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entrevista Fernando Lyra – “O grande problema para o Brasil ser uma democracia é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo” biodiversidade A busca de uma convivência pacífica entre desenvolvimento e preservação ambiental é um desafio mundial. Sem preservação, fica prejudicado também o crescimento econômico indústria Industrialização inicia processo de desconcentração e ruma para o interior e regiões antes pouco procuradas pelos empresários do setor outubro/novembro de 2009 Ano 7 nº 55 www.desafios.Ipea.gov.br Exemplar do Assinante Brasil nos trilhos País redescobre transporte ferroviário e retoma investimento no setor. Volume transportado vem crescendo e o governo promete aplicar R$ 54,72 bilhões nas ferrovias. Os recursos estão previstos no PAC. Segundo estudo do Ipea, a quantia ainda é insuficiente para resolver todos os gargalos

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entrevistaFernando Lyra – “O grande problema para o Brasil ser uma democracia é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo”

biodiversidade A busca de uma convivência pacíf ica entre desenvolvimento e preservação ambiental é um desaf io mundial. Sem preservação, f ica prejudicado também o crescimento econômico

indústriaIndustrialização inicia processo de desconcentração e ruma para o interior e regiões antes pouco procuradas pelos empresários do setor

outubro/novembro de 2009 Ano 7 nº 55 www.desafios.Ipea.gov.br

Exemplar do Assinante

Brasil nos trilhos

País redescobre transporte ferroviário e retoma investimento no setor. Volume transportado vem crescendo e o governo promete aplicar R$ 54,72

bilhões nas ferrovias. Os recursos estão previstos no PAC. Segundo estudo do Ipea, a quantia ainda é

insuficiente para resolver todos os gargalos

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Carta ao leitorPaíses continentais, como Estados Unidos e China, con-

centram o volume de cargas transportadas via ferrovia. O Brasil, outro País também continental, já teve a ferrovia como rede principal de transporte de cargas. Após um su-cateamento ao longo de décadas, o trem foi substituído pelo caminhão. Um contrassenso!

Com base em estudos do Ipea, a revista traz na sua re-portagem de capa essa problemática e aponta os caminhos que o governo, associações e as empresas estão tomando e suas necessidades. E mostra a retomada desse setor como prioridade para o desenvolvimento nacional.

Essa mudança de rumo vem em bom momento, pois há uma expansão e regionalização da produção e o País não pode ficar refém da estrada. O que é debatido em reporta-gem especial que traz os registros de como essa expansão está mudando os fluxos de investimentos e gerando mudan-ças socioeconômicas em regiões antes estagnadas ou com pouco atrativo para a criação de novos empreendimentos.

Outro destaque da revista é a entrevista com o ilustre pernambucano Fernando Lyra, que faz parte da história do processo de abertura política e de redemocratização do Brasil, do qual participou ativamente e é lembrado como um dos líderes das “Diretas Já”.

A revista Desenvolvimento traz ainda, entre os desta-ques, duas grandes reportagens. Uma sobre agricultura, onde registra os avanços e o debate entre produção e sus-tentabilidade. Outra sobre a biodiversidade, com ênfase na discussão sobre a preservação como medida obrigatória.

O que é importante registrar, como marca da revista Desenvolvimento, é a profundidade com que os temas são tratados. Cada reportagem traz um leque de autores espe-cialistas no assunto. Nesta edição temos 12 artigos. Outra marca da revista são suas seções especiais, como a Questões do desenvolvimento, Retratos, Indicadores, etc.

O convite, então, é aproveitar as páginas seguintes e co-nhecer todos esses temas. Esperamos suas críticas e suges-tões. Além da versão impressa, a revista pode ser lida pelo sítio www.desafios.gov.br.

Boa leitura!

Daniel Castro, diretor-geral da revista Desafios do Desenvolvimento

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E

DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,

NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA

ECONÔMICA APLICADA (Ipea).

É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DO CONTEÚDO DA REVISTA,

DESDE QUE CITADA A FONTE.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO Ipea,

PRODUZIDA PELA VIRTUAL PUBLICIDADE LTDA.

virtual publicidade ltda

Rua Desembargador Westphalen, 868, Curitiba-PR

Cep. 80230-100 – Fone:(41) 3018-9695

e-mail: [email protected]

Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República MINISTRO Samuel Pinheiro Guimarães

PRESIDENTE Marcio Pochmann

http://www.Ipea.gov.br/ouvidoria

www.desafios.Ipea.gov.br

DIRETOR-GERAL Daniel CastroCONSELHO EDITORIAL Adelina Lapa Nava Rodrigues, Carlos Ribeiro, Carlos Sávio G. Teixeira, Douglas Portari, Fernanda Cristine Carneiro, João Cláudio Garcia, Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido, Júnia Cristina Perez Conceição, Marcello Cavalcanti Barra, Márcio Bruno Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Marina Nery , Pedro Libânio e Pérsio Marco Antônio Davison

RedaçãoEDITOR-CHEFE Gilson Luiz Euzébio EDITORA DE ARTE Gislaine A. SoaresEDITOR DE ARTE/FINALIZAÇÃO Divanir JuniorBRASÍLIA Suelen Menezes, Andrea Vieira, Taísa Ferreira, Mário Vinícius Costa, Débora Carvalho e Pedro Barreto Recife Bruna Cruz e Fabiana AndradeJORNALISTA RESPONSÁVEL Gilson Luiz Euzébio

ColaboradoresFOTOGRAFIA César Duarte, Dalmo Vieira Filho, Josemar Gonçalves, Jorge Nunes, Raphael Ribeiro, Sidney Murrieta e George da GuiaFOTO DA CAPA Sidney MurrietaCAPA Chiara Fernandes de Camargos/IpeaCartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1514 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

ImpressãoGráfica Art Printer

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Sumário

6 Giro Ipea 8 Giro

60 Melhores práticas

64 Por dentro do Ipea 74 Perfil

76 Questões do desenvolvimento

79 Retratos

82 História

84 Ciência&Inovação Circuito

86 Observatório Latino-americano

88 Estante

90 Indicadores

92 Agenda

93 Cartas

94 Humanizando o Desenvolvimento

Seções Artigos

10

16

34

40

10 Entrevista – Fernando Lyra“Problema do Brasil (...) é o apartheid social”

16 Ferrovias – O futuro sobre trilhosVolume de cargas transportadas e investimento em alta

30 Emprego – Profissões em altaCrescimento vai aumentar demanda de engenheiros e técnicos

36 Agricultura – Produção com sustentabilidadeO assunto está na pauta das instituições de pesquisa

42 Biodiversidade – Preservação obrigatória Sem ela, tudo estará comprometido

54 Indústria – Fuga da capitalExpansão mostra interiorização das fábricas

70 SAE – Novo comandoEmbaixador Pinheiro Guimarães assume cargo de ministro da Secretaria

24 Setor ferroviáriobrasileiroCarlos Álvares da Silva Campos Neto

25 Transporte ferroviário de carga no Brasil Josef Barat

26 Deficiência do transporte pode bloquear agriculturaVande Lage Magalhães

27 Desenvolvimentourbano nos trilhos Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho

48 Belo Monte e as tentativas de viabilizar o inviávelAdriana Ramos

49 Desafios no financiamento da conservação da natureza no BrasilFábio França Silva Araújo,Camila Gonçalves de Oliveira RodriguesFabiana Pirondi dos Santos

50 Conservação desbalanceada entre os biomasJúlio César Roma e João Paulo Viana

51 Biotecnologia, biodiversidade e modelos de conservaçãoNurit Bensusan

52 Causas econômicas do desmatamento da AmazôniaJorge Hargrave

53 A importância econômica das áreas protegidasHelena PaveseRonald Weigand Jr

77 Adoção e seleção tecnológica no sistema público de saúdeJuliana Giannetti Duarte

78 Desequilíbrios horizontais nas transferências do SUSAlexandre Manoel Angelo da Silva

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Conhecimento

Rede vai reunir 25 instituições

Trabalho

Pobres e jovens em desvantagem

O Ipea está construindo, com 25 instituições regionais de estudo e pesquisa, uma rede de conhecimento para colocar em debate questões como o desen-volvimento nacional, distribui-ção de riqueza e sustentabilida-de ambiental, informou Mário Lisboa Theodoro, diretor de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais (Di-cod) do Ipea, durante o semi-nário Encontros Brasil Ipea 45

Anos: Um Novo Ciclo do Pensa-mento Nacional, realizado em outubro em Recife, em parce-ria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Esse foi o primeiro de uma série de de-bates em comemoração aos 45 anos do Instituto, completados no dia 16 de setembro.

Theodoro apresentou um panorama da economia brasi-leira com taxa de desemprego de 7,2% em 2008, o menor pata-

mar desde 1996, o que significa maior arrecadação previdenci-ária e possibilidade de amplia-ção da rede de proteção social. Para ele, esse é um caminho sem volta que o Brasil precisa percorrer. “Grande parte da equidade conseguida no País se deve ao sistema de proteção social. Precisamos reconstruir um sistema de planejamento de proteção social que pense o Brasil até 2030”, afirmou.

A taxa de desemprego entre a população pobre é em torno de cinco vezes maior que a verifica-da entre os não pobres. De acor-do com o estudo A Desigualdade no Desemprego no Brasil Metro-politano, publicado no Comu-nicado nº 29 da Presidência do Ipea, a taxa de desemprego em julho de 2009 entre os pobres foi de 23,1%, ou seja, 5,2 vezes maior que a taxa de desempre-go para quem não se encontrava em situação de pobreza. Para os trabalhadores não pobres do conjunto das regiões metropoli-tanas, a taxa de desemprego era de 4,4%, conclui o estudo, feito com base na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Entre julho de 2002 e julho de 2009, a taxa de desemprego para trabalha-dores pobres subiu 10% (de 21% para 23,1%). Já a taxa para os não pobres caiu 34,3% (de 6,7% para 4,4%). Com isso, a desigualdade que separa o de-semprego entre trabalhadores pobres e não pobres aumentou 70%, pois era 3,1 vezes em ju-lho de 2002 e passou para 5,2 vezes em julho de 2009, afirma o documento.

Já na nota técnica Evolução recente da rotatividade no em-prego formal no Brasil,o Ipea constata que os trabalhadores mais jovens, com menores salários, são os mais preju-dicados pela rotatividade do mercado de trabalho.

Renda

Mais pessoas nos estratos superiores

Aniversário

Sessão especial no Senado

O Comunicado da Presidên-cia nº 34, divulgado em novem-bro pelo Ipea, mostra os movi-mentos recentes na estrutura da sociedade brasileira, com maior ingresso de pessoas nos estratos de renda superiores. Essa mu-dança se explica pelo aumento da produção e da ocupação da força de trabalho, aliado à reo-rientação de políticas públicas.

O Comunicado, intitulado Trajetória recente da mudança na identidade e na estrutura social brasileira, revela quan-

tos brasileiros ascenderam so-cialmente no País entre 2005 e 2008. As características desse movimento de evolução são detalhadas por região, por faixa etária, sexo, local de moradia (urbana ou rural), escolarida-de, raça ou cor. O texto mostra, por exemplo, como o Sudeste perdeu participação no estrato superior de renda.

O estudo é dividido em três partes. A seção 1 trata da mu-dança recente na identidade so-cial brasileira; a seção 2 aborda

as principais características da ascensão social dos brasileiros durante a primeira década do século 21; e a terceira descreve as transformações na estrutura social do Brasil nos últimos 10 anos. Uma das conclusões pre-sentes na segunda parte é que as mulheres tiveram mais impor-tância relativa no movimento de ascensão social da primeira para a segunda classe de renda. A íntegra do estudo está dispo-nível na página do Ipea na in-ternet (www.ipea.gov.br).

No dia 30 de setembro, o Senado Federal reuniu-se para uma sessão especial em come-moração aos 45 anos do Ipea, completados no dia 16. Em mensagem lida pelo senador Mão Santa (PSC-PI), o presi-

dente do Senado, José Sarney, afirmou que “homenagear o Ipea é tarefa gratificante, pois trata-se de uma instituição im-portante para a trajetória de desenvolvimento do País”. Mão Santa, que presidiu a sessão,

lembrou que o primeiro presi-dente do Instituto, o economis-ta João Paulo dos Reis Velloso, é seu conterrâneo de Parnaíba (PI). A sessão foi realizada por iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS).

6 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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Desenvolvimento

Políticas públicas em debate

PAC

Avaliação de impactos

Política

Câmbio, crescimento e inflação

Em palestra na sede do Ipea, em outubro, o secretário de Política Eco-nômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, reconheceu que a política de acumulação de reservas tem um alto custo fiscal para o País. Ele lembrou que a “taxa de câmbio real tem efeito sobre alocação de recursos e sobre o cres-cimento da economia”. E reclamou da volatilidade do câmbio: “O desafio é conci-liar a política de controle da inflação com uma taxa de câmbio mais estável e mais competitiva”. O sistema de metas de inflação, segundo ele, tem sido bem-sucedido em controlar a inflação, mas “a volatilidade da taxa de câmbio tem se situado entre as mais altas do mundo”.

Proteção social

Bird recomenda formalizaçãoO especialista em proteção

social do Banco Mundial Ian Walker afirmou, em palestra na sede do Ipea, em outubro, que o sistema de proteção social ado-tado pelos países latino-ameri-canos pressupõe que todos os trabalhadores estão no mercado formal de trabalho, com todos os direitos assegurados, e que o governo tem recursos para arcar com o pagamento dos be-nefícios. Durante o seminário

Proteção Social para o século 21: como a América Latina e o Cari-be podem estender proteção social efetiva a todos os cidadãos, pro-movido pela Diretoria de Estu-dos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, Walker defendeu a forma-lização dos trabalhadores como forma de aumentar a proteção social. “Todos concordam com a formalização”, comentou o di-retor Jorge Abrahão. A questão é como fazê-la.

O Ipea iniciou no mês pas-sado - com um seminário no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - os deba-tes sobre o livro Brasil em De-senvolvimento: Estado, Plane-jamento e Políticas Públicas, no qual o Instituto faz uma ava-liação das principais políticas

públicas brasileiras. O evento foi aberto pelo secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do MPOG, Afon-so Almeida, e pelo diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão. O dire-tor de Estudos do Estado, das Instituições e da Democracia

(Diest), José Celso Cardoso Jr., e os técnicos do Instituto Mansueto Almeida, Maria da Piedade, Luseni Aquino e Di-vonzir Gusso fizeram a apre-sentação do trabalho, objeto do debate. O conteúdo do livro será discutido também com outras áreas do governo.

O Ipea, por meio de acordo com a Caixa Econômica Fede-ral, vai fazer uma avaliação dos impactos das obras do Progra-ma de Aceleração do Cresci-mento (PAC) implantadas no Complexo do Alemão, no Rio. A intenção é aproveitar essa experiência para desenvolver metodologia de avaliação de empreendimentos nas áreas de habitação e saneamento bási-co. “Para o Ipea, é uma opor-

tunidade inédita acompanhar esse tipo de intervenção e, ao mesmo tempo, ter condições de oferecer indicadores para avaliar o seu impacto. Haverá algumas dificuldades em obter os dados, por isso esse esforço, que não será pequeno, servirá de parâmetro para ações feitas em outros momentos”, afirmou Marcio Pochmann, presidente do Instituto. O Complexo do Alemão foi escolhido porque é

uma área que apresenta muitos desafios e exige forte interven-ção. “Lá havia famílias que ja-mais receberam qualquer apoio público. O estudo no Comple-xo do Alemão vai nos permitir ter a metodologia do Ipea para avaliar o impacto das ações que a Caixa também executa em diversas regiões do País”, disse Maria Fernanda Ramos Coe-lho, presidente da Caixa Eco-nômica Federal.

Ian W alker, do Banco Mundial

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 7

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Capital estrangeiro

Governo taxa capital estrangeiroO governo decidiu cobrar

2% de Imposto sobre Ope-rações Financeiras (IOF) no ingresso de capital estrangei-ro no País, seja em renda fixa ou variável. A regra foi criada por meio de medida provisó-ria. De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os investimentos estrangeiros diretos continuam isentos de IOF. A medida visa a combater a especulação e também conter a queda do dólar. “O objetivo é prevenir que haja um excesso de especulação na bolsa e no mercado de capital em razão da grande liquidez que existe hoje no mer-cado internacional”, explicou.

Segundo Guido Man-tega, a decisão do governo também visa proteger a pro-dução nacional, incentivar a volta de investimentos e pre-servar o emprego dos traba-lhadores, além de impedir um excesso de valorização do real.

“Quando o real se valoriza, aca-ba encarecendo nossas expor-tações e barateando as impor-tações. Já temos um aumento expressivo das importações e as exportações não crescem como deveriam”. Mas o diretor do Departamento de Hemisfé-rio Ocidental do Fundo Mo-netário Internacional (FMI), Nicolás Eyzaguirre, acha que a medida não dispensa o País de fazer reformas. “Estes tipos

de impostos oferecem algum espaço para manobra, mas não é muito. Então os governos não devem se sentir tentados a adiar outros ajustes funda-mentais”, afirmou Eyzaguirre. E alertou que há como fugir da taxação: “Com a engenharia financeira de hoje em dia, não é muito difícil disfarçar fluxos financeiros puros com fluxos comerciais ou até investimento estrangeiro direto”.

Crise

Custo de 1,2% do PIB

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou, durante o 6º Fórum de Economia da FGV, reali-zado em outubro em São Paulo, que o custo fiscal do programa anticíclico ado-tado pelo Brasil foi de 1,2% do PIB. “Com isso, vamos ter um PIB maior de 3%. Se não tivéssemos feito nada, teríamos um crescimento negativo, de algo como 2%. Com as medidas que to-mamos, vamos ter um re-sultado positivo para o PIB de 2009 e vamos passar para o ano que vem com a economia na velocidade de cruzeiro”, previu. 

Mantega reiterou que o governo cumprirá a meta de superávit primário em 2010 e que são infundadas as projeções apontando o contrário. Para manter o superávit primário em 2010, o ministro adiantou que o governo terá que cortar gastos considerados não essenciais, mas garan-tiu que manterá os investi-mentos e o mercado inter-no aquecido por meio de projetos sociais e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

Divulg

ação

Inf lação

Nenhuma pressão à vistaO ministro da Fazenda,

Guido Mantega, afirmou, durante o 8º balanço do PAC, feito em outubro, que a economia brasileira está rea-gindo bem, mas não há qual-quer sinal de que o ritmo de recuperação esteja acelerado

a ponto de causar inflação. Uma taxa de crescimento de 5%, como esperada, não gera inflação. Segundo ele, há se-tores falando em crescimen-to acima de 5% e, por causa disso, os juros no mercado futuro estão subindo, sem

qualquer motivo: “Qualquer elevação só traz despesas adicionais para os cofres pú-blicos, porque o aumento de juros é uma despesa nominal, portanto piora o resultado fiscal e é totalmente dispen-sável e indevida”.

a especulação e também conter a queda do dólar. “O objetivo é prevenir que haja um excesso de especulação na bolsa e no mercado de capital em razão da grande liquidez que

cado internacional”,

Segundo Guido Man-tega, a decisão do governo também visa proteger a pro-dução nacional, incentivar a volta de investimentos e pre-servar o emprego dos traba-lhadores, além de impedir um excesso de valorização do real.

de fazer reformas. “Estes tipos estrangeiro direto”.

Divulg

ação

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Pobreza

IBGE constata queda

FMI

Emergentes terão pelo menos 5% das cotas

Socorro

CMN aprova mais R$ 6 bi para estadosEnem

MEC marca nova data

O Ministério da Edu-cação marcou para 5 e 6 de dezembro as novas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que terão o apoio da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal em todas as suas etapas da logística. “A Polícia Federal vai acom-panhar todo o processo, desde a saída da prova do cofre do Inep até a dis-tribuição das provas, que deverá ser feita pelos Cor-reios”, informou o ministro da Educação, Fernando Haddad. O último exame, que seria em setembro, foi suspenso depois da desco-berta de que cópia da prova foi roubada.

Os países emergentes e em desenvolvimento terão pelo menos 5% das cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI), conforme já tinha indicado o G20. Eles queriam 7%. A trans-ferência é parte da reforma da instituição, para ampliar a re-presentatividade das economias emergentes, que ganharam peso nas últimas décadas. Para o diretor-gerente do FMI, Domi-nique Strauss-Kahn, o resultado final será superior a 7%, porque a primeira parte da reforma, de 2008, ainda em fase de imple-mentação, estabelece uma trans-ferência de 2,7%. Ou seja, no

final os emergentes terão 7,7%, argumentou.

De acordo com o FMI, os países emergentes representa-vam, em 2000, 40% da econo-mia mundial. Neste ano, devem chegar a 50%, e a 55% em 2014. “Respaldamos a transferência de cotas aos mercados emergentes dinâmicos e aos países em de-senvolvimento de pelo menos 5%, por parte de países muito representados, a outros subre-presentados”, afirma a declara-ção conjunta do Comitê Mone-tário e Financeiro Internacional, a instância dirigente do FMI. A diretoria do FMI tem até janeiro

de 2011 para implantar as mu-danças.

Mas o Brasil quer elevar o mínimo para 7%. “Na reunião de cúpula do G20 em Pittsburg, os líderes estabeleceram um mí-nimo, mas não um teto para a transferência de cotas”, recordou o ministro da Fazenda, Guido Man-tega. “Continuamos pensando que esta mudança deveria ser de 7%. Com esta dimensão, a parte dos mercados emergentes e dos países em desenvolvimento lhes permiti-ria alcançar um poder de voto de 50% e isto corresponderia mais ou menos ao que representam na economia internacional”, explicou.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, em setembro, a abertura de linha de crédito adicional do BNDES no valor de R$ 6 bi-lhões para os estados e Dis-trito Federal. Os recursos são para despesas de capital e in-vestimentos. A medida é com-

plementar à Resolução 3.716, de abril deste ano, que criou a linha de crédito no valor de R$ 4 bilhões para compensar a perda na arrecadação e a queda dos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Com esta decisão, sobe para R$ 10 bilhões o volume

de recursos da instituição destinados aos estados por meio dessa linha de crédito. De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, dos R$ 4 bilhões aprovados em abril, cerca de R$ 3 bilhões já estão contratados e R$ 1 bilhão está em fase de negociação.

O índice de famílias com rendimento familiar per ca-pita de até ½ salário mínimo caiu de 32,4% para 22,6%, em dez anos. No entanto, em 2008, metade das famílias brasileiras ainda vivia com menos de R$ 415 per capita. Mais da meta-de das mulheres sem cônjuge e com todos os filhos menores

de 16 anos vivia com menos de R$ 249 per capita. Embora tenha havido melhorias, 44,7% das crianças e adolescentes de até 17 anos viviam, em 2008, com uma renda familiar per capita de meio salário mínimo.

De 1998 a 2008, a propor-ção de casais sem filhos cres-ceu, passando de 13,3% para

16,7%, acompanhando a queda da fecundidade. Nesse mesmo período, cresceu a proporção das mulheres que se declararam pessoa de referência do domicí-lio, mesmo com a presença de um cônjuge (2,4% para 9,1%). No período, dobrou a propor-ção dos jovens cursando o ensi-no superior: de 6,9% para 13,9%.

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Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI

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Fernando Lyra

“O desafio do Brasil é acabar com o apartheid

social”

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Desenvolvimento - Em sua opinião, o Brasil é um País de regime verdadeiramente democrático? Algumas questões, como as medidas provisórias, o voto obrigatório e as gritantes desigualdades socioeconômicas, além do déficit habitacional e de saneamento básico e dos problemas na saúde e no acesso à educação, não contradizem este conceito?

Fernando Lyra – O grande proble-ma para o Brasil ser uma democracia grande e definitiva é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo, que enfrente as deficiências na educação, no serviço público, na representação política e no controle civil - com destaque para a reforma agrária, que nunca foi encarada com a profundidade  necessária. Neste particular, o discurso de Joaquim Nabuco em 1884, sobre a sobrevivên-cia da escravidão, passados 125 anos, infelizmente, está atualizado.

Desenvolvimento - Passados pouco mais de 20 anos do processo de redemocratização brasilei-ra, que avanços o senhor aponta como os mais importantes nesse período? O que mudou?

Lyra – Em primeiro lugar, a conquista de liberdade e a sua manutenção. Nunca em nossa vida republicana tivemos um perío-

do constitucional tão prolongado. Depois do Estado Novo, tivemos a Constituição de 1946 e o golpe de 1964.

Desenvolvimento - O senhor identifica alguma falha na implantação deste modelo?

Lyra – Em primeiro lugar, o Brasil não é verdadeiramente uma federação. O poder é extremamente concentrado em torno da União, o que dificulta muito a administração pública. Temos uma só língua, um território contínuo, mas há diferenças econômicas, políticas e socioculturais entre as regiões que não são devidamente consideradas devido a essa excessiva centralização, também já denunciada por Joaquim Nabuco na sua época.

Desenvolvimento - Como reparar esta situação? Lyra – É necessário descentralizar mais, dar mais autonomia aos estados, o que também se refletiria positivamente nas políticas regionais. Há ainda a necessida-de de reformas profundas envolvendo o sistema eleitoral, a área social, os três po-deres da República e a sociedade em geral.

Desenvolvimento - No dia 5 de outubro, a Constituição brasileira completou 21 anos de

existência. Qual foi a importância da sua pro-mulgação, em 1988, para o País?

Lyra - Foi uma Constituição muito discutida e votada pela maioria, mas mesmo assim não teve a legitimidade exigida. Os parlamentares não foram eleitos como constituintes exclusivos. Um terço do Senado era composto por biônicos, que votaram. A questão agrária foi mais uma vez postergada, a exemplo da Constituição de 1946. E ainda temos como pontos penden-tes uma série de dispositivos que não foram regulamentados até hoje, como, por exemplo, a regionalização da pro-gramação de rádio e TV, que, embora tímida, contribuiria para a expressão da diversidade cultural e estimularia o mercado de trabalho na área artístico-cultural. A Constituição de 1946 tam-bém teve itens importantes que não foram regulamentados, até 1964.

Desenvolvimento - Em sua opinião, algum aspec-to da Carta Magna deveria ser atualizado?

Lyra – Defendo a formação de uma constituinte exclusiva para atualizar a atual Constituição como um todo. Atu-almente estão presentes na Carta Magna tópicos muito específicos, próprios de leis ordinárias, que precisam ser retira-dos do texto constitucional.

Desenvolvimento - O processo democrático conquistado pode ser prejudicado pelo desvirtu-amento dos Três Poderes após sucessivos escân-dalos nos últimos anos?

 Lyra – Escândalos são decorrentes do processo político geral. Hoje eles se tornam mais conhecidos. Mas acho que as instituições republicanas se en-contram mais bem instrumentadas para enfrentá-los, e com mais rapidez. Há um crescimento da malha do Minis-tério Público e da Polícia Federal, além de muitos inquéritos e processos rolan-do. E foi criada a Controladoria Geral da União. Veja-se o caso dos cartões corporativos: depois de implantados, constataram-se desvios no seu uso e as medidas saneadoras foram implantadas em curto espaço de tempo. Ressalte-se

Esta é a primeira questão a ser enfrentada para o País ter uma democracia definitiva, na avaliação do ex-ministro da Justiça Fernando Lyra. São necessárias várias mudanças, que vão da educação a uma reforma

política ampla, condizentes com a realidade do País, e não um modelo importado de outros países, diz. Fernando Lyra é hoje presidente da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, uma entidade encarregada de preservar o legado histórico-cultural do País. Em sua vida parlamentar, Fernando Lyra se destacou na luta contra a ditadura militar e na mobilização nacional que resultou na abertura política e eleição indireta, em 1984, de Tancredo Neves para a Presidência da República. Na Assembleia Nacional Constituinte, defendeu os direitos sociais incluídos na Constituição brasileira. A seguir a entrevista concedida à Desafios do Desenvolvimento, em fins de outubro:

B r u n a C r u z e F a b i a n a A n d r a d e – d e R e c i f e

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a importância da internet, expondo os meandros do serviço público e divul-gando informações em alta velocidade.

Desenvolvimento - Há muito se fala de uma re-forma política. Até que ponto ela é uma solução para aperfeiçoar a democracia?

Lyra – Acho que ela é fundamental,

mas não é uma missão fácil e não diz respeito apenas aos poderes formais, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Judiciário é o único poder que não tem nenhuma abertura para os outros poderes constituídos e não é objeto de nenhum controle por parte dos cida-dãos. A reforma política inclui a socie-dade como um todo: a academia, os in-telectuais, as representações classistas, os movimentos sociais, as igrejas, o meio cultural e até os times de futebol. Precisamos de uma reforma que cor-responda à realidade brasileira e não seja uma cópia de modelos teóricos ou esquemas mais próprios a realidades de outros países. Uma reforma que consi-dere as nossas particularidades nacio-nais. É necessário eliminar os resquí-cios coloniais, imperiais e ditatoriais na nossa vida republicana. No processo eleitoral, considero um equívoco a re-presentação igual para todos os estados e o voto proporcional para as assem-bleias e câmaras municipais. Defendo um distritão. Define-se uma quantida-de de vagas no estado - por exemplo, 25 parlamentares -, e os eleitos serão os mais votados, independentemente dos partidos e sem a utilização do voto de legenda. Hoje, com o voto de legen-

da, um candidato com um milhão de votos elege vários representantes sem voto, do seu partido. Também sou pela eliminação dos suplentes de senador e dos vices para prefeito, governador e presidente. Em caso de vacância antes da metade do mandato, seria convo-cada outra eleição. Em prazo superior a isto, assumiria o presidente da ins-tância parlamentar correspondente. Quanto às medidas provisórias, elas são instrumento do parlamentarismo, aqui utilizadas no presidencialismo. É preciso estabelecer limites, no corpo de uma reforma política geral.

Desenvolvimento – O senhor esteve à frente da Campanha das Diretas Já. Como avalia a postura da população nos últimos anos em relação àque-le momento histórico, no que diz respeito à mobi-lização em torno de uma causa comum?

Lyra - A Campanha das Diretas foi um movimento que resultou do acúmulo de 20 anos de resistência democrática. Um movimento tão forte e profundo que, no dia da eleição, Brasília estava em estado de emergência. Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral, mas com o pensamento das Diretas, no clima das Diretas, e com o apoio de 80% da população.

“O grande problema para o Brasil ser uma democracia grande e definitiva é a eliminação do apartheid social, o que só é possível com um projeto a médio e longo prazo, que enfrente as deficiências na educação, no serviço público, na representação política e no controle civil - com destaque para a reforma agrária, que nunca foi encarada com a profundidade  necessária”

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Lyra rodeado por governadores no lançamento

do livro Daquilo que eu sei

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Desenvolvimento - Qual a influência da demo-cracia no processo de desenvolvimento do País e na redução das desigualdades sociais entre as regiões e as zonas urbana e rural?

Lyra – Há muitas medidas importan-tes, mas ainda há precariedades. O atual governo tem dado contribuições signifi-cativas, mas estamos ainda longe de nos livrarmos do apartheid social.

Desenvolvimento - Estas contribuições propicia-rão adequadamente esse desenvolvimento?

Lyra – São políticas emergenciais. Ain-da não são políticas que deem a espe-rança de que as diferenças sociais sejam estruturalmente equacionadas a partir daí. E aqui temos de ressaltar lamentá-veis limites legais, constitucionais.

Desenvolvimento - E a política econômica, na sua visão, vem fomentando a desconcentração de renda e o crescimento do País e, principalmente, o desenvolvimento do Nordeste?

Lyra – O Bolsa Família é uma tomada de posição emergencial para atenuar a situação que marca a sobrevivência da população na linha da miséria. Aju-da a se sair da pobreza absoluta. Mas ainda falta muito para uma política

que chegue às raízes sociais dos pro-blemas e permita uma mudança social profunda nos centros urbanos e nas áreas rurais, com as suas repercussões no conjunto do Nordeste e de outras regiões do País.

Desenvolvimento - Apesar de não termos pas-sado incólumes pela recente crise na economia mundial, não sofremos tanto quanto os outros países. Deixamos de ser devedores para ser cre-dores do FMI. O risco país está em queda. Apesar da retração do PIB no primeiro semestre, as pro-jeções para este ano são de crescimento. Diante deste quadro, em sua opinião, o Brasil possui atualmente uma economia forte e sólida?

Lyra – O Brasil possui mérito sim, pela sua extensão, por suas riquezas naturais e pela estratégia montada pelo governo federal, de diversificar as nossas relações econômicas interna-cionais e estimular as atividades pro-dutivas e o consumo de massa. Quem sofreu mais, agora, foram os grandes, porque a crise foi financeira.

Desenvolvimento - Quais as perspectivas para o desenvolvimento do Nordeste nos próximos anos e décadas, a partir, por exemplo, da iniciativa da implantação de polos como o de petróleo e gás e o farmoquímico em Pernambuco, e de uma in-dústria siderúrgica no Ceará?

Lyra – São iniciativas muito importan-tes, mas é preciso não esquecer a ques-tão da educação, para que haja uma participação real da população. Muitas vezes, milhares de vagas de emprego se abrem no Nordeste, mas falta mão de obra qualificada, formação técnica.

Desenvolvimento - Qual a sua opinião sobre a euforia provocada pela descoberta do pré-sal? O senhor acha que a região Nordeste será favorecida, de alguma forma, com os frutos de sua exploração?

Lyra – Fico muito preocupado, por-que faz um ano que só se falava em etanol, biodiesel. De uma hora para outra, só se fala em pré-sal.  Não sei se o petróleo terá, no futuro, o valor que tem hoje. Quanto ao biodiesel, não há dúvida sobre a capacidade de produção do Brasil.

Perfil Nascido em Caruaru (1938), cidade situ-

ada no Agreste de Pernambuco, o advogado Fernando Soares Lyra começou sua história política participando ativamente da candidatu-ra do pai, João Lyra Filho, à prefeitura daquela cidade, em 1959. Foi essa experiência que lhe deu a base para disputar as eleições em 1966 e se eleger deputado estadual para um mandato até 1971, ano em que participou da fundação do Grupo Autêntico do então Movimento De-mocrático Brasileiro (MDB). Foi eleito em 1970 para a Câmara Federal, de onde só saiu quase 20 anos depois, quando ficou na primeira su-plência. Em 1993 voltou à Câmara, ocupando os cargos de primeiro secretário e de correge-dor, completando sete legislaturas.

Lyra é parte da história do processo de abertura política e de redemocratização do Brasil, do qual participou intensamente. Tam-bém é reconhecido como combatente dos “Anos de Chumbo”, período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, que se estendeu do fim de 1968 até março de 1974. O político pernambucano esteve à frente da campanha das “Diretas Já”. No Congresso Nacional, atuou como um dos principais articuladores da candidatura de Tancredo Neves à Presidên-cia da República.

Nomeado por Tancredo, foi ministro da Justiça (1985/86) do governo Sarney, quando derrubou a censura, e membro da Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte entre 1987 e 1988. Sua experiên-cia política o levou, em 1989, a ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Leonel Brizola. Manteve-se na Câmara dos Deputados até 1999.

Em 2003, indicado por Cristovam Buar-que, com quem estudou no Colégio São Luís no Recife (PE) e de quem é amigo, assumiu a presidência da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) por ser, segundo Buarque, “um polí-tico pernambucano ilustre, com capacidade de ouvir, dialogar e conciliar divergências”.

Em março deste ano, Lyra, que não está filiado a nenhum partido, lançou o livro Da-quilo que eu sei - Tancredo e a transição demo-crática (Iluminuras). A publicação é fruto das anotações e reflexões de quem vivenciou os bastidores do processo de transição democrá-tica brasileira.

“Precisamos de uma reforma que corresponda à realidade brasileira e não seja uma cópia de modelos teóricos ou esquemas mais próprios a realidades de outros países. Uma reforma que considere as nossas particularidades nacionais. É necessário eliminar os resquícios coloniais, imperiais e ditatoriais na nossa vida republicana”

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Desenvolvimento - Apesar dos investimentos, o Nordeste ainda é uma região com forte depen-dência da agricultura. Como o senhor enxerga, atualmente, a questão agrária no País?

Lyra – A terra ainda é muito concentra-da em poucas mãos, enquanto há uma grande carência de acesso por parte dos trabalhadores. São as legiões dos sem terra ou com pouca terra. Os pro-cessos de desapropriação e distribuição de terras ainda são lentos e, financeira-mente, muito custosos pela manutenção do dispositivo das indenizações prévias em dinheiro, que Jango (ex-presidente João Goulart) quis substituir em 1964 pelo pagamento em títulos da dívida pública, resgatáveis em 30 anos, sendo esta uma das principais razões da sua

queda, segundo Celso Furtado. Isso são fatores negativos. Mas há os positivos. Hoje temos grandes demonstrações de vitalidade nas vertentes da agricultura familiar e da agroindústria, que preci-sam ser equilibradas no interior de uma estratégia de governo.

Desenvolvimento - E quais são os desafios que os próximos governos precisam enfrentar para alavancar o País rumo a uma equalização entre as regiões e a consolidação da nossa democracia?

Lyra – Ampliar a participação popular, com uma reforma política que inclua os Três Poderes da República, o sistema eleitoral e a sociedade civil, sem esque-cer a reforma agrária adequada a cada região, envolvendo a questão fundiária, o apoio técnico, a infraestrutura, o cré-dito e a circulação das mercadorias. E com atenção aos empreendimentos, os negócios produtivos que podem ser ge-rados, decorrentes desse contexto.

Desenvolvimento - O senhor lançou, recente-mente, o livro Daquilo que eu sei. O que o levou a

retomar as reflexões, anotações, e a fazer reve-lações dos bastidores do processo de transição democrática iniciado após a derrocada da dita-dura militar?

Lyra – Entendi que o livro poderia servir de exemplo, ao relatar como se comandou um processo de transição política num momento delicado de cri-se e radicalização. Coisas que eu tinha vivenciado estavam obscuras ou postas em cena de modo parcial, com lacunas. Sem querer desmentir ninguém, apre-sentei a minha versão daquilo que eu sei como aconteceu.

“O Bolsa Família é uma tomada de posição emergencial para atenuar a situação que marca a sobrevivência da população na linha da miséria. Ajuda a se sair da pobreza absoluta. Mas ainda falta muito para uma política que chegue às raízes sociais dos problemas e permita uma mudança social profunda nos centros urbanos e nas áreas rurais”

Acervo pessoal

Desenvolvimento sustentável e inclusão social na pauta da Fundaj

A Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), atualmente sob a presidên-cia do ex-ministro da Justiça Fernan-do Lyra, é uma instituição dedicada a pesquisas, manutenção de acervo de valor histórico, etnográfico e artístico, promoção de seminários, eventos artís-ticos e culturais. Com 60 anos de exis-tência e sediada no Recife, a fundação tem um perfil diversificado de ação.

Fundada em 1949 por sugestão do sociólogo Gilberto Freire, a insti-tuição vem expandindo sua atuação para estudos sobre desenvolvimento sustentável e inclusão social, priori-tariamente no Nordeste. Ao mesmo tempo, contribui também para pro-mover o estudo e a difusão do pen-samento de Joaquim Nabuco.

Hoje a Fundação conta com uma equipe de cerca de 80 pesquisadores que atuam em áreas como educação, meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia e economia. Vinculada ao Ministério da Educação e Cultu-ra, também possui unidades de ser-viço como o Cinema da Fundação, o Museu do Homem do Nordeste, a Biblioteca Central Blanche Knopf, o Centro de Documentação, o Núcleo de Digitalização e o Centro Áudio Visual do Nordeste.

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CAPA

A economia brasileira andará cada vez mais sobre trilhos. É o que prevê o Ministério dos Transportes em um cenário de equilíbrio da matriz bra-

sileira de transporte de cargas em 2025. De acordo com o Plano Nacional de Logística de Transporte (PNLT) do ministério, a participa-ção do transporte ferroviário na matriz passa-rá dos atuais 25% para 35%, a do transporte aquaviário aumentará de 13% para 29%, e a do rodoviário cairá de 58% para 30%.

Mas essa mudança depende de mui-to investimento. De acordo com o Ipea, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) investirá R$ 54,72 bilhões. Deste total, R$ 19,8 bilhões serão investidos na construção das ferrovias Norte-Sul, Trans-nordestina (CE-PE-PI), Oeste-Leste (BA), Ferronorte (MT), o Ferroanel de São Paulo e os contornos de Araraquara (SP), Joinville (SC) e São Francisco do Sul (SC), além de um rebaixamento da linha férrea em Ma-ringá (PR), e R$ 34,6 bilhões no Trem de Alta Velocidade (TAV) para ligar as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas.

O programa destina ainda R$ 300 milhões para a ampliação de ferrovias, eliminação de gargalos, como contorno de cidades e passagens de nível, e estudos de viabilidade.

Mapeamento – Segundo o estudo do Ipea Gargalos e Demandas da Infraestrutura Ferroviária e os Investimentos do PAC: Mapeamento Ipea de Obras Ferroviárias, o setor precisa, na verdade, de R$ 112,6 bilhões para investimentos em 141 obras para melhorar a eficiência operacional e a competitividade.

“É preciso considerar que o PAC cobre 90% dos investimentos nas chamadas fer-rovias estruturantes, a Norte-Sul, a Trans-nordestina e a Oeste-Leste”, destaca o téc-nico de pesquisa e planejamento do Ipea Carlos Campos, um dos autores do estudo. Mas ele ressalta que a sinalização de políti-ca pública caminha corretamente para ter uma matriz de transporte mais integrada, o que permitirá a intermodalidade.

Na avaliação do senador Delcídio Ama-ral (PT-MS), membro da Comissão de Ser-

viços de Infraestrutura do Senado Federal, o PAC veio trazer uma visão integrada de obras de infraestrutura essenciais para o crescimento do Brasil. Para o deputado fe-deral Jaime Martins Filho (PR-MG), presi-dente da Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados e também da Frente Parlamentar do Transporte Ferro-viário, o País será diferente a partir desse projeto ferroviário. Cada ferrovia é um eixo de desenvolvimento. Segundo Martins, é até surreal pensar uma economia com longas distâncias e produtos de baixo valor agrega-do com transporte por caminhão.

Eficiência - Enquanto um caminhão trans-porta, no máximo, 35 toneladas, apenas um vagão transporta, em média, 130 toneladas, esclarece o professor de In-fraestrutura de Transporte Terrestre da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Oliveira de Souza. A Vale tem compo-sições que chegam a 320 vagões. Para o professor, a eficiência é melhor no trans-porte ferroviário.

O futuro sobreNovos investimentos no setor ferroviário vão garantir transporte mais competitivo no Brasil.

Hoje, 58% da produção é transportada por caminhão, o meio mais caroM á r i o V i n í c i u s C o s t a

Especial infraestrutura

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Entre 1996 e 1998, o governo federal passou para a iniciativa privada por meio de concessão os 28,8 mil quilômetros da malha ferroviária brasileira. Desde 1957, a malha ferroviária brasileira encolheu 11 mil qui-lômetros. Dos 28 mil, 23,9 mil quilômetros são de bitola estreita, mais antiga e menos competitiva, e apenas 5,4 mil quilômetros têm bitola larga, de 1,6 m de largura, mais competitiva e que permite maior velocidade comercial, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Esse foi o resultado da predileção do Estado brasileiro pelo modal rodoviário, aponta o Ipea.

Além disso, 90% da malha ferroviária brasileira tem mais de 100 anos, declara o diretor-geral da ANTT, Bernardo Fi-gueiredo. Da malha atual, ele acredita que são competitivos apenas 10 mil qui-lômetros e os 18 mil restantes são subu-tilizados ou não são utilizados. As mer-cadorias mais transportadas em 2008, de acordo com a ANTT, foram minério de ferro, com quase 75% do total, soja e fa-relo de soja, carvão/coque, combustíveis e derivados de petróleo e álcool.

Decadência - Os anos áureos da ferrovia foram os anos 1970. De lá para cá, foi decadência. Só recuperou nos anos 2000 com a iniciativa privada, mais precisa-mente em 2003, que foi o grande ano da virada da ferrovia brasileira por conta da globalização, afirma o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça.

“A partir de 2003, houve um boom ferroviário em virtude da demanda repri-mida”, ratifica o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate. Na década de 1970, foram produzidos 3,1mil vagões por ano, em mé-dia. Em 2002, foram 300 vagões, chegando a 5,1 mil em 2008. Cada vagão custa em torno de R$ 200 mil e tem um comprimen-to entre 10 e 27 metros.

Com a desestatização do setor, au-mentaram os investimentos privados. Se-gundo a ANTF, os investimentos priva-dos aumentaram 87,6%, totalizando R$ 14,4 bilhões no período de 1997-2007, a produtividade ferroviária medida por to-nelada transportada por quilômetro útil, a TKU, teve um crescimento de 84,7%, e o volume de cargas transportadas au-mentou 75,4%, chegando a 445,2 mi-lhões de toneladas. No mesmo período, o governo federal investiu R$ 789 milhões.

Eixos – Hoje, há quatro grandes eixos ferro-viários de carga: Paranaguá-Paraná, Norte-Sul, de Pernambuco e da Bahia, observa o técnico em pesquisa e planejamento do Ipea Bolívar Pêgo Filho, também autor do estudo junto com os técnicos Alfredo Eric Romminger, Iansã Melo Ferreira e Leonar-do Fernandes Soares Vasconcelos.

O desafio, como destaca Amaral, é acessar qualquer porto do Brasil com o transporte de carga. Na opinião do profes-sor da UnB, as grandes ferrovias que estão saindo do papel são para o transporte de carga, para o escoamento da produção, para a exportação.

O vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria e presidente do Conselho de Infraestrutura da entidade,

José Freitas Mascarenhas, aponta que, no caso da ferrovia, o investimento é alto e o retorno com prazos mais longos, o que é bem diferente do rodoviário, que tem di-versos tipos de uso, destacando que o re-torno financeiro nas ferrovias ocorre por blocos de demanda, como é o caso do mi-nério de ferro. A ferrovia é para transpor-tar grandes massas a grandes distâncias. Mas ela pode se adaptar para transportar outros produtos, industrializados, como já vem ocorrendo a partir de São Paulo, o maior parque industrial brasileiro.

Além dos investimentos, um ponto importante a ser resolvido é o marco re-gulatório. O estudo indica três problemas: os contratos não deixam claro quais inves-timentos cabem às concessionárias e quais cabem ao poder público; as metas de pro-dução e segurança previstas nos contratos não garantem o aumento dos investimen-tos privados; e como os investimentos re-alizados pelas concessionárias são reversí-veis ao poder concedente, o seu limite de investimento é a capacidade da via férrea.

Marco regulatório - Campos acredita que os próprios contratos de concessão limi-taram a expansão da malha ferroviária. As empresas ganharam a concessão para atuar dentro da área concedida. Ele argu-menta que o marco regulatório tem que ser revisto para atrair investimento. O deputado Jaime Martins acrescenta ou-tros motivos para essa revisão: “Tem que permitir o direito de passagem, se pa-gando por isso... para se passar em uma ferrovia concedida e evitar os abusos do monopólio”.

O diretor da ANTF deixa claro que são 30 anos de concessão, renováveis por mais 30 anos. A maioria já está com 12, 13 anos. “E isso passa muito rápido e, naturalmen-te, há a necessidade de correções. Porque nem o governo executou a parte dele em sua plenitude, nem nós pudemos, por for-ça de deficiências, corrigir ou recuperar o

“O importante é ter um eixo que leva carga para os portos, a produção mineral e a da fronteira agrícola, com fretes mais econômicos, mais seguros e menos agressivos ambientalmente, a ligação de pontos principais de produção com as áreas de consumo e de exportação”

Vicente Abate, da Abifer

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sistema”. E acrescenta: “estamos trabalhando para chegar ao final deste ano ou, no mais tardar, no final do semestre de 2010, com as reformulações no contrato que possibilitem o tráfego mútuo, o direito de passagem, a ativação e desativação de trechos, questões tarifárias e a ampliação e reparo da malha com a participação da iniciativa privada”. O esforço para alterar o marco regulatório está sendo coordenado pela ANTT.

O maior gargalo atual do setor ferro-viário, de acordo com o estudo do Ipea, é a construção, recuperação e ampliação da malha. O PAC tem R$ 19,9 bilhões, e o mapeamento Ipea considera serem ne-cessários R$ 76,9 bilhões. Os investimen-tos previstos pelo governo federal atingem cerca de 25% das demandas identificadas pelos técnicos do Ipea.

Obras – “O Mapeamento Ipea de Obras Ferroviárias é o mais amplo e atual levan-tamento dos gargalos do setor ferroviário brasileiro”, afirma Campos, ponderando que “o impacto do PAC é relativamente reduzido”. Já Pêgo analisa que “a infraes-trutura é uma área para se pensar com, no

mínimo, dez anos de planejamento. O ho-rizonte de dez anos já é pouco para qual-quer modal de infraestrutura, é curtíssimo prazo. É uma área que exige elevados in-vestimentos, de longo prazo, com fonte de financiamento elevada e compatível com a rentabilidade do setor e com regras claras e permanentes, senão não funciona”.

Até 2011 serão construídos 5 mil qui-lômetros de ferrovias, de acordo com a ANTT. Outros 5 mil quilômetros estão em projetos de engenharia e estudos de viabi-lidade, ou para o PAC ou para a concessão. E mais 5 mil quilômetros - totalizando 15 mil quilômetros de ferrovias - estão em avaliação para inclusão no PAC. Desse modo, o Brasil passará a contar com 25 mil quilômetros de ferrovias competitivas, mais os 18 mil quilômetros que apresen-tam dificuldades, atingindo o patamar de 43 mil quilômetros em 2019.

Para o presidente da Abifer, “não adian-ta apenas expandir a malha ferroviária, mas é preciso resolver antes os gargalos da malha já existente, como o contorno das cidades, a invasão da faixa de domínio, o compartilhamento de linhas. Sem superar

essas dificuldades, sem a ampliação dos in-vestimentos e com o crescimento da eco-nomia brasileira, para o diretor-executivo da ANTF, o setor entra em colapso em 2012. “Nós tivemos um respiro pela crise econômica mundial. Essa é a nossa gran-de preocupação, tanto na malha existente como na malha a ser expandida.”

Vilaça pontua que os processos buro-cráticos no Brasil, junto com o da regu-lação, o ambiental, o patrimonialista, que levam todos ao jurídico, precisam ser tra-balhados. “Os três poderes precisam elimi-nar essa burocracia que existe nesses cinco pontos: patrimonialista, ambiental, regu-latório, trabalhista, jurídico associados à questão tributária.”

“O setor ferroviário tem um papel im-portantíssimo para o País. Agora, isso só ocorre se a economia cresce, desconcentra e descentraliza”, aponta Pêgo. A atual matriz de transporte de cargas do País, com 58% por rodovias, 25% por ferrovias, 13% por meio aquaviário, 3,6% dutoviário e 0,4% com o aéreo, revela o desafio de um País de grande extensão territorial que passou a crescer de modo sustentável e precisa cada vez mais de

Gargalos e demandas do setor ferroviário versus investimentos pretendidos pelo PAC 2009

Fontes: Mapeamento Ipea de Obras Ferroviárias; e PAC (2009). Elaboração: Ipea (Diset/Dirur)

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um sistema logístico integrado para suportar o crescimento de sua economia.

Com a sua extensão territorial, o Bra-sil não tem alternativa se não enfrentar os desafios de mudar a sua matriz concen-trada em um modal. O diretor da ANTT admite que, “abaixo de 600 quilômetros, o caminhão é muito mais competitivo em qualquer parte do mundo”. Por outro lado, de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), o custo de frete do transporte ferroviário é em torno de 50% mais baixo em relação ao transporte por rodovias. Mas o fato é que a matriz de transporte atual do País demons-tra que, praticamente, de cada 10 toneladas transportadas, 6 andam de caminhão.

Pêgo sinaliza a origem do problema. “O Brasil não tem tradição de pensar transporte de forma integrada, sempre pensa em um modal. O próprio governo ainda pensa muito nesse sentido. Agora, com a retomada do planejamento, com o Plano Nacional de Logística e Trans-porte (PNLT), do Ministério dos Trans-portes, e o PAC, há uma preocupação grande em se pensar o conjunto da in-fraestrutura de transporte.”

O PNLT, previsto inicialmente para 2023, já foi estendido para 2030, disse Vila-ça. O plano prevê investimentos totais de R$ 50,5 bilhões no sistema ferroviário, dividi-dos em três períodos para todos os modais, de 2008-2011, 2012-2015 e a partir de 2015. No mesmo período, para o sistema rodovi-ário estão previstos R$ 74,1 bilhões.

Na avaliação do vice-presidente da CNI, “a distribuição entre os modais de transporte no Brasil está fora do padrão internacional”. Comparando a matriz de transporte do Brasil com a dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, o estudo do Ipea mostra, com base no PNLT, a maior diferença entre o rodoviário e o ferroviário ocorre na matriz brasileira. Nos Estados Unidos e no Canadá, há mais transporte por ferrovia do que por rodovia, e na Aus-

trália o rodoviário tem maior participação do que o ferroviário, mas a diferença entre eles é cerca de 20%.

“O PNLT vai corrigir uma distorção da matriz de transporte que sempre tendeu para o rodoviário”, acredita Abate, ao de-fender uma matriz menos distorcida. O fer-roviário tem produtos e distâncias em que é mais competitivo. Pêgo ressalta que o setor, apesar de ter um papel importante, estru-tural, ainda é muito incipiente se compara-do com o rodoviário. O setor ferroviário é essencialmente de carga e está concentrado em poucas empresas.

Na opinião do técnico do Ipea, o cami-nho é pensar as ferrovias do ponto de vista do País, dando acesso a algumas regiões que podem ser pioneiras em bens e produ-tos e fortalecendo as regiões que já têm fer-rovias, mas que precisam ser melhoradas, ampliadas. Nesse sentido, tanto o mapea-mento do Ipea quanto o PAC estabelecem como um dos seus maiores orçamentos a construção de grandes ferrovias para ligar as diferentes regiões do País.

É o caso da Ferrovia Norte-Sul, a princi-pal obra ferroviária atualmente em execu-ção no Brasil, que deve unir ao norte a Es-trada de Ferro Carajás (EFC), no Maranhão, e ao sul com a Ferrovia Centro Atlântica (FCA), em Goiás, o que permitirá a ligação dos portos de Santos, Rio de Janeiro e Vitó-ria e das regiões industriais de São Paulo e Minas Gerais à região Norte. Ela foi proje-tada para promover a integração nacional,

“O Brasil não tem tradição de pensar transporte de forma integrada, sempre pensa em um modal. O próprio governo ainda pensa muito dessa forma. Agora, com a retomada do planejamento, com o Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT), do Ministério dos Transportes, e o PAC, há uma preocupação grande em se pensar o conjunto da infraestrutura de transporte”

Bolívar Pêgo Filho, do Ipea

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interligando as regiões Norte e Nordeste com a Sudeste e Sul, por meio de suas co-nexões com 5 mil quilômetros de ferrovias privatizadas, para minimizar os custos do transporte de carga de longa distância.

“Importante é ter um eixo que leva car-ga para os portos, a produção mineral e a da fronteira agrícola, com fretes mais eco-nômicos, mais seguros e menos agressivos ambientalmente. As ligações de pontos principais de produção com as áreas de consumo e de exportação”, pondera Abate. O estudo do Ipea observa que as extensões das ferrovias estruturantes abrem espaço para o surgimento de novos polos produti-vos, cuja distância dos portos justifica o uso do modal ferroviário. No caso da Ferrovia Transnordestina, são 1.105 quilômetros até o porto de Suape, em Pernambuco, e 2.257 quilômetros na Ferrovia Norte-Sul.

Já existem estudos que mostram que a Ferrovia Norte-Sul deverá absorver cerca de 30% do atual volume de cargas trans-portado pelas principais rodovias, espe-cialmente commodities agrícolas e mine-rais. O minério de ferro, aliás, como afirma o diretor-geral da ANTT, representa hoje 90% da movimentação ferroviária brasilei-

ra, utilizando 20% dos 10 mil quilômetros. O estudo do Ipea cita que, de acordo

com a Secretaria de Política Nacional de Transporte do Ministério dos Transportes, a Ferrovia Norte-Sul prevê conexões com 5 mil quilômetros de ferrovias privadas, inter-ligando as cinco regiões do País. Isso deve permitir a ocupação econômica e social de uma área de 1,8 milhão de quilômetros qua-drados do cerrado com a oferta de logística adequada ao potencial de desenvolvimento da região, garantindo o escoamento da pro-dução agropecuária e agroindustrial.

A Ferrovia Transnordestina fará a in-tegração do Piauí, interior do Ceará, Per-nambuco e Alagoas aos portos de Suape (PE) e Pecém (CE). A estimativa é de que a ferrovia seja capaz de transportar cerca de 30 milhões de toneladas por ano de produ-tos da região, como milho, soja, biodiesel, frutas, álcool e minérios. A Transnordesti-na deve viabilizar o escoamento de cargas no sentido porto-interior, no conceito fun-cional de porto-indústria que é adotado por esses portos.

Por meio da Ferrovia Norte-Sul, a Ferro-via Oeste-Leste permitirá o escoamento da produção da Bahia, além de servir de liga-ção com outras áreas produtivas brasileiras. Mas só será concluída totalmente no final de 2012. O primeiro trecho entre Ilhéus e Catité fica pronto no primeiro semestre de 2011. Essa ferrovia fará um corredor de transporte que melhorará a operação do porto de Ponta de Tulha, em Ilhéus (BA), abrindo uma alternativa logística para os

“No caso da ferrovia, o investimento é alto e o retorno tem prazos mais longos, o que é bem diferente do rodoviário, que tem diversos tipos de uso”

José Freitas Mascarenhas, da CNI

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portos do Norte do País atendidos pela Norte-Sul e pela Estrada de Ferro Carajás. O aproveitamento dessa conexão com a malha ferroviária nacional viabilizará o au-mento da competitividade de produtos do agronegócio e a implantação de novos polos agroindustriais e de exploração de minérios.

Apesar de se concentrar em apenas um estado, o Ferroanel de São Paulo é uma das obras ferroviárias mais importantes do PAC porque contribuirá para a solução de con-flitos decorrentes do compartilhamento de linhas pelo tráfego de passageiros e de car-gas na região centro-leste paulistana. A obra ajudará no escoamento de cargas para os portos de Santos e Sepetiba (RJ). Atualmen-te, as cargas destinadas a Santos só podem cruzar a capital paulista entre meia-noite e três horas, o que aumenta o tempo de frete e compromete a eficiência do transporte.

É o que acontece com a MRS que sai de Minas Gerais com minério de ferro em direção ao porto de Santos e depende dessa “janela” na operação da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM) durante a madrugada para atra-vessar São Paulo. Isso acontece porque o transporte de passageiros feito pela CPTM tem prioridade sobre o de carga.

O tráfego mútuo, com a utilização da mesma rodovia por trens de empresas di-ferentes, e o direito de passagem, quando a um trem de uma empresa é assegurado o acesso para passar em determinado trecho de ferrovia, são, depois da construção, re-cuperação e ampliação de ferrovias, os dois maiores gargalos do setor, que podem ser solucionados em breve, a partir de contra-tos que ofereçam mais facilidade de acordo comercial entre as empresas. O estudo su-gere que passem a cumprir metas de den-sidade de transporte e não mais metas de produção e segurança, que não garantem a plena exploração da malha ferroviária.

O estudo citado pode ser encontrado no sítio do Ipea

www.ipea.gov.br

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Situação do PAC-Ferrovias8º balanço do PAC - maio a agosto de 2009

OBRAS INICIADAS - 433 km

Ferrovia Nova Transnordestina - Eliseu Martins/PI - Trindade/PE - 420 km - 06/08/2009

Extensão da Ferronorte - Alto Araguiaia/MT - Rondonópolis/MT - Segmento 1 - 13 km - 21/07/2009

EM ANDAMENTO - 2.316 km

Ferrovia Norte - Sul

Guaraí - Palmas - 148 km - 35% executados

Uruaçu - Anápolis - 280 km - 24% executados

Palmas/TO - Uruaçu/GO - 575 km - 12% executados

Ferrovia Nova Transnordestina

Missão Velha/CE - Salgueiro/PE - 96 km - executados 93% da infraestrutura

Cabo - Porto Real do Colégio - 550 km - 80% reconstruídos

Salgueiro/PE - Trindade/PE - 163 km - Infraestrutura com 7% executados

Eliseu Martins/PI - Trindade/PE - 420 km - Iniciada a execução de 12% da infraestrutura

Contorno Ferroviário de Araraquara - 39 km - executados 35% do contorno e 4% do pátio

Rebaixamento Linha Férrea Maringá/PR - 5,8 km - executados 86% do rebaixamento e 50% das vias expressas

Contorno Ferroviário Joinville/SC - 18 km - executados 2% do empreendimento

Contorno Ferroviário de São Francisco do Sul/SC - 8,3 km - executados 8% do contorno

PROJETOS - 2.170 km

Ferrovia da Integração Oeste - Leste - Ilhéus/BA - Figueirópolis/TO - 1.490 km - Projeto básico em elaboração

Trecho Sul da Ferrovia Norte - Sul - Anápolis/GO - Estrela D-Oeste - 679,8 km - Projeto básico em elaboração

Trem de Alta Velocidade (TAV)

Consulta PúblicaDisponíveis os estudos de traçado, demanda, operação e custos em 15/07/2009

Divulgada a modelagem f inanceira em 03/09/2009

Modelagem AmbientalApresentados os resultados da 1ª etapa dos estudos geológicos em 14/05/2009

Emitido Termo de Referência para EIA-RIMA em 29/05/2009

Transferência de TecnologiaConcluído mapeamento das tecnologias de interesse e das empresas e centros de pesquisa com potencial e interesse para absorvê-las

Em estudo a constituição de Empresa de Pesquisas Ferroviárias (EPF), como o agente público gestor e coordenador do processo de transferência de tecnologia ferroviária

Leilão Previsto para 1º trimestre/2010

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ARTIGO C a r l o s A l v a r e s d a S i l v a C a m p o s N e t o

Setor ferroviário brasileiro

0s problemas observados com relação ao setor ferroviário brasileiro são os mesmos desde os anos 1970. A si-tuação não foi resolvida com as pri-

vatizações da década passada por conta dos contratos de concessão que não foram bem elaborados. Foram feitos apressadamente e o governo federal teve mais interesse em elevar a arrecadação, ao fazer contratos com conces-sões onerosas (as concessionárias, além de in-vestir e operar as malhas ferroviárias, pagam pelo direito de uso), do que estimular a efici-ência econômica.

Estão identificados problemas com relação ao marco regulatório então vigente, que ter-minou por inibir o investimento privado: a) os contratos não deixam claro quais investimen-tos cabem às concessionárias e quais cabem ao poder público; b) as metas de produção e segurança previstas nos contratos não garan-tem o aumento dos investimentos privados; c) o investimento realizado pelas concessionárias não é reversível, portanto, o limite do insvesti-mento é a capacidade da via férrea.

Porém, o problema mais grave são as dificul-dades de interpenetração de uma concessionária ferroviária na malha de terceiros, que represen-tam um obstáculo ao desenvolvimento setorial mais acelerado, uma vez que cada ferrovia bus-cava seu equacionamento econômico-financeiro, majoritariamente, dentro da própria área de abrangência, desconsiderando ou reduzindo a possibilidade de obter carga cuja origem ou des-tino se situe fora de sua malha. Isso se explica pelo fato de que os editais de licitação previam que o tráfego mútuo seria o primeiro regulador dessa interface e não o direito de passagem. Ou seja, uma ferrovia sempre dependeria operacio-nalmente da outra para atingir novos mercados.

Explicando melhor: o grande gargalo à maximização da utilização da malha ferrovi-ária instalada e sua ampliação reside nas di-ficuldades de interpenetração de uma malha com a outra. Esta interpenetração é baseada em dois conceitos: a) Direito de Passagem - é a operação em que uma concessionária, me-diante remuneração ou compensação finan-ceira, permite a outra trafegar na sua malha para dar prosseguimento, complementar ou encerrar uma prestação de serviço público de transporte ferroviário, utilizando a sua via per-manente e o seu sistema de licenciamento de trens; b) Tráfego Mútuo - é a operação em que uma concessionária, necessitando ultrapas-sar os limites geográficos de sua malha, para complementar uma prestação de serviço pú-blico de transporte ferroviário, tem que fazer o transbordo da carga para os equipamentos (trens) de outra concessionária, evidentemen-te, pagando por este serviço. O problema é que as empresas não têm conseguido chegar a bom termo nas negociações sobre direito de passagem e tráfego mútuo. Este fato também é um impedimento para o investimento em no-vas linhas de ferro, pois estas novas empresas esbarraram com este mesmo problema, isto é, para chegarem com a carga ao destino, muitas vezes, precisam interpenetrar a rede de outra companhia.

O governo considera o problema do trá-fego mútuo e do direito de passagem o mais relevante para ser solucionado com brevidade. Os contratos têm que exigir maior facilidade de acordo comercial. Os contratos também passarão a apresentar metas por densidade de transporte, e não mais metas de produção e se-gurança, que não garantem a plena exploração da malha.

O governo garante que estes problemas regulatórios estarão resolvidos até o final de 2009. Com o problema da interconexão so-lucionado, as perspectivas de retomada dos investimentos no setor ferroviário brasileiro se tornarão auspiciosas. Duas são as possi-bilidades de ampliação dos investimentos na rede: a) ampliação de linhas férreas em direção às novas fronteiras agrícolas, que necessitam de corredores de transporte; b) utilização da Valec como instrumento de implantação de parcerias entre o setor público e o setor pri-vado. No entendimento do governo, a Valec alavanca investimentos com recursos públicos e privados, e a empresa pode fazer subconces-sões (como já tem feito, por exemplo, com o caso da Ferrovia Norte-Sul).

O BNDES fez um mapeamento dos in-vestimentos firmes previstos para o período 2009-2012, antes da crise (agosto de 2008) e com a crise instalada (dezembro de 2008). No caso do setor ferroviário, houve uma redução desta previsão de R$ 28,9 bilhões em setembro de 2008 para R$ 17,0 em dezembro. Apesar da redução de 41,2% na expectativa de investi-mento no período 2009-2012, tanto o gover-no (ANTT) quanto o setor privado (ANTF) concordam que, mesmo com crescimento dos investimentos ocorridos após a privatização, a atual rede ferroviária existente chegou ao limite estrutural. Ou seja, mesmo com a redu-ção de demanda provocada pela atual crise, o sistema está próximo do esgotamento da ca-pacidade de carga. A única solução possível é o incremento dos investimentos no setor.

Carlos Alvares da Silva Campos Neto é técnico de planejamento e

pesquisa do Ipea

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ARTIGO

Transporte ferroviário de carga no Brasil

Apesar de não terem a agilidade e ca-pilaridade do modal rodoviário, as ferrovias proveem transporte mais barato para grandes volumes de car-

ga em percursos de longa distância, além da facilidade de uso de grandes terminais pri-vativos. Sua vantagem competitiva é maior quando operam em corredores especializa-dos, com trens unitários e carga homogênea. Trata-se do modal mais indicado para cargas a granel, como grãos e minérios, e mesmo quantidades expressivas de contêineres, nos corredores de longo percurso. Sendo o Brasil um País que, além da dimensão territorial, é grande produtor de commodities agrícolas e minerais, seria lógico o uso mais intensivo das ferrovias na movimentação de cargas.

Contudo, não é o que ocorre. As ferro-vias, que tiveram papel primordial no ciclo de exportação de produtos primários (entre 1880 e 1930), entraram em decadência em meados do século XX. A rápida industriali-zação do País e a necessidade de consolida-ção do mercado interno induziram à opção pelo transporte das cargas industriais por caminhões, dada a incompatibilidade das malhas ferroviárias com essa nova função. O rápido deslocamento das fronteiras agrícolas, a maior diversidade de pontos de origem e destino, o maior fracionamento das cargas devido à industrialização, fizeram com que as rodoviias fossem mais aptas a responder rapidamente aos desafios da nova configura-ção econômica do País.

Apesar do grande volume de recursos destinados às ferrovias a partir dos anos 1950, a redução dos investimentos na malha ferroviária foi drástica devido à crise fiscal dos anos 1980. Desde 1996, o sistema ferro-viário – estatizado nos anos 1950 – foi objeto de concessões, por meio do arrendamento dos ativos operacionais. Na ocasião, as linhas e o parque de material rodante e de tração encontravam-se em estado precário. An-

tes do arrendamento, o sistema ferroviário gerava perdas diárias de US$ 1 milhão, e a transferência da operação das ferrovias para o setor privado foi fundamental para que passassem a operar com maior eficiência.

Entre 1996 e 2006, foram significativos os avanços ocorridos em função das con-cessões, podendo-se destacar: aumentos da produtividade em importantes segmentos do sistema; crescimento de mais de 130% nas toneladas-quilômetro úteis (TKUs) mo-vimentadas; redução dos acidentes; cresci-mento das encomendas de locomotivas e de vagões para a indústria nacional; capacitação de uma nova geração de ferroviários para as mais avançadas tecnologias; lançamento de ações na Bolsa de Valores e contratos de longo prazo com clientes e operadores lo-gísticos; reestruturação da Brasil Ferrovias, englobando a FERROBAN e FERRONOR-TE; e aumento do número de terminais in-termodais, articulando-se com operadores logísticos, clientes e comunidades.

Dez anos após as concessões, em 2006, a extensão da malha ferroviária era de 29,3 mil quilômetros, operada por 11 concessionárias. Trata-se da 10ª maior malha ferroviária do mundo. O trabalho realizado pelas ferrovias foi de 238,1 bilhões de TKUs e 389,1 milhões de toneladas úteis anuais. Predominaram no transporte ferroviário o minério de ferro (66%) e o complexo de soja e farelo (10%), além de cimento, produtos siderúrgicos e carvão. O transporte de minério é realizado pelas duas ferrovias da Vale (Vitória-Minas e Carajás) e pela MRS Logística. As três con-cessionárias transportaram, em 2006, 83% da carga ferroviária, expressa em toneladas úteis.

As ferrovias da Vale e a MRS Logística operam com níveis elevados de produtivi-dade, comparativamente a ferrovias norte-americanas e canadenses. Sem elas, são muito baixos os indicadores comparativos de produtividade das ferrovias brasileiras

frente a países com grande extensão terri-torial e/ou forte tradição ferroviária.

Os grandes obstáculos para a competiti-vidade e expansão do modal ferroviário, que contribuem para a redução dos seus níveis de produtividade, são: corredores principais com capacidade limitada e/ou descontinuidades de velocidade média para o transporte intensivo de cargas; limitações graves de capacidade nos acessos aos portos; invasões e construções ir-regulares às margens das ferrovias, especial-mente nas periferias metropolitanas; excesso de passagens em nível e ausência de contornos ferroviários nas principais regiões metropoli-tanas; e deficiências nos mecanismos de regu-lação do trafego mútuo entre concessionárias.

Apesar do esforço de modernização e da introdução de novos padrões de gestão, as concessionárias herdaram pesadas defici-ências estruturais. Uma questão ainda pen-dente é a de como conciliar o arrendamento de ativos operacionais com as necessidades de modernização e expansão futuras.

As ferrovias já tinham traçados obso-letos e condições físicas e operacionais superadas, dificultando a compatibiliza-ção do fluxo de caixa do arrendatário com vultosos investimentos para torná-las com-petitivas. O Brasil não dispõe de mecanis-mos de financiamento de longo prazo para investimentos do porte dos ferroviários, à exceção dos créditos do BNDES.

Outro aspecto importante é o da in-cipiente formação de consórcios diversi-ficados. Não se tem uma ampla gama de interesses empresariais ligados às logísticas regionais, no sentido de consolidar a lide-rança das ferrovias no multimodal.

Josef Barat é doutor e livre docente em economia, administração e legislação urbanísticas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador bolsista do Programa Nacional de Pesquisa em Desenvolvimento (PNPD) do Ipea

J o s e f B a r a t

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 25

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ARTIGO V a n d e L a g e M a g a l h ã e s

Deficiência do transporte pode bloquear agricultura

A região central do Brasil, compos-ta pelo Centro-Oeste, Rondônia, Tocantins e parcelas adjacentes de Minas Gerais, Bahia, Piauí e Mara-

nhão, com mais de 3 milhões de km2 ou 36% do território nacional, é uma região estratégica para qualquer programa de de-senvolvimento para o País, por seu enorme potencial de recursos, sobretudo extrativis-mo mineral e produção agrícola.

Graças a inovações tecnológicas, onde se destaca a contribuição da Embrapa, o cerra-do, bioma característico dessa região, passou a se constituir em uma fronteira agrícola ex-tremamente dinâmica. A região já é a princi-pal produtora de grãos do País, atingindo no ano agrícola 2003/04 85,4 milhões de tonela-das ou 63% da Produção Nacional.

Essa região tem sido, nas últimas dé-cadas, palco de um processo acelerado de ocupação econômica com expansão da fronteira agrícola, aumentos de produtivi-dade, interiorização da produção industrial, criação e expansão de novos polos urbanos e de prosperidade no interior do Brasil, ge-rando fluxos significativos de transporte, tanto para o mercado interno como para ex-portação. Esse processo teve como elemento catalisador os investimentos do poder pú-blico na dotação de infraestrutura da região, principalmente na área de transporte.

Historicamente tem-se registrado não só no Brasil, como em outros países, exem-plos importantes de processos de desenvol-vimento e interiorização induzidos por in-vestimentos em transportes, comprovando que tais investimentos, ao criarem melho-res condições de acesso e escoamento às áreas produtoras, propiciam a dinamização econômica dessas áreas, alavancando o seu desenvolvimento e integração crescente ao resto do País. O desenvolvimento do pró-prio Centro-Oeste brasileiro, nas últimas décadas, é um caso emblemático desse processo., que teve início, efetivamente, na década de 1940 , com as ações da Fun-

dação Brasil Central, mais especificamente a instalação das colônias agrícolas de Ceres (Goiás) e Dourados (Mato Grosso).

A partir dos anos 1950 o processo se ace-lerou. Nessa década o governo federal pas-sou a induzir o deslocamento crescente de migrantes para as áreas do Planalto Central, principalmente a partir da construção de Brasília e da malha de infraestrutura daí re-sultante, o que se acelerou na década seguin-te. Nesse período foram construídos gran-des eixos de rodovias federais conectando o Centro-Oeste às demais regiões brasileiras, como a BR-040, ligando Brasília ao Sudeste, e a BR-153 (Belém-Brasília), que propiciaram a expansão da fronteira agrícola nos estados que compõem a área de influência deste plano, com intensificação das correntes mi-gratórias, principalmente para o sul de Mato Grosso e Goiás e uma crescente organização de grandes e médias propriedades dedicadas à agricultura de exportação, insumos agro-industriais (soja, trigo, milho, cana, arroz) e à pecuária.

No início da década de 1970 essa ten-dência já estava consolidada, baseada em diversos produtos agrícolas de mercado externo e interno, além da pecuária, favo-recida pelas características topográficas, tornando-se altamente mecanizada e ten-do como consequência a elevação da pro-dutividade. A integração com a dinâmica industrial da região Sudeste/Sul passou a ocorrer via encomendas ao setor de produ-ção de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas, que se desenvolvera intensamente a partir da segunda metade dos anos 1950.

O próximo ciclo de desenvolvimento re-gional pode ser identificado nas décadas de 1970 e 1980 . Nos anos 1970, ambiciosos pro-gramas de integração nacional e desenvolvi-mento regional foram lançados, focalizando principalmente o Centro-Oeste e a Amazô-nia, nos quais os investimentos em transpor-te como indutores de ocupação/integração territorial ocuparam papel de destaque.

Para a continuidade e mesmo acelera-ção deste processo de desenvolvimento, faz-se necessário um programa estratégico de aprimoramento e expansão da infraes-trutura de transporte regional, principal-mente da malha ferroviária.

Assim, propõe-se a implantação de 5 mil km de ferrovias fundamentais para a redu-ção de custos de transportes para os fluxos crescentes de grãos e insumos agrícolas da região, nos próximos dez anos, a saber:

1) Paraná/Mato Grosso do Sul : Casca-vel – Foz do Iguaçu e Cascavel – Guaira – Dourados – Maracaju (articulação da ferro-via ALL, Ferroeste e ligação com a Bolívia);

2) Minas Gerais/Goiás: Unaí – Pira-pora – Brasília – Uruaçu ( integração da ferrovia Norte-Sul com a ferrovia Centro-Atlântica);– ligação Uberlândia - Itumbiara - Jataí – Alto Araguaia (integração Ferro-norte – Ferroban/FCA) e ligação Itumbiara – Anápolis – Goiânia – Brasília (integração Ferrovia Norte-Sul com a FCA).

3) Tocantins – Goiás – Complementa-ção da Ferrovia Norte-Sul.

4) Mato Grosso – Continuação da Fer-ronorte (trecho Alto Araguaia – Rondonó-polis – Cuiabá).

5) Mato Grosso - Pará – Tocantins, nova ferrovia com mil km de extensão – de Sor-riso (centro norte do Mato Grosso) até Mi-racema de Tocantins, conectando as grandes áreas de produção de grãos do Mato Grosso, Tocantins e Sudeste do Pará ao Porto de São Luís, através das ferrovias Norte-Sul e Ferro-vias de Carajás – São Luís.

Vande Lage Magalhães é mestre em economia pela Universidade de Vanderbilt (USA), foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério dos Tranportes (1979-82), diretor da Empresa Brasileira de Planejamento dos Transportes/GEIPOT (1982-85), diretor Presidente do GEIPOT (1991/92), secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda (1993), superintendente de Estudos de Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres-ANTT (2002-2004) e é assessor da Superintendência Executiva da ANTT desde 2004.

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ARTIGO

Considerando a matriz modal agre-gada, estima-se em menos de 10 % a participação do transporte me-troferroviário no total de viagens

realizadas por transporte público coletivo urbano no Brasil. Atualmente existem 15 sistemas metroferroviários no País, loca-lizados em 13 regiões metropolitanas (7 federais, 6 estaduais e 2 concessões). Con-juntamente esses sistemas transportam cerca de 1,2 bilhão de passageiros anual-mente, em contraste com os mais de 20 bi-lhões de passageiros dos sistemas urbanos e metropolitanos sobre pneus.

A principal causa para a baixa participa-ção dos sistemas sobre trilhos nos desloca-mentos urbanos foi a falta de investimentos perenes na melhoria e expansão dos servi-ços, principalmente no período de cresci-mento acelerado das grandes cidades, quan-do as pressões de demanda por transportes foram resolvidas por modais rodoviários, mais flexíveis, mesmo que inadequados em situações de alta concentração de demanda.

No contexto atual de grandes deseco-nomias causadas pelos congestionamentos, o transporte sobre trilhos volta a ter des-taque nas políticas de mobilidade urbana. Nos últimos anos foram realizados inves-timentos na melhoria e expansão de vários sistemas, gerando um aumento constante na demanda. Os sistemas gerenciados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos—CBTU, por exemplo, tiveram um aumento de demanda superior a 70% nos últimos 10 anos, com tendência a crescer, já que há várias obras em andamento.

Os recursos aplicados pelo Governo Federal para implantação, modernização e recuperação de sistemas metroferroviários totalizaram R$ 279,9 milhões em 2007 e R$ 346,4 milhões em 2008. Para 2009 foram

aprovados na LOA R$ 492,4 milhões. O PAC contemplou recursos para ampliação e me-lhoria em 4 sistemas: Belo Horizonte, Salva-dor, Recife e Fortaleza. No Rio de Janeiro, os investimentos previstos nos próximos anos são superiores a um bilhão entre aportes pú-blicos e privados, o que possibilitará dobrar a oferta de lugares nos sistemas sobre trilhos da cidade. O Metrô de São Paulo está finali-zando a linha 4 com investimento via PPP de mais de US$ 1 bilhão. Porto Alegre está expandindo sua rede até Novo Hamburgo, o que aumentará a demanda em até 20%, além de estudos de expansão da rede já iniciados. Há estudos de implantação de linhas metro-viárias em Curitiba e Goiânia, cidades que já contam com sistemas de ônibus de alta capa-cidade operando em via exclusiva.

Nessa nova onda de investimentos no setor metroferroviário, uma opção vem cha-mando bastante atenção dos governantes: os Veículos Leves sobre Trilhos – VLT ou, de-pendendo das características tecnológicas, também chamados de bondes modernos. Com custos de implantação e operação bem menores do que os metrôs convencionais e podendo operar até mesmo em vias de trá-fego misto em determinadas situações, algu-mas cidades brasileiras estão desenvolvendo estudos para sua implantação. Uma vanta-gem desses sistemas é a sua capacidade de valorizar o ambiente em seu entorno, sendo usado inclusive em projetos de revitalização de áreas degradadas, turismo e preservação de áreas históricas, por agredir menos o meio ambiente do que os sistemas sobre pneus. Não é por acaso que a Europa dobrou o nú-mero de VLT´s da década de 1990 para cá.

A deterioração do trânsito urbano vem atraindo passageiros para os sistemas me-troferroviários, ao contrário dos sistemas de transporte público rodoviários, que na

sua maioria trafegam em vias não segrega-das, tendo seu desempenho e atratividade comprometidos. Pode-se constatar esse fato nas estatísticas de demanda nos últi-mos 10 anos. Enquanto a demanda dos sis-temas ferroviários urbanos aumentou mais de 30% no período, os sistemas de ônibus urbanos perderam esse percentual em ter-mos de volume de passageiros pagantes.

Embora o tempo de viagem seja impor-tante na escolha do modal, o fator preço também influenciou os resultados. Desde o Plano Real as tarifas de ônibus subiram 65% acima da inflação, enquanto as tarifas dos sis-temas metroferroviários ficaram abaixo des-se índice, em função dos subsídios recebidos e do próprio ganho de demanda, que elevou a receita. O próprio preço da tarifa pode ser utilizado como ferramenta de gerenciamento da demanda, como foi o caso do Metrô de Brasília, que, após inaugurar 5 novas esta-ções sem aumentar a frota, viu sua demanda triplicar de um dia para o outro. Para evitar um colapso no sistema, o governo teve que aumentar a tarifa em 50% de uma só vez.

O caso de Brasília mostra que não bas-ta investir apenas na expansão física dos sistemas. Tem que haver preocupação também com o aumento da capacidade do serviço já existente, implicando investi-mentos planejados em sistemas de controle de tráfego, aumento da frota e do pessoal operacional. O problema é que geralmente os políticos preferem deixar sua marca na inauguração de novas obras e se esquecem de melhorar, ou no mínimo manter, as condições de operação dos trechos já exis-tentes, dado que essas ações nem sempre são perceptíveis aos olhos dos eleitores.

Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho é técnico

de planejamento e pesquisa do Ipea

Desenvolvimento urbano nos trilhos

C a r l o s H e n r i q u e R i b e i r o d e C a r v a l h o

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EMPREGO

Cientistas, professores, tec-nólogos, engenheiros de todas as áreas, gestores, especialistas em tecno-

logia da informação, pessoal de construção civil e de apoio à rede de turismo: há vagas! Recuperado do furacão que varreu a economia mundial depois do estouro da bolha imobiliária norte-americana, o Brasil corre atrás do preju-ízo, estimulado por índices cada vez mais pro-missores de retomada do crescimento, pelos investimentos em infraestrutura com as obras

do PAC (Programa de Aceleração do Cres-cimento), pelas promessas do pré-sal, pelo

desafio de sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Indústrias, laboratórios, a cadeia do

Precisa-se de trabalhador

qualificadoRetomada do crescimento,

modernização da economia, pré-sal e os eventos da Copa do Mundo e Olimpíadas vão aumentar a oferta de vagas no mercado de trabalho, principalmente para prof issionais

qualif icados. Governo e empresas se mobilizam para formar de mão de obra

petróleo e do gás, redes hoteleiras, escolas, em-presas de todo o País sabem que, para garantir um salto de desenvolvimento, a matéria-prima mais preciosa é a mão de obra. Mas não qual-quer mão de obra. Neste novo cenário, só tem vaga garantida o profissional devidamente qua-lificado.

“Conhecimento é a mola-mestre da com-petitividade no futuro”, resume o pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma área de fronteira que vem deixando de ser promessa para se tornar reali-dade no Brasil atual, com o avanço das pesqui-sas em engenharia genética, química medicinal, biologia molecular e setores afins. A Política Nacional de Desenvolvimento da Biotecnolo-gia, lançada pelo governo em 2007, é ambicio-

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empresas vão precisar cada vez mais desse tipo de profissional”, afirma Drugowich.

Se depender do CNPq, diz ele, o Brasil deve dobrar o atual número de doutores nos próximos dez anos. O conselho concede cerca de 10 mil bolsas de doutorado por ano – hoje são 8.797 no País e 399 no exterior, além de 1.317 bolsas de pós-doutorado e 10.452 bolsas de mestrado. Isso sem falar nas mais de 25 mil bolsas de iniciação científica e nas quase 3,5 mil de iniciação tecnológica e industrial, entre ou-tras iniciativas de apoio à pesquisa científica e à formação de pesquisadores.

Se o incentivo vale para todas as áreas de conhecimento, são as engenharias e as ciências da computação que levam a maior fatia do bolo: 20% de todas as bolsas de mestrado e doutora-do do CNPq. É para essas áreas também, se-gundo Drugowich, que é direcionado um mon-tante ainda maior de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educa-ção – cerca de 5,4 mil bolsas de doutorado e mestrado. “O número de bolsas para engenha-rias e ciências da computação está crescendo na ordem de 15% ao ano”, garante o diretor do CNPq.

A vez da engenharia - Não é para menos. Duas décadas e meia de estagnação econômica redu-ziram de forma drástica a demanda – e, conse-quentemente, a oferta – de engenheiros no país. A profissão foi ainda mais desvalorizada com a precariedade do ensino de física, química e matemática nas escolas. Hoje, com a retomada do crescimento, o mercado se vê às voltas com um gargalo sem tamanho: a falta de mão de obra especializada para tocar projetos de cons-trução civil, siderurgia, metalurgia, automação, telecomunicações, petroquímica e tantas outras áreas da engenharia. Setores mais novos, como os da cadeia de petróleo, gás e biocombustíveis, são os que mais sofrem com a escassez desses profissionais.

Em 2006, tínhamos seis engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas. Nos demais países em desenvolvimento, essa pro-

porção é de 12 a 24 por mil, e nos Estados Uni-dos e outros países desenvolvidos é de 18 a 30 por mil. Formamos hoje pouco mais de 23 mil engenheiros por ano, enquanto a Coreia do Sul forma cerca de 80 mil, e a Índia, 200 mil.

Quem apresenta os números é o presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetu-ra e Agronomia (Confea), o engenheiro Marcos Túlio de Mello. Ele é taxativo: “Sem engenhei-ros qualificados, não há como implementar nenhum projeto de desenvolvimento nacional. O Brasil precisa dobrar o atual número de en-genheiros para garantir um crescimento econô-mico da ordem de 5% ao ano. E precisa triplicar esse número se quiser ter o mínimo de compe-titividade no cenário internacional”.

Estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Confea, dei-xa claro o potencial do mercado: as demandas do setor mineral impulsionam a engenharia de minas; o crescimento da indústria de produ-tos alimentícios, a engenharia de alimentos; a engenharia civil passa por um momento extre-mamente positivo com o PAC; o crescimento econômico também exige cada vez mais mão de obra especializada em engenharia elétrica e de telecomunicações; a engenharia ambiental ga-nhou novo status com as modernas exigências de desenvolvimento ecologicamente sustentável; e a engenharia mecatrônica está diretamente ligada às demandas de inovações tecnológicas.

sa: o Brasil teria 15 anos para se tornar um dos cinco principais produtores de pesquisa, gera-ção de serviços e produtos biotecnológicos. Se o plano sair mesmo do papel, será um ganho for-midável para a agropecuária, o meio ambiente, a indústria e a saúde.

Mais doutores - Também é de olho nas áreas de fronteira do conhecimento que o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o De-senvolvimento Nacional 2007-2010 dá atenção especial não apenas para a biotecnologia, como para a nanotecnologia, o setor espacial e as en-genharias. Multiplicar o número de bolsas para formação e capacitação de recursos humanos qualificados, de forma a ampliar e consolidar a base de pesquisa científico-tecnológica e de inovação no País, virou palavra de ordem no governo.

Temos hoje cerca de 120 mil doutores – 62 mil atuando em centros de pesquisa. “Já é um salto enorme. Em 2000, por exemplo, tínhamos pouco menos de 28 mil doutores em grupos de pesquisa. Mas é um número ainda bem aca-nhado em comparação com o dos países em desenvolvimento”, avalia o diretor do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), José Roberto Drugowich. A estatística não deixa dúvidas: o Brasil tem menos de um doutor para cada mil habitantes; países como Estados Unidos, Alemanha e Japão têm cerca de cinco.

“Há cursos de altíssimo padrão no Brasil. O problema é que o jovem parece estar desinte-ressado pela área científica, provavelmente por questões salariais”, alfineta o pesquisador Elí-bio Rech, da Embrapa. “Hoje não tem doutor desempregado no País. E, daqui para frente, as

“Sem engenheiros qualificados, não há como implementar nenhum projeto de desenvolvimento nacional. O Brasil precisa dobrar o atual número de engenheiros para garantir um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. E precisa triplicar esse número se quiser ter o mínimo de competitividade no cenário internacional”

Marcos Túlio de Mello, do Confea

“Há cursos de altíssimo padrão no Brasil. O problema é que o jovem parece estar desinteressado pela área científica, provavelmente por questões salariais”

Elíbio Rech, da Embrapa

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O estudo também destaca o papel estraté-gico dos profissionais de tecnologia de infor-mação em todas as áreas empresariais, assim como o espaço crescente reservado a técnicos e tecnólogos em geral.

“A carência de pessoal é tão grande que a área siderúrgica intensificou a busca por pro-fissionais aposentados ou fora da área para uma atualização profissional. A Vale do Rio Doce contratou 7 mil bolsistas para formar a própria mão de obra. A Petrobras também lançou um programa especial de formação de mão de obra. E olha que isso foi antes do pré-sal”, comenta Marcos Túlio de Mello.

Mercado exigente - Não é à toa que engenhei-ros recém-formados já saem da faculdade com propostas de emprego com salário na faixa dos R$ 4 mil; os mais especializados, segundo dados do Confea, pularam de uma faixa salarial de R$ 8 mil para até R$ 25 mil mensais. É só batalhar um diploma em qualquer faculdade para garan-tir um salário desses? Não é bem assim, alerta o presidente da entidade. A qualidade da for-mação é fundamental. E esse é outro problema considerável: apenas um terço dos engenheiros brasileiros teria nível de qualificação adequado; um terço teria qualificação média e o outro ter-ço, muito precária.

“São os bons profissionais que garantem com-petitividade no mercado. O Brasil tem áreas de excelência, como na siderurgia e na tecnologia de aeronáutica, mas é muito precário em outros setores. Na construção civil, por exemplo, preci-samos dar um salto de qualidade. Estamos longe da concepção de construção sustentável que o mundo exige hoje”, avalia Marcos Túlio de Mello.

O estudo da CNI também deixa claro que formação não é o único critério exigido pelos empregadores. Na hora de selecionar os profis-sionais, eles dão preferência a quem tem lide-rança e capacidade de solução de problemas, espírito de equipe, iniciativa e disposição para aprender novas tarefas. Facilidade de comuni-cação, vontade de crescer na empresa e facili-dade de adaptação a situações novas também contam pontos preciosos.

O mercado está mesmo cada vez mais exi-gente. E não só em relação a profissionais de ní-vel superior, mas também a quem disputa uma vaga de nível médio ou técnico. Nessa corrida por maior qualificação, investir em educação é medida obrigatória. Formar, capacitar e reci-clar professores é fundamental, principalmente quando se leva em conta que 600 mil dos 1,8 milhão de docentes brasileiros não têm diploma de curso superior. Outros 127 mil têm apenas bacharelado. Os dados são do Ministério da Educação.

Formação de professores - Para mudar esse ce-nário, o ministério lançou, em maio deste ano, o Plano Nacional de Formação de Professores, numa parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação e uma rede de uni-versidades públicas. O objetivo é oferecer 330 mil vagas em cursos superiores para docentes da rede pública. O novo plano se soma à Rede Nacional de Formação Continuada de Professo-res, criada em 2004 para melhorar a formação de professores, diretores e gestores de escolas, e à Universidade Aberta do Brasil, lançada em 2006 como sistema nacional de educação supe-rior a distância para formação inicial e continu-ada de professores.

“Existe uma grande carência de docentes, especialmente nas áreas de matemática e ci-ências. Estamos desenvolvendo uma política focada para motivar os jovens nesse sentido e para formar esse tipo de profissional de manei-ra qualificada. O professor bem formado vai garantir uma educação básica de muito mais qualidade”, afirma a secretária de Educação Su-perior do ministério, Maria Paula Dallari Buc-ci. O desafio é complicado: um bom professor, avaliam os especialistas, não deve ter apenas formação específica; ele precisa ter formação como educador e desenvolver uma visão mais ampla e crítica da escola e da sociedade.

O Censo de Educação Superior de 2007 re-gistrou 2.281 instituições do gênero no Brasil, com 23.488 cursos e 4.880.381 estudantes. Um número ainda reduzido, apesar da explosão de instituições privadas ocorrida a partir de me-

“Existe uma grande carência de docentes, especialmente nas áreas de matemática e ciências. Estamos desenvolvendo uma política focada para motivar os jovens nesse sentido e para formar esse tipo de profissional de maneira qualificada. O professor bem formado vai garantir uma educação básica de muito mais qualidade”

Maria Paula Dallari Bucci, do MEC

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ados da década de 1990. Estamos longe de ter pelo menos 30% dos jovens entre 18 e 24 anos na educação superior, meta traçada para 2011 pelo governo federal – esse índice hoje gira em torno de 23%.

“O Brasil precisa expandir a educação supe-rior, mas com qualidade e consciência, inclusive em relação à direção dessa expansão”, pondera Maria Paula Bucci. Ela afirma que os cursos de nível superior têm passado por uma peneira fina de controle de qualidade desde 2004, com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior. Na área de pedagogia, por exemplo, 20 cursos já foram desativados este ano; na de medicina, sete precisam ser adap-tados até dezembro próximo para continuarem funcionando; 89 cursos de direito estão sob su-pervisão rigorosa do ministério.

Nível técnico - A preocupação com a qualidade do ensino e a capacitação profissional é a mesma na área de negócios e na área técnica. Mesmo com o bom momento do mercado de trabalho brasi-leiro, nossa taxa de desemprego ainda ronda a casa dos 8%. As vagas são para os melhores. Os profissionais precisam ser multifuncionais, ter habilidade para trabalhar em equipe, agilidade e capacidade de gerar valor agregado ao produto.

Não basta, como antigamente, ter uma habi-lidade específica, avisa o diretor de formulação de políticas de educação profissional e tecnoló-gica do Ministério da Educação, Luiz Augusto Caldas: “O mundo do trabalho hoje é bem mais complexo e mais intenso quanto à incorporação do uso da ciência e da tecnologia. Os processos não são mais rotinas que se repetem, e as funções pedem mais formação científica e geral”.

Para se adaptar a essa nova realidade, o perfil dos cursos profissionais no Brasil passou por uma mudança radical a partir de 2003 – e isso inclui a rede de ensino profissional pública e a rede privada, além das escolas do chamado Sistema S. Segundo Caldas, essas instituições já estão em sintonia com as demandas do mundo do trabalho. O grande desafio é ampliar a oferta.

“Temos hoje cerca de 900 mil estudan-tes matriculados no ensino técnico; nosso

objetivo é chegar a dois milhões ou mais até 2013”, relata o diretor. A Secretaria

de Educação Profissional e Tecnológica aposta no Programa Brasil Profissiona-lizado – que prevê aporte de recursos financeiros e apoio técnico aos estados

para ampliação da oferta de educação em nível técnico – e na ampliação da rede federal, que deverá pular das 220 unidades atuais para 354 até o fim do próximo ano (em 2002 eram 140 instituições federais).

O programa Escola Técnica Aberta do Bra-sil, que oferece ensino técnico profissionalizante a distância em periferias dos grandes centros urbanos e municípios sem cursos técnicos, é outro trunfo da Secretaria. Criado há pouco mais de um ano, ele já beneficiou 23 mil es-tudantes e deve abrir outras 150 mil vagas em 2010. Caldas ressalta, também, o acordo com

a CNI e a Confederação Nacional do Co-mércio (CNC) para ampliar a gratuidade da formação profissional oferecida pelo Siste-ma S. E, ainda este ano, deve ser lançada a Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial Continuada, cujo público-alvo são milhões de trabalhadores que têm conhecimento prático, mas ficam à margem das oportunidades do mercado por falta de qualificação e certificação

“Um profissional técnico com qualidade, na linha do que o mercado precisa, é extre-mamente valorizado como trabalhador atual-mente”, comemora Caldas, listando alguns dos setores onde há maior demanda: construção civil, por conta das obras do PAC e do pro-grama Minha Casa Minha Vida; mineração; petróleo; produção de alimentos; informática; metalurgia; turismo, hospitalidade e gastrono-mia, que serão ainda mais impulsionadas com a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Inclusão social - Ciente de que a qualificação profissional é o melhor caminho para a inclu-são social, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) também trata de conquistar es-paço para os beneficiários do Bolsa-Família. “A ideia é quebrar o ciclo de reprodução da pobreza – o filho de pobre e neto de pobre que vai ser pai e avô de pobre”, explica o secretá-rio de Articulação Institucional e Parcerias do MDS, Ronaldo Garcia.

Uma das ações é investir num acordo com universidades federais e institutos federais de educação tecnológica para capacitação profis-sional e assistência técnica, gerencial e jurídi-ca a projetos de inclusão produtiva voltados para os beneficiários do Bolsa Família. Outra é desenvolver programas de qualificação em se-tores estratégicos, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Nessa linha, o MDS criou, em parceria com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, um programa de qualificação em construção civil para benefi-ciários do Bolsa Família. Com o Ministério do Turismo, trabalha na formação de auxiliares de cozinha, camareiros, mensageiros e outras

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Pelo menos 500 mil turistas estrangeiros devem desembar-car no Brasil para a Copa do Mundo, em 2014. Esse número deve dobrar na época dos Jogos Olímpicos, em 2016. Para não fazer feio na hora de prestar serviços básicos a esse batalhão de visitantes, o Ministério do Turismo está concentrando esforços num programa de qualificação em massa de profissionais liga-dos diretamente ao setor – recepcionistas, porteiros, mensagei-ros, garçons, guias e motoristas de ônibus de turismo.

O Bem Receber Copa 2014 vai atender, em parceria com entidades de classe, 306 mil profissionais nas 27 capitais e em outras 38 cidades turísticas. A diretora de Qualificação, Cer-tificação e Produção Associada ao Turismo do ministério, Re-gina Cavalcante, explica que a ideia não é oferecer formação específica em cada área, mas sim proporcionar um salto de

qualidade profissional, com módulos sobre ética, cidadania, conhecimentos gerais sobre o Brasil, pontos turísticos regio-nais e diversidade cultural.

“Estamos correndo contra o tempo para conseguir pa-trocínios e firmar parcerias, mas o esforço vai valer a pena. A baixa qualificação é um dos maiores gargalos para o País se consolidar como destino turístico no cenário internacional”, avalia Regina Cavalcante.

No caso do Olá! Turista, a parceria já está fechada. Com o apoio da Fundação Roberto Marinho, o ministério vai ofere-cer gratuitamente cursos online de inglês e espanhol a 80 mil garçons, taxistas, telefonistas, guias, barraqueiros, artesãos e outros profissionais da área. Já existem dois projetos-pilotos em andamento – no Rio de Janeiro e em Salvador.

atividades ligadas à hospedagem e alimentação.Nos dois casos, os números ainda são mo-

destos: 175 mil vagas. Mas o secretário lembra que, dos cerca de 60 milhões de beneficiários do Bolsa Família (quase 12 milhões de famílias), apenas 3,2 milhões têm quarta série do ensi-no fundamental completa e mais de 18 anos, condições básicas para ingressar nos cursos de qualificação. Ressalva, também, que boa parte já trabalha e não dispõe de tempo para um cur-so profissional. “Há ainda o caso de muitas mu-lheres que não têm com quem deixar os filhos

para se capacitar. Infelizmente, a cobertura de educação infantil ainda é muito baixa no Brasil”, lamenta.

O MDS também aposta numa parceria com a Petrobras, que tem um programa especial de capacitação de trabalhadores para a cadeia do petróleo e do gás – em 2009 foram 40 mil vagas só para trabalhadores de nível fundamental e médio. O papel do governo é oferecer reforço educacional para o público do Bolsa Família

ter melhores condições de disputar as bolsas da Petrobras. Os resultados deixam o secretário do MDS animado: 70% dos beneficiários que fizeram o curso de reforço atingiram a linha de corte do processo seletivo da empresa.

Caldas resume, em poucas palavras, o esfor-ço do governo: “Queremos abrir uma porta de entrada na cidadania, no mercado de trabalho e no mundo produtivo. Mas o mercado de traba-lho é cada vez mais seletivo e essas portas ainda são muito pesadas”.

De olho no turismoGoverno aposta na qualificação de quase 400 mil

profissionais até a Copa de 2014

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As previsões do mercado chegam a ser dramáticas: em plena era digital, o Brasil não dispõe de mão de obra qualificada para atender a demanda do setor de tecnologia de informação e comunicação. As estatísti-cas variam, mas a Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) estima entre 40 e 50 mil o número de vagas já em aberto no segmento de software e serviços em todo o país. Outras 100 mil seriam criadas até 2011. Nem os mais otimistas acreditam que conse-guiremos atender uma demanda tão grande num espaço tão curto de tempo.

Não é por falta de empenho do Ministé-rio da Ciência e Tecnologia, que tem inves-tido pesado em formação e capacitação de recursos humanos. Na área de software, um dos projetos, em parceria com o Ministério do Trabalho e a Brasscom, é o Forsoft, que visa à formação de dez mil jovens de comunidades carentes como programadores de nível médio. A contrapartida das empresas é empregar par-te dos alunos por no mínimo um ano, com um salário mensal de R$ 900.

Outro projeto atende a necessidades es-pecíficas das comunidades. Em sete delas, já são realizadas experiências pilotos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a proposta é capa-citar pessoas com problemas de mobilidade; em Campinas, é capacitar alunos de nível superior em TI para atender a demandas imediatas das empresas locais. “O objetivo é observar as experiências mais bem-sucedidas para replicá-las, depois, em nível nacional”, explica o coordenador-geral de Softwares e Serviços do MCT, Antenor Correa.

Ele destaca ainda a Residência e Extensão

Inovadora em Software, desenvolvida em parce-ria com empresas e instituições de ensino para alunos recém-graduados na área de TI. Com seis centros de residência e outros 20 de extensão, os alunos conhecem de perto as reais necessidades da indústria. Já o programa de Formação Técni-ca e Superior tem por meta estimular institui-ções públicas e privadas na área de TI a incluí-rem em seus currículos matérias relevantes para a indústria brasileira de software. “Os centros de treinamento precisam estar afinados com o mercado de trabalho”, justifica o coordenador do MCT. Outra iniciativa importante é a Escola Su-perior de Redes, que oferece cursos práticos em tecnologia de redes de computadores em cinco unidades – Porto Alegre, Cuiabá, Brasília, João Pessoa e Rio de Janeiro.

Na área de semicondutores, a estimativa é formar pelo menos mil projetistas em até quatro anos. Para isso, já foram criados dois Centros de Treinamento em Circuitos Inte-grados, em Porto Alegre e em Campinas, e já há planos de implantar outros dois. O passo seguinte é apostar na formação em eletrônica ainda no nível médio. Também há um esfor-ço para incentivar engenheiros e professores das áreas de física, química e computação a se especializarem em eletrônica e semicon-dutores, com o apoio de bolsas do CNPq.

“Esse ainda é um mercado incipiente no País. Mas a indústria de semicondutores é estratégica para agregar valor a nossos pro-dutos e impulsionar todos os setores indus-triais, não apenas o de TI. E o primeiro passo é a formação de recursos humanos”, explica o coordenador-geral de Microeletrônica do MCT, Henrique de Oliveira Miguel. Ou seja: a aposta é o futuro do Brasil.

Era digitalO MCT multiplica iniciativas de formação profissional na

área de tecnologia da informação e comunicação

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AGRICULTURA

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Maior produtividade com sustentabilidade ambiental

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A evolução da cultura da soja no Brasil é um dos exemplos mais represen-tativos de que por meio da pesquisa é possível mudar a história. Na pri-

meira metade do século XX, o grão era cul-tivado apenas no Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, em pequenas quantidades, por imigrantes japoneses. A elevada quantidade de proteína chamou atenção do mercado, e o produto ganhou importância e estímulo para o desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições brasileiras, com ganhos crescentes de produtividade. Mas o ponto de virada veio com a criação de uma variedade adaptada às condições de clima e solo do cerrado. Essa fase de invenção e disseminação de tecno-logia atingiu diversas atividades do campo e foi chamada de Revolução Verde por ter impulsionado uma explosão na produção de alimentos no País. Quase cinco décadas depois desse marco, o Brasil inicia um novo processo de inovação no campo, mas, desta vez, focado na sustentabilidade.

Há muitas variáveis que contribuem para o protagonismo na produção agropecuária, mas, no caso do Brasil, a visão da ciência foi determinante. Para o chefe de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa), Carlos Eduardo Lazarini, a liderança brasileira nessa área está basi-camente ligada ao esforço para traçar cená-rios em médio e longo prazo. “Por meio de análises, tentamos antecipar desafios, que

deixarão a agricultura ainda mais competi-tiva. É um planejamento para os próximos 10 ou 15 anos”, afirma. Esse olhar no futuro tem impulsionado uma mudança na agenda de pesquisa, substituindo um modelo que prioriza o ganho de produtividade por um trabalho que adicione a preocupação com a sustentabilidade. “É uma exigência mundial sair do paradigma da Revolução Verde para a vertente ambiental”, afirma Lazarini. Ele explica que entre as prioridades da produção científica agropecuária – seja na Embrapa, na iniciativa privada ou no meio acadêmico – estão as mudanças climáticas, a produção de agroenergia, por meio da biomassa, e a bus-ca de alternativas para insumos, cujas fontes não são renováveis, como os fertilizantes.

Outra característica importante da agen-da científica do agronegócio é o trabalho em rede, feito por centros de pesquisa, universi-dades, iniciativa privada e outras instituições. O chefe de pesquisa da Embrapa explica que o trabalho é organizado de acordo com os níveis de complexidade dos programas, cria-dos para atender temas estratégicos da pro-dução. Além de eleger prioridades de estudos iniciais, existe a preocupação de incrementar o conhecimento já existente, bem como de garantir a transferência dessa tecnologia para o cotidiano do agricultor.

O papel da Embrapa é reconhecido por ter sido o ponto de partida para a constitui-ção de um sistema agroindustrial de produ-

ção de tecnologia. O técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea) José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho explica que, nos últimos 30 anos, o Brasil teve sucesso na formação de institui-ções voltadas para a promoção de conheci-mento agropecuário. A principal razão foi a adoção de redes, que possibilitaram aumen-tar a capacidade de absorção das inovações pelo produtor.

“Entre 1975 e 2008, o País destinou mais de R$ 30 bilhões para a pesquisa agropecu-ária. Cada real investido representou R$ 13 em retorno para a sociedade em forma de redução de custos, de aumento na margem de lucro das atividades”, ressalta o pesquisa-dor. Ele lembra, no entanto, que esse incen-tivo precisa ser mantido e até ampliado para garantir a competitividade do Brasil como potência agrícola no mercado internacional. “A agricultura moderna é relacionada à pre-ocupação ambiental. Nos próximos 50 anos, a participação da biomassa e das energias re-nováveis vai ser fundamental para a matriz energética de todos os países, e o Brasil pre-cisa estar preparado para isso”, comenta José Eustáquio. Nesse processo, a palavra-chave é interação. “Hoje, as agências de fomento não mais preferem financiar projetos isolados. Há preferência pela multidisciplinaridade, o que é importante porque as soluções que procuramos estão ficando cada vez mais so-fisticadas com a preocupação em preservar

Depois de revolucionar a agricultura brasileira com sucessivos ganhos de produtividade, a pesquisa agropecuária depara-se com um novo desaf io, o de

incluir a preservação do meio ambiente no processo de produção

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solo e biodiversidade”, afirma o chefe-geral da Embrapa Cerrados, José Robson Bezerra.

Um exemplo de tecnologia que aproxima produção e preservação do meio ambiente é o plantio direto, presente no Brasil desde a década de 1970. O diferencial dessa técnica está na semeadura, que é feita sem a neces-sidade de revolver o solo, aproveitando a co-bertura vegetal de outras culturas, evitando erosão, garantindo a riqueza biológica e fi-xando mais carbono que no manejo conven-cional. No plantio direto, o sequestro de gás carbônico chega a 0,5 tonelada por hectare. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) estima que 26 milhões de hectares são plantados no País com essa téc-nica. Nos últimos sete anos, essa área cresceu 1 milhão de hectares por ano.

De acordo com o chefe de Pesquisa da Embrapa, apesar da resistência de alguns produtores, as formas mais sustentáveis de manejo e o aperfeiçoamento desses modelos em relação à eficiência e redução de custos têm atraído a atenção e a simpatia de quem produz. “Há também uma crescente consci-ência dos produtores sobre a busca da sus-tentabilidade”. No entanto, esses projetos de sequestro de carbono não são reconhecidos

pela Organização das Nações Unidas como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o que limita o comércio de créditos no mercado internacional e retira um incen-tivo ao produtor para compensar os custos do plantio direto.

Transformações – O comportamento do clima é um dos principais fatores de risco para as lavouras em qualquer lugar do mun-do. As alterações climática provocadas pela ação do homem têm mostrado reflexos ao longo dos anos e preocupado a comunidade científica. Estudo recente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimenta-ção (FAO) revela que o êxodo rural e as mu-danças climáticas vão ser as principais causas da queda na oferta de comida nos próximos anos. Segundo a ONU, a produção de ali-mentos precisa aumentar 70% até 2050 para atender à população, que, segundo a estima-tiva, será de 9 bilhões de pessoas.

O chefe da Embrapa Cerrados explica que uma das maiores preocupações dos estudio-sos é garantir que as alterações do clima não inviabilizem avanços tecnológicos dos últi-mos 40 anos. “É o caso de variedades criadas para se adaptar a novos biomas e que podem não suportar essas mudanças. Estamos tra-balhando na área de melhoramento genético

para criar alternativas”, ressalta José Robson Bezerra. Ele lembra ainda que esse processo depende da preservação da biodiversidade. Depois de anos de evolução e adaptação na-tural, o material genético de plantas nativas pode guardar as informações necessárias para desenvolver lavouras capazes de enfren-tar esses desafios climáticos.

O assunto, no entanto, já faz parte da pauta científica do Brasil há mais de 15 anos. O chefe da Embrapa Informática e pesquisa-dor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Assad, explica que, há uma década e meia, o Brasil vem fazendo zoneamento de risco climático, com o moni-toramento ano a ano das variações do clima. “Indicamos, em função dos riscos, onde e como se deve plantar e com quais cultivares, obtendo sucesso de 80%”, explica. No início, a ferramenta monitorava as culturas de arroz, soja, feijão, milho e trigo. Hoje, são mais de 20 culturas. Até 2011, a expectativa é incluir outros 11 produtos no zoneamento. Um dos principais fatores de sucesso do trabalho é a política pública que acompanha a ciência. Hoje, só é permitido o acesso ao crédito ofi-cial para o produtor que respeitar as indica-ções do zoneamento.

Segundo Assad, o acompanhamento cli-mático pode ajudar a reduzir os riscos na agricultura. “Há regiões em que, por causa do

em relação à eficiência e redução de custos têm atraído a atenção e a simpatia de quem produz. “Há também uma crescente consci-ência dos produtores sobre a busca da sus-tentabilidade”. No entanto, esses projetos de sequestro de carbono não são reconhecidos

uma das maiores preocupações dos estudio-sos é garantir que as alterações do clima não inviabilizem avanços tecnológicos dos últi-mos 40 anos. “É o caso de variedades criadas para se adaptar a novos biomas e que podem não suportar essas mudanças. Estamos tra-balhando na área de melhoramento genético

outros 11 produtos no zoneamento. Um dos principais fatores de sucesso do trabalho é a política pública que acompanha a ciência. Hoje, só é permitido o acesso ao crédito ofi-cial para o produtor que respeitar as indica-ções do zoneamento.

Segundo Assad, o acompanhamento cli-mático pode ajudar a reduzir os riscos na agricultura. “Há regiões em que, por causa do

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clima, se perde uma a cada três safras. Nosso objetivo é reduzir isso para uma em cada cin-co. Ou seja, 20% de risco”, argumenta. A ini-ciativa surgiu a partir de um estudo do Ipea: em 1992, o Instituto fez um levantamento dos problemas enfrentados pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proa-gro), que serviu de base para a implantação do seguro rural.

Para o pesquisador, o agronegócio pode pagar um alto preço, caso nada seja feito em relação às mudanças no clima. Um le-vantamento feito pela Embrapa Informá-tica prevê que, se a temperatura do planeta aumentar entre 2 e 5,2 graus Celsius – con-forme estima o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) –, o Brasil poderá ter prejuízos de mais de

R$ 7 bilhões no Produto Interno Bruto da agricultura até 2020. Em estudos de vulnera-bilidade, os cientistas têm buscado análises cada vez mais precisas, que mostram outra consequência preocupante: uma geografia de produção totalmente desfigurada em relação ao que se conhece hoje. “Muitos municípios tradicionalmente produtores podem ficar de fora do crédito público, porque estarão com a capacidade produtiva inviabilizada pelo meio ambiente. Por isso, os principais desa-fios da agenda científica nos próximos anos são manter a produtividade adaptada ao es-tresse ambiental e, nessas condições adversas, aumentá-la”, afirma Assad.

A precisão desse monitoramento, no entanto, está ameaçada por limitações na estrutura de observação meteorológica. A Embrapa defende uma ampliação na rede de acompanhamento para que seja possível analisar com qualidade a totalidade da exten-são territorial brasileira. Segundo Assad, nos últimos três anos houve avanços na contrata-ção de pessoal qualificado e em infraestrutu-ra, mas ele se preocupa com a possibilidade de interrupção do investimento, o que pode-ria significar a perda do esforço empregado nos últimos 15 anos.

Uma contribuição do campo para de-sacelerar as mudanças no clima é a busca pela mitigação dos gases do efeito estufa. De acordo com a chefe da Embrapa Infor-mática, já se sabe que na monocultura esse balanço é negativo, mas há modelos simples que podem mudar essa realidade. Um deles é a integração entre lavoura e pecuária, que, além de aproveitar a área de forma economi-camente mais eficiente, recupera pastagens degradadas. Entretanto, os estímulos a esse tipo de prática, como a abertura de linhas específicas de crédito, ainda são incipientes. “O agronegócio é o único setor da economia capaz de deixar positivo o próprio balanço de emissão de gases do efeito estufa, sem mexer na matriz energética e no transporte. Falta incentivo para transferir essa tecnologia. Na Amazônia, por exemplo, além de crédito,

outro desafio é a insegurança jurídica, cau-sada pela falta de regularização fundiária”, comenta o pesquisador. Assad alerta para a necessidade de mudança de mentalidade na concessão dos financiamentos. Segundo ele, seria um avanço do ponto de vista da quali-dade, se o crédito financiasse modelos pro-dutivos e não produtos.

Soja - Principal commodity da pauta de ex-portações brasileira, a soja pode ser uma das culturas mais prejudicadas pelo aumento da temperatura e pela variação no regime de chuvas das principais regiões produtoras. Os prejuízos podem chegar a 40%, em 2070. Na região Sul, as perdas com a seca e o calor já são visíveis. No entanto, a situação pode ser ainda pior no Centro-Oeste, por ser uma área que já apresenta clima seco e temperatu-ras elevadas. Para solucionar isso, a principal aposta dos pesquisadores é em estudos ge-néticos. Mas, para trabalhar com transgenia, é preciso primeiro isolar o gene que carrega a característica desejada, como resistência a estresse hídrico e calor.

Segundo Assad, as espécies do cerrado já estiveram submetidas a condições piores há cerca de 50 mil anos e, portanto, podem ainda carregar a informação genética das caracte-rísticas que possibilitaram essa superação. Há mais de 20 anos, pesquisadores da Embrapa e universidades se dedicam ao mapeamen-to genético das espécies desse bioma. Entre as mais de 12 mil plantas já catalogadas, 38 ocorrem com grande frequência. “Já se sabe onde procurar, mas é um processo demorado”, diz Assad. Ele ressalta que as possibilidades escondidas na biodiversidade do cerrado po-dem ser mais uma oportunidade para o Brasil se firmar na liderança da tecnologia agrope-cuária no mundo. Caso seja encontrada uma solução para a agricultura na savana brasileira, isso seria útil a todas as regiões do planeta que ficam na mesma latitude, entre 12 e 15 graus. “É preciso dar um tempo no desmatamento, porque a biodiversidade pode ser, literalmen-te, a salvação da lavoura”.

“Entre 1975 e 2008, o País destinou mais de R$ 30 bilhões para a pesquisa

agropecuária. Cada real investido representou R$ 13

em retorno para a sociedade em forma de redução

de custos, de aumento na margem de lucro das

atividades”

José Eustáquio Ribeiro

Vieira Filho, do Ipea

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Arquivo genético – O sucesso do mapeamento depende de uma iniciativa, coordenada pela Embrapa Recursos Genéticos, que consiste na formação de uma espécie de arquivo de infor-mações genéticas: o banco de germoplasma. Hoje existem mais de 100 mil registros, mas a intenção é duplicar a infraestrutura dessa coleção. O chefe-geral da unidade responsá-vel pelo projeto, Mauro Carneiro, explica que, mesmo com a megadiversidade brasileira, a maior parte dos vegetais utilizados na alimen-tação tem origem em outros países. Por isso, há uma riqueza de característica nas plantas brasileiras que podem ser usadas para criar cultivares de interesse da agricultura. “O de-senvolvimento de transgênicos é apenas uma alternativa. O ideal é que não se fizesse trans-genia, mas sim buscasse na natureza a varia-bilidade para enriquecer o estoque da coleção de base”, defende Carneiro. O cientista explica, no entanto, que um dos principais desafios é o alto custo do projeto, pois as amostras pre-cisam ser mantidas a uma temperatura de menos 20 graus Celsius, em grandes câmaras de estocagem, num banco internacional de sementes, que fica na Noruega.

Segundo Carneiro, ao contrário do que se vê com a onda de produtos transgênicos dos últimos anos, a prioridade da Embrapa é o me-lhoramento clássico, por meio do germoplas-ma. Um dos motivos é o preço do processo de desenvolvimento de uma variedade genetica-mente modificada. As análises de biosseguran-ça e o trabalho que precisa ser feito no processo de liberação de um evento transgênico podem custar US$ 10 milhões, o que corresponde ao orçamento total da unidade de recursos gené-ticos da Embrapa em 2008. “Por isso, as pessoas perguntam onde estão os transgênicos desen-volvidos pela Embrapa. Além da escassez de massa crítica e dos obstáculos na formação dos cientistas, a falta de recursos é uma dificuldade sofrida pelos nossos centros de pesquisa”, acres-centa Carneiro.

Apesar dos problemas, a expectativa é que em até dois anos já esteja no mercado uma variedade de feijão resistente ao vírus do mo-

saico dourado, desenvolvida pela Embrapa e que está em fase de testes de biossegurança. Quando chegar ao agricultor, a cultivar será importante na redução do uso de agroquí-micos para combater a doença que, além de atacar a planta, se instala no solo e inviabiliza um novo plantio. Na América Latina, o Brasil ocupa posição de liderança na produção de conhecimento na área de recursos genéticos para o agronegócio.

Investimento – Mesmo com a falta de recursos para estudos mais sofisticados, como no caso do melhoramento genético, os cientistas afirmam que nos últimos três anos a pesquisa agropecuá-ria tem experimentado bons momentos. Com a criação do Programa de Fortalecimento e Cresci-mento da Embrapa, chamado PAC da Embrapa, em 2008 foram liberados R$ 119,1 milhões para pesquisa, dos quais R$ 88,6 milhões foram para a Embrapa e R$ 30,4 milhões para organizações estaduais de pesquisa agropecuária. Em 2009, o investimento aprovado atinge R$ 123 milhões, dos quais R$ 74,8 milhões já foram liberados para as Unidades da Embrapa. “Esses recursos ajudaram a recuperar as estruturas, remodelar laboratórios, contratar pessoas. Em comparação com a situação anterior, é uma ótima fase”, afir-ma o chefe de pesquisa da Embrapa.

O caminho que a tecnologia precisa traçar dos laboratórios até as lavouras do Brasil ainda é um desafio. O chefe da Embrapa Cerrados explica que os problemas em incorporar ino-vações ao cotidiano do produtor são o princi-pal obstáculo à eficácia da ciência a serviço do agronegócio. “A transferência de tecnologias

não funciona como deveria. É o caso do plantio direto ou da integração entre lavoura, pecuária e silvicultura, que poderiam ser usados com sucesso por um número maior de agricultores”, afirma José Robson Bezerra. Segundo a empre-sa, já foram gastos mais R$ 994 mil para incre-mentar 26 ações de transferência de tecnologia em 15 unidades. Neste ano, o total de recursos destinado ao cumprimento das 42 metas nessa área chega a R$ 5,6 milhões.

Para entender as dificuldades em transpor as portas dos centros de pesquisa, a Embra-pa Cerrados montou um grupo de estudos que está analisando os motivos pelos quais agricultores optam por adotar ou não deter-minada novidade científica. “Queremos en-tender que fatores influenciam nessa decisão: crença, escolaridade, falta de conhecimento ou de adequação no momento de ensinar ao homem do campo como lidar com a novi-dade?”, esclarece Bezerra. Ele acrescenta ain-da que o uso efetivo da tecnologia depende

“Há regiões em que, por causa do clima, se perde uma a cada três safras. Nosso objetivo é reduzir isso para uma em cada cinco. Ou seja, 20% de risco”

Eduardo Assad, da Unicamp

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também do fortalecimento da extensão rural, responsável por fazer com que as conquis-tas científicas tenham resultado prático nas mãos dos produtores.”Em alguns estados o serviço é forte, mas em outros não. Unifor-mizar a qualidade da extensão pode signifi-car uma nova Revolução Verde”, alerta.

Agricultura familiar – Os dados do Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram em números o motivo de a agricul-tura familiar ser foco do único programa te-mático desenvolvido pela Embrapa. São mais de 4,3 milhões de propriedades de agricultura familiar, o que corresponde a 85% dos esta-belecimentos rurais do País. Ocupam 24% da área cultivada e respondem por 40% do valor total da produção agropecuária brasileira. Segundo o chefe de pesquisa da empresa, o objetivo do trabalho focado nessa categoria é contribuir para o sucesso de outros progra-

mas. “Buscamos tecnologias para tornar mais eficientes os sistemas de produção de alimen-tos orgânicos, de oleaginosas que possam ser matéria-prima para biodiesel e de adaptação de culturas”, enumera Carlos Lazarini.

Um exemplo é o esforço de pesquisadores de unidades do Centro-Oeste e do Nordeste em busca de variedades de plantas mais adaptadas à pequena produção e a condições de solo des-

favoráveis. O chefe da Embrapa Cerrados res-salta a importância de que a agricultura familiar seja mais contemplada nas pesquisas. “A tecno-logia feita para o grande também pode ser usa-da pelos pequenos produtores. Mas é preciso estimular o associativismo, organizar as comu-nidades para aprender a lidar com a inovação e pulverizar os custos”, explica José Robson.

A pesquisa na área econômica também tem contribuído ao longo dos anos para mos-trar aos formuladores de políticas públicas o que é preciso ser feito e que saídas seriam mais eficientes. O pesquisador do Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa, Erly Cardoso explica que na década de 1980 havia um mito de que o investimento em agri-cultura tinha baixo retorno. “Isso fazia com que o governo tratasse o incentivo a esse setor como uma política de apoio”, conta. Os dados do Censo mostram o potencial de crescimento da agricultura, tanto empresarial quanto fami-liar. Mas, segundo ele, o Brasil ainda precisa de atenção a aspectos comuns a vários setores da economia, como a infraestrutura. “O Brasil destina 18% do PIB a essa área, enquanto em outros países são por volta de 25%. Estamos desenvolvendo um estudo que mede o impac-to da infraestrutura no resultado econômico, não só para a agricultura, e os dados mostram que se houvesse investimento, o País poderia crescer 13% ao ano”, afirma Cardoso.

Futuro próximo - Um exemplo de inova-ção que pode mudar a realidade no campo é uma pesquisa realizada pela Embrapa Cerrados desde 2003, que analisa o potencial de 20 tipos de rochas de diversas regiões do país como fonte de nutrientes para a agricultura. Hoje, o País importa 70% do fertilizante que consome, um gasto de cerca de R$ 3 bilhões por ano. Os primeiros testes revelaram que há viabilidade técnica, e os pesquisadores avaliam ainda a possibilidade de usar dejetos do garimpo, ricos em potássio, como insumo agrícola. Quando concluídos os experimentos, o resultado vai ser uma redução no custo dos fertilizantes, que be-neficiará pequenos e grandes produtores, além da contribuição para o meio ambiente.

“A tecnologia feita para o grande também pode ser usada pelos pequenos produtores. Mas é preciso estimular o associativismo, organizar as comunidades para aprender a lidar com a inovação e pulverizar os custos”

José Robson Bezerra, da Embrapa

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BiodiversidadeEspecial

O negócio é preservarCombinar conservação da natureza e produção econômica é o grande desaf io. Mas, diante dos sinais de esgotamento dos

recursos naturais, a sustentabilidade se impõe

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Mais de 20 anos depois de criado, o termo científico biodiversidade é um conceito incorporado à sociedade e tem como apelo principal a conser-

vação da riqueza natural. Entretanto, além do direito à vida e da necessidade de preservação da variedade que caracteriza o planeta, o mundo enfrenta hoje uma dura realidade: os recursos na-turais estão se esgotando num ritmo muito rápi-do. E é preciso, pelo menos, reduzir a velocidade para garantir o desenvolvimento sustentável nas próximas décadas.

Há um consenso mundial de que a preserva-ção é que vai assegurar o crescimento das econo-mias num futuro não muito distante. Com essa percepção, a importância da biodiversidade na manutenção do clima, na produção de alimentos e remédios, no fornecimento de matérias-primas para indústrias e na fixação de gás carbônico ga-nha cifras e, cada vez mais, entra nas negociações do mercado internacional como condição asso-ciada ao crescimento.

O maior desafio é conciliar a preservação dos diversos biomas e dos recursos naturais com o desenvolvimento social e econômico. O diretor de Conservação e Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Bráulio Dias, alerta que o desenvolvimento sem preservação não dará resultado satisfatório. O modelo de desenvolvi-mento, seguido pelo mundo nas últimas décadas, criou um passivo ambiental e social incalculável, e, se mantido, gera barreiras aos produtos nacio-nais e é ineficiente do ponto de vista do aproveita-mento dos recursos naturais e ambientais. O pior risco desse tipo de desenvolvimento é que pode inviabilizar a própria atividade econômica. Sem o entendimento de que desgasta solos, recursos hídricos, gera mudanças no clima, está se criando uma nova fonte de custo para se adaptar a esse esgotamento do ambiente, explica Dias.

Um exemplo simples do impacto da derru-bada de mata nativa é a perda de um serviço que a natureza fornece aos produtores rurais: a polinização natural. Abelhas, insetos e pássaros são responsáveis por esse processo que permite a reprodução das plantas. Se a vegetação é des-truída, essa fauna perde abrigo e acaba dizima-

da. Outras consequências podem ser a perda do controle biológico de pragas e doenças. É uma perda de equilíbrio que se traduz em custos para ser controlada, afirma.

Segundo o diretor do MMA, a consciência em relação à preservação tem melhorado no Bra-sil, mas há países mais adiantados nesse aspecto. Para ele, a maior parte da iniciativa privada e do governo brasileiro ainda não incorporou essa vi-são. Isso pode ser notado no conflito entre am-bientalistas e ruralistas, travado no Congresso Nacional, acerca das mudanças no Código Flo-restal Brasileiro, conjunto de leis que regulam a utilização das áreas de florestas no País. Depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto dando um prazo para que proprietá-rios de terras se adequassem às normas de pre-servação, a bancada que representa o agronegócio propôs mudar o código.

Os ruralistas querem flexibilizar regras, como a da averbação da reserva legal e a manutenção das áreas de proteção permanentes, a exemplo de encontros de rios e topos de morros. Na área de geração de energia, o embate se dá por conta das licenças ambientais para as obras de construção de hidrelétricas e termelétricas. No governo, há também o sentimento de que o licenciamento ambiental estaria atrasando os empreendimentos.

Especialistas, no entanto, questionam ainda os efeitos do modelo de política ambiental adota-do no País. A secretária-executiva adjunta do Ins-tituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, diz que o dilema entre produzir e preservar está rela-

cionado aos instrumentos de controle, processos de fiscalização e restrições de uso que caracteri-zam a política ambiental brasileira. O instrumen-to de estabelecer limites torna a conservação um limitante e não a base para um desenvolvimento econômico, pondera a ambientalista. Adriana Ra-mos argumenta ainda que existe um isolamen-to do conceito de desenvolvimento sustentável dentro da área ambiental do governo. Pastas do núcleo econômico, como o Ministério do Desen-volvimento, Indústria e Comércio (MDIC), não possuem programas de incentivos voltados para a sustentabilidade. Não há uma cultura de elaborar estratégias que aproveitem a inovação tecnológica a partir da biodiversidade, fomentando cadeias baseadas nessa premissa. A biodiversidade tem que parar de ser considerada uma limitação e passar a ser vista como oportunidade.

Mas, o diretor do MMA observa que existe um segmento mais moderno no mercado na-cional, conectado com as necessidades ambien-tais e que compreende a importância da pre-servação para os negócios. Algumas empresas já perceberam que sem práticas sustentáveis vai ser cada vez mais complicado acessar mercados internacionais, recursos financeiros para investi-mento, obter licenças para atuar, completa Dias. Nesse aspecto, ele ressalta a falta de educação e de preparo das empresas para romper com uma estratégia de negócio antiga, pela qual as empresas enriqueceram com base em passivos ambientais e na omissão em relação à respon-sabilidade de preservar.

No caso da agricultura - pressionada para interromper o desmatamento -, um instrumen-to para limitar a produção não-sustentável é o Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE). O técnico de Planejamento e Pesquisa do Institu-to de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Júlio César Roma aponta o ZEE como uma ferramen-ta importante na definição de onde a produção se encontra consolidada, por exemplo, com agropecuária, e aquelas áreas que poderão ser destinadas à conservação ou uso sustentável da biodiversidade.

Além disso, o respeito a esse mecanismo é condição para o licenciamento ambiental e para

Algumas empresas já perceberam que sem práticas sustentáveis vai ser cada vez

mais complicado acessar mercados internacionais, recursos financeiros para

investimento, obter licenças para atuar

Bráulio Dias, do MMA

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a obtenção de crédito oficial. Infelizmente, pou-cos estados brasileiros possuem ZEE concluídos e aprovados pelas respectivas assembleias legis-lativas, passando a ter força de lei. Na Amazônia, estes se resumem ao Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. Em parte porque o processo de apro-vação na assembleia legislativa é um processo moroso, e também por falta de priorização por parte dos governos estaduais, explica Roma.

Muitas vezes a desinformação atua a serviço dos interesses de uma fatia do mercado que não acredita na importância de preservar. É o caso da interpretação dos donos de terras sobre a reserva legal. O instrumento, criado na década de 1920, tem como objetivo definir que percentual de cada propriedade deve ser preservado para benefício da própria fazenda. No entanto, a exigência é vis-ta como um pedaço de terra que fica inutilizado, pois está impedido de ser destinado a produzir. Essa área pode ser usada de forma sustentável, até pela exploração madeireira, mas a ideia de congelamento foi propagada pelo agronegócio para ir contra o conceito, afirma a ambientalista do ISA Adriana Ramos.

A avaliação de órgãos internacionais a res-peito do tratamento que governo e iniciativa privada dão à conservação da biodiversidade no País, no entanto, é mais otimista. Segundo a coor-denadora regional para América Latina e Caribe do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Helena Pavese, os níveis federal e estadual da administração públi-ca estão mais integrados na tarefa de considerar

de forma mais efetiva uma agenda ambiental. A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo. No entanto, o desafio é implementar essas regras. Para ela, em toda a sociedade brasileira há uma crescente consciência de que a proteção dos recursos na-turais afeta diretamente a vida de todos. Nesse sentido, o debate sobre as mudanças climáticas tem dado grande contribuição. A ajuda vem não só de discutir a redução das emissões de gases do efeito estufa, mas como alavancar a economia por meio do uso sustentável dos recursos naturais. Empresas privadas também têm se preocupado mais com isso, pontua a representante da ONU.

Apesar da evolução, Helena Pavese chama atenção para o impacto negativo da falta de conhecimento sobre a interdependência entre economia e recursos naturais. O Brasil exporta milhões de dólares em matérias-primas, recebe

milhões de turistas para visitar as belezas natu-rais, conhecer riqueza cultural, que também é li-gada ao ambiente. A não-conservação traz perdas financeiras. “Quanto mais incorporarmos práti-cas sustentáveis, essas formas de desenvolvimen-to econômico vão ser possíveis no longo prazo”, argumenta. A carência, na opinião da especialis-ta, está no diálogo limitado entre tomadores de decisões, responsáveis pela agenda de desenvol-vimento do País, e ambientalistas. De acordo com ela, é preciso que as duas partes se abram para considerar as necessidades de ambos os lados.

Conservar e ganhar - Entre as ferramentas mais importantes da política ambiental brasileira para preservar os recursos naturais estão as uni-dades de conservação (UC). Mas esse conceito vai além da proteção da natureza. Essas áreas são demarcadas com o objetivo de promover ainda o

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uso sustentável da natureza, a educação ambiental, o contato harmônico com o meio ambiente e a pesquisa científica. Ou seja, atividades que, além de conservar, fomentam o desenvolvimento social e econômico da região. Um estudo, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente, mostra que existem atualmente no Brasil 304 unidades de conservação federais, 797 estaduais, 689 de gestão municipal, além de 805 reservas particulares.

Esses números significam a preservação de aproximadamente 1,5 milhão de quilômetros quadrados, pouco mais de 17% da área conti-nental do País e 1,4% das águas brasileiras. A importância da UC também reside na ajuda que ela representa ao conter frentes de desmatamento predatório. Uma pesquisa realizada pela Univer-sidade Federal de Minas Gerais, em parceria com o WWF e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, mostra que a probabilidade de desma-

tamento aumenta à medida que se afasta das UC. Ele explica que os desmatadores aproveitam-se da ausência de regularização fundiária em alguns locais para derrubar a mata nativa sem serem res-ponsabilizados por isso.

Entretanto, ambientalistas defendem que es-sas unidades não podem ser a única estratégia, principalmente porque ainda apresentam falhas e precisam ser aperfeiçoadas. Segundo o diretor do Departamento de Áreas Protegidas do Minis-tério do Meio Ambiente, Fábio França, um dos problemas mais evidentes é a diferença entre a quantidade de áreas conservadas nos diversos biomas brasileiros. A maior parte das UC fica na Amazônia, que tem 26% da área preservada. O território amazônico tem a favor, ainda, a presen-ça de terras indígenas, ocupadas por populações tradicionais, que se mostram imprescindíveis para a proteção do meio ambiente.

A situação é diferenciada no território na-cional. O artigo Unidades de Conservação, ter-ras indígenas e o falso dilema entre conservação e desenvolvimento, elaborado pela Secretaria de Biodiversidade de Floresta do Ministério do Meio Ambiente, revela que o percentual da flo-resta amazônica preservado é cinco vezes maior do que em outros biomas. No cerrado e na Mata Atlântica, por exemplo, a área conservada não chega a 8%. A caatinga tem pouco mais de 5%, enquanto Pantanal, pampa e áreas marinhas fi-cam abaixo desse patamar.

De acordo com o técnico de Planejamento e

Pesquisa do Ipea Júlio César Roma, outros bio-mas foram ofuscados pelo apelo internacional da Amazônia. Para mudar essa situação, ele sugere a destinação de recursos para a preservação de ou-tros biomas. João Paulo Viana, também técnico do Ipea, explica que o esquecimento de outros biomas, que não o amazônico, é resultado do conflito entre desenvolver e conservar. “Existe uma pressão para que se produza mais, e isso pre-cisa ser harmonizado. O cerrado, por exemplo, durante muito tempo foi visto como uma área de produção”, alerta o pesquisador.

Caatinga, cerrado e pampa possuem impor-tante patrimônio sociocultural, cujas popula-ções dependem da terra para viver e manter o conhecimento tradicional de usos e manejo da natureza de cada local. A técnica de Planeja-mento e Pesquisa do Ipea Maria Piedade Mo-

existem atualmente no Brasil

304unidades de conservação federais,

797 estaduais,

689 de gestão municipal, além de

805reservas particulares

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rais explica que esses biomas também devem ser alvo de ações que priorizem a conservação dos remanescentes e o uso sustentável da biodiver-sidade. Reconhecer a importância desses outros biomas, como áreas importantes a proteger e não apenas a Amazônia e os remanescentes da Mata Atlântica é fundamental. No caso, a caatinga é ainda tão importante porque trata-se do único bioma legitimamente brasileiro, argumenta. Se-gundo ela, nesses locais é importante priorizar a preservação da biodiversidade e a recuperação e intensificação do uso de áreas degradadas. Nesse sentido, a sugestão seria uma forte ação para frear a expansão da fronteira agrícola em áreas consi-deradas ecologicamente frágeis como o cerrado e a Amazônia.

Bráulio Dias, um dos autores do estudo rea-lizado pelo MMA, observa que esse dilema entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente tem tornado cada vez mais difícil a criação de novas UC no País, principalmente fora da Ama-zônia. Dias explica que os problemas começam, às vezes, pela falta de interesse de governos esta-duais. Ele cita o exemplo da construção de hidre-létricas e de usinas de mineração, que poderiam enfrentar dificuldades depois de criadas as áreas de conservação. “O meio ambiente deveria ser visto como aliado. As hidrelétricas respondem por 15% da matriz energética brasileira e, se continuarmos a desmatar em beiras e cabeceiras de rios, há consequências indesejáveis, como a redução da infiltração de água no solo, a erosão, o assoreamento dos rios e as enchentes. Ou seja, sem preservar, a vida útil das hidrelétricas fica reduzida e o investimento comprometido”, pon-dera o ambientalista.

Outros fatores que contribuem para a re-dução da taxa de criação de UC é a falta de in-vestimento. Não há técnicos qualificados para orientar os incentivos de práticas sustentáveis dentro das unidades. Segundo o especialista, o valor investido para tornar essas áreas polos de desenvolvimento é muito pequeno se comparado com outros países, até mesmo da América Latina. Em relação a países desenvolvidos, como o Japão e da União Europeia, o valor chega a ser duas vezes menor. De acordo com levantamento do

MMA, em 2008, o Sistema Nacional de Unida-des de Conservação (SNUC) investiu R$ 331,6 milhões. No entanto, a estimativa do governo é que para funcionar de forma satisfatória seriam necessários R$ 531 milhões para o sistema federal e R$ 361 milhões em nível estadual. A carência enfrentada pela conservação no Brasil fica evi-dente na constatação de que, para operar com mínima qualidade, ainda seriam necessários R$ 610 milhões de investimentos em infraestrutura e planejamento em âmbito federal e R$ 1,18 bilhão para os estados.

A ambientalista do ISA Adriana Ramos aponta como principal falha, em relação às UC, a debilidade do suporte às atividades sustentá-veis. Segundo ela, para que a população tenha interesse em manter o meio ambiente é preciso garantir que a produção vai ter mercado para

gerar renda. É necessário dar condições de saú-de e educação para manter a atividade. Ramos cita como um avanço nesse sentido a política de preços mínimos para os produtos da sociobiodi-versidade. Com isso o extrativista sabe que vai ter uma renda, que não vai ser explorado por atravessadores e que, no fim, compensará mais não derrubar a mata. Ela acrescenta ainda que o estímulo à sustentabilidade não deve ser uma tarefa apenas dos órgãos ambientais, outras áreas do governo deveriam promover uma integração para desenvolver projetos nesse sentido.

Mais uma vez a falta de conhecimento é cita-da como obstáculo. Segundo Helena Pavese, as pessoas não sabem ao certo o quanto a sociedade depende direta e indiretamente dos recursos na-turais. Áreas protegidas podem ser importantes fontes de renda para conservar. O Parque Nacio-nal da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, rende por ano R$ 6,6 milhões com atividades de visita-ção e turismo. Os turistas que visitam o Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná, geram por ano cerca de US$ 30 milhões. Sem falar nos benefí-cios de longo prazo para a economia local, como a geração de empregos e movimento para o co-mércio. Não se pode pensar que uma unidade de conservação é uma ilha que não serve para nada, diz Pavese. Nações Unidas e o governo brasileiro trabalham para concluir, até o final de 2010, um estudo completo sobre os benefícios econômicos e sociais das áreas protegidas.

A ajuda vem não só de discutir a redução das emissões de gases do

efeito estufa, mas como alavancar a economia

por meio do uso sustentável dos recursos

naturais. Empresas privadas também têm se

preocupado mais com isso

Helena Pavese, da ONU

46 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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Apesar dos desafios, o que não faltam em várias regiões do País são exemplos da interdependência entre preservação e desenvolvimento. Famoso em todo o mundo, o Projeto Reflorestamento Eco-nômico Consorciado e Adensado (Reca), que comemora, neste ano, duas décadas de existência, é um caso de sucesso. Incenti-vados pelo governo, na década de 1980, famílias de migrantes de outras regiões se fixaram no distrito de Nova Califórnia, na fronteira entre Acre e Rondônia. Sofriam com as dificuldades de produzir, falta de estrutura e a exposição a doenças. Os agricultores eram estimulados a desmatar para produzir e, diante das dificuldades, pediram apoio para a montagem de Sis-temas Agroflorestais (SAF). Divididos em grupos, recuperaram áreas destruídas com espécies frutíferas, de onde tiravam ali-mento e renda. Atualmente, mais de 1.500 hectares são manejados por 300 famílias de pequenos produtores.

A partir de 1992, os cooperados do Reca começaram a investir em beneficia-mento. No ano passado, venderam mais de R$ 3 milhões em palmito de pupunha, polpa e manteiga de cupuaçu, açaí, óleo de castanha do Brasil, doces, licores e

geleias. Só em cupuaçu chegaram a ex-trair mais de 1 milhão de quilos. Tudo é administrado pelos próprios produtores que se revezam nos cargos de coordena-ção do projeto. Agricultor e gerente de comercialização do projeto, Hamilton Condack reconhece o quanto a produção sustentável mudou a vida local. “Dá para reconhecer de longe o pessoal do Reca, há uma mudança de consciência no sen-tido de valorizar a preservação. As pesso-as têm luz, carro, televisão, acesso à edu-cação e até falam diferente das demais”m, conta o agricultor que, diferentemente da família dedicada à pecuária tradicional, faz parte do Reca desde 1990.

Condack conta que, por trás do sucesso de hoje, está uma história de dificuldades. A briga entre os dois esta-dos pelo território trouxe insegurança jurídica e desafios logísticos. O distrito pertence a Rondônia, mas está a 360 quilômetros de Porto Velho, o que difi-culta obter ajuda e afasta a presença do estado, acrescenta. Outro problema é a burocracia para legalizar a documenta-ção para comercializar os produtos.

Uma iniciativa brasileira que tam-bém é reconhecida internacionalmente

é o trabalho desenvolvido pelo Insti-tuto de Permacultura da Bahia (IPB), em áreas de caatinga e Mata Atlântica. O conceito, desenvolvido na década de 1970, na Austrália, consiste em reunir conhecimento de populações tradicio-nais para criar uma cultura permanente e sustentável. A base é o aproveitamento da integração entre homem e natureza, utilizando a policultura de árvores pe-renes, arbustos, ervas, vegetais daquele local, de forma a reproduzir ao máximo as condições naturais do meio ambiente.

Em 1992, o conceito foi trazido ao Brasil, e a especialista Marsha Hanzi fundou o IPB. O foco do trabalho são projetos socioambientais com centenas de famílias de agricultores, buscando o desenvolvimento sustentável e a qualida-de de vida dessas comunidades. Entre as iniciativas mais conhecidas está o projeto de Policultura no Semiárido que atende mais de 700 famílias. Além disso, o insti-tuto trabalha para disseminar os preceitos da permacultura e de outras técnicas de uso consciente dos recursos naturais, por meio de cursos e oficinas para estudantes, profissionais liberais entidades públicas e instituições em geral.

Sustentabilidade como fonte de renda

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 47

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ARTIGO

Recentemente, durante a abertura do 6º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou

ver “forças demoníacas” impedindo a re-alização de usinas hidrelétricas de grande porte no país. A manifestação se referia em especial à Usina de Belo Monte, no Rio Xin-gu, em processo de licenciamento.

A polêmica em torno de Belo Monte é antiga. Planejada na década de 1980 como um Complexo Hidrelétrico que reunia as Usinas de Babaquara e Kararaô, previa, na época, a inundação de sete milhões de hec-tares e a remoção de 13 comunidades indí-genas. Os impactos previstos levaram a uma grande mobilização indígena que culminou no 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, em Altamira (PA), quan-do os Kaiapó protestaram contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Com-plexo Hidrelétrico do Xingu.

No governo FHC, já com o nome de Belo Monte e com o projeto remodelado para evitar a inundação da Terra Indígena Paquiçamba, aparece como uma das mui-tas obras estratégicas do programa Avança Brasil. Os impactos de Belo Monte foram reconhecidos no documento o lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, parte do Programa de Governo do presi-dente Lula na campanha de 2002: “Dois projetos vêm sendo objeto de intensos de-bates: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o de Gás de Urucu, no Amazo-nas. (...). Considerando as especificidades da Amazônia, o conhecimento fragmenta-do e insuficiente que se acumulou sobre as diversas formas de reação da natureza em relação ao represamento em suas bacias, não é recomendável a reprodução cega da receita de barragens que vem sendo colo-cada em prática pela Eletronorte”.

Era de se esperar, portanto, que a decisão do governo Lula sobre a barragem de Belo Monte levasse em consideração a complexi-dade da obra e da região, alterando o modo padrão pelo qual as obras de engenharia vêm sendo historicamente planejadas e exe-cutadas na Amazônia. Para isso, a adoção de instrumentos de planejamento deveriam servir de base à tomada de decisão sobre a viabilidade e pertinência das obras.

Mas não foi essa a opção do governo fede-ral. A Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Xingu somente foi finalizada em mar-ço deste ano, mesmo período em que o Estu-do de Impacto Ambiental (EIA) foi protoco-lado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Não é de se estranhar que dificuldades para o licenciamento decorram das inconsistências e contradições de todo o processo. O EIA aceito pelo Ibama não correspondia aos termos de referência que o próprio Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai) elaboraram, o que motivou uma Ação Civil Pública do Ministé-rio Público Federal. O prazo de 45 dias, pre-visto em lei para entrega e disponibilização dos estudos para as audiências públicas, não foi respeitado e as audiências não responde-ram à maioria das questões colocadas pelas organizações da sociedade. Além disso, de-clarações do próprio governo relativas aos custos da obra são extremamente desencon-tradas, variando de R$ 7 bilhões a mais de R$ 40 bilhões, o que, portanto, não permite afirmar ainda se o empreendimento é sequer viável economicamente.

Para agravar um quadro já tão comple-xo, o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, em entrevista ao jornal Valor Econô-mico do dia 5 de outubro, disse que nenhuma contribuição ou questionamento sobre o EIA de Belo Monte havia sido entregue. Ocorre que movimentos sociais e cientistas de vários estados brasileiros protocolaram 230 páginas

de análises críticas sobre o empreendimento, dentro do prazo previsto no regimento que o próprio Ibama definiu.

O Rio Xingu é um símbolo da diversidade biológica e cultural brasileira. A bacia hidro-gráfica do Xingu tem 51,1 milhões de hectares com 27 milhões de hectares de alta prioridade para a conservação da biodiversidade, abri-gando 30 Terras Indígenas, 24 povos com 24 diferentes línguas e oito Unidades de Conser-vação da Natureza. A importância ecológica, social e cultural dessa região demanda mais atenção e critério para o estabelecimento de projetos como o de Belo Monte.

As empresas públicas envolvidas com o projeto - Eletrobrás e Eletronorte - são membros da Associação Internacional de Hidroeletricidade (International Hydropo-wer Association - IHA), que, em fevereiro de 2004, publicou suas Diretrizes de Sus-tentabilidade para o setor. O documento afirma que “a abordagem de precaução é um dos valores subjacentes que orientam os esforços com vistas à obtenção de resul-tados mais sustentáveis para projetos novos e existentes. Na aplicação dessa aborda-gem, as decisões públicas e privadas devem ser guiadas pela: (1) avaliação para evitar, sempre que viável, danos sérios ou irrever-síveis ao meio ambiente; (2) consideração da necessidade de eletricidade e de fontes confiáveis de água para reduzir a pobreza e melhorar os padrões de vida; e (3) avaliação dos riscos associados a diferentes opções.

Reclamar da morosidade do processo de licenciamento e exercer pressão políti-ca para a concessão das licenças tem sido um caminho mais fácil para os empreen-dedores do que cumprir essas diretrizes e os preceitos legais que garantem os direitos dos diretamente afetados pelas obras.

Adriana Ramos, secretária-executiva adjunta do Instituto

Socioambiental (ISA)

A d r i a n a R a m o s

Belo Monte e as tentativas de viabilizar o inviável

48 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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ARTIGO

A criação e implementação de áreas pro-tegidas é um dos principais instrumen-tos para a conservação da biodiversi-dade e de valores culturais associados,

assim como para o uso sustentável dos recur-sos naturais. A gestão eficaz e eficiente destas áreas depende, obviamente, da existência, em volume adequado e regular, de recursos financeiros e humanos. A disponibilidade desses recursos, atual e potencial, e sua forma de gestão vão determinar as possibilidades de consolidação, manutenção e expansão do nosso sistema de áreas protegidas e a nossa capacidade de cumprir as metas nacionais e internacionais assumidas pelo País.

O Brasil tem destaque no cumprimento das metas de conservação da Convenção so-bre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB), sendo responsável por 74% do au-mento na área global protegida desde 2003, conforme demonstrado no estudo Expansion of the Global Terrestrial Protected Area System, publicado na edição 142/2009 da revista Bio-logical Conservation. Apesar do avanço na área total protegida frente aos outros países, o País tem o enorme desafio de alcançar as metas nacionais de proteção em todos os biomas brasileiros definidas pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio).

É crescente no Brasil e em outros países o reconhecimento de que as unidades de con-servação (UC) têm um importante papel no desenvolvimento local por meio da geração de alternativas econômicas sustentáveis. Esta abordagem requer a compreensão da dimen-são econômica que interfere na gestão e ma-nutenção destas áreas.

Um estudo recente coordenado pelo Mi-nistério do Meio Ambiente (MMA), intitula-do Pilares para a Sustentabilidade Financeira

do Sistema Nacional de Unidades de Conser-vação, evidenciou que as fontes tradicionais de financiamento das UC, especialmente as públicas, são essenciais, porém insuficientes. O fluxo orçamentário limitado para as UC reduz a sua capacidade de gestão e proteção e dificulta a efetiva integração destas unidades às dinâmicas econômicas de seus entornos. Além disso, a carência de recursos financeiros e humanos representa uma ameaça para a via-bilidade destas áreas no longo prazo.

Uma avaliação sobre os recursos destinados ao MMA e outros ministérios revela a dispari-dade entre o orçamento da área ambiental e o de outras pastas. O orçamento global do MMA aparece atualmente atrás de dezessete outras pastas, enquanto que cortes e contingencia-mentos são rotina para os recursos destinados ao Sistema Nacional de Unidades de Conserva-ção da Natureza (SNUC). Além disso, de 2001 a 2008, a receita do MMA para as unidades de conservação praticamente se manteve cons-tante (mantendo aproximadamente a mesma proporção em relação ao orçamento global do MMA), enquanto a área somada das UC fede-rais teve uma expansão de 78,46%.

O SNUC protege aproximadamente 1,5 milhão de quilômetros quadrados (km²) do território brasileiro e integra sob o mesmo marco legal unidades de conservação fede-rais, estaduais e municipais. A gestão desse imenso território, cuja área é superior à soma das áreas da França, Espanha e Itália, repre-senta um grande desafio para um País com dimensões continentais e ampla variedade de ecossistemas naturais e de contextos socioe-conômicos como o Brasil.

Para que esse sistema funcione de manei-ra satisfatória, considerando investimentos e custeios mínimos em proteção e gestão,

chegou-se a uma estimativa de custos anuais da ordem de R$ 531 milhões para o sistema federal e de R$ 361 milhões para os sistemas estaduais, além de R$ 610 milhões em investi-mentos em infraestrutura e planejamento no sistema federal, e de R$ 1,18 bilhão nos siste-mas estaduais.

As unidades de conservação geram bene-fícios diretos para toda a sociedade, protegen-do mananciais de água, ajudando a regular o clima, contendo erosões, oferecendo oportu-nidades de lazer com apreciação de paisagens únicas, mantendo riquezas culturais e trazen-do alternativas econômicas sustentáveis de desenvolvimento. Logo, investir em unidades de conservação significa retorno imediato na forma de benefícios para todos os brasileiros e para a proteção da diversidade biológica. O reconhecimento por parte da sociedade dos benefícios gerados por estas áreas é essencial para legitimar a busca e a consolidação de di-ferentes mecanismos para o seu financiamen-to. Neste sentido, a conexão entre as unidades de conservação e os outros setores e atividades econômicas locais, regionais e nacionais deve ser claramente percebida e internalizada pela sociedade. Essa visão deve contribuir com a diminuição da pressão sobre a biodiversidade e, concomitantemente, com o incremento de recursos físicos, humanos e financeiros para o manejo das unidades de conservação.

Fábio França Silva Araújo é especialista em políticas públicas

e gestão governamental e atualmente exerce o cargo de diretor no

Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente

Camila Gonçalves de Oliveira Rodrigues é doutora em políticas

e gestão ambiental e técnica do Departamento de Áreas Protegidas do

Ministério do Meio Ambiente

Fabiana Pirondi dos Santos é engenheira agrônoma e técnica do

Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente

F á b i o F r a n ç a S i l v a A r a ú j o , C a m i l a G o n ç a l v e s d e O l i v e i r a R o d r i g u e s

F a b i a n a P i r o n d i d o s S a n t o s

Desafios no financiamento da conservação da natureza no Brasil

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 49

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ARTIGO

O Brasil é reconhecido por especia-listas como o País de maior bio-diversidade do planeta. Estudo demandado pelo Ministério do

Meio Ambiente (MMA) indicou estarem presentes em nosso País pelo menos 13% de todas as espécies existentes no mun-do. Porém, essa enorme biodiversidade vem sendo ameaçada de forma crescente, sobretudo devido a desmatamentos, que destroem habitats necessários à manuten-ção da fauna, da flora e dos microorganis-mos, além de alterarem, às vezes irreme-diavelmente, bens e serviços ambientais necessários à sobrevivência de populações humanas.

Um dos sete componentes da Política Nacional de Biodiversidade, cujos princí-pios e diretrizes foram instituídos pelo De-creto nº 4339/02, refere-se à conservação in situ e ex situ de variabilidade genética, de ecossistemas, incluindo os serviços ambien-tais, e de espécies, particularmente daquelas ameaçadas ou com potencial econômico. Isso se dá por meio da criação de Unidades de Conservação (UC), do controle e com-bate ao desmatamento ilegal e, mais recen-temente, pela aplicação de medidas econô-micas direcionadas a esse controle.

Nosso País apresenta atualmente um Sis-tema Nacional de Unidades de Conservação considerável: são mais de 1,4 milhão de km2, somadas apenas as UC federais e estaduais. Entretanto, 27% desse total referem-se a áreas de proteção ambiental, que, apesar do nome, em sua maioria não garantem uma proteção adequada aos ecossistemas e seus componentes. Além disso, a distribuição das UC pelos seis biomas continentais e pela zona costeira e marinha é bastante desigual. As UC federais e estaduais de proteção inte-gral (destinadas à manutenção dos ecossiste-

mas livres de alterações causadas por inter-ferência humana) correspondem a 9,8% da Amazônia, mas a apenas 1,0% da caatinga, 2,9% do cerrado, 2,1% da Mata Atlântica, 1,1% do pampa, 2,3% do Pantanal e 0,1% da zona costeira e marinha, que engloba o mar territorial e a zona econômica exclusiva.

No caso do controle e combate ao des-matamento, até recentemente apenas a Amazônia Legal (que abrange, além do bioma amazônia, algumas áreas do bioma cerrado) e partes da Mata Atlântica eram objeto de um trabalho sistemático de mo-nitoramento e de ações mais frequentes de fiscalização. Estes fatores, associados a medidas econômicas adotadas a partir de 2008 (restrição de acesso a créditos oficiais, embargo da produção obtida em áreas de desmatamentos ilegais), resultaram em uma diminuição de 53% nos desmatamentos amazônicos, de 27.772 km2 em 2004 para 12.911 km2 em 2008. Entretanto, os níveis continuam demasiadamente altos. A área desmatada em 2008, por exemplo, corres-ponde à perda de mais de duas vezes a área do Distrito Federal, ou metade do estado de Alagoas, em um único ano.

Em 2007, o MMA divulgou os resultados do mapeamento da cobertura vegetal dos biomas brasileiros (realizado a partir de ima-gens de satélite de 2002). Os resultados mos-traram um quadro preocupante, com áreas já alteradas correspondendo a 71% da Mata Atlântica, 49% do pampa, 39% do cerrado, 36% da caatinga, 12% da Amazônia e 12% do Pantanal. Desde então, os desmatamentos avançaram. Há poucas semanas o MMA di-vulgou relatório sobre o desmatamento acu-mulado entre 2002 e 2008 no cerrado, que passou a ser monitorado a partir de 2009, juntamente com todos os demais biomas terrestres brasileiros. Em seis anos, o bioma perdeu quase 128.000 km2, o equivalente a

mais de 6% de sua área, ou três vezes a área do estado do Rio de Janeiro. No mesmo pe-ríodo, a Amazônia Legal (que apresenta área 2,5 vezes maior) perdeu cerca de 111.000 km2, o que coloca o cerrado na indesejável posição de recordista do desmatamento, com impactos previsíveis (porém ainda não men-surados) sobre sua biodiversidade e serviços ambientais. As emissões de CO2 oriundas dos desmatamentos no cerrado já seriam equivalentes àquelas dos desmatamentos na Amazônia, o que torna o tema relevante tam-bém sob o aspecto do aquecimento global. Os dados para os demais biomas ainda não foram divulgados pelo MMA.

Outro aspecto que deve ser considerado em relação às UC é o dos benefícios econô-micos que estas proporcionam, não apenas para populações locais, mas também para os setores produtivos. Embora algo ainda pouco investigado em nosso País, estudos internacionais como A Economia de Ecos-sistemas e da Biodiversidade, sob os auspí-cios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, fornecem evidências de que estes são significativos. Um exemplo é a pesca de hadoque nos Estados Unidos, onde 73% das capturas atuais são realiza-das em distâncias inferiores a 5 km dos limites de áreas onde a pesca é restrita.

O desenvolvimento sustentável de nosso País requer, portanto, uma distribuição mais equitativa das áreas protegidas, bem como a extensão a todos os biomas brasileiros de ações de comando e controle eficientes e de mecanismos inovadores de combate aos desmatamentos ilegais (medidas econômi-cas, pactos com setores produtivos). Em be-nefício de nossa biodiversidade, economia e, em síntese, do povo brasileiro.

Júlio César Roma é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea

João Paulo Viana é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea

J ú l i o C é s a r R o m a e J o ã o P a u l o V i a n a

Conservação desbalanceada entre os biomas

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Imagine que você quer conservar um bloco de gelo como gelo. O que é mais eficiente: tratar o bloco com o maior cuidado ou manter a temperatura bai-

xa? Apesar de não ser tão óbvio como com o gelo, com a biodiversidade é mais ou me-nos a mesma coisa: para conservá-la é mais eficiente se preocupar com os processos que garantam sua existência do que com os próprios elementos da biodiversidade - sejam eles genes, organismos, espécies ou ecossistemas.

Apesar disso, o modelo de conservação que prevalece é, ainda, aquele centrado nos elementos da biodiversidade e não nos processos ecológicos e evolutivos, funda-mentais para sua existência. Um dos efeitos dessa concepção é a dificuldade de conser-var biodiversidade. Se o foco é uma pai-sagem congelada, uma lista de espécies ou uma espécie ameaçada de extinção, a pos-sibilidade de manutenção da biodiversida-de, com nossos modelos de conservação, é bastante remota. Como conservar um con-junto de espécies numa área protegida sem a garantia de manutenção da integridade dos processos ecológicos e evolutivos no resto do território? Como evitar que esses mesmos processos atuem e transformem as paisagens que se quer conservar com cercas e outras limitações?

As áreas protegidas, expressão maior desse modelo de proteção da biodiversida-de, tornaram-se o instrumento de conserva-ção mais utilizado em todo o planeta. Vale lembrar que isso se deve, também, ao fato de que, mesmo com todas as dificuldades na criação e implementação dessas áreas, ainda é mais fácil arrancar uma porção de terra da sanha predatória de nossas sociedades

do que construir modelos de uso racional, onde o conflito relacionado com a utilização da biodiversidade seria permanente.

E o que se quer conservar nas áreas pro-tegidas? Em geral, espécies. Não que elas não sejam importantes ou que não sirvam, em muitos casos, como bons substitutos da biodiversidade como um todo, mas não podem ser encaradas como a perfeita tradução da biodiversidade. E, atualmen-te, os riscos desse modelo estão crescendo rapidamente, não apenas por sua própria ineficiência, mas por não oferecer respos-tas convincentes aos avanços tecnológicos e às novas descobertas científicas.

Um bom exemplo disso é a atual febre de mapeamento de genomas de espécies. Se nosso modelo de conservação quer pro-teger espécies, por que não proteger apenas seu genoma, estocado em um laboratório ou convertido em informação digital, em vez dos exemplares vivos? Somente o reco-nhecimento da importância dos processos biológicos aos quais os organismos estão continuamente submetidos, transformando o ambiente e sendo transformados por ele, pode oferecer uma resposta a essa questão, afirmando a relevância dos exemplares vivos.

Se é possível – ou será, em pouco tempo – clonar uma espécie extinta, qual é o impac-to da famosa frase “a extinção é para sempre” e, consequentemente, qual é o impacto dessa técnica sobre o discurso de conservação da biodiversidade? Afinal, se uma espécie qual-quer desaparecer, será possível, simplesmen-te, fazê-la aparecer de novo, quando for con-veniente. Mas o que está realmente em jogo? A espécie ou todos os processos ecológicos e evolutivos que a geraram e a mantém?

E mais, esse modelo, já tradicional, de

conservação de biodiversidade terá que lidar com a diluição cada vez maior da noção de espécie, a ponto de nossa era, e o processo evolutivo como o conhece-mos, já ter sido chamada de “interlúdio darwiniano” Freeman Dyson, físico e matemático, autor dessa expressão, de-fende que estamos no limiar de uma era pós-darwiniana, na qual as espécies não existirão mais e a evolução da vida na Terra será, outra vez, comunal, como nos primórdios da vida, onde existia troca ge-nética entre todos os organismos do pla-neta. Com o tempo, os indivíduos foram se diferenciando, formando espécies e essa troca generalizada de material gené-tico tornou-se impossível - é o que Dyson chama de interlúdio darwiniano. Agora, com a biotecnologia, podemos de novo transferir genes de todos para todos: é o fim do interlúdio darwiniano, a volta da evolução comum a todos os organismos e o fim da ideia de espécies como conhe-cemos hoje.

Esse modelo de conservação terá que li-dar, também, com a vida sintética, ou seja, com a criação de novos organismos com fins determinados. Essas novas tecnologias trarão desafios também para a concepção de conservação de biodiversidade focada nos serviços ambientais. Sua ideia central é que, ao preservarmos os serviços ambien-tais, estaremos garantindo a conservação da biodiversidade. Mas se, por exemplo, criarmos um novo organismo só com o ob-jetivo de despoluir a água ou o ar, que biodi-versidade estaremos conservando?

Nurit Bensusan é bióloga e pesquisadora do IEB (Instituto

Internacional de Educação do Brasil)

N u r i t B e n s u s a n

Biotecnologia, biodiversidade e modelos de conservação

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 51

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Os números do desmatamento da Amazônia impressionam. Até 2007, aproximadamente 700 mil km2 (17% da Amazônia brasilei-

ra), uma área similar à da França, havia sido desmatada. Os problemas sociais, econômicos e ambientais relacionados ao desmatamento são diversos e englobam desde a emissão de gases de efeitos estu-fa no contexto das mudanças climáticas, à perda de biodiversidade e de serviços ecos-sistêmicos essenciais, até impactos sociais negativos sobre as populações tradicionais como índios, seringueiros e ribeirinhos.

O desmatamento vem ocorrendo de forma heterogênea tanto em termos es-paciais, como temporais. Em termos es-paciais, esse tem se concentrado no “arco do desmatamento”, com 82% do desma-tamento entre 1988 e 2007 localizado nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia. Sob uma perspectiva histórica, após ser in-duzido por políticas governamentais entre os anos 1960 e 1980, como o Programa de Integração Nacional (PIN), a partir dos anos 1990 o processo assumiu uma dinâ-mica mais ligada às forças de mercado, principalmente relacionada à expansão da pecuária e de plantações de soja. Uma evi-dência disso é que o rebanho bovino tripli-cou na região, passando de 26 milhões de cabeças em 1995 para 73 milhões em 2006, com uma expansão mais intensa nas áreas onde ocorreu maior desmatamento.

De 2002 a 2007, a taxa anual média de desmatamento na Amazônia foi de 19,8 mil km2, flutuando de maneira significati-va, variando entre 27,4 mil km2 em 2004 e 11,5 mil km2 em 2007. Como partes da imprensa e da comunidade acadêmica já notaram, essas flutuações acompanharam as flutuações nos preços da carne e da soja durante o período. Além disso, outros fa-tores como o comportamento do crédito

agrícola, as multas do Ibama e a expansão das unidades de conservação têm sido apontados por estudos específicos como outros fatores determinantes nas recentes flutuações das taxas de desmatamento para cima e para baixo.

Como todos esses processos estão ocor-rendo simultaneamente, com diferentes in-tensidades e em diversas partes da região, é difícil determinar como e com que intensi-dade cada um desses fatores está relaciona-do às flutuações nas taxas de desmatamento. Estudo do autor apresentado no Ipea discu-te as recentes causas econômicas e ligadas a políticas públicas do desmatamento na Amazônia Legal Brasileira. Ele baseia-se em um modelo teórico segundo o qual a moti-vação para desmatar depende da expecta-tiva de lucro futuro da pecuária e da soja – quanto maior essa expectativa, maior seria o desmatamento. Essa expectativa é, por sua vez, afetada por diversas variáveis ligadas a políticas públicas ou a variáveis econômicas, como o preço da carne.

Usando dados recentes, alguns nunca antes analisados, essas hipóteses foram testadas em uma análise empírica ao es-timar um modelo de painel com dados municipais dos 783 municípios da região amazônica, entre 2002 e 2007.

Os resultados mostram que o desmata-mento no período foi dirigido por flutua-ções dos preços da carne e da soja no tem-po, assim como por diferenças espaciais nos preços pagos aos pecuaristas em diferentes regiões: quanto maior o preço pago aos pro-dutores, maior foi o desmatamento. Além disso, outros fatores associados a maio-res taxas de desmatamento foram a maior disponibilidade de crédito rural e a maior densidade de assentamentos de reforma agrária. Por outro lado, maior presença de unidades de conservação e maiores quanti-dades de multas do Ibama estão associadas

a menores taxas de desmatamento. Entre as variáveis de controle, menor incidência de chuvas, maiores população e nível de desmatamentos iniciais e menor distância a Brasília foram associados a maiores taxas de desmatamento. Ou seja, o desmatamen-to recente mostra-se decorrente de decisões econômicas de indivíduos que buscam maximizar suas rendas e são influenciados por variações nas rentabilidades esperadas da pecuária e da soja. Esses resultados são robustos para diferentes especificações para as variáveis e o uso de modelos de efeitos fixos e aleatórios.

Esses resultados, ainda que precisem ser aprofundados, trazem uma série de implicações para o debate sobre políticas públicas. A mais importante delas é que novas políticas devem buscar modificar a estrutura de incentivos econômicos que os agentes enfrentam mudando as renta-bilidades esperadas dos diferentes usos da terra. Ou seja, para promover um uso mais sustentável da floresta, a rentabilida-de esperada de atividades sustentáveis (ex. manejo florestal) deve superar a de usos insustentáveis (ex. desmatamento para plantação de pastos).

Outra implicação é que os preços da carne e da soja devem passar a ser consi-derados na formulação e avaliação de po-líticas, assim como nas previsões do des-matamento. Ademais, como as políticas de comando e controle se mostraram efetivas no período, essas devem continuar e ser aperfeiçoadas. Por último, sugere-se que os critérios para concessão de crédito agrícola e a escolha de áreas para futuros projetos de reforma agrária sejam revistos.

Jorge Hargrave é técnico de Planejamento e Pesquisa do IpeaEsse artigo é baseado na dissertação de mestrado Economic Causes of

Deforestation in the Brazilian Amazon: an Empirical Analysis apresentada

na Universidade de Freiburg, Alemanha, em julho/2009.

J o r g e H a r g r a v e

Causas econômicas do desmatamento da Amazônia

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ARTIGO

Diferentemente do senso comum de que existe uma contradição entre desenvolvimento econômico e a conservação da natureza, há um

crescente reconhecimento da importância da conservação dos recursos naturais para a economia, no presente e no futuro. A criação e implementação de áreas protegi-das é um dos principais instrumentos para a conservação da biodiversidade e de valo-res culturais associados, assim como para o uso sustentável dos recursos naturais (MMA, 2009a). No campo da conservação, a interdependência entre o bem-estar hu-mano e a conservação de recursos naturais é atualmente reconhecida e resguardada em instrumentos políticos, tanto a nível nacional através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e o Plano Nacional de Áreas Protegidas, como internacionalmente, através da Convenção sobre Diversidade Biológica e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. No cam-po do desenvolvimento econômico, os va-lores associados às áreas protegidas ainda precisam ser reconhecidos devidamente.

Um total de 1.641 UCs federais, esta-duais e particulares compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), protegendo aproximadamen-te 1,5 milhão de quilômetros quadra-dos, ou 16,75% do território brasileiro (MMA,2009b). Enquanto alguns biomas (como a Amazônia) têm uma boa repre-sentação em termos de porcentagem, a maior parte continua sub-representada. A criação e a implementação destas áreas, bem como seu manejo efetivo requer sig-nificativos investimentos, tanto financeiros

como de recursos humanos. Esses custos, sem falar dos custos de oportunidade das áreas, que deixam de ser disponíveis para atividades econômicas convencionais, podem ser percebidos como altos demais quando a contribuição das áreas protegidas para a economia não é considerada.

As áreas protegidas (APs) proporcio-nam benefícios diretos e indiretos para a economia e para a sociedade que frequen-temente são ignorados pelos tomadores de decisão. Por exemplo, as APs ajudam a estabilizar o clima, manter o regime de chuvas e a proteger os mananciais, bene-ficiando a agricultura, a geração de hidro-eletricidade, e as populações urbanas. APs criam e protegem identidades territoriais para o turismo, e proporcionam oportuni-dades de recreação e educação ambiental. APs protegem a biodiversidade, cujo valor é sempre difícil de estimar, dado o nosso desconhecimento. A literatura sobre va-loração ambiental (a estimativa do valor monetário de ativos ambientais) cita vá-rios tipos de valor: uso (direto ou indireto; que podem envolver consumo e retirada de recursos ou não), de opção e quase opção (que envolvem a preservação de oportunidades de uso futuro e a precaução contra impactos ambientais futuros), e de existência (associados aos valores éticos e morais, ou ao valor intrínseco da nature-za). Estudos de valoração envolvem cifras significativas. Por exemplo, estudos desen-volvidos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros encontraram valores anuais de R$ 6,6 milhões (Ribemboim 2004) a R$ 7,7 milhões (Müller 2006), apenas para a parte de visitação e turismo. O caso mais

reconhecido de sucesso, o Parque Nacional de Iguaçu, foi avaliado entre US$ 12 e 34 milhões (Ortiz, Motta, and Ferraz 2001), apenas no turismo e visitação.

Entretanto o Brasil ainda carece de um estudo de maior escala, que avalie esta con-tribuição para sistemas de áreas protegidas abrangendo diferentes categorias de mane-jo e biomas. Frente a esta necessidade, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com Centro de Monitoramento da Conser-vação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC), está desenvolvendo um estudo que visa avaliar a contribuição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza para a economia nacional. Este trabalho conta com apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da GTZ e do Departamento de Meio Am-biente, Alimentação e Assuntos Rurais (DEFRA) do Reino Unido.

O estudo, que será finalizado em ou-tubro de 2010, na ocasião da 10ª reunião das partes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB COP 10), desenvolverá argumentos econômicos para a promoção da criação e implementação de áreas prote-gidas. Espera-se que os resultados obtidos venham a subsidiar o desenvolvimento de políticas integradas que promovam a conservação da biodiversidade aliada ao desenvolvimento econômico e social sus-tentável do Brasil.

Helena Pavese é diretora do Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente Centro de Monitoramento da Conservação Mundial

Ronald Weigand Jr. Nave Terra – Consultoria Socioambiental Ltda

Fábio França Silva Araújo diretor do Departamento de Áreas

Protegidas Ministério do Meio Ambiente

H e l e n a P a v e s eR o n a l d W e i g a n d J r.

A importância econômica das áreas protegidas

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Indústria

Marcha para o interior

A agroindústria, os arranjos produtivos locais e a guerra f iscal reforçam a desconcentração industrial e colocam em primeiro plano o desaf io do desenvolvimento regional

T a í s a F e r r e i r a - d e B r a s í l i a

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Um Brasil rico e outro pobre, um Brasil cheio de oportunidades e outro completamente abandona-do. As desigualdades econômicas

e sociais num País continental, como o nosso, ainda são enormes. Mas, aos pou-cos, a concentração da riqueza nas gran-des áreas metropolitanas vai ficando me-nos rigorosa e a distribuição de emprego e renda começa a ser realidade em regiões tradicionalmente menos favorecidas. É o que indicam as últimas pesquisas sobre produção e geração de emprego industrial,

a exemplo da Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE), divulgada no final de setem-bro. Os números não deixam dúvida: Sul e Sudeste ainda concentram o grosso de nossa produção industrial (27,4% e 52,9%, respectivamente), mas a participação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tem sido crescente. E foi no Nordeste que a pesquisa registrou o maior ganho em termos de par-

ticipação no total do pessoal ocupado na indústria (de 11,7% para 12,7% entre 2003 e 2007). No Sul e no Sudeste essa variação foi negativa (de 54% para 53,7% no Sudes-te, e de 26,4% para 25,2% no Sul).

No Norte, o emprego industrial também cresceu – a participação no total de pesso-al ocupado pulou de 3,4% para 3,6% entre 2003 e 2007. No Centro-Oeste, não foi dife-rente – a variação foi de 4,5% para 4,7%, no mesmo período. Mais: no que se refere ao salário médio mensal pago no setor indus-trial, o maior ganho também se registrou

nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, que diminuíram consideravelmente a dife-rença frente à média nacional (3,8 salários mínimos em 2007), o que pode ser expli-cado, principalmente, pelo ganho real com os reajustes no salário mínimo no período considerado (cerca de 31%).

Movimento crescente - A pesquisa do IBGE vem confirmar o movimento já apontado

pelo estudo Geração do Emprego Indus-trial nas Capitais e no Interior, divulgado em 2006 pelo Serviço Nacional de Apren-dizagem Industrial (Senai). Naquela épo-ca, já estava bem claro que grandes regi-ões metropolitanas como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte não eram mais os únicos desti-nos de quem estava em busca de um bom emprego no setor industrial. A indústria só havia ficado atrás da agropecuária no ranking da criação de postos de trabalho fora das capitais. Do total de 1,057 milhão de vagas criadas pelo setor industrial em cinco anos, 75,9% foram oferecidas em municípios distantes das principais regi-ões metropolitanas. Campinas, São José dos Campos, Franca, Joinville, Blumenau, Caxias do Sul e Divinópolis já se destaca-vam como polos industriais.

Baseada em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Ca-ged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Traba-lho, a pesquisa do Senai revelava ainda que atividades tradicionais, como as de minerais não-metálicos, madeira e mo-biliário, têxtil e vestuário, calçados, ali-mentos e bebidas haviam criado o maior número de empregos no interior (80% das vagas). Mesmo em setores modernos, como o de material de transporte, a ge-ração de emprego nas capitais não havia chegado a 40% do total.

A criação da Zona Franca de Manaus, no final da década de 1960, foi o grande marco para a consolidação de um parque industrial de porte numa região até então sem qualquer atrativo para o setor. E foi a antiga Superintendência de Desenvol-vimento do Nordeste, a Sudene idealizada por Celso Furtado, que deu os primeiros passos para a implantação de uma estru-tura industrial numa região de economia predominantemente agropecuária. Mas foi mesmo por volta dos anos 1980 que o mo-vimento de desconcentração da indústria começou a se fazer mais nítido. Naque-la época, acuadas pela crise econômica, muitas empresas resolveram migrar para o interior, de olho em facilidades e custos

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menores. Mansueto de Almeida, técni-co de Planejamento e Pesquisa do Ipea, lembra o caso clássico de São Paulo, cujas indústrias passaram a buscar no entorno da capital mão de obra mais barata, maior facilidade de transporte e terrenos a preços mais acessíveis. “São Paulo cresceu demais; ir para o interior tornou-se mais vantajoso para muitas empresas, até mesmo deslo-cando trabalhadores da capital”, observa.

Na década de 1990, com a abertura econômica estimulando a maior compe-titividade empresarial, esse processo de descentralização se intensificou. A onda de privatizações e a estabilidade econômica atraíram novos investimentos e deram im-pulso à reestruturação industrial. É a partir dos anos 1990, também, que o Centro-Oeste passa a marcar presença no mapa industrial brasileiro, com a explosão do agronegócio. “Esse foi um movimento espetacular. O crescimento da indústria ligada à agricultu-ra dinamizou a economia de várias cidades do interior do Centro-Oeste e vem fazendo com que a região conquiste uma participação cada vez maior no PIB”, explica Mansueto.

Guerra fiscal - Já no Nordeste, o instru-mento mais poderoso de atração de novos negócios, a partir da segunda metade dos anos 1990, tem sido a chamada guerra fis-cal. O Ceará foi um dos primeiros a entrar na briga, oferecendo incentivos fiscais, creditícios e tributários para a instalação de empresas e indústrias no estado. Foi as-sim, por exemplo, que acabou garantindo a instalação da gaúcha Grendene em So-bral. A Bahia também adotou uma política agressiva na concessão de benefícios, que incluem oferta de terrenos a preços sim-bólicos, construção de estradas e outras facilidades de infraestrutura, treinamento de mão de obra e vários tipos de renúncia fiscal, entre outras vantagens.

A guerra fiscal, que penaliza principal-mente o estado de São Paulo, não está li-mitada ao Nordeste – Minas Gerais, Mato Grosso e Espírito Santo estão entre os es-tados que adotaram a concessão de incen-tivos como prática econômica. Mas é no Nordeste, destaca Mansueto, que a guerra fiscal virou política efetiva de desenvolvi-mento regional. Os resultados são inques-

tionáveis. No setor de calçados, lembra o técnico do Ipea, o Nordeste pulou de uma participação de 5% no emprego formal, no ano de 1985, para a casa dos 30%, nos dias de hoje. A presença da indústria têxtil tam-bém deu um salto na região. “Está se crian-do uma cultura de emprego industrial em cidades nordestinas que não tinham qual-quer experiência com indústria”, afirma.

É uma política acertada? Não faltam de-fensores ardorosos da guerra fiscal a alar-dear que ela é o único instrumento possível de desenvolvimento local, na ausência de projetos regionais mais efetivos. Mas tam-bém não faltam especialistas para apontar a guerra fiscal como uma política “preda-tória”, com resultado negativo não só para um estado ou outro, mas para todo o País.

“A guerra fiscal ficou generalizada e as empresas começaram a colocar um estado contra o outro, fazendo uma espécie de leilão. Há perdas fiscais consideráveis, que precisam ser bem avaliadas”, pondera Man-sueto. O diretor-adjunto de Estudos e Po-líticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, Bruno Cruz, concorda: “A guerra fis-cal acaba sendo um jogo de soma negativa. Pode até funcionar bem, como um instru-mento de desenvolvimento do estado, mas e o Brasil, como um todo, está ganhando ou perdendo com a guerra fiscal? É importante termos um federalismo mais cooperativo e menos competitivo”.

Novo pacto federativo - Bruno Cruz observa, também, que o poder de atração da guerra fiscal é limitado – os incentivos conseguem atrair apenas indústrias mais leves, mais tradicionais. “Qual é o impacto econômi-co dessas indústrias? É inegável que existe

“São Paulo cresceu demais; ir para o interior tornou-se mais vantajoso para muitas empresas, até mesmo deslocando trabalhadores da capital”

Mansueto de Almeida, do Ipea

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multiplicação de emprego e renda, mas é preciso analisar com cuidado a qualidade desse emprego”, avalia. Para incentivar a descentralização industrial e garantir o de-senvolvimento regional, na opinião do dire-tor-adjunto do Ipea, o Brasil precisa mesmo é rediscutir o pacto federativo e tirar do pa-pel a reforma tributária. Não é segredo para ninguém, lembra ele, que o atual sistema tributário apresenta distorções e inadequa-ções que penalizam estados e municípios e dificultam o desenvolvimento regional.

Os governadores assinam embaixo. To-dos defendem mudanças no sistema tributá-rio para promover o crescimento econômico, maior justiça federativa e redução das dispa-ridades regionais. Mas cada um tem pro-postas bem diferentes para esse novo pacto federativo e para a divisão do bolo tributário. O resultado é que as alterações acabam pati-nando no Congresso Nacional.

Em nome da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o gerente executivo de Política Econômica Flávio Castello Bran-co observa que a guerra fiscal promovida pelos estados só ganhou força a partir do momento em que a União deixou de ser mais ativa na indução do desenvolvimento regional. Ele critica as “ações atomizadas” de política regional e levanta um problema fundamental: o desmantelamento do arca-bouço institucional voltado à promoção do desenvolvimento regional. “O País precisa de uma política mais orgânica nesse senti-do. E, para isso, é fundamental instrumen-

talizar a Sudene e a Sudam. Não adianta apenas recriar essas agências sem dar a elas condições efetivas de promover o desen-volvimento regional”, pondera.

Mas, de uma forma ou de outra, a inte-riorização da indústria é uma realidade in-questionável, constata Castello Branco. Uma realidade – acrescenta o representante da CNI – que gera um enorme potencial para a incorporação de novas parcelas da popu-lação ao mercado consumidor, reduzindo as desigualdades regionais e criando ainda mais espaço para investimentos produtivos.

Efeito multiplicador - Esse efeito multiplica-dor – além da geração imediata de renda e emprego nas regiões diretamente benefi-ciadas pela instalação de novos empreendi-mentos industriais – também é ressaltado por Bruno Cruz. Ele explica que a insta-lação de uma indústria numa cidade mais pobre pode acabar atraindo outros elos da cadeia produtiva e alavancando de forma mais efetiva o desenvolvimento local. É o caso de empresas fornecedoras de insumos e matérias-primas ou mesmo de outras em-presas que teriam a lucrar com investimen-tos já efetuados no município.

Investimentos em infraestrutura são um chamariz e tanto para a descentralização in-dustrial, reforça Castello Branco. “A logística de produção faz com que as empresas pro-curem estar mais próximas de suas fontes de suprimentos, de matérias-primas, e isso é muito claro no caso da agroindústria. E é

inegável que o investimento privado acaba acompanhando os grandes eixos de infraes-trutura, como transporte e energia”, afirma ele, citando o exemplo de empresas de alumínio que se deslocaram para a Amazônia depois da construção de usinas hidrelétricas na região.

A conclusão do gerente da CNI e do diretor-adjunto do Ipea é a mesma: política industrial e políticas de desenvolvimento re-gional precisam ser melhor integradas. E é esse o esforço que vem sendo feito por várias áreas do governo federal, garantem represen-tantes do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior (MDIC) e da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Os dois órgãos têm trabalhado juntos para fomentar os chamados arranjos produtivos locais (APL), um tipo de empreendedorismo emergente na periferia das grandes cidades ou no interior do País que o ex-ministro inte-rino Daniel Vargas, da SAE, já classificou de uma “revolução silenciosa” no Brasil.

A força dos APL - Os arranjos produtivos locais são agrupamentos de micro, pequenas e mé-dias empresas – muitas delas informais – num mesmo território, em torno de uma atividade econômica predominante. Pelos cálculos do MDIC, já existem 945 APL Brasil afora, com um potencial estratégico de geração de empre-go e renda e de interiorização da indústria e do desenvolvimento. Um potencial que não está em ganhos individuais, mas na coopera-ção entre as empresas e no trabalho conjunto entre todos os atores envolvidos no seu desen-volvimento – empresários, sindicatos, associa-ções, entidades de capacitação, de crédito, de tecnologia, e de agências de desenvolvimento.

Criados geralmente de forma espontâ-nea, os APL são responsáveis, de acordo com o MDIC, por cerca de 2 milhões de empregos diretos no Brasil e vêm mudando o mapa industrial do Brasil. Alguns exem-plos destacados pela SAE: Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, responde por 25% da produção de moda íntima nacional; e To-ritama, em Pernambuco, é responsável pela produção e venda de 16% de todo o jeans consumido no Brasil. A pequena Nova Ser-rana, em Minas Gerais, duplicou de tama-nho nos últimos anos depois que centenas de pequenas empresas de calçados começa-ram a atrair moradores de regiões vizinhas.

“A logística de produção faz com que as empresas procurem estar mais próximas de suas fontes de suprimentos, de matérias-primas, e isso é muito claro no caso da agroindústria. E é inegável que o investimento privado acaba acompanhando os grandes eixos de infraestrutura, como transporte e energia”

Flávio Castello Branco, da CNI

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“Praticamente não existe desemprego nem dependência dos programas de trans-ferência de renda nas regiões dos APL”, en-tusiasma-se Mansueto de Almeida, autor de um trabalho sobre o assunto. Segundo ele, a força dos APL está exatamente em cidades pequenas, como no Polo do Agres-te, onde vêm dinamizando a economia e estimulando a inclusão social. Um papel estratégico, observa, já que o processo de desconcentração da indústria, particular-mente no Nordeste, costuma esbarrar na falta de municípios de porte médio que já contêm rede de serviços para apoiar o de-senvolvimento industrial.

Os maiores obstáculos, de acordo com Mansueto, são criados pela informalidade que ainda domina esses arranjos produti-vos: dificuldade de acesso a financiamento, à tecnologia, à capacitação de pessoal e ao próprio mercado consumidor. “É um desa-fio complicado, pois é preciso trazer essas empresas para a formalidade sem matá-las

com o excesso de burocracia ou exigências fiscais”, resume.

Ganhos em escala - Cinco anos de experi-ência com um grupo de trabalho voltado especialmente para os APL dão ao MDIC otimismo de sobra para enfrentar o desa-fio. O diretor do Departamento de Com-petitividade Industrial do Ministério, Marcos Otávio Bezerra Prates, explica que já existem mais de cem planos de desen-volvimento para arranjos produtivos em todo o País e que o segredo é trabalhar de forma conjunta não apenas com as em-presas, mas com os governos estaduais, municipais, entidades de classe, órgãos de fomento, capacitação e pesquisa, como Embrapa e o Sebrae.

“Atuar individualmente seria muito difícil. O importante é identificar os gar-galos da cadeia produtiva como um todo e buscar ganhos em escala para garantir a competitividade e a sustentabilidade

de todas as empresas”, sustenta Prates. O grupo de trabalho criado no MDIC aposta em instrumentos que garantam aos APL acesso a crédito, tecnologia e ca-pacitação. Estudos de potencial de mer-cado, nacional e internacional, e identi-ficação de novas oportunidades também são fundamentais, assim como o esforço para agregar maior valor ao potencial já existente nos arranjos produtivos.

A informalidade, segundo Prates, decorre do baixo grau de exigência dos mercados atendidos pelos APL. Ele lem-bra que, para atender uma rede distribui-dora de maior porte, é preciso ter, além de qualidade, um fornecimento regular e de escala. “Para isso, o negócio precisa estar melhor estruturado, melhor integrado. A formalização vem como consequên-cia”, explica. A questão, para o diretor do MDIC, pode ser resumida em poucas pa-lavras: “É preciso ter capacidade de jogar o jogo do capitalismo”.

Evolução do emprego industrialDistribuição do estoque de emprego formal entre as microrregiões brasileiras em 2007

Eestoque de Emprego na indústria de transformação 2007

Centro Geográf ico 2007

Centro Geograf ico 1990

0 - 5000

5001 - 20000

200001 - 80000

800001 - 350000

350000 - 793604

Fonte: MTE/Rais. Elaboração Dirur/Ipea

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Nos últimos anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-DES) vem apostando cada vez mais no apoio às micro, pequenas e médias empresas. Em 2008, o segmento recebeu 24% dos R$ 90 bi-lhões em financiamentos desembolsados pelo banco – um crescimento de 36% em relação ao ano anterior. Mas é de olho no florescimen-to dos arranjos produtivos locais e no papel estratégico da desconcentração industrial que o BNDES comprou definitivamente a briga a favor do desenvolvimento regional.

“O fortalecimento da economia na-cional passa, sem sombra de dúvida, pelo fortalecimento das estratégias de desen-volvimento regional e de desenvolvimento local”, ensina Helena Lastres, coordenado-ra da Secretaria de Arranjos Produtivos e Desenvolvimento Local do BNDES. E é dentro dessa perspectiva regional que o banco vem atuando, segundo ela, para

Participação percentual das unidades locais, do pessoal ocupado, receita líquida de vendas, valor da transformação industrial e gastos com pessoal, por grandes regiões – 2007

Unidades locais industriais 100,0 3,0 11,0 52,9 27,4 5,7

Pessoal ocupado 100,0 3,6 12,7 53,7 25,2 4,7

Receita líquida de vendas 100,0 5,5 91,0 60,3 2,7 4,4

Valor da transformação industrial 100,0 5,9 9,5 62,7 18,5 3,5

Gastos com pessoal 100,0 3,2 8,5 65,6 19,8 3,0

Fonte: IBGE, Diretoria de pesquisas. Coordenação de indústria. Pesquisa industrial Anual – Empresa 2007.

Norte Nordeste Sudeste Sul Cento-Oeste

Grandes RegiõesEspecificação

Participação percentual(%)

Brasil

O estudo Dinâmica do Emprego Indus-trial no Brasil entre 1990 e 2007: Uma Visão Regional da Desindustrialização, de Bruno Cruz, apresenta a evolução do emprego por microrregião industrial, entre 1990 e 2007, confirmando o processo de descon-centração e interiorização da indústria bra-sileira nas duas últimas décadas.

Em 1990, as dez maiores microrregiões industriais do País concentravam 46,8% dos empregos formais no setor – esse ín-dice caiu para 32,2% em 2007. Apenas três delas estavam localizadas no Sul e no Nordeste em 1990 – Curitiba, Porto Ale-gre e Recife. Esse número dobrou em 2007. Fortaleza passou a ser a microrregião mais

industrializada do Nordeste e uma das dez maiores do País.

O estudo aponta a perda relativa das mi-crorregiões do interior paulista. Em 1990, cinco das dez maiores estavam localizadas no estado. Em 2007, apenas São Paulo e Campinas figuravam entre as maiores em-pregadoras do setor manufatureiro.

apoiar projetos de desenvolvimento inte-grado, em suas dimensões econômica, so-cial, ambiental e cultural.

Tais projetos seguem duas vertentes. A primeira, explica Helena Lastres, tem como ponto de partida grandes empreen-dimentos financiados pelo BNDES em re-giões menos desenvolvidas do País. A ideia é fazer com que esses empreendimentos se enraízem nos locais em que estão hospe-dados, aproveitando mão de obra, bens e serviços da própria região e fomentando a economia do entorno.

A segunda vertente é mobilizar pequenos projetos de desenvolvimento onde o banco não estiver apoiando grandes investimentos. Nesses casos, a intermediação é feita com os governos estaduais e normalmente beneficia arranjos produtivos locais já instalados na região. Helena Lastres afirma que o BNDES já tem uma experiência bem-sucedida com o

governo do Acre e já aprovou uma primeira parcela de R$ 250 milhões para projetos que envolvem todos os municípios de Sergipe, com exceção da capital, Aracaju. O dinheiro será investido na capacitação de produtores de matérias-primas, em equipamentos, servi-ços necessários à implantação e operação do empreendimento.

“A aposta na desconcentração da indús-tria e no desenvolvimento local também passa pela construção de rodovias, de es-colas e pelo saneamento básico e isso é res-ponsabilidade de um conjunto de atores. Por isso, há necessidade de um trabalho integrado entre o poder público, o BNDES, as empresas, uma série de outros parcei-ros e a própria sociedade civil organizada”, complementa. Para Helena Lastres, essa é uma “nova concepção de desenvolvimen-to, que tem como um de seus componentes fundamentais a inclusão social”.

Parceiro de peso

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MELHORES PRÁTICAS

Arma contra danos da chuva

Minibarragens ajudam a evitar erosões, aumentam produtividade do terreno, alimentam os mananciais e asseguram o abastecimento de água na área rural

S u e l e n M e n e z e s – d e B r a s í l i a

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No Vale do Jequitinhonha (MG), pessoas visitam barraginha em “dia de campo”

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O Brasil tem um grande número de rios, abundância de chuvas e de-tém cerca de 13% de toda a água superficial do planeta. Somem-se

ainda os depósitos subterrâneos e chega-se à seguinte conta: o País oferece a cada habitante 34 milhões de litros de água por ano. O necessário para manter a higiene, matar a sede e preparar as refeições é de um milhão de litros. Enquanto isso, mais de um bilhão de pessoas, a maioria no Oriente Médio e no norte da África, con-vivem com a falta de água.

Mesmo com toda essa abundância, o Brasil também tem regiões que sofrem com a seca e a falta de água. A região Norte, onde vivem 10% da população, concentra 70% das reservas do País, e falta água, por exemplo, na região do semiárido e nas capi-tais do Sudeste. Para diminuir os impactos da chuva e da seca na vida dos agricultores, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa) implantou, há 15 anos, o projeto “Barragens de Contenção de Águas Superficiais de Chuva”. São pequenas barra-gens, mais conhecidas por barraginhas. A técnica é simples, mas hoje é reconhecida como uma solução para enfrentar, na área rural, as intempéries da natureza.

Luciano Cordoval de Barros, engenheiro agrônomo da Embrapa e coordenador do projeto, explica que as barraginhas são pe-quenas bacias construídas para captar a água da chuva a fim de evitar que elas escoem e provoquem erosões e enchentes. A intenção é que a água permaneça nesses miniaçudes pelo menor tempo possível, de modo que ela infiltre e recarregue o maior número de ve-zes, durante o ciclo chuvoso, e proporcionem a elevação do nível de água dos lençóis freá-ticos. O projeto é uma iniciativa da Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas, Minas Gerais, mas a tecnologia, recomendada especialmen-te para a recuperação de regiões degradadas, pode ser aplicada em todo o País.

O resultado imediato das barraginhas é o controle de erosões, a revitalização de

córregos e rios, maior tempo de umidade dos solos de baixadas e diminuição dos efei-tos das enchentes. As barraginhas também amenizam os efeitos das estiagens, manten-do por mais tempo a umidade do terreno e a reserva de água para consumo. A elimi-nação do caminhão-pipa nas regiões semi-áridas é outra consequência positiva do sis-tema, que deve estar aliado às atividades de conservação do solo, como o plantio direto.

Segundo Cordoval de Barros, outro benefício do projeto é favorecer o plantio de lavouras, hortas e pomares no entorno umedecido das barraginhas. “Em regiões semiáridas, por exemplo, as barraginhas podem captar a água de uma chuva intensa

“Ô chuva, vem me dizer

Se posso ir lá em cima prá derramar você

Ô chuva, preste atenção

Se o povo lá de cima vive na solidão”

(Segue o Seco. Carlinhos Brown e Marisa Monte)

e concentrada e armazená-la para períodos secos”, explica. Com o armazenamento da água e a umidade dos terrenos mais baixos, criam-se condições para o surgimento de mananciais e para o aumento da produti-vidade agrícola. Outra vantagem da tecno-logia é a revitalização de córregos e rios e o surgimento de minas e nascentes.

A técnica de construir minibarragens é milenar, mas seu uso em maior escala no Brasil ainda é recente. “Existiam casos isola-dos de minibarragens construídas há 20, 30 anos pelos próprios agricultores. Mas a Em-brapa, além de desenvolver a tecnologia das barraginhas, criou uma metodologia de dis-seminação e treinamento para que as comu-nidades parceiras pudessem construir suas próprias barraginhas. Treinamos técnicos e gestores para permitir a formação de multi-plicadores. O diferencial do projeto está na sua forma de disseminação, pois a captação da água da chuva é utilizada há mais de dois mil anos”, explica o coordenador.

Segundo ele, as minibarragens reduzem também os estragos na plantação que se-riam provocados pelo excesso de chuvas. Tanto na região do semiárido como no

Pequenas barragens melhoram produtividade da agricultura ...

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Na primeira edição do Prêmio ODM Brasil, em 2005, a tecnologia so-cial das barraginhas conquistou o pri-meiro lugar na categoria “organizações”. O Prêmio ODM Brasil é uma iniciativa pioneira para incentivar, valorizar e dar maior visibilidade a práticas que contri-

buam efetivamente para o cumprimen-to dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), um conjunto de oito metas que os 192 países integran-tes da Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles o Brasil, assumiram o compromisso de cumprir até 2015.

Brasil Central, onde há abundância de chuvas, o projeto barraginhas tem tido su-cesso. No Brasil Central chove entre 1.200 mm e 1.800 mm por ano. Já no semiárido, chove, em média, 600 mm por ano.

Nos dois casos as barraginhas captam a água da chuva e reduzem a força das en-xurradas. A água depositada nesses reser-vatórios mantém a infiltração do terreno por mais tempo e possibilita a formação de lagos subterrâneos. Sem as pequenas barragens, as enxurradas provocariam inú-meros danos. E a construção de uma bar-raginha é simples: basta o auxílio de uma pá carregadeira para abrir a bacia que vai receber a água da chuva. “Dá para fazer oito barraginhas num dia, ao custo de R$ 150 cada uma. A tecnologia é de baixo custo e facilmente aceita pelos beneficiários. O treinamento consiste em passar a ideia para a comunidade, criar unidades demonstrati-vas em vários lugares do país, implantadas pela própria comunidade, aliando o ensino à prática. O nosso objetivo é que as pessoas estejam aptas a implantar o projeto e que cada comunidade beneficiada se torne uma vitrine”, explica Cordoval de Barros.

“A oferta de água em quantidade e quali-dade compatíveis com a necessidade da po-pulação tem como resultado a redução nos custos de tratamento dos recursos hídricos pelos órgãos públicos, o que gera um bene-fício para toda a sociedade. Todos são bene-ficiados com a tecnologia, mas os que mais ganham com a implantação das barraginhas são os agricultores familiares”, ressalta.

Parcerias - Em 15 anos de projeto, mais de 200 mil barraginhas foram construídas e cerca de 20 mil pessoas foram treinadas

nos estados de Minas Gerais, Tocantins, Ceará, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Santa Catarina, além do Distrito Federal. Para a disseminação do projeto, a Embrapa conta com o apoio de parceiros como Funda-ção Banco do Brasil, Petrobrás, Agência Nacional das Águas, ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social e Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Nos municípios, as parcerias são com prefeituras, sindicatos de trabalhado-res e produtores rurais, igrejas e organiza-ções não-governamentais.

Prêmio ODM Brasil

e também asseguram o abastecimento de água potável à população

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Ipeapor dentro do

Um passo à frenteSérie de estudos do Ipea aprofunda análise sobre dados da pesquisa do IBGE, aponta avanços, mas mostra que o País ainda precisa melhorar muito

Ao publicar, em fins de setembro, o Comunicado da Presidência nº 30, o Ipea deu início à divulgação de uma série de estudos com base

na Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios (PNAD), feita pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O foco está nas áreas sociais, como po-pulação, renda, pobreza, educação e pre-vidência. Embora a situação esteja ainda muito distante da ideal, a análise mais aprofundada dos dados, feita nos estudos do Ipea, mostra que diversos indicadores sociais estão melhorando.

Ao publicar, em fins de setembro, o publicar, em fins de setembro, o Comunicado da Presidência nº o Comunicado da Presidência nº 30, o Ipea deu início à divulgação deu início à divulgação de uma série de estudos com base de uma série de estudos com base

na Pesquisa Nacional por Amostra de Dona Pesquisa Nacional por Amostra de Dona Pesquisa Nacional por Amostra de Dona Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios (PNAD), feita pelo Instituto Bramicílios (PNAD), feita pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE). sileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O foco está nas áreas sociais, como poO foco está nas áreas sociais, como po-pulação, renda, pobreza, educação e prepulação, renda, pobreza, educação e pre-vidência. Embora a situação esteja ainda vidência. Embora a situação esteja ainda muito distante da ideal, a análise mais muito distante da ideal, a análise mais aprofundada dos dados, feita nos estudos aprofundada dos dados, feita nos estudos do IpeaIpea, mostra que diversos indicadores sociais estão melhorando. sociais estão melhorando.

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Um passo Um passo Um passo Um passo à frenteà frenteà frenteà frenteà frenteSérie de estudos do Ipea aprofunda análise sobre aprofunda análise sobre aprofunda análise sobre dados da pesquisa do IBGE, aponta avanços, mas dados da pesquisa do IBGE, aponta avanços, mas dados da pesquisa do IBGE, aponta avanços, mas dados da pesquisa do IBGE, aponta avanços, mas mostra que o País ainda precisa melhorar muitomostra que o País ainda precisa melhorar muito

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O primeiro estudo divulgado pela Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc), no fim de setembro, sob o títu-lo PNAD 2008: Primeiras Análises, con-centra-se no estudo da desigualdade de renda, evolução recente da pobreza e da desigualdade, e condições de vida (qua-lidade dos domicílios e acesso a bens). Os documentos seguintes abordam ou-tros temas, completando o leque de as-suntos de importância para avaliação da situação socioeconômica do Brasil. Ao divulgar o primeiro documento da sé-rie, Jorge Abrahão, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, enfatizou a im-portância do aprofundamento da análise dos dados da pesquisa do IBGE. “Nossa intenção é contribuir, dar mais detalhes, trabalhar outras informações além das que são trabalhadas tradicionalmente”, disse Abrahão. O estudo contou com a participação de Fábio Vaz, Sergei Soares, Pedro Herculano, Ricardo Barros e Rafael Soares, todos Técnicos de Planejamento e Pesquisa da Disoc.

A conclusão dos técnicos é que hou-ve redução da desigualdade no Brasil e crescimento da renda, principalmente nas camadas mais pobres da população. Para Sergei Soares, isso se deve à melho-ria na renda dos mais pobres em ritmo mais rápido do que a do segmento rico da população. “A vida está melhorando para todo mundo e está melhorando mais para os mais pobres”, afirmou. Hou-ve melhora também nas condições de vida da população, aumento do número de domicílios com acesso a bens duráveis e serviços públicos, resultando em um aumento nos domicílios caracterizados como de boa qualidade, embora o Brasil ainda continue como um dos países mais desiguais do planeta, diz o Comunicado do Ipea. Houve melhora da renda para todos. “Uma decomposição fatorial do Coeficiente de Gini aponta a desconcen-tração da renda do trabalho como res-

ponsável pela maior parte desse movi-mento, embora as transferências públicas – aposentadorias, pensões, benefício de prestação continuada e o Programa Bol-sa Família – continuem aportando uma forte contribuição”, diz o estudo.

Desde 2001, segundo o Ipea, a renda dos mais pobres vem crescendo mais que a dos mais ricos, provocando uma queda “sem precedentes” na desigualdade: o Coe-ficiente de Gini acusou uma queda de 0,59 para 0,54, redução de 8%.

Mesmo com todos avanços, o Coefi-ciente de Gini de 54,4 (ou 0,54) “ainda deixa o Brasil na metade mais desigual da região mais desigual do mundo. Falta muito até chegarmos a uma distribuição de renda civilizada, mas é, mais uma vez, meritório de comemoração que, após dé-cadas de más notícias sobre a desigual-dade, continuamos no caminho certo”, afirma o Comunicado.

A análise do Ipea conclui ainda que houve “expansão da parcela da população residente em domicílios de boa qualida-de”. Entretanto, ainda há grandes proble-mas: “No geral, a despeito da tendência robusta de expansão do acesso ao longo dos últimos dez anos, em 2008 somente cerca de 30% da população residia em domicílios com boa qualidade e com o conjunto completo de bens de consumo”, revela o estudo.

No Comunicado da Presidência nº 31, os técnicos da Diretoria de Estudos e Polí-ticas Sociais (Disoc) do Ipea analisaram a cobertura previdenciária, mercado de tra-balho e a demografia. De acordo com o es-tudo, 59,6% da população economicamen-te ativa tinham cobertura previdenciária em 2008, o patamar mais alto da década.  

“Isso significa que o emprego com carteira assinada cresceu, o número de contribuintes cresceu, mas a informali-dade persiste e responde por cerca de 31,1 milhões de pessoas”, afirma Leo-nardo Rangel, técnico de Planejamen-

to e Pesquisa do Ipea, que elaborou o trabalho junto com Ana Amélia Cama-rano, Solange Kanso, Carlos Henrique Corseuil, Lauro Ramos, Jhonatan Fer-reira e Maria Paula Gomes dos Santos. Os empregos com carteira pularam de 30,4% da PEA em 2001 para 35,7% em 2008. Já os contribuintes passaram de 44,3% para 51% no mesmo período. Os dados de 2008 demonstram, segundo os técnicos, que dos 17,9 milhões de novos participantes da PEA, mais de três quar-tos são contribuintes da Previdência So-cial. Na década anterior, essa proporção era de apenas um quarto.

  O estudo demonstra ainda que a Previdência Social tem um importante papel na redução da pobreza no Brasil. Se não fossem os benefícios pagos, a parcela de indigentes, a dos que vivem com menos de um quarto do salário mínimo por mês, aumentaria de 10% para 20,19% (mais de 17 milhões de pessoas). “Esses números mostram a importância da proteção previdenciária no combate à indigência e à pobreza no Brasil”, conclui o estudo.

“Isso significa que o emprego com carteira assinada cresceu, o número de contribuintes cresceu, mas a informalidade persiste e responde por cerca de 31,1 milhões de pessoas”

Leonardo Rangel, do Ipea

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A evolução do mercado de trabalho entre 2001 e 2008 apresenta avanços significativos: o grau de informalidade e o desemprego registraram o menor patamar da década e o rendimento mé-dio real dos trabalhadores alcançou seu maior patamar. A informalidade ficou em 49,4% em 2008 e vem caindo desde 2002. “A tendência é acelerarmos essa queda”, disse Carlos Henrique Corseuil, autor do estudo junto a Lauro Ramos. Já o desemprego está na casa dos 7,2%, e o rendimento real médio atingiu R$ 944,38. “Devemos ressaltar que a queda recente no desemprego é puxada pelo aumento na demanda por trabalho, pois a taxa de participação está estável, sem retração”, explica o técnico da Disoc.

“De modo geral, os resultados para o mercado de trabalho foram positivos, dan-do sequência à tendência dos últimos anos e confirmando os movimentos identifica-dos na Pesquisa Mensal do Emprego até o final do terceiro trimestre do ano passado, quando os impactos da crise internacional começaram a se fazer sentir na deman-da por trabalho”, afirma o estudo. O Ipea destaca ainda que o crescimento da popu-lação ocupada em 2008, que atingiu 90,9 milhões de trabalhadores (em 2007 eram 88,4 milhões), foi superior ao da média do período analisado: a variação da ocupação total foi de 19,4%, o que corresponde a uma taxa média de 2,6% a.a.

De acordo com os técnicos, há indícios de que o mercado de trabalho aumentou a demanda por mão de obra qualificada: “grupo de trabalhadores com 11 ou mais anos de estudo completos foi o que mais cresceu no contingente de ocupados, com uma variação um pouco acima de 70% na comparação entre valores de 2001 e 2008. Em contrapartida, os trabalhadores menos escolarizados vêm perdendo espaço no total de ocupados – a queda para aqueles sem nenhum ano completo de estudo foi superior a 15%”.

Na parte de demografia, o estudo pre-vê que a população brasileira começará a cair a partir de 2030. Em 2008, o número de filhos por mulher ficou em 1,8, abaixo portanto da taxa de reposição populacio-nal, estimada em 2,1. “Devemos atingir, por volta de 2030, o perfil de uma popu-lação chamada de superenvelhecida, como é o caso do Japão hoje”, disse Camarano. A PNAD 2008 revela que a parcela da po-pulação de 15 a 29 anos atingiu seu pon-to máximo e começará a cair a partir de 2010. O envelhecimento da população traz consequências: “Uma alternativa para a Previdência e o mercado de trabalho se-ria manter o trabalhador na ativa por um número maior de anos. Mas isso mexe em questões como saúde ocupacional, redução do preconceito contra o trabalho do idoso”, pondera a técnica.

O terceiro documento da série analisa a área de educação, gênero e migração. Divulgado pelo Comunicado da Presi-dência nº 32, o estudo aponta que, man-tendo-se a tendência atual, o País levará cerca de cinco anos para atingir a média de escolaridade obrigatória de oito anos, prevista na Constituição. “Nos países mais desenvolvidos, a educação é parte

integrante das políticas sociais, com-pondo o núcleo do sistema de promoção social mediante sua capacidade de am-pliar as oportunidades para os indivídu-os, além de ser um elemento estratégico para o desenvolvimento econômico. Por isso, absorve elevada quantidade de re-cursos públicos. No Brasil, mais recen-temente, ocorreram avanços importantes na ampliação do acesso a todos os níveis e modalidades educacionais, chegando à universalização do acesso ao ensino fun-damental. No entanto, ainda é um grave problema a baixa escolaridade média da população e a desigualdade permanente, o que mantém na pauta das discussões a necessidade da universalização da edu-cação básica e a melhoria da qualidade da educação, bem como a eliminação do analfabetismo, com inevitáveis impactos de longo prazo para a área”, diz o docu-mento do Ipea.

“Quando disseminada de forma uni-versal, (a educação) é um dos mais im-portantes mecanismos para a promoção de oportunidades entre membros de um país. É ainda mais importante em situa-ções de alta desigualdade, quando, então, ganham maior relevo as responsabilida-des do poder público”, ressalta a publica-ção. Com o intuito de subsidiar a discus-são e formulação de políticas públicas, a pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais mapeou a evolução e as desigualdades do tempo de estudo da população brasileira.

De 1992 a 2008, houve aumento no tempo de estudos da população com 15 anos ou mais, a uma taxa de 0,14 ano por ano. Mas há disparidades regionais: no Centro-Oeste, a taxa foi de 0,19, no Nor-te, 0,1. Segundo o documento, o brasileiro do Sudeste estuda 8,1 anos em média. Nas demais regiões, o tempo de estudo está abaixo dos oito anos previstos na Consti-tuição Federal. A pesquisa revelou ainda disparidades entre localização, raça e cor.

“Quando disseminada de forma universal, (a educação) é um dos mais importantes mecanismos para a promoção de oportunidades entre membros de um país. É ainda mais importante em situações de alta desigualdade, quando, então, ganham maior relevo as responsabilidades do poder público”

Comunicado da Presidência do Ipea nº 32

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Drea

mstim

e

A população da área rural tem menos de quatro anos de estudo, enquanto os mora-dores de áreas urbanas estudaram 8,6 anos, em média. Os negros têm 1,8 ano a menos de tempo de estudo do que os brancos.

No capítulo sobre gênero, os técnicos do Ipea analisaram o emprego doméstico por ser ocupado predominantemente por mulheres negras. “As informações mais re-

lacionadas à situação de trabalho das tra-balhadoras domésticas contribuem para a caracterização do quadro de precarização e discriminação desse setor de atividade”, afirma o documento. Trata-se de uma ocu-pação caracterizada pela informalidade, com um grande contingente de trabalha-doras sem carteira de trabalho assinada e excluídas da rede de proteção social. Em 2008, apenas 25,8% das empregadas do-mésticas tinham carteira assinada e 29,3% contribuíam para a Previdência Social. O estudo lembra que a Constituição de 1988 contribuiu para a manutenção desse qua-dro, pois não deu ao trabalhador domés-tico o mesmo tratamento dispensado aos demais trabalhadores.

“O trabalho doméstico remunerado no Brasil se constituiu histórica e persis-tentemente como uma atividade femini-na e negra. Revela-se, portanto, um dos nichos contemporâneos de exposição implacável do legado histórico patriar-calista e escravocrata, perpetuadores das desigualdades de gênero e de raça no País”, afirma o estudo.

Migração – O estudo destaca que a migração interestadual caiu de 4,6 milhões de pesso-as, em 2001, para 3,3 milhões em 2008. Na década de 1990, São Paulo era um estado receptor de migrantes: chegou, em 1994, a ter saldo positivo de 587 mil pessoas. O flu-xo se inverteu a partir de 2000, e em 2005 São Paulo registrou saída líquida de 269 mil pessoas. “A explicação para esse fenômeno pode ser dada pelos efeitos da desconcen-tração econômica, do desenvolvimento de novas economias regionais e pelo avanço de políticas sociais voltadas para a população mais carente”, concluem os técnicos. No ano passado, o saldo continuou negativo, mas mostrou um arrefecimento do processo de perda de população por São Paulo. Mas o estado continua atraindo pessoas principal-mente da Bahia, Pernambuco e Paraná. Ou-tros estados, como o Pará, o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, que atraíram muitos migrantes na década passada, também per-deram seu poder de atração.

Leia mais em www.Ipea.gov.br Comunicados da

Presidência e veja os gráf icos na seção Indicadores

O estudo destaca que a migração

interestadual caiu de

4,6 milhões

de pessoas, em 2001, para

3,3 milhões

em 2008.

Houve aumento no emprego com carteira assinada, mas

informalidade ainda é grande

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 67

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A Carta de Conjuntura de setembro confirma, a partir da análise dos dados macroeconômicos, os indí-cios de que a economia brasileira

reagiu bem à crise econômica. “A economia brasileira atravessa um período de absolu-ta tranquilidade em vista da dimensão da crise internacional”, resumiu o coordenador do Grupo de Análise e Previsões (GAP) do Ipea, Roberto Messenberg, durante a divul-gação da publicação, na companhia do dire-tor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto, João Sicsú.

“Tivemos um colapso da taxa de inves-timento do terceiro para o quarto trimestre

de 2008, o que fez a produção industrial despencar. A crise do ponto de vista domés-tico é da indústria. A economia se segura pelo serviço, pela demanda, pelas expor-tações”, afirmou Messenberg. Com cresci-mento já no segundo trimestre de 2009, a economia saiu da classificação técnica de re-cessão - dois trimestres de crescimento ne-gativo, no caso, o último trimestre de 2008 e primeiro trimestre de 2009. “A recessão teve duração mínima, sendo que a economia já apresenta sinais do começo de um novo ci-clo de crescimento”, diz a publicação.

O ciclo de crescimento iniciado em 2005, segundo o Ipea, foi sustentado pelo cresci-

mento da demanda interna, “liderado pelo bom desempenho do consumo e, principal-mente, do investimento”. Ao mesmo tempo, teve a contribuição do “ambiente externo extremamente favorável, com fartura de liquidez internacional e demanda mundial crescente”, que possibilitou a obtenção de seguidos superávits na balança comercial. O País cresceu, manteve a inflação baixa, re-duziu a dívida externa, acumulou reservas, reduziu a vulnerabilidade externa e seu ris-co. A boa fase foi interrompida no terceiro trimestre do ano passado pela crise finan-ceira dos Estados Unidos, que contaminou todos os países.

Economia brasileira supera fase de recessão e inicia novo ciclo de crescimento. Mas indústria ainda está com capacidade ociosa e deve retomar lentamente os investimentos

Retomada

68 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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Graças às medidas anticíclicas ado-tadas pelo governo, o Brasil saiu rapida-mente da crise. Com o reaquecimento da economia e câmbio apreciado, segundo o Ipea, a contribuição das exportações líquidas para o crescimento do PIB deve sofrer alteração. A Carta de Conjuntura aponta ainda que o nível de utilização da capacidade produtiva ainda se encontra num patamar reduzido, e, por isso, a re-cuperação do investimento da indústria deverá acontecer de maneira mais lenta. “O nível de ociosidade atual do parque industrial proporciona aos empresários uma margem de segurança confortável para atender a uma possível aceleração da demanda”, diz a publicação.

O desempenho da economia no decor-rer do segundo semestre de 2009 deve ser influenciado pelo consumo das famílias, crescimento da massa salarial, recupera-ção no mercado de crédito e do mercado de trabalho. O emprego vem crescendo em quase todos os setores. A indústria agora também começou a contratar. Em menor grau, a melhora da demanda inter-nacional deve refletir no setor exportador: “Além da China, que continuará impor-tando commodities, alguns países desen-volvidos já dão sinais de que podem estar iniciando uma recuperação, o que pode implicar uma melhora nas exportações de produtos manufaturados”.

João Sicsú destacou que as finanças públicas estão controladas, mesmo com o aumento dos gastos do governo para enfrentar a crise: “Nossas receitas caíram em relação a 2008, mas era esperado, na medida em que em 2009 o crescimento seria menor. Mas nosso déficit nominal acumulado é da ordem de 3%, o que é confortável, em vista das medidas anti-cíclicas tomadas pelo governo.” A análise da conjuntura indica que o PIB crescerá entre 0,2% e 1,2%, neste ano, conforme prevê o Ipea. “Mas estamos agora muito mais próximos de 1,2%”, frisou Sicsú.

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 69

PIB - preços de mercado - índice encadeado dessazonalizado (médida de 1995=100) - T/T(-1) PIB - preços de mercado - índice encadeado (médida de 1995=100) - variação acumulada em quatro trimestres

7,0

6,0

4,0

3,0

5,0

2,0

-1,0

-2,0

-3,0

-4,0

I II I II II I IIII IIIIII III IIIIII IIIIII III

2000 20042002 2006 20082001 20052003 2007 2009

IV IVIV IV IVIV IVIV IVII IIII II IIII IIII II II

1,0

0

Evolução das taxas de crescimento do PIB

Fonte: IBGE. Elaboração: Ipea/DIMAC/GAP.

Em %

Componentes do PIB pelo lado da oferta: contribuição ao crescimentoEm %

2

-2

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Fonte: IBGE. Elaboração: Ipea/DIMAC/GAP.

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Agropecuária Serviço Indústria Impostos s/ produtos PIB

0,00,00

8

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Componentes do PIB pelo lado da demanda: contribuição ao crescimento

-1,1 -0,2 -0,5

3,33,3 5,4

Fonte: IBGE. Elaboração: Ipea/DIMAC/GAP.

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-2,1 -1,7 -2,2 -1,7 -1,1 -0,60,70,5

2,0 0,5 2,91,4 2,1 1,6 2,2

3,82,9

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4,7 2,75,3

2,75,4

6,1 6,1 6,26,8

1,7

-1,8-1,2

Exportações Investimentos Consumo Total PIB

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ASSUNTOS ESTRATéGICOS

Pinheiro Guimarães no comando da SAE

Embaixador assume a Secretaria de Assuntos Estratégicos com a atribuição de elaborar planos de longo prazo para o Brasil

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu posse, no dia 20 de outubro, ao embaixador Samuel Pinheiro Guimarães no cargo de

ministro da Secretaria de Assuntos Estra-tégicos da Presidência da República (SAE). A secretaria estava sob o comando interino de Daniel Vargas desde a saída de Manga-beira Unger, em junho. A atribuição dada ao embaixador, até então secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, é pensar o Brasil do futuro. “Gostaria que fosse trabalhado, com muita inteligência, um esboço daquilo que a gente quer cons-truir para quando completarmos 200 anos de independência”, recomendou Lula du-rante a concorrida cerimônia de posse de Pinheiro Guimarães, à qual compareceram

Pinheiro Guimarães recebe os cumprimentos

do presidente Lula

inúmeras autoridades. Em 2022, será o se-gundo centenário da independência.

“É preciso pensar a estrutura do Es-tado, em como modernizar o funciona-mento da máquina, porque fomos crian-do uma quantidade de teias de aranha, de embaraços, que ainda hoje sentimos dificuldades”, disse Lula. O presidente lembrou que o Brasil tem que se preparar para sediar diversos eventos esportivos internacionais nos próximos anos - Jo-gos Militares (2011), Copa das Confede-rações (2013), Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016) – e reafirmou a in-tenção de lançar um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o período de 2011 a 2015.

Um dos principais desafios do novo

ministro será elaborar um plano de desen-volvimento da Amazônia. Seu antecessor, Mangabeira Unger, junto com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, concluiu o Pla-no de Defesa Nacional, mas a questão da Amazônia ficou pendente. “A tarefa é di-fícil, mas contarei com as instituições da Presidência da República para realizá-la”, afirmou o embaixador Pinheiro Guima-rães, um diplomata de carreira que, segun-do o ministro das Relações Exteriores, Cel-so Amorim, “ousou pensar o Brasil numa época em que isso não era moda”, quando se acreditava que as forças do mercado re-solveriam todos os problemas do País.

A discussão sobre o desenvolvimento da Amazônia é dominada por “paixões”, segundo o presidente Lula. Uns acham que a região deve ser um santuário e ou-tros querem desmatar. “É um tema extre-mamente complexo. Até hoje não se tem noção precisa de como enfrentar de fato essa situação”, comentou o ministro. Ao mesmo tempo em que é preciso preservar o bioma, disse ele, também é preciso dar melhores condições de vida aos 25 milhões de habitantes da região.

Pinheiro Guimarães disse que já co-nhece “alguns dos projetos que vêm sendo realizados” pela secretaria à qual o Ipea é vinculado, como o de desenvolvimento do Nordeste, da Amazônia, e nas áreas de gestão pública, educação e saúde. “Terei de avaliar isso ao entrar, e conversar com os técnicos da secretaria e do Ipea também. Há um potencial humano muito grande não só na Secretaria, como no Ipea. Há talentos, economistas jovens, outros mais velhos, experientes”, comentou.

O novo ministro disse que quer um grande entrosamento entre a secretaria e o Ipea, que dispõe de um quadro técnico maior do que o da própria SAE. “Espero entrosar essas duas equipes de forma mui-to próxima, de modo a desenvolver tudo isso que o presidente pediu” (planejamento para 2022), explicou.

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 71

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Jornalista, sociólogo, engenheiro e integrante do movimento republicano, Euclides da Cunha consagrou-se como escritor ao publicar a obra-prima

Os Sertões, que continua conquistando leitores. Encarregado da cobertura jornalística da Guerra de Canudos, ele conheceu os costumes e tradições do sertão que relata no livro

P e d r o B a r r e t o - d e B r a s í l i a

A voz do sertão brasileiro

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O Brasil completa cem anos sem um dos mais importantes escri-tores de sua história: Euclides da Cunha, autor da obra-prima Os

Sertões. Entre homenagens e pesquisas, fica a certeza de que o legado literário so-bre uma das épocas mais dramáticas do Nordeste brasileiro ainda tem força para emocionar e conquistar leitores.

Nascido em Cantagalo, no Rio de Janei-ro, em janeiro de 1866, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha desempenhou diversas atividades, além da de escritor e historia-dor. Foi jornalista, sociólogo e até enge-nheiro. Frequentou conceituados colégios do estado e ingressou na Escola Politécnica e na Escola Militar da Praia Vermelha.

Lá, viveria um episódio marcante de sua trajetória, em 1888. Contagiados pelas ideias republicanas que ganhavam força no País, que estava a um passo de abolir a escravatura e pôr fim na Monarquia, os militares iriam receber a visita de Tomás Coelho, então ministro da Guerra de Pru-dente de Morais. Haviam combinado um ato de revolta, mas na hora da inspeção de tropas, todos se mantiveram em fila.

Euclides foi o único a sair de forma. Tirou o sabre, tentou quebrá-lo e o arremessou aos pés do ministro. O ato ficou conhecido como o “episódio do sabre” e foi o assunto de toda a semana no Parlamento brasileiro e nos meios de comunicação. A escola queria que Eucli-des se declarasse doente mental ou sofrendo de fadiga por estudo. Ele refutou a ideia e se disse pronto a assumir as consequências. Fi-cou preso por cerca de dois meses, e depois foi expulso da Escola.

A partir daí, passou a escrever para o jornal A Província de S. Paulo. Eram ar-tigos fortes, que defendiam ativamente a proclamação da República. O trabalho abriu espaço para que, em 1897, Euclides da Cunha fosse convidado para ser o cor-respondente do jornal O Estado de S. Paulo em uma das insurreições mais famosas de nossa História, a Guerra de Canudos.

Em 30 de agosto daquele ano, ele partiu para o sertão da Bahia, onde cresciam os protestos de sertanejos e jagunços contra as condições de vida na região. Eles eram liderados pelo beato Antônio Conselheiro, que reunia adeptos com discursos contra o descaso dos governantes e com doses de fanatismo religioso.

Antes convicto de que o movimento se resumia a camponeses atrasados, que queriam a permanência da Monarquia, Euclides viu que estava equivocado. Via-gens a pé, a cavalo, conversas informais, e, principalmente, a visão da realidade da-

quele interior do Brasil levaram o autor a enxergar que aquela luta era por melhores condições de vida.

Desta experiência veio o livro Os Ser-tões, internacionalmente famoso por sua linguagem e pelo retrato apurado do dra-ma vivido pelo Nordeste brasileiro naquela época. Ele é dividido em três partes: A Ter-ra, O Homem e A Luta, nas quais Euclides analisa os aspectos naturais da região, as-sim como os costumes, tradições e a vida dos habitantes.

“É uma monumental reportagem de guerra, mas que impressiona não exata-mente por sua teoria ou pela explicação dos fatos, mas sim pelo lirismo das me-táforas, pelo arcabouço literário”, explica

Anabelle Loivos, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das coorde-nadoras do projeto cultural Euclides da Cunha. O livro já teve mais de 50 edições no País e foi traduzido para cerca de 10 idiomas, além de ter sido objeto de estudo e pesquisa em várias instituições acadêmi-cas brasileiras.

Após voltar de Canudos, Euclides foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 21 de setembro de 1903. No ano se-guinte, foi nomeado chefe de uma comis-são que demarcaria os limites da fronteira entre Brasil e Peru. O trabalho resultou em uma obra póstuma, À Margem da Histó-ria, na qual ele denunciou a exploração e a miséria vividas pelos seringueiros da Amazônia. A tragédia de sua morte acon-teceu em 1909. As notícias dão conta de que Euclides invadiu, armado, a casa do suposto amante de sua esposa, onde foi assassinado.

Desde então, sua vida tem sido tema de exposições e debates em diversas universi-dades e instituições brasileiras. No último mês de setembro, o Projeto Cultural Eucli-des da Cunha, organizado pela UFRJ e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), preparou o Seminário Internacio-nal 100 anos sem Euclides. Acadêmicos, professores e estudantes participaram de debates interdisciplinares sobre as áreas de pesquisa do projeto.

“Levamos dois anos gestando o proje-to, com apoio da Unesco. Fizemos questão de levar o seminário para Cantagalo, mu-nicípio de Euclides, para que ele servisse como espécie de alavanca para o desenvol-vimento sociocultural da região. Tivemos a participação de professores do exterior, e o que mais impressionou foram crianças do ensino fundamental expondo trabalhos sobre a escrita de Euclides. É possível, sim, fomentarmos uma nova geração de leito-res de obras tão épicas como Os Sertões”, garante Anabelle Loivos.

“É uma monumental reportagem de guerra, mas que impressiona não exatamente por sua teoria ou pela

explicação dos fatos, mas sim

pelo lirismo das metáforas, pelo arcabouço literário”

Anabelle Loivos, da UFRJ

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questões do

DESENVOLVIMENTO

Até 1990, o grau de desenvolvimento dos países era definido com base apenas em parâmetros econômicos, como o crescimento e o tamanho

do Produto Interno Bruto (PIB). Mas es-ses indicadores eram insuficientes, porque excluíam qualquer avaliação sobre a qua-lidade de vida da população. Em 1990, o economista paquistanês Mahbub Ul Haq criou o Índice de Desenvolvimento Huma-no (IDH), um padrão de medida compara-tiva que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. O modelo foi incorporado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-to (PNUD), que, a partir de 1993, passou a incluí-lo no seu relatório anual. O trabalho rendeu a Mahbub Ul Haq e a seu colabora-dor, o economista indiano Amartya Sen, o Prêmio Nobel de Economia de 1998.

O conceito de desenvolvimento humano é a base do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) e do Índice de Desenvol-vimento Humano, divulgados anualmen-te pelo PNUD. Para a ONU, não se deve considerar apenas a dimensão econômica na avaliação do desenvolvimento de uma população, mas também outras caracte-rísticas sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Segundo o PNUD, o objetivo da elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano é oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto per capita. Embora seja um avanço, o IDH não abrange todos os aspectos do desenvol-

Medindo o bem-estar das populações

vimento. É uma medida geral e sintética do desenvolvimento humano.

Além de computar o PIB per capita, de-pois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevi-dade e a educação. Para aferir a longevida-de, o indicador utiliza números de expec-tativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. Os três fatores têm a mesma im-portância no índice, que varia de zero a um (quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento humano do país). O índice traz três classificações: de 0 a 0,499 - IDH baixo, registrado normalmente nos pa-íses subdesenvolvidos; de 0,5 a 0,799 - IDH médio, comum aos países em desenvolvi-mento; e de 0,8 a 1 - países de IDH elevado, característica dos países ricos.

Atualmente, o IDH é referência mun-dial: é um dos principais parâmetros para a avaliação dos Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio das Nações Unidas. No Brasil, tem sido utilizado para medir a qualidade de vida nos municípios (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). A partir dessa avaliação, o governo define políticas públicas específicas para melho-rar o desenvolvimento humano nas locali-dades com pior IDH.

Entre 2006 e 2007, o IDH do Brasil melhorou: subiu de 0,808 para 0,813, nú-mero que coloca o País entre os de alto IDH. Mesmo assim, o Brasil continua no

75º lugar no ranking dos 182 países e ter-ritórios avaliados para o relatório de 2009. Segundo o PNUD, o Brasil avançou nos itens longevidade (de 0,783 para 0,787), educação (de 0,888 para 0,891) e renda (de 0,750 para 0,761). A esperança de vida ao nascer subiu de 72 para 72,2 anos no perí-odo. Ainda assim, este é o item em que o País se sai pior em comparação ao resto do mundo: é o 89º no ranking global. Na área de educação, o Brasil aumentou a taxa de alfabetização, de 89,6% para 90%, e man-teve estabilizada a taxa bruta de matrícula em 87,2% (41º no ranking).

“Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si, embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio, demonstrei bastante ceticismo ... Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub conseguiu que os leitores se interessassem pela grande categoria de tabelas sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte do Relatório de Desenvolvimento Humano”

Amartya Sen, Prêmio Nobel da

Economia em 1998, no prefácio do RDH de 1999

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RETRATOS

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Apoiadas pelo Iphan, comunidades fazem inventário de seus conhecimentos sobre as propriedades curativas das plantas

S u e l e n M e n e z e s – d e B r a s í l i a

Plantas medicinais

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 79

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A flora brasileira possui a maior bio-diversidade do planeta, com mais de 55 mil espécies de plantas e 10 mil de briófitas, fungos e algas, um

total equivalente a quase 25% de todas as espécies de plantas existentes no mundo. Isso transforma a flora do País em objeto de cobiça da indústria farmacêutica, inte-ressada nas propriedades medicinais das plantas. Os primeiros habitantes das ter-ras brasileiras – os índios – já conheciam

o poder terapêutico de muitas plantas. Os povos que colonizaram o Brasil também trouxeram contribuições que, passadas de geração em geração, resultaram no acúmu-lo de um vasto acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais.

Vista inicialmente com ceticismo e as-sociada à crendice, a medicina tradicional despertou a atenção da comunidade cien-tífica depois de comprovadas as qualidades das plantas no tratamento de inúmeras do-

enças. No Rio de Janeiro, 108 grupos de vá-rios municípios produzem remédios com ervas medicinais de maneira voluntária. Desde 2000, formam a Rede Fitovida com o objetivo de trocar conhecimentos e bus-car soluções conjuntas. É um movimento sem filiação partidária ou religiosa, cujas características principais são o trabalho voluntário e a venda de preparações me-dicamentosas a preço baixo. O trabalho é feito por mulheres com mais de 50 anos de idade, de camadas populares, que se reú-nem em cozinhas comunitárias.

Essas mulheres já atuavam no ambiente familiar, orientando vizinhos e vendendo os medicamentos – xaropes, unguentos, sabonetes, xampus, tinturas – feitos com ervas medicinais. À medida que passaram a se organizar em grupos e em rede, come-

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80 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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çaram a atuar também no espaço público, com atendimentos voluntários em saúde preventiva. A transição, que contou com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), modificou o modo de trabalho e transmissão do conhe-cimento e valorizou a figura das mulheres mais velhas como detentoras de saber.

“A Rede Fitovida é uma rede de solida-riedade que vai além dos conhecimentos fitoterápicos”, relata Letícia Viana, antro-póloga do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, que acompanhou de perto o trabalho. O grupo pediu a ajuda do Iphan para enfrentar alguns proble-mas. Primeiro: a fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo: propriedade intelectual. O temor era que alguém registrasse a patente das ervas utilizadas no preparo dos remédios, aproveitando-se do conhecimento tradi-cional, de domínio público. Ao registrar esses saberes, o Iphan reconhece o valor cultural e legitima que esses saberes são coletivos, o que de alguma maneira facilita a convivência com a fiscalização e também dificulta o registro de propriedade sobre os conhecimentos tradicionais.

O trabalho do Iphan com a Rede Fito-vida teve o objetivo de orientar os grupos para a realização de um inventário. “Eles identificaram os saberes e aplicações tera-

“A comunidade é que deve dizer o que é

importante para ela, o que é referencial, o que

diz respeito à sua maneira de ser, de estar no mundo. O inventário nos ajuda a

pensar os investimentos da administração pública e as políticas de preservação de

um modo fidedigno para alcançar os anseios

e necessidades da população envolvida”

Ana Gita, do Iphan

pêuticas dos produtos, uniram o que era comum entre eles. O mais importante foi a participação dos integrantes na dinâmica de elaborar os produtos: chás, xaropes, gar-rafadas, pomadas, sabão medicinal. Foram detalhados os modos de fazer. A capacida-de de interação e articulação para produzir o material para o inventário foi ótima. Rea-lizamos reuniões com os membros da rede para prepará-los para a pesquisa”, explica Letícia Viana.

A antropóloga explica que é impor-tante o apoio do Iphan na busca de ca-minhos para a preservação dos saberes tradicionais. “O inventário é um passo importante para preservar e transmitir os conhecimentos tradicionais. Nin-guém pode se considerar dono de um saber que é bem comum”, afirma. Para o Iphan, o patrimônio imaterial abrange as mais variadas manifestações popula-res que contribuem para a formação da identidade cultural de um povo.

Inventário - A metodologia utilizada para o inventário dos saberes tradicionais fi-toterápicos foi a do Inventário Nacional

de Referências Culturais (INRC), um instrumento técnico criado para registrar conhecimentos culturais. A coordenadora geral de Identificação e Registro do De-partamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, Ana Gita Oliveira, explica que o inventário só é possível se a comunidade concordar em trabalhar em conjunto com o Iphan, porque a metodologia consiste em sistematizar as informações que a co-munidade fornece.

“A comunidade é que deve dizer o que é importante para ela, o que é referencial, o que diz respeito à sua maneira de ser, de estar no mundo. O inventário nos ajuda a pensar os investimentos da administra-ção pública e as políticas de preservação de um modo fidedigno para alcançar os anseios e necessidades da população en-volvida”, explica Ana Gita.

Política - Em 2006, o governo federal aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos por meio do Decreto nº 5.813, com o objetivo de ga-rantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas me-dicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o de-senvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.

Essa política prevê o fomento à pes-quisa, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, com base na biodiversidade brasileira e de acordo com as necessi-dades epidemiológicas da população. A iniciativa, de acordo com o governo, é imprescindível para a melhoria do aces-so da população a plantas medicinais e fitoterápicos, para a inclusão social e re-gional, para o desenvolvimento industrial e tecnológico. Além de contribuir com a segurança alimentar e nutricional, a ideia é promover o uso sustentável da biodiver-sidade brasileira e a valorização e preser-vação do conhecimento das comunidades e povos tradicionais.

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Pela primeira vez na história, o Comitê Olímpico Internacional (COI) escolheu uma cidade da América do Sul, o Rio de Janeiro,

para sediar o maior evento esportivo do mundo. Madri, Chicago e Tóquio eram as outras candidatas a sediar a 31ª edição dos Jogos Olímpicos, em 2016. Competi-ção entre os melhores atletas do mundo, confraternização entre os povos e, acima de tudo, a grande festa do esporte. Os Jo-gos Olímpicos são um dos mais impor-tantes eventos do planeta, mobilizando populações de centenas de países e emo-cionando a todos com vitórias, recordes e histórias de superação, relata o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). De quatro em quatro anos, uma cidade do mundo tem o privilégio de sediar os Jogos. Nela, compe-tidores e torcedores se misturam e, duran-te pouco mais de duas semanas, ajudam a preservar e fortalecer o espírito olímpico. Além de maiores, as Olimpíadas também são um dos mais antigos eventos espor-tivos da história da humanidade. Os pri-

meiros registros oficiais da existência dos Jogos Olímpicos datam de 776 a.C. Eles eram uma homenagem a Zeus - maior divindade segundo a mitologia grega - e tinham o poder de interromper guerras, batalhas e combates. A vitória nos Jogos Olímpicos consagrava o atleta e propor-cionava glória também à sua cidade de origem. A celebração dos Jogos Olímpicos durou até o ano de 394 d.C., quando, por questões religiosas, foi banida pelo impera-dor romano Teodósio I. O imperador teria prometido ao bispo de Milão converter-se ao catolicismo. Em troca acabaria com to-das as festas pagãs.

Segundo o COB, o renascimento das Olimpíadas só aconteceu cerca de 1500 anos depois, graças aos esforços de um pedagogo e esportista francês, o barão Pierre de Coubertin, que viu no esporte e nos ideais olímpicos gregos uma fonte de inspiração para o aperfeiçoamento do ser humano. Os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, sem o caráter religioso, ocorreram em Atenas, no ano de 1896.

Nessa primeira edição das Olimpíadas da era moderna, participaram 285 atletas de 13 países, que disputaram as modalidades de atletismo, esgrima, luta livre, ginástica, halterofilismo, ciclismo, natação e tênis.

Em 1924, foram criados também os Jogos Olímpicos de Inverno, realizados a cada quatro anos, no mesmo ano dos Jo-gos Olímpicos tradicionais. De 1994 para cá, passaram a acontecer de forma alter-nada. Outra importante inovação foi o surgimento dos Jogos Paraolímpicos, em que competem atletas com deficiências. A inspiração veio de 1948, quando Sir Lu-dwig Guttmann organizou, em Londres, uma competição envolvendo veteranos da II Guerra Mundial. Doze anos depois, a cidade de Roma recebia 400 atletas nos primeiros Jogos Paraolímpicos da história. Desde então, outras 12 edições do evento foram realizadas – a mais recente em Pe-quim 2008. Atualmente, há também os Jogos Paraolímpicos de Inverno, registra o COB. A próxima competição, em 2012, será em Londres.

OlimpíadasHistória

Competição perdeu caráter religioso que a originou, na Grécia, 776 antes do nascimento de Cristo

Esporte e oportunidades

82 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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Os ArosInterligados sobre um fundo

branco, nas cores azul, amarela, preta, verde e vermelha, os aros olímpicos foram ideali-zados em 1914 pelo Barão Pierre de Coubertin. Eles re-presentam a união dos cinco continentes e pelo menos uma de suas cinco cores está presente na bandeira de cada um dos Comitês Olímpicos Nacionais vinculados ao COI. É a principal representação gráfica dos Jogos Olím-picos e a marca do próprio Comitê Olímpico Interna-cional. O símbolo do Comitê Olímpico Brasileiro une os aros olímpicos a uma representação da bandeira do Bra-sil. Os aros interligados simbolizam também o encontro dos atletas de todo o mundo durante os Jogos Olímpicos.

O LemaCitius, Altius, Fortius significa, em la-

tim, “o mais rápido, o mais alto, o mais for-te”. Essa citação, criada pelo Padre Didon, amigo do Barão Pierre de Coubertin, serve

como lema do ideal olímpico e resume a postura que um atleta precisa ter para alcançar seus objetivos. Sua essência está na superação dos limites.

A tochaÉ o elo entre os Jogos da Antiguidade e os

Jogos da Era Moderna. A chama é acesa em Olímpia, na Grécia, onde se inicia o revezamen-to da Tocha, que passa por várias cidades no mundo até chegar à cidade-sede. O fogo sagra-do, tido como elemento purificador, anuncia o

começo dos Jogos e convoca o mundo a celebrá-los em paz.

O juramentoO atual juramento, apresentado duran-

te a cerimônia de abertura, é o seguinte: “Em nome de todos os competidores, prometo participar destes Jogos Olím-picos, respeitando e cumprindo com as

normas que o regem, me comprometendo com um esporte sem doping e sem drogas, no verdadeiro espírito espor-tivo, pela glória do esporte em honra às nossas equipes”.

O HinoCriado na Grécia em 1896, pelo composi-

tor Spirou Samara, com letra do músico Co-sitis Palamas, o Hino Olímpico foi adotado

pelo COI em 1958. É executado em todas as cerimônias olímpicas oficiais, enquanto a bandeira olímpica é hasteada.

2008 Pequim - A proporção dos Jogos Olímpi-cos de Pequim impressionou desde o seu primeiro segundo, na cerimônia de abertura. E a grandeza do país mais populoso do mundo foi agraciada com a quebra de muitos recordes: 132 olímpicos e 43 mundiais, além da marca de 87 países com medalhas conquistadas. Na competição, desta-

que para o nadador norte-americano Michael Phelps, que ganhou o maior número de medalhas de ouro em uma só edição dos Jogos: oito. Como já contava com outras seis, que havia conquistado em Atenas 2004, ele alcançou a incrível marca de 14 ouros e se tornou o maior atleta olímpico da história. Até então, os recordistas eram os norte-americanos Mark Spitz (natação) e Carl Lewis (atletismo), o finlan-dês Paavo Nurmi (atletismo) e a ginasta da ex-URSS Larisa Latynina, todos com nove ouros no total. Em Pequim, o jamaicano Usain Bolt também se viu diante dos holofotes do mundo inteiro. O velocista levou o ouro em duas das mais nobres provas do atletismo: os 100m e os 200m, com direito a quebra de recorde mundial em ambas.

2004 Atenas - Os primeiros Jogos Olímpicos do novo milênio voltaram a Atenas, seu berço de origem, comemorando a participação recorde de 201 nações. O destaque individual foi o nadador norte-americano Michael Phelps, que ganhou seis medalhas de ouro e duas de bronze, igualando o recorde do ginasta Aleksandr Dityatin. A alemã Birgit Fischer venceu duas provas na canoagem e

passou a ser a primeira em todos os esportes a ganhar duas meda-lhas por edição em cinco Jogos Olímpicos (oito de ouro e quatro de prata). Leontien Zijlaard-van Moorsel, da Holanda, tornou-se a primeira ciclista a conquistar quatro ouros na carreira, em um total de seis medalhas (mais uma prata e um bronze).

2000 Sydney - O desfile em conjunto das delega-ções das Coreias do Sul e do Norte tornou-se uma das cenas mais marcantes da Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Sydney. Destaque também para os quatro participantes do Timor Leste, que desfilaram sob a bandeira Olímpica e competiram como “atletas olímpicos individuais”. Dois grandes

nomes da natação também marcaram os Jogos: o australiano Ian Thorpe, que conseguiu três ouros com apenas 17 anos, e a holandesa Inge de Bruijn, que obteve o mesmo número de conquistas. A alemã Birgit Fischer ganhou duas medalhas de ouro na canoagem, somando um total de 10 na carreira (sete de ouro, três de prata).

Cidades que sediaram as competições mais recentes:

Fonte: COB

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 83

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CIRCUITOciência&inovação

Divu

lgaç

ão

Software

Biotecnologia

BNDES lança fundo de investimento

O BNDES aprovou a criação de um fundo de investimentos em empresas emergentes (ven-ture capital) voltado para ativos dos setores de biotecnologia e nanotecnologia. O novo fundo será no âmbito do Programa de Fundos de Investimento do BNDES, lançado em julho de 2008. A participação do Ban-co, via BNDESPAR, será de, no máximo, 25% do patrimônio comprometido do fundo.

As propostas dos gestores in-teressados nesse fundo deverão ser elaboradas segundo o roteiro de informações para seleção e en-quadramento divulgado no site do BNDES (www.bndes.gov.br).

Expedição

Brasileiros pesquisam costa africana

Pesquisadores brasileiros a bordo do navio oceanográfico Cruzeiro do Sul estão na costa do continente africano. A ideia é coletar materiais para pesqui-sas meteorológicas. A equipe, composta por 16 cientistas de dez universidades e institutos de pesquisa, deverá retornar ao Brasil em dezembro. Outra ex-pedição, a bordo do Navio Po-lar Almirante Maximiano, fará a primeira viagem Austral. É a 23ª Operação Antártica.

Informática

Câmara discute política para hardware

Orçamento de R$ 5 bilhões para o Prosoft

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática  da Câmara dos Deputados realizou, no dia 6 de outubro, o seminário Com-petitividade da Indústria Bra-sileira de Tecnologia da Infor-mação: a necessidade de uma nova Política Industrial para o segmento de hardware. Duran-te o debate, o secretário de Po-lítica de Informática do MCT, Augusto Cesar Gadelha, infor-mou que o governo está deci-dido a prorrogar o prazo de

vigência dos incentivos para o setor de informática, previstos na Lei do Bem. Segundo ele, há consenso sobre o impacto positivo da isenção de PIS/Cofins para computadores, assim como a necessidade de manutenção da medida.

Presente ao evento, o pre-sidente da Associação Brasi-leira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Hum-berto Barbato, disse que tan-to a Lei de Informática quan-to a Lei do Bem contribuíram

para a elevação da produção de computadores e para a re-dução do chamado mercado cinza. Segundo ele, é preciso aperfeiçoar a Lei de Informá-tica para atrair indústrias de semicondutores e revitalizar a indústria local, porque o crescimento da indústria de informática e de telefonia celular ampliou o déficit co-mercial do setor para quase US$ 15 bilhões em 2008, provocado pela importação de componentes eletrônicos.

O orçamento do BNDES Prosoft (Programa para o De-senvolvimento da Indústria Nacional de Software e Servi-ços de Tecnologia e Informa-ção) aumentou de R$ 1 bilhão para R$ 5 bilhões. A decisão foi tomada pela diretoria da instituição em função do cres-cimento da demanda por re-cursos do programa, especial-mente depois do lançamento da Política de Desenvolvimen-to Produtivo (PDP), em maio do ano passado.

Até julho de 2009, a car-teira acumulada de projetos somou R$ 2,8 bilhões, equiva-lentes a quase 300 operações, concentradas nos últimos três anos, embora o programa te-nha sido criado em 1999. Em

2006, as contratações acumu-ladas somavam cerca de R$ 425 milhões.

Atualmente, a carteira de projetos no fluxo da análise do BNDES Prosoft já soma R$ 1,4 bilhão (entre operações con-tratadas, aprovadas, em análi-se e em perspectiva). O valor supera a iniciativa incluída na PDP para o desembolso do programa, de R$ 1 bilhão até 2010, do qual o setor é um dos destaques por ser considerado estratégico para a competitivi-dade das empresas brasileiras.

O BNDES Prosoft foi criado com o objetivo de es-timular a indústria nacional do setor, de modo a ampliar sua participação no mercado interno, aumentar as exporta-

ções, fortalecer seu processo de pesquisa e desenvolvimen-to e inovação. O programa também contribui para pro-mover o crescimento e a inter-nacionalização das empresas nacionais da área, bem como a consolidação setorial. Para isso, dá apoio financeiro para investimentos e planos de ne-gócios de empresas de softwa-re e serviços de tecnologia da informação com sede no Bra-sil e suporte à comercialização de seus produtos no mercado interno e nas exportações.

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Acordo

Brasil busca repatriação de dados genéticos

UrânioEm busca da autossuficiência

Gestão

Sistema feito para municípios

A mina de Caetité, no in-terior da Bahia, quebrou o re-corde de extração de urânio em setembro. Foram 51 toneladas produzidas, cinco a mais que a antiga marca atingida em maio último. A expectativa é a de que até dezembro a produção anual supere as 400 toneladas extraí-das no ano passado. “Estamos investindo muito na exploração do urânio e também em tecno-

logias para que o Brasil se torne autossuficiente em produção e enriquecimento até 2014”, afir-ma o presidente do Conselho Nacional de Energia Nuclear, Odair Gonçalves.

Hoje, duas etapas do ciclo do combustível nuclear ainda não são feitas em território nacio-nal. O minério extraído é envia-do ao Canadá, onde é converti-do para o estado gasoso, depois

segue para a Europa para ser enriquecido e retornar ao Bra-sil. Apesar de ser desenvolvido por mão de obra estrangeira, o Brasil detém a tecnologia para o ciclo do combustível nuclear, mas faltam equipamentos para atender a demanda industrial. “É um processo que sabemos e podemos executar, mas ain-da não é rentável ao País”, ex-plica Gonçalves.

Os municípios brasileiros terão à sua disposição um software público capaz de ge-renciar em um único sistema as principais áreas da pre-feitura. Trata-se do e-cidade desenvolvido para integrar áreas diversas do município como educação, controle de medicamentos, orçamento, finanças públicas, recursos humanos e tributação. A so-lução também permite gerir

serviços que prestam aten-dimento ao cidadão ao gerar guias para pagamento ban-cário sem a necessidade de deslocamento. As prefeituras poderão acessar a ferramenta e-cidade no site www.softwa-republico.gov.br.

A liberação do e-cidade é fruto de uma parceria entre a empresa Dbselller e a Secre-taria de Logística e Tecnolo-gia da Informação (SLTI) do

Ministério do Planejamento. Entre as suas funcionalidades estão a autorização, emissão e liquidação de empenhos to-talmente integradas ao pro-cesso de aquisição e emissão de notas fiscais. O e-cidade também integra os módulos de compras com os almoxa-rifados, registra a prestação de contas e gerencia proce-dimentos como pagamentos de diárias e de restos a pagar.

Energia

Um programa para a energia eólica

Drea

mstim

e

A Secretaria de Desenvol-vimento Tecnológico e Inova-ção do Ministério da Ciência e Tecnologia vai criar um grupo de trabalho para elaborar um programa energético voltado para a produção de energia eó-lica, infraestrutura e a forma-ção de recursos humanos para o setor. A decisão foi tomada em reunião com as entidades do segmento energético. A

ideia é criar um programa de pesquisa, desenvolvimento e inovação em energia eólica. O coordenador do Curso de Pós-Graduação em Energia Eólica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pedro Flores, fez uma apresenta-ção das tecnologias utilizadas hoje  na produção de energia eólica no mundo e as perspec-tivas para o Brasil.

Sustentabilidade

Na onda dos computadores recicláveis

A SLTI do Ministério do Pla-nejamento vai recomendar que os órgãos públicos comprem computadores menos poluen-tes ao meio ambiente. Esses são equipamentos livres de chumbo e que utilizam quantidades redu-zidas de ferro, alumínio, cobre, zinco, estanho, níquel, chumbo, cobalto, prata e ouro. Os cha-mados “computadores verdes” também são mais econômicos no consumo de energia e seus componentes são totalmente re-cicláveis. A especificação para a aquisição desses computadores está em fase de homologação pelo Serviço Federal de Proces-samento de Dados (Serpro).

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) e o Museu Nacional de História Na-tural (MNHN) da França firma-ram convênio para a repatriação de dados genéticos de espécies autóctones da flora brasileira. O convênio permitirá a participa-ção de estudantes brasileiros de nível doutorado e pós-doutorado no programa “herbário virtual”, mediante o qual o MNHN pre-tende digitalizar cerca de 8 mi-lhões de amostras vegetais cons-tantes de seu acervo.

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 85

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latino-americano

Financiamento

Dinheiro do BID para a República Dominicana, Bolívia e Brasil

Inovação

Condição para aumentar competitividade

Argentina

Líder nas reclamações contra o Brasil

Dos 15 pedidos de investigação sobre possí-veis irregularidades nas exportações brasileiras, no segundo semestre des-te ano, dez foram feitos pela Argentina, segundo o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. Para ele, essa constatação é uma prova de como po-dem ser complicadas as relações comerciais exter-nas, inclusive no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), no qual Brasil e Argentina são os principais parceiros. Ape-sar das facilidades no flu-xo de comércio entre os dois países, a Argentina é o parceiro comercial que mais questiona os produ-tos brasileiros.

Barral diz que rela-ções comerciais sempre são “delicadas” e, por isso, é sempre necessária a atuação permanente da Organização Mundial do Comércio (OMC) para resolver questões de lití-gio entre os países. Quase sempre as denúncias são sobre dumping, prática comercial desleal e injus-ta, que consiste na venda de produtos para outros países por preços abaixo do valor negociado no país de origem.

Clima

América Latina precisa se preparar

A América Latina precisa de capacidades fortalecidas para lidar com novos acordos so-bre mudanças climáticas, especialmente os meca-nismos financeiros para a redução dos impactos causados pelo aqueci-mento global (adaptação) e pelas emissões de gases de efeito estufa (miti-gação), permitindo ao mesmo tempo a transfe-rência de tecnologia. Esta foi uma das conclusões do encontro Financia-mento de Medidas con-tra Mudanças Climáticas e Planejamento de De-senvolvimento Nacional a Longo Prazo na Região Ibero-Americana, orga-nizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pelo Banco Interame-ricano de Desenvolvi-mento (Bid). O encontro, realizado nos dias 19 e 20 de outubro no Rio, reuniu autoridades e es-pecialistas para estudar opções para integrar o financiamento ligado às mudanças climáticas no planejamento de políti-cas de desenvolvimento de longo prazo.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) concedeu à República Dominicana um em-préstimo de emergência, no valor de US$ 500 milhões, para finan-ciar gastos públicos em programas sociais de enorme importância, devido à desaceleração econômi-ca provocada pela crise financeira mundial. Os recursos financiarão também o plano nacional para tornar mais eficientes os subsídios energéticos e aperfeiçoar a gestão financeira das companhias elétri-

cas, o que ajudará a reduzir o déficit fiscal. Em outra operação, o BID e o governo da Espanha liberaram US$ 139 milhões em doações e em-préstimos ao Haiti e à Bolívia, no primeiro estágio de uma parceria sem precedentes para enfrentar os problemas de água e saneamento básico que afligem as comunidades mais pobres da América Latina. A instituição planeja também liberar US$ 895 milhões em empréstimos para a construção do “Rodoanel Oeste”, em São Paulo.

A inovação é condição necessária para gerar novos espaços de competitividade, disse Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Eco-nômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), durante o 3º Fórum de Competitividade das Américas, realizado em Washington, em outubro. As economias que deram um sal-to em seu desenvolvimento, segundo ela, diversificaram suas estruturas produtivas e suas exportações por meio da inovação.

Ela reconheceu que a América Latina ainda está em desvantagem em termos de inovação em relação a outras regiões. O fórum, organizado pelo governo do Chile com co-laboração do Organização dos Estados Americanos (OEA), foi aberto pelos presidentes do Chile e da Guatemala, Michelle

Bachelet e Álvaro Colom, res-pectivamente.

Nova arquitetura - Ainda de acordo com Bárcena, a crise internacional mostra a “urgên-cia de reformas profundas na arquitetura financeira interna-cional e nos sistemas regulató-rios e de supervisão”, de forma a assegurar uma maior estabi-lidade mundial.

Para ela, os efeitos da crise não serão só conjunturais. Eles alterarão a dinâmica do cresci-mento e de articulação das rela-ções econômicas, financeiras e comerciais. Essa nova dinâmica será caracterizada por taxas mais baixas de crescimento, principalmente nas economias desenvolvidas, e maior impor-tâncias das economias emer-gentes. Mesmo assim, segundo ela, haverá desaceleração nos fluxos mundiais de comércio.

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Parlasul

Temas para integração

Parlasul 2

Representação parlamentar

A 20ª Sessão Plenária do Parlamento do Mercosul (Parlasul), realizada em agos-to, em Montevidéu, aprovou recomendações para que seus integrantes promovam a integração das fronteiras, da infraestrutura, da legislação trabalhista e das medidas de combate à pornografia infan-til. O Parlasul decidiu também apoiar a criação de um Con-selho Sul-Americano de Defe-sa. De acordo com a Agência Câmara, foram aprovadas as seguintes recomendações:

14/2009 - Controle fron-teiriço Integrado: a proposta procura resolver as deficiên-cias atuais, tanto em termos da infraestrutura existente como da legislação vigente, demonstrando assim a preo-cupação do Parlamento com a segurança nas estradas dos Estados-Partes.

15/2009 - Corredor Bi-oceânico Mercosul-Chile. A proposta aprovada visa dar início aos trâmites e nego-ciações com o governo da Argentina a fim de realizar os estudos necessários para a du-plicação das redes rodoviárias que cruzam este país.

16/2009 – Elevar a Declara-ção Trabalhista do Mercosul à categoria de Protocolo. A Declaração do Mercosul foi assinada pelos Estados-Partes na cidade do Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 1998.

17/2009 - Acordo entre os governos dos estados-membros e os provedores de internet para erradicar a pornografia infantil. A reco-mendação foi aprovada por unanimidade pelo plenário.

08/2009 - Golpe em Hon-

duras. A proposta aprovada considera que o presidente de Honduras, Manuel Ze-laya, foi eleito democratica-mente, em ato absolutamente legítimo, quando seu gover-no foi reconhecido por todos os países do mundo.

09/2009 - Conselho Sul-Americano de Defesa. A proposta manifesta a vonta-de de criação de um Conse-lho Sulamericano de Defesa no âmbito da União de Na-ções Sul-Americanas (Una-sul), o qual deverá se ajustar aos princípios e propósitos consagrados na Carta das Nações Unidas e na Carta de Organização dos Estados Americanos.

15/2009 - Composição do Conselho de Representantes Permanentes do Observatório da Democracia do Parlasul

(ODPM). As bancadas dos países do Mercosul no parla-mento indicaram seus repre-sentantes no Observatório da Democracia, criado em agosto de 2008, a partir de proposta do senador Aloizio Mercadante e da deputada argentina Beatriz Rojkes. Foram designados pelo Brasil a senadora Marisa Serra-no (PSDB-MS) e os deputados José Paulo Tóffano (PV-SP) e Dr. Rosinha (PT-PR).

17/2009 - Participação do Parlasul na Conferência Internacional sobre Altera-ções Climáticas. O Parla-mento do Mercosul decidiu participar da 15ª Conferên-cia Internacional sobre Alte-rações Climáticas, a realizar-se de 7 a 18 de dezembro de 2009, com uma delegação externa, composta por in-tegrantes da Comissão do Meio Ambiente.

O número das bancadas de cada país-membro no Parla-mento do Mercosul (Parlasul) deverá ser definida em dezem-bro. Se as negociações forem concluídas pela Mesa Diretora no dia 18 de novembro, os re-sultados serão levados ao Ple-nário do órgão legislativo regio-nal na sessão que será realizada nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, e encaminhados como contribuição às chancela-rias dos quatro países do bloco. Nos dias 20 e 21 de dezembro, o

Conselho do Mercado Comum deverá decidir sobre a questão. As informações são do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), segundo a Agência Senado.

O senador esclareceu que o órgão legislativo regional está em fase de implantação. Hoje, o Parlasul pode aprovar nor-mas destinadas a uniformizar leis, tem acesso às informações do Mercosul, faz recomenda-ções e pode convidar minis-tros para audiências públicas. Com a definição de como será

composto, cada país poderá eleger diretamente seus repre-sentantes, e o Parlamento pas-sará então a votar leis comuns e poderá convocar ministros. O número de parlamentares por país ficou definido em um acordo firmado em Assunção: 18 do Paraguai, 18 do Uruguai, 75 do Brasil e 43 da Argenti-na. Entretanto, numa primeira etapa, Brasil e Argentina terão a metade dessa representação e os outros dois países terão os mesmos 18 parlamentares.

José

Cru

z/ABr

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 87

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livros e publicações

ESTANTE

Afinal, o Brasil do século XXI conta com uma política de proteção so-cial? Qual o seu escopo e sua abran-gência? Que desafios se apresentam

para o seu aperfeiçoamento?Essas perguntas podem, em grande

medida, ser respondidas a partir da leitura desta 17ª. edição do Boletim Políticas So-ciais: acompanhamento e análise, que a Di-soc/Ipea apresenta ao público neste mês de novembro. Trata-se de um número es-pecial, inteiramente dedicado à análise do percurso da política social brasileira nos 20 anos que se seguiram à promulgação da Constituição de 1988. Partindo desse foco, a publicação não se limita a um balanço descritivo das políticas adotadas (ou não), com base no novo marco constitucional; mas apresenta também, em seus quatro volumes, reflexões consistentes sobre os dilemas envolvidos nas “escolhas trágicas” (cf. Santos, 1987), realizadas pelos atores governamentais e societais, que conferi-ram institucionalidade e substância aos preceitos inscritos na nova Carta.

Dessa leitura, emerge com nitidez o signi-ficado da Constituição de 1988 para a garan-tia dos direitos sociais no Brasil, bem como as várias ressignificações destes direitos, ope-radas pelo próprio Estado e pelos cidadãos, ao longo destes 20 anos. Também é possível,

por meio dela, conhecer – ou rememorar – os processos de disputa e barganha que redun-daram no texto final do capítulo da Ordem Social, assim como o do que trata da questão agrária. Mas, sobretudo, os textos indicam, com clareza, os óbices interpostos à conso-lidação do projeto de proteção universalista que a nova Carta ensejou.

Pois, em que pese aos diferentes signifi-cados da Constituição para os diversos ato-res, a análise do desdobramento das políti-cas sociais no Brasil revela que a afirmação desse projeto padece de um sério problema de legitimidade pelo conjunto da sociedade brasileira, o que coloca imensos entraves à sua efetivação; entraves estes que se materia-lizam no crônico problema do sub-financia-mento, na árdua disputa de espaço entre os setores público e privado para o provimento de serviços, e, por fim, na própria ausência do reconhecimento normativo de certas questões enquanto direitos sociais – o direi-to à alimentação, por exemplo.

Desta forma, a publicação se coloca como um ponderado documentário dos avanços e limites – a serem superados – da política social pós-88; leitura obrigatória para estudiosos do campo, assim como para gestores, políticos e lideranças sociais inte-ressados em encontrar caminhos para a su-peração de nosso já vetusto drama social.

Políticas Sociais: acompanhamento e análise – No. 17.Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc)/IpeaNovembro/2009.

Políticas Sociais: acompanhamento e análise - No. 17

Volume 1

POLÍTICAS SOCIAIS: acompanhamento e análise

Vinte Anos da Constituição Federal

17

Volume 2

POLÍTICAS SOCIAIS: acompanhamento e análise

Vinte Anos da Constituição Federal

17

Volume 3

POLÍTICAS SOCIAIS: acompanhamento e análise

Vinte Anos da Constituição Federal

17

M a r i a P a u l a G o m e s d o s S a n t o s , t é c n i c a d e P l a n e j a m e n t o e P e s q u i s a d o I p e a

88 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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O livro de Fabrício Augusto de Oliveira, “Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leitura”, recentemente publicado pela Editora Hucitec, de São Pau-lo, representa uma importante contribuição para ajudar a melhor entender a essência do Estado, da política fiscal e da tributação no capitalismo. Como o autor aponta na Intro-dução, seu objetivo não é o de apresentar e defender “fórmulas mágicas capazes de ga-rantir a ‘eficiência’ do setor público, mas o de desvelar a essência do Estado, e ainda como as forças políticas, econômicas e sociais inter-ferem e influenciam sua dinâmica, estruturas e instrumentos”. Por isso, considera que o seu trabalho se distancia dos manuais convencio-nais de finanças públicas, pois, além de rea-lizar uma crítica aprofundada das teorias e conceitos neles tratados, procura demonstrar ser o Estado, ao contrário do que defende o pensamento dominante, essencial para a re-produção e o triunfo do próprio capital, e, mesmo que este continue insistindo em ne-gar este fato, que ambos fazem parte de uma mesma constituição orgânica.

Além de uma Introdução, em que expli-cita claramente o objeto de sua investigação, e as fraquezas e limitações da teoria conven-cional para dar um tratamento adequado a essa questão, o livro distribui-se em mais seis capítulos, devidamente articulados de acordo com o desenvolvimento de sua tese. O pri-meiro faz uma visita ao Estado, analisando os papéis que lhe foram sendo atribuídos pelo pensamento econômico desde os primórdios

do capitalismo até os dias atuais, à luz das transformações qualitativas e quantitativas ocorridas em suas fases de desenvolvimen-to, as quais conduziram, de acordo com as necessidades do sistema, ora a uma maior aproximação ou afastamento deste com o Es-tado, o qual se transforma, nestes momentos, em alavanca ou retaguarda para garantir sua continuidade e reprodução, como na atual crise econômica mundial oficialmente defla-grada em agosto de 2007.

Nos demais capítulos – do orçamento, gastos, tributação, déficit e dívida pública – o autor analisa criticamente as posições de várias escolas do pensamento ortodoxo que trataram destes temas, incluindo a do para-digma teórico atual, procurando desvelar suas fraquezas e limitações para sua melhor compreensão, que aponta como decorrentes de uma visão estreita das relações Estado-capital. Na sua analise, a incompreensão da ortodoxia sobre o papel que de fato deve caber ao Estado como agente político neste processo, indispensável para manter o equi-líbrio social e macroeconômico do sistema, se encontra na raiz das “fantasias teóricas” construídas pela ortodoxia sobre a eficiên-cia do mercado e sobre os males provocados pelo Estado a este mundo panglossiano. Para fundamentar os argumentos que utiliza con-tra a ortodoxia, Fabrício de Oliveira se apóia predominantemente nas obras de Keynes e no pensamento marxista, que considera o que melhor enxerga as relações mantidas entre o Estado e o capital.

Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leitura

Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leituraAutor: Fabrício Augusto de OliveiraEditora: Hucitec, 2009, 325p.

O livro parece ter sido originalmente ela-borado para servir como um manual alter-nativo de finanças públicas, dada a estrutura e amplitude dos temas que cobre, podendo, por essa razão, ser perfeitamente utilizado para esse propósito. Mas o fato é que vai bem mais longe do que isso: representa, de fato, uma leitura não convencional das finanças públicas, mas que procura situar – e entender – como se dão, neste campo, as verdadeiras relações entre o Estado e o capital, que não conseguem ser percebidas pelo pensamento ortodoxo, apegado ainda à sedutora imagem smithiana de uma economia governada por leis naturais.

J o s é C e l s o C a r d o s o J u n i o r , d i r e t o r d o I p e a

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 89

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Embora ainda seja um dos países com maior desigualdade social, o Brasil vem reduzindo nos últimos anos a distân-cia entre pobres e ricos, de acordo com estudos do Ipea com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-

cílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Os dados da pesquisa de 2008 mostram evolução positiva também na cobertura previdenciária, na formalização do mercado de trabalho e no emprego.

A Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea analisou tam-bém a questão demográfica e constatou que a taxa de fecundidade no Brasil já está abaixo da necessária para a reposição populacional. Isso mostra que o País caminha para ter, em pouco tempo, uma população predominantemente idosa. Os estudos completos estão no sítio do Ipea (www.ipea.gov.br)

PNAD 2008

Desigualdade em queda

GRÁFICO 1TAXA DE FECUNDIDADE TOTAL BRASIL, 1992 A 2008

1,8

2,8

-

1,0

2,0

3,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: IBGE/PNADs TFT TFT Reposição 2 por Média Móvel (TFT)

GRÁFICO 2TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA 1940 A 2040

-0,5

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

1940/1950 1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2000 2000/2010 2010/2020 2020/2030 2030/2035 2035/2040

Fonte: IBGE/Censos Demográficos. Elaboração das autoras.

GRÁFICO 4DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA DA POPULAÇÃOBRASIL, 1992 E 2008

6420246

0-4

5-9

10-14

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

65-69

70-74

75-79

80 +

Fonte: IBGE/PNAD de 1992 e 2008.Homens 1992 Mulheres 1992

Homens 2008 Mulheres 2008

GRÁFICO 7TAXA DE FECUNDIDADE TOTAL POR REGIÕESBRASIL, 1992 E 2008

0

1

2

3

4

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste

Fonte: IBGE/PNAD de 1992 e 2008. 1992 2008

GRÁFICO 8TAXA DE FECUNDIDADE TOTAL POR QUINTIL DE RENDABRASIL, 1992 E 2008

0

1

2

3

4

1 Quintil 2 Quintil 3 Quintil 4 Quintil 5 Quintil

Fonte: IBGE/PNAD de 1992 e 2008. 1992 2008

GRÁFICO 10DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS ARRANJOS FAMILIARES BRASILEIROS PELO TIPO DE ARRANJO

11,7

62,8

6,2

12,3

5,41,6

15,7

50,5

8,9

15,4

7,5

1,9

0

10

20

30

40

50

60

70

Casal sem filhos Casal com filhos Mulher sozinha Mãe com filhos Homem sozinho Pai com filhos

Fonte: IBGE/PNAD de 1992 e 2008. Elaboração IPEA. 1992 2008

90 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

Page 83: outubro/novembro de 2009 Ano 7 nº 55 …repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7010/1/Desafios... · 2016-09-07 · investimento no setor. Volume transportado vem ... O que é debatido

Gráfico 1 Hiato educacional – em anos de estudo e por idade - 1992 a 2008

4,0 3,93,8 3,7 3,6 3,5

3,33,1 3,0

2,9 2,8 2,8 2,7 2,8 2,8

5,6 5,5 5,5 5,4 5,4 5,4 5,3 5,3 5,2 5,2 5,2 5,2 5,1 5,2 5,2

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

5,5

6,0

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Hia

to e

ducacion

al

15 anos ou mais 15 a 17 anos 18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 ou mais

Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração: Disoc/Ipea.

GRÁFICO 11CONTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO DAS MULHERES NA RENDA DAS FAMÍLIAS BRASIL, 1992 E 2008

30,1

40,6

0

15

30

45

1992 2007Fonte: IBGE/PNAD de 1992 e 2008.

Gráfico 7 Taxa de desocupação

(Em %)

6

7

8

9

10

11

12

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Fonte: Elaboração própria a partir das PNADs

Gráfico 8 Rendimento médio de todos os trabalhos (Em R$ de setembro de 2008)

700,00

750,00

800,00

850,00

900,00

950,00

1.000,00

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Fonte: Elaboração própria a partir das PNADs

Gráfico 4 - Renda média mensal do trabalho de diferentes categorias de empregados/as- 1998-2008

942,60970,52

667,63655,33

315,09350,77

826,11846,27

0,00

200,00

400,00

600,00

800,00

1000,00

1200,00

1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ano

Rend

a m

édia

men

sal d

o tra

balh

o

EmpregadosEmpregadasTrabalhadoras domésticasEmpregados/as

Fonte: PNAD/ IBGE. Obs.: Preços de setembro/ 2008.

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 91

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AGENDA01-03/11Ciclo de Seminários – “Macroeconomia para desenvolvimento: Estabilidade, Crescimento e Pleno Emprego”

Mediador: José Celso Pereira Cardoso JuniorHorário: das 9h às 18hLocal: Auditório do Ipea – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES,Subsolo, Brasília Informações: Rosane ([email protected])Telefone: (61) 3315-5500Realização: Presi (Presidência do Ipea)

04-04/11Seminário Dirur: “Território, Ambiente e Políticas Públicas.

Palestrante: Marília Steinberger (UnB)Horário: das 9h30 às 12hLocal: Auditório do 14º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Brasília Informações: Albino ([email protected])Telefone: (61) 3315-5100Realização: Dirur (Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais)

07-06/11Seminário sobre “política Externa Brasileira”

Palestrantes: Maria Regina Soares Lima - doutora em Ciência Política pela Universidade de Vanderbilt, professora titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Coordenadora do Observatório Político Latino-Americano.Amado Luiz Cervo - Doutor em História pela Universidade de Estrasburgo e Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB).Horário: das 14h às 17hLocal: Auditório do 16º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Brasília Informações: André Mello ([email protected])Telefone: (61) 3315-5172Realização: Dicod (Diretoria de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais)

08-06/11Seminário Dicod: Política Externa Brasileira

Palestrantes: André Mello e FernandaHorário: das 9h às 13hLocal: Auditório do 11º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Brasília Informações: Gláucia ([email protected])Telefone: (61) 3315-5338Realização: Dicod (Diretoria de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas Internacionais)

09-06/11Oficinas do livro Estado, Instituições e Democracia – Oficina 4

Mediadores: Rachel Meneguelo (UNICAMP)/ Lúcio Rennó (UNB)/ Leonardo Avrtzer (UFMG)/ Carlos Henrique Romão de Siqueira (Ipea)/ Adrian Gurza Lavalle (CEBRAP/USP)/ Maria Aparecida Abreu (Ipea)/ Fábio Sá e Luseni Aquino (Ipea) e Francisco Fonseca (FGV/SP)Horário: das 9h às 18hLocal: Auditório do 16º andar, SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Brasília Informações: José Carlos ([email protected])Telefone: (61) 3315-5500Realização: Presi (Presidência do Ipea)

12-10/11Ciclo de Seminários – “Sustentabilidade Ambiental”

Mediador: José Celso Pereira Cardoso JuniorHorário: das 9h às 18hLocal: Auditório do 16º andar – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES,Subsolo, Brasília Informações: Rosane ([email protected])Telefone: (61) 3315-5500Realização: Presi (Presidência do Ipea)

14-17/11Ciclo de Seminários – “Fortalecimento do Estado, das Instituições e da Democracia”

Mediador: José Celso Pereira Cardoso JuniorHorário: das 9h às 18h

Local: Auditório do Ipea – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES,Subsolo, Brasília Informações: Rosane ([email protected])Telefone: (61) 3315-5500Realização: Presi (Presidência do Ipea)

16-24/11Ciclo de Seminários – “Infraestrutura Econômica, Social e Urbana”

Mediador: José Celso Pereira Cardoso JuniorHorário: das 9h às 18hLocal: Auditório do 16º – SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES,Subsolo, Brasília Informações: Rosane ([email protected])Telefone: (61) 3315-5500Realização: Presi (Presidência do Ipea)

18-25/11Seminário “A Pertinência Teórica e Política de Público Não Estatal no Brasil”

Mediador: Tarso Genro – Ministro da Justiça, Luiz Carlos Bresses Pereira – Ex-Ministro da Administração Federal e Reforma do EstadoHorário: das 14h às 22hLocal: Auditório Ipea- SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Subsolo, Brasília Informações: Daniel Prado ([email protected])Telefone: (61) 3315-5226Realização: Presi (Presidência)

19-26/11Seminário “A Pertinência Teórica e Política de Público Não Estatal no Brasil”

Mediador: Tarso Genro – Ministro da Justiça, Luiz Carlos Bresses Pereira – Ex-Ministro da Administração Federal e Reforma do EstadoHorário: das 14h às 18hLocal: Auditório Ipea- SBS, Qd 1, Bl J. Edifício Ipea/BNDES, Subsolo, Brasília Informações: Daniel Prado ([email protected])Telefone: (61) 3315-5226Realização: Presi (Presidência)

92 Desenvolvimento outubro/novembro de 2009

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CARTAS A correspondência para a redação deve ser env iada para desaf [email protected]

ou para SBS Quadra 01 - Edi f ic io BNDES - Sala 906 - CEP: 70076-900 - Brasí l ia - DF

Aos leitores,Desafios do Desenvolvimento agradece as pautas sugeri-das por diversos leitores que escreveram. Todas aquelas que atenderem à linha editorial da revista serão analisadas e apuradas pela equipe de reportagem no devido tempo.

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.Ipea.gov.br

ERRATA

A matéria “Os estragos de uma guerra”, publicada na edição passada, teve como base a nota técnica Crise atual e medidas de políticas de países selecionados, elaborada pela equipe técnica da Coordenação de Estudos das Relações Interna-cionais e do Desenvolvimento da Diretoria de Cooperação e Desenvolvimento do Ipea. Os gráficos e dados utilizados na matéria também são de autoria da citada coordenação, comandada pela técnica Luciana Acioly, responsável pelas informações e análises citadas.

Lamentamos e pedimos desculpa pelos erros.O editor

45 ANOS DO IPEA

Parabéns ao Ipea pelo

seu aniversário! Que a re-tomada na participação no planejamento estratégico de longo prazo do País signifi-que a possibilidade de cres-cermos mais e com mais igualdade social.

Rosa Maria Bonfim

Cuiabá, Mato Grosso

AEROPORTOS O artigo “A Copa de 2014 e o

desafio aeroportuário”, na edição nº 54 da revista Desenvolvimen-to, revela o perigo que o Brasil enfrentará se interesses corrup-tos prevalecerem e o governo acabar optando pela privati-zação dos grandes aeroportos. Esse não parece ser o caminho correto. Espero que o Ipea se posicione a favor do País e do futuro além das Olimpíadas.

Rachel Januzi

São Paulo, Moema

CRISE FINANCEIRA

“Os estragos de uma guer-

ra”, título da matéria sobre a crise financeira que começou nos países mais ricos do mun-do e provocou perdas gigan-tescas em todas as economias, mostrou que o Brasil teve for-ças para enfrentamento.

Ernane Pimentel

Distrito Federal, Taguatinga

20 ANOS DE POLÍTICAS SOCIAIS Por que a lguns parla-

mentares, dirigentes e ex-dirigentes governamentais acusam a Constituição de 1988 de ser retrógrada, já que graças a ela o Brasi l conseguiu criar uma ampla rede de proteção social?

Em que a Constituição impede o progresso do País, se foram esses avanços so-

ALIMENTOS O Brasil está entre os 10

países que mais desperdiçam comida no mundo e entre o mais desiguais do planeta. A matéria sobre as toneladas de alimentos que jogamos fora, publicada na última edição da revista Desenvolvimento, nos convida a refletir sobre a aceleração da justiça social no País. É essa alternativa ou

cada vez mais violência. Não há paz sem justiça. Parabéns pela revista, pelos 45 anos do Instituto e pelo ingresso de novos pesquisadores que se dedicarão a trabalhar por um futuro melhor.

Tereza Fernandes

Porto Alegre, Bairro Petrópolis

ciais que nos ajudaram a enfrentar a crise econômica que abalou o mundo? Para-béns pela matéria “Muitos avanços, mas ainda é pouco”, publicada na última edição da revista Desafios do Desen-volvimento, do Ipea.

Priscila Vicentini

Salvador, Bahia

www.desafios.ipea.gov.br

Setembro/outubro de 2009 Ano 6 nº 54

Exemplar do Assinante

Rumoao Futuro

Ao completar 45 anos, o Ipea se vê frente a um novo desafio,

o de promover um grande debate nacional em busca de um projeto

de desenvolvimento para o Brasil, com menos desigualdade e distribuição

das riquezas nacionais. Ideais referendados pelo presidente

Luiz Inácio Lula da Silva, que participou da comemoração

ENTREVISTARoberto Cavalcanti - É preciso pensar

de forma inovadora o Brasil, que tem grande

potencial em recursos naturais. Assim, o país

poderá crescer a taxas mais altas

PORTOSNecessidade de investimento é de R$ 42,8

bilhões. Mas governo não conseguiu ainda

investir os R$ 3,1 bilhões previstos no

Programa de Aceleração do Crescimento

ALIMENTOSDesperdício causa prejuízo bilion

ário ao país,

enquanto parte da população passa

necessidade. A conta recai nas costas dos

consumidores e produtores rurais

Desenvolvimento outubro/novembro de 2009 93

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Como você vê o desenvolvimento? Como retratar uma face humana do desenvolvimento? Como os programas e iniciativas de desen-volvimento melhoram das pessoas uma vida? A Campanha Mundial de Fotografia “Humanizando o Desenvolvimento busca mostrar” e promove exemplos de pessoas vencendo a luta contra a pobreza, a marginalização ea exclusão social. Chamando-se a atenção para os sucessos obtidos nenhum processo de desenvolvimento. A Pretende Campanha, contrabalancear as imagens Frequentemente Mostra-das de desolação e desespero. Uma galeria de fotos será permanentemente localizada escritório sem fazer IPC-IG e será aberta para uma visitação pública. Uma série de exposições fotográficas também será organizada em em diversas cidades ao redor do mundo.

Nós temos o prazer de anunciar as 50 fotos selecionadas pela campanha. Nós gostariamos de agradecer os participantes de mais de 100 Países que enviaram-nos suas fotos suas histórias e compartilharam, sonhos e desafios. Nós agradecemos as Institui-ções Parceiras e os membros do Comitê de Seleção por suas contribuições para a campanha. Todos vocês tornaram a campa-nha uma realidade e nos ajudaram a destacar e Promover o Desenvolvimento Através de novas lentes. PARABÉNS aos participantes.

EDUCAÇÃO PARA TODOS - Aulas de ballet na escola Doce Começo. Fotografia tirada no BRASIL, Enviada por Arthur Calasans

Visite o site e veja algumas das fotografias da campanha: http://www.ipc-undp.org/photo/

Humanizando o Desenvolvimento IPC Photo/Lawrence Liang

DESENVOLVIMENTOhumanizando o