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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA CRISTIAN BARRETO DE MIRANDA “Padroado no Sertão” Negociação e conflito entre Igreja e poder político em Conceição do Coité entre 1989 e 1996. Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Coité - BA Conceição do Coité Dezembro/2009

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Page 1: Padroado no sertão negociação e conflito entre igreja e poder político em conceição do coité entre 1989 e 1996

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

CRISTIAN BARRETO DE MIRANDA

“Padroado no Sertão” Negociação e conflito entre Igreja e poder político em Conceição do Coité entre

1989 e 1996.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Coité - BA

Conceição do Coité Dezembro/2009

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CRISTIAN BARRETO DE MIRANDA

“Padroado no Sertão” Negociação e conflito entre Igreja e poder político em Conceição do Coité entre

1989 e 1996.

Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Licenciatura em História sob a orientação do professor Mrs. Eduardo José Santos Borges.

Conceição do Coité Dezembro/2009

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Componentes da Banca examinadora:

Profº Mrs.Eduardo José Santos Borges (Orientador).

ProfªMrs.Zuleide Paiva da Silva.

Profª Drª Sharyse Piroupo do Amaral.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela força e persistência que Ele me concedeu em todos esses anos e

em especial na trajetoria desse trabalho que prosegue por outros caminhos a partir do próximo

ano.

Agradeço a minha família, sem vocês, concerteza não teria chegado até aqui, valeu

pelo zelo e dedicação, serei eternamente grato pela presença de vocês na minha vida. Dedico

esse trabalho a vocês.

Em especial agradeço ao meu irmão Cristiano Barreto pelo companheirismo e

incentivo para a realização dessa pesquisa.

Agradeço também outras pessoas que contribuiram para que este trabalho pudesse

acontecer, apesar de muitas faço questão de citá-las.

Aos meus colegas e amigos da Turma de História 2006.1 do Campus XIV da UNEB

que me acompanharam nesses anos de batalha, em especial, a Samara Suelen, que construiu

comigo a primeira versão do projeto desta pesquisa, dedico também a ela esse trabalho; a

Antonia Gislaine, Antonio Thiago, Maurício, Renata, Tayla e Sinara pela força e motivação; a

Rafaela, Edcarla, Ana Lúcia e Kécia Dayana pelas inúmeras leituras e correções. Valeu

mesmo!

Aos funcionários da secretária paroquial, Lucivan, Izabel e Manoel pela

disponibilidade em me atender cotidianamente em minhas visitas a documentação do Arquivo

da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Ao Sr. Mário pela confiança em disponibilizar os

inúmeros jornais para a realização dessa pesquisa.

Aos professores que acompanharam a construção desse trabalho desde a concepção do

projeto até a orientação do mesmo, agradeço em especial, aos professores Aldo Morais e

Rogério Souza. A Eduardo Borges pelas orientações e pelo incentivo para a concretização

desse trabalho, como também, a Sharyse Amaral e Zuleide Paiva que se disponibilizaram para

a apresentação do mesmo. E todos que participaram da minha formação acadêmica.

Por fim, agradeço as pessoas que prestaram o seu depoimento, Pe.Luiz Rodrigues,

Ivonete Baldoino, Francisco de Assis, Adauto Mota e o Sr. Nilson Oliveira, que partilharam

suas memórias, suas experiências, seus sentimentos, seus ideais, suas lutas enfim suas

histórias de vida para a realização desta pesquisa, que sem a contribuição dos mesmos o

trabalho não seria possível.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo central verificar a atuação dos representantes da Igreja Católica de Conceição do Coité, como espaço de poder contestatório e de força de mobilização social em oposição à política clientelista presente em Conceição do Coité, cuja atuação acentua no período entre 1989 e 1996. Período da chegada do padre Luiz Rodrigues Oliveira, que por adotar uma postura de contestação, de denúncia das irregularidades da administração municipal foi alvo de alguns processos e hostilidades pelos chefes políticos locais. A atuação desses membros católicos foram peças centrais para a alteração das relações políticas, proporcionaram mudanças a nível político e social, formando uma nova concepção da política no meio dessa comunidade. Para entender essa atuação consultei o arquivo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, as Atas da Câmara Municipal, os jornais Tribuna Coiteense, Coiteense, O Mensageiro e entrevistei os principais envolvidos nesses conflitos. Dialogo com diversos autores que se dedicaram pesquisar essa atuação política da Igreja Católica, tendo como referência Michael Lowy. Inicialmente, discuto o cenário político e religioso de Conceição do Coité antes da chegada de padre Luiz Rodrigues, época dos “Bons Tempos”. Em seguida, trato das mudanças implementadas pelo padre Luiz na instituição religiosa e a sua atuação política na sociedade coiteense. E, finalmente, abordo os conflitos entre e padre e o poder político dominante, além de perceber as reações que a população e o grupo hegemônico local tiveram frente à ação de oposição assumida pela instituição religiosa local. PALAVRAS – CHAVES: Igreja Católica; Vaticano II; Política; Conflito; Pe.Luiz Rodrigues Oliveira; Conceição do Coité.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

CAPÍTULO I – “Bons Tempos” ............................................................................................ 13

CAPÍTULO II- “Um mundo uma revolução na minha cabeça” ............................................ 30

CAPÍTULO III – “O preço da independência” ..................................................................... 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 69

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 73

FONTES..................................................................................................................................76

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INTRODUÇÃO

Durante a segunda metade do século XX, a Igreja Católica se aproximou da causa da

justiça social na defesa dos pobres e oprimidos. E sobre o desenvolvimento dessa perspectiva,

Thomas C. Bruneau e W. E. Hewitt, em Catholicism and Political Action in Brazil:

Limitations and Prospects, discutem que essa atitude perpassa por dois pensamentos distintos,

no qual, alguns pesquisadores dessa temática comentam que essa preocupação com a justiça

social nasceu diante da necessidade de preservar a sua posição hegemônica nessas regiões,

certo oportunismo institucional; já outros defendem essa postura, devido à participação das

classes mais baixas na reorientação da Igreja, empurrando-a na defesa dos interesses políticos

das mesmas.

Porém, os autores afirmam que ambos os pensamentos são falhos, apesar delas

refletirem sobre algumas influências bastante salientes da sociedade sobre a mudança da

Igreja. No entanto, negligenciam muitas dimensões centrais da mesma.

Concluem que essa perspectiva foi influenciada por um contexto mais amplo, no qual

tal postura foi incentivada pelas “tendências teológicas na Igreja universal”, que culminaram

com o Concílio Vaticano II1 (1962-1965) e na igreja regional na reunião do Conselho

Episcopal Latino-Americano (CELAM) - em Medellín (1968). Esses autores destacam como

principal veículo dessa mudança da posição da Igreja no Brasil as ações da CNBB, que

comandada por um clero progressistas promoveu no cenário brasileiro programas sociais de

implicações políticas, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e a Comissão

Pastoral da Terra (CPT); a promoção das CEB’s e sua opção preferencial pelos pobres.

Caminhando na mesma linha de interpretações, Michael Lowy, em Marxismo e

Teologia da Libertação apresenta o engajamento de cristãos da Igreja Latino-Americana aos

ideais marxistas, no que se refere na luta de classes, na opção pelos pobres e na luta por uma

sociedade mais justa e igualitária. Isso graças ao surgimento de um novo movimento dentro

da Igreja a Teologia da Libertação. Lowy, afirma que sem a prática desse cristianismo para a

libertação não se pode compreender fenômenos sociais e históricos tão importantes quanto à

escalada da revolução na América Central ou a emergência de um novo movimento operário

no Brasil.

1 O Vaticano II foi um concílio realizado na Igreja Católica, com os bispos de todo mundo e de alguns

representantes de outras denominadas religiões cristãs, desde 1962 a 1965 em diversas sessões na cidade do Vaticano, sendo convocado pelo papa João XIII e encerrado pelo papa Paulo VI.

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Segundo Lowy, o engajamento de setores da Igreja nessa participação popular, mesmo

daqueles que não são pobres, se deve muito a dimensão moral e espiritual que está ligada a

sua fé cristã e a tradição católica. Visto também, que ela é a principal motivadora de milhares

de militantes cristãos dos sindicatos, das associações de bairro, das comunidades de base e das

frentes revolucionárias. A partir dos anos 1960 na América Latina, se evidencia um processo

de radicalização por parte de alguns cristãos que descobrem no marxismo “uma chave para a

compreensão da realidade e um guia para a ação libertadora” 2.

Na visão de Dermi Azevedo em A Igreja Católica e seu papel político no Brasil, a

América Latina foi o primeiro continente a se mobilizar para a implementação das reformas

eclesiais aprovadas pelo Concilio Vaticano II, percebendo um, extraordinário foco de

contestação que se desdobrou em ações por diversos países. Evidenciando o envolvimento de

clérigos e leigos em vários movimentos sociais e participando da esfera política, todos

influenciados pela Doutrina Social da Igreja e pela Teologia da Libertação que pregava a

instauração de uma igreja a favor dos pobres.

No Brasil esse processo de mudança tem como marco a criação da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) por Dom Hélder Câmara em 1952, pois ela nasce num

contexto de intensa transformação social, isto é, crescimento industrial, urbanização, êxodo

rural e secularização. “É em seu interior que a ‘igreja do povo’ é mais tarde institucionalizada.

“3 Sendo percebida através dos movimentos populares, pastorais sociais, conselhos de

pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) caracterizando essa atuação como

sendo um espaço de luta pela reconstrução das elações democráticas e na transformação das

relações sociais em busca de uma sociedade mais justa.

Roniere Ribeiro Amaral em O Milagre político: Catolicismo da Libertação realiza

uma investigação sobre o nascimento e estabelecimento desse novo modelo de catolicismo

presente no Brasil durante a segunda metade do século XX, percebendo a atuação de vários

movimentos católicos leigos de esquerda e da CNBB. Afirmando que essa mudança política

da Igreja, voltada para essa corrente libertária, não foi tão simples assim, apesar da mesma

estar sempre envolvida com a política, esse processo perpassa pela idéia messiânica,

burocratização da Igreja e relação entre laicato intelectual (estudantes e universitários) e

sacerdotes.

2 LOWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.(Coleção polêmicas do nosso tempo; v.39)Ibidem. p. 39. 3 AMARAL, Roniere Ribeiro. Milagre Político: Catolicismo da Libertação. UnB, Tese de Doutorado, 2006. Disponível em www.bdtd.bce.unb.br. (acesso em 10/09/2009)

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Nesta perspectiva o presente trabalho pretende seguindo as mudanças vivenciadas pela

Igreja Católica do Brasil propostas pelas as inovações do Concilio Vaticano II verificar as

relações estabelecidas entre os representantes da Igreja Católica de Conceição do Coité com a

administração pública municipal, no período entre 1989 a 1996. Como também, o processo de

conflito vivenciado pelas duas instituições durante a administração paroquial do padre Luiz

Rodrigues Oliveira que contribuiu para uma nova concepção nas relações políticas locais.

Com o título “Padroado no Sertão”: Negociação e conflito entre Igreja e poder

político em Conceição do Coité entre 1989 e 1996 faz-se necessário comentar um pouco a

respeito da utilização do termo Padroado nessa pesquisa, visto que esse regime instituído no

decorrer da história para representar a relação entre Igreja-Estado é suprimido com o Concílio

Vaticano II e que no Brasil foi extinto pelo Decreto 119A, de 7 de janeiro de 1890, o governo

republicano extinguiu o Padroado e separou a Igreja do Estado .

As origens desta instituição (Padroado) remontam à Ordem dos Templários e à Ordem

de Cristo. Fundada para proteger os peregrinos da Terra Santa, no período das Cruzadas, a

Ordem dos Templários tornou-se muito influente e poderosa, mas, por pressão do rei Filipe, o

Belo, da França, foi extinta pelo papa Clemente V, em 02 de maio de 1312 (bula Ad

providam). Sendo retomado num tratado entre a Igreja Católica e os Reinos Ibéricos através

de uma bula papal em 1551 que uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo,

dessa forma, recebendo por meio desta, a Coroa o direito de interferir nos assuntos

eclesiásticos, trazendo benefícios para as duas instituições. Concedendo o direito de

autoridade da Coroa Portuguesa a Igreja Católica, nos territórios de domínio Lusitano. Esse

direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos

papas, em forma de diversas bulas papais. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou

a ser também o patrono e protetor da Igreja.

O rei mandava construir igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois

aprovados pelo Papa, também, tinham direito à cobrança e administração dos dízimos

eclesiásticos, isto é, a contribuição dos fiéis para a Igreja se transformava num imposto

religioso administrado pela Coroa. Em troca, a administração civil tinha a obrigação de zelar

pela construção, manutenção e restauração dos edifícios de culto, remunerar o clero e fazer o

que estava ao seu alcance para promover a expansão e consolidação da fé católica.

Em O Padroado e a Igreja no Rio Grande do Sul Português, Pe.Eduardo Pretto

Moesch discute de forma profunda o significado do termo Padroado e sua influência no

decorrer da história afirmando que Portugal diferente do padroado espanhol não foi fiel as

suas obrigações de assistência a Igreja o que resultou na vinda de religiosos para a América

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Portuguesa, por exemplo os jesuítas, autorizados pelos português. Contudo, Portugal não via

com bons olhos a vinda de missões estrangeiras restringindo assim a tarefa missionária. E

para tentar manter sua influencia sob a instituição religiosa utilizou de diversos mecanismos

para impedir a propagação de missões evangelizadoras.

A fim de gerenciar todos estes “direitos e deveres” relativos ao Padroado régio, foi estabelecida, já em 1532, a Mesa de Consciência e Ordens, uma espécie de departamento religioso do Estado português, subordinada diretamente ao rei, informando-lhe sobre a situação das igrejas e capelas, hospitais, ordens religiosas,escolas, dioceses e paróquias, etc. Qualquer assunto religioso de alguma importância no Brasil devia passar pelo parecer jurídico da Mesa, como a provisão de cargos eclesiásticos e a atividade missionária. Desse modo, a influência de Roma na evangelização do Brasil se tornou praticamente nula, pois toda atividade eclesiástica era atentamente controlada pela Coroa, a ponto de jamais terem sido aceitos legados pontifícios em território brasileiro, chegando-se ao extremo, em 1629, de obrigar os bispos a fazer um juramento de fidelidade ao Padroado, o que incluía, entre outras coisas, a promessa de não manter relações diretas com Roma! Assim sendo, a própria Congregação para a Propagação da Fé (Propaganda Fide), fundada em 1622 para ser um centro missionário, com sede em Roma, encarregado de transformar as missões de um fenômeno de cunho marcadamente colonial para um movimento de prevalência espiritual e eclesiástica, em defender os missionários da interferência do poder político e formar um clero indígena, não teve maiores influências no Brasil durante a vigência do Padroado, impedindo um trabalho com maior autonomia e a presença de um número quiçá suficiente de operários. (MOESCH, 2007, p. 4).

Moesch em seu artigo discute também as conseqüências do Padroado para a Igreja do

Brasil no qual esse regime, acabou tornando-se, com o passar dos anos, um instrumento de

sujeição da Igreja. Servindo, em alguns momentos, de meio “da Coroa em arrancar riquezas e

firmar o domínio no além-mar, tornou-se uma ferramenta a mais nas mãos do rei para tal

intento”. Além, da limitação que o clero e os leigos estavam sendo submetidos ás restrições

adivinhas do poder civil. Esses primeiros enfrentaram a dificuldade de administrar paróquias,

pelo fato do Brasil durante cem anos permanece com uma única arquidiocese (Bahia)

contando com apenas seis dioceses. “Quanto os leigos a limitação do regime do Padroado à

ação dos bispos, padres e religiosos impediu, de uma parte, uma evangelização mais

aprofundada da população”. Todavia, conquistaram seus espaços em irmandades religiosas,

ordens terceiras,organização de rezas e procissões.

Isso fez com que o catolicismo na Terra de Santa Cruz se desenvolvesse com características próprias, bem distintas das igrejas européias, fortemente influenciadas pelo Concílio de Trento (1545-1563), onde eram enfatizadas a prática sacramental e a supervalorização do clero, em boa parte como decorrência da necessidade de se responder, no Velho Continente, ao desafio provocado pela Reforma Protestante, que, de modo geral, refutou a hierarquia eclesiástica e criou novas concepções sobre os sacramentos. (MOESCH, 2007, p. 6).

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Dentro desse contexto a utilização do termo Padroado nesta pesquisa se debruça nas

relações que foram mantidas entre Igreja-Estado no que diz respeito nos momentos em que a

instituição religiosa esteve sujeita as ações do poder político, é claro que tal termo suscita no

decorrer da história diversas contradições e conflitos, principalmente na Igreja do Brasil.

Porém evidencia que por muito tempo a Coroa gozou do direito de interferir quando quisesse

no governo da Igreja, em que o rei tornou-se uma espécie de chefe religioso em tais domínios.

E essa interferência, guardando as devidas proporções, relembra a situação que a Igreja

particular de Conceição do Coité vivenciava antes de 1989, uma situação de subserviência

com o poder público local, dependia economicamente desse poder para se manter, por

exemplo, pagamentos de funcionários, custeio a reformas e despesas em geral.

Para realizar essa pesquisa as fontes que foram utilizadas são de várias procedências.

Todavia a que mais tive contato durante o decorre da investigação foi o Livro de Tombo da

Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, este contém registros sobre o histórico da

paróquia, a sua criação, as suas prioridades pastorais, os padres que a administraram, a ação

pastoral dos mesmos na comunidade, apresenta também, datas e acontecimentos referentes ao

próprio desenvolvimento da cidade, aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos, sem

falar das relações de poder que envolviam a instituição religiosa. Como também, os diversos

documentos presentes no arquivo paroquial, desde ofícios, correspondências até anotações

sobre os conflitos escritos pelo próprio padre Luiz Rodrigues, que permitem vários tipos de

análise e constituem, sob a ótica religiosa, ricos registros sobre a vida cotidiana.4

Além dessas fontes analisei, não menos importantes, mas que “clarearam” a trajetória

da pesquisa quando esta parecia um pouco “embasada” foram os Jornais Tribuna Coiteense,

Coiteense, O Mensageiro, A Tarde e Feira Hoje que possibilitaram a compreensão do cenário

político coiteense e a repercussão que tais acontecimentos tiveram dentro da região.

Foram consultadas, também as atas da câmara municipal, percebendo os discursos

proferidos por seus integrantes, com a finalidade de fundamentar a compreensão das reações

do poder público frente às ações da instituição religiosa. Analisados registros jurídicos

referentes aos processos que o padre Luiz teve que responder do fórum Durval da Silva da

Comarca de Conceição do Coité da década de 1990.

E a História Oral considerada um método riquíssimo para a História Recente, através

dos depoimentos orais de alguns leigos que compunham o conselho pastoral e administrativo

da referente paróquia durante o período estabelecido pela pesquisa e que foram importantes

4 SAMARA, Eni de Mesquita e TUPY, Ismênia S. Silveira T. História & documento e metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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testemunhas desses conflitos. Considerando que “um fato não é um ser, mas um cruzamento

de itinerários possíveis” 5 analisei tais discursos observando as ligações existentes entre eles e

por meio da memória coletiva construir uma possível verdade histórica acerca das relações

entre as forças política e religiosa.

Todas as fontes orais especificadas nessa pesquisa, através das inúmeras entrevistas,

forneceram elementos que puderam ter sido excluídos das fontes escritas e que serviram para

fazer emergir novos aspectos do objeto pesquisado. O trabalho com a História Oral seguiu as

instruções de Verena Albertini6, onde esta apresenta os relatos da memória como importante

espaço para análise, que precisa ser realizado com uma metodologia especifica, sendo

desenvolvido em etapas.

O trabalho está estruturado da seguinte maneira:

1. No CAPÍTULO I - “Bons Tempos” será reconstituído o cenário político e religioso

do município de Conceição do Coité antes da chegada de Pe. Luiz Rodrigues, e a

caracterização das relações que se mantinham entre a Paróquia Nossa Senhora da

Conceição e o grupo político dominante antes de serem rompidas em 1989.

2. No CAPÍTULO II - “Um mundo uma revolução na minha cabeça” serão

discutidos, uma pequena biografia do padre Luiz Rodrigues, no que diz respeito sobre

sua formação acadêmica e sacerdotal, pretendendo perceber a sua visão de mundo e

seus ideais sociais defendidos pelo mesmo; e as mudanças que o novo pároco, realizou

na instituição religiosa local, que levou-o a romper as relações com o grupo político

dominante, como também, perceber se as idéias da corrente libertária da Teologia da

Libertação influenciaram nesse processo de mudanças.

3. No CAPÍTULO III- “O preço da independência” serão relatados às reações que a

população coiteense teve frente a posição política adotado pelo padre Luiz Rodrigues

e de alguns leigos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, ainda mais, a

cerca de como o poder político dominante agiu devido a essa ação de oposição

assumida pela instituição religiosa frente a sua administração municipal.

5 VEYNE, Paul. Apenas uma narrativa verídica. In:___Como se escreve a historia: Folcault revoluciona a história. 4 ed. Brasília: Editora da UNB, 1998. 6 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 2ed. São Paulo: Editora Contexto, 2006.

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CAPÍTULO I

“Bons tempos”

“Lembro-me distante, e quase em remotos tempos de infância quando

éramos levados pelos nossos pais à igreja para assistirmos à missa.

Antes do começo da celebração, tudo no interior do templo era respeito,

fé, orações e silêncio absoluto entre os fiéis que às vezes eram

quebrados pelos vôos gorjeios das andorinhas que em nossas mentes

seriam os anjos dos céus, em forma de pássaros e estavam ali as

imagens de Cristo crucificado e Nossa Senhora da Conceição (...). Na

época podia-se observar as ruas completamente desertas estavam pois

todos ali, na igreja ao coreto, a praça em si completamente lotada de

cristãos, com um único objetivo: com os pensamentos contritos à Deus

e em Nossa Senhora da Conceição. (...). Como era belo, como era

bonito toda a população unida à igreja num só pensamento. Na crença,

na fé e na paz.” (Jornal Coiteense nº 14, Conceição do Coité, 24 de janeiro de

1997.p. 4).

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A Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, no ano de 2005, completou 150

anos de elevação da antiga capela para a categoria de Freguesia no dia 09 de maio de 1855.

Desmembrando-se da Freguesia Nossa Senhora da Conceição de Riachão do Jacuípe e

pertencendo a Vila de Feira de Santana, esta que no início do século XX tornou-se capital

regional do Estado da Bahia.7

A capela construída na Fazenda Coité tornou-se símbolo e marco de desenvolvimento

do arraial nessas terras sertanejas.

A notícia que se tem em relação à construção da capela é de que a mesma teria sido iniciada provavelmente, por volta de 1756, em terras ofertadas pelo benemérito João Benevides, sendo doado ‘cem metros ao redor da igreja’, conforme diz a tradição. (OLIVEIRA, 2002, p. 7)

O aparecimento da Fazenda Coité, como de tantas outras situadas na região do “Sertão

dos Tócos” se deve pela presença de inúmeros tropeiros que com suas boiadas desenvolveram

diversas estradas e propiciaram o aparecimento dessas fazendas que serviam de local para o

descanso desses “aventureiros” do sertão.

O antigo território de Conceição do Coité situava nos trajetos que interligavam

Salvador ao alto Sertão do São Francisco e o Estado do Piauí. Mas além de servir de

passagem para inúmeras boiadas, saciava a sede dessas excussões pelo sertão devido à

nascente de água cristalina denominada de “Tanque de Coité”, popularmente conhecida como

“Olhos d’água”. Essa nascente propiciou a fixação de diversos tropeiros aqui nessas terras,

pois além de saciá-los com suas boiadas, despertavam o interesse de fixarem moradia nas suas

proximidades, visto que a seca do sertão acabava matando seus animais. O “Tanque de Coité”

aparece no roteiro que Joaquin Quaresma Delgado fez sobre as estradas da Bahia em 1731.8 E

nas viagens dos ingleses Von Spix e Von Martius.

O município de Conceição de Coité desde sua origem tem grande devoção pela

Imaculada Conceição, esta que é a padroeira da cidade. A religiosidade popular considera que

o nome da cidade se deve pelo fato desta ter aparecido nas proximidades da fazenda em cima

de um pé de coité, dessa forma “Conceição” referindo-se a santa e “Coité” ao fruto da

cuitezeira. Sendo que a festa tradicional em devoção a Santa foi oficializada no dia 08 de

dezembro de 1882, através do padre Madureira, e que se tornou uma das mais populares festas

da cidade. Mas porque a necessidade de relatar esse feito, visto que o trabalho proposto não 7 RESENDE, Lívia Paola. As novas concepções do clero feirense diante das novas inovações do Vaticano II (1964-1980). Feira de Santana, 2008 . Monografia de Graduação em História. Universidade Estadual de Feira de Santana. p.15. 8 BARRETO, Orlando Matos.

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tem a finalidade de descrever tal festa. Porém, a importância está em perceber as relações

sociais que se constituíram ao redor desses espaços promovidos pela Igreja e que tiveram e

tem grande papel dentro da sociedade coiteense, não que esse seja um feito somente de Coité,

mas é importante perceber essas relações entre as principais instituições do município e que

estabelecem uma relação de poder.

Aline Coutrot, em Religião e política analisa que durante muito tempo as ligações

íntimas entre religião e política foram desprezadas pela história do político. A autora afirma

que forças religiosas são levadas em consideração como um fator de explicação política em

numerosos domínios e que as mesmas fazem parte do tecido político, no qual, o religioso

informa em grande medida o político, e também o político estrutura o religioso.

A festa dedicada à padroeira nos relatos dos documentos analisados no Livro de

Tombo da paróquia demonstra que os festejos à Imaculada Conceição iniciavam com a

novena no dia 29 de novembro e sempre era realizada de forma brilhante pela sociedade

coiteense, essa que no dia 08 de dezembro expressava toda a sua devoção pela santa. Pela

manhã realizava-se a alvorada de fogos acompanhada pelos badalos do sino da matriz, e

aconteciam diversas missas durante a parte da manhã encerrando a festa a tarde com a

procissão pelas ruas da cidade no qual percorria a imagem da padroeira erguida pelos fiéis. A

festa contava com a participação de autoridades políticas e do clero da região, toda a cidade

enfeitava-se para celebrar esta data considerada “Magna” pelos coiteenses.

Levamos a efeito com extraordinária pompa a nossa festa. Fôram os seguintes os atos: Recepção da Filarmônica de Serrinha, com grande caravana de pessôas distintas daquela visinha cidade, notando-se Illmo. Sr. Prefeito e o Dr. André Negreiros. Discurso de recepção pelo Sr. Genesio Bôaventura; Recepção do Exmo. Arcebispo Primás com o discurso do Provisionado Durval Pinto. Anoite com a presença Exma Revdmo e com um sermão do Revdmo Sr. Cjo secretário do Arcebispado Eliseu Mendes celebrou-se a última novena preparatória. Pela manhã do dia 08 a missa do Exmo. Sr. Arcebispo e foi a de primeira comunhão de crianças, duzentas e tantas que executaram os cânticos da Missa. As 10h entrou a missa com a Assistência Pontificial e Acolita pelos sacerdotes (...). À tarde o Exma e Revdmo Sr. Arcebispo Primás distribuiu o sacramento da Confissão a setecentas pessoas. Seguiu-se a procissão de encerramento com prática pelo Vigário e benção do SS. Sacramento. (...). Para o brilhantismo desta festa, atendendo à missão, em tudo cooperaram IImo Sr. Prefeito e outras autoridades locais. O magnífico resultado de tudo deve-se ao esforço da Comissão, tendo à frente o Cel. Wercelêncio da Mota, D. Presidente, que distintamente hospedou o Exmo Sr. Arcebispo e outros membros visitantes. O tesoureiro das Festividades pode apresentar à comissão o seu trabalho bem controlado ao ponto de nada ter faltado ocorrer às despesas que atingiram ao total de oito contos de reis. A todos esses, o povo em geral e áqueles que aqui não foram citados mas merecem uma menção especial, fica neste livro do Tombo o agradecimento do Vigário. Tudo para maior Glória da Virgem SS. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição p. 31.)

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É interessante notar que esse movimento religioso adquire uma grande importância

para a população coiteense, envolvendo todos, desde simples participantes das celebrações até

ilustres autoridades políticas. Compreendendo assim outra dimensão da festa, a política, pois

seus benfeitores ganham prestígio e conseguem que as posições que assumem sejam

reforçadas ou até mesmo elevadas perante a sociedade. Aproveitando-se dessa realidade

muitos políticos da cidade tornavam-se presidentes da festa, participavam da comissão

organizadora, ajudavam financeiramente e assim conseguiam conquistar prestígio perante os

outros. Como é evidenciado no relato acima em que o presidente da festa o Sr. Wercelêncio

da Mota era um dos grandes líderes políticos do município. Estabelecendo-se, dessa forma

uma negociação entre as duas instituições.

Como exemplo dessa relação pode-se citar o relato do vigário paroquial padre Luiz

Bellepede em 08 de dezembro de 1970, na qual o novenário da festa foi realizado de forma

simples, sem a presença do bispo e com pouca participação dos fiéis devido à trágica morte do

prefeito, Dr. Pinheiro, que ganhou as eleições segundo o padre devido os serviços prestados a

comunidade. E encerra o relato apresentando o presidente da festa o Sr. Misael Ferreira que

na mesma década era vereador e pleiteava o cargo para ser sucessor de Dr. Pinheiro.

Mas é claro que essa relação não acontecia somente nas festas da padroeira, mas

reflete bem como eram estabelecidos os laços entre igreja e política em Conceição do Coité

antes de 1989, acontecia também outras práticas que evidenciam essa relação. Ao analisar os

documentos do Livro de Tombo pertencente à paróquia, precisamente nos relatos da década

de 70 percebe-se que aconteciam inúmeras relações entre os administradores municipais com

a instituição religiosa desde as missas em ação de graças à posse dos prefeitos e outras

autoridades políticas do município, como também do treinamento dos professores municipais

realizados pela paróquia. Além disso, apresentam vários relatos a respeito de visitas do

governador do Estado e de sua comitiva à cidade, que era acolhida pelo prefeito e geralmente

almoçavam com representantes religiosos que estavam presentes na casa do prefeito. Percebe-

se no relato abaixo que o pároco ao descrever a visita do governador, anuncia o futuro

governador da Bahia que era apoiado pelo então governador Luis Viana.

A visita do Sr. Governador Luis Viana Filho a Coité para a inauguração de obras da prefeitura. Fazia parte também de sua comitiva o futuro governador Antonio Carlos Magalhães e outros ilustres deputados. Às 13 horas a filarmônica seguida do povo se movimentava para encontrar os visitantes que vieram de Riachão. Junto ao cemitério o Sr. Prefeito, a câmara de vereadores e outras personalidades, com o Vigário e o seminarista, o povo atendia a chegada do ilustre chefe executivo da Bahia. Depois foram as salvas de palmas e foguetes acolhiam os ilustres hóspedes. O almoço foi na casa do prefeito que durou até ás 15:30horas. Todos se dirigiram para a inauguração (...). Depois da benção dada pelo vigário se foi para a tribuna onde falaram vários

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deputados enfim o futuro governador Antonio Carlos Magalhães. O Sr. Governador com sua comitiva se foram para Salvador. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, p. 75).

Parece insignificante essa mediação entre religião e política, mas ela ganha grande

conotação, pois como afirma Coutrot essa relação reside no fato de que as Igrejas são corpos

sociais e como tais, difundem um ensinamento que não se limita às ciências do sagrado, mas

tudo aquilo que cerca a vida do homem, sendo que a crença cristã se exprime no seio de um

regime leigo e de uma sociedade secularizada e descristianizada

No contexto da sociedade coiteense essa mediação apresentada por Coutrot ganha

grande destaque no cenário religioso dessa época, no que diz respeito aos seus dirigentes.

Evidenciando a presença de inúmeros padres que participaram efetivamente nos assuntos

políticos, que para muitos não tem nada haver com o religioso, desde a simples

“reprodutores” do poder dominante local ou pleiteando algum cargo político.

Essa participação política dos membros católicos do município de Conceição do Coité,

Vanilson Oliveira constata que essa participação fica evidente ao longo da história política do

município, apresentando essa atuação em seu livro Conceição do Coité e os Sertões dos

Tocos.

O padre Francisco de Souza Madureira é um deles. Assim que chegou em 1869, vindo da Vila de Jerquiriçal (BA), fez bastante amizade com os paroquianos tornando-se: conselheiro municipal (vereador), intendente (prefeito). Outro padre que despontou na política estadual foi Urbano Galrão Dhon, soteropolitano, descendente de italiano. Chegou em 1937 e tratou logo de fazer boas amizades, principalmente com o Wercelêncio Mota, ‘velha rapousa’ da política coiteense, rendendo-lhe bons frutos. (OLIVEIRA, 2002, p. 90).

Sobre essa candidatura do padre Urbano Galdão Dhon, Vanilson Oliveira, comenta

que o mesmo se lança candidato a deputado estadual pelo PSD (Partido Social Democrático)

nas eleições gerais da Bahia em 1954, mas teve que enfrentar a postura negativa da Diocese e

do Vaticano para autorizá-lo a pleitear esse cargo público no legislativo, mas apesar disso ele

continuou no pleito e conseguiu ser eleito pela população coiteense, essa que, segundo ele

realizou várias manifestações a favor da sua candidatura.

A prova da simpatia do povo à causa foi atestada na votação no partido majoritário, apesar do vigário nunca ter feito um comício pela sua candidatura, nem nunca ter feito, em qualquer Templo ou ato religioso a menor referencia ao assunto. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p.51).

Porém mesmo tendo ganhado a eleição ele continuou seus trabalhos pastorais na

comunidade, vivenciava a ameaça de suspensão da sua ordem e afastamento da Igreja se

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assumisse o cargo de deputado. E assim aconteceu, após sua ida para a capital a pedido do

governador eleito, Antônio Balbino, para tomar posse do cargo, pois o mesmo havia

conseguido a autorização com o Arcebispo da Bahia, D. Augusto Álvaro Cardeal da

Silva,para que ele pudesse assumir o cargo na Assembleia Legislativa da Bahia, Todavia

durante a Semana Santa do ano de 1955 recebeu sua suspensão e soube da nomeação do

vigário que iria lhe substituir, o padre João Gomes. Ao saber da notícia o padre Urbano logo

providenciou os mecanismos para transferência da paróquia, questão das dívidas, livros de

registros, passando para as mãos de paroquianos de sua confiança e sobre protesto aceita tal

decisão da Igreja.

Urbano, imediatamente, envia vários telegramas ao Cardeal da Silva e não obtém respostas. Desiludido, entrega a paróquia sob forte protesto e passa a morar em Salvador, vindo nos fins de semana a Coité, rever os paroquianos e auxiliar os padres nas missas. Cumpre o seu mandato até o fim. Na eleição seguinte, candidata-se a deputado federal, não obtendo êxito. Desiludido, abandona a política partidária; casa-se com uma baiana e vai morar no Rio de Janeiro e falece por lá. (OLIVEIRA, 2002, p. 90).

Outro padre que teve envolvimento com a política partidária foi o padre Antonio

Tarashi, mas diferente do Pe. Urbano que se lançou a candidato, Tarashi se desentende com

Evódio Resedá, membro do PR (Partido Republicano) e que disputou a prefeitura em 1963,

no ano em que Tarashi chegou à cidade e fez o seguinte comentário em 1965.

Desde a minha chegada nessa freguesia, notei que o povo esta dividido em dois partidos: o PR , a maioria desse partido constitui o povo mau da cidade, inclusive os marçons pertencem a esse partido, e o PSD que representa o povo bêm dessa cidade. O PR, povo sagais , se apodera dos pontos chaves da cidade como: ginásio, correio, clube, cooperativa, delegacia de policia, da companhia telefônica e etc. para torna-los instrumentos políticos, mas nunca conseguiu ganhar a Prefeitura, apesar que luta com todos os meios, inclusive a violência durante a política, a mais de trinta anos. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 68)

O padre Antonio Tarashi ensinava no colégio Wercelêncio Calixto Mota, e se tornou

diretor provisório, substituindo o diretor que estava em lua de mel. E ao saber que a

professora Maria Mota havia fugido com um fotografo já casado na Igreja e ao seu retorno

para o município estava casado com o mesmo no civil, o padre e alguns professores

solicitaram ao senhor Evódio Resedá que era presidente local da Companhia Nacional de

Educação Comunitária (CENEC) demitisse a mesma, o que não aconteceu. Diante disso, o

padre e outros clérigos que ensinavam na mesma escola, juntamente com diretor o advogado

Antonio Paraguassu e quatro professoras pedem demissão de seus cargos. E o padre cria outro

colégio denominado Santa Teresinha.

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Os alunos do ginásio fizeram greve e passeatas pelas ruas da cidade, com faixas, pedido a volta, dos padres no ginásio, o povo em geral queria o afastamento da funcionária Maria Mota e a volta dos padres ao ginásio mas os chefes do PR reunidos queriam a saída do vigário da freguesia, achando que eu pudesse, na política ir contra eles, o PR. (Livro de Tombo da Paroquia Nossa Senhora da Conceição, p. 68)

Mas além desse episódio, o padre Tarashi relata no Livro de Tombo que fora

processado pelos membros do PR, em 1966, por rapto de crianças, segundo o vigário, por

motivo de vingança, queriam “desmoralizar o padre e expulsá-lo da cidade”, o povo ao saber

do processo se revoltou contra os envolvidos que ao perceberem a atitude da população

abandonaram o processo.

Oliveira, retrata que essa participação política desses padres estava marcada pelo

cenário da política do município que era comandada pelas “oligarquias locais, lideradas por

Wercelêncio Mota e Eustórgio Resedá”9, na qual revezavam no poder na indicação de

qualquer candidato “independente do partido, ou do índice de rejeição, para que a pessoa

fosse eleita”10. Assim como afirma Leal, em Coronelismo, enxada e voto, a política local no

Brasil, foi sempre primordialmente poder privado e não-democrático, poder dos potentados

locais, na qual quem o assegurava eram as classes dominantes, que tornava afirmador dos

privilégios e interesses coletivos das elites.

Segundo René Dreifuss logo após o Brasil se tornar República, a política local ainda

continuava sendo uma “coisa privada” em que as elites dirigentes tanto nos centros urbanos

ou vilarejos absorveram os elementos políticos e econômicos da estrutura anterior.

A administração regional e nacional tornou-se patrimônio de setores econômicos, profissionais, político-partidários e militares, todos eles pertencentes a este particular e excludente clube civil dominante que se coloca como ordenadora do estado de coisas e como dirigente das coisas públicas. (DREIFUSS, 1989, p.15).

Dessa forma, a relação que essas classes dominantes estabelecem com as camadas

subordinadas se manifestou dentro dessa política local sob a visão de clientela, as classes

subalternas não se viram “representadas sob o arcabouço institucional político e normativo

plural da sociedade ampla, mas foram reunidas retoricamente na base da manipulação” que

indica uma relação que envolvem consentimento de benefícios públicos, como empregos,

benefícios sociais em troca de apoio político, especialmente o voto.

9. OLIVEIRA. Vanilson Lopes. Conceição do Coité: Os sertões dos Tocos. Conceição do Coité: Clip Serviços Gráficos, 2002.p. 76 10 Ibidem. p. 76

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Em Conceição do Coité, como afirma Oliveira esse clientelismo era feito

disfarçadamente pela política dos coronéis: João Amâncio, Wercelêncio, Eustórgio Resedá e

muitos outros, e, também pelo comerciante Teócrito Calixto “que doava uma gravata, um

sapato, ou uma meia, para quem voltasse nele”. Sendo que esse clientelismo e

assistencialismo se deliberaram a partir dos anos 70, em que, muitos políticos para conseguir

seus objetivos saiam prestando assistência social à população.

Francisco de Assis Alves dos Santos em Na mira dos coronéis, analisa o cenário

político de Conceição do Coité nas últimas décadas do século XX, retratando os discursos e

os atos de chefes políticos locais, grandes empresários do sisal, Hamilton Rios de Araújo

(Mitinho) e Misael Ferreira que iniciaram ambos suas carreiras políticas pela ARENA em

1972, com características do velho coronelismo. Destacando a ação de Hamilton Rios grande

líder do grupo político dominante e por fazer inúmeros herdeiros políticos. Como também, o

seu sobrinho Ewerton Rios de Araújo Filho (Vertinho) - PFL/PPB.

Hamilton Rios governou Conceição do Coité durante dez anos, seu sobrinho, Ewerton Rios, ficou no poder a oito anos (atualmente cumpre seu terceiro mandato – grifo meu), e agora seu filho Welington (Tom), ao completar a maioridade foi designado candidato a prefeito para as eleições de 2000. Isso ilustra perfeitamente uma monarquia absoluta. (SANTOS, 2002, p. 34).

E este domínio de Hamilton Rios não se resumia apenas às questões administrativas

do executivo e legislativo, mas se estendia a outros campos da vida da população como as

instâncias religiosas e a própria influência no imaginário das pessoas que ainda mantinham

uma relação de interdependência com os políticos.

A igreja local muitas vezes acentuava essa condição dos dominados, na medida em

que a mesma se relacionava nesse círculo de clientela com esses poderes políticos, e quando

recebia donativos sejam financeiros ou materiais dos mesmos, o que a colocava numa posição

de subserviência e não de contestação, visto que a mesma reproduzia e ampliava tais práticas.

É preciso destacar que essa intervenção religiosa na política aqui pesquisada tem como peças

centrais as autoridades religiosas que como afirma Coutrot têm uma grande influência

política, sendo que a influência especifica dos fieis não é tão fácil de perceber.

Vale ressaltar que na década de 60 a Igreja Católica vivenciou um novo paradigma sob

influência do Concílio Vaticano II que provocou grandes transformações no seio da Igreja,

tanto no campo conceitual e teológico, mas acima de tudo, na maneira de evangelizar. Foi

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através desse Concílio convocado pelo papa João XXIII11, iniciado em 08/11/1962, que

introduziu dentro do seio da instituição uma abertura para as questões sociais vigentes na

sociedade que ela está inserida.

A convocação desse Concílio promovida por João XXIII segue dentro de profundos

acontecimentos mundiais. O mundo vivia sob a realidade do pós-II Guerra Mundial e estava

marcado pela Guerra Fria, neste contexto a América Latina estava situada, numa série de

instalação de regimes militares que cometiam diversas atrocidades a grupos sociais - inclusive

a própria Igreja latino-americana - que fizessem resistência à ideologia estabelecida pelo

sistema.

João XXIII averiguando essa realidade de conflitos declara na “Humanae Salutis”12

A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge uma era nova, obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja como nas épocas mais trágicas da sua história [...] E daí a elaboração da sua doutrina social referente a família, a escola, ao trabalho, a sociedade civil e a todos os problemas conexos, que elevam a um altíssimo prestígio o seu magistério como a voz mais autorizada, interprete e propugnadora da ordem moral, reinvindicadora dos direitos e dos deveres de todos os seres humanos e de todas as comunidades políticas (JOÃO XXIII, 1961)

Os documentos elaborados durante o Concílio Ecumênico Vaticano II analisam as

profundas transformações ocorridas nessas décadas e revela que há um aumento na

consciência em favor das minorias, como também, condenam os regimes governamentais que

utilizam do exercício da autoridade em benefício de seus próprios interesses ameaçando o

bem comum13. Frei Betto argumenta que o Concílio Ecumênico Vaticano II e a Conferência

Episcopal de Medellín14 foram os prenúncios de uma Igreja convertida às suas origens,

enfatizando que na América Latina, a religião cristã não seria mais o “ópio do povo e o ócio

da burguesia. Seria, sim, sinal de contradição, pedra de escândalo, fogo que queima e alumia

espada que divide” 15.

No Brasil a ação política da Igreja Católica se acentua durante a década de 60, pois

apesar da repressão militar contra forças opositoras ao regime a instituição teve voz ativa no

11 Seu nome de batismo foi Angelo Giuseppe, natural da Itália, assumiu o pontificado em 1958 tendo fim em 1963 devido a sua morte. 12 CF. JOÃO XXIII. Humane Salutis, carta apostólica de convocação ao Concílio Ecumênico Vaticano II, 25 de dezembro/1961. 13 Ver o Catecismo da Igreja Católica. Capitulo IV. 14 Foi uma reunião que congregou todos os bispos dos países latino-americanos e do Caribe, que aconteceu na Colômbia com o propósito de acolher as orientações do Concilio Vaticano II inserindo-as de maneira prática na dinâmica própria do continente. 15 CF. BETTO, Frei. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 61.

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período. Frei Betto, aponta que diversos sacerdotes e intelectuais marxistas se aliavam na luta

a favor dos menos favorecidos e contra a repressão que o regime realizava nos movimentos

populares denominados por eles de comunistas. Nesse período verifica-se segundo Lowy, a

atuação de vários cristãos em movimentos sociais, tais como associações, sindicatos, partidos

políticos, movimentos estudantis e organizações revolucionárias, como também nas

comunidades eclesiais de base (CEB’s) ações que vieram a se desenvolver com legitimidade a

partir da Teologia da Libertação em 1971.

Gustavo Gutierrez, no livro Teologia da Libertação chama a atenção para a nova

postura que a Igreja Católica da América Latina adotou principalmente após o Concilio

Ecumênico Vaticano II e a Conferência de Medellín onde a Igreja “percebe com realismo o

mundo e vê-se a si mesma com maior lucidez”. Onde esta se apresenta como observadora das

desigualdades e disposta a acabar ou suavizar os conflitos mundiais. O autor faz referência à

citação de Thomas G. Sanders onde aponta a Igreja como sendo a instituição que mais está

mudando na América Latina, contudo Gutierrez salienta que a Igreja apresenta-se dividida em

relação ao que ele chama de “processo de libertação”.

Em Conceição do Coité essas novas concepções adotadas pela Igreja Católica, não

teve grande repercussão de imediato, visto que não se tem registros dessa ação política

promovida pela Igreja. Os párocos que administravam a paróquia nesse período não fizeram

nenhuma referência, especificamente no Livro de Tombo, acerca do Vaticano II nem da ação

política dos clérigos frente à ação dos militares. Quem registra timidamente essa nova

concepção política da Igreja Católica no município foi o jornal Tribuna Coiteense retratando a

Teologia da Libertação e a opção preferencial da Igreja pelos pobres proclamada na

Conferencia de Medelín.

Os bispos latino-americanos reunidos no México disseram que esta pobreza não é uma etapa casual, mas o produto de determinadas ‘situações e estruturas’. Segundo os valores evangélicos, a divisão entre ricos e pobres não é querida por Deus. Ele quer irmãos e irmãs que vivam relações justas e igualitárias. Por isso, precisamos mudar a sociedade. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano IX, nº 46, 28 de abril de 1989, p. 2).

Porém, na sede da Diocese a qual a Paróquia de Conceição do Coité estava inserida,

em Feira de Santana, as propostas do Vaticano II foram bem mais percebidas devido à ação de

alguns clérigos e leigos, apesar de ter enfrentado alguns setores da mesma instituição, como

relata Lívia Resende em seu trabalho As novas concepções do clero feirense diante das

inovações do Vaticano II (1964-1980), a autora destaca que essas novas concepções dentro da

Igreja de Feira de Santana, foram trazidas principalmente pelos padres estrangeiros que

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viviam na cidade na época em estudo, muitos deles espanhóis, e possuía um discurso mais

popular, uma postura de ajudar as comunidades a defender e reivindicar os seus direitos.

Influenciados pela corrente teológica libertária difundiam essas concepções junto ao povo, e

ao mesmo tempo criavam espaços para o protagonismo dos leigos, idéias defendidas pelo

Concílio Vaticano II.

Mas apesar dessa atuação, Resende, deixa claro que muitos padres sofreram

retaliações por parte de setores da sociedade que os consideravam comunistas ou até mesmo

de setores mais conservadores da hierarquia religiosa de Feira, que não aceitavam ou não se

adaptaram as tais concepções. Como exemplo, cita a atuação do padre Albertino Carneiro, um

importante organizador e militante dessas novas tendências da Igreja Católica, e registra um

comentário seu a respeito dessa ação conservadora do clero da diocese de Feira de Santana.

Para o padre Albertino Carneiro, o Concílio o influenciou muito e também, a outros padres, um deles foi expulso, do Brasil, o padre José (ele não se lembrou do sobrenome), que era italiano e depois transferido para o Ceará por que achavam que o bispo daqui não dava muita cobertura para a renovação, chegou lá depois de cinco anos, ele foi para a comunidade, e quando voltou para Feira de Santana não o deixaram ficar. (RESENDE, 2008, p.31).

Resende destaca também que além da participação de padres nesse processo, muitos

leigos estavam presentes e divulgavam dentro da igreja essas novas concepções.

Principalmente influenciados pela Teologia da Libertação e pela ação de inúmeros católicos

que estavam atuando contra o regime militar instaurado no Brasil na década de 60,

percebendo que em Feira de Santana, esses membros possuíam um histórico de envolvimento

com os movimentos sociais, muitos deles professores e que tinham uma profunda participação

na vida da comunidade religiosa. Esses leigos, segundo Resende, estavam sempre apoiando de

uma forma ou de outra a luta contra o sistema capitalista de exclusão social, e a todo instante

estavam participando dos movimentos sociais católicos que surgiram no país nesse período, e

especificamente em Feira de Santana colaboraram juntamente com alguns padres para a

criação do Movimento de Organização Comunitária (MOC), sendo que seu fundador foi o

padre Albertino Carneiro, e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s), sempre tendo como

base teórica desses movimentos a Teologia da Libertação e os documentos do Vaticano II.

Entretanto em Conceição do Coité essas novas concepções que estavam sendo

vivenciadas pelo clero de Feira de Santana, não foram plenamente vivenciadas no município,

visto que a administração paroquial antes de 1989 ainda assumia uma postura de

subserviência com o poder local. Durante a administração paroquial de padre José Reis, que

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assumiu a paróquia no dia 13 de dezembro do ano de 1973, a prefeitura mantinha uma ligação

com a paróquia no que diz respeito às questões financeiras, como por exemplo, através de

pagamentos dos funcionários paroquiais. Em troca, numa relação de reciprocidade, o prefeito

e seus familiares possuíam algumas regalias na instituição religiosa.

Até junho de 1989, a Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité passava por momentos conturbados, que iam da fantasia, da necessidade de “aparecer”, do muito realizar sem objetivos concretos, até o comprometimento com grupos políticos que impuseram uma dependência estrutural, funcional e financeira, passando a Prefeitura Municipal a custear quase todos os encargos que acreditamos ser da responsabilidade da administração paroquial. Funcionárias da Secretária Paroquial, doméstica, luz, água e outras despesas passaram a fazer parte do passivo do poder público Municipal. Até aquela data, nunca tomamos conhecimento de balancetes que justificassem receitas e despesas de nossa paróquia. Até mesmo um automóvel que a paróquia possuía, não se sabe que fim levou ... existia a paróquia subserviente a um grupo político, que por não encontrarem o mesmo espaço com Pe. Luiz Rodrigues de Oliveira, desencadearam uma campanha de difamação: calúnias e falsos testemunhos diante da hierarquia diocesana. (Carta do Conselho Paroquial em 23 de março de 1996).

Segundo o depoimento oral de um dos leigos atuante na época em estudo, o Sr. Nilson

Silva Carneiro, popularmente conhecido como o Sr. Nilson, foi um dos responsáveis pela

criação das comunidades eclesiais na zona rural e atualmente com 60 anos de idade é

funcionário da paróquia. Mas nesse período do estudo era apenas um autônomo, sendo

convidado pelo padre José Reis a dinamizar a paróquia auxiliando as comunidades da zona

rural. Afirma que na época que o padre Reis chegou a Coité a paróquia era muito precária, as

condições da casa paroquial eram horríveis e que o mesmo enfrentou muita resistência de

alguns paroquianos pela saída do antigo padre, Nicola, chegando ao ponto de algumas pessoas

retirarem toda a comida da casa paroquial.

Sr. Nilson comenta que nesse período quem sustentava a paróquia era a prefeitura,

pois ela mesma não reunia condições de uma auto-sustentação, o padre até tentou criar o

dizimo, mas poucas pessoas tornaram-se dizimistas. A secretária paroquial era uma

funcionária da prefeitura, as reformas da casa paroquial, conta de luz, água em geral todas as

despesas era a administração local que sustentava.

Quando o prefeito era eleito, o prefeito porque ajudava muito a paróquia, contribuía com alguma coisa, mandava e ele ficava sem vez, em me lembro que uma certa vez tinha um curso de pais e padrinhos (...) e diversas pessoas que participavam do grupo político era isentas não precisava tomar o curso de pais e padrinhos onde umas pessoas criticavam o padre Reis e falava que não gostava dessas atitudes. E ai continuou quando, por exemplo, quando tomavam posse a igreja era enfeitada de flores, de faixas, de ‘vermelhou’ de grupo tal e ele fazia com toda a felicidade como que nem tava se lixando pras pessoas que não gostavam de tais atitudes, né, mas tinha um grupo que se afastava que não gostava disso que era católico que acompanhava todos os movimentos da igreja, mas que nesses momentos não participava,a gente

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ficava de fora. Por exemplo teve uma época que teve uma procissão do senhor morto que o povo desfilava e que depois ele veio mudar, que criou uma antipatia na comunidade, os próprios grupos dele, o próprio grupo do prefeito achou ruim começou a falar, mas foi tirado também essa procissão do senhor morto (...) e o prefeito na época quando chegava pra participar, ele parava o evento e mandava o povo ter a atenção parabenizando a chegada do tal prefeito que tava chegando. Essas coisas assim, deixava a gente meio triste, mas a gente continuava com o trabalho, por exemplo eu, Arivaldo e outras pessoas que sempre a gente aderia a essa linha da libertação a gente queria o bem pra todos e a gente percebia que a carência na zona rural e nas periferias era demais, era fome, era desemprego, e aí, as pessoas que eram paparicadas por eles tinham benefícios, mas quem não era ligado passava dificuldades não tinha escola, não tinha nada. (CARNEIRO. Entrevista concedida em 18 de set. 2009).

Apesar, dessa dependência “estrutural, funcional e financeira” que a paróquia

vivenciava com a administração municipal, evidencia-se nos documentos pertencentes ao

arquivo paroquial que durante a administração do Pe. José Reis foram realizadas algumas

mudanças que dinamizaram a comunidade religiosa. Tais como a formação dos leigos,

despertando a descoberta de novas lideranças para a ação pastoral, estruturação de pastorais

importantes para a paróquia, como também, iniciou a formação das Comunidades Eclesiais de

Base (CEB`s) na sede e nas zonas rurais do município, essas comunidades que foram

incentivadas pelo Vaticano II e que tiveram importante papel para a redemocratização do país.

Sr. Nilson comenta que as comunidades da zona rural começaram a serem atendidas

com a chegada do padre Reis, que era muito organizado e dinâmico, antes essas comunidades

não tinham uma profunda participação de se reunirem, celebrarem a Palavra. Com a

motivação do padre Reis e a ajuda de alguns leigos, inclusive ele, começaram a serem

fundadas as Comunidades Eclesiais de Base, que freqüentemente motivava a participação dos

fiéis nas Celebrações da Palavra, que animavam a vida das comunidades. Ele afirma que

devido a essa animação que agregou a muitos e dinamizou a paróquia, os políticos começaram

a procurar o padre Reis, que era muito animado.

Com o incentivo dessas comunidades criadas na paróquia, o Sr. Nilson comenta que

em uma dessas suas visitas à zona rural deu assistência a uma jovem do açude de aroeira16 que

fora vítima de uma violência sexual, quando saia da escola a caminho da sua casa que situava

em um povoado distante, visto que existiam poucas escolas na zona rural naquela época e

muitos estudantes iam para a escola em “paus de arara”, o que provocou grande insatisfação

na comunidade, que mobilizou junto com as demais um protesto pela falta de atenção dos

poderes públicos para esses habitantes da zona rural. Com esse movimento, as comunidades

convidaram para uma reunião o prefeito, Hamilton Rios e o secretário de educação para

16 Povoado do município ligado ao Distrito de Aroeira

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resolver esse problema e assim conquistaram a criação de inúmeras escolas nessas zonas com

o apoio do município e do governo do Estado, como a Duque de Caxias e a Pe. José Antonio

dos Reis.

Reivindicamos juntos em comunidade nessa linha da libertação, eu acredito que a nossa fé não foi só ligada no que o padre fala, no que o padre diz, cada um tem sua meta, nos obedecemos a Igreja, mas também nos temos a nossa linha de caminharmos juntos pelo bem pela vida de uma comunidade, e aí nos conseguimos com esse movimento. Pe. Reis, ele era uma pessoa simpática, todos gostavam dele (...) inclusive teve um período que ele me disse que eu tinha muita razão, porque ele disse que pelas atitudes de tais pessoas que já governavam a prefeitura e o Estado na época, ele disse que (...) devíamos andar com máscara de tanta podridão que essas pessoas tinham. Então ele já começou a perceber que às vezes ele ‘puxava saco’, ele beneficiava, atendia a esses pedidos de políticos, como pagando a secretaria, pagando a luz da igreja e a casa paroquial, esse assistencialismo (...) com reforma da casa paroquial e alguma coisa mais era pra beneficiar o grupo político, mais aí a gente percebia que também ele tinha suas angustias. (CARNEIRO. Entrevista concedida em 18 de set. 2009).

Ivo Lesbaupin, em seu artigo Comunidades de Base e ação social, analisa a atuação de

cristãos reunidos nessas comunidades de base da Igreja Católica situados no Rio de Janeiro e

em Minas Gerais. Defende que elas foram, no período mais repressivo, um espaço de debate

e reflexão dos problemas sociais, visto que ao mesmo tempo em que exprimiam a sua fé

tomavam consciência da situação social.

Elas permitiram assim o desenvolvimento de uma consciência crítica nos meios populares que elas atingiram, o que as levou, pouco a pouco, a se mobilizarem para atingirem seus objetivos e defenderem seus direitos.(LESBAUPIN, 2005, p.180).

Em Movimento Nacional de Fé e Política, Luci Faria Pinheiro, faz uma análise da

participação dos católicos nas lutas sociais engrenadas desde mobilização social contra a

ditadura da década de 60, como também da formação e aprofundamento da esquerda no

Brasil, a partir dos anos 80, no qual contestaram as desigualdades sociais no continente latino-

americano provocado pela lógica capitalista. A autora argumenta que na medida em que os

cristãos passavam a reivindicar um lugar do religioso na política é que se revelava a ação dos

militantes e o descontentamento ético em relação aos governos, afirmando o seguinte:

No começo dos anos 60, com a radicalização da JUC e a conseqüente fundação da Ação Popular, tem início uma prática que será sistematizada em forma de uma teologia da libertação. Essa será disseminada a partir do apoio da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil, na década de 70; a partir da Conferencia dos bispos-latinos, em Medellín em resposta às recomendações do Concílio Vaticano II, realizado por João XXIII na década anterior. A base de toda a inversão operada pela militância cristã de esquerda será a indignação diante do aumento das desigualdades sociais no continente latino-americano, provocado pelo aprofundamento da lógica capitalista. Se antes a Igreja reconhecia, mas não combatia as desigualdades sociais, a partir de então, torna-

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se co-promotora da organização popular e passa a denunciar a usurpação do poder econômico e político. (PINHEIRO, 2005, p. 93)

Nesse contexto, Vanildo Luiz Zugno, descreve a partir de sua percepção a atuação da

Igreja Católica com a realidade política brasileira do século XX através dos movimentos

populares, pastorais sociais, conselhos de pastorais e das CEB’s, presente em seu artigo

Igreja, política e ação evangelizadora. Caracteriza essa atuação como sendo um espaço de

luta pela reconstrução das relações democráticas e na transformação das relações sociais na

busca de uma sociedade mais justa.

Um fato importante nesse período marcado pela negociação entre os dois poderes foi

um momento de conflito entre ambos no ano de 1987 em que envolveu diretamente o

representante religioso e a comunidade eclesial, pois defendia os interesses religiosos da

esfera local e que teve grande repercussão na sociedade coiteense. O padre Reis convocou

toda a população católica para irem às ruas e à Câmara Municipal pressionar os vereadores

para aprovarem um Projeto de Lei apresentado pelo vereador Diovando Carneiro Cunha

(Vando) que autorizava o prefeito municipal modificar e fixar a data da Festa Momesca –

Micareme - desta cidade para sábado após o Domingo de Páscoa. Isto porque tal festa era

realizada durante a Semana Santa, precisamente no Sábado de Aleluia, o que prejudicava as

celebrações litúrgicas da entidade durante a semana e no dia, visto que muitos se preparavam

para tal festejo e não participavam da celebração religiosa. Tal ação dividiu muito a opinião

da população visto que o calendário da festa já fazia parte da tradição popular da cidade.

A festa de micareme teve inicio no ano de 1923, segundo relata Marielza Carneiro. No sábado de Aleluia, tudo mudava. A alegria começava às dez horas da manha, porque era nesse horário que rompia a Aleluia com repicar do sino, foguetes, cânticos festivos e Missa solene. As crianças colocavam uma vasilha, (geralmente uma bacia) com água, para verem ‘o sol brigar com a lua’. Os mascarados, que tinham o nome de caretas, tomavam conta das ruas, enquanto cavaleiros com seus cavalos esquipadores desfilavam engalanados. (OLIVEIRA, 2002, p. 53)

O Sr. Nilson comenta que muitas pessoas não gostaram da atitude da Igreja local em

mudar a data da festa, e menciona que numa caminhada que o padre Reis havia organizado

com as CEB´s para pressionarem a Câmara Municipal e a Prefeitura, foi alvo de muita

repressão por parte da população, em que o mesmo recebeu uma pedrada que atingiu sua

boca, ele comenta que não tem a certeza se foi para o padre ou para ele, mas como ele estava

ao lado do padre acabou sendo atingido.

Oliveira destaca que em meio às pressões da Igreja os vereadores acabaram aprovando

a lei, sendo que as sessões para a aprovação de tal projeto foram todas tumultuadas, “pois

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parte da população queria mudança, chegando a entrar em atritos com alguns membros da

Igreja.” 17

Esse assunto foi bastante polêmico dentro da sociedade coiteense, pois dividiu a

opinião da população. Como se percebe nos relatos acima, o projeto conseguiu ser aprovado,

mas não conseguiu minimizar as posições contrárias que sempre anunciavam elaborar um ate-

projeto para conseguir restabelecer a festividade para a semana santa, visto que era uma

grande manifestação da cultura popular do município, uma grande tradição.

No ano de 1989, a então vereadora Elia Cirino, tentava lançar um anteprojeto para que

a micareme voltasse a acontecer na semana santa, na data tradicional, devido a mesma ser

procurada pela população que exigiam tal projeto, numa entrevista ao Jornal Tribuna

Coiteense, ela relata sobre o assunto:

Lembro-me muito bem que o padre Antonio Tarashi sempre nos dizia que o Micareme de Coité era numa época certa, pois caia na data da ressurreição de Cristo e isto era um motivo de alegria. Por que contrariar o povo com uma festa que não chega a descaracterizar a Semana Santa? Não adianta com sermões mim atacar, pois não é do meu feitio ceder pressões religiosas. Tenho toda a admiração pela religião Católica, a qual pertenço, entretanto, acho que a Igreja deve assumir outras posições que é a de sair dos altares e pregar consciências de distribuir socialmente o pão. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano IX, nº 46, 28 de abril de 1989, p. 2).

Apesar do Pe. Reis ter conseguido animar e estruturar as comunidades eclesiais de base

da zona rural dinamizando a paróquia, ele não conseguiu romper com os laços que mantinham

a mesma com os chefes políticos, sendo que o próprio contribuiu para que tais envolvimentos

fossem fortalecidos na medida em que ele se relacionava nesse círculo de clientela, na troca

de favores. Como exemplo, Sr. Nilson comenta que existia uma grande devoção popular no

município a São Roque sendo coordenado pelo Dr. Pinheiro, que era do partido da oposição,

que não recebia nenhuma ajuda do pároco e que o mesmo se recusava a celebrar tais festejos,

pelo fato de Dr. Pinheiro não ser ligado ao grupo político hegemônico na cidade.

Porém essa relação de clientela entre Igreja e o governo municipal será rompida com a

posse do novo pároco em 30 de julho de 1989, o padre Luis Rodrigues Oliveira que adota

outro modelo de ação pastoral, lutando pelo fim da dependência que a paróquia estabelecia

com a administração pública e na defesa de seus ideais denuncia as irregularidades da

administração municipal.

Por adotar essa postura diferente do antigo padre, essa intervenção na esfera política

partidária, foi alvo de alguns processos e hostilidades pelos chefes locais. Finalizando assim

17OLIVEIRA, Vanilson Lopes. Conceição do Coité : Os Sertões dos Tocós. Conceição do Coité: Clip Serviços Gráficos, 2002. p. 53.

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os “Bons Tempos” em que padres e políticos dividiam os mesmos altares, no qual, os

costumes entre as duas instituições eram fortalecidos. Mas este assunto será discutido nos

próximos capítulos.

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CAPÍTULO II

“Um mundo, uma revolução na minha cabeça” 18

“Duas coisas marcaram minha personalidade; o homem do campo,

padre, do interior, analfabeto essa é minha origem, esses são meus pais;

depois o respeito, a civilidade, a educação, eu cresci no meio

universitário, trabalhei dez anos na UFBA, no setor mais elevado, de

pós-graduação como funcionário e sempre lidei com pessoas altas, de

alto nível intelectual, embora eu não seja, mas sempre lidei, estudei em

escolas européias, convivi com gente de todos os níveis, isso para mim

foi muito marcante, embora minha origem seja lá de baixo, sempre vivi

me relacionando com gente de alta, então, (... ) tratamento, senso de

respeito e civilidade, não de melhor e nem de subserviência, é de

civilidade, daí essa civilidade precisa ser respeitada e preservada.”

(OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set,2009).

18 Entrevista realizada com Pe. Luiz Rodrigues Oliveira em 19 de setembro de 2009

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Em 30 de julho de 1989 foi proferida a nomeação do Pe. Luiz Rodrigues Oliveira para

os fiéis presentes na missa de posse do novo pároco na igreja matriz da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité, presidida pelo bispo diocesano D. Silvério Albuquerque e

tendo a presença de alguns padres da região e população local, além da participação dos seus

antigos paroquianos da Paróquia de São Pedro da cidade de Salvador. Sendo que toda a

celebração foi transmitida pela Rádio Sisal.19

Encerrada a celebração o novo pároco dirigiu a sua primeira saudação oficial aos seus paroquianos dizendo-se irmão e companheiro, aberto a todos, na meia idade de quem não é moço e ainda não se sente velho, afeito aos contatos e convivência com as pessoas, desde a Universidade de Santo Tomás de Aquino no Colégio Angélico de Roma. Teve palavras de carinho ao seu antecessor, no paroquiano prometendo dirigir-se a todos com o Evangelho nas mãos e no coração reincontrando as suas origens sertanejas. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p.82).

Pe. Luiz Rodrigues foi o primeiro pároco da Diocese de Feira de Santana da paróquia

de Coité, estava sendo enviado pelo próprio bispo da Diocese, até então seus antecessores

pertenciam a uma congregação religiosa, os Vocacionistas20, que há muito tempo

administravam a paróquia, mas não estavam totalmente ligados com as orientações

diocesanas, certo que havia uma obediência ao bispo diocesano. Visto que a igreja local

estava sob a jurisdição da mesma e anualmente o mesmo realiza visitas pastorais para saber os

rumos da paróquia.

Mas antes de analisar o período que o padre Luiz vivenciou nesta cidade, em que

trouxe inúmeras mudanças e “viabilizou um projeto de evangelização sob as orientações da

Diocese de Feira de Santana e da CNBB” 21, é interessante conhecer um pouco da sua origem,

seu processo formativo e suas experiências pastorais, para podermos compreender melhor

todo esse processo de mudança vivenciado pela instituição religiosa local. Na qual, rompeu

com o modelo pastoral anterior e se tornou peça central para a alteração nas relações políticas,

proporcionando transformações a nível político e social e que contribuiu na formação de uma

nova concepção política no meio dessa comunidade. As informações aqui relatadas sobre a

vida do Pe. Luiz Rodrigues Oliveira foram fornecidas pelo próprio numa entrevista aberta que

fora realizada no dia 19 de setembro de 2009.

Luiz Rodrigues nasceu na zona rural do município de São Gonçalo dos Campos,

distante 108 km da capital da Bahia, no dia 20 de julho de 1948, filho de pai vaqueiro e mãe

19 Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 82 20

Congregação Religiosa Masculina fundada por Padre Justino Russolillo em 1920, comunidade da Sociedade das Divinas Vocações , que depois se tornou conhecida como "Padres Vocacionistas". 21 Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 86

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doméstica. Cresceu no seio dessa família humilde e desde cedo se tornou trabalhador rural

para ajudar sua mãe devido à morte de seu pai quando, o mesmo tinha oito anos de idade. Aos

12 anos mudou-se para Feira de Santana para trabalhar, e conseguiu um emprego num bar, “às

5 horas da manhã, já estava abrindo a porta do bar”, uma experiência que marcou muito a sua

vida. Aos 18 anos, conseguiu o primeiro emprego de carteira assinada e na mesma época se

preparou para o exame de admissão para o ginásio. Mesmo passando, não conseguiu estudar

devido às poucas vagas que existiam em Feira de Santana, que naquela época havia apenas

um ginásio público e outro particular, o Santanópolis, pertencente ao Deputado Lauro Filho,

que para ele estudar deveria receber uma bolsa de estudos, pois não possuía condições de seus

pais pagarem as mensalidades.

Ficou muito tempo sem estudar retomando em 1963 quando o prefeito Francisco Pinto

construiu o ginásio municipal. Assim participou da primeira turma desse ginásio do turno

noturno e finalizou os estudos em Salvador, no Instituto Central de Educação Isaias Alves,

pois acompanhou seu irmão que havia casado e foi morar na capital da Bahia há procura de

emprego. Formou-se em magistério no ano 1968 e começou a trabalhar como professor

municipal do primário num bairro periférico de Salvador, Pernambués, onde a miséria e a

violência estavam cotidianamente presentes. Nesse bairro entrou em contato com uma casa

religiosa feminina pertencente aos frades franciscanos, em que as freiras realizavam um

movimento social de assistência nesse bairro, se envolveu nessa ação e vivenciando essa

experiência decidiu seguir para o seminário, mesmo passando no curso de História da UFBA.

A fase no seminário foi muito conturbada, pois na mesma época sua mãe teve um

derrame ficando paraplégica e necessitava de sua ajuda, pois sua família era muito pobre, foi

então que o cardeal Dom Eugênio Sales, que no período era arcebispo de Salvador, concedeu

que ele trabalhasse em um turno e em outro continuasse seus estudos no seminário. Sendo

ordenado em oito de dezembro de 1979.

Eu fiz quase meus estudos sempre trabalhando, meu seminário foi muito intreporcados com a doença da minha mãe aquela história toda, e finalmente, e aí já era muito tempo passado, finalmente em 79 eu fui ordenado, eu passei muito tempo demorou, demorei de ordenar, ordenei com 31 anos devido a esse problema de trabalho, eu só deixei de trabalhar na semana da ordenação, foi um fato inédito em Salvador, que Dom Avelar concedeu isso a um seminarista, mas mesmo assim, logo, sendo padre eu continuei dando aula no Colégio Vieira à noite no curso noturno do Colégio Vieira, e daí nunca mais deixei o magistério, ensinei pela Prefeitura de Salvador, ensinei no Colégio Vieira, no Colégio Social da Bahia, no Central, e depois fui trabalhar em São Felix na paróquia menor da diocese, mais pobre da época, lá me envolvi muito com essa pobreza, aquele movimento dos trabalhadores rurais, não os sem terra ainda, era o Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Cachoeira, de São Felix, região do Paraguaçu e me envolvi com isso, e tinha um colégio muito bom em Cachoeira, esse colégio formava as lideranças muito boas e desde já eles eram chamados de comunistas, nós

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estávamos vivendo a época da ditadura militar. (OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set.2009)

Na região de Cachoeira, padre Luiz Rodrigues se envolveu com a política local,

ajudava os jovens considerados comunistas que seguiam para a zona rural conscientizando e

denunciando o regime militar, quando se deslocava para celebrar as missas nas comunidades

da zona rural. Realizava essa ação clandestinamente para que seu superior não soubesse, visto

que o mesmo não via com bons olhos essas lideranças que estavam contra o regime, assim

levava esses “comunistas” em seu carro e os deixava num ponto estratégico para não ser

denunciado e no retorno os pegava na estrada. Dessa forma, com esse envolvimento sócio-

político, logo após o regime ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) na região

juntamente com alguns desses jovens que lutavam pelo fim do regime militar no Brasil. No

mesmo período trabalhou como professor de português em São Felix, ao mesmo tempo em

que dava assistência pastoral nessas localidades.

Essa sua atitude em Cachoeira se assemelha muito com a de outros religiosos, como a

atuação dos dominicanos22 em São Paulo no combate ao regime militar instaurado após o

golpe de 1964, acolhiam pessoas que se colocavam em oposição ao regime e que eram

perseguidas, desde a proteção em lugares seguros até o transporte clandestino para outras

regiões.

Dentro de nossas possibilidades e de nossa condição de religiosos, ajudávamos pessoas sob o risco de prisão, de tortura e de morte. Fazíamos exatamente o mesmo que a Igreja fizera nos países europeus dominados pelo fascismo e faz hoje, por exemplo, na Polônia. (BETTO, 1991, p.49).

Michael Lowy, em seu livro Marxismo e Teologia da Libertação também evidencia a

participação de alguns padres e bispos em oposição ao regime militar, destacando a ação

numerosa de leigos e da ordem dominicana que entre 1967 e 1968 passaram a apoiar a

resistência armada dirigida por Carlos Marighela, a Ação de Libertação Nacional (ALN), este

que pela ditadura era chamado de líder terrorista. Os dominicanos forneciam esconderijo e

ajudavam muitos dos membros dessa guerrilha a saírem do país, devido a isso, muitos foram

exilados, mortos e torturados pelo regime.

Outro elemento importante de análise desse período é perceber o quanto a Igreja

estava dividida na questão política, no qual Luiz Gonzaga Lima destaca a presença de dois

22 Congregação Religiosa Masculina fundada por São Domingos de Gusmão em 1216, com o objetivo específico de se dedicarem à pregação do Evangelho no mundo inteiro. Por causa deste "carisma" da pregação foram chamados de "Ordem dos Pregadores"

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setores: os hierarcas e progressistas. Sendo que os primeiros em sua maioria havia apoiado o

golpe de Estado e “como natural conseqüência se integraram a uma nova aliança que nascia

entre os setores dominantes da sociedade brasileira”, segundo este autor, isso aconteceu pelo

fato da Igreja tradicionalmente ter em suas principais bases sociais as classes dominantes. E

no momento em que essas classes dominantes se dividiam politicamente com o

desenvolvimento do processo político brasileiro, a Igreja sofreu as conseqüências desse

processo entrou dividida na fase final da democracia no Brasil.

A ação do grupo progressista orientava a Igreja a apoiar as forças sociais que lutavam

pela realização de transformações sociais e incentivava a participação ativa dessas forças,

sendo que as inovações da Doutrina Social caracterizaram a ação desses setores.

As modificações da estrutura social defendidas pelo grupo progressista eram legitimadas pela Doutrina Social da Igreja, não contestavam nenhum principio eclesiástico. Por outro lado, a realização das modificações propostas não estabelecia nenhum antagonismo com as classes dominantes, e além do mais permitia o estabelecimento de relações de colaboração com as classes governantes. As modificações estruturais proposta pelo grupo progressista do episcopado deveriam ocorrer dentro dos limites do populismo e de seu projeto de desenvolvimento. (LIMA, 1979, p. 34).

No momento em que padre Luiz relata essa sua ação junto a jovens “comunistas”, o

mesmo faz a afirmação de que esse seu apoio acontecia às escondidas do pároco de

Cachoeira, que não gostava desses “comunistas”, evidenciando assim as contradições que

existiam entre o clero brasileiro. Nas zonas diocesanas dirigidas por bispos considerados

conservadores proibiam e desamparavam os movimentos ligados as ações progressistas, tanto

de iniciativa leiga (em muito dos casos) ou por parte dos clérigos. Como também, em

dioceses mais progressistas, as mobilizações conservadoras eram desestimuladas e proibidas.

Porém, as suas correntes partilhavam a repugnância comum, serem contrários ao “comunismo

ateu” como afirma Lowy.

Conforme a análise de Lowy, a Igreja brasileira vivenciou uma reviravolta no

momento da ditadura militar. No início desse regime em junho de 1964, a CNBB publicou

uma declaração dando seu apoio ao golpe, mesmo assim uma minoria de padres, religiosos e

leigos se opôs contra a ditadura militar, e entre os períodos de 1967 e 1968 alguns se

radicalizaram, como já foi mencionado, porém na medida em que se acentua a repressão

militar aos membros da Igreja, a CNBB na década de 70 tem sua direção substituída por um

novo bispo, Dom Ivo Lorscheider, “desde então, a Igreja torna-se um baluarte de oposição ao

regime e um refúgio para toda a sorte de protestos populares contra ele”.

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Pe. Luiz realizando o seu trabalho na região de Cachoeira e São Felix, no período do

regime militar, como mencionado, foi transferido para Roma, onde iria fazer mestrado em

Teologia durante quatro anos. Logo que concluiu o curso retornou para Salvador onde passou

a morar no seminário da arquidiocese sendo vice-reitor permanecendo por muitos anos.

Simultaneamente lecionava Teologia na Universidade Católica do Salvador (UCSAL),

atualmente faz vinte sete anos que ensina nessa instituição. Em seguida, passou cinco anos na

paróquia de São Pedro, reformou a igreja e realizou um enorme trabalho no período que

esteve por lá. Devido à necessidade de sacerdotes na Diocese de Feira de Santana, o Cardeal

D. Lucas Moreira Neves, arcebispo de Salvador concedeu uma licença de dois anos para o

mesmo fazer uma experiência nessa diocese a pedido do bispo D. Silvério Albuquerque. Visto

que sua origem era nessa região. Ao chegar foi convocado a ser pároco da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité, que estava vaga e necessitava de um sacerdote.

Aconteceu uma certa, não diria ambigüidade, mas uma realidade bastante conflitante na minha vida, eu nasci na roça, minha primeira infância foi na roça, depois eu fui pra Feira de Santana, Salvador, sempre numa direção contrárias as minhas origens, de Salvador para São Felix, uma cidade pequenina, volta o sabor da zona rural, quando estou lá saboreano isso me mandam pra Roma, meu Deus do céu, um mundo, uma revolução na minha cabeça, eu fiquei quatro anos em Roma, Europa, quando voltei não sabia mais nada de interior, mas ficou aquela vontade de ir para o interior, me mandam pra Salvador, São Pedro, centro da cidade, uma paróquia de elite, eu naquela ação me envolvi com a intelectualidade, desenvolvi meu trabalho, daí crise da volta as origens, quando em Feira me jogam em Coité, eu não conhecia, só conhecia até Serrinha, eu disse agora to no paraíso, retorno as origens, redescubro, bem diferente da minha origem , sou lá do recôncavo, bem diferente de Coité. Vim pra cá com entusiasmo tremendo, uma alegria enorme, foi muito emocionante, eu lembro de um cântico que o grupo mirin cantou na missa de posse, ‘eu vim de longe, mas vou ficar’, eu vou ficar, eu mesmo sabendo que não seria dez anos, havia esse propósito, mas eu vou ficar, eu vou ficar, aí essa nostalgia do interior, da roça, da pobreza e tudo, e a cabeça cheia de intelectualidade porque tinha estudado nas melhores universidades (...) eu tinha uma cabeça muito diferente daquilo que era minha realidade. (OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set. 2009).

Logo que D. Silvério havia o comunicado que estaria indo para Coité, sentiu a

necessidade de saber algumas informações a respeito da paróquia antes de iniciar seu

trabalho, pelo fato do mesmo desconhecer o município. Aproveitando a presença do ex-

pároco de Conceição do Coité, Pe. José Reis, que havia assumido a Paróquia de São Cosme e

São Damião em Salvador, no bairro da Liberdade, foi ao seu encontro buscar algumas

orientações para desempenhar da melhor maneira o seu serviço pastoral. O padre José Reis o

orientou para que ele procurasse o casal Agnaldo e Maurita, os mesmos passariam todas as

informações sobre a paróquia, pois o padre Geraldino que estava por lá esperando a nomeação

de um novo pároco não conhecia de fato a comunidade local. O ex-pároco pediu que ele

procurasse também o Deputado Emério Resedá, “uma esperança para Conceição do Coité”,

este forneceria todas as informações sobre as instituições políticas da cidade. Diante dessas

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orientações, o padre Luiz o indagou a respeito do prefeito da cidade. E em resposta o ex-

pároco o respondeu “é um menino lá”, nem se lembrara do nome. Apesar disso, tentou

encontrar-se diversas vezes com o prefeito da época, antes da sua posse na paróquia, mas não

conseguiu.

Telefonei para o prefeito para informar que estava nomeado e queria conhecê-lo, procurei ele diversas vezes na prefeitura, quando cheguei aqui encontrei o padre Geraldino, conversei com ele, ele não me passou orientações sob a paróquia, ele também era novo aqui, daí procurei o casal que me passou os dados, fui na prefeitura não encontrei ele novamente, aí me disseram que ele morava na casa dos pais, minha surpresa quase fui agredido, fui atendido por uma senhora,a mãe dele, eu me apresentei como novo pároco da cidade, ele não está aqui, esta viajando pra Valente, ele não quer saber dessas coisas não, você que o que com ele, parece que eu queria pedir algum dinheiro, alguma coisa, olhei pra ela e fui embora em Salvador tentei ligar repetidas vezes. (OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set. 2009).

Estando em Salvador, conseguiu marcar uma conversa com o mesmo, pois iria para

uma reunião na governadoria e assim poderia vê-lo, porém o mesmo não apareceu e nem

ligou para justificar o motivo da falta. E assim, chegando o dia da sua posse no município, o

prefeito não estava presente e nenhum representante do mesmo. Presença essa que se fazia

necessário de acordo com a liturgia católica nessas solenidades. Ao término da missa o então

Deputado Estadual Misael Ferreira se apresentou e solicitou uma reunião com o mesmo se

disponibilizando para o que o vigário precisasse. O único contato que teve nesse período com

a prefeitura, foi através do secretário de administração que o procurou para resolver a situação

dos funcionários da prefeitura que prestavam serviços à paróquia.

Em 27 de dezembro de 1989 dispensou os serviços da cozinheira da casa paroquial, a

Sr. Maria Edneusa Souza, pois sua irmã morava com ele e sabia cozinhar muito bem, não

achando necessário manter essa funcionária por esse motivo. Em abril de 1990 dispensou a

secretária paroquial, Vandeci Gonçalves Dias, que também pertencia ao quadro de

funcionários da prefeitura que prestavam serviços a paróquia, todas feitas por meio de ofícios

endereçados ao prefeito municipal, Everton Rios de Araújo Filho (Vertinho), não explicitando

nenhum motivo para referida dispensa e agradecido pela concessão da mesma. Certamente

essa atitude gerou algum impacto, visto que há muito tempo a prefeitura auxiliava a paróquia

através dessas funcionárias. Sem falar, que o primeiro contato que o padre teve foi frustrante,

como ele mesmo afirma o impacto de ter sido mal recebido, sem ser reconhecido, “uma falta

de civilidade, daí eu precisava fazer um trabalho voltado para a formação da consciência, na

formação geral, na educação e princípios”.

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Essa atitude tomada pelo pároco não se restringe no aspecto de uma possível

rivalidade pelo fato de não ter sido bem acolhido pela administração municipal, mas revela a

sua visão a respeito da relação entre essas duas instituições.

A paróquia não pode ser uma secretária de assuntos religiosos da prefeitura, a prefeitura pode ser alguma coisa se governar a paróquia, subdependentes, agora que haja uma cooperação para a comunidade sim ,uma participação, uma cooperação sim, pra fazer uma festa , etc.(OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set. 2009).

No trecho acima, o pároco assume uma postura diferente dos seus antecessores que

viam nessa ligação um meio de suprir as necessidades que a paróquia possuía, pois com o

estabelecimento dessa relação de clientela, troca de favores, não teriam preocupações com

salários de funcionários, manutenção da casa e pagamento das contas. Em contrapartida a

paróquia deveria estar aos serviços desse grupo político, como o mesmo evidencia, em que

estaria dependente em todos os sentidos, “uma secretária de assuntos religiosos da prefeitura”.

Mas apesar de ser contrário a essa negociação, o mesmo sugere que seja importante haver

uma cooperação entre as duas instituições, em favor da comunidade, visto que as duas são

importantes referências da população.

No período em que permaneceu nessa paróquia nunca deixou de pedir apoio do

governo municipal para ajudar na manutenção e instalação elétrica dos festejos da padroeira,

algumas vezes para transporte de leigos em encontros fora da cidade, como também, a

presença do mesmo e de outras autoridades do município para recepções das visitais pastorais

do bispo da Diocese. Dessa forma, percebe-se que a postura religiosa do clérigo é bastante

diferente aos seus antecessores, como foi visto no capitulo anterior, a sua formação

apresentou aspectos diferenciados, ele afirma que foi gerado nas concepções do Vaticano II, e

nos ensinamentos da Doutrina Social da Igreja que apresentou novas orientações, novas

perspectivas para a ação pastoral diferentemente da tradição do clericalismo.

O Concílio Vaticano II constituiu o ponto de partida para uma nova época na história

da Igreja23. Significou uma abertura da Igreja Católica para os problemas do mundo,

particularmente, para os problemas do povo latino-americano24, foi um momento particular da

instituição no qual foram formuladas novas diretrizes, que reafirmaram a sua responsabilidade

23 LOWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.(Coleção polêmicas do nosso tempo; v.39) 24 RITO, Frei Honório. Introdução à teologia. Petrópolis, RJ:Vozes, 1998. p. 271

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social, que modificou substancialmente a cultura católica25 e contribuiu para o rumo da Igreja

latino-americana.

Sem a abertura da Igreja para o que havia de novo na história da Igreja latino-americana não teria surgido nenhuma Teologia da Libertação na America Latina, a Igreja tinha começado no Vaticano II a abrir-se para o mundo de nosso tempo. Foi essa abertura mais ampla da Igreja em sua dimensão universal que fez com que a Igreja latino-americana na sua prática e na sua reflexão se deixasse questionar pela realidade social, política e econômica que formava o contexto de sua vida e atuação. Com a abertura do Concílio e da Igreja universal, a Igreja latino-americana não podia ficar alheia e indiferente às transformações por que passava a América Latina da década de 60, sobretudo ela não podia ficar distante dos anseios de humanização e de maior justiça para a sociedade latino-americana. (RITO, 1998, p. 269).

Entretanto muito antes da convocação do Vaticano II, a Igreja já havia lançado um

pensamento que propunha uma mudança social presente na Encíclica Rerum Novarum

publicada no ano de 1891 pelo papa Leão XIII.

A demonstração de reivindicações da Igreja em benefício dos operários explorados e maltratados pelos excessos do mundo burguês. Não se pede mais o afastamento da modernidade com tanto afinco como faziam seus predecessores. (BATISTA, 2009, p. 9).

A Rerum Novarum apesar de debater a situação de miséria em que se encontravam os

trabalhadores, de condenar uma correlação de força injusta, não condenou a estrutura

capitalista em si mesma, defendeu um melhoramento das condições de vida dos operários.26

Conforme Batista, essa encíclica “foi um divisor de águas na política da Igreja Católica”,

representou um caminho para a ação política social da Igreja Católica, sendo a principal base

da Doutrina Social da Igreja, esta que concebe o pensamento social católico norteadora da

ação social dos fiéis, principalmente a preocupação com os pobres.

Padre Luiz chegando ao município com essa dimensão político-social, norteado por

essas diretrizes sociais, percebeu outro problema em Conceição do Coité à questão da

educação. Ficou bastante impressionado ao constatar que muitos professores da rede pública

não eram licenciados para ensinar o segundo grau, recebiam baixos salários e o nível de

analfabetismo era altíssimo nessa comunidade, devido também, a irresponsabilidade da gestão

pública com a educação e seus profissionais. Diante dessa realidade, juntamente com novos

professores com nível superior que havia chegado ao município na mesma época, iniciou um

trabalho pedagógico no Colégio Polivalente da rede estadual, ministrando aulas das matérias

25 LOWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo da libertação. In:___ RÉMOND, René (org.);ROCHA, Dora (trad.). Por uma história política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p.306. 26 BENTO, Fábio Régio. A Igreja Católica e a social-democracia. São Paulo: Ave Maria, 1999.

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de formação de professores, como mestre concursado e especializado para este fim27. A

realidade da deficiência que se encontrava o Colégio Polivalente foi relatada pelo Jornal

Tribuna Coiteense, do ano de 1988 e 1990:

A deficiência é total, principalmente no ensino do 2º grau onde temos vários alunos revoltados pelas faltas de aulas que vêem acontecendo constantemente, devido à escassez de professores, causando revolta maior aos alunos da zona rural que vêem a procura do saber e, quando chegam, voltam frustrados, pois encontram no máximo um ou dois professores – quando dão sorte de encontrar. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano VIII, nº 28, abril de 1988, p. 3). O então Ministro da Educação, senhor Carlos Santana, em visita ao nosso município, quando Secretário de Educação do Estado da Bahia, em conversa conosco no Colégio Polivalente, disse-nos: ‘Educação hoje, é ler bem e escrever bem’. Talvez pensando apenas nos votos, já que era candidato a Deputado Federal, não analisou a profundidade de sua afirmação e passa a contribuir com o crescimento do trem da alegria, acrescentando vários vagões, repletos de incompetência. Em função de atos irresponsáveis dessa natureza, nossas escolas estão doentes devido ao despreparo dos nossos professores. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano X, nº 62, outubro de 1990, p.7).

Compondo o quadro de docentes do Polivalente, prestou assistência educacional no

distrito de Salgadália sem cobrar nada, foi um dos fundadores do curso de magistério do

Colégio José Ferreira desse distrito, voltando muitas vezes a pé com outros professores.

“Senti num atraso e num desleixo. O caminho era esse primeiro na área pedagógica, depois o

Evangelho, que deveria ser traduzido num renascimento cultural para essa cidade.”

Dessa forma, é iniciado um processo de mudanças e estruturação. Dentro da

instituição religiosa local foram realizadas nesse período diversas reuniões com os grupos

existentes na paróquia, cursos de formação para leigos com assessoria de pessoas da

arquidiocese de Salvador, reorganizou diversas pastorais como o Movimento de Cursilho de

Cristandade (MCC), implantou na paróquia o ECC- Encontro de Casais com Cristo, realizou

assembléias pastorais anualmente para a dinamização e protagonismo laical dentro do espaço

eclesial. Firmando em 1990 um convênio com a Escola Superior de Fé e Catequese Lúmen

Cristie com duração de quarenta horas, “uma grande jornada pedagógica”, com o objetivo de

organizar sistematicamente a formação dos leigos, tendo a participação de professores de

Ensino Religioso do município de 1º e 2º graus.

Realizou comissões de formação de animadores de comunidades com o auxílio da

Congregação Religiosa das Irmãs da Divina Providencia de GAP28, dinamizando as atividades

pastorais das CEB’s, que com recursos da própria comunidade iniciam a construção de

27 Carta das Pastorais do ano de 1996. 28 Congregação Feminina fundada pelo padre João Martinho Moye em 1762 na França. As Irmãs chegaram ao Brasil em 28 de junho de 1904.

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templos nos bairros da periferia da cidade (Açudinho e Cruzeiro) e reforma templos dos

povoados e distritos sem o auxilio do gestor municipal. Com a comunidade local e a

comunidade católica alemã, consegue recursos para a aquisição de um veículo como um meio

de atender as comunidades rurais e as da sede, pelo fato do antigo veículo da paróquia ter

desaparecido antes de sua posse, que segundo a comunidade eclesial local, “não se sabe que

fim levou”. Como meio de saberem informações a respeito do mesmo o conselho paroquial

envia em 09 de agosto de 1989 um ofício ao Pe. Reis assinado por Arivaldo, Lozinho e

Agnaldo, membros do conselho.

Pensamos bastante antes de tomar essa decisão em escrever para o senhor. Ficamos a imaginar como iria receber esta. Mas, a necessidade de adquirir um veículo para a nossa paróquia de C. do Coité, para isso se fez necessário uma campanha junto à comunidade coiteense e ao fazermos alguns contatos sobre tal necessidade junto à comunidade e em reunião em conselho, tem surgido perguntas sobre o chevete da paróquia de C. do Coité e como não sabemos o fim do mesmo é que viemos solicitar que nos esclareça sobre o destino do referido veículo, afim de que possamos passar as informações exatas às pessoas que nos solicitar e assim fazer uma campanha que dê bom resultado. (Ofício da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, 19 de agosto de 1989).

Instituiu o Conselho Pastoral, para auxiliar na administração da paróquia, em que era

composta por representantes de cada grupo eclesial, que segundo Zugno “a instauração de

Conselhos de Pastoral é a consolidação estrutural desse jeito democrático de regulação das

relações políticas no âmbito da comunidade.” 29. Reestrutura o dizimo, passa a disponibilizar

os balancetes mensais no mural da matriz, enviando uma cópia a Cúria Diocesana “para que

todos tomem conhecimento de tudo o que se gasta e arrecada” 30. Além disso, autoriza que os

bancos responsáveis pela conta da paróquia disponibilizem os saldos a qualquer interessado

no destino dos recursos da mesma. Inventariou e tombou todos os bens móveis e imóveis

dessa paróquia.

Com muito sacrifício, informatiza a secretária paroquial, primando por melhor servir e pela modernização dos serviços, adquire também equipamento áudio-visual, objetivando dinamizar as atividades de formação do laicato. (Carta do Conselho Paroquial, 1996)

As festas da padroeira ganham uma nova roupagem, sem perder a marca centenária da

tradição, acontecendo à revitalização da festa de largo que “primando pela integridade da fé,

não deixou de valorizar a cultura regional”. Tendo uma organização junto às pastorais e uma

29 ZUGNO, Vanildo Luiz. Igreja, política e ação evangelizadora. CNBB- RS, 2007. Disponível em www.forumdaigrejacatolica.org.br (acessado em 17/07/2008). 30 Carta do Conselho Paroquial do ano de 1996

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comissão organizadora escolhida pelo conselho, diferente das anteriores em que boa parte da

organização e estrutura estava a cargo de representantes políticos do município como foi

discutido no capitulo anterior.

No ano de 1990 houve um acréscimo das atividades presentes na programação da festa

com o bando anunciador, uma carreata que comunica a festa pelas ruas da cidade e a

realização do ofício da Imaculada Conceição às 5h da manhã culminando com uma

caminhada penitencial pelas ruas da cidade. Aumentando assim o número de envolvidos na

infra-estrutura da festa como também, incentivando a participação maior da população

coiteense. Além disso, os temas dedicados a cada ano para a festa perpassam por uma

dimensão sócio-política, um espaço de construção da cidadania, com assuntos voltados para a

necessidade do povo sertanejo, ainda mais, para o despertar do pensamento crítico. Isso fica

evidente em inúmeros artigos que o pároco escreve nos jornais locais convidando os fieis a

participarem da festa, que revelam a sua preocupação em inovar o espaço eclesial, que vai

além da devoção religiosa, “ser uma voz clamante e provocante às consciências

adormecidas.” 31

Realizaremos, entre 29/11 e 08/12 mais uma festa da Padroeira, atentos ao que de bom pudemos realizar no ano passado e pensando muito no que ainda podemos fazer na tentativa de chegarmos a uma Igreja mais humana, mais socializada, mais aberta a capacidade crítica. A Igreja que se move na força do Espírito não pode não ser dinâmica, política, questionadora, formadora de consciência porquanto, o Verbo de Deus ao fazer-se carne (homem), tornou-se solidário com todos os homens, elevando e engrandecendo a nossa natureza de modo que assim, pudéssemos refletir a sua imagem e semelhança. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano XIII, nº 86, dezembro de 1993. p.4)

Organizou missões populares, jornadas catequética e missionária com os jovens,

percorrendo todos os povoados, com palestras, orações e preparação para os sacramentos, que

incentivou uma maior participação dos fiéis, agregando nos seus encerramentos mais de dez

mil pessoas, tendo a participação de D. Silvério Albuquerque e D. Lucas Moreira Neves,

cardeal primaz do Brasil na época.

Dessa forma, percebe-se que o novo pároco inaugura uma nova fase dentro da

instituição local, enfatizando o caráter laico, um processo pelo qual incentiva e cria espaços

para um protagonismo leigo dentro da paróquia, seguindo assim as orientações do Vaticano II

e de inúmeras conferências que acontecem na América Latina promovidas pela CELAM

(Conferência Geral do Episcopado Latino-Americana), como por exemplo, a de Santo

31 Jornal O Mensageiro, Ano IV, nº XXII, novembro de 1998.

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Domingo que aconteceu na República Dominicana no ano de 1992, que confirma dessa

maneira esse novo jeito de ser Igreja Latino-Americana:

Daí esta diretriz pastoral de Santo Domingo: “Evitar que os leigos reduzam sua ação ao âmbito intra-eclesial, animando-os a penetrar nos ambientes socioculturais para serem neles os protagonistas da transformação da sociedade à luz do Evangelho e da doutrina social da Igreja” (n. 98). Por tudo isso, como objetivo pastoral imediato, os Bispos reunidos na IV Conferência Geral em Santo Domingo prometem “incentivar a preparação de leigos que se destaquem no campo da educação, da política, dos meios de comunicação social, da cultura e do trabalho. Estimularemos uma pastoral específica para cada um destes campos, de tal maneira que os que neles estiverem atuantes sintam todo o apoio de seus Pastores (n. 99).

Segundo a análise de Marcelo Ayres Camurça a respeito do pensamento de Leonardo

Boff sobre o protagonismo dos leigos. Defende que a melhor expressão dessa ação laica é a

vivencia das CEBs, pois os seus membros são peças centrais para o fortalecimento das

mesmas, desempenhando atividades comunitárias, sócias e políticas, apoiando assim os

movimentos populares, como também, atuam na defesa de seus direitos. Dirigidas por leigos,

que praticam o sistema de rodízio na direção, as CEBs rompem com o modelo paroquial

tradicional em que todas as atividades estavam centradas na estrutura clerical da Igreja. Esse

novo jeito de organização impeliu a questão democrática para o seio da Igreja, questionando o

monopólio dos clérigos no trato com o sagrado e participando das decisões paroquiais através

das assembléias paroquiais.

Vale ressaltar que todo esse processo pelo qual os leigos alcançam na Eclésia não foi

aceito de forma unânime pelos religiosos. Essa atuação esteve ligada principalmente pelos

clérigos que desenvolviam um trabalho unido ao campo da Teologia da Libertação que

emerge na década de 60 pregando uma práxis libertadora dos movimentos sociais católicos

comprometidos com o povo oprimido, movimento esse que compreendia setores

significativos da Igreja, desde movimentos religiosos laicos a bispos e padres.

Estudiosos da Teologia da Libertação afirmam que essa nova vertente de organização surgiu a principio em movimentos de leigos nos bairros periféricos, sindicatos, pastorais e nas comunidades eclesiais de base (...). Tais organizações juntamente com movimentos sociais começaram a difundir a crítica ao poder estabelecido e a denunciar as condições materiais e espirituais da pobreza da América Latina. Assim defendeu Leonardo Boff, um expoente deste movimento, na obra “A Igreja se fez povo”. Este direcionou para leigos a tomada da dianteira do processo de organização nos eventos e nas discussões, o que na sua opinião possibilitou trazer para o seio das CEB’s as discussões dos problemas cotidianos, ao tempo em que valorizava, suas conquistas e alimentavam suas esperanças.” (SILVA, 2005, p.112).

Além dessas mudanças dentro do espaço eclesial, Pe. Luiz também foi responsável por

algumas atividades educativas e culturais do município. Incentivou e se tornou um dos

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colaboradores do Jornal Tribuna Coiteense , além da ajuda financeira que prestava, auxiliava

na parte editorial, com seus artigos de cunho religioso-político-social, informando os eventos

promovidos pela instituição, como também, realizava comentários a respeito da sociedade

coiteense e dos acontecimentos de nível estadual e nacional. Em um dos seus primeiros

artigos em 1990 analisa o período das eleições de 1990 para eleger governadores e deputados,

o que chamou de “retrocesso histórico” pelo fato de muitos políticos eleitos serem os mesmos

que estavam e apoiavam o regime ditatorial no Brasil, o que desagradou de certa maneira os

políticos locais pelo fato dos mesmos serem ligados aos partidos e apoiarem a candidatura de

muito desses.

A democracia é interessante e nos faz pensar... Mais ainda as eleições! Pensar no que não pensaram os eleitores que sufragam esses subprodutos do atraso, do coronelismo, da corrupção e da ditadura tupiniquim. Essas eleições, verdadeiramente, não nos levam a vislumbrar a porta do século XXI, mas, ao contrario, nos fazem retroceder muitos anos! (Jornal Tribuna Coiteense ano X, nº 6, outubro de 1990, p.3)

Por ter essa aproximação direta com a comunicação, lança um informativo mensal da

paróquia no mês do trabalhador, O Mensageiro, que conta com o patrocínio do comércio

local, um pioneiro dentro da Diocese em 1991.

Visando informar ao maior número possível de fieis e formar a consciência de todos quantos em meio às trevas torna-se objetos de difícil manipulação por partes de órgãos de comunicação a serviço de interesses de grupos menores. (O Mensageiro, ano I, nº I, 01 de setembro de 1991, p.1)

Mais uma vez o padre afirma que suas inovações seguem as orientações do Concilio

Vaticano II, isto no primeiro número do informativo.

Por que um boletim paroquial? Eis a pergunta que certamente aflorará dos lábios de alguns. Porque há quase trinta anos o concilio Vaticano II (1963) ao promulgar o decreto Inter Mirifica, dizia que ‘a imprensa, o radio, o cinema e a televisão são instrumentos que retamente empregados, representam subsídios valiosos ao gênero humano’ (...). Neste primeiro de maio, dia do trabalhador, homenageamos os operários de nossa terra, oferecendo-lhes um instrumento de informação de suas atividades e de formação da consciência crítica de todos, sobretudo dos jovens. (O Mensageiro, ano I, nº I, 01 de setembro de 1991, p.1)

Percebendo seu itinerário na educação, Pe. Luiz Rodrigues criou a Associação

Comunitária de Apoio à Educação e Cultura (ACAEC), mantedora do Educandário Divino

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Mestre32, juntamente com alguns leigos ligados à educação do município, reconhecido pelo

CEE, sendo dirigido pelo mesmo por três anos consecutivos.

Além de suas inúmeras atividades como pároco, participa da vida pública do município, sendo um dos responsáveis pela elaboração da Lei Orgânica do município e outras atividades educativas e culturais. O seu envolvimento no crescimento dos valores éticos e religiosos, rendeu-lhe o titulo de cidadão coiteense, em reconhecimento da sua integridade moral perante toda a comunidade. (Carta do Conselho Paroquial em 01 de setembro de 1997).

Esse título de cidadão coiteense foi lhe concedido em 02 de julho de 1994 pela então

vereadora Élia Cirino devido o fato da mesma ter se admirado com as ações do padre que

extrapolavam as paredes do templo, participando da vida política e social do município. Sua

atuação na educação, como também, na criação da Lei Orgânica, contando com o voto

unânime da Câmara de Vereadores Municipais.

Devido ao reconhecimento do padre Luiz na sociedade coiteense e de sua experiência

profissional na educação, na qual, sempre demonstrou preocupação com a mesma por onde

passou, foi convidado a participar da comissão suprapartidária que lutaria em busca de uma

instituição de nível superior para o município durante a década de 90. Sendo procurado por

alguns vereadores para fazer parte desse processo, foi nesse momento que teve contato com o

prefeito da cidade, Ewérton Rios de Araújo Filho (Vertinho), em viagens para Salvador para

reuniões sobre o assunto na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

A faculdade nasce dentro de um contexto histórico amadurecido e não como fruto de um impulso meramente eleitoreiro de momento como alguns chegaram a insinuar. Assim, posso testemunhar: a nova gestão acadêmico-administrativa da UNEB está adotando uma arrojada política de expansão e interiorização do ensino superior no Estado. O professor Joaquim, magnífico reitor da instituição, pretende ampliar os campi universitários (...) essa regra, Felipe Cedraz, um coiteense que trabalha na UNEB consciente nisso, alertou as lideranças daqui sobre essa possibilidade. (Jornal Tribuna Coiteense, ano X, n 61, setembro de 1990, p.4)

O projeto de Lei nº 8602/90 de autoria do deputado Misael Ferreira para a criação do

Centro de Educação Superior de Conceição do Coité – CESCON – foi fruto de diversas

reuniões da comissão que foi junto ao reitor da UNEB na busca dessa conquista. No dia 03 de

setembro esse projeto foi aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia,

confirmando a criação do CESCON. Entretanto todo esse processo de luta para a aprovação

dessa lei, como também a implementação e construção do CESCON foi vivenciado por

conflitos político-partidários apesar da sua comissão como mencionada acima ser 32

Instituição Educacional fundada por Pe. Luiz Rodrigues Oliveira e alguns leigos em 26 de dezembro de 1992.

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suprapartidária, não fugiu do alvo dos interesses dos políticos coiteenses, tendo uma

repercussão dentro da sociedade, como também do Jornal local.

A Faculdade de Eunápolis foi criada no mesmo dia e hora que foi criada a de Coité. Porém, a de Eunápolis, já vai funcionar no inicio do próximo ano, com o concurso Vestibular e tudo mais. A daqui, só funcionará no meio do próximo ano. Tudo isso porque os “políticos” de lá acreditam na criação da mesma. Os políticos, daqui ficaram discutindo (e retardando) para ver quem seria primeiro o “Pai da criança”. Baita ignorância... (Jornal Tribuna Coiteense ano X, n 62, outubro de 1990, p.6)

Outro grave problema que não foi sanado ainda em nosso município, diz respeito a CESCON ... É que depois de muito bate-papo e lero-lero, até agora não se definiu onde vai funcionar provisoriamente a Faculdade. Existem setores que querem na Escola Agrícola, outros no CTL (antigo Santa Teresinha), outros, na Escola Polivalente, Wercelêncio, Antonio Bahia e Iêda Barradas. Como se vê, lugar é que não falta. O que está faltando é vergonha de nós todos para acabarmos de vez com toda essa politicagem desvairada. (Jornal Tribuna Coiteense ano X. 62, outubro de 1990, p.6).

No mesmo jornal, a uma entrevista com dois professores da UNEB que estiveram

em Conceição do Coité para tratarem a respeito da criação do CESCON, um deles o Felipe

Cedraz, coiteense e prefeito dos Campi da UNEB no período. Nessa entrevista comentam a

respeito do desinteresse da administração pública no incentivo para a criação de tal benefício

para essa região do sisal e o atraso da implementação desse ensino em Coité, afirmando que

os mesmos (políticos) não se interessam por um ensino dessa dimensão pois “uma pessoa

esclarecida não volta neles”.33

Dentro dessa realidade, o Pe. Luiz teve papel relevante para a criação desse centro

superior, pois o mesmo motivou toda a sociedade e esteve junto nesse processo, com os seus

paroquianos foram às ruas protestando contra a inoperância e exigindo que a luta continuasse

para a implementação do CESCON. Foi nomeado pelo magnífico reitor da UNEB para

assumir a direção da unidade, estando a frente mais de dois anos. Todavia essa sua postura lhe

custou alguns desentendimentos políticos, surgindo boatos, que como afirma o mesmo,

“tomou um rumo de partidarismo e uma interpretação equivocada dos donos do poder, por

achar que eu estaria disputando cargo político, querendo ser prefeito.” 34 Apesar de nunca

negar a participação dos gestores nesse processo, que foi fundamental para as construção e

acomodações do centro, evidenciando assim, que não foi único responsável por essa conquista

para a região, mas acentuando a participação de toda a sociedade coiteense e a dos envolvidos

diretamente nesse processo.

33 Jornal Coiteense, Ano X, nº61, 28 de setembro de 1990, p. 1 34 Entrevista realizada com o padre Luiz Rodrigues Oliveira no dia 19 de setembro de 2009

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Formou-se uma comissão suprapardidária que foi ao Reitor e, daí, nasceu o projeto de Lei nº 8602/90 de autoria do Deputado Misael Ferreira. Votado a 03 de setembro, graças as gestão que fizemos junto aos deputados, sobretudo ao líder do Governo João Almeida. A verdade é esta. O mais é fofoca e politicalha tão mesquinha quanto o passado dos seus autores e tão estreita quanto o futuro que os aguarda. Saudamos a todos que empreenderam esforços para a conclusão desse sonho de modo especial ao Prefeito Ewerton Rios a quem cabe agora maior responsabilidade na consecução do projeto físico (instalações); saudamos a alunos a professores de hoje que serão o nosso futuro corpo discente, desejando que a primeira turma de alunos do CESCON seja basicamente de Coité. Parabenizo a região do sisal por essa vitoria, pedindo a todos que não deixem o barulho da ignorância sufocar os sussurros da educação. Para mim, sussurros de consciência. (Jornal Tribuna Coiteense ano X, n61, setembro de 1990. p.4).

Como foi percebido o objetivo central desse capítulo foi analisar quais as mudanças

que o novo pároco realizou na instituição religiosa local, como também a sua participação na

sociedade coiteense. Sendo que dentro desse processo de mudanças as concepções do

Vaticano II estiveram presentes, desde a sua formação e experiência pastoral, no qual o

direcionaram nessa sua postura abalando assim a estrutura que o grupo político dominante

mantinha com a paróquia que era “uma aliada e um ponto de sustentação e perpetuação do

poder, definida nas relações clientelas” 35. A sua forma de conceber a política contrariou a

muitos que achavam um absurdo um padre se meter em assuntos que não fossem religiosos,

ainda mais, em seus sermões chamar a atenção da população para essa conscientização

política, o que provocou muitos conflitos com a administração pública local sendo alvo de

vários processos e perseguições, no qual será discutido no próximo capítulo, como também o

seu envolvimento político partidário e de alguns leigos que articularam a oposição ao grupo

político dominante mudando o cenário da política de Conceição do Coité.

35 Carta do Conselho Pastoral 01 de setembro de 1997

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CAPÍTULO III

“O Preço da Independência” 36

“Os poderosos da cidade, que jamais haviam sido questionados,

reagiram com extrema violência, desencadeando uma terrível campanha

de difamação, com calúnias e perseguições contra Pe. Luis e a Igreja.

(...) passaram a insultar o padre, tachando-o de vigarista e ministro de

satanás (...) sete vereadores do grupo assinaram ‘voto de repúdio’

contra Pe. Luis. Sete dos quinze vereadores da câmara que, meses antes,

concederam a esse mesmo padre o titulo de Cidadão Coiteense, por

unanimidade!” (Carta do Conselho Paroquial de Conceição do Coité em 1997).

36 Título do documento elaborado pelo Conselho Pastoral da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité no ano de 1997

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Como foi visto no capítulo II, a ação pastoral do padre Luiz Rodrigues não se

restringiu apenas as “paredes” da igreja matriz, mas alcançou espaços até então diferentes do

clero tradicional. Os relatos da memória dos entrevistados sobre a administração paroquial de

padre Luiz Rodrigues evidenciam que o mesmo teve uma participação direta na sociedade

coiteense principalmente o seu envolvimento com a educação. Expressadas através de

iniciativas por um ensino de qualidade, na luta por melhores salários para os professores,

como também,a mobilização para a instalação de um centro de ensino superior.

Todavia, essa sua iniciativa para a implementação do CESCON como discutido

anteriormente, foi marcado por conflitos político-partidários entre as lideranças políticas de

Conceição do Coité representadas pelos partidos PL e PP, que eram grupos rivais no qual

disputavam o maior mérito na implementação do CESCON. Diante desses confrontos padre

Luiz foi alvo de hostilidades por parte do grupo político dominante (PP) devido a um

depoimento que o mesmo havia oferecido ao sucursal do Jornal Feira Hoje, José Ribeiro, no

dia 07 de março de 1991 em uma entrevista sobre os problemas da educação em Coité, e

principalmente sobre o projeto CESCON. Tal entrevista publicada pelo Jornal no dia 21 de

março do mesmo ano comentava que o padre valorizava a atuação do deputado Misael

Ferreira (PL) e o desinteresse do prefeito Ewerton Rios de Araújo Filho (PP).

Pe. Luiz Rodrigues e o professor Felipe Cedraz valorizam o apoio do deputado Misael Ferreira e lamentam a falta de empenho do prefeito Ewerton Rios que em nenhum momento demonstrou interesse em encaminhar as reivindicações de nosso povo junto aos poderes estaduais somente porque o projeto da faculdade foi idealizado por uma facção política contrária à dele. (Correspondência enviada ao Sr. José Ribeiro no dia 25 de março de 1991)

No entanto, segundo padre Luiz a entrevista publicada anulou inúmeros relatos do

mesmo e o que publicou apresentou distorções que provocaram situações desagradáveis,

como a desagregação da comissão e de outros setores ligados ao projeto pró-CESCON.

Diante dessas distorções o padre Luiz enviou uma correspondência ao diretor-redator do Feira

Hoje solicitando a retificação da nota publicada e dando alguns esclarecimentos para o

mesmo. Segundo o padre o professor Felipe Cedraz citado na nota não esteve presente na

entrevista e nem o mesmo usou o nome do professor nos termos que o Jornal publicou.

Apenas disse que foi o professor Cedraz o inspirador da luta pró-faculdade em Coité. Como

também, negou a afirmação que dizia que em nenhum momento o prefeito não havia se

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empenhado, pois o mesmo na mesma matéria afirmou que o prefeito já havia doado o terreno

para a construção da faculdade e disponibilizado um prédio escolar para o funcionamento da

mesma enquanto a construção estava em andamento.

O que disse (esta na fita!) é que até o momento em que eu lancei a campanha nas ruas, nenhuma autoridade, nenhum político do município (inclusive o prefeito) se interessou pelo projeto, talvez porque trazia a marca do Deputado Misael Ferreira. Olhe que isto (início da campanha) foi em agosto de 1989. Daí pra cá o prefeito tem estado à frente de todas as iniciativas que a comissão pró-CESCON tem empreendido. Eu seria injusto e leviano se afirmasse o que o jornal publicou como sendo declaração minha e, pior, do Prof. Felipe Cedraz que sequer participou da conversa.” (grifo do autor). (Correspondência enviada ao Sr. José Ribeiro no dia 25 de março de 1991)

Padre Luiz enviou correspondência para o senhor José Ribeiro pedindo providências

cabíveis para o esclarecimento das distorções publicadas por ele, como também enviou outra

correspondência para o prefeito Ewerton Rios de Araújo Filho (Vertinho), esclarecendo o teor

da entrevista e anexou às duas outras correspondências que enviou para o Jornal como meio

de evitar constrangimentos. Porém, tais solicitações não foram atendidas e a matéria provocou

como o mesmo relata nos ofícios, prejuízos morais na cidade “fofocas e ciumeiras de cunho

politiqueiro”, sobretudo nos trabalhos da comissão empenhada com implementação desse

centro de ensino superior.

Apesar desse cuidado em esclarecer essas distorções padre Luiz Rodrigues Oliveira

não conseguiu minimizar alguns desentendimentos com o grupo ligado ao prefeito, pelo fato

dele deixar bem claro a participação dos setores envolvidos e impedir que o poder executivo

ou outros políticos envolvidos utilizassem do CESCON como um mérito de algum partido ou

uma “obra eleitoreira”.

Esse seu envolvimento nas discussões de implementação e na sua mobilização junto a

população para a conquista da tal instituição foi interpretado pelos poderes locais como um

meio do mesmo estar buscando popularidade e prestígio junto a população para nos anos

posteriores pleitear algum cargo público dentro do município, pois um sacerdote deveria se

interessar apenas por assuntos ligados ao sagrado, a fé. Todavia, esses desentendimentos não

intimidaram a postura política do padre Luiz em mobilizar os seus fiéis na defesa de seus

direitos e em lutarem por condições melhores de vida.

Como foi comentado nos capítulos anteriores, as mudanças articuladas pelo padre Luiz

dentro da instituição religiosa, principalmente em tornar a paróquia independente

economicamente e politicamente do poder público causou certo estranhamento por parte

daqueles ligados ao grupo político dominante que mantinham certa aproximação na Igreja no

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período dos “Bons Tempos”, ainda mais o seu envolvimento na denúncia de irregularidades

da administração pública, sendo alvo de perseguições e ameaças por esse mesmo grupo.

Ainda no ano de 1991, padre Luiz Rodrigues solicitou em um documento escrito para

o presidente da Câmara de Vereadores, Renaldo Sampaio Silva, que juntamente com os

vereadores analisasse a aprovação da lei em que aumentava os vencimentos do chefe do

executivo e do seu vice, além os dos próprios vereadores. Questionou se tal ação estava

levando em consideração a Lei Orgânica do Município e o comprometimento ético de cada

um deles com o poder público. Com certeza essa sua interferência nas decisões efetivadas por

esses representantes incomodava demais esses políticos, pois essa sua interferência era a cada

dia vista como uma afronta a ordem estabelecida e sua posição bastante diferente dos padres

que ali haviam realizado suas ações pastorais. O que causou descontentamento por parte da

população ligada ao grupo político que há mais de 30 anos governava a cidade, como

também, o próprio grupo político que encarava a postura do sacerdote como um meio do

mesmo querer o poder.

Todos nós (os senhores também) alguns até em programas radiofônicos criticamos o escandaloso aumento dos vencimentos dos deputados estaduais há poucos meses, não é verdade? Nossa memória é tão fraca a ponto de já não nos lembrarmos mais disso? (...) Todos somos cidadãos e contribuintes. O dinheiro da prefeitura não é capital de empresários, é suor e sangue do trabalhador coiteense.”(Correspondência enviada à Câmara de Vereadores pelo padre Luiz Rodrigues Oliveira no dia 20/02/1991)

Dessa forma, padre Luiz tentava implantar entre os coiteenses, principalmente aqueles

que os representavam no poder público, que assumissem novos comportamentos com a

máquina pública, comportamentos esses ligados a honestidade, a ética e a moral cristã. Além

de conscientizá-los para novas práticas sociais, como também para o melhor cuidado para

com os mais necessitados e carentes da sociedade coiteense. Seu discurso se assemelha muito

com o do padre Silvino analisado por Marinélia Souza em sua dissertação de mestrado Padre

não deve se meter em política?Conflitos de política e religião em Riachão do jacuípe/BA nas

últimas décadas do século XX que possuía um discurso carregado de signos libertários que

desqualificavam a cultura política e religiosa local.

Essas ações do padre Luiz Rodrigues estavam acontecendo dentro de um cenário

político marcado por um sistema semelhante ao coronelismo, fenômeno característico da

República Velha, baseado em relações clientelísticas e no mandonismo de chefes políticos

locais que detinham o poder político e econômico. E que em Conceição do Coité o grupo

político dominante conseguiu sua hegemonia no poder utilizando de relações baseadas na

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troca de benefícios mútuos, e pessoais, na perseguição de seus adversários e usando os órgãos

públicos como cabides de emprego.

Francisco de Assis na sua obra Na mira dos coronéis evidencia que a política

coiteense nesse período estava marcada por duas personalidades políticas, os empresários do

ramo do sisal, Hamilton Rios e Misael Ferreira. Ambos se notabilizaram pela prática do

clientelismo e iniciaram suas carreiras políticas pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA),

partido dos militares governistas, e estavam ligados aos interesses do grupo político liderado

por Antônio Carlos Magalhães, líder do “carlismo”. Dessa forma, a política coiteense estava

dividida entre dois grupos rivais da mesma base governista: ARENA 1 e ARENA 2. Com o

processo de redemocratização essa ordem não se alterou, tais grupos se organizaram em

legendas pró-governo, a ARENA 1 migrou para o Partido Liberal (PL) e o Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) e a ARENA 2 para o Partido de Frente Liberal (PFL) e o Partido

Progressista Brasileiro (PPB). Este último que se mantém no poder há 36 anos.

Padre Luiz chegou a Conceição do Coité no período do governo de Ewerton Rios de

Araújo Filho (Vertinho) pertencente ao grupo político dominante ligado ao empresário

Hamilton Rios (Mitinho), grande líder político do município que lançou seu sobrinho

Vertinho para pleitear as eleições de 1988 e que acabou vencendo as mesmas. O grupo

liderado por Hamilton Rios era conhecido, e até hoje é chamado, de os “Vermelhos” sendo

detentor de uma hegemonia política que não era contestada por ser bastante querido e

possuidor de uma grande popularidade junto à sociedade coiteense. Sua oposição “os Azuis”

se formavam de quatro em quatro anos, para disputar as eleições, mas logo após serem

vencidos pelos “Vermelhos” não se opunham a liderança política de Hamilton Rios.

Oliveira em seu livro Conceição do Coité e os Sertões dos Tocós destaca que essa

popularidade do líder dos vermelhos foi alcançada a partir de sua prática assistencialista na

década de 1970. Nesse período aconteceu uma grande seca na região, no qual, o mesmo

montou um carro pipa e, interessado em votos, saiu distribuindo água nas roças e povoados,

pregando que o prefeito da situação, juntamente com seus aliados, não dava assistência ao

povo. E que durante dois anos doou inúmeros benefícios para a população carente para

conseguir seus objetivos políticos “a ponto das pessoas denominá-lo de pai dos pobres.”

Essa prática realizada pelo líder político do grupo hegemônico presente em Conceição

do Coité, como relata Oliveira, acentuava a condição de submissão do eleitorado ao mesmo

através das relações assentadas na benevolência deste e na conseqüente lealdade do eleitor,

existindo assim uma troca de favores, uma relação clientelista entre o eleitor e o chefe político

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e que muitas vezes o voto servia de retribuição a tais “favores” prestados e a não lealdade do

eleitor era vista como uma traição e uma ingratidão.

Segundo o depoente o Sr. Francisco de Assis, militante do Partido dos Trabalhadores

em Conceição do Coité, e que chegou ao município na mesma época que padre Luiz, para

trabalhar na Caixa Econômica Federal. Comenta que padre Luiz Rodrigues ao realizar sua

ação pastoral percorrendo por todo o município, visitando as comunidades rurais viu a

situação de miséria e abandono da população e começou a indagar sob quais bases essa

liderança fora constituída e por que Hamilton Rios (Mitinho) era um líder inconteste. Uma

vez que na prática, em termos de obras de assistência social, de prestação de serviços e de

desenvolvimento o município estava aquém do desejável. Pe.Luiz iniciou assim uma posição

de contestação frente a essa liderança que estava baseada em bases sociais frágeis e por isso

foi alvo de perseguição por contestar a hegemonia desse líder político no município.

Na eleição de 92, fruto disso, ele certamente encorajou as lideranças da oposição que se articulou em torno de um dissidente de Hamilton Rios, no caso Diovando Carneiro, e o padre Luiz se não apoiou formalmente, se não o levou ao palanque o Diovando Carneiro, mas de tanto falar e de tanto criticar Hamilton Rios acabou beneficiando, e muito, a candidatura de Diovando Carneiro que veio a derrotar pra surpresa de muitos Hamilton Rios nas urnas em 92. Enfim, sem padre Luiz eu acredito que seria muito difícil ou talvez impossível que Diovando teria vencido aquelas eleições. Padre Luiz era a pessoa que unia as oposições em torno da campanha anti-Hamilton Rios, o próprio Hamilton Rios e o grupo dele não esperava que alguém pudesse reagir a ele ao mando e desmando dele no município e quando padre Luis teve essa coragem. É bom a gente lembrar que padre Luiz era um sujeito muito popular primeiro porque era um intelectual, segundo porque tem um discurso muito bom, terceiro porque ele se embrenhou na sociedade coiteense. (...) Ele se envolvia nos problemas da comunidade, nos problemas do município, nos problemas sociais diversos, fazia passeatas contra a violência no município era uma liderança inconteste, e a sua liderança ainda não tinha sido combatida, o padre Luiz não tinha sofrido ainda uma campanha de difamação forte pelo grupo chamado vermelhos, cujo líder principal é o Hamilton Rios, ao perder as eleições em 92 eles despertaram pro tamanho do padre Luiz e o desgaste que ele houvera provocado no grupo foi aí que fizeram uma campanha difamatória contra o padre na tentativa de desmoralizado de persegui-lo. (ASSIS. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

Pela descrição do depoente padre Luiz teve um importante papel para a mobilização e

conscientização política contra o modo de administração dos “Vermelhos”, e por ter essa

postura política sofreu perseguições por contestar o poder hegemônico desse grupo no

município. Sem falar que suas ações serviram de base para encorajar as oposições políticas a

se articularem e enfrentarem o poder político de Mitinho a ponto de conseguirem vencerem as

eleições de 1992.

A oposição teve como candidato nas eleições de 92 o então vice-prefeito Diovando

Carneiro (Vando) que havia sido eleito nas eleições de 1988 e pertencia ao grupo - PPB/PFL

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– legenda do grupo de Hamilton Rios (Mitinho). Vando rompeu com tal grupo em 1992 e se

candidatou a prefeitura ao lado de Misael Ferreira, liderança proveniente da ARENA 1, que

estava então filiado ao PL– “os Azuis”. Concorre com o próprio líder dos “Vermelhos”,

Mitinho, vencendo as eleições. Sendo essa até então a única derrota do grupo político

hegemônico desde 1973.

Diovando Carneiro (Vandi) conseguiu popularidade entre a comunidade coiteense,

devido os seus serviços de transportar aqueles que precisassem de acompanhamento médico

em Salvador ou Feira de Santana, foi o vereador mais votado durante as eleições de 1982 pelo

PSD apoiando a chapa de Misael oposição de Mitinho e exerceu a presidência da Câmara

entre 1985 e 1986. Em 1988, como mencionado acima, rompeu com os “Azuis” e se

candidatou a vice-prefeito de Ewerton Rios de Araújo Filho (Vertinho), até então apenas

conhecido como “o sobrinho de Hamilton Rios”, pois não tinha atuado em nenhum cargo

político. Foi no ambiente de assistencialismo que a imagem pública de Vando foi difundida

entre a população.

Em 1992 Diovando e Misael lançam a chapa do Governo do Coração, filiados no

Partido Liberal (PL), sendo esse o slogan da campanha que fora sem muitos alardes em

comparação aos seus adversários Hamilton Rios de Araújo e Jorge Tirço que além de

possuírem uma força tradicional e econômica, possuíam um principal meio de comunicação

no período a Rádio Sisal. Assim utilizaria de todos os meios para garantir a manutenção da

máquina administrativa em suas mãos.

Devido a essa posição contrária ao grupo de Hamilton Rios padre Luiz sofreu inúmeras

hostilidades, como vimos acima. Durante o período eleitoral de 1992, precisamente no dia 25

de setembro de 1992 foram pronunciadas afirmações difamatórias sobre a postura do então

pároco num programa da Rádio Sisal devido o seu envolvimento com a política coiteense.

Eu acho que lugar de padre não é aí. O lugar de padre é na igreja. É chamando os fiéis para se aproximarem de Deus e não ficar se envolvendo em política (...). A igreja é lugar de trazer o povo para perto de Deus e pedir a Deus que resolva os problemas nossos e aqui na região e não fazer daí um antro de comunistas aí dentro desta igreja. Porque era um padre que honrava a batina que vestia. Este não está honrando. Este veio pra qui fazer política. (Processo nº 045/92 encontrado no Arquivo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité).

No trecho acima, fica claro a postura que o grupo dominante esperava de um padre, no

qual deveria se preocupar apenas com questões religiosas, ligadas a fé, deveria se dedicar na

condução dos fiéis para Deus e não para questionarem os problemas sociais da comunidade,

não deveria fazer política. Fica evidente também a concepção que esse grupo possuía a

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respeito da política, em que os debates e problemas políticos interessavam apenas para

aqueles que representavam politicamente a sociedade coiteense, somente esses tinham

legitimidade para criticar e discutir problemas sociais dessa comunidade.

Além disso, a crítica perante possíveis irregularidades na administração pública,

muitas vezes, se dirigiam para o plano pessoal, isto é, qualquer denúncia ou crítica que o

padre ou outro cidadão realizasse para com o gestor público era interpretada como uma

agressão pessoal para o gestor e quem realizasse tal ação ou era inimigo do gestor ou aspirava

algum cargo político. Dessa forma, padre Luiz foi visto por muitos políticos como um padre

que almejava suas posições e utilizava da batina, do ser padre, para ganhar popularidade

perante a população. Sem falar que muitos féis diante dessas ações do padre contra o grupo

hegemônico saíram da instituição religiosa.

Diante dos pronunciamentos desrespeitosos dirigidos ao padre Luiz por Mitinho,

meses após sua derrota nas eleições, o Diretório Acadêmico do CESCON distribui uma Nota

Pública por toda a cidade repudiando os termos injuriosos que tal político dirigiu ao padre e

apoiando a conduta do mesmo.

Tal acontecimento é bastante semelhante com o cenário político-religioso de Riachão

do Jacuípe nos fins na década do século XX, principalmente no período do padre Silvino

analisado por Marinélia Silva. Apresentando as mesmas características e interpretações que o

poder público local teve no momento em que o pároco de Riachão em seus sermões durante

as missas começou a denunciar iniqüidades e irregularidades da administração municipal um

espaço reservado apenas para um político, não pertencente ao povo, aos trabalhadores ou aos

sindicatos.

Segundo Vanilson Oliveira, o governo de Diovando Carneiro (Vando), foi marcado

por desentendimentos políticos inclusive com o vice-prefeito Misael, o que o levou a entregar

a administração municipal a um grupo de secretários oportunistas que mancharam seu nome e

o pressionaram alegando irregularidades na prefeitura. E que ao término do seu mandato o fez

cometer um ato suicida. Para Oliveira, tal candidato eleito não estava preparado para governar

uma cidade como Conceição do Coité.

Analisando o Jornal Tribuna Coiteense do período, que anos posteriores passa a se

chamar Jornal Coiteense, o governo Vando foi caracterizado por uma gestão que causou

inúmeros problemas para a população que se encontrava em total abandono e contava com

serviços públicos precários e ineficientes. E que o povo coiteense estava em tal situação

devido falta de competência desse governo na gestão pública e o seu desinteresse em resolver

os problemas sociais da região. Todavia, é interessante destacar que a postura política desse

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veículo de informação era constantemente debatida entre a população, principalmente aqueles

ligados ao governo da situação, que o considerava um meio para promover os interesses

políticos da oposição ao governo de Diovando Carneiro (Vando). E isso é evidenciado no

próprio jornal que publicava noticias a respeito desses debates e cotidianamente desmentia tal

postura. E no momento em que o grupo político ligado a Hamilton Rios (Mitinho) estava à

frente da prefeitura, tal jornal não assumia uma postura critica como no governo de Vando.

Abaixo, encontram-se relatos sobre esses debates publicados pelo próprio Jornal no período

em que Ewerton Rios de Araújo Filho (Vertinho) assumia a administração municipal.

O jornal coiteense não é da prefeitura. A prefeitura ocupa apenas duas páginas em cada edição, com fotos, para divulgar atos públicos e inaugurações. Sua contribuição é de apenas R$ 95,00 por edição com 500 exemplares, com uma vendagem de 2000 jornais, o restante é doado no dia seguinte para a população. (Jornal Coiteense, ano II, nº 45, 13 de fevereiro de 1999)

Ao analisar o Jornal Tribuna Coiteense, no momento em que apresentava a falta de

competência de Vando frente à administração municipal, publicava entrevistas realizadas com

importantes membros ligados ao grupo dos “Vermelhos”, o ex-prefeito Ewerton Rios e o

deputado estadual Emério Resedá, Nelas são comentadas os grandes feitos políticos

realizados por eles, como também, as críticas reservadas ao governo da situação, que o

mesmo não trabalha pelo progresso da cidade e enganava os pobres que a cada dia se

decepcionavam com as atitudes do governante.

Sobre a administração do atual Prefeito realmente não tem trabalho; você passa por Serrinha o Prefeito está trabalhando, em Retirolândia Trabalhando e em São Domingos o Prefeito também está trabalhando. Em Coité você PARÁ e pensa e vê o que está sendo feito em Coité, onde está sendo aplicado o dinheiro publico de Coité, mas na verdade o povo de Coité já esta consciente do erro cometido, UM GRANDE ERRO, você já pensou se fosse HAMILTON RIOS prefeito, ACM governador e EMÉRIO RESEDA Deputado Estadual, como Conceição do Coité, não estaria progredindo, mas infelizmente Coité errou em UM MINUTO e nós temos que pagar por quatro anos. (grifos do autor). (Jornal Tribuna Coiteense ano XIV, nº 89, maio de 1994, p.5).

No trecho acima, o deputado estadual Emério Resedá manifestou sua crítica ao

governo Vando acentuando que o mesmo não trabalhava para o progresso do município,

porque não fazia parte do grupo que trabalhava pelo município, sendo assim, não sabia

administrar o dinheiro público dos coiteenses e que os mesmos cometeram um grande erro ao

elegê-lo. Pois Vando não tinha segundo o deputado o apoio do governador, apesar de que

durante a campanha eleitoral cada prefeiturável pertencia a base de aliança dos partidos

governistas.

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...não dispor do apoio do governador é uma desgraça para qualquer prefeito, que, assim, ficaria manietado, impossibilitado de trabalhar em favor da cidade.[...] O ‘é

dando que se recebe’ [...] e o ‘toma lá dá cá’ estão de tal modo incorporados à vida política nacional que protestar contra isso é um ato quixotesco.” ( grifos do autor). (SANTOS.2000, p.30-31).

Percebe-se que o deputado tenta conferir como analisou Santos uma identidade aos

grupos políticos majoritários no município, o “grupo que faz” em oposição ao que “não faz”.

Desdobrando assim a rivalidade entres esses grupos políticos que de acordo com Santos

limitavam a discussão, o debate político a respeito dos problemas sociais, programas de

governo ou ideais políticos, a uma única alternativa: ser “Vermelho” ou “Azul”.

Apesar dessa vitória do grupo da oposição nas eleições de 1992, isso não significou

uma derrota do poder do grupo hegemônico presente em Conceição do Coité há 36 anos, isso

porque as mesmas bases governamentais presentes no período da gestão desse grupo liderado

por Hamilton Rios foram mantidas no período do governo de Diovando Carneiro (Vando).

Evidenciando, dessa forma que Hamilton perdeu apenas a eleição, mas as suas bases de poder

foram mantidas. Entendo que essa manutenção dos mesmos funcionários na administração

ligados aos “Vermelhos” se não foi a razão, contribuiu para que o grupo que articulou a sua

candidatura rompesse com Vando durante o seu mandato, ainda mais pelas inúmeras

irregularidades administrativas que foram descobertas e macularam o seu prestígio político

perante a sociedade coiteense.

Falando-se de Vando, o que se comenta por aí é que ele é mesmo “Vermelho” e que nunca foi “Azul”. E como exemplo estão ainda os funcionários de 2º Escalão trabalhando na prefeitura colocados por Mitinho e Vertinho, ganhando altos salários. Até mesmo na antiga delegacia ele deixou a amostra da sua cor partidária. Mais de 70 por cento da faixada da obra são de cor vermelha, não é mesmo? (Jornal Tribuna Coiteense , ano XIII, nº 78, 2º quinzena de maio de 1993,p.4).

O trecho acima publicado no Tribuna Coiteense em maio de 1993 demonstra que o

“Governo dos Azuis” não era tão azul assim, isso porque muitos funcionários do gabinete

ligados a administração municipal do governo Vando eram dissidentes do grupo de Hamilton

Rios (Mitinho) “funcionários do 2º Escalão trabalhando na prefeitura colocada por Mitinho e

Vertinho”. Acentuando assim que boa parte do seu secretariado era o mesmo do governo

tradicional dos Rios. Francisco de Assis no decorrer da entrevista fez questão de destacar essa

manutenção de funcionários da gestão anterior durante o governo de Vando demonstrando a

influência do poder que o grupo de Mitinho exercia dentro da comunidade coiteense.

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A breve interrupção que foi uma derrota política, mas não uma perda de poder é bom que se diga isso se alguém um dia for escrever a política de Coité nos últimos quarenta anos vai dizer que o grupo que domina o município perdeu uma eleição em 1992 com a contribuição decisiva de padre Luiz, mas não perdeu o poder uma vez que a espinha dorsal do grupo foi mantida a mesma equipe de licitação, o mesmo secretariado que decidia as questões administrativas, a mesma equipe de governo que fora quase que toda ela mais de mil empregados indicados nomeados de forma eleitoreira, sem concurso, por Hamilton Rios, essa turma toda foi mantida de modo que não perderam o poder, perderam a eleição. (ASSIS. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

O Sr. Francisco de Assis no relato acima destaca que o padre Luiz fora bastante

importante para a derrota política do grupo de Mitinho, apesar de como foi discutido essa

derrota não significar uma perda de poder. Mas a importância de um líder religioso, pela

primeira vez, em contestar a forma de fazer política do grupo dos Rios, principalmente às

práticas de clientelismo característica da política local, foi fator preponderante para sua

derrota nas urnas. E por possuir essa postura, como foi discutido anteriormente, padre Luiz foi

alvo de uma campanha difamatória sobre a sua pessoa feita pela Família Rios a partir dessa

derrota em 92. Pagou o preço por essa ação.

A Srª Ivonete Baldoino, ex-secretária da paróquia que foi empregada pelo padre Luiz

Rodrigues Oliveira logo na sua chegada, afirma que o que provocou a perseguição que o

pároco de Coité sofreu foi devido a sua luta de tornar a Paróquia Nossa Senhora da Conceição

do Coité independente dos laços econômicos e políticos estabelecidos entre a Igreja e o poder

público local. Como também, os costumes presentes no cenário religioso da região, por

exemplo, a manutenção financeira da Paróquia pela Prefeitura, a celebração de missas

particulares. E isso provocava estranheza principalmente por parte do poder público que

durante muito tempo esteve presente nesses costumes.

Eu me recordo que uma vez muito antes dessa problemática todinha de processos contra a igreja e ao padre Luiz. Uma pessoa influente do cenário político coiteense, foi marcar uma missa que segundo eles de costume acontecer no seu aniversário uma missa particular e ele me disse que dissesse pra qualquer pessoa que não celebrava, que colocasse a intenção numa missa ou da sexta ou a do domingo. Mas que não poderia. Essa pessoa não se deu por vencida, mas aceitou e colocou a intenção e ao término da missa segundo a pessoa era costume ele da uma colaboração, e ele foi entregar essa colaboração eu não me lembro se foi em cheque ou num envelope com dinheiro e padre Luiz disse a essa pessoa que fosse entregar essa colaboração a secretária paroquial no caso eu por que ele não recebia porque aquele dinheiro não era pra ele e sim para a paróquia. (...) a pessoa quando foi entregar a colaboração eu sentia que essa pessoa não gostou porque ela disse assim esse padre é diferente dos outros, ela usou essa palavra, em todos os lugares os outros padres celebram e recebem a colaboração e esse aqui não (...) então eu acho que esse foi o ponto principal que levou esses conflitos políticos, mesmo porque padre Luiz não teve somente essa ação política no sentido não partidário, mas nos sentido da cidadania, e ele envolveu na elaboração da lei orgânica municipal, eu me lembro que padre Luiz foi a Câmara de

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Vereadores falar dos salários dos professores e muitas outras coisas padre Luiz estava envolvido ele não era apenas um padre de celebrar missa e sacramentos. (BALDOINO. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

Percebe-se assim no relato da Sr.ª Ivonete que os conflitos vivenciados por padre Luiz

foram devido às mudanças implementadas dentro da instituição religiosa o que acabou

desagradando aqueles que não aceitavam suas novas diretrizes. Como também, devido a sua

postura em participar das discussões políticas a respeito dos problemas sociais da

comunidade, pois em momento algum se intimidou com as calúnias que eram proferidas a sua

pessoa, como evidencia os depoentes, uma postura política bastante madura e esclarecida,

entendendo o espaço político como sendo um direito de todo cidadão.

Nos relatos dos depoentes fica claro também que a contestação mencionada por padre

Luiz Rodrigues sobre as irregularidades da administração municipal em seus sermões durante

as celebrações na igreja, possibilitou que grupos políticos e movimentos sociais, como o

Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e o Partido dos Trabalhadores (PT), que também

não concordavam com o modo de fazer política da Família Rios se juntassem a essa

mobilização empreendida pelo sacerdote na luta por melhores condições de vida. Ainda mais,

pela conscientização política da comunidade coiteense frente à política clientelista

empreendida pelo poder local.

O padre Luiz estimulou lideranças do Partido dos Trabalhadores, o padre Luiz deu oportunidade, visibilidade a algumas lideranças do partido e eu posso me incluir nisso, houve um programa de debate da TV Cultura e ele nos convidou a mim e a Joilson (...) dois notórios petistas embora o PT fosse pequenininho ainda e pouco influente no município, com o padre Luiz o PT começou a ter visibilidade, as lideranças do PT se sentiram a vontade pra se organizar se articular se apresentar, levar suas propostas para a sociedade, ele contribuiu muito para a ascensão de algumas lideranças do PT de Conceição do Coité entre os quais em me incluo. (...) o exemplo que ele dava de participação na vida social do município e o incentivo que ele promovia para as lideranças do partido dos trabalhadores fizeram com que ele possa ser com justiça, considerado uma pessoa que contribuiu para as causas das oposições e do partido dos trabalhadores em especial (...) a amizade dele com Waldir Pires o tornou mais petista, ele nunca foi pestista embora ele tenha sido quando chegou aqui ou já o era “waldirista” e a vinda de Waldir para o PT facilitou essa aproximação dele com o PT de Conceição do Coité. (BALDOINO. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

Semelhante a essa participação do padre Luiz Rodrigues Marinélia Souza Silva relata

que a postura de contestação do pároco de Riachão do Jacuípe contra a liderança política

ligada ao “carlismo” que governava desde 30 anos essa comunidade foi de suma importância,

pois o mesmo com os seus sermões representava o discurso de todos aqueles que estavam

descontentes com os rumos da administração pública local, articulando-se com diversos

movimentos sociais locais, como por exemplo, o STR e o MOC. Apesar de sempre ele se

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colocar apartidário, que seu trabalho era religioso e seguia as determinações da CNBB, mas

esse discurso não convencia a população, que via em suas ações um meio de satisfação de

interesses pessoais. Além disso, destaca a sua participação juntamente com seus leigos no PT.

“concebiam que as diretrizes do partido estavam afinadas com o projeto social da igreja, e acreditavam que através dele podiam contribuir para a concretização do projeto de concorrer às eleições” (SILVA.2005,p .187).

De acordo com o que vem sendo discutido a respeito do envolvimento político de

padre Luiz na comunidade coiteense, no inicio do ano de 1994 ele liderou um movimento

junto com seus paroquianos pela não realização da festa da micareta naquele ano devido à

seca presente na região, o que acabou provocando novos conflitos com o chefe político local,

que incomodado com as ações políticas do pároco e seu envolvimento com grupos de

oposição dirigiu no dia 13 de março de 1994 na Associação Coiteense Castro Alves (ACCA)

e posteriormente através do seu veiculo de comunicação, a Rádio Sisal, pronunciamentos

contra a ação do referido padre causando assim, um grande descontentamento por parte dos

fieis que articularam a circulação de uma carta aberta pelas ruas da cidade repudiando os ditos

pronunciamentos e defendendo a postura do sacerdote.

Este Sr. querendo atingir o ministro de Cristo, o Padre Luiz que tanto tem se dedicado à Igreja e ao município de C. Coité, feriu todos os cristãos-católicos; com suas palavras insolentes chamou todos os católicos de seguidores de Satanás, com suas palavras insanas, chamou todos nós ministros de Satanás (...) Sr. Hamilton, você pode ter o poder econômico, o poder de manipulação, o poder de persuasão, mas não tem o poder de mudar a HISTÓRIA DA IGREJA e de UM MINISTRO DE DEUS QUE TEM AS MÃOS LIMPAS, que não se dobrou e não se dobrará aos seus caprichos (grifos do autor).(Mensagem ao povo coiteense e da região elaborada pelo conselho paroquial de C. do Coité no dia 24/03/1994).

Perante a carta publicada Hamilton Rios (Mitinho) enviou uma carta resposta

endereçada à Paróquia de Conceição do Coité lamentando do acontecido e afirmando que em

nenhum momento teve a intenção de ofender ou utilizar para interesse pessoal a Igreja, e se

por acaso algum ato dele havia ofendido a mesma que o perdoasse. Contudo, não relatou nada

sobre o posicionamento político do pároco, porém argumentou que o verdadeiro papel da

Igreja era o de lutar pela paz e pala harmonia entre os homens.

Podemos discordar em relação a muitos pontos de vistas. Mas devemos ter sempre em mente que a violência, as guerras, as intrigas e as inimizades nos afastam do nosso Pai. Cristo ensinou que devemos amar uns aos outros. Mas nós, que somos imperfeitos falhamos muitas vezes, e muitas vezes atiramos pedras quando o certo seria perdoar e

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procurar compreender as razões alheias (Carta de Hamilton Rios para a Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité no dia 03/04/1994).

Apesar desses pronunciamentos em resposta a Paróquia os conflitos entre o padre e o

líder político Mitinho não cessaram, o que aconteceu é que a partir deste ano eles acentuaram.

No mesmo ano a Festa da Padroeira da cidade foi vivenciada por um clima tenso existente

entre a Igreja e o grupo político liderado por Hamilton Rios37. Neste períodoa Paróquia

assinou um contrato com a Rádio Regional de Serrinha e a TV Cultura do Sertão para as

transmissões das missas dominicais, visto que, tal programa fora cortado da programação da

Rádio Sisal devido os sermões do pároco que despertava seus féis para atenção das práticas

clientelistas presentes em Conceição do Coité. Os anos posteriores foram marcados pela forte

presença da Igreja nas discussões políticas em que “o alvo principal da ira dos coronéis, por

ter ousado enfrentá-los, foi o pároco de Conc. do Coité, Padre Luiz Rodrigues Oliveira” 38

No ano seguinte, perante a postura política do então pároco “os Vermelhos”

realizaram uma campanha pela saída do padre Luiz da administração da paróquia indo

diversas vezes à Diocese de Feira de Santana39, encontrar-se com o bispo D. Silvério

Albuquerque40, relatando as ações políticas do padre, interpretadas como politicagem para

querer o poder. Ao mesmo tempo os leigos articularam com o apoio do Diretório Acadêmico

do CESCON um abaixo assinado solicitando a permanência do padre sendo encaminhada ao

Cardeal Primaz de Salvador com mais de mil assinaturas.

A depoente Ivonete Baldoino relatou que os representantes do Conselho Pastoral e

Econômico da Paróquia também foram ao encontro do bispo pedir a permanência do pároco

em Coité, esclareceram a posição do padre Luiz e todas as retaliações que ele havia sofrido. E

exigiam uma atitude do mesmo.

Nós pegamos todos os panfletos a gravação das falas do chefe político da época xingando padre Luiz num determinando local, pegamos tudo fizemos uma carta ao bispo e nos o fomos a D. Silvério, ele já tinha conhecimento, mas assim uma coisa paroquial, nós fomos e comunicamos isso a Diocese. Fizemos uma peregrinação em toda a Diocese, já que eles tinham o meio de comunicação e muitas vezes isso vazava por esse meio, nós também usamos de uma coisa simples que foi a nossa voz. Nós éramos em media umas trinta pessoas, mas que vinte acompanhava. (BALDOINO. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

37 Livro de Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Coité. p. 89. 38 SANTOS, Francisco de Assis Alves. Na mira dos coronéis : cartas a um professor coiteense. Dissertação de Pós-Graduação Latu Sensu, Especialização em Estudos Literários, UNEB – Campus XIV, 2000. p. 52 39 Diocese na qual a paróquia está na circunscrição administrativa e pastoral. 40 Bispo responsável pela ação pastoral dessa região

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Porém, não houve nenhum pronunciamento do então bispo a respeito desses conflitos,

mas no mesmo ano ele foi substituído pelo D. Itamar Vian, vindo do oeste baiano, e que

esteve em Conceição do Coité em agosto de 1995 para presidir uma Celebração Eucarística.

Sendo a primeira paróquia a ser visitada pelo mesmo, demonstrando assim o apoio a postura

de padre Luiz Rodrigues e confirmando a sua permanência na comunidade paroquial de Coité.

Marinélia Silva em Padre não deve ser meter em política? desataca que D. Itamar

participava ativamente de movimentos sociais na antiga diocese que administrava, sendo essa

a possível causa de sua transferência para Feira de Santana, e nessa Diocese “intensificou o

movimento de setores que preconizavam o distanciamento de uma liturgia conservadora e se

aproximava de uma evangelização libertadora”.41

Durante a campanha eleitoral do ano de 1996 aconteceu o primeiro Debate entre os

candidatos a prefeitos de Conceição do Coité, organizado pelos dois importantes veículos de

comunicação do município a TV Cultura do Sertão e a Rádio Sisal. Contou com a

participação dos dois candidatos que pleiteavam o cargo do executivo o ex- prefeito Ewerton

Rios de Araújo Filho (Vertinho) PPB/PFL e o vice-prefeito da situação Misael Ferreira

PL/PSDB. Tendo a participação do padre Luiz Rodrigues como um dos entrevistadores, o que

representou para muitos um envolvimento profundo da instituição religiosa no município,

pois foi um acontecimento até então inédito nas disputas eleitorais do cenário político

coiteense e que teve uma grande repercussão em torno da população.

“O debate foi um grande sucesso está de parabéns os organizadores TV CULTURA DO SERTÂO e RÁDIO SISAL pelo exercício da democracia. O debate não houve vencedor, mas somente o povo é que ganhou, pois só assim o eleitor poderá tirar algumas dúvidas.” (Jornal Coiteense, nº 3, 30 de agosto de 1996,p.1).

De acordo com os registros do Livro de Tombo da paróquia o “clima” na cidade

durante essas eleições estava bastante tenso, ainda mais pelo posicionamento político da

Igreja de estar conscientizando a população local a respeito do voto e na participação nos

debates políticos para a mudança sócio-política da comunidade. Para isso, ela utilizou de

cartilhas editadas pela Diocese que orientavam os fiéis a como escolherem candidatos

comprometidos com a luta do povo. A utilização dessas cartilhas pela paróquia além de

contribuírem para essa conscientização serviu de base legitimadora para as ações políticas do

pároco e do novo vigário que chegou ao município, o padre Antonio Elias Souza Cedraz, pois

41 SILVA, Marinélia Souza. Padre não deve se meter em política? Conflitos de política e religião em Riachão do Jacuípe/BA nas últimas décadas do século XX. Dissertação de Mestrado, UFBA, 2005. p. 08

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os mesmos realizavam tal ação seguindo as orientações da Igreja a nível Regional e

Diocesano.42

O padre Antonio Elias Souza Cedraz, chegou à paróquia no dia 04 de março de 1996,

coiteense, natural do Distrito de Juazeirinho, foi aceito por D. Itamar Vian para fazer uma

experiência pastoral na Diocese de Feira, no momento que estava saindo da Congregação

Salesiana43, sendo que nessa transição padre Luiz teve importante papel para a sua vinda para

a Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Padre Elias realizou seu trabalho junto da juventude

e dando maior assistência para a Zona Rural do município, principalmente na organização das

CEB´s da paróquia, articulando inúmeras lideranças e promovendo espaços de discussão

sobre política com a Pastoral da Juventude (PJ). Deu enorme apoio a postura política de padre

Luiz, sendo um dos mais incentivadores desse processo de contestação das irregularidades

públicas, pois comungava das mesmas idéias do pároco.

Os “Vermelhos” foram os grandes vencedores dessas eleições, conseguiram retomar o

cargo do executivo e reafirmaram sua posição na Câmara Municipal.

A vitória retumbante em 1996 não foi bastante para o PPB-PFL coiteense. Seus líderes e aliados, em vez de se darem por satisfeitos e irem comemorar com sues eleitores, estranhamente, passaram a hostilizar e perseguir seus adversários. Nas ruas, faziam provocações e exibiam faixas ofensivas contra quem não votara neles; na imprensa, davam declarações arrogantes e insultantes. (SANTOS, 2000,p. 48)

Como evidenciado acima, quem foi o centro dessas hostilidades foi o padre Luiz

devido o seu posicionamento político de oposição ao grupo de Hamilton Rios (Mitinho), e

durante a semana das comemorações foi alvo constantemente de ameaças e xingamentos. No

dia 04 de outubro de 1996, à noite, a casa paroquial foi depredada e tentaram invadi-la para

“linchar” o padre. Em meio à tamanha confusão havia um grande boneco vestido de padre e

um grande estilingue proferindo palavras de baixo calão, atingindo dessa forma a moral do

pároco e fazendo ameaças ostensivas. No outro dia a igreja matriz foi invadida por um

desconhecido trajado de vermelho que, em atitude desrespeitosa provocou mal estar às

senhoras que lá estavam. No dia 06 de outubro do mesmo ano outros indivíduos tentaram

tumultuar a celebração da missa e colocaram um cachorro vestido de padre na igreja matriz,

no final da celebração a igreja foi invadida por cidadãos que ate portando paus desejavam tirar

satisfações com o padre.44

42 Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité. p. 90 43 Congregação Religiosa Masculina nascida oficialmente no dia 18 de Dezembro de 1859, em Turim, sendo fundada por D. Bosco. 44 Mensageiro ano III nº 5 Julho de 1997

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Era o auge do fascismo extemporâneo, anacrônico e covarde. Era a dor da consciência dos que não sabendo rezar não entenderam a mensagem do amor que se faz viril; da verdade que se torna denúncia; da religião que é profecia. (Jornal O Mensageiro ano III nº 5 Julho de 1997, p.1)

Iniciava assim um período de extremo desgaste para o padre e seus seguidores. A

missa das 8h da manhã do dia 6 de outubro de 96 foi o ponto inicial para o desenrolar de um

processo judicial contra o padre Luiz Rodrigues devido a seus discursos sobre a situação

política que era vivenciada. De acordo com as fontes analisadas, Livro de Tombo, Cartas dos

Conselhos da Paróquia, depoimentos orais e textos jornalísticos, sete vereadores Adauto

Ferreira Mota, Aldomir Mota Mascarenhas, Cláudio Resedá, Francisco Apolônio Ferreira,

Casemiro Santos Ramos, Edevaldo Santiago Ramos e Sínima Maria Oliveira Silva

apresentaram o Voto de Repúdio na Câmara Municipal no dia 19 de outubro de 1996 para o

padre Luiz Rodrigues devido a seus discursos pronunciados na igreja matriz, segundo os

autores, o padre havia agredido moralmente todo o povo coiteense com os seguintes trechos

citados no referido voto:

Talvez os vingateiros homicidas estejam dentro da própria Igreja. Existe um grupo organizado de assassinos em potencial, que se coligaram e se organizaram para nos destruir. Este grupo tem várias facetas, ele manifesta de várias maneiras e em várias ocasiões e eu sou o alvo principal. O pior é que a gente pode até dizer: as cachorras também. E são senhoras. Por trás dessa cachorrada tem senhoras. Tem senhores e senhoras ilustres que desceram ao nível de cachorros e cachorras. (Processo nº 068/96 no fórum Durval Pinto da comarca de Conceição do Coité / Ba.).

O referido voto foi aprovado no dia 04 de novembro/96 pelos mesmos vereadores que

dois meses antes concederam o título de Cidadão Coiteense ao padre Luiz por unanimidade, e

requeriam que o presente voto ao repudiado fosse amplamente divulgado nas instancias

superiores da Igreja e nos mais diversos meios de comunicação social. Além desse voto, os

mesmos vereadores moveram uma queixa-crime no fórum local contra o padre Luiz porque os

pronunciamentos haviam ofendido com difamação e injúria tais vereadores.

Prosseguindo a análise das fontes, principalmente àquelas ligadas a instituição

religiosa, os vereadores que moveram os mencionados atos acima referidos haviam distorcido

e descontextualizados tais pronunciamentos do sacerdote, pois naquele dia ele havia realizado

sua reflexão embasada num texto bíblico do Evangelho de Marcos 12, 1-12; Matheus 21, 33-

46 e Lucas 20, 9-19 que se referem à Parábola dos vinhateiros.

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“Eis os fatos: no dia 06 de outubro/96, comentando o Evangelho do dia o padre disse “... vou girar a profecia para dentro da Igreja ...” “... talvez os vinhateiros homicidas estejam dentro da própria Igreja...” em outro momento falou-se de assassinos em potencial. Vejam a que ponto chegam o fabatismo e a cegueira: trunca-se uma reflexão embasada num texto bíblico (cf. Mc. 12, 1-12; Mt. 21, 33-46 e Lc. 20, 9-19) e a transforma numa peça de processo criminal. O fato torna-se ainda mais grave em se tratando de um texto sagrado, Palavra de Deus! Nem no texto citado nem na homilia do padre existe a expressão “vingateiros homicidas”, conforme consta da petição da queixa-crime (fl. nº 02), mas vinhateiros homicidas. Descontextualizaram a homilia suprimindo a expressão “... talvez os vinhateiros homicidas estejam dentro da própria Igreja.( Jornal O Mensageiro, ano III, nº4 , junho de 1997,p.1).

O fragmento acima foi retirado do informativo da paróquia O Mensageiro do mês de

junho/1997, sendo que em nove edições foram publicadas matérias acerca do processo que o

padre Luiz respondeu intituladas de “A História de um Processo”. Nas publicações percebe-se

a preocupação de esclarecer a população sobre o que havia motivado esses vereadores a

moverem tal ação contra o pároco. Demonstram também que a postura política do mesmo

estava fundamentada nos Evangelhos sempre fazendo alusão dessas perseguições com as da

própria Igreja, e o mesmo estava pagando o “preço” por ter falando a verdade e denunciado as

irregularidades da gestão pública diferente de muitos que se tornaram subserviente com o

poder político local.

Mas além dessa queixa crime, no mesmo período a Igreja Católica local se mobilizou

contra o Projeto de Lei nº181/96 de autoria do vereador Cláudio Resedá que revogava a Lei

Municipal nº 01/87, assim a data da micareta da cidade voltaria a ser realizada a partir do

Sábado de Aleluia. Os católicos contrários a tal projeto se organizaram e foram até a Câmara

Municipal pressionar os vereadores para a não aprovação do referido projeto, da mesma

forma que anos atrás se mobilizaram para a aprovação da Lei Municipal nº 01/87 que fixava a

data da micareta para o sábado depois do Domingo de Páscoa para tal festividade não

atrapalharem as celebrações da Semana Santa.

Em contra partida, o jornal local Coiteense em artigos publicados, dizia que a

hostilidade que o padre estava vivenciando era devido às provocações que o mesmo realizava

de domingo a domingo em seus sermões com palavras inadequadas para um padre proferir. E

em seu editorial no dia 13 de dezembro de 1996 trazia o seguinte título “Da derrota e da ira de

Luiz” mencionando que o pároco estava sendo contrário a verdadeira missão de um sacerdote,

que era o de promover a paz e os ensinamentos de Cristo a compaixão, o perdão, a

solidariedade e o amor entre os irmãos. O mesmo estava semeando a discórdia por estar a

serviço de um grupo político que havia perdido as eleições e o mesmo não sabia reconhecer

sua derrota.

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Realmente o tempo é o senhor da razão e já se vão aqueles tempos em que este senhor era tratado como herói, representante da coerência, da moralidade e do bom senso. No passado, eram poucos aqueles que desconfiavam dessa máscara de bom homem e bom pastor. Agora, a verdade é mais que evidente. Mas perguntamos, quem provocou a queda da máscara? Respondo com a frase de um amigo: ’O mal por si próprio se destrói.(Jornal Coiteense nº XII, 13 de dezembro de 1996, p.2).

O posicionamento antagônico dos jornais (apesar deles claramente definirem seu

posicionamento) a respeito da postura do padre demonstra o quanto à ação política do

sacerdote era um divisor de opiniões entre os coiteenses, é evidente que aqueles que estavam

ligados a Igreja e próximos do sacerdote - como àqueles que faziam oposição ao grupo dos

“Vermelhos”- eram defensores dessa ação liderada pelo padre Luiz, e que o mesmo seguia as

orientações do Vaticano II e da CNBB. Contudo, o que chama atenção é que essa participação

dos fiéis era sustentada não só por estar ferindo a Igreja, mas porque o padre estava

sustentando os ensinamentos da justiça social. E muitos que estavam ligados a prefeitura, que

tinha algum emprego público, não podia apoiar abertamente a postura do sacerdote, com

medo e receio de perderem seu cargo ou sofrerem algum tipo de retaliações, mas

discretamente admiravam a postura e honestidade do sacerdote.45

Esse posicionamento antagônico também teve seus reflexos na Câmara Municipal isso

evidenciado pela recusa da presidenta da Câmara Eliana Cirino em dar a publicidade pedida

pelos vereadores que queriam que o voto de repudio fosse comunicado às instituições

eclesiásticas desde a Paróquia de Coité até o Vaticano, à imprensa desde as locais até a revista

Veja.46. Por essa recusa a presidenta da Câmara respondeu a um mandato de segurança junto à

justiça local e por não ter cumprido chegou a ter decretada sua prisão preventiva.

A depoente Ivonete Baldoino destacou que o período do processo levantado contra o

pároco foi o momento mais acentuado do conflito entre Igreja e poder político iniciado logo

na chegada do padre Luiz, em que o mesmo rompeu com os laços estabelecidos entre as duas

instituições como analisado no segundo capítulo, isso devido a grande mobilização dos

envolvidos em defender suas posições e a articulação que os paroquianos tiveram no apoio ao

padre processado durante suas audiências.

O processo foi à gota d’água de tudo, mas ainda porque o processo não veio por uma pessoa de fora ele veio por uma pessoa que estava próximo da gente que era uma pessoa de muita vivencia de fé. (...). houve uma divisão isso não resta dúvida (...) pessoas ligavam e ameaçavam constantemente o padre Luiz, foi um tempo de tortura, que nem tudo se poderia ser passado para o padre Luiz, quando era uma ameaça de

45 Entrevista realizada com a SrʚIvonete Baldoino em 19/12/2009. 46 Jornal O Mensageiro outubro de 1997

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morte eu tinha que dizer a ele, era algo de meia a meia hora, me parece que até organizado, as vezes as vozes eram as mesmas e os horários. Nossas idas ao fórum, todos os dias encontrávamos na igreja, antes da audiência íamos juntos, isso esta gravado na minha memória, era fé misturado com um sentimento de revolta, essas caminhadas, que a gente dizia, de caminhada penitencial da igreja para o fórum, do fórum para a igreja, pra ali agradecer, a igreja cheia de gente aquele povo todo sentido. (BALDOINO. Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

O primeiro trecho da depoente mostra a revolta e indignação dos leigos envolvidos na

paróquia ao saberem do processo, ainda mais pelo fato do vereador Adauto Mota um dos

autores da queixa crime ter uma aproximação com a igreja local, que por muito tempo

participava das pastorais da paróquia chegando a atuar na liderança de alguns em anos

anteriores. Em analise das atas da Câmara Municipal freqüentemente nas audiências entre o

período para a aprovação do Voto de Repúdio demonstra a insistência do então vereador para

a expedição do Voto.

O vereador Adauto Mota citou mais uma vez a expedição do Voto de Repúdio ao Pe. Luiz Rodrigues Oliveira, aprovado na sessão do dia 04, relativo ao tratamento dado por Pe. Luiz a comunidade. (144 º Ata da sessão ordinária da atual legislatura da Câmara municipal no ano de 1996).

No depoimento acontecido no dia 18 de dezembro de 2009 o Sr. Adauto Mota

comentou que apesar de ser um dos autores do processo não tem nada contra a pessoa do

padre Luiz Rodrigues, apenas não concordava com algumas atitudes dele, principalmente o

envolvimento da igreja com a política e que o tal processo foi um mal entendido político.

O processo pra mim foi algo muito desgastante, porque militante da igreja, estava a frente de pastoral de movimento e subitamente me deparo numa situação em que eu possuía um cargo político, e na época da retirada do titulo de cidadão de padre Luiz, isso nos contivemos, mas a questão do processo por conta das colocações do padre Luiz com relação aos vereadores essa não consegui porque feriu , o pessoal se sentiu ferido e na hora da elaboração do documento para o fórum e por conta da ordem alfabética saiu primeiro o meu nome (...) mas acontece que a especulação deu por conta de mim que eu tinha sido o autor disso mas não foi verdade, porque a relação que foi tirada saiu primeiro o meu nome que vinculou foi o meu então ficou claro pra muita gente que foi eu que encabeçou, mas infelizmente não. Venho uma pessoa anti-carlista na época prevalecia aqui e ate hoje prevalece então na época não deu outra, foi os carlistas contra padre Luiz ,porque padre Luiz levantava a bandeira do anti-carlismo e ele tinha lá suas razões e eu não vou tirar jamais nem tão pouco condená-lo por isso, mas como na época eu também participava de um grupo que era carlista, mesmo contra certas decisões tive que assinar.(MOTA. Entrevista concedida em 18 de dez./2009).

Diante desses acontecimentos os leigos enviaram cartas para instituições religiosas e

para alguns políticos da época relatando das hostilidades que o padre estava recebendo devido

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a sua postura política e o acompanharam em todas as audiências sobre o processo levando

faixas, cartazes e rezavam em frente do fórum em apoio ao pároco. E em muitos momentos

enfrentaram violentamente as provocações de pessoas ligadas ao grupo político dos

vereadores que moveram a queixa crime que também estavam presentes nas audiências com

suas bandeiras vermelhas, “era uma verdadeira guerra” como afirma a depoente Srª Ivonete

Baldoino.

E o reflexo dessa “guerra” foi percebido durante a festa da padroeira da cidade do ano

de 1996 em que depois de realizada a procissão algumas pessoas ligadas ao grupo dos

“Vermelhos” tentaram violentar fisicamente o sacerdote devido “aos seus pronunciamentos

voltou a desagravar ações de alguns vereadores” 47

A Diocese na pessoa do bispo D. Itamar Vian juntamente com outros bispos, padres e

religiosos publicaram no Jornal A Tarde uma moção de solidariedade ao padre Luiz

Rodrigues devido a sua postura corajosa de enfrentar todas as audiências do processo.

“Estamos conscientes de que a causa principal dessas perseguições é a fidelidade evangélica,

o compromisso profético inerentes à sua missão sacerdotal.” 48 Sendo que no dia 18 de janeiro

de 1997 havia presidido uma celebração eucarística em Conceição do Coité em solidariedade

ao padre devido os apelos de outros padres da diocese. A paróquia recebeu inúmeras cartas de

solidariedade ao padre Luiz vindas de diversos lugares, como por exemplo, Lorena/SP, São

Paulo, Brasília e Salvador evidenciado assim a repercussão que esses conflitos tiveram não

apenas para a comunidade coiteense, mas ultrapassaram os seus limites.

No dia 11 de março 1997 tais processos foram anulados por sentença da então Juíza de

Direito, porém os mesmos vereadores entraram com nova queixa via Ministério Público no

dia 20 de março/1997 cuja audiência seria no dia 17 de junho/1998, mas antes de sua

realização os vereadores encaminharam uma petição ao Juiz de Direito da Comarca

solicitando a extinção do feito.

Padre Luiz Rodrigues Oliveira permaneceu na administração da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité ate o ano de 2000, e mesmo vivenciando esses conflitos

políticos no período dos processos que perduraram até finais do ano de 1998, não se intimidou

em continuar tendo a mesma postura de envolvimento com a vida política do município desde

a sua chegada, como foi analisado. Em conscientizar a população coiteense a participar das

discussões políticas, a se comprometerem nesse espaço como cidadãos ativos e atentos às

47 Jornal Coiteense nº XII, 13 de dezembro de 1996, p.2 48 Jornal A Tarde 09.12.1997

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“armadilhas do poder” e para isso utilizou de diversos meios o primeiro na via da educação e

daí por diante do rádio, da TV, do jornal e do espaço eclesial.

Penso que as ações de padre Luiz proporcionaram não apenas mudanças a nível

político e social, mas contribuiu muito para a formação de uma nova concepção da política no

meio da comunidade coiteense. Desmistificando uma cultura presente na mesma de que

apenas os políticos que elegemos têm o direito de estarem discutindo e participando da vida

política, apesar de muitos ainda possuírem essa mentalidade, mas sim todos os cidadãos, até

mesmo sendo um padre, devem estar presentes e promover discussões políticas para a

melhoria de sua sociedade.

Como foi percebido o objetivo central desse capitulo foi narrar a reação da população

coiteense ligada a Igreja e ao grupo político dominante, como também dos políticos frente à

oposição política assumida pelo padre Luiz Rodrigues representante da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité dentro da perspectiva de mudança que o pároco implementou

na instituição religiosa, bem como, a sua interferência na política coiteense que foi

interpretado por muitos como um meio do padre utilizar “sua batina” para querer conquistar

algum cargo político no município.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No ano dia 04 do mês de fevereiro do ano de 2001 chegava a Paróquia Nossa Senhora

da Conceição do Coité o novo pároco o Padre Antonio Elias Cedraz, vindo da Paróquia

Sagrada Família da cidade de Valente. Ele já havia trabalhado com o padre Luiz Rodrigues

durante o período de 1996 a 1998 para administrar a paróquia devido à transferência do padre

Luiz para o Seminário Diocesano Santana Mestra em Salvador onde iria ser reitor, cuidar da

formação dos futuros padres da Diocese de Feira de Santana. Com certeza aqueles que no ano

de 1994 iniciaram uma campanha para a saída do mesmo da referida paróquia estiveram

satisfeitos com a sua transferência, mas tinham a certeza também que o novo pároco Pe. Elias

iria dar continuidade aos trabalhos feitos pelo padre Luiz Rodrigues, inclusive na sua relação

com o poder político local.

A despedida do Pe. Luiz foi marcada com homenagens e agradecimentos,

principalmente, por ter mobilizado a comunidade eclesial na construção em mutirão do Centro

Comunitário, “o sonho que iniciou no dia 11 de fevereiro de 1998” 49·, sendo este o marco da

ação pastoral e o empenho administrativo do período que o padre Luiz permaneceu durante

onze anos nessa paróquia e que foi inaugurado no dia 08 de dezembro de 2000.

Perante a sociedade coiteense padre Luiz foi visto e interpretado sob diversos

“ângulos” um padre honesto, polêmico, educador, político, baderneiro, provocador... Devido

as suas ações e seu envolvimento com a política suscitou vários olhares a respeito da sua

pessoa e do seu ministério sacerdotal.

Para os leigos o padre Luiz foi um exemplo de coragem e integridade. Um defensor

dos bons princípios e um anunciador da verdade, devido a sua postura de denunciar as

irregularidades da administração municipal e de defender a justiça e os mais necessitados,

principalmente daqueles envolvidos pela ignorância política. Nos relatos destes leigos e nas

inúmeras cartas escritas sobre a pessoa do pároco, o mesmo é visto como sendo aquele que

libertou a paróquia da subserviência que a mesma possuía com o poder público municipal. Na

qual, se encontrava passiva frente aos problemas da comunidade e dela mesma, um desses, a

dependência econômica.

Tais leigos enfatizam muito o empenho administrativo do padre Luiz em reestruturar a

paróquia, contratando novos funcionários, informatizando a secretária paroquial, catalogando

todo o patrimônio da paróquia, fortalecendo o dízimo e assumindo diante dessas arrecadações

49 Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité.p. 102 v.

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total transparência ao disponibilizar para todos os balancetes mensais da paróquia. Descrevem

também sua dinamização pastoral com os leigos investindo na formação e reestruturação de

pastorais, grupos e movimentos. Seu empenho na organização das Festas da Padroeira que

passaram a ter uma dimensão de valorização da cultura regional e aumentaram as atividades

para uma maior participação dos leigos e sua vontade de não querer trabalhar sozinho, mas

contando com o Conselho Pastoral e Administrativo que não apenas possuía a função de

aconselhar seu trabalho, mas que teve segundo os depoentes uma profunda participação nas

decisões a respeito dos rumos da paróquia.

Vários relatos destacaram a participação do padre Luiz na mudança do cenário sócio-

político coiteense devido a sua participação na vida política do município, um dos

responsáveis pela elaboração da Lei Orgânica do Município e outras atividades educativas e

culturais. Como também sua conscientização para que os fiéis compreendessem o verdadeiro

papel do ser político.

Os poderosos não entenderam a postura do novo pastor que buscava conscientizar os menos esclarecidos do verdadeiro sentido da política. Nas suas pregações, orientava-nos no sentido de que a conversão política consiste em procurar nos acontecimentos que pode se verificar no mundo, um valor permanente que pode identificar-se com a libertação. E que uma conversão política supõe e exige reflexão, uma pesquisa que não se realiza só teoricamente, mas na ação. (Carta do Conselho Pastoral do dia 01 de fevereiro de 1997)

Além disso, muitos relatos dos entrevistados destacaram a segunda opção de vida do

padre Luiz: Educar. Relataram inúmeras iniciativas educacionais promovidas por padre Luiz

Rodrigues, como a formação do Educandário Divino Mestre. O exercício do magistério no

Colégio Polivalente da rede estadual de ensino onde ministrou aulas para formação de futuros

professores do município e um dos fundadores do Curso de Magistério no Colégio José

Ferreira no distrito de Salgadália. Sua luta juntamente com alguns leigos para a

implementação do CESCON e suas idas a Câmara Municipal para denunciar os mínimos

salários que os professores municipais recebiam.

Para aqueles que viam a participação do padre Luiz na vida política do município

como meio do mesmo querer conquistar prestígio para no futuro pleitear algum cargo político,

padre Luiz era uma ameaça para o poder estabelecido que incomodados com a sua ação

política iniciaram uma campanha de difamação e perseguição ao padre devido os seus

discursos que denunciava as relações clientelistas presentes nessa comunidade. Sendo alvo de

vários processos e inúmeras ameaças sendo que não classificaram a postura do mesmo como

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sendo de um religioso que seguia as orientações dos ensinamentos cristãos e nem as da sua

instituição, mas que estava a serviço do grupo de oposição.

O líder político ele ganhou um espaço, cujo espaço ele tenta manter, sob pena de perder qualquer fatia, na próxima eleição, ele já perdeu a eleição. Chega Pe. Luiz com as suas idéias revolucionárias vendo, ditando as coisas como devem ser na política e no mundo público administrativo, e ele direcionava, e tudo que ele dizia era certo então tava conquistando, ai cá o líder maior político não, vamos cuidar disso ai porque se não a gente vai perder campo e ele ta querendo é se aparecer pra poder ser um provável candidato, eu acho falho isso um entendimento muito pequeno muito raquítico por não ter a capacidade de alcançar o objetivo maior que padre Luiz queria na época. (MOTA. Entrevista concedida em 18 de dez./2009).

Para aqueles que estavam insatisfeitos com o modo de fazer política e com os rumos

que a administração municipal estava vivenciando durante a gestão da Família Rios, o

discurso do padre representava a voz de todos esses grupos que faziam oposição a esse grupo

político presente em Conceição do Coité há mais de 30 anos. Defendiam a postura política do

padre Luiz, pois acreditavam que era necessária a continuação dessa ação pastoral do mesmo,

“pois vislumbravam nele a possibilidade de se concretizar a mudança social política de que a

cidade precisava”.50 E em torno das ações do padre e de alguns leigos, se reuniram alguns

movimentos sociais como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Partido dos

Trabalhadores que admiravam a coragem do padre em enfrentar tal estrutura, e se lançaram

nessa ação contra o poder tradicional presente em Conceição do Coité.

Percebi também, que apesar do padre ser, em muitas vezes, o alvo das hostilidades e

processos, os leigos da paróquia de Conceição do Coité tiveram papel preponderante diante

desses conflitos, pois eram os mesmos que mobilizavam as manifestações de enfrentamento

contra o poder político local e em muitos relatos defendiam que todas as injúrias sofridas pelo

padre, eram também direcionadas a eles. É claro que sem a ação desse laicato o padre Luiz

dificilmente conseguiria resistir a esses conflitos, pois quem estava mais próximo da

população conscientizando tais propostas de “uma política de libertação” eram os leigos e

muitos eram ligados a movimentos sociais e partido políticos, como por exemplo, do STR e o

PT.

Diante dessas inúmeras visões suscitadas pelas atitudes do padre Luiz Rodrigues

dentro da sociedade coiteense relatar esses conflitos vivenciados entre a Igreja e o poder

político local foi um desafio durante a pesquisa. Pelo fato, dessas memórias não apenas

estarem frescas, mas por elas serem permeadas por diversos sentimentos que pude perceber

50 SILVA, Marinélia Souza. Padre não deve se meter em política? Conflitos de política e religião em Riachão do Jacuípe/BA nas últimas décadas do século XX. Dissertação de Mestrado, UFBA, 2005 p. 160

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durante os relatos dos entrevistados sobre esse período, em que muitos gostariam que não

houvesse acontecido. Outro desafio foi tentar organizar a amplitude de informações que foram

encontradas o que me levou a fazer a todo instante um cruzamento de fontes para que pudesse

construir uma narração próxima dos fatos relacionados a esse episódio da história política do

município.

Pude perceber nos relatos colhidos que houve muitas pessoas que resistiram frente às

mudanças propostas pelo padre Luiz Rodrigues. Muitos deixaram a Igreja, outros que estavam

anteriormente engajados nos grupos, apenas iam às missas ou somente participavam dos

encontros do grupo, para evitarem ouvir os pronunciamentos do sacerdote no altar. Por ele ser

considerado um padre político, aconteciam essas resistências e na concepção de muitos

coiteenses da época, contestar os poderosos “não era um papel bem visto”, isso era postura

daqueles que queriam tomar o poder.

Dessa forma, percebe-se que para essa população, na qual, resistiu frente à

interferência de padre Luiz na política coiteense, ser um padre político era apenas aquele que

estava fazendo oposição ao grupo da situação. Se for uma política de situação, de bajulação

dos poderosos, muitos não interpretavam isso como sendo política, não concebiam que

também era política aquele que se aliava ao poder dominante e participava de uma troca de

favores, como muitos padres anteriores a padre Luiz Rodrigues Oliveira fizeram.

Como a política de padre Luiz era uma política de libertação de conscientização, de

chamamento a reflexão sobre o que acontecia na vida política do município, padre

Luiz ficou mais identificado pela população como sendo um político. (ASSIS.

Entrevista concedida em 19 de dez./2009).

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FONTES

1. FOTES ESCRITAS

Documentos da Paróquia

- Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité – 1955; 1963; 1965;

1966; 1970; 1971; 1973; 1989; 1990; 1991; 1992; 1993; 1994; 1995; 1996; 1997; 1998; 1999;

2000.

- Correspondências Pastorais 1989; 1991; 1992; 1993; 1994; 1996; 1997

Arquivo da Câmara Municipal de Conceição do Coité

- Atas da Câmara Municipal 1996; 1997

Arquivo do Centro de Memória Documental de Conceição do Coité

- Processo nº 068/96 no fórum Durval Pinto da comarca de Conceição do Coité / Ba.

2. FONTES IMPRESSAS

Jornais

- O Mensageiro 1991; 1992; 1993; 1997; 1998

- Tribuna Coiteense 1987; 1988; 1989; 1990; 1991;1992; 1993;1996

- O Coiteense 1996; 1997; 1998; 1999.

- A Tarde 09.12.1997

- Feira Hoje do dia 21 de março de 1991

3. FONTES ORAIS

- Entrevista com o Padre Luiz Rodrigues Oliveira ex-pároco de Conceição do Coité em

19/09/2009, no Centro Comunitário, em Conceição do Coité..

- Entrevista com a Sr.ª Ivonete Baldoino ex-funcionária da paróquia e leiga da paróquia.

em 19/12/2009 na sua residência, Conceição do Coité.

- Entrevista com o Sr. Francisco de Assis Alves dos Santos militante do Partido dos

Trabalhadores de Conceição do Coité em 19/12/2009 na sua residência, em Conceição do

Coité.

- Entrevista com a Sr. ª Maurita Mota ex- conselheira pastoral da paróquia na casa da sua

mãe em Conceição do Coité.

- Entrevista com o Sr. Adauto Mota ex- vereador e leigo da paróquia em 18/12/2009 na

Gráfica Tipopel, em Conceição do Coité.

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4. FONTES BIBLIOGRAFICAS

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