em seus territórios. Desde a década de 70, o lugar sofre com a degradação da biosfera,

envenenamento do meio e ameaça às espécies (MORIN, 2014). Nesse sentido, Bauman (2005,

p. 24) nos convida a refletir sobre identidade e, para ele, “a identidade é algo que é construído

para se manter no que acreditamos ser, e é alvo de um esforço, lutar por ela e protegê-la”.

Na sincronia da exuberante natureza que se molda entre os povos indígenas Sateré e

Sámi, observamos certa semelhança nos costumes e na forma de conviver com a sinergia da

Terra, do Sol, das montanhas, florestas, das águas dos rios e dos oceanos numa força da

“democracia sociocósmica” (BOFF, 2016, p. 154). A expressão dos ofícios, dos saberes,

sabores e práticas ancestrais, que se mantém vivas até hoje, promovem o compartilhamento de

suas culturas para aqueles que praticam o turismo em suas terras, num diálogo intercultural

responsável que, segundo Deleuze (2012), demonstra a complexidade entre natureza e cultura

forma um conjunto interligado.

Nesse sentido, percebemos que ambos os povos sabem administrar as transformações

decorrentes da necessidade da era moderna. Logo, nascem novas perspectivas para o campo do

turismo étnico, por uma política pública pautada no desenvolvimento sustentável e na garantia

do povo indígenas (SANTOS, 2015). Dessa forma, tanto os Mawé quanto os Sámi carregam

uma história construída através das vivências dos seus antepassados com representações

culturais e marcas identitárias advindas dos tempos de narrativas mitológicas. Dialogando com

Morin (2011), esses tecidos de fatos, acontecimentos e interações se unem para formação do

fenômeno do mundo.

Este manancial de conhecimentos demonstrados por meio do mito e dos rituais presentes

ao longo do tempo de maneira salutar nos sugere que, para o contexto atual, é possível vivermos

de forma ecológica com espírito humanitário, sinalizado por Unger (2000), ancorados nos

princípios da civilização, compartilhando tais ideais por meio do turismo e nos espaços culturais

em qualquer lugar. Assim, seguiremos tecendo cada capítulo com os laços e teçume de cada

trançado, seja na fibra do arumã ou em cordas, como olhar de renas para além do fenômeno

desta escrita.

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82

CAPÍTULO 2 – RELIGANDO SABERES AO TURISMO ÉTNICO INDÍGENA

SATERÉ-MAWÉ E SÁMI

2.1. A interface da semiótica com o turismo: signos e símbolos

Neste diálogo, refletimos sobre os estudos específicos da semiótica e da relação com o

turismo étnico, entrelaçados e articulados entre os saberes científicos e empíricos que se unem

aqui, na tentativa de iluminarmos nosso estudo em questão, identificando as contribuições da

mitologia na formação do espírito criador dos indígenas Sateré-Mawé e Sámi, a partir das

narrativas presentes nos rituais numa descrição semiótica para o turismo étnico.

Esta fundamental etapa nos proporciona o acesso a uma gama de conhecimentos

vinculados à temática inquirida e contribui para a fundamentação teórica deste estudo. De tal

modo, nos servimos de Jafari (1981); Girard (1990); Uggé (1993); Urry (2001); Peirano (2003);

Turner (2005); Bahl (2009); Peirce (2017); Ricoeur (2010); Eliade (2010); Claude-Lévi-Strauss

(2014); Faur (2014); Spode (2015); Corbari (2016); Agamben (2017); Benjamin (2018);

Campbell (2019) e Mello (2019). Tecemos discussão sobre o turismo cultural, de experiência,

e turismo étnico, e, ao adentrarmos por esses conceitos compreendemos melhor a relação da

vida desses povos em tela. Assim, passamos a debater a prática do turismo e com isso construir

um caminho de conhecimento ao longo de uma história.

As percepções dos conceitos sobre semiótica, turismo étnico, turismo de experiência e

a ritualística xamânica são importantes para nos situarmos e nos alicerçarmos no método da

complexidade de Morin (2014). Dentre os teóricos que abordam a proposição sobre o signo,

Peirce foi o maior representante da teoria. Ele marcou o século XIX e o século XX,

caracterizando o signo em múltiplas divisões.

A semiótica peirceana é considerada eminentemente triádica, isto é, seus elementos

constituintes se estruturam em três dimensões principais: signo; objeto e interpretante. Essa

constituição, por sua vez, vincula-se à lógica e está ancorada nas categorias primeiridade,

secundidade e terceiridade, como ciência dos significados e de relações mútuas. Sinalizamos

ainda que “a tríade peirceana pode ser aplicada a fenômenos sem emitente humano” (ECO,

2012, p. 11). Peirce afirma que as ideias de primeiro, segundo e terceiro são componentes do

conhecimento do indivíduo e “a imaginação faz naturalmente a ligação entre esses componentes

por meio dos pensamentos” (PEIRCE, 2017, p. 13).

Page 83: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

83

Como exemplo da primeiridade, trazemos o elemento sol. Esse nos remete aos efeitos

de uma determinada temperatura que podemos definir como quente em determinada estação do

ano. Naturalmente, trata-se de um fenômeno em que não há o que se discutir. Na secundidade,

usaremos o exemplo das formigas Tucandeiras, as quais remetem à picada/ferrar com efeito de

dor, que precisa de outro elemento para esse efeito, isto é, o neófito. E, na terceiridade, segundo

Peirce, há uma junção dos três elementos, denominando-se tríade.

Diante da análise, o sol emite sensação de calor, logo é quente; a formiga Tucandeira

remete ao status de guerreiro; o terceiro é o que representa os elementos para o interpretante,

isto é, a compreensão do que é sol e a formiga Tucandeira, logo sol e formiga Tucandeira são

signos. Certamente, nem toda pessoa conhece a formiga Tucandeira, então, não será possível

estabelecer uma conexão convencional de símbolo (EVERET, 2019). Para melhor compreensão

segue o Quadro 1, cuja finalidade é demonstrar a relação do objeto com o signo e com o

interpretante.

Quadro 1: Relação triádica.

Fonte: CARVALHO, J. M., a partir das ideias de Peirce (2017).

Como ciência dos signos, a semiótica é amplamente contemplada por várias ciências,

tornando-se interdisciplinar nas variadas áreas do conhecimento que abrem novos modos de

compreender os fenômenos, constituindo um elo do objeto de atenção e aprofundamento

(SILVA, 2015). Nessa direção, vale detalhar que, para a Peirce (2017), diferentemente de

Saussure, o signo não basta apenas se expressar de forma verbal e não verbal, ele corrobora

para um universo de sentido polissêmico interpretativo que depende do interpretante.

Diante disso, entendemos que os espaços geográficos, meios sociais, históricos,

antropológicos, etnográficos, semióticos e culturais dos grupos étnicos, expressos por rituais,

estabelecem variados signos que podem ser verbais e não verbais, empregados nas canções, nos

Primeiridade

Não tem relação/

independente

Secundidade

(fenômeno e seus

efeitos)

Terceiridade

Objeto Signo Interpretante

Quente Sol Calor

Picada = Remete dor Formiga Tucandeira Status

Mítica Rena Animal que pode ser comercial

ou não

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84

grafismos e na pintura corpórea, especialmente como elementos de comunicação. Além disso,

geram infinitas sensações ligadas aos cinco sentidos que podem ser gustativos, sensoriais, táteis,

auditivos e palatais (MELLO, 2019).

Sendo assim, o signo como natureza social, dentre as várias categorias, é tudo aquilo

que representa um sentido próprio para o indivíduo, cuja capacidade de criar um signo

equivalente o torna convencional; pois “o signo representa alguma coisa que representa o seu

objeto” (PEIRCE, 2017, p. 46). Essa operação é gerada pelo interpretante que, ao se deparar

com os signos, gera novas percepções, isto é, tudo o que o signo representa é designado por seu

objeto. Sinalizamos ainda que o interpretante não é apenas usuário-intérprete, mas sim um outro

criador de novo signo, que se apresenta intimamente participante nos variados processos, na

reprodução de outros.

Destarte, a mente de uma pessoa cria um signo equivalente ou ainda um signo mais

desenvolvido. Ao signo assim criado denominamos interpretante do primeiro signo, esse

representa seu objeto que, por sua vez, constitui uma referência a um tipo de ideia, denominado

de “representâmen” (PEIRCE, 2017, p. 46). Visto assim, o signo é como um procedimento de

intercessão, que abre para o infinito, sendo o significante aquilo que remete sempre para outro

significante, numa cadeia interminável, marcada pela complexidade.

A Semiótica é um ramo da Linguística que se detém sobre a capacidade hermenêutica,

o valor dos ícones, como as imagens, signos – palavras e símbolos no plano da significação que

no conjunto se formam as imagens e verbalizações. É um percurso metodológico capaz de

perceber o que está por detrás daquilo que se confronta (BUENO, 2017).

A semiótica contemporânea vai além, dividida em meio a “vocação de ser filosofia do

signo do sentido e da comunicação de ser uma das ciências humanas [...] que se ocupa das

comunicações” (VOLLI, 2007, p. 13). Assim, o olhar semiótico no turismo traz uma

diversidade de interesses e de comportamentos, numa semiodiversidade do turismo, conforme

destacou Culler (1981). Para além da tipicidade dos signos, eles estão representados em vários

espaços, sejam nos “locais de trabalho, de lazer e socialização […], na nossa vida privada”

(SANTAELLA, 2012, p. 9). A Semiótica é uma ciência formal que tem por objetivo estabelecer

como devem ser todos os signos para uma inteligência capaz de aprender através da experiência

(SILVEIRA, 2007, p. 38).

No viés do turismo, a semiótica tem sido uma nova teia de conhecimento pensada a

partir das ideias de Culler (1981), que visou apoiar o discurso, amparado no seu artigo Semiótica

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85

do Turismo: “O turista se interessa por tudo como um sinal da coisa em si”. O interesse em

conhecer e consumir diferentes formas de cultura (URRI, 2001). Nessa mesma ideia, os tecidos

semióticos aparecem como significados presentes nas malas dos turistas, na pretensão de

capturar uma imagem ou na paisagem de uma floresta. De tal modo, “os turistas contemplam

lugares que eles já tenham consumido em forma de imagem. Contemplar é […] fotografar

signos ou marcas, onde os turistas estão emoldurados e fixados” (LARSEN, 2014, p. 305).

Outra contribuição teórica, segundo Mello (2019 apud DANN, 1996), em seu livro, The

language of tourism, foi evidenciar a existência de uma linguagem verbal e não verbal particular

do setor, constituída por um sistema de signos, símbolos e códigos particulares que atuam nos

negócios do turismo. Compreender o multiculturalismo no universo semiótico do signo, no

campo do turismo étnico, é embeber as concepções do objeto, do signo e do seu interpretante.

Para Benjamin (2018, p. 11), “a linguagem comunica a essência de linguagem das coisas”,

sendo que essa comunica a sua própria essência espiritual, em um sentido verdadeiro e único,

que depende dos fatores internos e externos.

Nessa perspectiva, o que se consome no campo do turismo étnico são elementos sígnicos

que, para Mello (2019), é onde reside a tradição cultural, de forma histórica, social e

comunicativa, como comunidade cultural. Esses elementos estão presentes na cultura;

sobretudo nos mitos e nos rituais. Cada ritual é agregado de símbolos, carregados de sentidos,

os quais apresentam um significado que Lévi-Strauss (2014) reconhece como linguagem. O

“ritual nasce no mito que narra a memória dos Entes Sobrenaturais […]. Os personagens dos

mitos são os Entes Sobrenaturais, que permanecem vivos em cada povo” (ELIADE, 2010, p.

11). Assim, essas memórias afirmam a tradição cultural de um povo, desvelando a essência da

linguagem, que carrega uma carga intersemiótica que molda o todo, e, para Morin (2010), o

todo é indivisível e para entendê-lo é preciso conhecer as partes.

No campo do turismo étnico indígena, para se compreender um grupo é necessário

conhecer a tradição cultural e a língua (MALINOWSKY, 1953). Acreditamos que esses dois

elementos são aqueles que mais o caracterizam, compondo o patrimônio cultural de uma região

que se consolida como a identidade de um lugar e de um povo. Destacamos que, a atual

definição oficial de Patrimônio Cultural Imaterial é definida pela Unesco (2003), como

transmissão de valores passada de geração para geração, marcante na interação com a natureza

e com a relevância histórica, de cada cultura, de cada povo e de cada lugar. Baseado nisso, o

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem se preocupado com a

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86

patrimonialização das culturas, assegurando que os conhecimentos culturais dos grupos ou

comunidades sejam repassados e constantemente recriados por essas comunidades e ou grupos.

Cabe evidenciar que cada povo carrega em sua memória uma história construída através

das vivências dos seus antepassados, com as representações culturais deixadas pelo tempo,

como mitos, grafismos, formas de caçar, de pescar e de se alimentar, dentre outros, que são

elementos importantes de serem experienciados no turismo étnico. Dito isso, nasce um novo

olhar para o campo do turismo, como uma possível política de sustentabilidade, pautada nas

questões econômicas para os povos indígenas, sem gerar danos à tradição cultural e nem à

memória.

Para Bosi (2003, p. 36), “a memória é uma força subjetiva que alimenta cada nação

indígena”. Ela aparece como força subjetiva mantendo os laços afetivos com os melhores

momentos de cada indivíduo, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e

invasora. Assim, estimular o turismo junto aos povos indígenas assegura a transmissão dos

valores étnicos, sociais e culturais, no fortalecimento das novas gerações, por meio da memória

coletiva ou individual. Sobre esse viés, Nora (1993, p. 9) nos diz que “a memória é um

fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do

passado”.

Nesse sentido, os povos indígenas do Brasil e da Noruega, sobretudo o povo Sateré-

Mawé e Sámi, têm praticado as várias formas de ritualização em espaços urbanos e região

metropolitana dos respectivos países, de forma a manterem viva a memória dos seus

antepassados. Richardson (2012) enfatizou que o ritual traz mudanças significativas que podem

oferecer dignidade e conectá-los ao pertencimento de identidade.

Nessa medida, atualmente, os indígenas procuram viver com a subsistência baseada no

cultivo da terra, realizando plantações e colhendo frutos da roça. São várias plantações para o

sustento da família em prol do “bem viver que é a busca permanente do equilíbrio Mediante a

participação de todos” (BOFF, 2016, p. 154). Assim, é de forma natural, que a liderança procura

manter às tradições pelos líderes indígenas, caçadores e pescadores, num “equilíbrio entre ser

humano e natureza; equilíbrio entre a produção e o consumo na economia na perspectiva de

uma economia suficiente, decente, sem acumulação” (BOFF, 2016, p. 154). Essas atitudes são

consideradas como patrimônio imaterial, pois geram sentimento e identidade deste povo.

Entendemos que identidade étnica não se caracteriza como algo estático. Barth (2000)

considera que esta pode ser construída a partir das interações dos grupos sociais. No entanto,

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87

ele afirma que a influência mútua com outros grupos não leva ao desmoronamento ou

aniquilamento da cultura em espaços híbridos, mas contribui para o empoderamento das

populações. Nesse sentido, é concebível que a fricção étnica persista.

É sabido que, para a cosmovisão indígena, o meio ambiente se apresenta como gerador

de vida harmônica com a natureza “numa espiritualidade ecológica”, conforme mencionou Boff

(2016, p. 183). Nesse ambiente, o indígena se realiza, pois a partir de uma crença animista

interage com a natureza numa relação de apaziguamento com seus deuses e neles e com eles se

realizam e se projetam com pessoas no mundo numa semiose que, segundo Mello (2019, p. 88),

“representa várias possibilidades para o turismo”.

Para os Sámi, os deuses residem nos espaços terreno, celestial e nas rochas onde as

criaturas lendárias, denominadas elfos, se manifestam e estão sintonizadas com os elementos

da natureza, a exemplo da aurora boreal, que encanta e acalma os espíritos. No campo

etnográfico da pesquisa em Tromsø, a senhora Sámi, Trine Marit (58 anos) descreveu o ritual

da seguinte maneira: “o ritual envolve a espiritualidade que gira no batuque do tambor. Há um

diálogo com o tambor. Então, se você for uma pessoa espiritual e souber entrar num transe,

você vai achar a resposta. Escute dentro de você e seja espiritual”. Nesse sentido, “a imaginação

tem uma função projetiva, que pertence ao próprio dinamismo do agir” (RICOEUR, 1989, p.

223). É neste contexto que o respeito à Mãe-Terra é expresso mediante uma atitude ante à vida,

que através da reza e das palavras “pedem permissão” para cruzar num lugar sagrado, como

num fiorde e montanha, ou seja para simplesmente sair de casa ou receber alguém como

visitante.

Outro elemento vivo na tradição é o traje kofte. Esse é identitário, usado na recepção do

turista e em outras ocasiões. O traje sugere o empoderamento do povo em lugares do Ártico nas

cores da organização, além dos expressivos artesanatos denominados de duodji (ALVES,

2011).

O respeito à sagrada Mãe-Terra e aos seus frutos manifesta-se na disposição de tomar o

necessário para alimentar-se ou em sintonia numa crença denominada reza. Entretanto, também

sabemos que todos os seres estão interligados, o homem se conecta com a Mãe-Terra e vice-

versa, num lugar sagrado que evolui constantemente, num círculo em que se estreitam por

afinidade (BOFF, 2016). Para adentrar a floresta, segundo os habitantes que nela convivem, é

necessário estar em harmonia com a natureza, com os animais, respeitando os elementos

constituintes do espaço natural. “As invocações aos animais acontecem em ritual dentro do

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espaço. Cada membro exerce uma função para a execução das tarefas” (MUÑOZ, 2003, p. 291).

Essas relações com o ambiente, com os recursos e com os fenômenos da natureza também

fazem parte de um conjunto que forma o patrimônio cultural de um grupo de pessoas e pode

constelar para o universo turístico (MELLO, 2019).

Santos (2007) afirmou que as potencialidades da abordagem cultural de um povo,

contribuem para o significado dos lugares, além de estabelecerem conceitos de espaço vivido,

a partir das experiências e descobertas pessoais, bem como da dimensão simbólica da tradição

cultural. Assim, no que diz respeito à tradição de um povo, conceituado por Zuin e Zuin (2009,

p. 80), “a tradição está intimamente ligada à história de uma cultura”. Ela se manifesta por meio

de valores, crenças e rituais transmitidos de geração a geração, ensinados diariamente em rituais

da caça, da pesca, nas festividades, em atos xamânicos, entre outros.

2.2. Turismo étnico e suas interfaces

No que tange ao Turismo étnico, entendemos que os povos indígenas em seu

pertencimento promovem ações e serviços a um público específico, ou seja, aquele público

seleto que não busca o que já conhece, mas o oculto, o revelado e o desconhecido. Para Van

Den Berghe e Keyes (1984) e Valene Smith (1992), o turismo étnico tem como atração principal

o exotismo cultural de uma determinada população. Nesse sentido, fazem parte do atrativo

turístico os elementos sígnicos representados em variadas formas de expressões, como o canto,

a dança, os artesanatos e em toda cultura que carrega sentimentos memoráveis.

O Ministério do Turismo (BRASIL, 2010, p. 20), ao conceituar turismo étnico,

determina-os como “atividades turísticas envolvendo a vivência de experiências autênticas e o

contato direto com os modos de vida e a identidade de grupos étnicos”. Nesse conceito paira

um breve entendimento sobre o termo “autêntico”, que pode ser compreendido como nativo ou

aquele que tem antecedentes indígenas e se reconhece como tal, firmado pela etnicidade,

diferente de indígenas isolados, sem contato com o não indígena.

Atualmente, o turismo conta com muitos segmentos ou tipos de turismo, desde os mais

evidentes aos mais exóticos e até mesmo os que instigam a curiosidade e saciam o ego. De

acordo com Panosso Netto e Ansarah (2009), a ciência, no uso das suas atribuições, tem como

papel sistematizar esses novos tipos de turismo, sem limitar as possibilidades de expansão e

inovação dos novos segmentos.

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89

Nesse sentido, Cardozo (2006, p. 145) enfatiza que o “Turismo étnico se configuraria

como uma tendência e forte apelo de atração”, como um produto turístico, agregado de

subjetividade e símbolos da etnicidade, como fio condutor da visitação aos indígenas nativos

ou interculturalizados, que já receberam carga cultural do não indígena. Nessa direção, as ações

desenvolvidas no turismo étnico ocorrem principalmente pelas visitas às comunidades

indígenas, com apresentações de celebrações – rituais, cantos, danças e atrações típicas, bem

como como a aquisição de souvenires, artesanato, pinturas corporais e grafismos

(GREENWOOD, 1992 apud CORBARI et al., 2016).

Como mencionado no início deste capítulo, os estudos adentram no campo internacional

considerando os constructos: ritual indígena, turismo étnico e ritualização, com a finalidade de

levantar os descritores usados nas diversas publicações. Para tanto, elaboramos o apêndice (B)

e (C) no universo de trinta e oito países (38). Sendo assim, a Austrália aparece com vinte e três

publicações (23); os Estados Unidos com dezessete (17); a China com nove (9); o Reino Unido

com sete (07) e o Canadá com seis (6). Logo, a Austrália se destaca com 19,16% das 120

publicações, conforme sinalizado no mapa do apêndice (C). Nos achados, não constatamos

pesquisas com abordagens dessa tese, com os povos indígenas Sámi e Sateré-Mawé. A tabela

1 demostra esse levantamento.

Tabela 1: Literatura internacional sobre ritual indígena, turismo étnico, do povo Sámi e povo

Sateré-Mawé.

TEMA N.º de

Artigos

%

Turismo étnico 26 18,8

Turismo inovação 5 3,6

Turismo povo Sámi 3 2,8

Turismo Cerimônia e Xamanismo 5 3,6

Turismo Cultural indígena 42 30,5

Marketing de experiência, turismo cultural, ecoturismo, turismo de

aventura,

42 29,8

Total 120 100

Fonte: CARVALHO, J. M, a partir do banco de dados da plataforma EBSCO host (2020).

Conforme a tabela 1, percebemos que apenas 26 publicações abordaram a temática

turismo étnico. As demais se debruçaram sobre outros segmentos do turismo de inovação, de

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90

cerimônia e xamanismo, de turismo cultural indígena, de marketing de experiência, turismo

cultural, ecoturismo, turismo de aventura.

Trilhando, pois, pelos achados teóricos sobre signos e sua relação com o objeto e o

interpretante, temos uma visão axial, mas que precisa ser relacionada com o todo (MORIN,

2007). Na premissa de Peirce, buscaremos inter-relacionar o turismo étnico à luz da semiótica

como um dos principais fatores de estímulos e de circulação para a mobilidade humana em

contexto contemporâneo. Dessa forma, configura-se como uma atividade cultural impulsionada

pelo desejo dos grupos sociais em vivenciar experiências diferenciadoras de seu cotidiano,

sejam em espaços indígenas ou não indígenas, destacando que o turismo cumpre seu papel

histórico, social e cultural.

O turismo étnico, segundo Corbari (2016), está ancorado no turismo cultural e, de

acordo com pesquisadores das áreas das ciências sociais, do turismo e da antropologia, os

impactos são positivos e refletem para o desenvolvimento do turismo cultural. No entanto, a

transformação de bens e serviços da cultura facilita a preservação das tradições culturais que

talvez se extinguissem se não fossem inseridas no turismo, como destacou Cohen (1985).

Não foram encontrados estudos com Sateré-Mawé ligados ao turismo étnico e nem a

outro segmento do conhecimento. Quanto aos estudos do turismo étnico com Sámi,

encontramos apenas três, que tratam do turismo com renas e com a cultura do mesmo povo.

Nesse contexto, elencamos alguns pesquisadores internacionais que abordam os temas

considerando o número de pesquisas publicadas com a temática turismo étnico.

Quadro 2: Literatura internacional: outros termos relacionados aos temas ritual indígena e

turismo étnico.

Tema Principais contribuições

Turismo étnico

Cathy Richardson (2012); Gabrielle Russell-Mundine

(2012); Austin Beahm (2012), Cyntia Andrade, Nina

Cardona e Jorge Umbelino (2011); Janet Chang, Geoffrey

Wall e Jui-Cheng (Richard) Hung (2012), Adam Keul

(2014).

Turismo de inovação Christian M. Rogerson (2006); Richards, g. (2010); Buchko

et al. (2016).

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91

Turismo cultural,

ecoturismo, turismo de

aventura, Marketing e

turismo, multiculturalismo

Habib Alipour, Mehmet Altinay, Kashif Hussain e Nazita

Sheikhani (2010); SP Bansal, Prachant Kumar Gautam e

Arun Singh Thakur (2013) Daniela Angelina Jelincic

(2009); Mark p. Hampton (2010) Michelle M. Jacob (2012);

Jean Carlos Vieira Santos (2016); Rodolfo Mundo

Velásquez Carolina Gómez Hinojosa (2016).

Turismo Cerimônia e

Xamanismo, turismo

religioso

Veronica M. Davidov (2010); Geoffrey Wall e Jui-Cheng;

Richard) Hung (2012.)

Fonte: CARVALHO, J. M, a partir do banco de dados da plataforma EBSCO host - (2020).

O turismo étnico indígena no Brasil é incipiente para os que tem interesse em conhecer

e valorizar a cultura de um povo. Nos estudos brasileiros, o segmento é estudado de forma

genérica dentro do segmento do turismo cultural. Mas a temática no espaço amazônico,

sobretudo em Manaus, é vista com bons olhos pelos indígenas, conforme nos revelou o tuxaua

Pedro Ramãw da Silva, o qual já promove o turismo étnico com base na ancestralidade, nos

ensinamentos deixados pelos avós e pelos pais.

Na fala de Ramãw, destacamos o seguinte trecho: “aqui na comunidade o turista vai

para a roça, participa do preparo da farinha, dorme em rede e em barracão coberto em palha e

se alimenta da comida indígena”. O sentimento acolhedor do tuxaua demonstra que o turista

vai encontrar o autêntico indígena e experenciar dos costumes. Assim, são os hábitos

memoráveis que determinam as regularidades do pensamento, gerador de significação e da

ação, numa “amplitude à diversidade e à irredutibilidade dos usos da linguagem” (RICOEUR,

1989, p. 24).

Ricoeur (1989, p. 223) ainda enfatiza que “não há ação sem imaginação”. Isto é, nasce

de um imaginário nativo tradicionalmente convencional para cada etnia, na valorização dos

saberes. Nesse sentido, dialogamos também com Toledo e Barrera-Bassols (2009, p. 108), para

os quais:

[...] os saberes locais incorporam uma visão monista do mundo, portanto, a natureza

e cultura são aspectos que não podem ser separados. Não obstante os saberes locais

serem adquiridos por meio do processo de aprendizagem experimentada de maneira

diferenciada de acordo com a idade e o sexo, o conhecimento coletivo total deve ser

entendido como uma teoria social ou como uma epistemologia local sobre o mundo

circundante.

A assertiva do autor mostra que o conhecimento ecológico que se baseia nos saberes,

que acredita no potencial das plantas como vibrações para o indivíduo, a cada dia se renova no

íntimo das pessoas, fortalecendo as boas memórias. Elas demonstram que, compartilhar os

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saberes de forma interétnica não agride a identidade, pelo contrário, agrega sentimentos, valores

e promove o fortalecimento das identidades mutuamente. Nessa perspectiva, Bauman (2005)

assegura que a intersecção das identidades gera reflexos positivos em cenários de hibridismo

cultural, principalmente em possíveis situações de conflitos.

Percebemos o empenho por parte do turista contemporâneo no interesse em conviver e

estabelecer contato mais próximo com as culturas locais, pois a aproximação da natureza dos

rios, com as vivências dos indígenas mexe com a espiritualidade, além de realizar a

experimentação da legítima tradição, o que nesse sentido o colocaria diante de atrativos como

museus, lugares de patrimônio e comunidades tradicionais e étnicas, conforme destacou Yang

(2011). Para o Ministério do Turismo (BRASIL, 2010, p. 43), há dois tipos de turistas que

fazem uso de atrativos culturais em suas viagens, assim definidos:

Aqueles com interesse específico na cultura (motivação principal), isto é, que desejam

viajar e aprofundar-se na compreensão das culturas visitadas; Aqueles com interesse

ocasional na cultura, sendo uma motivação secundária ou complementar, possuindo

outras motivações que o atraem ao destino relacionando-se com a cultura como uma

opção de lazer.

Logo, os “turistas, muitas vezes, acabam visitando algum atrativo cultural que

denominam turismo cultural, importantes para o destino e que deve ser considerado para fins

de estruturação e promoção do produto turístico” (BRASIL, 2010, p. 42). São diversos os

interesses de turistas, porém, o desejo pelas experiências é diferenciado, carregado de

sentimentos, tendo o patrimônio como atrativo cultural.

As orientações do Ministério do Turismo (BRASIL, 2010) sinalizam ainda para

construção e aplicação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal,

promovendo a inserção dos povos indígenas no roteiro turístico. Para isso, o turismo cultural é

entendido como “atividades relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do

patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens

materiais e imateriais da cultura” (BRASIL, 2010, p. 15). Emerge-se, então, o que se entende

hoje por “patrimônio cultural intangível”, “patrimônio cultural imaterial”, “patrimônio oral”,

“patrimônio vivo” ou “cultura tradicional e popular” (GEHRKE, 2013, p. 38). Desse modo, a

floresta é um patrimônio da Amazônia que carrega elementos sígnicos na memória dos povos

indígenas e faz parte do cenário natural para a manutenção dos povos em seus espaços.

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93

É interessante ressaltarmos a fala do turista Sr. Mahmud Barat, oriundo de Oslo,

Noruega que, ao conhecer as comunidades indígenas Sateré-Mawé em Manaus, expressou: “o

Amazonas apresenta uma diversidade na cultura. A floresta é muito linda e a paisagem encanta

as pessoas”. Barat destacou ainda que “o povo indígena precisa ser valorizado”. Essas

afirmações indicam que o turismo étnico pode ser um aliado no processo de sobrevivência

desses povos, pois aqueles que de alguma forma os conhecem, entendem e os respeitam podem

levar sua mensagem ao mundo, o que ao contrário de um turismo mal elaborado também pode

atuar de forma contrária (BAHL, 2009).

Logo, o desejo em participar dos encantos do maior bioma da Amazônia estimula

viajantes e turistas de lugares bem distintos do mundo, conforme confirmou o turista norueguês,

ao conhecer os lugares étnicos em Manaus. Dentre os encantos vivenciados pelo Sr. Mahmud

Barat foi ressaltado o espaço urbano da cidade e das áreas metropolitanas onde ainda é possível

participar de momentos junto aos indígenas, conhecer a cultura deles e suas tradições.

Assim, contemplar as ações da ritualística e seus elementos exige um “olhar para

dentro”, na compreensão dos elementos simbólicos, que fazem parte de um conjunto maior, a

Mãe-Natureza, como atrativo turístico em espaços étnicos, segundo Morin, (2007). É, portanto,

desafiador e emergente, relacionar os estudos sobre a diversidade cultural que há entre os povos

indígenas nesse estudo.

Corbari (2016) enfatiza que o turismo étnico se forma a partir dos resultados de dois

tipos de sentimentos. O primeiro ligado aos aspectos sociais, à cultura e à identidade; o segundo,

pelo veículo de divulgação da existência de um grupo étnico. Nesse viés, encontramos o

reconhecimento do turismo étnico e a sua inserção em um contexto nacional e até internacional.

“O turismo tem um discurso muito próprio que é construído com base em uma

linguagem instrumentalizada por determinados valores socioculturais” (MELLO, 2019). Por

ocasião da pesquisa de campo em Tromsø, na Noruega, observamos que o povo Sámi tem

autonomia sob a gerência das ações do turismo étnico, em que usam as práticas sociais e

culturais para atraírem turistas, fato esse que elevou o crescimento turístico na região.

Dessa maneira, o turismo em espaço indígena “[...] se refere às atividades turísticas nas

quais os povos indígenas são diretamente envolvidos, quer através do controle e ou de sua

cultura, que servem como essência da atração” (HINCH; BUTLER, 1996). Porém, a essência

está ligada aos valores identitários do povo indígena a partir da cosmovisão, na história mítica

que faz referência à origem, como destacou Eliade (2007).

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94

Santana Talavera (2003) acena que o turismo étnico se vincula ao turismo cultural, pois

utiliza elementos sociais oriundos de um contexto espacial e do cotidiano de uma comunidade

como atrativos turísticos expressos por meio de uma base cultural generalizada. Dessa forma,

o turismo étnico é um tipo de turismo não convencional (BAHL, 2009), sendo que os

interessados nele são os que têm admiração e reconhecem a cultura do outro como valiosa

tradição de referência cultural. Essa ideia corrobora com Van Den Berghe e Keyes (1994), os

quais destacam que, quando o exotismo étnico é o alvo motivacional, denominamos turismo

étnico. Para os pesquisadores, esse turismo é o atrativo, evidenciado em qualquer atividade

turística, logo, se torna o espetáculo a ser visto, analisado e fotografado, resultando da escolha

do destino.

As atividades turísticas são realizadas, preferencialmente, em áreas naturais onde se

pode apreciar não só a paisagem local, mas também as práticas culturais, já que cada etnia

possui uma especificidade sociocultural, conforme destacou Brito (2009). Essas práticas são

carregadas de simbolismo e, “sem dúvida, as representações (signos) das cores estão

intrinsicamente ligadas às emoções e afetividades” (MELLO, 2019, p. 127).

Os indivíduos reagem de acordo com as suas percepções das vivências do mundo, nisso

estabelecem sentimentos vivenciados para além de compreender, mas perceber a trajetória

histórica e cultural empregada pelo grupo, pois são formadas de tradições culturais (BARTH,

2000). Podemos ainda evidenciar que a realidade de todas as pessoas é composta de construções

culturais, sustentadas de modo eficaz tanto pelo mútuo consentimento quanto por causas

materiais inevitáveis. “Esse consentimento, ao que tudo indica, está incrustrado em

representações coletivas tais como a linguagem, as categorias, os símbolos, os rituais e as

instituições” (BARTH, 2000, p. 111), no compósito das vivências míticas.

Assim, o mito permite atar as pontas de sua reflexão acerca das origens étnicas; é no

mito que a cultura de um povo está ancorada (GIRARD, 1990). “Do ponto de vista

antropológico e filosófico, o mito é encarado como termo que designa um estágio do

desenvolvimento humano anterior à História, à Lógica, à Arte” (MOISÉS, 2002, p. 343). Ele

se refere a um tempo do não tempo, aquilo que está presente no mais profundo da imaginação.

O mito diz respeito ao sagrado que estabelece conexão entre o biológico, o religioso o sagrado

e o profano, com regras determinadas.

Segundo Brito (2009), para compreendermos melhor o turismo étnico, precisamos

adotar procedimentos a fim de evitarmos influências ou mesmo modificar os usos e costumes

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95

dos povos. Por essa razão, um dos aspectos fundamentais para a realização do turismo étnico

está relacionado à preocupação com a perda da identidade cultural, marcadas pelos elementos

de representações de cada povo (BAHL, 2009). O turismo com responsabilidade agrega valores

culturais, morais, interétnicos, intercultural em prol do bem-estar social e econômico de um

grupo.

Para MacCannell (1984), é uma forma de recriação, preservação e manutenção dos

atributos étnicos e culturais. Assim, o intercâmbio cultural previne conflitos e tensões,

reafirmando identidades locais, gerando um processo de criação e recriação do sentido de

pertencimento, do lugar, do passado, da cultura e de posse (TALAVERA, 2003). Nas narrativas

da tuxaua, Sra. Midian Silva, da comunidade Sahu-Apé, o turismo possibilitou novas

perspectivas e valorização dos artesanatos: “a produção do artesanato mostra nossa cultura [...]

e tem agregado recursos financeiros para a comunidade como modo de sustento das nossas

famílias”.

A migração dos povos indígenas, das Terras Indígenas para as cidades, tem contribuído

para a inserção no mercado turístico local. Acerca disso, vemos “uma cidade em processo, em

vez de uma cidade que se oferece como produto; tem uma cultura própria, com abundância de

inovação e múltiplas conexões, é cidade criativa” (REIS, 2012, p. 221). Nessa direção, Cardozo

(2006) enfatiza que é por meio do turismo étnico que se dá a valorização do artesanato; da

tradição cultural, dos rituais e cerimônias religiosas; fortalecimento do orgulho étnico e

patrimonial. A exemplo, nos museus e ruas da cidade de Tromsø, os turistas procuram por

artesanato genuíno do povo Sámi. Assim, segundo entrevista no museu Polaria, “os artesanatos

Sámi tem um valor simbólico, pois marcam toda a trajetória histórica do povo”, que fundou o

lugar. Assim, observamos que o turismo étnico está diretamente relacionado com a história e

com a cultura de um povo (GASTAL, 2015).

No que tange à tradição do povo Sateré-Mawé, os saberes genuinamente considerados

como patrimônio imaterial têm resistido ao longo da história. Esse povo tem lutado frente a

várias investidas políticas, como nos casos de demarcações de terras, migração das Terras

Indígenas para áreas urbanas, educação para os filhos, saúde e conflitos de situações internas

da etnia. Eles se organizam tendo como referência os ensinamentos dos mais “velhos”,

considerados como guardiões das vozes dos seus antepassados. “Homens e mulheres

desempenham papéis sociais baseados em valores ritualísticos que compõem seu acervo

cultural de forma distinta e ao mesmo tempo interrelacionada”, conforme acenou Nascimento

(2016, p. 15).

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96

A relação homem e natureza é bem marcante, pois o modo de pensar e de se relacionar

com a terra, com os elementos da floresta e com os animais tem linhagens na ancestralidade,

período em que não havia distinção entre a natureza e o ser humano. Segundo Boff (2016), a

Terra é fértil, dela podemos tirar nosso sustento e viver em harmonia. Esse sentimento foi

expresso pelo tuxaua Pedro Ramãw, da Comunidade I’nhãa-Bé: “vivemos na comunidade

mantendo o que nossos antepassados deixaram, plantação e cultivo da roça, fortalecimento da

saúde por meio do ritual e do sakpó e repassamos para os nossos filhos”.

No que diz respeito ao turismo étnico, a teoria do signo empregada é a que revela os

desejos dos turistas, nas imersões durante às práticas ritualísticas. Essas funcionam como

conhecimento do sagrado, na forma real de sua ação, materializada na promoção e recepção

dos turistas (MELLO, 2019). O tuxaua Pedro Ramãw, em entrevista, enfatizou que recebe

turistas de diversos lugares: “já recebi turista do Japão, do Brasil, da Noruega, da Nova Zelândia

[...] eles vivenciam rituais, outros preferem ficar uma semana na Comunidade para viver

momentos do cotidiano”, sendo uma forma de revelação que instiga as lembranças do interior.

Diante do exposto, demonstramos que o turismo étnico é um tipo de atividade

diferenciada e para poucos interessados; desprovida de luxo, mas carregado de emoções

sintonizadas com a natureza. Sendo assim, consideramos que esse turismo poderá ser a mola

propulsora de estímulo na revitalização de tudo que remete à origem desses povos. Destacamos,

então, no que diz respeito aos saberes ritualísticos e seus elementos, a mitologia de origem

Sateré-Mawé e a mitologia Sámi, com símbolos e signos para o turismo étnico.

2.3.Turismo de experiência: uma experiência para além do turismo

Não se pode confundir o turismo étnico com turismo de experiência. Cada serviço e

produto traz em seu bojo uma intencionalidade. Nessa direção, a palavra “experiência” no

contexto turístico tem o sentido de arriscar, conhecer, vivenciar um momento único e ou sentir

dor pelo prazer. Para Turner (2005, p. 17), “é o prazer vivido”; é o esperado e o experimentado

que satisfaz o prazer. Esse processo é denominado pelo o autor como “drama social”. Do

mesmo modo, o ritual para o autor é formado por variados símbolos concentrados em objetos

físicos, além de outros componentes que podem ser considerados pelo seu valor.

No século XXI, a nova abordagem de marketing está pautada não somente nos

resultados dos produtos, mas também em momentos marcantes que o turista pretende

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97

experimentar. Ele é estimulado a participar e acompanhar o desenvolvimento do produto

esperado, firmado na satisfação, lealdade e praticidade determinantes para uma resposta

satisfatória. Mello e Pinheiro (2013) enfatizam que a crescente utilização do marketing

experiencial ou sensorial se deve à intensa concorrência entre as empresas que impulsiona o

surgimento de novas formas de organização do espaço comercial, visando a atender

necessidades e desejos dos consumidores que querem vivenciar experiências de compra e de

consumo prazerosas.

Igualmente, “se todas as atracções turísticas são experiências culturais”

(MACCANNELL, 1999, p. 33), logo o turista é um consumidor em qualquer segmento do

destino turístico. Assim, a experiência em turismo não apresenta um conceito definido, pois é

bem diversificada, podendo ser vista do enfoque subjetivo “como um fenômeno que é

multifacetado e complexo” (SELSTAD, 2007, p. 19).

Da mesma forma, estudos como o de Pine II e Gilmore (1999) e Bordas (2003) têm

apontado para outras intenções que devem guiar a atividade turística. O turismo de experiência

integra essa tendência propondo novas formas de agregar produtos turísticos com vistas à

construção de conceitos capazes de dar conta das necessidades que o mercado hoje exige do

setor. Logo, quando falamos em turismo de experiência, devemos levar em consideração as

abordagens da antropologia, psicologia, sociologia, isto é, nos aspectos culturais, subjetivos e

sociais, como sinaliza Marujo (2016).

Consideramos que a experiência turística se forma a partir de um conjunto de fatores.

Sendo assim, o turismo de experiência se vincula com a cultura atual e com um novo sujeito,

que já não se satisfaz apenas com produtos e serviços de qualidade, mas procura viver fatos

memoráveis e singulares. Sobre turismo de experiência, Trigo apud Panosso Netto (2010, p.

29) afirma:

A compreensão da experiência como um diferencial a ser oferecido aos consumidores

foi um avanço importante em termos mercadológicos, mas, como em tantos outros

estudos e tentativas de denominação ou classificação na área de gestão e negócios, o

termo caiu em um modismo superficial, que, em boa parte, neutralizou os avanços

conquistados.

Na assertiva, o autor sugere que no turismo de experiência, a viagem deve superar

qualquer obstáculo desprovido de preconceitos, pois a imersão é uma sintonia inesquecível que

agrega de alguma forma uma nova história um novo conhecimento de vida. “A oferta de

experiência acontece quando uma empresa usa intencionalmente os serviços como um palco e

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os produtos como suporte para atrair os consumidores de forma a criar um acontecimento

memorável” (PINE II; GILMORE, 1999, p. 39).

Na perspectiva da interdisciplinaridade, o turismo tem o papel beber em outras ciências

do conhecimento, a fim de promover o caráter científico no que antes era empírico, fazendo a

interligação dos saberes (MORIN, 2008). Nesse contexto, a intensão dos turistas é a cada dia

se aventurar em buscas de novas experiências, conforme Mello (2019, p. 100 apud CULLER,

1981).

Os turistas se aventuram corajosamente para fora dos hotéis em busca de uma

atmosfera, para descobrir algo que para eles é incomum e autêntico para sua

alteridade, um signo de uma cultura, por exemplo aves e coelhos em pele dependurado

nas janelas de açougues. Caracteristicamente, os turistas enfatizam estas experiências

– momentos considerados como autênticos – quando relatam suas viagens aos outros.

O autêntico é um uso, percebido como signo desse uso e o Turismo, é em grande parte

uma busca de tais signos.

A Noruega é um país que aparece no imaginário coletivo das populações do mundo, em

especial dos brasileiros, por ser repleta de belezas naturais de paisagens montanhosas de bioma

tundra e taiga, com as sedutoras renas que, miticamente, estão no imaginário em que o papai

Noel anda de trenó no gelo. Além desses, está também o espetáculo da aurora boreal e outros

signos experienciados. No entanto, o que motiva o indivíduo a se deslocar de sua residência

para outro lugar deve estar relacionado às variadas representações simbólicas presentes nos

destinos que podemos chamar de imagem mental.

Para Chandler (2002, p. 15), “vivendo num mundo cada vez mais repleto de signos

visuais, precisamos aprender que mesmo os signos mais realísticos não são aquilo que

aparentam ser”. Assim, constatamos no campo da pesquisa na cidade de Tromsø que os turistas

visitantes da comunidade Sámi estão na faixa etária acima de 25 a 30 anos de idade, e se

interessam por patrimônio cultural da região. As visitas são capturadas pelas agências de

turismo, porém, os serviços prestados ao cliente, estão sob a responsabilidade do responsável

Sámi. Todas as atividades dentro do espaço são administradas pelo xamã, com cronograma

detalhado, formando um processo e serviços oferecidos, na comunidade Sámi, conforme

apêndice (D).

As culturas indígenas Sámi e Sateré-Mawé expressam as heranças socioculturais

transmitidas pelo convívio entre as novas e as velhas gerações. Assim, a população Sámi Norte

conseguiu no turismo alternativa para prospectar a tradição cultural e se reafirmar na sociedade.

Da mesma forma, em Manaus, Amazonas, a região ganha destaque pela exuberante floresta e

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pela cultura indígena. Porém, o turismo ainda é incipiente e se faz necessário uma autogestão

dentro das comunidades indígenas.

Na perspectiva do pensamento moriniano, a tradição dos saberes da cultura dos povos

indígenas são referências para o conhecimento nativo e é dela que a ciência se apropria para

transformar esses saberes em saberes científicos. Conforme Morin (2001, p. 53).

[...] o conhecimento é sempre tradução e reconstrução do mundo exterior e permite

um ponto de vista crítico sobre o próprio conhecimento. Por esta razão eu disse que o

conhecimento sem o conhecimento do conhecimento, sem a integração daquele que

conhece, daquele que produz o conhecimento, e o seu conhecimento é um

conhecimento mutilado. Se deve haver a integração de si mesmo, o autoexame e a

possibilidade de fazer sua autocrítica. Para mim, integrar qualquer conhecimento é

uma necessidade epistemológica fundamental.

Dessa maneira, é bem verdade que em contexto contemporâneo a ressignificação das

culturas identitárias que marcam o povo Sámi e Sateré acontece numa velocidade bem distinta.

Porém partilhadas, sofrendo constantes processos de hibridismo cultural e ainda uma

mestiçagem de culturas que resulta na formação de indivíduos traduzidos, assumindo diferentes

posições ou referências identitárias (CANCLINI, 2008).

A produção intelectual e patrimonial dos povos é expressa pela mitologia, pelos rituais

simbolizados diariamente dentro das comunidades. Viver experiências dentro de uma

comunidade é ocupar-se de um sentimento que brota da alma inspirados no ambiente das

florestas. De tal modo, o pensamento simbólico nasce no mito de origem que traz uma narrativa

passada através das gerações, a partir de uma ordem (CLAUDE-LÉVI-STRAUSS, 2014).

Segundo o indígena Rucian Vilácio (2020), Sateré-Mawé, “os saberes dos povos

indígenas atravessam oceanos levando a magia da cosmologia do nosso povo, seja nos

grafismos, nas plantas medicinais e por sermos filhos do guaraná”. Quanto a isso, esses

símbolos têm despertado interesse da sociedade contemporânea, daí urge a necessidade pela

valorização na garantia do patrimônio e na sobrevivência do planeta, por meio da simbiose

homem e natureza.

Para o marketing, uma boa experiência se torna “memorável”, “extraordinária” (PINE;

GILMORE, 1999). A partir de um olhar semiótico lançado à contemporaneidade, é frequente

perceber nos folders e sites dos hotéis e passeios turísticos em Manaus a articulação entre o

marketing e o turismo de experiência. Dessa aliança, surgem slogans do tipo: “visite o

Amazonas e viva esta experiência; “venham conhecer a Amazônia”; “Paranakari: descubra

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100

nossos encantos”; “Conheça as belezas e encantos da Amazônia”; “Venha e descubra a

Amazônia”, entre outras formas convidativas de vender o serviço.

As imagens dessa atividade de venda expõem a exuberante floresta, o pôr do sol, as

trilhas, os rituais indígenas, as pescarias, o caudaloso rio Amazonas e outros tipos de atrativos.

Isso se difere do turismo étnico, em que o próprio indígena promove as atividades objetivando

compartilhar seus saberes, além de vender seus artesanatos e atender um público diferenciado.

Como já vimos, para Morin (2008, p. 53), “o conhecimento, sem o conhecimento do

conhecimento, sem a integração daquele que conhece, daquele que produz o conhecimento e o

seu conhecimento, é um conhecimento mutilado”. Esses saberes devem ser valorizados e

integrados ao contexto social para que no futuro não sejam aniquilados por total

desconhecimento.

Dessa forma, cada povo apresenta identidade peculiar expressa por diversas formas de

linguagens como meio de estabelecer a comunicação representativa, as quais “refletem um

imaginário cultural conhecido, ou melhor, impregnado de coisas interessantes” (MELLO, 2019,

p. 90). Além disso, cria afinidade do homem com a natureza, interligando-os sintaticamente por

elementos constitutivos e simbólicos da ancestralidade como marcas do sagrado. Para Santaella

(2005, p. 51), comunicar “quer dizer o modo pelo qual os elementos se combinam para formar

unidades complexas”. Sendo assim, o ser humano absorve e se incorpora de outras formas de

se comunicar, carregadas de simbolismo, em narrativas de representações que estão presentes

no cotidiano do indivíduo.

O turismo de experiência pode ser realizado em local de tradição cultural indígena, com

modo e tempo de vida diferenciados, os quais devem ser analisados e descritos a partir do olhar

cultural, social e psicológico. São esses os sentimentos que o turista, ao visitar a cidade de

Manaus e a cidade Tromsø, buscam e manifestam na intenção de conhecer a diversidade

cultural dos povos desses lugares.

Os marcadores dentro do sistema de comunicação entre os povos são elementos sígnicos

que fazem parte do cotidiano indígena, carregados de sentimentos ancestrais e de comunicação

entre os povos da humanidade, além de compreenderem as manifestações de comportamento e

valores sociais entre as nações (SANTAELLA, 2005) no viés do turismo, Mello (2019) diz que

a linguagem é riquíssima e se manifesta de incontáveis tipos de signos impregnados na

identidade e marcados pela memória. A “memória é, portanto, um elemento característico da

identidade, tanto coletiva quanto individual, além de ser um elemento importante para o

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reconhecimento e para a valorização de indivíduos ou grupos, agindo para reforçar sua

autoestima”, conforme definido por Murta e Albano (2002, p. 125).

A intertextualidade entre os teóricos entrelaça as ideias sobre os signos identitários,

presentes em rituais dos povos indígenas Sateré-Mawé e povo Sámi, para uma proposta de

aceitabilidade para o turismo étnico indígena. Assim, de forma implícita ou explicita, todo texto

se entrelaça a outros textos que trazem uma gama de referências de outras vivências

enunciativas (COSTA VAL, 1991). É nesse propósito que buscamos compreender ambas as

culturas, descrevendo a intersecção a partir das diferentes realidades.

Em contextos amazônicos, Santos (2010) enfatizou que o fortalecimento econômico e a

crescente expansão do turismo foram acompanhados pelo aceleramento do fluxo em destinos

turísticos diferenciados. Esses fatos permitiram que a etnia Sateré-Mawé buscasse alternativas

de realizar as manifestações culturais sem descaracterizar a cultura. Assim, para o pajé Ismael

da Silva Freitas, “o turista quando põe a mão na luva está valorizando a nossa cultura, além de

promover renda remuneratória para a comunidade”. Com esse sentimento, o pajé tem o desejo

de compartilhar os saberes de forma responsável dentro do turismo étnico. É também o

momento de compreender semioticamente a essência de viver e conviver na empatia e no

intimismo com a Mãe Natureza, aflorando sentimentos, desejos, em harmonia com um universo

geosemântico poetizado pelos cosmos espirituais.

Da mesma forma, o povo Sámi que vive do pastoreio atrai visitantes de várias partes do

mundo, tendo o elemento sígnicos da rena como representante, conforme destacaram Nils Filho

(1999) e Hutchi (1870). Nessa direção, também o povo Sateré-Mawé carrega um dos seus

maiores símbolos, a formiga Tucandeira, usada num ritual de passagem masculino, no qual o

neófito passa ao status de guerreiro, tornando-se, de acordo com as tradições do povo, um

verdadeiro Sateré.

Já para o povo Sámi, pastorear as renas é um estilo de vida que marca a identidade deste

grupo, como destaca Inka Saara Arttijeff (2016). Há uma forte relação do homem Sámi com as

renas que, para Agamben (2017), trata-se de uma forma de conexão entre o homem e o animal.

Conforme a trajetória histórica do único povo indígena da Europa, descrito no primeiro

capítulo, há uma constante ressignificação perdida ao longo da história, na qual se realizam

práticas ritualísticas no cotidiano.

Em se tratando do povo Sateré-Mawé, nos dias de festividade do Ritual da Tucandeira,

o preparo é realizado antes, durante e depois da cerimônia. Como se trata de uma festa sagrada,

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os cuidados e os zelos não são expostos a todos os presentes, somente entre seus pares. Esse

tipo de festa tem atraído muitos turistas brasileiros e estrangeiros que, de um modo ou de outro,

se identificam com a cultura Sateré-Mawé, conforme destacou o tuxaua Pedro Ramãw: “o

turista não quer saber de luxo e conforto e sim apreciar e participar das atividades culturais na

comunidade”.

Um dos elementos que prende a atenção dos turistas é a formiga tucandeira, que segundo

o tuxaua “é uma mulher que atrai o guerreiro para participar do ritual”. Essa personificação da

formiga sugere que “a humanização integral do animal coincide com uma animalização integral

do homem” (AGAMBEN, 2017, p. 122).

Outrossim, Nascimento (2016) nos diz que a origem do povo Sateré-Mawé está

diretamente relacionada com a terra e seus elementos centrados nos animais e no homem. Tais

elementos de algum modo expressam similaridade com os Sámi. Isso permite nossa reflexão

sobre o povo Sámi, que também tem seu modo de vida voltado para a agricultura, para o

pastoreio, dentre outras habilidades. Aos olhos externos, esse modo de vida atrai pela condição

do exótico, considerando a sociedade industrial e tecnológica na qual se vive hoje. Assim sendo,

o contato intercultural trouxe aos povos indígenas, ao longo da história, várias transformações

culturais que instigam reflexões sobre o que é “ser índio”, na perspectiva do próprio indígena

e, também, na sociedade não indígena, como acenou Bauman (2005, p. 83-84).

Para Langer (2018, p. 6), “o trabalho mais recente são as discussões sobre questões da

mitologia, como o xamanismo na área nórdica, que aprofundou questões relacionadas às

crenças sobre estruturas cósmicas verticais e, em especial, os mitos envolvendo o deus Thor,

empregado nas narrativas”. É necessário sinalizar que os mitos para os povos do século XXI

funcionam como projeção da imaginação: “obras da imaginação, reconhecidamente anônimas

e coletivas, mas não por isso menos imaginativas” (RUTHVEN, 2010, p. 72).

Dentro da organização do povo Sateré, em dias de apresentação do Ritual da Tucandeira,

cada membro da comunidade tem uma tarefa na preparação da festa ritualística. São atos de

cumprimento à divindade denominada de Tupana, ligada à natureza. As crianças se preparam

para a mudança da fase pueril para a fase adulta, arrumam a maloca, enfeitando com palhas,

sementes, penas de animais e bambu, do qual fazem um objeto musical chamado de buzina,

conforme figura 11, que utilizam para avisar a chegada de um visitante ou início de um ritual,

estabelecendo forças políticas no espaço.

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Figura 11: Buzina - objeto musical

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

Para Lefebvere (2000, p. 78), “o espaço-natureza se povoa de forças políticas. A

arquitetura subtrai à natureza um lugar para aprestá-lo ao político através de um simbolismo”.

De forma criativa, o passado permanece vivo em cada atitude elaborada e imerso no saber fazer,

no preparo do produto turístico baseado na crença ancestral marcada pelo simbolismo. Saquet

(2015, p. 79) enfatizou que “o espaço é produzido pelas ações dos homens sobre o próprio

espaço, que aparece como paisagem artificial”, em que o trabalho e os ofícios do saber fazer

são valorizados, conferindo ao homem o protagonismo, na composição do produto histórico

(BANDEIRA e COSTA, 2015).

O preparo de bebidas é um ritual de purificação para os Sateré. Eles preparam diversos

vinhos, como o Tarubá – bebida feita da fermentação da mandioca –, o aluar, bebida produzida

a partir da casca do abacaxi, que fica de molho por três dias, e, após fermentado, é misturado

com água. Além do preparo de chás de cascas e ervas como preciosa, capim santo, mangarataia,

entre outros (CARVALHO, 2015). Por fim, o pó do guaraná dissolvido em água, que o torna

elemento demiurgo, é a marca central do povo Sateré-Mawé, chamado Sakpó.

Ao ingerir o Sakpó, “os Sateré-Mawé empreendem a viagem mítica de volta a um

passado espiritual, onde se dá o encontro com o grande chefe da tribo, o guaraná”

(NASCIMENTO, 2016, p. 92). O objetivo dessa ingestão do Sakpó é estabelecer uma conexão

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com o mundo misterioso de origem ancestral dos Mawé. Não estamos falando de uma bebida,

mas do demiurgo desse povo que dá sentido à sua existência, integrado por valores e de

consciência mítica. Assim, dialogando com Uggè (1997, s. p.), destacamos que o povo Sateré

cultiva o verdadeiro guaraná, com os saberes ancestrais desde o preparo da terra até o produto

chegar ao consumidor, e, como já mencionado, é outro signo que marca a tradição atualmente

exportada para a Europa (FIGUEROA, 2016). O preparo e o processo são realizados pelos

próprios nativos Sateré-Mawé, conforme apêndice A.

Atualmente, o guaraná é comercializado para o exterior, conforme dados da Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, 2018). De acordo com o presidente do

Noçoquem, Sérgio Wara Garcia, Sateré, “a partir de 2006 foi constituído o consórcio dentro da

organização política do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), composto por

Tuxauas, lideranças indígenas, para fazer a exportação dos produtos Sateré-Mawé”. Hoje,

França e Itália são exemplos de países que firmaram parceria com o consórcio.

Conforme dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em outubro de

2020, o produto ganhou selo que “concedeu a Terra Indígena Andirá-Marau como indicação

geográfica (IG) para o guaraná (waraná) nativos dos Sateré-Mawé” (BRASIL, 2020). Assim,

tornou-se um dos signos identitários da ancestralidade que tem alcançado referência nacional e

internacional, pois é produzido em área de floresta livre dos agrotóxicos, trazendo benefícios

para a saúde.

Como apresentamos no capítulo I, a saga dos povos indígenas após migrarem para as

áreas urbanas, passou a ser a de comercializar produtos derivados das Terras Indígenas (TI),

mostrando-se como forma de não perder a identidade. Nesse contexto, a indígena e artesã Sônia

Vilácio (2019), da etnia Sateré-Mawé, em entrevista, nos disse: “os produtos e a matéria-prima

são fontes de geração de renda para as famílias indígenas”. Dessa forma, é importante para o

desenvolvimento do turismo como estratégia de fomentação da independência dos indígenas

(PETTERSSON, 2001).

A partir dessa narrativa se faz necessário uma política governamental para garantir não

somente a divulgação cultural, mas principalmente emprego e renda para os produtores da

cultura (PETTERSSON, 2001). Igualmente, essas atividades merecem receber maior atenção

dos gestores na elaboração de políticas públicas específicas para o desenvolvimento do turismo

étnico, bem como ações ordenadas para diversas regiões e localidades.

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Durante a imersão no campo etnográfico da pesquisa, podemos destacar a narrativa do

tuxaua Sateré-Mawé, da comunidade I’nhãa-Bé, área do município de Manaus. Em entrevista,

esse relatou: “eu tenho sido procurado por pequenos grupos de turistas, que apreciam a tradição

cultural do povo Sateré-Mawé”. Para Mello (2019, p. 82), “o apelo ao consumo dos signos do

exotismo nas experiências em viagem não é algo novo, embora seja discursado e manifestado,

contemporaneamente, como tal”. Assim, a cultura tem sido divulgada a grupos de turistas que,

para o Tuxaua, trata-se de uma atividade que “deve ser sustentável”, pautada no fundamento da

economia e preservação do ambiente, na garantia da sobrevivência para as famílias que compõe

as etnias presentes nos municípios de Tromsø e Manaus.

Dessa forma, garantir a tradição cultural das populações merece um olhar

governamental na criação de políticas públicas que apoiem as atividades promovidas pelos

indígenas, a fim de garantir a sustentabilidade, autogestão e a inserção social por meio do

turismo étnico, além de resguardar por mais tempo as práticas dos rituais das populações.

2.4. Ritualística indígena e xamanismo

Leach (2009) elaborou uma abordagem dos rituais que privilegia os significados em que

acena para uma nova visão do sentido do ritual, não visto somente como religiosidade, mas

sobretudo apoiado no plano dos significados. Nessa direção, os rituais estão em toda parte, no

ato diário de um indivíduo, no trabalho, no ambiente familiar, nos costumes de um povo, como

pescar, ir à roça para realizar o plantio, entre outros.

Nesse entendimento, turismo étnico para Santana Talavera (2003) é um segmento de

igual para com o turismo alternativo, junto ao turismo ambiental e o ecoturismo. Segundo Little

(2002, p. 40), “é o nível local que começa o processo de construção da autogestão étnica”. É o

desejo de buscar novas alternativas econômicas das populações indígenas em espaços urbanos,

pois eles concorrem desigualmente em terras não indígenas, onde o capitalismo tem poder de

compra e venda.

Na promoção do turismo étnico, os indígenas transformam os rituais em momentos

memoráveis aos turistas, apresentando tais contextos naturalmente como oferendas, em forma

de agradecimento ao deus. “A oferenda precisa ser um coquetel para pedir ajuda dos espíritos.

Então, para pegar um peixe, precisa em entrar num transe”, numa invocação ao Ser supremo,

destacou Trine Marit (2019), esposa do xamã, em Tromsø, Noruega (ELIADE, 2010).

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106

Ainda nesse contexto, ao adentrar no campo da pesquisa, em Tromsø, a senhora Trine

Marit nos recebeu com o elemento pedra. Este elemento foi recolhido das margens do mar,

sintonizada com os elementos da natureza como forças positivas e energizantes, sendo

representados por vegetais, minerais, além dos elementos fogo, terra, ar e água. Essa ritualística

nos remete paz espiritual e, segundo Boff (2016, p. 146), “tal dinamismo pode ser visto como

uma totalidade integrante e auto-organizante”, sendo um processo emergente do planeta dos

seres. Essa atitude nos mostra que a vida diária dos povos indígenas em qualquer lugar do

mundo é sempre carregada de crenças que reafirmam o poder empregado nos signos, seja nos

cantos de guerra, nas expressões orais, receitas e ou nos grafismos indígenas que constroem

imagem para o destino turístico. Esses simbolismos “são elementos de afirmação cultural”,

conforme expressos por Santos (2015, p. 125).

Castro (1996) enfatizou que a tradição cultural de um povo é representada pelos saberes

dos povos indígenas ancorados dentro de elos da ecologia, de forma natural e cultural. Esses

saberes têm atraído os não indígenas, sobretudo o turista no contexto do turismo étnico, que se

apoia na cultura de fazer a imersão no cotidiano de um povo. Esse fato foi vivenciado no

município de Tromsø, por meio da agricultura, que é tradição do povo Sámi de se firmar na

Terra, no ato de plantar para se alimentar saudavelmente, por isso convivem com árvores

frutíferas em suas plantações e só retiram da natureza o que vão consumir. “Tal vivência é,

antes de tudo, uma mística que mobiliza as pessoas a viverem o equilíbrio ecológico” (BOFF,

2016, p. 183).

Conforme destaca Asad (1989, p. 268), a ritualística do povo Sateré-Mawé e Sámi é

desafiadora, de forma a reafirmar o fortalecimento dos rituais, impregnados na “vida social,

histórica e cultural, de representações imagéticas”. As culturas nórdicas e amazônicas, podem

apresentar elementos sintáticos que estabelecem uma relação de coesão, nos ritos, nos adereços,

nas pinturas corporais, nos grafismos e nos ritos do pajé, aquele que tem o poder de tratar o

corpo e a mente por meios da cosmologia indígena.

Os ensinamentos do pajé, como rezas, bebidas, cantos, danças, uso de plantas

medicinais, uso de sementes, colares, pinturas, grafismos indígenas ancorados na semiótica da

natureza são elementos simbólicos, carregados de significados, os quais são usados durante os

rituais do povo Sateré-Mawé. Isso mostra “um novo estilo de vida, assentado sobre o cuidado,

a compaixão, a sobriedade compartida, a aliança entre a humanidade e o ambiente” (BOFF,

2016, p. 183). Compreender a cosmovisão é respeitar e manter vivo o imaginário poético de

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107

cada povo, no respeito às tradições, por meio dos signos, os quais certificam e validam a

tradição e a identidade dos grupos étnicos, num diálogo semântico.

Assim, a linguagem é simbólica e carregada de signos, os quais motivam o indivíduo à

imersão nas práticas ritualísticas em diversos momentos da vida, ligados à questão filosófica

do significado. Essas linguagens simbólicas se realizam, também, como figuração do que se

representam na sociedade, expressas por signos (EVERETT, 2019).

Os sistemas simbólicos estão ligados à expressão verbal, além de “ações simbólicas,

denominadas de não verbais” (LEACH, 2009, p. 13). Tais ações estabelecem comunicação,

acionando as estruturas dos sistemas mentais, sintaticamente relacionados. Parafraseando

Peirano (2003), vivemos em sistemas de rituais complexos, conectados diariamente, contínuos

e eternizados que marcam momentos cíclicos. Esses momentos se repetem inconscientemente,

como o ato de tomar banho e escovar os dentes.

Como analisou Robert Darnton (2010), esses novos conceitos de ritual em contextos

contemporâneos nos trazem novas leituras para encontrar o significado em vários contextos no

mundo, pois o homem constantemente vive momentos ritualísticos, simbólicos, ressignificando

para se firmar em um tempo que está em constante mudança. Nesse pensamento, a partir das

ideias de Leach (1996), o ritual se conforma como uma linguagem de significados semióticos,

em que os indivíduos e grupos se manifestam por coisas socialmente definidas por uma nação.

Dessa forma, tanto os rituais quanto os mitos, podem ser tratados como linguagens de signos

entrelaçados à língua e à estética, expressando as pretensões dos indivíduos, em qualquer

situação da vida.

Com base no que vimos nesse capítulo, a visão semiótica a partir das culturas dos povos

Sateré-Mawé e Sámi são diversas. Por meio de representações vistas na natureza, no

xamanismo e na mitologia tem sido possível se constituírem atrativos para turistas que preferem

prestigiar um segmento autêntico, em que se possa estabelecer um elo não somente com a

natureza, mas com o espiritual, a partir das vivências ancestrais de outras culturas. Logo, cada

prática tem sentido polissêmico que carrega um sentimento de pertencimento das nações.

No que diz respeito à natureza, essa faz parte do cotidiano dos povos, como a Mãe-

Terra. Já o xamanismo é uma prática espiritual voltada para a cura e pautada nos ensinamentos

ancestrais. Para Santos (2007, p. 230), as “práticas xamânicas foram indiretamente registradas

e frequentemente não reconhecidas durante muito tempo”. Por fim, é na etnicidade que reside

a essência dos povos; é nas práticas que o signo se apresenta como marcas identitárias.

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108

CAPÍTULO 3 – DA MITOLOGIA DE ORIGEM SATERÉ-MAWÉ À MITOLOGIA

SÁMI: SÍMBOLOS E SIGNOS DE UM POVO PARA O TURISMO ÉTNICO

3.1. A cosmovisão do povo Sateré-Mawé

No nosso serpentear pela magia do povo Sateré-Mawé – nativo da região amazônica e

envolvido em seu elo xamânico –, apontamos para três signos identitários: o poratin ou

purantin, o Ritual da Tucandeira (waymat) e o guaraná (waraná). Símbolos identitários

carregados de sentimentos ligados à tradição do povo, abancado na essência dos mitos

transmitidos a cada geração (TORRES, 2014). Nesse viés buscamos compreender os aspectos

importantes da ritualística do povo Sateré-Mawé e Sámi seus símbolos e signos para o turismo.

O primeiro, conhecido entre os Mawé como remo sagrado (ALVAREZ, 2009), possui

o formato de um bastão com aproximadamente 1,20 m e se destaca por guardar as escrituras do

povo, apresentando descrições enigmáticas. O desvendamento das iconografias intrigantes do

Poratin é feito somente pelos sábios Sateré, que conseguem decifrar a representação visual de

símbolos e imagens de grande valor estético e cultural. Segundo o tuxaua Pedro Ramãw, o

Poratin “permanece guardado nas terras indígenas em poder dos sábios, em um lugar sagrado.

Ele viaja de comunidade em comunidade para evitar ser roubado. Ninguém sabe seu real

paradeiro. É uma forma de mantê-lo escondido, guardado”.

Acerca disso, Figueroa (2016, p. 65) aponta que o objeto não é “mais observável na

prática, mas que é mantido na memória dos narradores”. Porém, quando inquerimos sobre o

remo Poratin, ele é visto como elemento sagrado, sendo um símbolo sacramental, uma memória

viva, da qual os Sateré Mawé se reportam como “escritos sagrados”. (SOUZA, 2011, p. 30).

Para o pajé Sahu, o “nosso sentimento é de respeito pelo remo sagrado”. Poratin é um signo

valioso dos Sateré-Mawé, que atribui ao Sateré a qualidade de ser um bom menino e um bom

caçador; com significados que regem o caminhar da vida, sem doenças e com fartura na

produção da lavoura (TORRES, 2014).

O segundo elemento representativo dos Mawé é o Ritual da Tucandeira, que tem como

elemento sígnicos a formiga, na qual reside o tempo xamânico do povo, conforme mosaico da

figura a seguir, é “multiforme e determinante na educação dos Sateré Mawé como indivíduo,

grupo tribal e consciência de povo” (UGGÉ, 1991). No Ritual, a Tucandeira tem o “poder de

vacina do índio”, assim destacou o tuxaua Ramãw. Ela é elemento de cura, cuja representação

está nas picadas das ferozes formigas Tucandeiras. Além disso, os Sateré acreditam que esta

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109

seja a personificação de uma mulher que atrai o indígena para participar do momento de

transição. Ela desfolha do toco de uma árvore chamada envireira (A) e se destaca por ser valente

e furiosa, figura 12.

Figura 12: Mosaico toco da árvore envireira e luva com Tucandeiras.

Fonte: CARVALHO J. M. (2019).

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

A personificada formiga (B) convida o neófito a adentrar no ritual, atraindo-o, em

obediência ao deus Tupana. Em entrevista sobre esse Ritual, o jovem Sateré-Mawé, Rucian da

Silva Vilácio (28 anos) disse: “após eu passar pelo ritual, eu me senti mais fortalecido, a

Tucandeira me deu saúde e poderes para enfrentar a vida, na saúde e na relação matrimonial

familiar”. A cerimônia do ritual de passagem gera mudanças significativas no grupo e,

sobretudo, para o iniciante. Um momento de aprendizagem passado de geração a geração, com

o mesmo sentimento de pertencimento do povo, isto é, de ser guerreiro Sateré, incluso dentro

da nação, de forma “recuperadora e reguladora” (TURNER, 2005, p. 78).

No período da colonização, os rituais eram vistos como atos diabólicos, pois fugiam da

concepção de fé e eram considerados heresias, idolatrias pagãs. Contudo, segundo Canto (2013,

p. 68), “muitas tribos não tinham a noção de Deus, Diabo, céu ou inferno, anjos, mas tinham a

noção do bem e do mal”. Para alguns colonizadores, por desconhecimento acerca dos rituais,

os indígenas não tinham almas. Para os indígenas, tudo era praticado como ritual festeiro, numa

celebração simbólica de qualquer fato da vida, como a roça e a pesca.

Canto (2013, p. 70), a respeito de outras celebrações indígenas, descreveu uma narrativa

do padre João Daniel sobre o rito de passagem de mulheres e homens Sateré-Mawé, no período

da colonização da Amazônia. Sobre esse rito, o autor destaca a visão do padre da seguinte

maneira:

A B

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110

[...] não é menos ridículo o segundo abuso que observam com as filhas, na primeira

vez que lhes vem a regra, porque então metem a mão no gênero de cesto, a que

chamam cofo, e neles como em gaiolas as sobem com uma corda até a cumieira da

casa, e ali fazem jejum e rigoroso silêncio, e recolhimento; e quando lhes dão as velhas

(sábias), mingau, certa bebida que faz com farinha e mais nada. E isto depois de tantos

dias, as descem [...] descoradas da rigorosa abstinência (CANTO, 2013, p. 70).

Da mesma forma, o ritual para os homens acontecia com uso das formigas:

Não é menos bárbaro o modo com que os moços para saírem valentes aos quinze anos

de idade. Deve-se saber que há uma casta de formigas, que atazanam a carne, grandes

e cruéis: levam pois os Maués ao seu candidato de valentia junto a boca do

formigueiro, e prendendo-lhe o braço direito com lançadas de fitas de várias cores,

que adquirem nos resgates do guaraná, e então lhes metem o restante do braço no

formigueiro até o cotovelo, e por mais gritos que o padecente dê, ninguém o socorre:

assim sofre ou altura de três dias o martírio, que tanto tempo se deixam as formigas

estar pegadas. Acabados com vidros retalham o braço correndo com o fio agudo a

disforme inchação e acudindo com ervas, fica o índio graduado valente (CANTO,

2013, p. 70).

Na valentia para alcançar o status de guerreiro, como filhos do guaraná, os indígenas

buscam na floresta o grande potencial que a natureza oferece. O poder de cura por meio das

plantas medicinais tem firmado vida harmônica do homem para com a natureza. Para Ramos

(2001, p. 202), “a natureza é compreendida como uma totalidade hierarquizada que vai do reino

mineral, vegetal, animal, culminando no homem”. É da floresta que sai todo o sustento dos

povos indígenas, que no remar da vida caminham resistindo ao tempo.

Toda a filosofia de vida é repassada a cada geração, ancorada nas narrativas dos

antepassados. As comunidades Sateré-Mawé realizam o Ritual da Paca, também conhecido

como Moça Nova. Na comunidade I’nhãa-Bé, o ritual da Moça Nova se deu com a filha do

tuxaua, aos treze anos de idade. Foi no ano de 2017 que a menina (Pyã), filha mais velha dos

três filhos do casal Irá e Ramãw, passou pelo ritual feminino. Mediante um relato, o líder afirma:

“eu fiquei emocionado, daí fizemos como minha mãe Zeila Kutera (in memoriam) ensinou para

minhas irmãs e tudo foi resolvido com a mãe”. Por sua vez, a jovem iniciante, nos relatou que

ficou nervosa e com vergonha: “pensei que eu tinha me ferido e que não podia subir na árvore”

(JOVEM A, 2017).

Diante do momento do ritual da Moça Nova, que a adolescente estava passando, a mãe

nos relatou sua ação e atitude diante de ter uma filha passando pelo ritual feminino.

Coloquei a minha filha na rede, ela estava assustada e chorava muito, dizia que estava

sangrando muito. Ao perceber do que se tratava, conversei com ela explicando que

estava passando pelo ritual da Moça Nova. Separei os utensílios, como bacio, rede,

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111

cuia e água. Ela ficou por 15 dias isolada, se alimentando de peixe, pirão, chá e mingau

de tapioca. Nossa tradição é conversar explicando como zelar das roupas intimas e

nem pular no rio” (Entrevista da mãe Irá Ticuna, em outubro de 2017).

Segundo Nascimento (2016, p. 168), “as memórias ancestrais têm força e se encontram

manifestas em rituais de passagem, principalmente do Waiperiá ou da Tucandeira, mais

conhecido (ritual masculino) e o da Paca ou Moça Nova (ritual feminino)”. Esses cuidados com

a saúde, como repouso e alimentação são primordiais para a saúde da mulher, como destacou a

mãe da jovem. Para o tuxaua, “os rituais fortalecem nossa cultura”. Para a tuxaua da

comunidade Sahu-Apé, Sra. Midian da Silva, “todo menino (curumim) tem que cumprir as

etapas do ritual, eu não tenho sentimento pelas dores, isso faz parte da nossa cultura, é a formiga

que cura e que vai tornar um guerreiro”. Ela demonstrou o reconhecimento ao divino e ao

sagrado dentro do cotidiano indígena.

Nesse ínterim, a Floresta Amazônica, desde a sua colonização, é tida como exótica e

temida por apresentar uma cultura diversificada, permeada por mitos e certo mistério em suas

terras, além de proporcionar inúmeras riquezas da fauna e da flora. A respeito do termo exótico,

destacamos que esse, na língua europeia, significava aquele que não é natural da Europa ou

povo ocidental (OLIVEIRA; ZEFERINO; PINHEIRO, 2019), e foi a partir desse pensamento

do colonizador que o exótico amazônico se difundiu.

Ao observarmos a comunidade Sahu-Apé, em Manaus, constatamos que os turistas têm

procurado os espaços indígenas para ouvirem as narrativas e vivências desses sujeitos. Exemplo

disso é a visitação à farmácia indígena, denominada de kunã, onde o pajé explica as

propriedades místicas e curativas de seus remédios, interagindo com os turistas e, às vezes,

diagnosticando “mau-olhado”4, curando a mente e o corpo. Dialogando com Nascimento

(2013), a preparação dos remédios é um ritual, pois envolve saberes e fazeres específicos.

Igualmente, a cura espiritual na farmácia indígena é o local de preparo de remédios com plantas

medicinais da Amazônia, como mel de abelha, arruda, cipó-alho, mastruz, dentre outras.

No campo etnográfico, presenciamos a retirada do mel das casas em que as abelhas o

produzem; elas se alimentam das plantas nativas do local, sem risco de agrotóxicos, o que

permite a produção de um mel puro e de alta qualidade. Nessa visita, presenciamos grupos de

turistas que fizeram a aquisição de 20 ml de mel, no valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).

Esse fato demonstra que os turistas buscavam do exótico, o que fosse autêntico e distinto da

4 Na concepção amazônica, significa pessoa que adoece pelo olhar maldoso do outro.

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realidade deles, por isso a compra de um produto que, além de ter sido produzido por indígenas,

era também livre de conservantes. É assim que o sentimento simbólico faz parte do cotidiano

aliado ao empoderamento local; esses imaginários são infinitos (LANGER, 2015), seja em

curas do corpo físico ou no âmbito espiritual.

No turismo étnico, a presença do marketing passa pelos próprios turistas que, ao

vivenciarem experiências junto aos povos indígenas, disseminam os serviços prestados por eles.

Na comunidade Sahu-Apé, a tuxaua Midian afirmou que “muitos turistas agendam visitas para

conhecerem a vida diária dos moradores, participam do ritual, convivem com o pajé usando os

remédios caseiros”, esses, por sua vez, são preparados com ervas extraídas da natureza.

Em 2019, no campo etnográfico, acompanhamos a turista senegalesa, senhorita Eva

Preira, até as comunidades I’nhãa-Bé e Sahu-Apé. Ela conheceu o ritual, os signos e toda a

magia desses lugares. Eva relatou que “a cultura dos povos precisa ser valorizada, é a identidade

do Amazonas” (PREIRA, 2019).

Na comunidade I’nhãa-Bé, a turista participou de brincadeiras com as crianças, fez

trilha na floresta e apreciou a gastronomia indígena do guaraná ralado, sakpó. Na comunidade

Sahu-Apé, a senhorita Eva Preira assistiu a apresentações de cantos indígenas do coral sahu’hi

- das crianças, fez grafismo no corpo e aquisição de artesanato. A floresta lhe prendia a tenção

pelas narrativas dos indígenas, além de poder beber o verdadeiro guaraná da Amazônia, fato

que o deixou fascinada.

Nascimento (2013, p. 39) enfatiza que “o canto é uma espécie de mantra com frases

curtas e repetitivas fazendo alusão às origens dos animais, das plantas e das primeiras

manifestações da origem da etnia”. Em geral, eles são ricos em refrões que são repetidos várias

vezes e suas letras são narrativas que evocam a bravura do povo ao longo da história. Os cantos

remetem às vivências cultural, espiritual e históricas, formando um manancial de

conhecimentos filosóficos do povo, pautados na rica mitologia em que as divindades regem o

certo do povo.

Quanto à forma, ela é considerada uma ode, segundo Moisés (2002, p. 374). A oidê é

um poema lírico, de origem grega, destinado ao canto. Nesse sentido, os cantos do Ritual da

Tucandeira constroem um enredo que explicita a identidade Sateré-Mawé, indicando sua terra

de origem, sua história e cultura, atribuindo a esse povo a característica de guerreiro da floresta.

A cada pisadela dos passos do ritual e a cada ruflar dos tambores ecoam aos seres ancestrais.

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Os Sateré-Mawé são uma etnia épica, caracterizada por seus feitos heroicos e pela valentia que

resistiu ao período de guerras, ao preconceito e à imposição de outras culturas.

Durante a cerimônia do ritual de iniciação masculina, são entoados vários cantos que

narram epicamente os fatos heroicos de seus ancestrais. Esses cantos são litanias versadas que

apresentam diferentes temáticas, como a floresta, com sua fauna e flora; evocação às guerras, e

invocação às divindades. A exaltação aos animais e às florestas, para Yamã (2007, p. 36), “é

reencarnação dos espíritos dos Grandes Paini”, designação para Pajé, em Mawé, sacerdotes do

deus do bem, que devem ser respeitados.

Percebemos que a natureza dialoga com o turismo étnico sendo um elemento de

estímulo e prospecção para os que a admiram e a veneram. Ela tem poderes fitoterápicos de

conhecimentos ancestrais motivadores para o turista ou para visitantes na atualidade. Assim, o

turista se entusiasma com o povo indígena, pela tradição cultural no município de Manaus e no

seu entorno.

A mítica do verdadeiro guaraná, chamado de waraná pelos Sateré-Mawé, apresenta um

enredo permeado de heroísmo numa relação de afetividade e de sentimentos ancestrais; um

marco natural sagrado no tempo em que os animais eram gente, segundo Nunes Pereira (2003).

É uma narrativa mágica em que aparecem elementos da natureza, como o sol, água, terra,

florestas, além dos seres vivos. Nesse cenário, existem as proibições para quem romper o

território sagrado, acarretando punições dos sobrenaturais.

Os personagens míticos têm poder de seduzir e de encantar, conforme trecho extraído

do mito de origem: “uma cobrinha, conversando com outros animais, certa vez, disse que

Onhiámuáçabê acabaria sendo sua esposa. Foi então espalhar pelo caminho por onde ela

passava todos os dias um perfume que alegrava e seduzia” (NUNES PEREIRA, 2003, p. 131).

A cobra é vista como um elemento articulador dentro do processo, pois ela tem a capacidade

de sedução, de encantar e de causar intrigas no lugar. A presença de animais e metáforas nas

narrativas é constante dentro dos variados enredos míticos (MACIEL, 2016).

O guaraná, waraná teve seu uso descrito pelos missionários Dom Frei João de São José

e Queiroz em Pinhel (2004 apud CANTO, 2013, p. 48): “sobre os índios Maués, costumam

estes índios nas suas solenidades saírem com flautas de canelas de brancos e beber o seu

adorado guaraná por cuias, pintadas de cores de várias cores”. A narrativa em torno do guaraná

tem estimulado outras pessoas a buscarem conhecimento acerca da cultura sateré. “O consumo

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compartilhado do sakpó é o suporte tradicional principal para o trabalho coletivo e a ação

política” (FIGUEROA, 2016, p. 62).

Assim, para Gastal (2015), a tradição cultural se fixa na memória do turista quando este

for revivê-la, representando materialmente o destino turístico e imaterialmente essas

experiências. No entanto, devemos garantir o patrimônio cultural, apoiando a diversidade; na

proteção e a liberdade de expressão; a fim de possibilitar políticas visionárias capazes de se

relacionar com as questões sociais, ambientais e econômicas (FERREIRA, 2017).

Nessa direção, o patrimônio cultural waraná, segundo Nascimento (2015) é o demiurgo,

princípio organizador ancestral do povo Sateré-Mawé, responsável por manter uma harmonia

terrena e espiritual dos que se embebedem da seiva ancestral. Assim, a mitologia nos faz

acreditar que os poderes xamânicos do pajé (paini, na língua Mawé) estão para além da cura.

A partir disso, “em torno do guaraná, os Sateré-Mawé articulam a concepção de uma sociedade

que se volta para ela mesma, idealizando a circulação coletiva e pacífica da palavra”

(FIGUEROA, 2016, p. 62).

O saber fazer na ritualística do guaraná, cientificamente denominado de Paullinia

cupana, reside no zelo do processo ancestral, do preparo da agricultura, do plantio, da colheita,

do benefício e da mística do çapó/ sakpó. Em reuniões e Assembleias, a bebida waraná marca

os encontros políticos memoráveis. De acordo com o Uggé (1993, p. 28) “é um momento de

torná-lo juntos e reviver, reforçar a memória tribal”. Após a colheita em Terras Indígenas – na

região do rio Andirá e Marau, municípios de Barreirinha e Maués, respectivamente –, o produto

beneficiado em bastão é separado para as reuniões anuais.

Atualmente, com a produção do guaraná no cenário internacional, elaboramos um

fluxograma, apêndice (A) da produção do produto do guaraná, com o apoio do Presidente do

Noçoquem e do Sateré Vilácio (2020), em que percebemos a originalidade do produto

tradicional e todo o envolvimento das lideranças do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé

CGTSM. No fluxo percebemos o início da origem do alimento, desde o preparo da terra,

plantio, colheita, seleção, secagem do produto até a chegada ao consumidor.

A seguir, apresentamos duas imagens: a primeira (figura 13) expressa o suporte patawi;

a segunda (figura 14), o waraná em bastão dissolvido em água preparado para realização de

reuniões.

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Figura 13: Signo Sateré-Mawé: patawi.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

Na ritualística do preparo do waraná (guaraná), está guardado o segredo existencial do

povo da floresta, que agrega sentido político, marcado na cosmologia dos Sateré-Mawé. O

guaraná é movido por narrativas que acendem a memória da cultura do povo, é onde nascem as

decisões para o grupo. No processo, o guaraná, em formato de bastão, é ralado por mulheres

conhecidas como “aguadeiras”.

Para triturar o alimento, as aguadeiras utilizam uma língua de pirarucu (peixe amazônico

de grande porte), dentro de um recipiente oval denominado cuia, que é colocada sobre o patawi.

Esse objeto é descrito como um “conjunto de utensílios associados, os materiais de que são

feitos e o tratamento dado no preparo são específicos e associados a atributos positivos”

(FIGUEROA, 2016, p. 63). No preparo do waraná há rodadas das narrativas relembrando as

belas histórias do povo entre as senhoras “aguadeiras”, e, consequentemente, repassadas por

gerações.

Nessa fase, o Sakpó ao ser preparado pelas mulheres, é servido a todos durante toda a

cerimônia. Essa bebida não pode faltar, pois é energética, sendo fundamental para manter o

equilíbrio do organismo. Para Nunes Pereira (2003, p. 83), trata-se de “uma bebida

entorpecente”, isto é, uma bebida que provoca intensa energia. “A partilha do capô precipita

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uma fusão de imagens entre o tuxaua e o guaraná, como chefe que exerce seu poder mediante

um aconselhamento” (FIGUEROA, 2015, p. 62). Para uma boa conversa dentro da família, “o

sakpó acalma os ânimos”, destacou o tuxaua Ramãw (2020).

Alvarez (2009, p. 147) descreve que “a função do sakpó seria a organização do trabalho

comunitário e coletivo”. Isso é evidenciado no passar da cuia para todos que estão presentes

nas cerimônias ritualísticas, pelos participantes e apreciadores.

Figura 14: Waraná (guaraná).

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

Em entrevista, a senhora sateré, Maria Silva (68 anos), enfatizou que o verdadeiro

guaraná é plantado nas terras indígenas, a partir de um processo ancestral que inicia com o

preparo da terra e vai até o processo da colheita. A mulher tem o ofício de ralar/ triturar o bastão

do guaraná na língua do pirarucu e, durante a celebração, essa tem a função de “iniciar a rodada

ancestral da bebida, que é o momento de pedir ao deus Tupana: saúde, proteção, boa colheita,

ensinamentos” (Maria Silva, indígena Sateré). As infusões de ervas como bebida natural,

também conhecidas como cachaça, é um estimulador, e, junto ao cigarro, ao maracá e às rezas,

também fazem parte do xamanismo tupi, um processo de cura do Pajé (RIBEIRO, 2000).

A mística cosmogônica tem despertado o imaginário coletivo dos que visitam as

comunidades, promovendo o empoderamento dos que nela habitam e aumentando as

possibilidades de manutenção e conservação dos povos e do meio ambiente. As questões

ecológicas têm sido a bandeira de luta pelos povos indígenas, de modo a garantir a

sobrevivência do planeta.

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3.2. O universo xamânico do povo Sámi

Passamos aqui a navegar pelas narrativas das práticas xamânicas considerando os

tempos atuais em que a mídia eletrônica está direcionada ao mercado tecnológico, e nos quais

as pessoas vivem em tempo acelerado. Assim, na compreensão morfológica do universo

xamânico, que carrega os dados ancestrais e sagrados, é possível observar a essência espiritual

Sámi, mesmo diante do atual cenário de constantes mudanças.

Para Dorsch (2017, p. 24), a cultura Sámi se firma nas “tradições espirituais, com

especial foco na união entre o Homem, a Natureza e o Espírito”. A relação homem e natureza

se estabelece de forma bilateral e organizada, a fim de garantir os costumes assegurados por

leis próprias do povo, para promover sustentabilidade e igualdade no Ártico (HICKS, 2001).

Dorsch (2017, p. 22) enfatiza ainda que a relação entre Sámi e natureza vai além dos modos de

subsistência, das técnicas utilizadas e da sua localização. Essa relação ficou assente em lendas

e histórias, tornando-se cultura do ambiente; foco do mundo Sámi. Em todas as narrativas a

natureza apresenta cenários exuberantes entre os fiords, mas também demonstra a força da

mitologia deixada pela ancestralidade.

Hoffmann (2008, p. 82) destacou que “o processo de afirmação da identidade étnica dos

Sámi ganharia novos contornos na primeira metade do século XX, quando esse povo começou

a buscar formas de expressão política ligadas à defesa de seus interesses”, as quais passam pelas

organizações denominadas de Parlamento Sámi.

Nesse início de século, com o avanço das tecnologias, ocorre um estreitamento de

informações de modo híbrido. Com base nisso, questionamos: em tempos líquidos, em que tudo

passa tão despercebido, irregular e inconstante, o que os povos indígenas nos ensinam? Trata-

se de uma inquietação que tentaremos responder, a fim de contribuir para uma reflexão acerca

do xamanismo Sámi.

De início, trazemos à tona os atos xamânicos, que são técnicas introduzidas por danças,

batidas de tambores, cantorias, plantas alucinógenas, jejuns, isolamento, sofrimento físico ou

psíquico, comunicação com os espíritos ou divindades, além da conexão natural com o

elemento natureza (FAUR, 2014). A respeito disso, a senhora Sámi, Trine Marit, em entrevista,

nos relatou que “o xamanismo envolve a espiritualidade que gira no batuque do tambor em

sintonia com a natureza e os espíritos, ecoada pelo yoiks”. Essa visão de Marit é expressa

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também por Dorsch (2017), em que pese a natureza como um elemento integrador entre

antepassados e o futuro, estreitando os laços ancestrais.

Assim, no campo da pesquisa em Tromsø, na comunidade Sámi, o uso dos tambores

está presente no ritual de acolhida, ressoado pela canção denominada yoiks, cujo intuito é o de

evocar os espíritos. De acordo com a história, os tambores – com formatos redondos ou ovais

e adornos típicos que retratam o povo – rememoram fortemente as celebrações ritualísticas. Os

tambores remetem a atos do xamanismo do tipo runebom que, de acordo com Ahlback e

Bergman (1991, p. 37), é o ponto central do xamanismo, “um tambor relativamente pequeno,

geralmente oval, muito leve e portátil, com grafismos de animais ambientados”.

Noutro contexto, a senhora Sámi Unni Lundstedt (2019) relata a procura pelos serviços

do xamã, Noaidi. Ela nos conta que as pessoas o buscavam para alcançarem algum tipo de cura

com tratamento e conhecimento milenar. Noaidi, por conta de sua sabedoria, é respeitado e

notado por ser um chefe admirável na cultura Sámi. Alves (2018) destaca que noaidi é o nome

dado aos xamãs capazes de penetrar em diferentes mundos espirituais ao entrarem num estado

de transe por meio de rituais, sacrifícios e canções. Aqueles que fizessem uso dos cuidados do

Xamã eram chamados de feiticeiros primitivos (LEHTOLA, 2005, p. 16). Unni Lundstedt

(2020) relata com sentimento de tristeza que, os que procuravam um xamã sofriam duras penas;

“a história revela que, nos anos 1600, muitos Sámi foram sacrificados e queimados em

fogueiras, pois suas práticas eram consideradas bruxaria”.

Ele estabelece a relação tríade do deus, do filho e do espírito, como o guardião de

saberes. Vale ressaltar que, apesar de a tradição e sabedoria Sámi se destacarem, no decorrer

do tempo foram marcadas pelo preconceito da igreja. Todavia, é possível perceber a resistência

da cultura desse povo em diversas manifestações, como no uso de ervas para curar doenças ou

acalmar os espíritos.

Também em campo de pesquisa, outro exemplo da expressão cultural dos Sámi, ocorreu

com Trine Marit (2019). Essa senhora, diante de nós, muniu-se de meio metro de corda e a

dividiu em seis nós, explicando que “tudo na vida era como uma corda com nó, e a cada dia

devíamos superá-los”. Esse gesto reafirmou a cosmologia como um elemento forte na dinâmica

diária dessa comunidade.

Retomando a figura emblemática de Noaidi, Dorsch (2017, p. 36) enfatiza que esse

“agia como intermediário entre os mundos espiritual e material”. Na sua maioria, as divindades

estabelecem uma relação com a espiritualidade, as quais surgem, geralmente, para alegrar,

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aborrecer, castigar ou entristecer os Sámi (FAUR, 2014). Conforme Ahlbäck e Bergman

(1991), com o bater o tambor, os noaidi atingem um ritmo intenso que representa o êxtase.

Assim, o xamã entrava num estado de transe, induzido pelo bater de um tambor, figura a seguir,

com imagens míticas desenhadas na pele de rena, na figura 15.

Figura 15: Modelo de tambor com elementos rúnicos.

Fonte: Geassemánu (2011).

A partir das imagens iconográficas, é possível observar que, no centro, a serpente se

apresenta como marco divisor do universo, destacada pela natureza que aparece como mãe dos

seres vivos, alimentando e nutrindo os seres.

Esses, por sua vez, são comunicados por divindades representadas pelos elementos da

natureza: o Sol, a Lua, a água e a terra, ritualizados a cada estação do ano. Foi por meio desse

cenário mágico que novamente Trine Marit (2019) nos explicou a proteção da cobertura do

tambor em pele de rena.

Vale relatar que houve uma época em que os tambores foram classificados pelos

missionários como instrumentos de performance diabólica e muitos foram queimados e

abolidos da cultura (DORSCH, 2017).

Nesse período, os Sámi eram vigiados e proibidos de realizarem ou praticarem qualquer

cerimônia secular, pois se acreditava que mediante atividades como essa, os participantes

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estariam se comunicando com os espíritos malignos, diabólicos, no momento de incorporar o

transe, conforme explicou Unni Lundstedt (2019).

Desse modo, muitos nativos que desejavam continuar praticando a tradição cultural

eram considerados apenados, não somente pelos missionários estrangeiros, mas também por

professores e funcionários do serviço público. O preconceito era tanto que, até mesmo uma

parte do povo Sámi que se converteu ao cristianismo, não aceitava determinadas práticas

ritualísticas.

Retomando a simbologia dos signos dos rituais, para Langer (2012, p. 23), há “vários

desafios interpretativos e diversas fontes iconográficas e literárias a serem analisadas. A relação

entre texto e imagem na Alta Idade Média ainda é pouco investigada pelos historiadores”.

Prosseguindo nossas descobertas, apresentamos a seguir o tambor Sámi do Norte, usado nas

celebrações ritualísticas de acolhida e evocação aos espíritos por meio dos cantos yoik,

conforme figura 16.

Figura 16: Tambor Sámi Norte.

Fonte: CARVALHO J. M. (2019).

A sintonia com o ritual permite que o turista se envolva cantarolando e realizando

degustação da gastronomia Sámi, participando da tradição cultural sobre rituais de acolhida, de

pesca e noutras cerimônias (ALVES, 2011). As enigmáticas imagens de variadas formas são

usadas em explicações astronômicas, “parece seguro supor que o círculo do Zodíaco e as

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constelações separadas tenham, sem dúvida, influenciado o posicionamento de figuras em tipos

de tambores Sámi” (AHLBÄCK; BERGMAN, 1991, p. 143). Nesse momento há um preparo

com bebidas – chás com ervas típicas do povo e outras da região. Essa espiritualidade “nos

permite resgatar o senso do sagrado, reencontramos o elo em sua revelação ao ligar polis e

cosmos” (UNGER, 2000, p. 17).

Como acontece em outros povos da humanidade, as práticas xamânicas são descritas

por narrativas que estão divididas em dois momentos: a primeira diz respeito às crenças; já a

segunda se refere às histórias épicas do povo. Para Gastal (2020), a cultura tem uma expressão

simbólica, mas também expressão econômica importantíssima para o turismo, com respeito

pelo patrimônio do outro, levando em consideração a empatia.

As narrativas Sámi contam antigas crenças, costumes sobre os seres que vivem no mar,

nos fiordes, e aqueles que tem a missão de pastorear os seres míticos elegantes, conhecidos

como renas, sejam nas montanhas ou no solo, dependendo da capacidade de se envolverem com

a realidade ou com a natureza do entorno. Assim, as narrativas mostram a visão do mundo com

a intensão de ensinamento (LEHTOLA, 2001).

Na prática da pesca, os rituais xamânicos eram realizados em favor dos deuses, visando

proteção nas viagens marítimas, pedindo calmaria do mar, saúde e muita luz. Nesses rituais, as

oferendas aos deuses eram feitas de diversas formas e, dentre as divindades que eram cultuadas,

citamos a deusa da Primavera, chamada de Rana Neidda. Essa, em forma de gente, “se

manifestava como uma jovem coberta de folhas e flores que conduzia as renas para os lugares

ensolarados” (FAUR, 2014). Para os adeptos dessa cultura, Rana Neidda era uma deusa que

protegia as renas, conforme destacou a senhora Unni Lundstedt (2019).

Ainda nesse contexto de representações, percebemos que, no período de primavera e

outono, as renas são levadas para as montanhas. Elas precisam se alimentar e pegar sol ao ar

livre. Faur (2014, p. 2633) destacou que “a deusa transformava os campos cobertos de neve em

pastos” e, como agradecimento, era oferecido um animal para o sacrifício.

Caminhando para outro ponto que demonstra relação com as divindades místicas do

povo Sámi, verificamos que as estações do ano em Tromsø são bem definidas no calendário do

Ártico, que rege a vida das pessoas que residem no local. Cosmologicamente, como ocorre em

outros povos, os deuses fazem parte da vida cotidiana dos Sámi e estão ancorados nos elementos

terra, ar e água. “Os povos indígenas geralmente não diferenciam terra, costa e mar como

propriedades separadas, mas concebê-las como domínios complementares, parte de um

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ambiente todo ao qual os humanos estão conectados” (APOSTOLOS TSIOUVALAS, 2020, p.

68). O pertencimento a esses espaços territoriais reafirma a cultura da nação Sámi, demostrando

uma preocupação global.

Ligada ao elemento terra, destacamos a deusa solar Beiwe e sua filha Neida as quais, de

acordo com o mito, percorrem a luz solar em uma carruagem confeccionada por chifres e peles

de rena (FAUR, 2014). Por conta disso, no ambiente interno e externo das cabanas Sámi, é

possível observar o ornamento de chifres e peles de renas, além de serem comercializadas nas

proximidades.

Outros animais como “o castor, a raposa e o urso-pardo, cujas peles são utilizadas

durante os invernos frios, fazem parte da vida diária em qualquer estação do ártico” (DORSCH,

2017, p. 31). A garantia de vida desses animais também está entrelaçada ao elemento ar,

proporcionando a pureza ambiental que nutre o espírito e o físico dos seres planetários. Da

mesma forma a água é um elemento purificador; sem ela, os problemas ambientais devastam a

vida dos seres humanos, das plantas e dos animais. “A água sempre teve um significado

profundo para o homem. Como fonte da vida, substância medicinal, como fluido purificador”

(GUEDES JÚNIOR, 2005, p. 25).

Constantemente, a deusa Beiwe é evocada em prol da saúde do povo Sámi, uma vez que

devido a variadas temperaturas, no longo inverno ártico, é comum haver doenças por falta de

vitaminas, além de casos de depressão e até mesmo transtornos psíquicos. A senhora Unni

Lundstedt (2019), em entrevista, relatou que “devido a estação intensa dos dias escuros, sem

sol, as pessoas ficam com carência de vitaminas”. Para Faur (2014), a cada estação solar, como

agradecimento, são oferecidos mingau e bebidas, além da ritualização de casas besuntadas com

manteiga e enfeitadas como agradecimento à deusa protetora. Nessa direção, Dorsch (2017, p.

36) destacou que:

A adoração e respeito pela natureza desempenhou um papel importante nas tradições

espirituais Sámi onde as divindades eram espíritos da natureza que deambulavam pela

Sáivu (mundo dos espíritos sagrados) e a maioria das cerimónias e rituais estavam

relacionados com a sobrevivência, principalmente, pelos modos de subsistência

primários, a caça e a pesca.

Destarte, percebemos que devido ao percurso histórico dos que sobreviveram aos

ataques culturais, o universo xamânico do povo Sámi se revela de incertezas espirituais, em

relação ao poder do noaidi, resquícios da opressão pelas quais passaram. Assim, o xamanismo

Sámi tem resistido ao tempo por meio de práticas isoladas, por alguns nativos, manifesta pela

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iconografia ou pelo imaginário social. Para Unni Lundstedt (2019), atualmente não se fala em

xamanismo, pois muitas pessoas fazem conexão com o que é diabólico. Em tempos de mudança

mercantil, essas práticas se perderam no tempo de modo desigual e mutável, em decorrência

das questões políticas e econômicas. Ressignificar pelo viés da tradição tem sido desafiador,

porém, atualmente, tem garantido um modo de vida sustentável pautado no ambiente, na cultura

e na economia.

3.3. Signos e símbolos: expressões de identidade dos Sámi e dos Sateré-Mawé

A história mitológica da humanidade é contada a partir das narrativas épicas dos feitos

heroicos da Europa central, dos povos greco-romanos. Tais narrativas foram estudadas e

divulgadas em livros cujo acesso era restrito a poucas pessoas. No entanto, com o passar dos

tempos e principalmente a partir da expansão das tecnologias de informação e comunicação,

foi possível conhecer outras narrativas mitológicas, como as dos povos nórdico e amazônico.

No que diz respeito à mitologia Sámi, é fato que ainda são escassos estudos

aprofundados na literatura brasileira. Em contrapartida, sabemos que a quantidade de material

acerca da mitologia nórdica é muito vasta. Prova disso são as denominadas Eddas, conjunto de

narrativas descritas no Völuspá, poema considerado o mais antigo do planeta. As Eddas são

sagas que narram mitologicamente os feitos dos deuses, dos heróis e reis.

A narrativa do mito a partir das sagas dão conta que no universo não existia nem céu,

nem terra, nem água, apenas o vapor proveniente de uma fonte. Segundo a descrição de

Bulfinch (2006, p. 31): “dessa fonte saiam 12 rios e, depois de eles terem corrido até muito

distante de sua origem, congelaram-se, tendo as camadas de gelo acumuladas, uma sobre as

outras e o grande abismo se encheu”.

Historicamente, a Noruega se destaca pela literatura dos nórdicos e seccionam a

mitologia em nove momentos, ligados a uma grande árvore denominada de Yggdrasil. Conta-

se que havia um mundo de luz do qual uma variação quente soprou o gelo e o derreteu. Com a

evaporação do gelo, grandes nuvens se formaram e fizeram nascer uma enorme figura de gelo

chamado Ymir e a vaca Audumbla, cujo leite era fonte de alimento para o gigante. Essa vaca se

alimentava do gelo e das pedras de sal.

No relato de Bulfinch (2006), certo dia, quando a vaca estava se alimentando do gelo e

do sal, surgiram os cabelos de um homem. No dia seguinte, do mesmo modo repentino,

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surgiram a cabeça e o corpo exuberante, que apresentava força, beleza e agilidade; era um novo

deus da raça dos gigantes. A partir desse deus e de sua esposa que surgira depois, nasceram 3

irmãos, Odin, Vili e Ve. Esses mataram o grande Ymir (o gigante de gelo), fazendo formar a

terra com o corpo do gigante; os mares com o sangue dele, as montanhas com os ossos, as

árvores com os cabelos; o céu com o crânio e as nuvens com o cérebro. Assim, constituiu-se a

morada dos deuses e a morada dos homens. Segundo o mito, assim também surgiram o dia, a

noite e as estações do ano.

A partir do surgimento das estações do ano e dos elementos da natureza, nasceram

também os animais que, naquela época, eram como gente. Esses eram alegorias que tinham

vida própria e sentimentos com poderes míticos. Essa magia, contemporaneamente, tem sido

um desvelar sobre o mito do povo Sámi do Ártico. Para Dorsch (2017, p. 35), “o mito da criação

Sámi está diretamente relacionado com os quatro elementos da natureza, sendo estes elementos

as raízes para qualquer transformação natural, nomeadamente, a água, o ar, o fogo e a terra”.

Os Sámi têm despertado o imaginário das pessoas pelo mundo por terem vivenciado e

superado conflitos em um tempo histórico, além de ressignificarem sua cultura e garantirem

sua tradição. Esse fato é visível em filmes como Klaus, o qual mostra os elementos míticos,

aqui denominados de signos, como a rena, o trenó, a aurora boreal, o encantamento dos fiordes,

lugar de respeito dos poderes elfos, onde a magia espiritual se esconde (Dorsch, 2017).

Conforme Langer (2015, p. 24), os “elfos estariam relacionados ao espírito da terra,

associados ao simbolismo da morte, fertilidade e proteção da localidade [...]”; “o ritual dos elfos

também possuía conexão com os deuses”. Acerca disso, a senhora Unni Lundstedt (2019)

relatou que os elfos “vivem nos fiordes e estão relacionados com o poder de cura e a proteção

dos ancestrais”. Ela ainda informou que esses saberes fazem parte da cultura do povo do norte

da Noruega, porém lamenta que “os jovens pouco sabem das histórias, pois por muito tempo

era proibido falar em outros seres”. Nesse sentido, Langer (2015) destaca que as práticas

ritualísticas eram consideradas diabólicas e se propagou como bruxaria no final do período

medieval.

Retornando ao enredo do filme Klaus, citado anteriormente, enfatizamos os personagens

da família indígena Sámi no enredo, os quais revelam a bondade e o desejo de ajudarem outras

pessoas. Nessa mesma ideia, o filme de animação Frozen apresenta aspectos da cultura

norueguesa. O longa mostra como os espíritos são evocados por meio das canções do povo

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Sámi, conhecidas como yoik. A musicalidade do filme é carregada de sentimentos e

chamamentos ao deus nórdico.

Para Burke (2017), yoik é um canto com uma forma única de expressão da cultura Sámi,

entendido como símbolo da própria cultura tradicional. A canção yoik inicia com um chamado

“ioiô”, que ao longo da história do povo Sámi foi mal interpretado ao ser tratado como o

chamamento a uma entidade que simbolizava algo pecaminoso.

A melodia yoik tem uma sonorização que, ao ser ouvida pelo interpretante não indígena,

parece não haver comunicação, porém, para a etnia, há uma relação de sentimentos e diálogos

com a natureza e com os animais por meio dos deuses. Nesse contexto, a onomatopeia ioiô, a

cada momento que era considerada um comportamento impuro, gerava novos sentidos entre os

indígenas. Em razão disso, muitos nativos Sámi que assimilaram o cristianismo ou o

luteranismo consideraram o yoik como uma prática pagã, gerando um distanciamento com a

cultura genuína do povo Sámi.

A partir de 1966, com as apresentações públicas de movimentos artísticos, o yoik foi

elevado a uma marca identitária, carregada de símbolos, de códigos sigilosos e de significações

camufladas, tornando-se estratégia adequada para o fortalecimento dessa tradição (LEHTOLA,

2005). Atualmente, pudemos constatar que, no Norte do Ártico, há festivais de músicas Sámi,

canções yoiks, as quais são maciçamente divulgadas pelos nativos e pelo governo norueguês

(HOFFMANN, 2011).

Sobre as especificidades do canto yoik, Länsman, membro Sámi (2003), destaca que

o ioiô não precisa ter palavras e que o sentido está no poder de contar uma história vivida no

tempo expresso pela música. O cantador pode descrever melodicamente a história através de

versos, ritmo, expressões ou gestos com auxílio de um tambor.

Nesse sentido, há grande relevância do yoik para a cosmovisão Sámi, pois ao longo da

trajetória histórica de exploração, colonização e conflito, o povo Sámi conseguiu manter a

etnicidade por meio da solidariedade. Segundo Lehtola (2002, p. 106), “na natureza abrangente

e pessoal de seus sentimentos, o yoik une as pessoas, criando solidariedade”.

A cosmovisão desse povo é carregada de simbolismo, eles acreditavam na proteção de

deuses como “Veralden-radien, um dos mais importante, que regia o Universo e era provedor

da fertilidade que sustentava todo o mundo” (ALVES, 2018, p. 224). Além desse,

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“Bieggalmmái, deus dos ventos de suma importância para os Sámi que rebanhavam renas”,

(ALVES, 2018, p. 224).

Os mitos dos Sámi estão relacionados com os elementos da natureza, terra, sol e água.

Sendo que a terra é a mãe que dá sustento ao homem durante o plantio e pastagem para as renas.

O sol, como elemento de vida que alimenta o espírito do homem do gelo. A água do mar, dando

a sobrevivência aos animais. Sendo assim, a animalidade é um conhecimento por representação

figurativa que se aloja no bojo dos sentidos na evocação dos animais míticos, polissêmicos e

subjetivos, em que “todo animal é um sujeito [...] alguns são indivíduos e que certos animais

podem tornar-se pessoas em suas interações com o humano” (MACIEL, 2016, p. 139). Animais

em território Sámi, como ursos e lobos, eram vistos como personificações de seres de outros

reinos espirituais e, portanto, a caça e a matança ritualística desses animais eram proeminentes,

também no sentido religioso (KENT, 2014, p. 79).

Retornando às questões mitológicas, vemos essas nos artesanatos, conhecidos como

duodji. Esses são visíveis nas lojas da cidade de Tromsø, como as famosas meias artesanalmente

traçadas por mulheres Sámi. Tais indumentárias são agregadas à historicidade representada pelo

tempo e trazem sentimentos carregados de um valor cultural dos nativos por apresentarem

traçados ponto a ponto passados de geração a geração. Os artesanatos duodji são sustentados

pelas representações Sámi que expressam trabalhos exuberantes com grafismos desenhados em

roupas, bonés e em utensílios diversificados. As figuras ilustram esses trabalhos:

Figura 17: Signos em vestuários.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

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A primeira figura é marcada pela cabana denominada de lavvu, usada em estações para

contemplar a aurora boreal, o sol da meia-noite, dentre outros elementos do espaço celestial,

que remontam uma trajetória histórica dos Sámi. Já a segunda figura faz referência ao homem

pastoreio, em atuação no campo com a rena, a qual é um símbolo dos criadores.

Na loja de artesanato do museu Polaria, no centro comercial de Tromsø, as vitrines

apresentam uma variedade de chaveiros, confeccionados em madeira ou em osso de rena, além

de pulseiras em curtimento de couro, canecas típicas, dentre outros produtos, tendo como

relevante conteúdo simbólico a mítica rena, segundo Boreale (1997), como ilustrado nas figuras

a seguir.

Figura 18: Artesanatos identitários.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Tradicionalmente, o artesanato (duodji), na descrição da Senhora Unni Lundstedt “é de

um tempo que sempre cuidávamos do nosso artesanato”. Ela relembra a colheita de junco de

grama, o processo de secagem e a utilização no enchimento de luva, tanto para absorção do

calor, como também para amortecimento durante o uso de pastoreio. Também são encontrados

no museu Polaria outros utensílios como luvas, bolsas, pulseiras e assessórios confeccionados

com couro de rena.

As relações com um dado animal nunca são puramente causais; “elas são, além disso,

puramente, semiótica” (MACIEL, 2016, p. 139). Os animais estão presentes no imaginário do

homem do Ártico, alegorizados em mamíferos como renas, ursos, baleias, cachorros e esquilos;

em répteis, como cobras; além de pássaros, como as águias. Aqui, chamaremos atenção para o

elemento cobra, do mito Níöhöggr ou Nidogue, narrado em prosa na Edda. Nesse, a serpente

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aparece como um equilíbrio do bem e do mal e protege a grande nação dos povos em várias

culturas.

Durante as expedições de comércio marítimo, as navegações eram estilizadas com

personagens da mitologia nórdica. A serpente, formada por duas cabeças, era a gigante e

protetora dos navegantes que buscavam descobrir novas terras. Da mesma maneira, a cobra é

simbólica no imaginário das populações amazônicas, isto é, um ser do qual se teme, mas que

tem um poder de cura por suas propriedades antiofídicas (FAUR, 2014).

No que diz respeito aos rituais do povo do Ártico, esses são variados, mas destacaremos

o ritual sumbl. Segundo Campos (2017), trata-se de um ato ritualístico de ingerir a bebida

conhecida como hidromel, que é produzida com água e mel num processo de fermentação

apurado por vários dias de descansando. Essa bebida é usada no “ritual de consagração”

(CAMPOS, 2017), baseado na sabedoria ancestral (FAUR, 2014), cabendo às mulheres o

preparo e o início da celebração, com traços em comum com outros povos indo-germânicos. A

bebida, ao ser ingerida, é seguida por pedidos à divindade; a rodada de ingestão do líquido se

dá no sentido horário imbuída de canção. “O hidromel é passado de mão a mão, ao redor do

círculo, e cada pessoas faz seus brindes. São dadas três voltas para brindar às divindades, aos

ancestrais, personagens mitológicas [...] e por último amigos e familiares” (FAUR, 2014, p.

9142). É um momento de contato direto com as divindades de caráter sagrado dedicado aos

espíritos, como um fenômeno (ELIADE, 2010).

Destacamos que a bebida escolhida depende da ocasião, mas comumente é usado o

hidromel. Algumas vezes há substituição por vinho, cerveja, sucos e até mesmo leite, como

sinaliza Faur (2017). O importante é celebrar a chegada de um visitante e o colocar na sintonia

entre homem e natureza, “conspirando para a salvação da humanidade”, conforme destacou

Agamben (2017, p. 129).

No campo de pesquisa em Tromsø, a recepção se deu com bebidas da ancestralidade,

que remetem às memórias. O chá e o doce de blueberry (Vaccinium myrtillus) mostram-se

elementos indispensáveis para consagrarem o turista no espaço de experiência. Foi nesse

cenário que o ritual de boas-vindas ocorreu, como rito Sámi (PORTO e MIRANDA, 2015). Na

ocasião, observamos a recepção em torno de um fogaréu dentro da cabana típica, com cantorias

e batuques vindo do tambor e suas representações em contato com a natureza, e com adornos

com peles e chifres de renas no entorno da cabana “essa é a ponte que conduz o reino animal

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ao humano” (AGAMBEN, 2017, p. 59). Essa sintonia harmônica da presença mítica do animal

rena, mediado pela natureza, dialoga com o pertencimento dos proprietários Sámi.

De acordo com Dorsch (2017, p. 15), as referências na literatura norueguesa sobre o

povo Sámi aparecem nas sagas: “[...] nestas histórias, os Sámi são caracterizados como

feiticeiros e mestres do poder das artes mágicas, dividindo a população pelo respeito e a

admiração, como o medo e o pânico pelas suas capacidades fascinantes”. Dentro desse contexto,

a senhora Unni Lundstedt (2019) relatou que, por muito tempo, “falar em xamanismo era

pertencer a rituais de feitiçaria, então era uma pena ser Sámi, no passado, as histórias contadas

por minha mãe eram de tristezas, um preconceito”.

No que diz respeito à mitologia amazônica, essa se apresenta como um manancial

mitificado pelo homem, narrado pelos cronistas viajantes que se fizeram presentes no processo

de colonização do Brasil e da aculturação do indígena. Assim, as narrativas de tradição oral

marcam uma trajetória e, ao mesmo tempo, descrevem os seres habitantes da Terra. Nessas

narrativas é estabelecida a harmonia entre o homem e a natureza. Nesse sentido, os rios e as

espécies são enigmas do imaginário amazônico que asseguram a rica mitologia, a qual tem forte

influência na vida dos povos indígenas no estado do Amazonas, sobretudo do povo Sateré-

Mawé.

Mitologicamente, segundo Uggé (1993), o povo Sateré-Mawé nasceu do guaraná e foi

o primeiro a cultivar a espécie. Dialogando com Figueroa (2016), o guaraná possui complexo

simbolismo dentro da cultura sateré, pois envolve entendimentos cognitivos para além das

compreensões filosóficas, sociológicas e medicinais. O signo do guaraná está na essência de ser

Sateré-Mawé, impregnado na tradição cultural da etnia.

O mito de origem Sateré-Mawé é contado e descrito pelo povo. Ela é movida pela bebida

ancestral do waraná, narrada na saga épica Mawé. Rucian da Silva Vilácio (2020), indígena

Sateré-Mawé, descreveu o mito em torno do waraná da seguinte maneira:

Contam a história que três irmãos, sendo dois homens e uma mulher. Ela era a dona

do Noçoquem, um lugar de magias, de terra fértil, onde havia plantações das melhores

espécies, como a castanheira e ervas para preparo de remédios medicinal. Ao

caminhar pela floresta, a moça aspirou o perfume, que foi jogado pela cobra, que tinha

o poder de atrair e exalar a floresta. Com esse estrato, a jovem engravidou da cobrinha

temerosa. Os irmãos, desesperados com a gravidez indesejada da irmã, resolveram

abandoná-la do convívio familiar. A irmã desolada foi morar em uma casinha à espera

do nascimento do filho. Os amigos, Mucura, Pato e Saracura, ao perceberam o

isolamento da jovem, prestaram todo apoio.

Page 130: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

130

Passaram-se meses e nasceu um lindo menino, com corpo de gente. O menino, bem

ativo cresceu; gostava de andar no roçado e comer as mesmas frutas que os tios

gostavam. Porém, ignorado pelos próprios tios, seu filho foi proibido de comer os

frutos do Noçoquem. Mesmo com as proibições dos tios, um belo dia o menino voltou

ao noçoquem para apanhar castanhas da árvore. Então, foi neste paraíso que o menino

foi encontrado morto. Muito triste com o ocorrido e sem acreditar na brutalidade, a

mãe faz promessas ao filho.

A narrativa épica do waraná mostra a bravura e a resistência do povo, que atualmente é

a fonte sagrada (CAMPBELL, 2019). A narrativa segue com o desfecho para uma nação

humanitária, numa simbiose com a terra. “Meu filho, os teus tios te mataram, mas não penses

que irás ficar sozinho, isolado, [...] serás uma autoridade. Muita gente vai se juntar e tomar o

guaraná”. Assim, esse mito marca o início do povo Sateré-Mawé, que para o missionário Uggé

(1993) representa a partilha do sakpó entre os tuxauas e a humanidade que remete a um mundo

de paz.

Ainda podemos observar, no fragmento da narrativa heroica, “os amigos, Mucura, Pato

e Saracura”. Com isso vemos a presença da animalidade que sugere fazer parte da comunidade,

de modo harmônico entre os seres que comungam da cumplicidade, das trocas afetuosas, mas

que também expressam intrigas entre os comunitários (MACIEL, 2016). Para a tuxaua Midian

da Silva, “os animais como o tatu-bola e o tatu-açu são seres que conversam com a formiga

Tucandeira”. Na descrição, os animais são participantes dos momentos marcantes, como

sujeitos sensíveis, dotados de inteligência e de conhecimento.

A animalidade também é percebida nas canções de tradição Mawé, como visto em um

dos cantos do Ritual da Tucandeira, parte da mitologia Sateré-Mawé. Instituído por seus

ancestrais – Henegke (o tatu-açu), seu irmão Mypynukuri (o tatu-bola) e Hukat’i (gavião-real)

– tecem diálogos, sendo realizados pela primeira vez como forma de distinção e afirmação da

identidade desse povo no contexto das relações com outros povos. Nunes Pereira (2003, p.73)

descreve o canto I, o qual retrata o “mito da origem do Ritual da Tucandeira”:

1- Tatu-Grande fez sair tocandira

2 - Tatu pequeno fez sair tocandira viva

3 - Para cá, para os moços se ferrarem

4- Para ficarem espertos

5 - Em minha mão, tocandira ronca

6 - Tatu-Grande: você se ferra só na mão?

7 - E eu, que é em toda parte?

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131

8 - Assim fala o Tatuzinho

9 - É bonito o lugar da minha tocandira

10 - Enfeitado de vermelho

11 - E de pena de gavião-real

12 - E do toco do cumaru

13 - E do toco do ingazeiro

14 - E do toco do cipó-chato

15 - Assim eu era antes

16 - Mas nós havemos de passar

17 - Mas nós havemos de passar

Em toda a letra do canto I, a narrativa descreve a animalidade que aparece expressa nos

diálogos da formiga, do tatu-bola e do tatuzinho, a exemplo do verso oito (“assim fala o

tatuzinho”), no qual constatamos animalidade como um recurso do xamanismo, uma alegoria

aos seres inanimados (MOISÉS, 2002). Corroboramos que “a música e a mitologia são duas

irmãs geradas pela linguagem da mitologia” (LEVI-STRAUSS, 2014, p. 67). Alegoricamente,

a força expressa vem da Mãe Natureza, pois é nela que reside o poder dos seres, como o gavião-

real – símbolo de persistência xamânica – e da poderosa formiga Tucandeira, que alegoriza o

deus Tupana. Nesse viés, Maciel (2016, p. 134) salienta que “um animal, seja qual for,

interpreta o que os outros fazem e o que são, além de interpretar a si mesmo”.

Para o ato ritualístico, há um momento de preparo das formigas, conforme as imagens

(C) e (D) da figura 19. As formigas ficam adormecidas em um recipiente com sumo da folha

do cajueiro, figura C, considerando o que tuxaua Ramãw Silva explica: “o broto do cajueiro é

utilizado para o preparo de uma solução em que as Tucandeiras serão imersas”. Os homens

experientes retiram os brotos novos do cajueiro, aquelas folhas ainda em formação, como

informou o pajé Ismael da Silva (Sahu). Elas são colocadas numa panela de barro ou bacia de

madeira, onde são maceradas para a extração do “sumo”, o qual chamam travoso. Em seguida,

as tucandeiras, de tamanho de 2,2 a 2,5 cm, são colocadas nessa substância, para que

adormeçam. O cantador, juntamente com os jovens que vão participar do ritual fazem o preparo.

Quando as formigas já estão adormecidas, são enfiadas uma a uma, na luva tecida com

palha de palmeira (conforme imagem D da figura 19). Para isso, eles utilizam um graveto bem

fino, semelhante a uma pinça. Sob a liderança do Pajé, “os jovens experientes prendem as

formigas no tipiti da luva. Elas são colocadas presas pelo abdômen, com os ferrões para o lado

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132

de dentro da luva e com a cabeça para fora. Após 30 ou 40 minutos de adormecimento, as

formigas voltam à vida, ficam furiosas e valentes”, complementou o tuxaua. Um ofício

existencial de Ser, o verdadeiro Sateré-Mawé, de acordo com o mosaico que segue.

Figura 19: Mosaico do preparo da formiga Tucandeira antes do Ritual.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

Para o tuxaua Ramãw Silva (2020), “naquela época os animais falavam, viviam como

gente, e a Tucandeira era a vacina do índio”. Também ressaltamos a forte presença do espírito

criador, da ancestralidade, que alimenta a alma e gratifica os deuses espirituais entre os povos.

Logo, reafirmamos que, mesmo em tempos líquidos (BAUMAN, 2007), de transformações

sociais e, sobretudo, de difusão tecnológica como movimento da modernidade, tanto o povo

Sateré-Mawé como o povo Sámi tiveram que se adaptar e realizar a comunicação de forma

autêntica, em atos xamânicos em favor da cura, seja ela física ou espiritual. Além disso, para

Lévi-Strauss (2014, p. 51), “outra finalidade é utilizar as tradições lendárias para fundamentar

reivindicações contra brancos – reivindicações territoriais, políticas e outras”.

Dessa feita, debruçamos nosso olhar sob a mitologia dos dois povos, Sámi e Sateré-

Mawé, com o intuito de compreender a cultura e sua contribuição para o espírito criador, o qual

fortalece a tradição cultural de conviver em harmonia. Morin (2007), corroborando essa visão,

demonstra que os elementos constituintes que formam a mitologia dos povos, do ponto de vista

sincrônico, ainda preservam os signos/símbolos, os quais não existem isoladamente, pois estão

intimamente ligados à identidade e à ancestralidade que se unem na formação totalitária.

Para Lévi-Strauss (2014, p. 41), em qualquer mitologia, “há deidade ou personagens

sobrenaturais, que desempenham o papel intermediário entre poderes de cima e a humanidade

de baixo”. Essas marcas em contexto contemporâneo são expostas nos grafismos, com valor

D C

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comercial. Nas rouparias dedilhadas pela indígena Sateré-Mawé, os grafismos ganham

expressões de peles de animais, como cobra e tatu, os quais ressignificam a grande maloca,

conforme ilustra a figura 20.

Figura 20: Artesanato preparados para o turismo.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Evidenciamos que as práticas xamânicas não são desconexas, elas se unem pelo desejo

de sobrevivência humana, com foco na natureza e com a memória da ancestralidade, isto é, de

resistência ao mundo. Na contemporaneidade, diante das mazelas do mundo, a mitologia

reforça o pensamento ancestral, triangulando o saber informal e empírico com o saber

científico, bebendo das narrativas nas quais o homem é um ser que depende da natureza e vice-

versa, de conhecimento multidimensional (MORIN, 1991).

O sentido de compartilhar saberes entre Sámi e Sateré-Mawé é estreitado por muitos

signos/símbolos que carregam significados a cada nação. Na cidade, fazem e comercializam

nas lojas de souvenir, hotéis e em feiras, com típico artesanato, seu patrimônio cultural, em que

estabelecem novas relações sociais, preservando suas vivências, seus costumes, suas crenças,

herdados dos antepassados, segundo Alves (2011). Para Santos (2015), os utensílios produzidos

artesanalmente têm utilidade diária dentro das comunidades. Todos os dias são produzidos

artesanatos para utilização própria e para turistas.

A seguir, na (figura 21), apresentamos signos usados em práticas ritualísticas e em

atividades domésticas; o primeiro (à esquerda), denominado caneca, confeccionado em madeira

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sustentável pelo povo Sámi; o segundo (à direita), denominado cuia, objeto nativo da Floresta

Amazônica. Ambos os signos têm estima sentimental de origem ancestral, de valor

mercadológico dentro das comunidades.

Figura 21: Objetos nativos: Sámi e Sateré.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020).

No contexto atual, a necessidade de se sustentar da herança ancestral ganha novas

formas de saberes hibridizados, sem perder a essência do sentido mitológico. Para Canclini

(2008, p. 70), a “hibridização cultural é um processo sociocultural no qual estruturas ou práticas

[...] se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Apesar da hibridização do

mundo exterior, os povos indígenas ainda procuram conter os esforços da conservação cultural.

Nessa discussão, Burke (2003, p. 14) considera que “a Globalização cultural envolve

hibridização”. Essas alterações acontecem gradativamente dentro das comunidades, sem

determinações, acomodando-se ao novo para atenderem às próprias necessidades.

Vemos que, no mundo contemporâneo, a ressignificação cultural dos povos é uma

questão de sobrevivência e resistência, isso ocorre para não serem engolidos pela ação do

homem moderno. Sendo assim, uma nova história de lutas indígenas contribui para a

asseveração de povos que, de acordo com a história, sofreram usurpação, violência,

preconceitos nos múltiplos feitios humanos. Eles são partes da paisagem urbana e suas buscas

existenciais se inscrevem forçosamente na localidade (BAUMAN, 2007). Assim, o contributo

social é garantir a tradição de cada povo, além de manter a floresta viva em prol dos povos da

humanidade.

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CAPÍTULO 4 – O SAGRADO E O PROFANO: DIÁLOGOS PARA O TURISMO

ÉTNICO

4.1. Turismo étnico: ressignificado ou perda de identidade

Afirmamos que o turismo é um campo que depende da história, da cultura e da tradição

de cada povo para se fertilizar no campo dos negócios. As práticas humanas, em todas as suas

vertentes, podem se tornar um atrativo turístico como um nicho de mercado. Porém, quando se

trata de turismo étnico indígena, devemos levar em consideração os fatores: de respeito e a

empatia, o tempo e a desenvoltura com responsabilidade. Nessa direção, de maneira meticulosa

e intencional, ao descrever os signos como marcadores na intersecção entre as duas culturas,

em contextos de inclusão para o turismo étnico indígena, foi necessário aguçar as habilidades

do ouvir, observar, sentir, descrever e interpretar com profundidade, segundo Brito (2016) cada

elemento sígnico, bem como os registros do diário de campo.

A partir dos estudos bibliográficos, como já mencionado, a trajetória histórica dos povos

indígenas, tanto no Brasil, quanto na Noruega, foi marcada por sofrimentos, preconceitos e

discriminação. Esses povos foram dizimados ou obrigados a buscarem refúgio em locais

distintos do seu ambiente natural. Ao longo do tempo, os indígenas foram vistos como pessoas

sem expressão de saber, sem academia e até vistos pelo colonizador como bruxos, indolentes,

brutos, sem conhecimento, entre outros adjetivos pejorativos.

Já no século XXI a ancestralidade tem atraído os turistas, isto é, os não indígenas; pelos

hábitos da gastronomia, da saúde e pela filosofia e estilo vida. Assim, é pelo turismo que as

oportunidades de interdependência e protagonismo, dos indígenas em áreas urbanas e

metropolitanas ganharam novas conexões com o mundo globalizado. O turismo indígena é

mostrado como uma prática inovadora e que reflete os valores tradicionais, conforme Chan ( et

al., 2016).

A luta dos povos indígenas Sateré e Sámi se deu pelos mesmos ideais. Do lado

brasileiro, os conflitos com invasores de Terras Indígenas – madeireiros e grileiros –,

construção de barragens, extração de mineradoras e o desprestígio por parte dos religiosos ao

encontrarem nativos numa densa floresta. Essas são algumas descrições encontradas na

literatura dos cronistas, primeiros viajantes do Grão-Pará (SANTOS, 2015).

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Do lado ártico, norueguês, os conflitos por dimensões ambientais, perseguições durante

as expedições, sobretudo na Europa, contribuíram com o evidente apagamento dos povos

Nórdicos, especificamente do povo Sámi, o qual sofreu com a expansão marítima, exploração

de petróleo e desprestígio da língua e dos costumes étnicos.

Em contextos contemporâneos, contrapondo à luta travada ao longo dos séculos

passados, os povos buscaram novas formas de pertencer ao mundo dos não indígenas, resistindo

a muitos conflitos de terras e guerras em defesa da tradição cultural. Nessa direção, foi por meio

de rituais que os povos Sateré-Mawé e Sámi conseguiram manter a cultura milenar, na qual

estão assegurados os valores étnicos, políticos e sociais. “Essas marcas de comportamentos e

os sentimentos de continuidade ou de mudança no cotidiano, que são significativas para os

participantes, são vividas e concebidas através dos símbolos contidos nesses rituais”

(LAPLANTINE; TRINDADE, 1997, p. 7).

A natureza é um marcador que fortalece os rituais que mantêm viva a cultura Sateré-

Mawé, como o waymat – Ritual da Tucandeira –, o Poratin e o guaraná, destacados no capítulo

3. Vale ressaltar o guaraná como um signo que ganhou espaço internacional por meio da

exportação aos países europeus. Segundo Sérgio Wara Garcia, presidente do Noçoquem, as

atividades iniciaram, desde 2006, dentro da organização política do Conselho Geral da Tribo

Sateré-Mawé (CGTSM), composto por tuxauas e lideranças indígenas.

Conforme o referido presidente, “o guaraná possuir 5% de cafeína, rico em ferro e

fósforo, com forte ação no sistema nervoso, combate à fadiga. Estimula atividade cerebral e é

utilizado como energético natural para as atividades físicas e mentais”. Foi com esse valor

identitário que o alimento atravessou o oceano. Na Itália, por exemplo, o produto é bastante

aceito por ser um elemento natural e desperta a atenção de consumidores pela longevidade dos

nativos indígenas. Assim, a marca empregada no valor comercial do guaraná carrega não

somente o produto em si, mas a forma de saber fazer o processo ritualístico e as propriedades

terapêuticas narradas pelo povo Sateré da Amazônia.

No que diz respeito ao povo Sámi, os dados do campo de pesquisa mostraram que são

incontáveis os tipos de rituais ambientados com a Mãe Natureza. Salientamos que devido ao

preconceito e perseguições ao longo da história, o povo Sámi teve que camuflar e negar a

própria tradição cultural por certo período. Porém, segundo Dorsch (2017), foi partir do século

IXX e XX que a identidade desse povo foi compreendida e valorizada pelo governo norueguês

em forma de cooperação, acenou Hoffmann (2011). Diante disso, passaram a ganhar

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137

autonomia: “os Sámi reivindicam suas intervenções, que têm se dado exclusivamente junto a

povos indígenas de outros continentes, sempre a partir de demandas provenientes deles”

(BARROSO; NICAISE, 2014, p. 68).

Resistiram e lutaram em busca da resiliência étnica, com apego aos elementos da

natureza, como a Aurora Boreal, os fiordes, a criação de renas e os rituais da pesca, alimentos

e vestimentas que colaboram para o turismo étnico, tanto em áreas urbanas, quanto em regiões

metropolitanas das cidades. Boullón (2002, p. 132) sinaliza que os ambientes naturais e seus

elementos podem ser utilizados para fins turísticos como “montanhas, rios, serras, lagos e

lagoas, quedas d’água, cavernas, entre outros elementos da natureza”.

É certo que, no contexto contemporâneo, por exigência do mercado e pela necessidade

de viver em áreas fora das Terras Indígenas (TI), muitos povos, como os Sateré-Mawé e Sámi,

têm ressignificado a tradição cultural. A exemplo disso, o povo Sateré-Mawé que sempre

produziu o guaraná para o sustento do povo como um dos símbolos da etnia e passou a explorá-

lo comercialmente. Para Laplantine e Trindade (1997, p. 4), “o símbolo é um sistema que não

substitui qualquer sentido, mas pode efetivamente conter uma pluralidade de interpretações”.

O guaraná ganhou campo no mercado internacional, sobretudo em países europeus. Da

mesma forma, o Ritual da Tucandeira tem atraído turistas de outros países onde é possível

socializar e compartilhar os saberes com outras culturas, ornado de afetividade e de significados

oportunizando ao turista a tradição cultural do povo, de origem nativa. Dessa maneira, o turismo

étnico vai se consolidando onde os povos indígenas estão diretamente envolvidos, tornando-os

protagonistas da própria cultura como essência e atração motivacional (BUCHKO et al., 2016).

A migração das Terras Indígenas (TI) para áreas urbanas ou regiões metropolitanas tem

ocasionado o fenômeno da corrida para as cidades. Dentre os fatores que contribuem com isso

está a falta de políticas públicas para esses espaços. Para tanto, destacaremos a nomenclatura

das áreas urbanas e região metropolitana. No tocante à primeira, essa é administrada por cidade,

o que está relacionado com a vida dos indivíduos que nela habitam. Segundo Magnani (2002,

p. 15), “suas práticas estão propriamente inscritas na trama da cidade, isto é, articuladas na e

com a paisagem, equipamentos ou instituições urbanas, considerados não um mero cenário,

mas uma parte constitutiva dessas práticas”. Ao definir o vocábulo “urbano”, o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se refere ao perímetro, conforme definido por lei

do município. Noutro sentido, as áreas metropolitanas são um núcleo da área urbana que se

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concentram no entorno das cidades e são beneficiadas com saúde, educação, esporte e lazer

pelo gerenciamento das cidades, instituída por lei complementar (IBGE, 2019).

A ressignificação dos povos indígenas em áreas urbanas e áreas metropolitanas tem três

motivos, dentre eles a educação, a economia e a saúde. Nesse tripé, a economia é o fator que

mais atinge essas populações, uma vez que está vinculado ao contexto de sustento das famílias

e provocaram uma nova concepção de território nas cidades (SANTOS, 2015). Daí reside a

necessidade de socializar os espaços culturais aos turistas que têm apreço pelas vivências dos

povos, a partir do olhar etnográfico.

O turismo coopera para o incremento de povos e pela salvaguarda de tradições culturais

e do meio ambiente (fauna e flora), já que esses são matéria-prima e recursos atrativos para o

turismo étnico (BUCHKO et al., 2016). Podemos encontrar nesse viés o bem-estar econômico,

social e cultural, advindo da renda arrecadada no turismo, favorecendo a criação de novos

empregos que ajudam a equilibrar a economia, dinamizando a arrecadação de impostos e

aquecendo a atividade empresarial do país, tornando-se uma mola propulsora (OMT, 2001).

Em 2003, por meio da I Conferência Estadual dos Povos Indígenas, foi avaliado o

Programa Amazonas Indígena, o qual discutiu o turismo em espaços indígenas, pautado no

“etnodesenvolvimento, sustentabilidade, valorização e divulgação da cultura e dos direitos dos

povos indígenas e o fortalecimento das organizações indígenas” (SANTOS, 2015, p. 69). Essa

conferência marcou os primeiros momentos para o turismo em espaços indígenas, destacando

um turismo organizado e responsável, na garantia da cultura, saúde, economia, recursos naturais

e bem-estar dos povos indígenas do Amazonas.

No campo etnográfico, o tuxaua Ramãw (2020), relatou em entrevista que “o artesanato,

o ritual e o guaraná (waraná) tem sido muito procurado por turistas estrangeiros”. É uma forma

de compartilhar e trocar saberes indígenas, em contextos atuais, incluindo-os como

empreendedores dos seus fazeres e desfrutadores de vida próspera (BUCHKO et al., 2016).

A ressignificação da cultura em tempos híbridos (CANCLINI, 2017) tem despertado

olhares de pessoas não indígenas no cenário turístico. Isso ocorre devido à relação com a

interculturalidade pautada na economia sustentável dentro das comunidades urbanas. Nessa

direção, o tuxaua da comunidade I’nhãa-Bé, Pedro Ramãw, enfatizou: “não podemos viver

isolados, estamos perto do centro urbano de Manaus e promovemos nossas festas no barracão

cultural da comunidade, e sempre estamos socializando nossa cultura com outras pessoas”.

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Assim, por mais que ocorra transgressão temporária nos hábitos culturais, isso não anula o que

há na essência do ser humano (CANCLINI, 2017).

Nos destinos turísticos, o estado do Amazonas tem despertado interesse de várias

pessoas do mundo devido às belezas naturais, como o majestoso rio Amazonas, seus braços de

rios, o encontro das águas, a gastronomia típica e nativa de costumes indígenas (SANTOS,

2015). Várias empresas oferecem passeios que envolvem visitas a tribos, além de pescarias no

entorno da cidade de Manaus. A exemplo, a empresa Paranakari Turismo, conforme anexo D

(março de 2020) oferece passeios com o título “Descubra nossos encantos”. O folder da

empresa, as atrações contam com a participação em rituais e a descoberta de artesanatos das

tribos, como signos que compõem o ritual.

No portal “Guia de melhores destinos turísticos”, segundo os investidores, “é

interessante conhecer índios, mas é preciso saber que grande parte desses grupos que os turistas

visitam fazem um programa completamente voltado para o turista e para a arrecadação de

dinheiro”. Isso foi possível perceber na avaliação da turista que visitou Manaus, a senhora

Quézia da Silva (2020), a qual destacou que: “a natureza, os índios conhecem bem, mas é

preciso saber: Manaus e seus arredores têm muito mais que fauna e flora”. O discurso da turista

revela o sentimento que essa visualiza ao tratar do universo indígena do Estado do Amazonas.

Portanto, viver momentos da ancestralidade no campo do turismo étnico é saber

valorizar culturas da raiz étnica indígena, a partir das experiências dos povos, seja no Brasil ou

em qualquer lugar do planeta. Nesse sentido, o turismo étnico ou etnoturismo é uma das práticas

turísticas que, quando bem planejadas e pensadas, tem excelentes resultados (SENA;

CHAVEIRO, s. d.). Destarte, o planejamento do turismo em áreas indígenas deve acontecer de

forma que valorize a cultura e acrescente valor às celeridades dos indígenas como fator decisivo

no potencial das comunidades.

Foi preciso reinvenção para atender a um público que valoriza a cultura dos povos

originários da Amazônia e do Ártico. Socializar os rituais em espaços urbanos, em Manaus, tem

sido uma das alternativas das comunidades, conforme destacado na fala de Midian Silva, tuxaua

da Sahu-Apé (2020): “organizamos o centro cultural para apresentação do Ritual da

Tucandeira”. Segundo ela, os turistas procuram a comunidade para conhecer, participar das

atividades e vivenciar o Ritual, colocando a mão na luva com as formigas.

Ressignificar a cultura é uma prática de adequação para atender aos turistas e de

sobrevivência para os moradores das comunidades. Para a líder indígena Sahu-Apé (2019), a

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“troca de vivências valoriza nossa cultura Sateré-Mawé”. Ela destacou que o Desenvolvimento

na Trilha do Gasoduto “foi um programa que elevou também o turismo na comunidade”, porém,

infelizmente, tinha um tempo definido para início e término, “a comunidade sem apoio de

divulgação, não tem condições de se manter”.

A vontade dos líderes não é perder a identidade, a essência das práticas ritualísticas, mas

fortalecer a cultura por meio do turismo étnico, de forma responsável e compartilhada com os

que promovem a cultura. Trocar experiências interculturais é tornar sociável as vivências com

respeito à cultura, pautada na etnicidade, na construção do turismo étnico, em que se pode aliar

o bem-estar e o desejo por meio dos conhecimentos partilhados, dos saberes dos antepassados

(BANDEIRA; COSTA, 2015).

Em semicírculo, durante o ritual da Tucandeira, é possível perceber que cada membro

exerce uma função política entre os pares (CARVALHO, 2019). O pajé ao centro é o xamã que

tem a função de fumar o cachimbo e fazer a benzedura da grande maloca e dos participantes

para a iniciação masculina, demonstrando temor e pedindo proteção pelo deus Tupana

(ALBUQUERQUE, RENAN; JUNQUEIRA, CARMEN, 2017). Cada membro é benzido com

fumaça de breu branco pelo sábio pajé e, com as mãos protegidas com tinta de jenipapo, o

neófito insere a mão na luva por, aproximadamente, oito minutos. Nesse momento, os turistas

são aclamados pelos líderes.

No campo, com olhar atento, encontramos com o turista Bruno Marcílio, 30 anos de

idade, o qual relatou que “soube da riqueza da Amazônia e dos indígenas pelos nativos

vietnamitas, quando trabalhou em um projeto social no continente asiático”. Bruno, ao chegar

no Amazonas, em julho de 2018, visitou a comunidade Sahu-Apé. Ele narrou que se sentiu

atraído pela mitologia do Sateré-Mawé, por isso decidiu experienciar novos saberes, conhecer

e vivenciar o turismo por meio da cultura e da natureza (BUCHKO et al., 2016).

Em 2019, o turista participou das atividades na comunidade I’nhãa-Bé, permanecendo

vinte dias imerso na cultura. No seu relato, Bruno Marcílio diz: “aprendi a plantar, a colher e a

produzir farinha de mandioca, tapioca, remover o tucupi. Aprendi a pescar com a malhadeira,

com vara de bambu, conhecido de caniço”. Relatou ainda que foram dias de aprendizagens e

que teve a experiência de dormir na rede numa maloca coberta de palha. Nesse período, o turista

ministrou aulas de inglês para as crianças da comunidade. Para Manfredo (2017, p. 252), o

turismo na Amazônia ocorre “como produto e condição de relações históricas e situacionais”.

Assim, cada contexto depende do momento e de oportunidade por um público diferenciado no

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141

trato desse setor. Apresentamos, a seguir, a narrativa do turista sobre a participação no Ritual

da Tucandeira.

No início não senti nada, somente poucos movimentos das formigas na minha mão.

Quando o pajé tirou a luva, senti como cortes finos na pele e as formigas fechando as

mandíbulas. Depois vinha e voltava uma dor insuportável, que quando eu pensava

coisas negativas parecia piorar, e, quando eu dançava e conversava, a dor diminuía

muito. A dor intensa fazia eu ficar confuso e dava vontade de fazer as coisas mais

cruéis e ruins, como agredir meu corpo, rolar pelo chão e pular de algum lugar alto.

Parecia que todos eram meus inimigos. Tive muito medo da dor se espalhar por todo

meu corpo. (Relato de Bruno Marcílio, 2019).

Marcílio decidiu participar do Ritual para se sentir forte e o fato de praticar a arte marcial

da capoeira o motivou. “Ao passar por aquela dor insuportável, parece que me fortaleceu”,

relatou. Após vinte e quatro horas de intensas dores, o turista disse que ficou satisfeito pela

experiência, mesmo depois de toda dor e alucinações que sentiu. Após a participação no Ritual,

Bruno destacou a superação de suas fraquezas, comprometendo-se com a cultura Sateré-Mawé.

Tal fato colaborou para compreender o sentido do Ritual, a partir dos cantos, dos grafismos e

após bebida do guaraná. Trata-se do que Nascimento (2016, p. 44) destaca: “a diversidade de

olhares da alma intuitiva permite a aproximação deste rico manancial de histórias e

simbolismos, arcabouço cultural e de sabedoria do povo Mawé”.

A cerimônia do Ritual entra no auge por meio dos cantos, momento de transe em

sintonia com os ancestrais. Dessa forma, compreender essa narrativa vai além de um simples

bailado, isto é, requer envolvimento espiritual e envolvimento com a tradição. Nessa

perspectiva, “a interpretação no sentido hermenêutico revela também a força da poética nativa,

o significado por trás dos símbolos e alegorias” (ALVAREZ, 2009, p. 84). As pisadelas fortes

em semicírculo são ordenadas pelo homem experiente, detentor dos saberes que tem a função

de puxar os cantos, cujo tema evoca à natureza, Terra, Sol, noite e água, com preces para saúde

e colheita do ano vindouro, durante o calendário das festividades para o ritual, o qual ocorre

nos meses de abril e novembro.

As datas, conforme informadas pelo tuxaua da Comunidade I’nhãa-Bé, são organizadas

em consonância com as comemorações do Dia do indígena, é o momento de mudança de status

dentro do grupo e, em novembro, mês da tucandeira. Após a iniciação no ritual, o Sateré

iniciado é considerado um guerreiro de sorte que passa a vivenciar novas formas de

convivência, como respeito, liderança e um guerreiro, junto ao grupo de homens dos iniciados

e daqueles que já completaram o ciclo de participação no Ritual da Tucandeira. Logo, esse rito

de passagem implica mudança de status social. Todo o processo ocorre no tempo de vinte

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142

repetições do ato de enfiar a mão na luva com formigas (ALVAREZ, 2005). Nesses meses, a

comunidade é aberta para turistas que almejam conhecer e viver ocasiões memoráveis junto aos

comunitários. Boaventura de Sousa Santos afirma ser “o procedimento capaz de criar

inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e disponíveis sem destruir a sua identidade”

(SANTOS, 2005, p. 118).

Para adentrar no centro cultural, o turista se depara com a organização dos participantes

do Ritual. Na entrada, ficam as senhoras Sateré, com a função de acompanhar o processo do

evento; nas laterais, são dispostas as arquibancadas para turistas e visitantes visualizarem toda

a cerimônia. Ao centro, luvas (ipēp tiğ) tecidas em palha de arumã, com mais de cem formigas

Tucandeiras enfiadas no minucioso orifício. O início é marcado pelo pajé que, ao preparar o

corpo-mente dos participantes e dos convidados, dá início ao processo do Ritual em

conformidade com os parâmetros da tradição, sem modificação na estrutura política e social.

A figura 22 sinaliza o etnoespaço da organização hierárquica das lideranças: tuxaua,

pajé, neófitos, homens e mulheres na celebração do Ritual. Cada liderança ocupa um lugar de

representações simbólicas. Cada espaço reflete o campo do sagrado, que se estende para os

turistas.

Figura 22: Etnoespaço: organização política na grande maloca do Ritual.

Fonte: CARVALHO J. M.; VILÁCIO; ROCHA (2020).

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143

Os simbolismos trazem vários sentimentos do sagrado: temor ao deus Tupana, pedido

de saúde, fortalecimento matrimonial, fortalecimento da cultura e status de guerreiro. Para

Rucian Vilácio (2020), “a Tucandeira é uma mulher que encanta, atraindo o homem Sateré-

Mawé na perseverança da tradição”. É com esse sentimento que a tradição a cada geração se

fortalece, destacando as celebrações deixadas pelos ancestrais, conforme figura a seguir. Em

todas essas, o contato com a natureza se faz presente, motivo pelo qual os turistas fazem a

imersão aos espaços nativos, em busca de cura espiritual e física, em plena sintonia com a

ecologia (SANTOS, 2005).

Na figura 23, os signos combinam para um diálogo, expressos em tela, que faz

referências ao guaraná, como o mito de origem, gerando comunicação por meio do ritual,

expressa pelo verbal, visual, gustativo, olfativo, reafirmando a tradição cultural, “como temor

a tupana”, complementou Vilácio (2020).

Figura 23: Fortalecimento da Tradição.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020). Desenho e pintura: TAVARES (2020).

A interface do homem com a natureza propicia um espaço de magia, poesia e

encantamento. Esses estão expressos nos espaços da kunã, pelos atos xamânicos do pajé envolta

dos cantos e mitos poetizados e pelas narrativas históricas, cultural e social, em torno da deidade

Tupana e da formiga Tucandeira. Esses signos são patrimônios da cultura Sateré-Mawé, que no

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144

Brasil, especificamente no estado do Amazonas, devem entrar como patrimônio imaterial por

registros, conforme destacado pelo Ministério do Turismo (2010, p. 44).

Nesse sentido, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

senhora Karla Bittar Rodrigues, considerou em entrevista que o patrimônio nativo merece um apreço

primado quanto à salvaguarda da cultura tradicional, conforme se deu em outros casos de referência,

para além dos registros geográficos, como representação do indígena, na garantia etnicidade, segundo

preconiza o Artigo 216 da Constituição Federal Brasileira (1988).

4.2. O turismo criativo entre os Sateré-Mawé e Sámi

O turismo criativo surge pelo avanço do processo migratório nas áreas urbanas ou áreas

afins como estímulo à crescente urbanização, ocorrendo “uma tendência de migração das

grandes cidades para as pequenas áreas urbanas, motivada pela singularidade do seu capital

territorial ao nível das suas condições naturais, culturais e simbólicas, e de qualidade de vida”

(SELADA et al., 2011, p. 80). A migração dos povos indígenas para centros urbanos se deu por

fatores de mudança de vida dos familiares, além de fugas decorrente de conflitos externos aos

indígenas. Então, com os saberes indígenas herdados da tradição cultural de cada povo, foi

possível impulsionar trocas de experiências como valorização do patrimônio histórico imaterial.

Há necessidade de as cidades e, sobretudo de as comunidades, se reinventarem para os

novos negócios, visando à garantia da cultura e do sustento por meio do turismo criativo,

respeitando a “pluralidade, pela coexistência e simultaneidade no urbano de padrões, de

maneiras de viver a vida urbana” (LEFEBVRE, 2001, p. 62). Nesse viés, a cultura ganhou uma

carga semântica agregada ao sustentável, ao patrimônio e à criatividade, na garantia do capital

financeiro, ancorado em políticas de desenvolvimento das cidades como o investimento em

marketing e a globalização da economia informal (CASTELLS, 2000).

Acerca disso, o povo Sámi estudado em Tromsø tem buscado se afirmar etnicamente na

prospecção da cultura, por meio turismo, ancorado na sustentabilidade. Segundo Hoffmann

(2011), foi nas décadas de 1970 e 1980, que as discussões sobre os direitos do povo Sámi, e da

reivindicação de seu status por uma organização etnopolítica do povo, se consolidou. Essa luta

contribuiu com as políticas afirmativas do povo no país, na expansão das “fronteiras

econômicas sobre os territórios tradicionais daquele grupo”, conforme afirmou Hoffmann

(2011, p. 523).

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145

Durante o campo da pesquisa, percebemos que as comunidades estão vivenciando um

momento de inovação, apostando em novas estratégias para sobreviver, com o modelo atual de

turismo, que antes era pensada apenas como motivo de viagens a passeio, férias, entre outras

atividades. Surge, assim o turismo étnico indígena, no qual o protagonista é o próprio nativo,

com estratégias de ressignificar a cultura em áreas urbanas, mirando uma inserção ao turismo

criativo.

Desse modo, surge um novo turista (neoturista) que busca experiências culturais,

históricas, reais e nativas de um determinado lugar, proporcionando o desenvolvimento

individual e que agregue novos conhecimentos. A vivência por meios culturais dos patrimônios

históricos, tangíveis e intangíveis, estabelecem uma forte carga simbólica com o turismo

cultural (ABREU, 2011). Destacamos que o patrimônio imaterial ou intangível faz referências

às festas, celebrações, rituais, modos de saber e fazer, conforme preconizado no Decreto de n.º

3.551/2000.

As agências de viagens, segundo Rodrigues Gonçalves (2008), têm estreitado

cooperação entre o turismo e as indústrias criativas, porém nem sempre é fácil experienciar esse

fenômeno, por apresentarem abordagens específicas e que por vezes não são aceitáveis pelos

promotores culturais. É “um momento de renovar a estratégia de desenvolvimento regional a

partir destes vetores: Turismo, Criatividade e Cultura” (GONÇALVES, 2008, p. 19).

Consideramos que a decisão deve partir da filosofia dos povos indígenas, pois são eles que têm

o poder de decisão, ponderando os benefícios vindouros.

Na comunidade Sahu-Apé, vivenciamos estratégias culturais para atender e atrair o

turista, a exemplo uso de páginas do facebook com o título “Aldeia Sahu-Apé - Aisa”. Nessa

página foram apresentadas as atividades turísticas com apresentação do grupo de coral das

crianças sahu, ritual da Tucandeira, preparo dos alimentos e da bebida típica waraná.

Atividades como essas são organizadas pelos comunitários, porém as postagens não são

atualizadas, por falta de acesso à internet. A partir do fluxograma de conhecimentos

tradicionais, as ações para o turista são desenvolvidas pelos mehins - guerreiros e guerreiras.

Toda essa organização é também uma marca da identidade cultural do povo, a forma como se

atribuem valores e significados aos elementos construídos e existentes no determinado pedaço

de chão (SOUZA, 2001).

Pforr e Brueckner (2016) apontam que o turismo tem sido considerado como uma forma

de desenvolvimento sustentável a longo prazo para as comunidades indígenas pois diante das

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características próprias dessa atividade, promove a valorização da cultura e a vivência com a

natureza, oferecendo oportunidades para engajamento econômico em harmonia com as práticas

ambientais e socioculturais próprias do grupo.

A Amazônia tem um patrimônio imaterial cujo cenário é natural, com a maior

biodiversidade do mundo, sendo um vetor para a expansão do turismo criativo. “É nesse

contexto, de profundas transformações e conflitos socioambientais que a atividade turística vem

se desenvolvendo na região” (BURSZTYN, 2012, p. 41).

Como estratégias de desenvolvimento das comunidades criativas para o turismo

criativo, as cidades têm uma programação anual marcada em calendário cultural e movidas pela

exuberante natureza amazônica. No entanto, chamamos atenção para que essa euforia da cultura

fora das Terras indígenas não caia no desprestígio e na banalização, isto é, as “imagens são

construídas, consumidas e destruídas, numa permanente (des) territorialização da ciranda

especulativa que produz lucro, prestígio e poder” (RIBEIRO, 2006, p. 43).

No Círculo Polar Ártico, os fenômenos da natureza são elementos presentes na vida

diária dos Sámi. As estações do ano são bem definidas e a cada uma delas o povo se organiza

para viver em harmonia com a natureza. Do mês de novembro até janeiro, vemos o período em

que ocorre o fenômeno da escuridão. Nesse tempo, é comum o uso de abajur, lâmpadas

amarelas, velas na entrada e dentro das casas, dos apartamentos e em repartições públicas. Já

os meses de fevereiro e março são períodos em que surge a neve e as temperaturas variam entre

5ºC e -15ºC, detalhes que narram o modo de vida do povo.

Diante da discussão das atividades turísticas, verifica-se que, a partir de algumas

mudanças no espaço em que o grupo reside e desenvolve suas atividades cotidianas, surgem

novas formas de apropriação e uso dos recursos naturais, diante da demanda do turista. Assim,

é preciso compreender o patrimônio e a dinâmica sociocultural que surge desta demanda. Por

isso, o estudo sobre turismo étnico indígena e seu patrimônio imaterial contribuem para trazer

benefícios a muitas outras formas de turismo (CARR et al., 2016).

Em Tromsø, um fato curioso é que, mesmo com a variação de temperaturas, os turistas

experienciam os saberes da cultura Sámi, sobretudo andar com as renas puxadas no trenó e

vivências com o povo nas atividades voltadas para o turismo. No período de setembro a março,

o turista procura contemplar a Aurora Boreal, investindo em valores que chagam a 4.000 coroas

norueguesas (NOK), moeda do país. Na ocasião, o turista busca uma cabana Sámi e se envolve

pelos cantos e alimentos que remetem a significados da ancestralidade. Igualmente, a

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147

“criatividade assumiu o seu pleno reconhecimento enquanto matéria prima do novo modo de

produção e que, agora, não ocorre mais em espaços confinados, mas em espaços abertos dos

processos midiáticos” (MAGNAVITA, 2011, p. 73).

No outono, por usa vez, correspondente aos meses de setembro e outubro, a temperatura

varia de 3ºC a 16ºC. O clima é marcado por poucas pancadas de chuva e noutro momento

observa-se um sol ameno, considerado um clima agradável pelos noruegueses. As folhas das

árvores ficam amareladas e depois caem, formando um cenário mágico, aproximando a natureza

do cotidiano das pessoas. Para ilustrar, elaboramos uma tabela descritiva (Tabela 2) das

estações do ano, conforme a narração do Sr. Egil Andersen Lundstedt (2019).

Tabela 2: Estações do ano e fenômenos atrativos.

MESES TEMPERATURA EM

GRAUS CELSIUS FENÔMENO ESTAÇÃO

Janeiro, fevereiro,

março, novembro e

dezembro

5 a -15 Aurora Boreal

Inverno

intenso

Fevereiro e março -1 a -15 Estação com mais neve Inverno

intenso

Novembro até

janeiro -5 a -15

Tempo escuro (abaixo

de zero) Inverno

Abril e maio 4 a 17

Sol da meia-noite (inicia

20 de maio até 20 de

julho)

Primavera

Julho e agosto 9 a 20 Contemplação do Sol Verão

Setembro e outubro 3 até 17 graus Aurora Boreal Outono

Outubro 3 a -2 Aurora Boreal Fim do

outono

Fonte: CARVALHO J. M. (2019).

No verão e no outono, o brilho e o calor do astro rei são intensos. Nesse período de sol,

são utilizadas habitações chamadas de cabana Sámi conhecidas como lavvu, as quais costumam

servir de abrigo e de recepção aos turistas. Suas estruturas têm formato de cone coberto em lona

e sem divisórias, como um tipo de acampamento para contemplar: as estrelas, a Aurora Boreal,

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o sol da meia noite e o cantar yoik, elementos que reforçam o sistema de comunicação da origem

do mito (BARTHES, 1999).

Na estação do outono, em uma temperatura de 3ºC a 17ºC, as famílias se preparam para

a chegada da majestosa Aurora Boreal. Nessa preparação, as cabanas são organizadas para a

recepção dos turistas. Assim, em atuação no campo etnográfico da comunidade Sámi,

observamos momentos ritualísticos de acolhimento que buscaremos descrever.

No centro da cabana, há fogão e lenhas que formam um fogaréu para os preparos de

alimentos aos visitantes. Essa ritualística remete “a um simbolismo cósmico da comunidade

que é retomado na estrutura do santuário ou da casa cultual” (ELIADE, 2010, p. 24). Acima do

fogo, há uma chaleira de café e outra com chá de limão e erva mate. Durante nossas

observações, enquanto os alimentos eram preparados, Trine Marit cantava as canções yoik com

intensidade, aos sons dos tambores decorados com letras rúnicas, confeccionados com pele de

rena e grafismos representativos de outros seres vivos. Para Faur (2014, p. 226), “as runas

representam um complexo sistema espiritual pelo qual sacerdotes e xamãs ensinavam seus

mistérios”. Essas memórias são mantidas por meio de códigos sagrados com valor sentimental

entre os praticantes da cultura.

No campo das estratégias, foi possível elaborar um etnocircuito de atendimento ao

turista com uso da ferramenta ágil do fluxograma, tanto do povo Sateré-Mawé quanto do povo

Sámi. Esses etnocircuitos foram planejados a partir das andanças no campo desta pesquisa.

Percebemos a necessidade do percurso para a compreensão dos serviços dos turistas nas

comunidades, facilitando as formas de organização e visitação.

Sobre fluxograma, Lucinda (2010, p. 44) define “como uma ferramenta que mostra de

forma gráfica as etapas de um processo e pode ser utilizada na análise de um processo corrente,

pois permite a compreensão rápida do fluxo de atividades". Para Magnani (2012, p. 13),

“circuito descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço. [...] é também

o exercício da sociabilidade por meio de encontros, comunicação, manejo de códigos”. Nesse

contexto, com os serviços indígenas, o etnocircuito está alicerçado aos saberes de tradição

cultural dos povos.

No que diz respeito aos Sateré-Mawé, destacamos os elementos sígnicos que marcam a

cultura de expressão identitária, como componente indutor aos turistas, destacando o Ritual da

Tucandeira e seus elementos simbólicos, como o guaraná, os objetos artesanais e as narrativas

lendárias (FIGUEROA, 2016). Esses têm demonstrado grande potencial para o

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149

desenvolvimento do marketing no estado do Amazonas, sobretudo nas visitações culturais

realizadas na capital.

As comunidades indígenas Sahu-Apé e I’nhãa-Bé não atuam junto às agências de

turismo de Manaus. Percebemos, nesse caso, a falta de incentivos para oportunizar o acesso às

localidades e protagonizar o empreendedorismo local. O turista, ao visitar Manaus, procura

fazer contato com as agências de forma oral, pois essas comunidades não dispõem de uma boa

internet, nem recursos como computadores, impressora ou apoio para a organização e

divulgação das atividades turísticas. Eles são detentores de saberes de tradição cultural, sem

costume do uso da escrita para a promoção e divulgação dos serviços. No entanto, as agências

de turismos utilizam sites com imagens da floresta e do que nela habitam, a exemplo dos

indígenas residentes nas áreas urbanas e metropolitanas da capital amazonense. Isso demonstra

um forte apelo como atrativo e, ao mesmo tempo, concorrência entre os destinos, territórios

estratégicos para garantir vantagens competitivas no mercado do turismo étnico.

Consideramos que, tanto a Amazônia quanto o Círculo Polar Ártico, apresentam

potencialidades intersectivas para o planeta, sendo laboratório das espécies (MARCELINO,

2007). De um lado, o degelo, que segundo os especialistas da Universidade de Tromsø possui

a parte mais afetada na região do oceano Ártico; do outro lado, o crescente nível das águas que

afeta a bacia hidrográfica da Amazônia que, para Cabral, da Silva e Toledo (2018), advém do

aquecimento global, uma das causas para a extinção dos seres vivos do planeta.

Urge sim, assegurar o turismo étnico indígena com interface para o meio ambiente e aos

povos habitantes nesses territórios. Deve-se ter como objetivo salvaguardar o patrimônio, pois

o território é a marca que remete aos fluxos da memória do lugar. Para Deleuze e Guattari, o

território:

[...] não é primeiro em relação à marca qualitativa, é a marca que faz o território. As

funções num território não são as primeiras; elas supõem, antes de tudo, uma

expressividade que faz território. É de fato nesse sentido que o território, e as funções

que ali se exercem, são produtos da territorialização. A territorialização é o ato de

ritmo tornado expressivo, ou de componentes tornados qualitativos (DELEUZE;

GUATTARI, 2012, p. 388).

Toda a expressividade é marcada por signos identitários; é uma forma de comunicação

com as origens históricas, sociais e culturais que retomam a memória dos antepassados, numa

construção identitária que marca a tradição de um povo e o seu território, mesmo estando fora

dele, isto é, fora das Terras Indígenas.

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4.2.1. Modelo empírico de desenvolvimento do turismo étnico Sateré-Mawé e Sámi

Para entender os saberes ancestrais, no campo do turismo cultural, transpomos as

narrativas das vivências e das práticas desenvolvidas nos barracões, também chamados de casa

cultural. Nesse local de atividades e serviços prestados aos turistas, demonstramos por meio da

ferramenta de fluxograma a presença de regras para receber o visitante, respeitando os valores

étnicos.

De tal modo, como resultado do campo etnográfico, tecemos com os membros da

comunidade Sateré-Mawé, o processo de visitação em três etapas: antes, durante e depois de

cada ação direcionada ao turismo, como expressão simbólica e cultural agregada ao valor

econômico. Esse modelo construído já fazia parte dos conhecimentos ancestrais, no entanto de

forma verbo-visual (MELLO, 2019).

Na primeira etapa, os contatos iniciais são com a liderança do grupo, que tem a função

política de organizar o espaço para a recepção dos turistas. Na segunda etapa, é o momento de

realização da imersão do turista à comunidade, tendo a oportunidade de interagir com a mística

entre os participantes.

Percebemos que o contato inicial é com o tuxaua, pois é ele quem articula politicamente

as ações para atuação turística organizadas em conjunto com outras lideranças da comunidade.

Cada membro tem uma função de atuação dividida entre recepção, trabalho e reunião de

avaliação, bem como planejamento das próximas atividades da comunidade.

Na terceira etapa, é um momento de ação-reflexão-ação do processo, com objetivo de

reavaliar as atividades e dividir os valores recebidos como fruto do trabalho. Além disso, as

atividades ambientais, como a limpeza e a utilização de produtos reutilizáveis, são feitas de

forma a garantir a preservação do meio ambiente, demonstrando a relação harmônica entre a

comunidade e a natureza.

Também o saber fazer das comunidades estão baseados na etnicidade que garante a

continuidade da tradição cultural, sem desvalorizar ou tornar pejorativo diante do turismo

criativo (BANDEIRA e COSTA, 2015). A sustentabilidade é um fator que dialoga com o viés

do desenvolvimento local, garantindo o sustento às famílias que residem nas comunidades.

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Percebemos que cada comunidade apresenta especificidades diferenciadas, levando em

consideração o local e o acesso aos espaços, conforme demonstrado a seguir, a partir das

observações realizadas na comunidade Sahu-Apé (Quadro 3).

Quadro 3: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade Sahu-Apé.

Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO; FERREIRA (2019).

Para os líderes, é praticamente inexistente a presença de marketing e divulgação dos

trabalhos por redes midiáticas, pois no local só existe uma operadora de telefonia que atende a

área e que muitas vezes fica sem sinal. De tal modo, na comunidade I’nhãa-Bé, o processo de

visitação também se inicia com o tuxaua, conforme as fases destacadas no (Quadro 4).

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Quadro 4: Etnocircuito do ritual no turismo criativo na comunidade I’nhãa-Bé.

Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO (2020).

Como visto nessa comunidade, o desenvolvimento do processo é agregado a outros

serviços como transporte fluvial para o turista, organização do espaço, organização e divisão

das tarefas. Na segunda fase, constam: a recepção, o planejamento, alimentação típica, contato

com a floresta e com fauna no decorrer da trilha, exposição de artesanatos até a performance

do Ritual da Tucandeira, um jeito de receber e de saber fazer o desenvolvimento das atividades.

E, na última fase, com saberes ancestrais, são realizadas reuniões e avaliações, dialogando sobre

o planejamento, a divisão da renda e a limpeza dos espaços.

No que diz respeito aos Sámi, os serviços para os turistas são bem modernos e

inovadores, com uso de internet e equipamentos complexos: leitor de CoreCod, facilidade de

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pagamento dos serviços com cartão de crédito internacional, além de aplicativos em 3d, como

o forecast3d para acompanhar os roteiros da Aurora Boreal e visitações com os Sámi.

No percurso pelas encantadoras estradas e rodovias, as paisagens exóticas típicas da

região são explicadas pelos anfitriões Sámi. Quanto à estrutura física, essa é toda adaptada para

o turista, com acessibilidade às pessoas portadoras de deficiências. As sinalizações das ruas são

em duas línguas, norueguês e Sámi, valorizando e garantindo as culturas, conforme o acordo

com o Parlamento Sámi.

O uso das tecnologias via internet permite a emissão de bilhetes e ingressos detalhados,

constando a saída do transporte, o itinerário e o tempo de duração que o turista participará das

ações. Os rituais da alimentação são elementos que os nativos usaram como criatividade para

atrair o olhar visionário do turista. Andar pelas ruas de Tromsø é conviver com ofertas dos

serviços turísticos disponibilizados nos mapas da cidade, roteiros e agências com variados

serviços ao turista, conforme anexo B, com destaques para visitação com o povo Sámi.

A cidade de Tromsø é conhecida como a capital do turismo e da Aurora Boreal, as

agências usam a imagem do fenômeno como atrativo comercial aos simpatizantes de vários

países do mundo. Na cidade, existem políticas relacionadas à produção e ao desenvolvimento

da pesca do bacalhau, da contemplação das baleias, da cultura ancestral, além de iniciativas que

envolvem a sustentabilidade, meio ambiente e a preocupação com a costeira, no caso do Oceano

Ártico (JACINTO, 2016).

Em campo, ao ser recebida por uma senhora Sámi, foi entoado o canto denominado de

yoik, cantado pelos mais velhos e geralmente por senhoras detentoras da tradição. Em seguida,

foram feitas as explicações do que é ser um Sámi, seguidas de bebidas, geleias, chá e sucos de

berries e moltebaer (frutos silvestres, nas cores vermelhas e negra). A cada dia, essas ações

elevam o crescimento turístico nas comunidades que as praticam.

Após o ritual de chegada, foi servido um alimento denominado sopa de rena (bidos),

temperado com as ervas nativas, cozido com batata da região e cenoura. A sopa é acompanhada

de um pão com textura finíssima e bastante torrado chamado de flatbrød, que em português

significa “pão reto”. Na ritualística do alimento típico do povo Sámi, é enfatizada a cultura por

meio do canto e do batuque, em uma linguagem articulada aos deuses numa harmonia cósmica.

Ligiéro (2011, p. 155) salienta que “o cantar, o dançar e o batucar são a base de distintas

celebrações em rituais”. O alimento foi servido em torno do fogo, onde as pessoas cantarolavam

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e se satisfaziam do banquete. Para tanto, o processo de recepção e ofertas dos serviços aos

turistas inicia com agendamento direto nas agências, conforme demonstrado no (Quadro 5).

Quadro 5: Etnocircuito do ritual o turismo criativo do povo Sámi

Fonte: CARVALHO, J. M.; VILÁCIO; DAMASCENO (2020).

Na incursão pelo campo, o motorista Sámi, trajando as vestimentas típicas, faz o retorno

com os turistas até o hotel e durante o trajeto narra a o percurso do seu povo: dos tempos antigos

até o momento de crescimento comercial dentro da cidade de Tromsø.

Os habitantes em geral e, sobretudo o povo Sámi, trabalham de acordo com o calendário

das atividades voltadas às estações do ano. Assim, a cada passagem, as agências de turismo

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oferecem serviços diferenciados com valores que vão de 200 a 4000 mil coroas norueguesas,

dependendo da estação e do serviço prestado ao turista. Para isso, há uma programação anual

em que o turista se planeja previamente.

O aparecimento do turismo criativo é uma exigência do momento contemporâneo que

preconiza a inovação nos serviços e a autonomia dos usuários. As atrações culturais estão

direcionadas a um neoturista, um público com novas motivações e comportamentos que

alimentam os desejos, ao mesmo tempo em que oferecem diversão associada à ancestralidade,

à mitologia, à produção de artesanato local como signos identitários. Logo, o turismo criativo

é potencializador e valorizador da cultura na promoção da economia das cidades.

Para Ferreira (2017, p. 140), a “importância dada à cultura integra-se às políticas

urbanas, culturais e municipais como componente de valorização do espaço urbano e da cultura

local”. As incursões permitiram mostrar os saberes e fazeres dos espaços indígenas Sateré e

Sámi, como patrimônio cultural do ser cosmogônico, no campo do turismo cultural, enquanto

elaboradores, organizadores e difusores de aprendizagens. Entretanto, há tarefas que ainda

necessitam de compreensão pelas possíveis interações, interconexões, que podem emergir para

o turismo criativo.

4.3. Experiências memoráveis entre os povos indígenas Sateré-Mawé e Sámi

Cada povo se expressa pela tradição cultural marcada por signos que os definem pelos

fatores históricos, sociais e culturais. Ao longo da trajetória humana, o homem sempre deixou

suas marcas identitárias em cavernas, pirâmides, madeira, pergaminho, sarcófagos, os quais até

hoje inquietam pesquisadores (PINHEIRO, 2018). Esses fatos são comprovações de que o

homem das primeiras civilizações nos deixou formas de registros históricos e comunicativos

com variados significados.

De acordo com os entrevistados da comunidade I’nhãa-Bé, os atrativos mais apreciados

pelos turistas são: o Ritual da Tucandeira e seus elementos simbólicos – bebidas ancestrais,

grafismos, canto, danças. Além disso, buscam também a participação em pescarias, observação

das fases da lua e produção do roçado. A atratividade das atividades realizadas pelo turismo

reforça a imagem como mediadora de informações (GUIMARÃES, 2018).

Para os líderes da comunidade Sateré, o espaço é um ambiente denominado pelos

turistas de paraíso, isto é, de uma imagem bastante privilegiada que se tornou mítica

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156

culturalmente em todas as sociedades da Terra (BOFF, 2016). O turismo étnico a cada dia vem

sendo procurado por visitantes que gostam de desafios e de inovação em ambientes culturais

diversificados para visitas de cunho contemplativo. Para o tuxaua Pedro Ramãw da Silva, “os

turistas que participam dos rituais, preferem pescar, caçar, beber chá e apreciar a natureza”.

O que se percebe, nesse início de século XXI, em diferentes destinos, é que as pessoas

buscam atividades e opções variadas, inclusivas, interativas com povos originários, bem como

acena para um propósito social, cultural e ambiental. Para Boff (2016), a vida planetária desses

povos demonstra profunda ambientação com a natureza, primando por alimentos orgânicos,

isto é, aqueles de raiz ancestral desprovida de produtos químicos.

O Quadro 6 demonstra as atividades de atrações turísticas nas comunidades I’nhãa-Bé

e Sahu-Apé, a partir da narrativa dos entrevistados.

Quadro 6: Indutor turístico – Sateré-Mawé.

Fonte: CARVALHO, J. M., junto aos entrevistados (2019).

Os atrativos ao turismo, segundo MacCannell (1979), têm representações simbólicas

denominadas de signos que, para os indígenas, apresentam significados capaz de ligar o sagrado

e o xamanismo em práticas de cura pelo pajé. Destaca-se ainda que o pajé é o “médico”

tradicional na comunidade e, por meio das ervas medicinais, tem poderes de fazer remédios

caseiros. “O homem sempre teve tendência de adorar o misterioso e o fascinante, percebidos

N. Indutor turístico Período Observação

01 Ritual da Tucandeira Abril, novembro ou

quando o turista solicita

Acesso à

comunidade:

1. Contato direto

com o tuxaua;

2. Raramente por

agências

02 Magia da Floresta (realizar trilhas e

aquisição de ervas medicinais)

Anual

03 Pescaria Anual

04 Gastronomia indígena Anual

05 Sabres sobre canto e danças Anual

06 Bebida ancestral – guaraná ou

waraná

Anual

07 Astronomia indígena – apreciar as

fases da lua e fazer trilhas

Anual

08 Arte indígena – Grafismo Anual

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157

por ele como diferente, portanto, o exótico, que se corporifica na atração que as pessoas sentem

até hoje para viajar” (MELLO, 2019, p. 92).

O turismo étnico dentro das comunidades tem inquietado alguns pesquisadores da

antropologia, pois, para eles, esse tipo de turismo pode colocar em risco a cultura dos indígenas.

No entanto, o entrevistado da comunidade Sahu-Apé (2019) demonstra que o turismo “é um

momento de socializar a cultura”. Em tom pessoal ele diz que essa atividade é feita “por meio

de nossas práticas, deixadas pelos nossos antepassados. Com isto, garante o sustento dos

moradores da comunidade”.

Nesse sentido, é crescente a preocupação em resguardar o legado dos povos indígenas

por estarem ligados à ancestralidade centrada na cultura, na mitologia e nos rituais. Isso é visto

como filosofia de vida dentro das nações indígenas, como um fenômeno geral dentro das

sociedades modernas, complexo que a cada dia gera discussões a respeito. No viés do turismo

cultural, o turista que opta em realizar o turismo étnico, sendo um novo comportamento do

turista da atualidade, se apresenta sensível às causas indígenas, com interesse em vivenciar

momentos de contemplação com o cosmo, com a natureza.

Na convivência com os indígenas da tribo Sateré-Mawé, o turista tem a opção em dormir

em uma comunidade, participar de rituais, conversar com a tuxaua, cantar com crianças, ficar

em sintonia com o canto da floresta de acolhida, aprender com o pajé, ser atendido na farmácia

kunã. Além disso, o visitante pode se aventurar pelas trilhas na floresta, passear pelo rio em

transporte fluvial de pequeno porte, denominado de bote, em alumínio para focar jacaré no lago.

Também é possível realizar atividades mais passivas como presenciar o amanhecer,

contemplar o anoitecer, dormir na maloca em rede, conhecer a origem e matéria-prima dos

artesanatos, a criação de abelhas, tomar o verdadeiro guaraná (waraná), rodada de chá e

contação das narrativas.

A figura 24 apresenta diversas fotografias que remetem a essas atividades aqui descritas.

No conjunto do mosaico apresentamos a imagem (E) do saber fazer do preparo das formigas na

luva em palha; (F) a realização com ritual com os adornos, luvas, penas de animais e os

participantes pintados com tinta de jenipapo.

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158

Figura 24: Mosaico de signos identitários Sateré-Mawé.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Fonte: CARVALHO, J.M; AMISM (2020).

Na imagem (G), vemos sementes extraídas da natureza; na (H), os anéis de tucumã,

produto cobiçado pelos turistas, do qual são feitos pulseiras e colares com a semente puçá-

Waruru e chumburana, extraídas da região indígena e que são tipicamente empregadas por essa

etnia. Segundo Ribeiro (2000, p. 152), “essas representações iconográficas têm um caráter

mnemônico e estão profundamente enraizados nas vivências e nos enredos míticos tribais”. Na

imagem (I), observam-se variados produtos em exposição para turistas: colares, cuias em

grafites e pinturas ancestrais. Por fim, na (J), apresentamos o guaraná (waraná ralado). Todas

as matérias primas são provenientes das Terras nativas Sateré-Mawé, como informou Vilácio

(2020).

Dentre os fatores que estimulam os segmentos turísticos, especialmente o turismo

cultural que agrega e aproxima o turista com a cultura, com a ancestralidade e com a cosmovisão

F E

G H

I J

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159

indígena (CARDOZO, 2006). O patrimônio cultural, visto como marca identitária e simbólica

do lugar, serve como fomento. A inserção dos indígenas no percurso do turismo, tendo como

resultado a autogestão, o empoderamento e o fortalecimento de suas tradições e valores

contribui com o desenvolvimento econômico por meio dos símbolos identitários como atrativo

turístico.

No que diz respeito ao povo Sámi, os atrativos que o identificam na essência de ser povo

do Ártico são variados. De tal modo, no imaginário popular dos brasileiros, os nórdicos recebem

adjetivos como “povo do gelo”, “povo que pastoreia renas”, “povo que anda de trenó”, “povo

que conversa com a aurora boreal” e “povo indígena que tem vestes diferentes”, dando sentido

polissêmico ao interessado. Nesse contexto, os adjetivos são marcados pelos signos do

pastorear com rena, a caça da aurora boreal, a embarcação da pesca e a cabana. No campo

turístico, cada serviço desses tem um custo, conforme quadro a seguir.

Quadro 7: Investimentos no turismo de experiência em Tromsø.

Serviços Moeda

Noruega

Moeda

Brasil

Grupo de

pessoas Duração

Observação do fenômeno da

Aurora Boreal 4.000,00 2.000 10 5h

Experiência em turismo étnico

com o povo Sámi. 2.400,00 1.200,00 10 3h

Passeio para conhecer fiordes 2.200,00 1.100,00 20 5h

Passeio para contemplar baleias 3.200,00 1.600,00 20 3h

Museu Sámi 200,00 100,00 5 2h

Pastorear Renas 200,00 100,00 - 1h

Fonte: CARVALHO, J.M. (2020), baseado na agência VisitTromsø, 2019.

Uma vez compreendida a dinâmica de valores no quadro 7, os quais são bem variáveis

em relação ao Brasil, fica evidente o olhar ao calendário ilustrado na figura 09, que marca as

estações do ano. Sobre isso, a Senhora Wilqui Dias (2019) comenta: “recebo hóspedes

anualmente, dentro das estações: contemplar a Aurora boreal, Sol da meia noite, conhecer

fiordes, acampar com Sámi, esquiar na neve, conhecer as baleias ou conhecer as belas estradas

da Noruega, tem para todos os gostos”.

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160

Cada estação tem um tipo de turista. No período outonal, foi percebido um perfil com

faixa etária a partir de 30 anos de idade, e, em sua maioria são turistas orientais. O público de

idosos é também muito frequente, o que corresponde 80% dos turistas, conforme informado

pela gerência da agência de turismo e pelo museu Polaria.

Sobre a experiência de contemplar a Aurora boreal, observamos que esse é um dos signos

encantadores que sinalizam o povo Sámi, pois trata-se de um marcador da comunicação entre

os povos, trazendo uma importante “carga semântica” (GEERTZ, 2008, p. 68). A aurora se

comunica pela forma e expressões das cores, pela dança e pelo período em que aparece emitindo

saberes e sinais para cada tempo, “linguagem significa, neste contexto, o princípio orientado

para a comunicação dos conteúdos espirituais” (BENJAMIM, 2018, p. 9). Nessa direção, o

autor nos convida a penetrar na essência dos seres por meio das expressões. No período da

Aurora boreal, a cidade de Tromsø se torna uma das atrações turísticas para vivenciar as

emoções.

Para tanto, a tecnologia e a inovação despertam o interesse dos turistas na busca pelo

fenômeno. Na figura 25, apresentamos a vista da aurora boreal e o aplicativo forecast3d usado

na caçada à aurora.

Figura 25: Aurora boreal e Aplicativo forecast3d.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Segundo Salles (2017), a Aurora boreal ocorre sobre o eixo do Polo Norte do planeta.

Tal nome lhe foi dado por Galileu Galilei em 1619, enquanto pesquisava o fenomenal

acontecimento, como parte de um estudo sobre o movimento dos astros celestes. O nome foi

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161

escolhido em homenagem à deusa do amanhecer, Aurora, e a seu filho, Bóreas (GUEDES,

2015).

Para contemplar o fenômeno da Aurora Boreal, segundo o povo Sámi, o espaço celestial

deve estar preparado para recebê-la. Atualmente, considerando o uso da tecnologia, um dos

aplicativos utilizados é o “Aurora forecast3d”, desenvolvido para acompanhar o dia e a hora da

aparição do fenômeno. Nesse aplicativo, é possível girar o sol, fazer zoom e monitorar as

atividades solares. Porém, segundo do senhor Egil, o aplicativo é falho, pois o fenômeno

depende da vontade dos deuses. Além que as estações do ano são variáveis, que implica na

visualização da Aurora boreal.

A cidade de Tromsø tem como fomento o turismo, sendo que há vários recursos da

tecnologia para acompanhar o dia de melhor aparição do fenômeno Aurora. André Bonotto, um

influenciador do @andregbonotto, é dos que utiliza recursos para caçar o fenômeno. Ele é

conhecedor da cultura Sámi e recomenda no seu site a “Cultura Norueguesa”, além de outros

aplicativos. No seu blogspot, André oferece pacotes para contemplação da Aurora e expedições

para conhecer o povo Sámi.

Vale destacar que os pacotes para expedições junto ao povo Sámi são administrados

pelos próprios indígenas. A Aurora boreal, segundo Salles (2017), tem um apelo turístico; nessa

assertiva, concordamos com a autora, pois durante o campo da pesquisa foi possível perceber

pacotes turísticos oferecidos pelas agências. É uma atração que envolve saberes tradicionais da

cultura do povo norueguês e sobretudo do povo Sámi.

Na comunidade Sámi, há um lugar propício preparado pelo líder xamã, chamado cabana,

Lavvu, ele cuida da recolhida das lenhas e do preparo do fogo para a recepção dos turistas,

conforme figuras a seguir. O lugar é místico ladeado de cajado, couro e chifres de renas para

acolher o turista a contemplar a Aurora boreal. A esposa do xamã tem a função de explicar todo

o processo da visitação, num período de 3 a 4 horas. Na cabana lavvu, (figura 26) parte externa

e interna da cabana, o turista pode passar a noite para contemplar a aurora e o sol da meia-noite.

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Figura 26: Lavvu (externo e interno).

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Os turistas participam de experiências com o povo, por meio de agências que realizam

contato com o responsável pelo acampamento. No campo da pesquisa, observamos que o senhor

Sámi, o noaidi, tem estreita relação com as agências e assume a responsabilidade do translado,

do centro de Tromsø à comunidade Sámi. Para tal percurso, há vários pacotes que possibilitam

vislumbrar o “Sol da meia-noite” ou passear no campo com as renas pelo espaço celestial.

Segundo Salles (2017, p. 24), “em muitas culturas, por muito tempo, as auroras tiveram

um apelo sobrenatural, em alguns casos foram consideradas sinais divinos e prenúncios de

momentos prósperos; em outros, o fenômeno era visto como presságio de mau agouro”. Para a

senhora Sámi, Trine Marit (2019), a aurora se mostra majestosamente, ela se movimenta

trazendo mensagem que pode indicar o tempo e muitas vezes estabelece um sentimento íntimo.

Nem toda estação da aurora é visível, há meses em que ela não aparece. Segundo a

senhora Wilqui Dias, “para contemplar a aurora, o espaço celestial deve estar bem escuro, isto

é negro”. Outros afirmam que as auroras produzem sons que sibilam à noite. Os passeios

turísticos para esperar o fenômeno giram em torno, a partir de Kr 1.800,00 (um mil e oitocentas

coroas norueguesas), o que equivale a R$ 900,00 (novecentos reais), conforme descrito no

quadro 7.

A natureza transmite paisagens indescritíveis e proporciona euforia ao observar a aurora

dançar no céu. Como pesquisadora, foi um momento espiritual presenciar o fenômeno da

Page 163: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

163

Aurora boreal. Os moradores e turistas de Tromsø comemoram a cada aparição, fazendo os

pedidos a sua crença, com orações envolvidas por muita emoção.

Na cidade, é possível contemplar a aurora com uso de câmeras de longo alcance ou por

celulares, porém como menos nitidez. Ao observar a aurora sem instrumento, o turista aprecia

apenas um clarão esbranquiçado ou cinzento. Porém, ao colocar câmeras apropriadas, é possível

perceber o encantamento dançando, como nuvens ao vento.

Durante a pesquisa de campo, fomos informados que, no mês de agosto e setembro, o

fenômeno de aparição é quase imperceptível. Contudo, no dia 7 (sete) de setembro apareceu a

primeira aurora do ano de 2019, momento mágico, inusitado e espetacular. Nesse dia, a aparição

se deu amena, o que para o povo Sámi não é um bom sinal, pois significa que o inverno será

intenso. Porém, nos dias seguintes, ela se fortaleceu mais exuberante e atraente.

4.3.1. Rena e o ato de pastorear: a essência Sámi

As renas fazem parte da classe dos cervídeos, Cervidae, ou ainda veados (do latim,

venatu, "caça morta"), e constituem uma família de ungulados artiodáctilos e ruminantes, da

qual pertencem animais como a corça, o alce e o caribu. Vivem em manadas silenciosas pelas

altas latitudes e magnificamente adaptados à aridez e a temperaturas baixíssimas. É um animal

de rebanho que resiste a céu aberto nas noites do inclemente inverno, quando a temperatura

chega a -45ºC. Para o Sámi, a rena é a marca da essência de ser Sámi. Sua bravura e resistência

faz o povo persistir e lutar pelo meio ambiente e manter viva a espécie.

Trata-se de um signo que passa por identidade intersemiótica, da qual a essência de ser

um pastor de renas nasce no útero da mãe. Segundo Dorsch (2017), ser Sámi é ser épico e zelar

pela bravura e resistência da tradição cultural narrada na literatura. A rena, por possuir essa

persistência, é homenageada em diversos cantos da cidade de Tromsø, tais como shoppings,

hotéis e ruas.

Para Oliveira (2016, p. 86), de todos os animais, “os mamíferos são os que aparecem

em maior frequência e diversidade simbólica, tanto na mitologia quanto na iconografia”. A

rena, iconograficamente, é estilizada em várias formas: no aspecto comercial, na caça e em

contextos domésticos. Isso se torna importante, pois provoca no visitante o desejo em conhecê-

la e cuidá-la nos pastos. Na mentalidade Sámi, o caçador caça a rena e a rena deixa-se caçar

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pelo caçador, ou seja, há uma interação mística, uma construção natural da essência espiritual

(DORSCH, 2017, p. 34).

É por meio das agências de turismo que os visitantes desfrutam dos serviços com

pacotes para a visitação nas comunidades Sámi. Percebemos que nem todo Sámi atua no setor

do turismo, por isso a importância das agências. Também não é possível adentrar e visitar

comunidades diretamente, pois em Tromsø há uma organização cultural que deve ser seguida

pelo interessado, seja por meio das agências ou pelos museus.

No museu da Universidade de Tromsø, todos os dias o turista adentra os espaços para

conhecer a cultura Sámi. As narrativas são feitas em norueguês, francês, inglês e sámi. Essas

contam história de conquistas, perseguições e aquisições do povo, bem como sua origem,

vestimentas, artesanatos, tipo de habitação, hábitos alimentares, bandeira e filmes de curta

duração voltados para turistas, estudantes e pesquisadores de todo o planeta. Todo o serviço por

um valor de cem coroas norueguesas. Nos pacotes turísticos, encontra-se a atividade de

experimentar o momento com as renas, conforme figura abaixo. Nessas figuras 27 e 28 o turista

pode se aventurar junto aos animais, experenciando a essência de ser Sámi.

Figura 27: Turista alimentando renas.

Fonte: DIAS, W. (2019).

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165

Figura 28: Marcador da cultura em banheiro de Shopping.

Fonte: DIAS, W. (2019).

Como já mencionado, por meio do Parlamento Sámi, o animal rena é respeitado

culturalmente. Em diversos lugares, o signo aparece representado, até mesmo em locais

inusitados como sinalizadores de banheiros. Notamos que essa atitude é uma maneira de afirmar

a identidade do povo Sámi, que vive de pastorear o animal mítico.

Na área comercial, tudo se aproveita da rena: desenho das patas carimbado nos

artesanatos, chifres para utensílios domésticos e peles usadas em cobertores. Apostolos

Tsiouvalas (2020) acena para a preocupação das mineradoras no Ártico com exploração de

mina de cobre, as quais chegam às comunidades Sámi com possibilidades de danos no ambiente

natural. Conforme o pesquisador, a mineradora “está localizada na região de Kvalsund (Sámi

do Norte: Fálesnuorri e Kven: Valasnuora), parte do município de Hammerfest, um dos 39

municípios de Troms e Finnmark County” (2020, p. 24). Os Sámi, denominados de Costeiros

do Norte da Noruega, formam a maioria da população do mesmo povo, habitantes nas áreas de

fiorde e que dependem tradicionalmente da subsistência da pescaria, caçada, agricultura e

produção dos artesanatos.

O respeito aos animais, sobretudo à rena, é ensinado desde a fase pueril. O imaginário

cultural é vivenciado pelo Sámi e, para eles, cuidar da natureza é zelar pelo exuberante

ambiente, pelas majestosas renas e pelos encantadores fiordes, os quais estabelecem sintonia

com os elementos da natureza, numa assimilação dos templos às Montanhas cósmicas e à sua

função de “ligação” entre a Terra e o Céu (ELIADE, 1992, p. 22).

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166

De tal modo, presenciamos momentos com a neta da senhora Unni Lundstedt (2019),

que desenhou como ela percebe os animais, com a proteção e vivências na natureza junto as

montanhas. No desenho ilustrado pela criança, é perceptível a ligação com a natureza, ladeada

pela floresta e pelos fiordes.

O mesmo sentimento se dá entre os pastores e criadores dos animais, no caso da criação

de renas, como destacado na (figura 29), expressado por uma criança Sámi, além do patriotismo

e do orgulho da essência Sámi, expressos na bandeira (figura 30). O patriotismo que emana do

povo é destacado pela bandeira Sámi e pelas vestimentas. Sobre as vestimentas, Dorsch (2017,

p. 65) sinaliza que “a roupa reflete tanto o habitat como a identidade cultural e, assim, torna-se

um objetivo significativo para o inquérito cultural”. É possível encontrar os trajes identitários

do povo em lojas de souvenirs, preservando a memória para um tempo presente.

O patriotismo se apresenta nas cores da bandeira, conforme vemos na figura 30. Lembra

ainda a morada de povos primitivos, a exemplo do Ártico, como um pilar cósmico sinalizando

o espaço celestial. Segundo Lehtola (2006), em 1986, foi criado o hino e a bandeira da cultura

Sámi. Assim, dentro da organização Sámi, a legislação e a bandeira são signos patrióticos; cada

elemento é fortemente lembrado com bravura e com sentimento de luta pela não extinção dos

povos, além de assegurar as marcas identitárias narradas pelas histórias da população

identificadas na bandeira do povo.

Figura 29: Desenho de uma criança Sámi.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

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167

Figura 30: Bandeira Sámi.

Fonte: CARVALHO, J. M. (2019).

Durante o estudo no campo da pesquisa, levantamos os signos usados pelos povos

Sateré-Mawé e Sámi e construímos um quadro resumo acerca dos elementos simbólicos, com

suas respectivas trajetórias históricas, distribuídos em seis signos: mitologia, ritual, natureza,

trabalho cotidiano, alimentação e legislação.

Cada símbolo deve estar representado por signos diversificados, os quais são

marcadores da linguagem chamados de objeto. No viés do turismo, cada signo ganha um valor

semântico interpretado de acordo com o interpretante (PEIRCE, 2017). A exemplo, destacamos

o mito de origem, sendo núcleo axiológico que, para os indígenas tem um valor histórico,

sentimental, cultural e de aprendizagens ancestrais situadas pelas narrativas dos mitos e cantos.

Isso para o turista pode remeter a novas vivências geradoras de símbolos nos espaços étnicos

indígenas como patrimônio.

Podemos sinalizar que a dinâmica do turismo étnico, na perspectiva indígena, é uma

atividade turística, com recurso turístico que apresenta pontos fortes, motivacional para destino

turístico, pelo que se apresenta culturalmente (BERGHE, 1980). São discursos ligados ao prazer

em desvelar o inusitado, como um componente indutor com interface entre turismo e na cultura

em contexto atual. Nessa medida, em nosso estudo realizamos a pré-análise e a análise dos

signos presentes nos rituais, na cosmovisão de cada povo estudado (BARDIN, 2016). Esses

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168

signos foram dissecados na perspectiva da abordagem semiótica, a fim de relacionar o

sentimento do turista diante dos elementos simbólicos.

As premissas foram geradas a partir do tema central das questões norteadoras, retiradas

das narrativas orais e de documentos escritos que nos possibilitaram construir o quadro das

categorias de congruências e de diferenças entre os achados. Sendo assim, na Categoria 1 (C1),

os dois povos sinalizam que, durante o contexto histórico, ambos sofreram ataques por questões

religiosas e por questões de variados conflitos.

Na C2, os Sateré preservam os signos identitários: Ritual da Tucandeira, Guaraná e o

Poratin. Sendo que este último não é usado em espaços urbanos e nem no turismo étnico. Já o

Sámi, tem o ofício de pastorear renas, produzir artesanatos típicos, tambores, cantos, cabanas,

alimentos e contemplar a aurora boreal e o Sol da meia-noite.

Na C3, os Sateré preservam os cantos de origem, cores tribais, sementes, grafismos,

animais, buzinas, tambores, maloca, canoa, pescaria, plantas medicinais, além das personagens

pajé e tuxaua. Os Sámi, nessa categoria, expressam os cantos, cores tribais, grafismos, uso de

animais, buzinas, tambores, cabana, canoa, material de pescaria, Aurora Boreal, Sol, plantas

medicinais, gelo, fiordes, Rena, urso, bebida, bandeira Sámi e noaidi-Xamã.

Na C4, a cultura está fortemente representada pelo mito de origem, ambiente, sol, Terra,

Território, rituais, xamanismo, espiritualidade e astronomia. Esses elementos foram

considerados signos identitários, marcadores para o turismo étnico em solo norueguês. Assim,

os ideais entre os dois povos é garantir a vida planetária, o reavivamento e a reafirmação dos

saberes as quais marcam a identidade étnica, para reforçar a tradição cultural em contextos

contemporâneos.

No quadro a seguir, consolidaremos as narrativas a partir das entrevistas expressas sobre

os pressupostos levantados, acenando para as semelhanças e indiferenças entre os dois povos

estudados. Nesse sentido, emergimos pela memória e contribuições para o turismo étnico.

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169

Quadro 8: Interpretação das narrativas.

Categorias Sateré-Mawé Registros

C1 Trajetória histórica

dos povos Sateré-Mawé Constante migração; Ataques

Orais

Escritos

C2 Signos do Sateré-

Mawé Ritual da Tucandeira, Guaraná e Poratin

Orais

Escritos

C3 Principais elementos

sígnicos da ritualística

do povo Sateré

Canto de origem, cores, sementes, grafismos,

animais, buzinas, tambores, maloca, canoa,

pescaria, plantas medicinais, pajé e tuxaua.

Orais

Escritos

C4 Contribuições para o

turismo étnico

Mito de origem, ambiente, sol, Terra, Território,

rituais, xamanismo, espiritualidade, astronomia

Orais

Escritos

Sámi

C1 Trajetória histórica

do povo Sámi Constante migração; Ataques

Orais

Escritos

C2 Signos Sámi Pastorear renas, artesanatos, tambores, cabanas,

alimentos, Aurora Boreal, Sol da Meia Noite

Orais

Escritos

C3 Principais elementos

sígnicos da ritualística

do povo do Sámi

Cantos, cores, grafismos, animais, buzinas,

tambores, cabana canoa, material de pescaria.

Aurora Boreal, Sol, plantas medicinais, gelo e

fiordes, Rena, urso, bebida, bandeira Sámi,

Noaidi, Traje típico.

Orais

Escritos

C4 Contribuições para o

turismo étnico Mito de origem, ambiente, sol, Terra, Território,

rituais, xamanismo, espiritualidade, astronomia

Orais

Escritos

Fonte: CARVALHO, J. M. (2020) a partir das ideias de BARDIN (2016).

As categorias C1, C3 e C4 apresentam congruências nos achados entre os dois povos,

os quais estabelecem vínculos com o éthos, à preservação da tradição por meio das narrativas

deixadas historicamente aos povos. Na C2, o Sateré realiza ritual de passagem aos neófitos,

com uso da formiga Tucandeira, fato esse que difere os dois povos, segundo Carvalho (2019).

Com o Sámi não foi percebido ritual dessa natureza. No entanto, o animal rena tem forte

significado nas questões míticas e ancestrais (DORSCH, 2017).

Os pajés e tuxauas afirmam que os saberes devem ser repassados às gerações futuras,

pois a continuidade depende unicamente dos esforços de todos e que eles mesmos devem

preservam suas tradições culturais, conforme enfatizado pelo tuxaua da comunidade I’nhãa-Bé

“nossa preocupação é com os jovens que, por morarmos próximo da capital Manaus, sejam

influenciados a não praticarem a cultura”. Na cultura Sámi, o Parlamento estabeleceu normas

para o povo, ao estimular o Ser Sámi com os saberes culturais e etnolinguistico dentro do

território (ALVES, 2011).

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170

A partir da semiótica aplicada ao turismo, elaboramos os quadros 9 e 10, de modo

exploratório. Os achados foram agrupados a partir das narrativas dos participantes em:

mitologia, ritual, natureza, trabalho, alimentação e legislação. Os signos são formas de

comunicação dentro de um grupo linguístico.

Para a interpretação, caberá ao interpretante atribuir uma característica que, para Mello

(2019), é uma ideia convencional atribuída aos cinco sentidos, como estratégias de elevar ao

máximo o valor emocional do indivíduo.

Percebemos que as questões de legislação são um fator que protagoniza e empodera uma

nação indígena. Além de se fazer presente nas ações governamentais, como organização

política, esse fato reside no diferencial do Sámi e do Sateré. Sendo que este último, está em

processo de construção política para a organização dentro dos Conselhos (Ramãw, 2020). Já os

primeiros já têm uma trajetória histórica consolidada e a cada dia buscam o fortalecimento da

cultura por meio dos símbolos étnicos (ALVES, 2011).

Para Culler (1981, p. 5), “o autêntico é um uso, percebido como signo desse uso e o

Turismo, é em grande parte uma busca de tais signos”. Isso elucida a ideia que, dentro do

universo do turismo étnico indígena, os turistas procuram vivenciar e experienciar o espaço

vivido nas comunidades, conforme Barros (2019). De tal modo, contribuindo para a economia

local, mas acima de tudo conhecendo a história, os mitos de origem, os cantos, danças, rituais,

adquirindo acessórios, artesanatos, roupas com grafismos e se alimentado da gastronomia

indígena.

Assim, “os turistas contemplam” momentos nunca vivenciados (URRY, 2001, p. 29). É

comum que esse tipo de turista, ao adentrar em uma loja de souvenir adquira uma caneca ou

uma cuia, como lembrança do lugar. Exemplo disso, foi a jovem Eva Preira (29) que, ao visitar

a comunidade Sahu-Apé, solicitou pinturas ancestrais no braço. Naquele momento ela

perguntou o significado de cada grafismo. Também fez aquisição dos artesanatos com as

respectivas explicações dos indígenas vendedores.

Sendo o signo um código de comunicação “multifuncional”, com variadas

características, de infinitos símbolos próprios do ser humano. Este é capaz de interpretar para

que haja a comunicação, em várias situações: seja verbal ou não verbal, expressada de muitas

formas, “isso quer dizer que uma cadeia de signos sempre contém outros signos” (EVERETT,

2019, p. 147).

Page 171: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

171

No universo cosmogônico dos dois povos, percebemos que a tradição cultural está

centralizada no mito de origem, conforme descrito nos quadros 9 e 10, do Sámi e Sateré. A

diferença entre os dois povos está na legislação e em alguns elementos da natureza, do

animismo e da animalidade como a rena, os fiordes e o sol da meia-noite, signos culturais e

identitários do Sámi. Já entre os Sateré-Mawé, percebemos que o ritual de passagem, o purantin

e o guaraná (waraná) são genuínos do referido povo. Sendo assim, o pertencimento do Sateré-

Mawé e Sámi é reafirmado pelos signos descritos; e, quando interpretadas, essas ideias tornam-

se convenção social; por meio dos hábitos e do uso, denominados símbolos, os quais se inserem

no turismo cultural (PEIRCE, 2017).

Para melhor compreensão dos signos, elaboramos dois quadros. Como se trata de povos

distintos, os agrupamentos foram organizados individualmente, mediante Yin (2015). O quadro

9 faz referência aos signos da cultura Sámi e o Quadro 10 se volta ao povo Sateré-Mawé.

Quadro 9: Análise dos signos em Sámi.

Fonte: CARVALHO J.M. a partir das ideias de Peirce (2017) e Mello (2019).

CATEGORIAS DE ANÁLISE DO SIGNOS / SÁMI

S

I

G

N

O

S

R

I

T

U

A

L

O signo

linguagem para o

interpretante

Tipologia

Marcadores da

linguagem – objeto

Características

Interpretante

Efeito

sensorial

Mola

atrativa

Mitologia:

origem Sámi Mito

Narrativas/canto

Yoiks

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: Sentimento.

Visual

auditiva

Símbolos

Ritual

Roupas típicas,

pesca, plantar,

ritual de

passagem,

natureza.

Cores, matéria prima,

grafismos, penas de

animais, buzinas,

tambores, cabana

canoa, material de

pescaria e artesanato.

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: cor azul.

Visual,

auditiva e

Tátil

Natureza

Água, Terra,

Sol, astronomia.

Elementos da

floresta/Aurora

Boreal, plantas

medicinais, gelo e

fiordes.

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: vida.

Visual,

Olfativa

e

Gustativa

Trabalho

cotidiano

Seres

personificados Rena, urso, cobra

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Visual e

Tátil

Alimentação

Alimentos

ancestrais

Hidromel (usado no

ritual sumbl, carne de

Rena, bidus

Chá de ervas

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex:

Gustativa

Legislação. Organização

política

Documentos

Bandeira

Ex: Legalidade

do Ser Sámi

Visual

Page 172: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

172

Destacamos que é importante assegurar os signos culturais identitários para as futuras

gerações, pois com a globalização muitos signos se tornam hibridizados a outras culturas

(BAUMAN, 2007). Para o tuxaua Ramãw (2020), “a comunidade próxima a cidade de Manaus

desperta nos jovens outras influências que pode comprometer a nossa tradição deixada pelos

nossos pais”. A seguir quadro 10, signos Sateré-Mawé.

Quadro 10-Análise dos signos em Sateré-Mawé.

Fonte: CARVALHO J.M. a partir das ideias de Peirce (2017) e Mello (2019).

Os quadros referentes aos signos entre os dois povos apresentam representações

mentais, orais, escritas e aquelas que remetem a desejos e que envolvem os cinco sentidos

(MELLO, 2019). Para os indígenas, o valor ancestral agregado a cada signo é imensurável, pois

remetem à tradição das populações, sendo signos autênticos.

CATEGORIAS DE ANÁLISE DO SIGNOS / SATERÉ-MAWÉ

S

I

G

N

O

S

R

I

T

U

A

L

O signo

linguagem

para o

interpretante

Tipologia

Marcadores da

linguagem – objeto

Características

Interpretante

Efeito

sensorial

Mola

atrativa

Mitologia:

origem povo Mito

Narrativas/ cantos/

lenda

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: Sentimentos

Visual e

Auditivos

Símbolos

Ritual

Pesca, natureza,

caçar, mudança

de status

Cores, sementes,

grafismos, penas de

animais, buzinas,

tambores, maloca,

canoa, material de

pescaria

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: vermelho

Visual,

Auditiva

e

Tátil

Natureza

Água, Terra, Sol

Elementos da floresta,

plantas medicinais

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: vida

Visual e

Olfativa

Tátil

Trabalho-

cotidiano

Seres

Personificados Formiga, cobra, tatu

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: dor

Visual e

tátil

Alimentação Alimento

ancestrais

Guaraná

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: energizante

Gustativa

Legislação. Organização

política

Estatuto

(documentos)

Uma ideia

convencional,

hábitos de uso.

Ex: Critérios de

mudar o status

Visual

Page 173: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

173

É importante fortalecer e salvaguardar o patrimônio material e imaterial dos povos em

estudo, prospectando para o turismo organizado e planejado, de forma a agregar melhorias da

qualidade de vida e autonomia de gestão econômica, para os que residem nas cidades

(SANTOS, 2015). No viés do planejamento do turismo étnico indígena sustentável, as

estratégias para investimentos deverão atender às necessidades dos turistas com o protagonismo

dos comunitários das comunidades, respeitando a vida tradicional e o cuidado com o meio

ambiente. Nesse sentido, por meio da internet, incluindo imagens dos mapas das cidades nos

anexos B e C, apresentamos categorias que agregam aos serviços, tanto de equipamentos como

das instalações necessárias e com quantitativos que fazem parte do local ou do entorno das

comunidades, em um raio de 30 a 90 km, de suas respectivas cidades. Consideramos que o

planejamento turístico aos destinos traçados necessita de “Planta turística”, elaboramos tabelas

3 e 4, expressado por Boullón (2002, p. 40).

Tabela 3: Classificação dos equipamentos turísticos.

Categoria Tipo Tromsø Manaus

Alojamento Hotel 10 10

Hostel 05 03

Airbnb 02 25

Cabana 01 -

Maloca - 02

Alimentação Restaurantes 10 20

Cafeterias 03 10

Quiosque 04 10

Mercado - 02

Shopping 01 05

Diversão Teatro 01 01

Museu 03 03

Parques temáticos

Bares

01

05

-

10

Pescaria

Passeio com renas

Caça

Passeio em canoas

02

03

03

02

03

-

-

05

Outros serviços Agências de viagens

Guia

02

10

10

20

Comércio 30 30

Transporte turístico 20 30

Primeiros Socorros 02 05

Estacionamento 05 15

Serviço de segurança 01 05

Posto de vacinação 02 02

Fonte: Elaborado pela autora a partir das ideias de Boullón (2002).

Page 174: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

174

Na tabela 4, segundo Boullón (2002), as instalações são fatores para a atração turística

aliada ao ambiente e aos fatores da preservação da natureza e de consciência ecológica,

envolvendo mirantes, circuitos, trilhas, teleférico e ski. Além disso, apresentam-se outros

serviços como praias, golf, tênis (atividades esportivas), vestuários, pontes e outros esportes,

como pesca artesanal e natação. A seguir, elaboramos tabela 4, demonstrando a categoria com

as respectivas instalações e quantitativos, no entorno das comunidades estudadas.

Tabela 4: Classificação das Instalações.

Categoria Tipo Tromsø Manaus

Montanha, floresta, selva e caverna

Mirante

Circuitos

Trilhas

Teleférico

Ski

01

-

01

01

05

02

02

02

-

-

Outros Serviços

Praias

Golf

Tênis

Pontes

-

01

01

01

01

01

01

01

Fonte: Elaborado pela autora a partir das ideias de Boullón (2002).

A eficácia da gestão está ligada à competitividade e à sustentabilidade no destino

turístico. O turista do século XXI reafirma a sua intencionalidade na valorização e manutenção

da história e da cultura dos povos. Nas visitações turísticas às comunidades, é cada vez mais

expressivo o interesse por culturas ancestrais. Essas remetem a vários fatores, tais como

adentrar no inusitado, no turismo étnico, em participar de momentos marcantes de aproximação

com a natureza e elementos fitoterápicos, como a medicina tradicional relacionada à cura física

e espiritual.

Para Costa et al. (2012, p. 43), as ações de planejamento devem ser “formas adequadas

e precisam reunir um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências que podem ser

adquiridas através da formação formal ou através das experiências pessoais”. No caso dos povos

indígenas deste estudo, por terem altas habilidades, no saber fazer e pela necessidade urbana, é

recorrente a participação em eventos formativos ligados à educação, saúde, cultura e turismo.

Todos esses conhecimentos têm agregado valor ao segmento turístico ligado à base

sustentável da economia, do ambiente e da cultura. Porém, há necessidade de continuidade de

Page 175: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

175

políticas públicas, sobretudo no estado do Amazonas, cujo potencial turístico no aspecto

cultural, ambiental e territorial é evidente. A exemplo disso, vemos a Noruega, país em que se

nota por todo território o reconhecimento dado pela UNESCO, como sítios, pinturas rupestres,

igrejas e casas típicas em madeiras e outros elementos da natureza. Esse reconhecimento

impulsionou o avanço do segmento turístico em torno de recursos naturais e culturais. Por fim,

esse modelo nos instiga a avalizar e a investir no patrimônio cultural, garantindo às populações

indígenas reconhecimento dos vários ofícios da tradição.

Em contexto Amazônico, Mafredo (2017), destacou que Manaus, desde 2015, ganhou

destaque por ocasião da copa do mundo. Isso fez com que houvesse novo planejamento e

investimentos em hotéis, pousadas, restaurantes e em áreas de diversão. Entre as opções de

turismo, a autora destacou que as agências oferecem “pacotes com duração de dois a cinco dias

para visitação de botos-cor-de- rosas, almoço de culinária e restaurante regional e visitas em

ritual” (MAFREDO, 2017, p. 40).

Para quem não conhece Manaus, é necessário fazer um breve estudo sobre a cidade e

saber o que há de instalações e equipamentos conforme sinalizou Boullón (2002). Manaus,

muitas vezes é vista como um lugar exótico, onde predominam indígenas andando despidos

pelas ruas, com presença de animais silvestres e de moradias dentro da selva. São narrativas

dessa natureza que estão impregnadas no imaginário de alguns turistas que visitam a Amazônia,

especificamente, a capital do Amazonas.

Logo, percebemos a necessidade de destacar os serviços no entorno das comunidades

indígenas, com a finalidade de minimizar desencontros de informações, principalmente aos

turistas estrangeiros. Nesse sentido, “a carência de informações sobre a dinâmica de transportes,

horários, percursos durante a mudança do fluxo das águas, dentre outras” (MAFREDO, 2017,

p. 48).

4.4. O impacto do turismo como atividade econômica para os dois povos em estudo

A contemporaneidade é marcada por mudanças comportamentais que envolvem a

cultura da ancestralidade, que retoma conhecimentos empíricos, antes usados somente pelos

povos indígenas, tais como a forma de se alimentar, de compreender a natureza e suas

propriedades marcadas por rituais.

Page 176: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

176

No mercado econômico, essas práticas vêm ganhando espaço, tanto na indústria

farmacêutica, com uso de produtos fitoterápicos, como na motivação para o turismo cultural,

especificamente o turismo étnico indígena. Além que, as discussões incluem, entre outras

coisas, a capacidade do turismo étnico indígena de fomentar artes culturais, revitalização da

linguagem e tradições (CARR et al., 2016).

Assim, o patrimônio imaterial está ligado às suas expressões culturais, modos de vida,

formas de interação entre homem e ambiente, e os elementos que constroem sua história. É este

patrimônio que é transmitido para as gerações que se sucedem de modo a fazer com que os

membros de um povo mantenham sua identidade e a continuidade do seu modo de vida,

estabelecendo seus territórios.

Diante disso, elencamos os signos dos povos em estudo, pautado no mito de origem,

base da cultura, e, a partir disso, seccionamos em rituais, xamanismo, espiritualidade,

astronomia, ambiente, Sol, Terra e territórios, conforme a figura a seguir. Esses elementos

sígnicos fazem parte da vida diária dos povos Sateré-Mawé e Sámi numa relação intersemiótica

e intersectiva, figura 31.

Figura 31: Elementos intersectivos entre os povos Sateré-Mawé e Sámi.

Fonte: CARVALHO, J. M., baseado nos estudos etnográficos (2020).

Após a análise dos dados, estabelecemos a interconexão para os dois povos, elaboramos

o quadro a seguir, sinalizando os elementos simbólicos que induzem o turista às vivências com

Page 177: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

177

povos de tradição cultural no turismo étnico: Ambiente, Ritual, Sol, Xamanismo, Terra,

Espiritualidade, Astronomia e Território. Em seguida, reagrupamos em 4 subcategorias: 1)

Ambiente, natureza, sol; 2) Ritual, Xamanismo Espiritualidade; 3) Astronomia e 4) Território;

conforme (Quadro 11).

Quadro 11: Interconexão para os dois povos para o turismo étnico.

Fonte: Elaborado por CARVALHO, J. M., baseado nos estudos BARDIN (2016).

Diante dos signos intersticiais dos povos, reagrupamos em quarto (4) eixos, nos quais

percebemos as motivações dos turistas que estão pautadas no encantamento, na empatia, na

busca de um benefício para o bem-estar e no fator espiritual como em busca de cura. No item

01, as questões relacionadas ao ambiente englobam os componentes: ecológicos, sociais,

econômicos e culturais, que movem o turista pelo encantamento, sentimento, prazer, cura, além

de momentos contemplativos. No item 02, consideramos o grupo do ritual, xamanismo e

espiritualidade, os quais envolvem os fatores da história do povo e a cosmovisão, na cura física,

espiritual e em mudança de hábitos (status). Já no item 3, destacamos a astronomia como uma

atividade muito procurada em toda a região da Noruega, em especial em Tromsø, sendo

motivada pela contemplação dos astros, Sol da meia noite e Aurora Boreal.

No estado do Amazonas, segundo Bueno e Alves et al. (2019), a astronomia indígena é

pouco estudada e os saberes sobre o céu se faz presente acerca das constelações e dos astros

interpretados pelos povos indígenas. “De acordo com a nossa tradição, o mundo bom Deus

levou para o céu, e o mundo que temos hoje surgiu de uma pessoa, cujo corpo foi transformado

em terras” (OLIVEIRA, 1998, p. 33).

Nesse sentido, a astronomia indígena é escassa a sua aplicabilidade no turismo. No

entanto, os sábios indígenas Sateré informaram que há procura de turistas em contemplar o pôr-

Page 178: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

178

do-sol, o amanhecer do dia, caçadas noturnas e a contemplação das fases da lua, as quais têm

um valor simbólico, sendo usadas para pescar, caçar e até mesmo atividades ligadas a questões

biológicas. A exemplo, nos dias de lua nova é permitido cortar o cabelo na cosmologia indígena,

conforme senhora Maria Sateré (2020). No período do mês de novembro é considerado um mês

de produtividade, fértil e de poder, propício para a realização dos rituais, momento de reverberar

sobre a tradição e sobre o cosmo (TURNER, 2005).

O calendário lunar é uma estratégia de uso para plantar, fazer roçado, podar as árvores,

falar das marés, lua cheia, lua nova e coleta das formigas Tucandeiras. Esses atos ritualísticos

são alimentados pelo viés ancestral. Para o tuxaua Sateré Ramãw, “fazer um novo plantio deve

esperar a terra limpar a cada dois anos no período em que a terra está propícia, além do verão

Amazônico”. Assim, a narrativa expressa que a astronomia indígena reafirma o território entre

a terra, sol e origem da noite (NUNES PEREIRA, 2003).

Nessa direção, “na percepção do mundo do tempo meteorológico, terra e céu não se

opõem como real a imaterial, mas estão inextricavelmente ligados como um campo indivisível”

(INGOLD, 2011, p. 97). Para Silva (2013, p. 135), desses “modelos muito abrangentes têm

surgido muitos outros que propõem maior ou menor abordagem holística ao fenômeno do

turismo e procuram evidenciar ou direcionar-se para aspetos mais particulares, como a

qualidade, a competitividade ou a sustentabilidade”. Essa abordagem remete a um novo olhar

no planejamento turístico considerado inovador, que trata de aspectos diferenciados.

No item 4, destacamos o território como marca identitária, que para um povo étnico é

seu espaço de vivência, lugar onde esse povo expressa sua cultura e constrói suas tradições a

partir dos elementos naturais que este território contém. Nesse contexto, destacamos o povo

Sámi que habita o território no Círculo Polar Ártico em meio às geleiras típicas da região, e o

povo Sateré, habitante da Amazônia, na região da linha do equador. Esse último se encontra em

meio à floresta densa e cheia de encantos, e tem conquistado destaque nacional e internacional

tanto pela riqueza do bioma, quanto pelos fatores ambientais que ocasionam o desmatamento e

consequentemente enchentes.

As atividades turísticas dentro das comunidades indígenas devem ocorrer de modo

planejado para a geração de renda dos comunitários. O que percebemos no cotidiano é que a

hibridização dos saberes indígenas está sendo mediada com apelo comercial. No entanto, a líder

da comunidade Sahu-Apé enfatiza: “respiramos a floresta, somos o rio e aqui na comunidade

marcamos nosso território, com tudo que precisamos”. Acerca dessa afirmação, “os indígenas

Page 179: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

179

fazem do seu cotidiano e da interação com a natureza, materializado em sua adunação com o

rio, nas relações com as matas, no abraçar do seu chão a representação do espaço vivido”

(BARROS, 2019, p. 170).

Coaduno que os marcadores sígnicos estão definitivamente inclusos entre os fatores de

desenvolvimento econômico, a partir de políticas culturais, respeitando os espaços, conforme

destacou Gastal (2020), sendo que a cultura é um trato humano que deve ser articulada às

econômicas e sociais. Assim, os signos identitários culturais dos povos originários passaram a

fazer parte de estratégica elaboração de projetos gerais de desenvolvimento para as cidades,

agregando modelo econômico cultural para o século XXI.

Assim, Barros (2019, p. 111) destaca que os indígenas “revelam um conjunto de

conhecimentos adquiridos dos seus antepassados pela tradição, por meio de mitos e símbolos,

que transferidos de geração em geração, pela oralidade, os conduzem ao uso dos ecossistemas

naturais de forma sustentável”. Fica evidente que os povos Sámi e Sateré-Mawé buscam

oportunidades para a inserção no âmbito social do turismo.

É coerente que a inclusão dos povos indígenas surja como aporte de diversidade cultural

que há na tradição cultural, inovando e se reinventando em espaços urbanos de forma

responsável e ancorada na sustentabilidade. Reis (2012, p. 24) alerta para “uma confluência

entre o potencial malefício da globalização à diversidade cultural, o impacto das novas

tecnologias de informação e comunicação na geração de oportunidades e competividade

econômica”. A ocorrência desses prejuízos, apesar de parecerem inevitáveis, podem passar por

um trabalho preventivo, respeitando o tempo e o espaço dos povos.

As cidades de Manaus e Tromsø, pela constituição do seu povo e da natureza, têm

potenciais diversificados para o turismo, em especial para o étnico, considerando que “a força

da cidade está ligada à sua dimensão criativa revelada por seu dinamismo cultural e artístico,

único capaz de fazer frente aos efeitos de desinvestimento causado pelo declínio industrial”

(VIVANT, 2012, p. 9-10).

Sobre o dinamismo cultural, não há como mensurar os valores simbólicos pela

expressão cultural e o valor agregado. Porém, os povos muitas vezes se mantêm da produção

da cultura nas cidades gerando renda para sua sobrevivência. Nesse sentido, usaremos a

metáfora da iconografia do patawi, objeto usado como suporte da cuia no momento do consumo

do guaraná. Nas narrativas da Sra. tuxaua Midian da Silva, “o patawi une povos”,

Page 180: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

180

“sakporizando” os objetivos de inclusão social, cultural e econômica, exercendo a cidadania,

com os direitos e deveres nação.

A preocupação do Conselho do Parlamento Sámi (SPC) para Articulação dos Povos

Indígenas do Brasil (APIB) é demonstrada na carta (anexo E), enviada ao Presidente da

República do Brasil, Jair Bolsonaro: “como a maioria dos povos indígenas em todo o mundo,

tanto o povo Sámi quanto os povos Indígenas no Brasil são defensores dos direitos humanos e

ambientais, na vanguarda dos direitos dos povos”. Nesse contexto, Sateré-Mawé e Sámi são

dois povos que se unem pelos valores éticos, políticos e culturais, ao longo da história, em prol

da nação, da vida e da natureza.

Todos esses fatos são descritos no trecho a seguir, estraído da carta (anexo E), e

demonstra a preocupação pela vida dos povos do planeta, em especial os da Amazônia - Brasil,

em 14 de outubro de 2020: “diante disso, esperamos que os países nórdicos e o Brasil possam

trabalhar juntos na proteção dos direitos dos povos indígenas, do meio ambiente e evidenciar

as conexões entre direitos humanos, ecossistemas saudáveis e pessoas”.

Nesse diálogo, usaremos o símbolo patawi, (figura 32), que agrega valor sígnico, em

material tecido em cipó e palha da árvore “bagaba”, que serve de suporte para a cuia. “Pela

mitologia, representa junto com a cuia a estrutura do mundo onde nós vivemos; é a terra com

águas onde vivem os homens” (UGGÉ, 1993, p. 28). Isso reflete o viés humanitário que cada

povo indígena tem para com o outro.

Figura 32: Patawi elemento de união entre os povos.

Fonte: CARVALHO, J. M; MATOS (2020).

Page 181: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

181

Do ponto de vista financeiro, o impacto econômico é visto como positivo, pois com a

hibridização e a interculturalidade, favorece o compartilhamento dos saberes de modo

harmônico, isto é, sem agredir, denegrir a imagem e o legado patrimonial dos povos. Nessa

direção, “para que haja cultura, não basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas

tenham significado para aquele que as realiza” (CERTEAU, 1994, p. 142). Daí reside o

pertencimento do lugar com os elementos simbólicos da tradição cultural, experienciado dos

saberes, não como performance, mas com significado.

Por isso, o turismo étnico vai em direção à inovação, tendo como atrativo os elementos

da natureza, além das representações sígnicas que marcam a identidade dos povos indígenas do

lugar. Dialogando com Everett (2019, p. 383), “o argumento é que, sem cultura, não pode haver

compreensão semântica, nem conhecimento de base, nem conhecimento tácito para dar suporte

a novos pensamentos. Nesse sentido, parafraseando o poeta da floresta, Thiago de Mello (2009),

o ser humano é um ser sagrado e nele reside a complexa relação de compreender o outro e a si

próprio.

Page 182: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

182

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la

Teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

Enfim, já passamos da travessia. Passamos por altas ondas e precisamos atracar no porto

seguro da ciência. A metáfora da embarcação requer prumar a direção, pois é tempo de ancorar

nos signos das práticas ritualísticas para o turismo étnico. Então, pelo pujante saber xamânico,

inquerimos: quem são esses indígenas de tradição ancestral, amazônicos e noruegueses, que

primam pelo turismo étnico pautado na sustentabilidade em solo indígena? Quais os saberes e

fazeres milenares que são indutores e atrativos para os não indígenas? Nessa direção,

apresentamos nossas considerações acerca dos resultados alcançados em conformidade com os

objetivos propostos no trabalho de pesquisa.

De um lado, os amazônicos; do outro, as cercaduras Tundras e Taigas no Ártico; lugares

fertilizados e imagéticos, os quais se articulam em rede em prol da tradição cultural, por meio

da cultura no campo do turismo étnico. Assim, ambos apresentam preocupações com a natureza

e com o universo planetário, tendo como finalidade a sobrevivência o fortalecimento das

respectivas tradições.

Nesse timão da nau, nos permitimos analisar o turismo a partir da cultura dos povos

indígenas Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil) e Sámi (Tromsø – Noruega) sob a ótica do turismo

étnico indígena. Essa trajetória seguiu o viés da complexa relação, tecida em conjunto com os

participantes da pesquisa, na busca de estreitar o que os une, como componente sígnicos

identitários do sagrado, como atrativo turístico, presente nas práticas ritualísticas, revelando

suas contribuições para o turismo étnico. Longe de terminar, vimos que a compreensão das

culturas é algo ilimitado e incompleto, conforme preconizado por Edgar Morin.

No leme dessa nau, a imersão nos ventos nórdicos gelados e a aventura pelos

exuberantes fiordes, moldurados pelas paisagens míticas de Tromsø, nos convidaram a pensar

o planeta como único universo que alimenta os seres terrestres dos quais devemos cuidar.

Conhecemos a cultura Sámi e as respectivas trajetórias no cenário do Ártico, bem como suas

preocupações com as costeiras e com as geleiras do referido país. Sámi ganhou liberdade de

expressão por meio de diálogos com o governo norueguês, vencendo uma árdua e dolorosa luta

que persistia por anos, a fim de garantir a tradição cultural, a língua e os costumes.

Page 183: SATERÉ-MAWÉ E SÁMI: CULTURAS INDÍGENAS ANCESTRAIS …

183

No Brasil, o Estado do Amazonas se apresenta com cenário de múltiplos adjetivos, os

quais remetem à rica diversidade linguística e étnica ancoradas na fauna e flora amazônicas. As

pessoas que nela habitam manifestam bravuras e felicidades nas andanças pelas estradas e sobre

as águas dos rios, lagos e igarapés. No sopro dos ventos, singram nas suas pequenas

embarcações, ora em tempestades amazônicas, ora na calmaria.

A presença da mitologia amazônica dialoga com as vidas, seja com as formigas

Tucandeiras ou com o alentado pajé, pelas curas que vêm da floresta. A cada dia, esse ritual de

comportamento mexe com o imaginário das populações indígenas e não indígenas, nos

barrancos e nas cidades. A mística revigora-se a cada amanhecer de forma inovadora, na

prospecção de um Amazonas sem desmatamento e sem queimadas para o universo planetário.

Na proa da esperança, procuramos responder o que une os povos em estudo,

considerando um que habita no polo Ártico e outro que vive no Brasil, Amazonas. Assim,

nossos questionamentos passaram por muitas pessoas, as quais embarcaram em nossa viagem

e ainda nos ajudaram a navegar pelas águas sinuosas da pesquisa acadêmica.

Os primeiros, residentes na cidade de Tromsø, são reconhecidos por serem detentores

de cultura bimilenar e que tem atravessado, ao longo da história, muitos desafios e preconceitos,

na tentativa de salvaguardar a tradição histórica. Porém, a resiliência e a autoafirmação

identitária foram decisivas para o respeito da sociedade. Já o segundo, habitantes da região

metropolitana de Manaus, Amazonas, Brasil, têm se afirmado pela tradição cultural que é

transmitida de geração a geração, desde a fase de curumim e de cunhatã, conforme expressado

pelos líderes indígenas Sateré-Mawé “logo pela manhã agradecemos ao criador, Tupana no

conduz diariamente” (RAMÃW, 2020). As duas nações, Sateré e Sámi, enfrentaram muitos

preconceitos ao migrarem para as cidades em busca de segurança, educação, saúde e melhores

condições de vida.

Concordamos, em um tempo pretérito, com o canônico Max Weber (2009) que

enfatizou a capacidade de o homem tecer sua própria teia, ancorada e rica de significados, que

se constrói na cultura de forma diária, interpretativa. Como propósito mais geral, esta tese

postula que o turismo étnico tem contribuição para o entendimento das questões de tradição

cultural na contemporaneidade. Para tanto, apoiamo-nos no enfoque etnográfico, semiótico e

em abordagens de outras perspectivas interdisciplinares, a partir de um estudo denso

entrelaçado por várias áreas do conhecimento, sem a disrupção de todo o processo. Nesse

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sentido, Tromsø e Amazonas entrelaçam diálogos com a finalidade de garantia dos povos

indígenas e sua inserção como protagonistas no turismo étnico.

Tecer essa relação desvela estudos para discussões acadêmicas e como proposição para

ações políticas (governamentais ou não), para fins de melhor posicionamento do produto

turístico ofertado. Com isso, destacamos a prospecção de novas rotas e percursos turísticos,

ainda sem visibilidade no planejamento e gestão do Estado. Atualmente, em contexto híbrido,

o que percebemos é que o mundo está globalizando os saberes e sabores dos povos indígenas

como fatores determinantes para a indução. Dito isso, levantamos a carência de investimentos

acessíveis aos produtores da cultura amazônica.

O estudo também mostrou práticas bem-sucedidas no turismo da cidade de Tromsø, cuja

tradição cultural, ao longo do tempo, se reinventou para garantir a memória e a cultura do povo,

bem como seus signos linguísticos e não linguísticos. Vimos expressões por meio de canções

tribais, pinturas rupestres, grafismos, vestimentas, alimentação e, sobretudo, no ato de pastorear

e ser pessoa Sámi, valorizando os aspectos humanos da natureza, dos costumes, hábitos, como

marcas identitárias indígenas daquele país. Pontuamos que, em Tromsø, é necessário

investimentos nas comunidades Sámi, as quais estão sendo atingidas pelas mineradoras que

ameaçam o direito de pastorear renas e na continuidade da produção dos serviços no Ártico.

No mundo pós-moderno, vários sistemas de tradições de distintos grupos estão em risco

de extinção, seja por questões linguísticas ou pelo desaparecimento das populações indígenas.

As causas são apontadas como rupturas ligeiras das transformações nos ambientes naturais e

culturais, além de aceleração no ritmo das alterações econômicas, sociais, ambientais e políticas

que ocorrem no planeta por exigência do mercado, num discurso globalizado. No entanto,

destacamos que, para a utilização do patrimônio cultural indígena como indutor turístico,

salientamos a necessidade do planejamento e da gestão das ações do turismo étnico. Logo,

minimizando possíveis impactos de agressão à cultura.

Sob a Teoria da Complexidade moraniana, esta tese navega em um tempo presente, que

instiga novas discussões para o campo de estudo do turismo, apontando para o segmento do

turismo étnico indígena alicerçado no turismo cultural, características que inserem variados

elementos sígnicos dentro de um sistema simbólico de interpretações. Esses, por sua vez,

contemplam os valores éticos, sociais e culturais – arquétipos de vivências, hábitos, saberes,

modos de fazer, modos de viver e percepções que dão sentido à essência do indígena.

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Destacamos que nesse novo campo de turismo, precisamos evitar que ocorram bruscas

alternâncias e estreitar a visão êmica e ética.

Posto isso, sugerimos diálogos com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional para assegurar “as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações

científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objeto [...] paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico” (IPHAN, 2018, p. 20), como saberes científicos que

devem ser zelados na garantia dos registros e ofícios do saber fazer. Observamos que, em

contexto híbrido, é quase impossível a não convivência com outras culturas, mas a essência

étnica deve ser preservada. Por isso, concordamos com a portaria n.º 375, de 19 de setembro de

2018, capítulo I, artigo 2º, VIII, que trata do Princípio sobre o Desenvolvimento Sustentável.

Nessa está deliberado que: “a geração atual deve ser capaz de suprir suas necessidades, sem

comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações” (IPHAN, 2018).

No cenário mundial há uma grande preocupação com a vida dos seres humanos, no que

diz respeito aos costumes, modo de viver e com a natureza que fornece o sustento. O uso de

recursos culturais, indutivos para o turismo é uma prática antiga e mundialmente reconhecida,

como assevera Thomaz (2010) . Sem dúvida, o turismo étnico tem que ocorrer de forma

responsável e respeitosa, porém, em pleno século XXI, não se pode isolar ou deixar no

anonimato as vivências ritualísticas dos povos indígenas. Esses saberes reforçam a resistência

desta cultura a mais de quinhentos anos. Afinal, como as comunidades Sateré neste estudo estão

no entorno da capital amazonense, certamente precisam gerar fluxo contínuo de atividades

turísticas.

Nessa pesquisa, apresentamos parte do legado da cultura indígena Sateré-Mawé e Sámi

através da cosmovisão indígena ancorada na tradição, mediante rituais desses povos e do mito

de origem que move a trajetória histórica e cultural como possibilidades para o turismo étnico.

Em nossa percepção, concluímos que os marcadores sígnicos, além do espaço, se integram de

forma harmônica com a Mãe-Terra, com o meio ambiente, que contribui com o

desenvolvimento econômico e social em áreas urbanas.

Reforçamos a necessidade de falar sobre o turismo étnico no estado do Amazonas, haja

vista sua dimensão geográfica no país, bem como sua expressividade linguística e cultural

relativas às populações indígenas. Nesse sentido, sugerimos um olhar de maneira êmica, isto é,

na perspectiva de compreender a vida dos participantes, acerca das comunidades que nesse

espaço habitam, tanto nas áreas urbanas como em áreas metropolitanas.

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Acerca disso, como descrito na trajetória histórica dos Sateré-Mawé, a migração foi

decisiva para adequar a etnicidade com o modelo das cidades e das comunidades. Então,

forçosamente, o estereótipo indígena transplantou e adequou modelos de subsistência para

melhores condições de vida, saúde e educação, em prol da coletividade, segundo Torres (2014).

Desse modo, nas pequenas e grandes cidades, onde ocorre o turismo, os indígenas tiveram que

se reinventar e assegurar o sustento das famílias. Por esses motivos tiveram que aceitar certas

condições impostas pela sociedade e pelo mercado comercial.

Sahu-Apé foi a primeira comunidade que se ajustou ao mercado, por ocasião da

implantação do hotel de Selva Ariaú. Segundo os líderes indígenas, nessa época, o turismo era

intenso e agregava um valor comercial aos comunitários a partir dos serviços prestados ao hotel

“nossos artesanatos tinham um valor respeitado pelos turistas”, destacou professor Sateré, João

Silva. A comunidade se sustentava da comercialização do espaço, da venda de adereços como

bijuterias, cuias e abanadores em palha e por meio do Ritual da Tucandeira. Porém, com o

fechamento do hotel, a comunidade teve que buscar alternativas inovadoras para atrair os

turistas, organizando-se de forma independente, tendo apoio dos pesquisadores e de algumas

ações organizadas pela Fundação Estadual do Índio (FEI), em Manaus. Atualmente, a

comunidade tem enfrentado desafios para manter as atividades culturais, sem perder a visão da

etnicidade.

Também identificamos que, para os dois povos, a natureza é um elemento intersubjetivo

que tonifica e oportuniza, não somente a atração turística, mas também a união interétnica entre

seres que dependem e se interligam para se reafirmarem no território. Essa indissociabilidade,

homem e natureza, é uma necessidade emergente de valorizar e garantir os elementos

simbólicos como atrativo turístico etnocultural, nos municípios de Tromsø e Manaus.

As memórias podem promover a cultura étnica indígena e atrair visitantes como ponto

focal de renda econômica e empregos, e, sobretudo, prospectar, valorizar e garantir a tradição

dos povos. Não se trata de transgredir a cultura, mas sim socializar momentos da tradição.

Vale mencionar que o início do século XXI está sendo marcado por um extermínio de

pessoas, inclusive indígenas, acometidas pela doença Covid-19, consequentemente muitos

saberes da ancestralidade foram perdidos com os mais de trezentos e sessenta e dois óbitos

dentro das comunidades, no território brasileiro, de acordo com dados do mês de agosto

dispostos no portal da Funai (2020). Comunitários, pajés e tuxauas das comunidades não

tiveram tempo de se prepararem para a temerosa doença. Porém, os que resistiram seguem as

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orientações da Organização Mundial da Saúde e as sábias orientações do pajé, com uso das

práticas ritualísticas, plantas medicinais, uso de isolamento, cura espiritual e de banhos com

plantas aromatizantes e não aromatizantes, como cipó-alho. Sobre isso, a senhora Sônia Vilácio

(2020) comenta: “aqui em casa todos estão sendo curados com a medicina tradicional, as ervas

têm um poder de cura e afastar o que não presta da doença, que é boa para a saúde”, esse termo

é definido pela OMS como o estado completo de bem-estar físico, mental e social, conceito que

transcende à ausência de afecções.

Consideramos que o turismo étnico, enquanto mecanismo indutor e estratégico para a

economia dos municípios em estudo, necessita de divulgação e planejamento de roteiros que

incluam os serviços desenvolvidos pelo protagonismo indígena. A capital manauara se

configura como um forte destino cultural por apresentar uma vasta biodiversidade. O que se

observou foi a falta de esforços públicos para fomentar e despertar olhares para a cultura nos

aspectos do etnoculturais. Os investimentos giram em torno de museus, centros históricos de

Manaus e festivais. Os roteiros turísticos de Manaus (anexo C) excluem as comunidades

indígenas nas ações turísticas, diferentemente de Tromsø, (anexo B) onde o governo dialoga

com o Parlamento Sámi, promovendo a inclusão na sociedade de forma autônoma

(HOFFMANN, 2011).

Consideramos que os governos precisam criar políticas públicas para apoiar as

atividades promovidas pelos indígenas, a fim de garantir a sustentabilidade por meio da

educação e do turismo étnico, além de resguardar por mais tempo as práticas dos rituais das

populações, de forma sustentável. Nesse contexto, vimos que os povos indígenas, ao migrarem

para as áreas urbanas, passam a comercializar produtos derivados das Terras Indígenas (TI),

pois os produtos são fontes de geração de renda para as famílias indígenas.

A relevância em descortinar um universo enigmático das práticas ritualísticas dos povos

Sateré-Mawé e Sámi está em garantir e reafirmar o fortalecimento das respectivas culturas na

vida social, histórica e cultural e de representações imagéticas. No entanto, todo o estudo foi

desafiador e precioso do ponto de vista pessoal e profissional. A pesquisa despertou momentos

de reflexões sobre o percurso trilhado na vida acadêmica, considerando as mais de duas décadas

de doação às questões indígenas e recebendo a troca de saberes.

O Programa de Pós- Graduação em Turismo e Hotelaria (PPGTH/Univali) nos permitiu

perceber um universo fértil das culturas e a possibilidade de tecer diálogos com as várias áreas

do conhecimento, intercalando-as no viés da interdisciplinaridade, sob a ótica da economia,

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associada à sustentabilidade das comunidades estudadas e das pessoas indígenas. Nessa direção,

nossos estudos primam pela sobrevivência da tradição dos povos, descortinando e estimulando

novos conhecimentos ancorados nos direitos humanos da pessoa indígena, incluindo-os nos

roteiros e festividades turísticas tradicionais, regulados pela legislação vigente de cada povo e

de cada país.

A partir deste estudo, verificamos que a tradição cultural do povo Sateré Mawé, por

meio das práticas ritualísticas, tem um potencial evidente para o turismo étnico. Logo, é

necessário delimitar uma política governamental para garantir a divulgação cultural e o

emprego/renda para os povos que vivem em áreas urbanas e metropolitanas de Manaus. Logo,

atender as demandas que anualmente são discutidas pelas lideranças indígenas, a exemplo a

Carta Aberta de dezembro de 2019, em que revela as reais necessidades dos povos indígenas

no estado do Amazonas, evidenciando um clamor por uma vida digna de inserção na sociedade.

Dessa forma, promover o turismo étnico gerador de recursos para os comunitários não

é uma tarefa fácil, precisa de equilíbrio, ponderações e planejamento. No entanto, os

interessados devem ficar atentos aos impactos que, quando não administrados com

responsabilidade, podem causar um rompimento da cultura dos povos que costumam migrar

para as cidades em busca de melhor qualidade de vida. Para os líderes indígenas, o turismo traz

benefícios positivos, pois é uma forma de promover a interculturalidade e garantir a sustentação

em áreas urbanas e metropolitanas. Quanto ao impacto negativo, assinalamos que a saída dos

territórios originários – das Terras Indígenas para as cidades –, fragiliza a cultura, na

inviabilidade de plantar, pescar e muitas vezes de produzir seus próprios alimentos, artesanatos

e de aquisição da matéria prima para os rituais. “Nossas sementes para o artesanato vêm das

Terras Indígenas, e na cidade a matéria prima tem um custo maior”, descreve a senhora Sônia

Vilácio (2020).

Ao limar a tese, aprendemos que os povos indígenas almejam mudança social e

educacional, sem perder a linhagem ancestral. Porém, quando falamos em turismo étnico, ainda

encontramos pessoas com discursos contrários, tais como: “eles não têm estudos”, “eles não

têm estrutura”, “eles são espertos”. Foram as populações indígenas que nos ensinaram a

importância de plantar e cuidar da floresta, manter a floresta viva e que os rios têm vidas e vidas

que falam. A animalidade dos fenômenos vem do tempo mítico que homem passou a

desacreditar.

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Assim, no universo científico, esperamos que essa tese possa alargar novas pesquisas

com o povo do Ártico e do Amazonas, como nessa viagem realizada num árduo percurso.

Ressaltamos que o estudo não esgotou todos os saberes da tradição, mas pudemos destacar que

os poderes ancestrais, na visão cosmogônica indígena, devem respeitados e garantidos. Assim,

cuidamos para que o segredo das renas e das formigas Tucandeiras possam garantir a vida dos

povos no mundo planetário, prevalecendo os segredos que devem ser guardados para sempre,

para que não ocorra como a caixa de Pandora, garantindo a essência mítica (CAMPBELL,

2019).

Em escala mundial, corroboramos o segmento do turismo étnico para Manaus e Tromsø,

num enfoque para um mundo sustentável e para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

(ODS), que propõe tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusos, com segurança,

resiliência e sustentáveis, numa perspectiva ecológica (BOFF, 2016). Pretendemos com esse

manancial de conhecimentos, contribuir para alargar novos estudos no campo do turismo étnico.

Como limites da pesquisa, sinalizamos aspectos bem peculiares desse estudo: que nem

todas as narrativas foram postas na íntegra no corpo da tese, por questões de respeito aos povos.

Sendo assim, a impossibilidade de revelar e discutir com profundidade os signos identitários

étnicos, pelo fato de resguardar os saberes ancestrais, respeitando a tradição e o sagrado, sem

ultrapassar os limites dos saberes íntimos, xamânicos pertencentes aos pajés Sateré-Mawé, aos

Noaidi Sámi e aos sábios anciões. Nesse viés, para abarcar estudos de natureza indígena, não

foi suficiente adentrar no universo étnico cultural. Então nos apropriamos da semiótica e da

etnografia como estratégia de abordagem e não como método de pesquisa.

Outro aspecto foi o tempo da natureza do programa do DINTER, período dedicado às

leituras, pesquisas, escrita de artigos, participação em congressos foram limitados, por conta do

momento atual marcado por indecisões da vida planetária. Também consideramos que as

administrações públicas brasileiras – Federal, Estadual e Municipal – não conseguem

compreender que a cultura de um povo reflete a história de uma sociedade. Sem respeito à saúde

à educação e ao meio ambiente, o país sofre ainda com o desmatamento e queimadas, indo na

contramão do Artigo 3º da OIT/Convenção 169, que estabelece aos indígenas: “deverão gozar

plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem

discriminação”.

Ainda sobre este fator relacionado à Covid-19, destacamos o redimensionando as datas

das entrevistas, de acordo com os protocolos de segurança, no campo de estudo. Assim,

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atendemos a todas as exigências dos Órgãos da Saúde, da UNESCO, FUNAI, dos governos

Federais, Estaduais e Municipais e, principalmente, das comunidades indígenas.

As questões geográficas e linguísticas nos exigiram habilidades para a compreensão e

transposição dos dados. No Amazonas, as comunidades são falantes da língua portuguesa e para

a aplicabilidade do termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, tivemos que ler, usando

uma linguagem de fácil entendimento para os comunitários. Em Tromsø, foram necessários

tradutores digitais e presenciais para aplicação das técnicas de entrevistas, em Norueguês e

Sámi. Coletamos os dados e construímos o texto no mesmo local do campo, a fim de evitar

duplo sentido na interpretação dos dados. Os extremos dos países em estudo acarretaram custos

bem nítidos, pois do Brasil até o campo na Noruega conta-se um trajeto de, aproximadamente,

vinte oito horas. Por último, o uso da moeda Coroa norueguesa – kr, com valor cambial acima

da média brasileira, para a qual tivemos que nos adequar e limitar determinados acessos.

Nossa propositura, neste período da Covid-19, é que futuras pesquisas possam ampliar

estudos com outros olhares diante do contexto atual. Novas visões sobre os dados da cultura e

o que foi perdido no cenário mundial, de muitas mudanças sociais, de preconceitos, sem direito

à voz, em que a cada dia cresce a invisibilidade social. Assim, esta tese pode contribuir com os

povos indígenas partícipes para as questões atuais e para salvaguardar o patrimônio cultural das

futuras gerações.

Destacamos que, atualmente, com o advento das tecnologias e a força midiática,

segundo Han (2018), é possível estabelecer conexão em tempo real com qualquer pessoa no

planeta, até mesmo dentro das comunidades. Não se trata de perder a identidade e sim o

reconhecimento e a valorização dos povos indígenas em espaço global. Fato esse observado em

sites de turismo que vendem o título: “Conheça a Amazônia em Ritual Indígena na Amazônia”

e “conheça a Noruega: alimente as renas; venha conhecer a Aurora Boreal”, frases convidativas

vistas no site de André Garcia Bonotto.

Por fim, parafraseando Fernando Sabino: depois dessa longa travessia podemos dizer

que três coisas foram importantes nessa caminhada: a certeza de que estamos sempre

começando, a certeza de que não se pode desistir e a de que podemos continuar. O sentido da

vida faz do medo uma escada, e do sonho uma ponte à procura de novos desafios. Ao navegar

pelas escritas de Peirce, vemos uma semiose infinita, que nos remete aos signos e símbolos

infinitos. Enfim, foi dessa forma ritualística que percorremos pelos caminhos da ciência e

enchemos nossa cuia de signos e símbolos, saberes e sabores para o turismo étnico indígena.

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ETNOGLOSSÁRIO

De acordo com a NBR 6022:2018 o glossário é uma lista de termos ou expressões

técnicas dispostos em ordem alfabética e utilizadas no texto, cujo objetivo é descrever suas

definições (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2018). Nesse sentido

os termos descritos são oriundos do campo da pesquisa da tese em tela, denominado de

etnoglossário.

Aguadeiras - Termo designado para mulheres Sateré-Mawé que participam do processo de

ralar/ triturar o guaraná, em formato de bastão.

Alimentos ancestrais – Termo usado para remeter aos ensinamentos dos antepassados

plantados e colhidos da mesma forma há milhares de anos. Também mantêm as propriedades

nutricionais de milênios - são alimentos riquíssimos em proteínas de alto valor biológico, fibras,

vitaminas e antioxidantes.

Aluar - bebida produzida a partir da casca do abacaxi, que fica de molho por três dias para a

fermentação.

Amazonas - é um estado no noroeste do Brasil, coberto quase na sua totalidade pela floresta

tropical da Amazónia.

Ancestral - Termo usado em genealogia, é o Antecedente já morto ou o que se localiza em

várias gerações anteriores na representação gráfica da árvore genealógica

Ancestralidade - Termo usado ao legado de antepassados; hereditariedade.

Ariaú Amazon Towers - Foi o primeiro e maior hotel da Floresta Amazônica, possuía 288

quartos dispostos em várias torres cilíndricas interligadas por extensas passarelas de madeira

(total de até 8 kilômetros de passarela), apoiadas sobre palafitas. Algumas destas passarelas

tinha até 40 metros de altura. Sua estrutura era de 66 hectares de área total; contava com

piscinas, auditório panorâmico, bares temáticos e restaurantes.

Ariaú -Termo usado para o rio na Amazônia afluente do Rio Negro, na região noroeste da

cidade de Manaus (distante 60 km da cidade).

Arruda: Bot.] - Planta aromática, também usada na medicina indígena

Arumã - Fibra usada no trançar das luvas tucandeiras; o arumã (ou guarimã) é utilizado pelos

povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta (que tem várias espécies)

cresce em regiões semi-alagadas.

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207

Árvore de envireira - Bot.] - Envireira (¨árvore-de-embira¨) é o nome popular de uma árvore

da família das Anonáceas, também chamada de araticu-do-mato.

Aurora Boreal - Termo usado para a aurora polar, um fenômeno óptico composto de um brilho

observado nos céus noturnos nas regiões polares.

Bacalhau - É o nome comum de várias espécies de peixes, típico da Noruega.

Bambú - Bot.] - Denominação comum a várias plantas da família das gramíneas, especialmente

as do gênero Bambusa, de colmo lenhoso e flexível e folhas finas e compridas, que atingem

grandes alturas, cultivadas em regiões tropicais e subtropicais, usado para coletar e armazenar

as formigas tucandeira (Paraponera clavata); também usado em artesanatos.

Barranco: Termo usado para encosta íngreme não coberta de vegetação; faz parte do fenômeno

do rio Amazonas.

Bastão do guaraná - Termo usado como resultado de um processo, depois de descascar a

semente do guaraná, as amêndoas são piladas com um pouco de água morna, e o alto teor de

amido do guaraná faz que se forme uma massa consistente que pode ser modelada. A massa é

rolada numa tábua com as mãos e assim é feito um bastão.

Beiju/ beju/ biju – Tipo de alimento derivado da farinha de mandioca

Benzedeira - Termo usado para aquele que pretende curar doenças, afastar o mal, defender ou

proteger de feitiços etc. por meio de benzeduras; benzedor, curandeiro.

Benzedura - Termo usado no Amazonas para Arte de benzer

Berries- Bot.] - Fruto silvestre típico da região da Noruega. Em botânica , um baga é um

carnuda fruta sem uma pedra produzido a partir de uma única flor contendo um ovário . Bagas

assim definidas incluem oxicoco, arando-vermelho, mirtilo-vermelho ou airela; Groselha-preta

ou cassis; Cereja; Morango.

Bidos - Termo usado para definir um prato tradicional feito de carne de renas, com batata,

cenoura e temperos típicos da Noruega.

Bioma - Termo designado para uma unidade biológica ou espaço geográfico caracterizado de

acordo com o macroclima, a fitofisionomia (aspecto da vegetação de um lugar), o solo e a

altitude específicos.

Braço do rio - Termo usado para um desvio de um rio (igarapé).

Broto - Parte visível de plantas em estágios iniciais de desenvolvimento, no geral consistindo

de um caule em desenvolvimento e folhas.

Buzina - Instrumento de sopro usado em ritual ou celebrações, em Sateré-Mawé – huhehap ou

huhú.

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Cabana - Termo usado para pequena habitação feita de materiais rústicos (palha, madeira e

ramos).

Cajueiro - Bot.] - Árvore de médio porte (Anacardium occidentale), da família das

anacardiáceas, nativa dos trópicos, com folhas ovaladas e de textura coriácea, pequenas flores

melíferas vermelhas dispostas em panículas e frutos comestíveis.

Caneca - Recipiente com asa usado para líquidos do tipo copo, também conhecido como caneco

Caniço - Vara longa e flexível, da qual pende um fio de nylon com anzol, usada para pescar.

Canoa - embarcação leve de pequeno porte, feita de uma só peça alongada, movida a remo,

vela ou motor de popa, us. em pesca fluvial, usada como transporte na Amazônia.

Cantador - Homem experiente em cantorias, que tem a função de puxar os cantos no ritual de

Tucandeira.

Carne de rena - Carne de rena consumida pelo povo Finlandês e Norueguês.

Chá de ervas - Bot.] - plantas medicinais indígenas, demonstrando ... que exala um cheiro forte,

gerado pela presença de seu óleo essencial. ... Além disso, é consumida principalmente na forma

de chá.

Cipó-alho - Bot.] - Arbusto trepador (Seguieria americana), da família das fitolacáceas, nativo

do Sudeste e Sul (PR) do Brasil, de copa densa, ramos compridos, folhas membranosas, ásperas

e glabras, flores alvacentas, de odor forte, dispostas em racemos

Clã (ywanias) - Termo usado para a posição e organização política e familiar em Sateré-Mawé.

Clãnica - Termo usado para denominar que pertence a um clã.

Cores - impressão provocada nos olhos pela luz refletida pelos corpos; coloração ou tonalidade

apresentada por algo.

Cosmogônico - São mitos que narram a origem do Universo (Cosmos).

Cotidiano - Conjunto de ações que ocorre com alguém todos os dias, de maneira habitual e

sucessiva

Cuia - Termo usado para o fruto bacáceo oviforme da cuieira (Crescentia cujete), que, depois

de maduro, apresenta casca lenhosa e impermeável da qual são feitos diversos objetos. Usada

para tomar bebidas.

Cultura de raiz: Uma cultura que segue de acordo com a tradição dos antepassados.

Cunhantã- Termo usado para designar a pessoa do sexo feminino/ menina

Curumim- Termo usado para designar a pessoa do sexo masculino/ menino

Duodji -Termo usado para artesanato Sámi tradicional, que remonta a uma época em que os

Sámi estavam muito mais isolados do mundo exterior do que hoje.

Eddas - Conjunto de narrativas do povo Sámi descritas no Völuspá.

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Elfos - Termo usado para designar uma criatura mística da mitologia nórdica e céltica, que

aparece com frequência na literatura medieval europeia.

Envireira-[Bot.], ¨árvore-de-embira¨ é o nome popular de uma árvore da família das

Anonáceas, também chamada de araticu-do-mato.

Farinha de mandioca- Alimento usado na gastronomia indígena no Brasil.

Fiord - Termo do norueguês fjord é uma grande entrada de mar entre altas montanhas rochosas,

originada por erosão causada pelo gelo de antigo glaciar.

Formigas - São insetos pertencentes à família Formicidae da ordem Hymenoptera. São insetos

particularmente populares por serem muito comuns e tidos como altamente organizados.

Gákti - Termo usado para designar traje típico étnico do povo Sámi, Noruega, de variadas cores

e formas; são indicadores da pertença a uma comunidade, comunidade, zona e família.

Grafismos - O grafismo pintado nos corpos indígenas, em seus trajes e utensílios marca a

identidade de cada povo. Um determinado desenho na pintura corporal por exemplo, pode

indicar a quantidade de filhos, a ocupação do índio dentro da tribo ou o cumprimento dos ritos

de passagem

Guaraná - Bot.] Nome científico: (Paullinia cupana) é um cipó originário da Amazônia. É

encontrado no Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela, sendo cultivado principalmente no

município de Maués, no estado do Amazonas, e na Bahia

Guerreiro - Status dado ao indígena Sateré-Mawé, ao cumprir as etapas do ritual; Homem

Lutador

Hidromel - É uma bebida alcoólica cuja maior parcela dos seus açúcares, de mel, fermentáveis

de uso na Europa e dos povos do Ártico.

I’nhãa-Bé - Nome da comunidade, localizada na área metropolitana de Manaus, às margens do

rio Negro, no igarapé do Tiú.

I’nhãa-Bé - Substantivo masculino - É um chocalho - adereço feito com sementes, com um

som suavizado que é usado pelos indígenas Sateré-Mawé em cerimônias ritualísticas.

Igapó – Área alagada

Igara – No Brasil, Amazonas, termo usado para designar uma Canoa inteiriça, feita de casca

de árvore.

Igarapé do Tiu - Igarapé que banha a margem da comunidade Inhã-bé, Sateré-Mawé-Manaus-

Am.

Jacaré - Réptil de pequenas proporções (Caiman crocodilus), da família dos aligatorídeos, que

vive em grandes grupos nas Américas do Norte e do Sul, de focinho largo, achatado, e couraça

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formada de escudos; é muito ágil na água, onde vive quase que exclusivamente; caimão, jacaré-

de-óculos, jacaretinga.

Kofte - Alimento usado para se referir ao prato que contém bolinhas de carne picada, altamente

temperadas e cozidas em sopa ou molho.

Kolt -Termo usado para o traje tradicional Sámi

Kunã -Termo usado na língua Sateré-Mawé é designado para farmácia, lugar de transe, onde o

pajé recebe as pessoas para momentos xamânicos; termo usado para designar farmácia

indígena; e local de contemplação.

Lávvu - Termo usado para denominar uma cabana Sámi; uma residência temporária usada para

contemplar a natureza e a aurora Boeral e outros astros.

Luva- Peça confeccionada em palha, onde se coloca as formigas tucandeira para realizar o

ritual; é um símbolo sagrada e muito respeitado pelos Sateré-Mawé, conhecida como asáripé.

Macaxeira - Tubérculo que serve para como alimento

Malhadeira - Instrumento feito de nylon utilizado na pesca.

Maloca: Habitação indígena comunitária, coberto em palha de formato circular ou retangular,

usada por indígenas da Amazônia.

Mastruz - Pequena planta herbácea (Coronopus didymus), da família das crucíferas, originária

das Américas, cultivada pelas inúmeras propriedades medicinais; mastruço-do-brasil, mastruz.

Matéria prima - Aquilo a partir do qual se inicia alguma coisa que ainda se encontra em estado

bruto; base, fundamento.

Material de pescaria - Materiais usados na pesca do índio ou do caboclo, anzol, rede de

malhadeira e outros.

Medicina indígena - Corresponde ao comportamento orientado para obtenção e preservação

da saúde através das práticas culturais dos povos no estado do Amazonas.

Mel de abelha - Produzido pelas abelhas, além dos benefícios na alimentação, o mel tem

propriedades curativas que podem melhorar sua saúde.

Merins - Termo na língua Sateré-Mawé denominado para jovens guerreiros.

Mito - Uma pessoa ou um fato cuja existência, presente na imaginação das pessoas, não pode

ser comprovada; ficção.

Mokeu - Termo na língua Sateré-Mawé, designado para caçador

Moltebaer - é um fruto uma especiaria Norueguesa, um tipo de framboesa. A framboesa (Rubus

idaeus L.), fruto do framboeseira, é uma pseudobaga e um fruto agregado, cujo sabor suave e

adocicado é utilizado para diversas finalidades, como sorvetes, xaropes, geleias, licores e doces.

Natureza - Conjunto de elementos naturais.

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Noaidi - Termo usado para um xamã do povo Sámi nos países nórdicos, representando uma

religião de natureza indígena.

Noçoquem, Noçoquém - Termo usado para referir ao lugar de origem como sendo um lugar

da morada de seus heróis míticos, um lugar encantado, designado pelos Sateré-Mawé.

Paini - Termo indígena designado para o Curandeiro/pajé, em Sateré-Mawé

Pajé (Sahú) - Benzedor; curandeiro

Palha - Fibra vegetal seca e flexível usada em trabalhos trançados em artesanatos.

Paneiro - Termo usado para o Cesto de cipó, utilizado para transportar gêneros da roça.

Patawi: Suporte confeccionado com cipó que para os Sateré é o símbolo da união de povos.

Penas de animais - Retiradas das aves para confeccionar artesanatos.

Peneira - Utensílio formado por uma armação circular geralmente de plástico, metal ou madeira

com um fundo em trama bem estreita de arame, plástico, taquara etc., usado para separar

substâncias reduzidas a fragmentos menores.

Pesca - Capturar peixes no rio.

Planta trepadeira - As trepadeiras são plantas de caule longo que necessitam de um tutor ou

suporte para se fixarem. Existem diversas espécies de trepadeiras, as quais se diferenciam pelo

tamanho, textura de folhas, cores e formas das flores, oferecendo assim diversas soluções

paisagísticas

Plantas medicinais - Plantas usadas pelos pajés para cura de suas doenças.

Poratin /Puratiḡ - Termo usado para designar um ícone que representa o estilo de vida do povo

Sateré-Mawé. No plano mítico era uma arma dos veados que perseguiam a Anumarab’it. Nele

estão representadas as principais histórias do povo.

Proa- Termo usado na Marinha náutica como parte dianteira de uma embarcação; parte

dianteira de qualquer coisa.

Pyã ou Pi’ã hĭn- Termo usado para menina em Sateré-Mawé.

Rebojo - movimento de rotação em espiral causado por queda de cachoeira ou pelas correntezas

dos rios; remoinho.

Rede - Material em linha de nylon usado em pescaria.

Rede - Material tecido em algodão usado para dormir.

Remo - Haste de madeira que se vai achatando e alargando para o extremo inferior e que,

funcionando como alavanca interfixa, serve para fazer andar as pequenas embarcações.

Rio Andirá - O rio Andirá é um rio do Amazonas, Brasil.

Rio Tarumã – Rio do Amazonas

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Ritual da Tucandeira - O ritual da tucandeira, realizado pelo povo indígena Sateré-Mawé, é

uma forma de iniciação masculina, de passagem da infância para a vida adulta.

Ritual: Formalidade que integram uma cerimônia; o ritual, conhecido como Waumat, é

praticado pelos Sateré-Mawé há séculos.

Sahu-Apé - Comunidade indígena situada a 40 km de Manaus.

Sahu’hi – Termo usado para o grupo do coral infantil, na língua Sateré-Mawé, tatu pequeno

com batida diferente.

Sakpó ou çapó - Na língua Sateré-Mawé-Tupi (Bebida feita com guaraná em pó)

Sa'pmi: - Região do povo Sámi, que vivem nos quatro países: Rússia, Finlândia, Suécia e

Noruega.

Saray potairia - Formiga comestível (Saúva) do povo Sateré-Mawé.

Seres Personificados - Personificação é um recurso de linguagem que consiste em atribuir

qualidades humanas a seres não humanos.

Sol - Estrela do sistema solar.

Tambores – Instrumentos usados em rituais indígenas Sateré e Sámi

Tarrafear – Termo usado para selecionar; ação de pescar, usando um instrumento chamado de

malhadeira, tecida em algodão ou em nylon, pontos finos ou grossos.

Tarubá – bebida feita da fermentação da mandioca, usada em rituais.

Tatu - [Zool.] - Nome comum de animais mamíferos, desdentados da família dos Dasipodídeos,

dotados de forte carapaça articulada, que vivem na América do Sul.

Tatu Bola - Termo usado na mitologia Sateré-Mawé ao animal Heneḡke

Timão- Do latin termo, eixo de carroça ou arado; roda ou volante como se manobra o leme de

uma embarcação.

Toco - Parte do tronco que fica preso ao solo, após uma árvore ser cortada ou quebrada.

Tucandeira - Grande formiga, venenosa, (Paraponera clavata), da família dos paraponeríneos,

usada no ritual da tucandeira, que marca a passagem da infância para a fase adulta.

Tucum - Palmeira de porte médio (Bactris lindmanniana), nativa do Sul do Brasil, de estipe

com acúleos e frutos pretos, cultivada por suas folhas, das quais se extraem fibras, e pelos frutos,

palmito e sementes comestíveis; coqueiro-tucumã.

Tucupi – Produto derivado da mandioca, líquido tóxico que após cozido é usado na

gastronomia indígena.

Tundra - Região fitogeográfica ártica e subártica de solo rochoso e frio intenso, caracterizada

pela vegetação herbácea e subarbustiva, constituída especialmente por ciperáceas, bem como

vários tipos de musgos e liquens que cobrem o solo.

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Tuxaua- Termo designado para o líder político indígena, na língua Sateré-Mawé, (tui’as).

Utensílios - Qualquer instrumento de trabalho próprio para a fabricação de um produto ou para

o exercício de uma arte, profissão etc.

Völuspá - Poema considerado o mais antigo do planeta

Waiperiá- Termo usado em referência ao ritual da Tucandeira.

Waraná - O Waraná cultivado pelos Sateré-Mawé na própria terra dele, num contexto de

floresteria análoga, é irmão do guaraná nativo, por isso o totum do fruto da planta mantém todas

as qualidades próprias da semente nativa; símbolo raíz está estreitamente relacionado com o

Poratig como ícone de poder tradicional, que representa a autoridade tradicional do grupo.

Waymat – Termo em Língua Sateré-Mawé (Amazonas – Brasil), designado para ritual da

Tucandeira.

Xamanismo - Conjunto de práticas e ritos místicos que ocorrem entre muitos povos e

sociedades, tendo a figura do xamã como líder espiritual e intermediário entre a realidade

humana e o sobrenatural, com seus poderes curativos e divinatórios.

Yoik – Termo na língua Sámi – designado para os cantos típicos do povo.

FONTE:

Dicionário Michaelis - https://michaelis.uol.com.br. Acessado em 25 de maio de 2020.

http://www.Noçoquem.com/home/a-caminhada-dos-produtores/a-denominacao-de-origem-

do-warana. Acessado em 25 de maio de 2020.

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Sateré-Mawé. Acessado em 25 de maio de 2020.

https://www.dicionarioinformal.com.br/diferenca-entre/envireira/%C3%A1rvores/

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APÊNDICES

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APÊNDICE–A: O processo de trabalho do Guaraná (waraná) dos Sateré-Mawé.

Fonte: CARVALHO, J.M; VILÁCIO, R.S; DAMASCENO, V.N.

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APÊNDICE-B: Estudos realizados em 38 países sobre turismo étnico.

Fonte: CARVALHO J.M (2019).

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APÊNDICE-C: Imagem do Mapa dos Países de Origem dos Artigos Pesquisados.

Fonte: Dados da plataforma Business Source Complete (EBSCO host) – (2020).

APÊNDICE-D: Imagem do mapa da Comunidade Sámi

Fonte: TOMAZ NETO, A.G e CARVALHO J.M (2020).

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ANEXOS

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ANEXO A: Imagem do mapa turístico Oslo- Noruega.

Fonte: Agência de turismo Oslo (2019)

ANEXO B: Imagem do mapa turístico Tromsø – Noruega.

Fonte: Agência de turismo Tromsø (2019).

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ANEXO C: Imagem do mapa turístico Manaus.

Fonte: Agência de turismo Manaus (2019).

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ANEXO D: Folder turístico em Manaus.

Fonte: Agência Paranakari – Manaus-Amazonas (2019).

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ANEXO E: Carta do povo Sámi ao Presidente de República do Brasil.

Povo indígena Sámi, da Europa, manifesta solidariedade à APIB.

14/out/2020

Caro presidente Jair Messias Bolsonaro,

Estamos escrevendo para você em nome do Conselho Parlamentar Sámi.

Os Sámi são os povos indígenas da Finlândia, Noruega, Suécia e nordeste da Rússia. Os

Parlamentos Sámi são os órgãos de governo autônomo dos Sámi. Por sua natureza

representativa, os Parlamentos Sámi expressam uma posição oficial dos Sámi sobre as questões

que lhes dizem respeito. Os Parlamentos Sámi na Finlândia, Noruega e Suécia cooperam por

meio do Conselho Parlamentar Sámi (SPC). As organizações Sámi na Rússia são participantes

permanentes nesta cooperação. O SPC foi estabelecido no ano 2000.

Após suas observações no Debate Geral da 75ª Sessão da Assembleia Geral das Nações

Unidas, 22 de setembro de 2020, gostaríamos de levantar uma preocupação sobre a situação

dos defensores dos direitos humanos ambientais no Brasil. Isso tem ligações com os atuais

incêndios na Amazônia e nos ecossistemas do Cerrado e Pantanal. Estamos cientes de que este

ano há mais focos de incêndios em comparação com anos anteriores, e que muitos deles são

causados por incêndios de origem humana, especialmente para estimular a rebrota de pastagens

e para abrir novas áreas agrícolas. Duvidamos da explicação de que são os povos indígenas no

Brasil que estão por trás desses incêndios.

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Além disso, em 18 de setembro de 2020, o Ministro de Segurança Institucional, General

Augusto Heleno, responsável por questões de segurança nacional, tuitou graves acusações

contra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), nomeando explicitamente a líder

da APIB Sonia Guajajara, por ter cometido crimes contra o país, espalhar notícias falsas,

mobilizar-se para boicote e também afirmar que a APIB e vários aliados estão trabalhando para

manchar a reputação do Brasil internacionalmente.

Em nossa opinião, as acusações criam um risco de segurança muito real para os líderes

indígenas em geral, e particularmente para Sonia Guajajara e outros representantes da APIB. É

preocupante que isso aumente a retórica de ódio contra os povos indígenas no Brasil,

especialmente considerando os frequentes assassinatos, violência e ameaças contra líderes

indígenas e defensores de direitos humanos e ambientais.

Como a maioria dos povos indígenas em todo o mundo, tanto o povo Sámi quanto os

Povos Indígenas no Brasil são defensores dos direitos humanos e ambientais, na vanguarda da

promoção dos direitos dos Povos Indígenas. Diante disso, esperamos que os países nórdicos e

o Brasil possam trabalhar juntos na proteção dos direitos dos povos indígenas, do meio

ambiente e evidenciar as conexões entre direitos humanos, ecossistemas saudáveis e pessoas.

Isso estará de acordo com os compromissos dos Estados com a Declaração das Nações Unidas

sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Documento Final da Conferência Mundial sobre os

Povos Indígenas.

É correto dizer que os povos indígenas do Ártico e das florestas tropicais estão na linha

de frente das mudanças climáticas. A mudança climática é duas vezes mais intensa no Ártico

do que no resto do planeta. As florestas tropicais são um ator fundamental na mitigação dos

efeitos das mudanças climáticas no planeta, e também são alguns dos ecossistemas mais

importantes e vulneráveis do mundo às mudanças climáticas. Como todos sabemos, as

mudanças climáticas estão resultando em impactos sociais, ambientais e econômicos

generalizados. Os povos indígenas são especialmente vulneráveis devido à estreita conexão

entre os meios de subsistência tradicionais e a natureza. Este é o momento da história em que

não temos outra alternativa prudente a não ser continuar trabalhando juntos: Estados, Povos

Indígenas, ONGs e outros setores da sociedade civil.

Com os melhores cumprimentos: Tuomas Aslak Juuso, Aili Keskitalo, Per-Olof Nutti,

(os tres presidentes dos Parlamentos Sami da Finlândia, Noruega e Suécia (os mesmos também

presidente/vice-presidentes do Conselho Parlamentar Sami).