pacto federativo e poder local

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    Pacto federativo e localizao regional

    Por Demetrio Carneiro e Jos Carneiro da Cunha Oliveira

    O presente artigo no tem nenhuma inteno de exaurir o debate oucatalogar posies. Mas apenas registrar, primeiro, a complexidade deum tema geral Poder Local que normalmente levado ao debatepoltico naquilo que ele tem de mais genrico e, por isto mesmo,acaba assinalando uma leitura moderna que apenas formal e notem a capacidade de fornecer elementos vlidos para anlises maisconsequentes. Em segundo lugar e na tentativa de algummapeamento, apresentamos algumas questes que julgamos devemser melhor debatidas dentro do tema. Em especial, procuramoschamar a ateno para a necessidade de que as anlises que partemdo conceito central de Poder Local se abram em espaos maiorespara melhor compreenso de processos nada claros em nossaRepblica Federativa como a questo das tenses regionais por contado desenvolvimento desigual entre elas.

    um apanhado muito denso de problemas e questes pendentes.E, em nossa leitura, no h mais como tratar de Poder Local semtratar de Desenvolvimento Municipal. Contudo, precisamosestabelecer o que envolve o municpio, e uma das determinantes so

    as tenses entre regies e precisamos analis-las com maisprofundidade.

    Trata-se apenas de um comeo.J h um bom nmero de estudos acadmicos e outros, produzidospor pensadores independentes e pelos partidos polticos, comreferncia questo do Poder Local. Boa parte desses estudos no apenas conceitual e caminha na direo de detectar a existncia dasestruturas do poder tradicional e as recentes transformaes dasrelaes locais de poder(1).

    O outro lado do Poder Local, como estudo das relaes tradicionais, como proposta de transformao fundada na constatao dapresena de novos atores polticos e nos atuais padres degovernana democrtica. Em ltimo caso, no se busca aconstatao, mas como essa proposta pode impulsionar a reviso das

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    relaes tradicionais de dominao e subordinao. a chamadaressignificao (2) ou a leitura diversa do conceito.

    Existem, tambm, linhas claras de leitura das realidades. Algumas somais objetivas.(3) Outras, e so muitas, nem tanto. Olham para oconceito ressignificado e estabelecem um iderio que filtra a leitura epode emprestar ao processo de alterao das relaes locais um pesoque talvez no tenha. Aquilo, por exemplo, que deveriam ser processos e estruturas inovadoras na questo Estado & Cidadania,movimentos sociais e cogesto, acabam de alguma forma capturadospelas estruturas existentes de poder, seja a partir dos grupos de poder no aparelho do Estado, seja a partir dos grupos de poder nos partidospolticos ou no poder real local (h um debate a ser feito aqui), seja nalinha de pensamento sobre Poder Local como constatao dasrelaes de poder j existentes ou como ao de reviso dessasrelaes, o foco a localidade. No necessariamente o ente federativomais prximo do mundo real, o municpio.

    Admite-se, fundamentalmente, um conceito de pertinncia, o pertencer a um lugar que pode ser o local de moradia ou o local de trabalho ouambos, mas tambm pode chegar aos limites polticos municipais emesmo seguir em frente at os limites regionais. De qualquer forma uma evidente afirmao geogrfica.

    A Constituio Federal de 88 inovou e deu aos municpios novospapis e nova personalidade. Mas no foi apenas isso. Ela tambmintroduziu a novidade da democracia participativa e abriu o caminhopara o debate a respeito da cogesto, da gesto partilhada de polticaspblicas, cobrou transparncia e habilidade de planejamento.

    A questo do Poder Local tomou um foco geogrfico-poltico,municipal e passou ento a interessar o quanto a Carta Constitucional,o novo conceito de cidadania nela embutido, o acmulo das lutascontra a ditadura, a ampliao da rede de organizaes do movimentosocial, podem ou no alterar as relaes pr-existentes de poder ecomo isso se d.

    No interesse prtico dos partidos polticos, a questo do Poder Localtomou outro caminho e virou elemento de discurso.

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    O discurso se d em diversos nveis dentro de um dado partido ecomparativamente entre eles. Atualmente todos os principais partidospolticos brasileiros incorporaram este discurso. Mas, ter viradoelemento de discurso no implica em que tenha virado elemento deprojeto, projeto de poder transformador. Ou de prtica polticasistematizada.

    Um vez estabelecido o Poder Local como proposta nos partidosmuitas experincias de gesto passaram a incorporar prticas tpicasdessa leitura ressignificada ou diversa. Na maior parte dos casos, aproposta acabou se transformando em instrumento de processoshegemnicos e de cooptao. O ciclo de auge e decadncia doOramento Participativo um bom exemplo.Uma parte da explicao talvez esteja no fato de que mesmo ospartidos supostamente defensores do parlamentarismo so, naprtica, presidencialistas. Presidencialistas, na mais forte tradiorepublicana brasileira: verticalizantes e centralizadores.

    Outra evidncia fica por conta do ciclo eleitoral. H evidenteconcentrao no ciclo ligado s eleies federal/estaduais emdetrimento do ciclo das eleies municipais que so vistas como umapreocupao de segunda linha. De modo geral, as prprias estruturasde poder interno dos partidos deixam exposta sua proposta de projetode poder, pois so todas igualmente verticalizantes e centralizadoras.Na prtica, os partidos respondem viso ideolgico-poltica de toda asociedade: estamos muito longe de sermos uma federao e o textoconstitucional apenas uma autorizao genrica. Mesmo emcontexto no qual o texto constitucional acabou estimulando o ladoparticipativo, como nos Conselhos de Sade Municipais do SUS, aindaassim fica bem clara a captura da estrutura e seu uso manipulatriopelas estruturas de poder tradicionais.

    Olhando para a Federao, como um todo, se percebe uma autnticacorreia de transmisso que vai do Executivo Central diretamente paraos municpios e passa por uma extensa rede de negociaesenvolvendo deputados estaduais, governadores, deputados federais,senadores, ministros de Estado e mesmo o gabinete da Presidnciade Repblica, que tem poder de deciso em diversos assuntos deinteresse municipal.

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    Vista assim a Federao, a capacidade transformadora da leituraressignificada ou diversa precisa ser relativizada. Ainda sernecessria uma avaliao crtica concreta e a partir desse contexto.Na realidade, h outro debate a ser feito: ou se forma uma rede demunicpios ou dificilmente esses ganhos de ressiginificao oudiversidade se transformaro em elementos permanentes esustentveis. O Poder Local visto pontualmente. Em cada municpioisoladamente, difcil ser um processo sustentvel.Verdadeiramente, a ressiginificao ou diversidade do Poder Local foiconquistada, diferentemente de outros combates polticos, mas hevidente fratura entre a inteno do constituinte e a RepblicaReal que todos ajudamos a criar, pois votamos e elegemos.

    A repblica centralizante e vertical, o inverso completo da leituraressignificada ou diversa, foi uma escolha pblica. Aqui se abre outralinha para o debate.

    A regionalidade como um outro tipo de Poder Local a ser debatido.

    Alm do que j comentamos, a Constituio Federal de 1988 deu aogoverno central a incumbncia de buscar a eliminao das diferenasregionais.(4) Com efeito, o constituinte, olhando para macrorregies,definiu com clareza a obrigatoriedade de polticas pblicas quecompensassem as evidentes diferenas macrorregionais.No outro o motivo de estarem l, tanto o Fundo de Participao dosEstados como o Fundo de Participao dos Municpios.Mais tarde, coube Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer oplanejamento oramentrio, dar ao Plano Plurianual o papel prtico naordenao dos programas federais e de tambm priorizar o papel doinvestimento pblico na superao do desenvolvimento desigual dasregies.

    Especificamente, a Lei que criou o FPE, Lei Complementar n 62, de1989, destinou 85% das cotas aos estados do norte, nordeste ecentro-oeste, ficando os restantes 15% para Sul e Sudeste.Originalmente, o Congresso Nacional teria at o ano de 1992 paradebater e estabelecer novos parmetros. Evidentemente, ocrescimento econmico pode gerar alteraes nos perfis, pedindoalterao no regime de cotas. Sucessivas protelaes colocaram o

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    assunto sob a alada do Supremo Tribunal Federal que decidiu dar prazo at 2012 para uma reviso da Lei Complementar.

    Previsvel que teremos uma questo de embate federativo. Quando daaprovao da Lei Complementar, Jos Sarney era o presidente daRepblica. Hoje, ele retorna prxima legislatura como principal, ediscreto, fiador do equilbrio de centro.

    Seria interessante uma leitura que revelasse a diferena entre poder nacional e os diversos poderes subnacionais, olhando de forma maisatenta para a questo subnacional e a formao de arcos de alianamacrorregionais, seus vnculos com o poder nacional e suaacomodao na questo federativa da forma como ela se d hoje. Ouno se d. Questes que envolvem no apenas o FPE ou oFPM, mas tambm a prpria composio das bancadas na CmaraFederal e o comportamento dos partidos polticos que se sentindonacionais refletem muito mais as demandas regionais e ascontradies entre elas, que so resolvidas no interesses das elitesdominantes mais tradicionais.

    A lgica de transformao de relaes tambm precisa chegar regio e estratgias devem beneficiar olhares para a formao deredes nas micro, meso e a macrorregies. Na direo inversa daproposta de olhar em bloco para as regies, sem querer desmerecer que h tenses internas entre os blocos regionais, talvez ocomportamento prtico e realmente federativo fosse outra postura.

    A provocao final aqui fica por conta de propor que a questo dodesenvolvimento desigual seja vista a partir da tica municipal e noregional, j que o desenvolvimento desigual pode afetar municpiosindistintamente. possvel pensar o estabelecimento de parmetrossocioeconmico-ambientais, pelo menos, que qualifiquem uma dadalocalidade, independentemente de sua insero regional, a receber ouno os benefcios da partio federativa.

    (1)

    Um bom exemplo: Avritzer , Leonardo. Sociedade Civil e participaosocial no Brasil. Disponvel em:

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    Texto originalmente publicado na Revista Poltica Democrtican 28