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1 ESTUDO DA BASÍLICA CATÓLICA DE CHRISTCHURCH, NOVA ZELÂNDIA: DIAGNÓSTICO E ANÁLISE ESTRUTURAL LUÍS C. SILVA PAULO B. LOURENÇO Aluno de Doutoramento Professor Catedrático ISISE, Universidade do Minho ISISE, Universidade do Minho Guimarães, Portugal Guimarães, Portugal e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] NUNO MENDES JOÃO LEITE Investigador Pós-Doc Doutor em Engenharia Civil ISISE, Universidade do Minho Universidade do Minho Guimarães, Portugal Guimarães, Portugal e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] RESUMO O artigo apresenta o caso de estudo da Basílica de Christchurch. A Basílica, também conhecida como Catedral do Sagrado Sacramento, encontra-se localizada em Christchurch, na Nova Zelândia (NZ). Devido à elevada exposição sísmica da NZ e tendo por objetivo aumentar a sua capacidade resistente, a Basílica sofreu uma intervenção de reforço em 2004. Porém, três eventos sísmicos principais, ocorridos entre setembro de 2010 e junho de 2011, originaram um dano progressivo na estrutura e colapsos locais. O dano e as propriedades dinâmicas foram obtidas com recurso à inspeção no local e a ensaios de identificação dinâmica. Realizou-se uma análise sísmica, com recurso a um modelo numérico tridimensional, baseado no método dos elementos finitos. O modelo permitiu aferir sobre as zonas mais vulneráveis e sobre a ductilidade da estrutura. O estudo teve ainda em consideração a correspondência entre o dano numérico e o dano registado. Por último, conclui-se sobre a eficácia das intervenções realizadas e possíveis soluções. 1. INTRODUÇÃO Os edifícios pertencentes ao património cultural agregam, simbolicamente, um conjunto particular de valores. Tal condição permite que façam parte da identidade e continuidade de uma dada cultura [1]. De acordo com as orientações do comité ICOMOS da Nova Zelândia [2], os princípios de conservação sobre Este tipo de estruturas procuram ‘reter a integridade histórica do património construído, ao realizar todas as medidas necessárias para a sua conservação’. Desta forma, e para manter a identidade e simbolismo destas estruturas, as orientações e recomendações de atuação têm em consideração séculos de evolução ideológica; relacionadas com considerações de ordem técnica e estética [3, 4]. Contudo, a falta de intervenção tem sido apontada como a causa principal de colapso de estruturas de alvenaria pertencentes ao património construído. Referem-se, como exemplos, o campanário de S. Marcos em Veneza (Itália) em 1992, a torre cívica de Pavia (Itália) em 1989, a Igreja de S. Martinus em Kerksken (Bélgica) em 1990, entre outros [5]. Acredita-se que os edifícios existentes em alvenaria apresentam, em geral, uma elevada vulnerabilidade sísmica. Este aspeto está relacionado sobretudo com a: (i) pouca capacidade de resistirem a forças horizontais, (ii) pouca capacidade de dissipação de energia [6, 7] e (iii) ausência de regulamentação na altura da sua construção [7]. Por sua vez, existem outros fatores que têm, também, implicações estruturais, tais como: o dano acumulado relacionado com o comportamento diferido da alvenaria, a alteração das condições de tensão devido a incêndios, cheias, assentamentos ou cargas acidentais. O processo de intervenção nestas estruturas é complexo, não só pela pouca informação disponível mas, também, pela sua importância intangível. Assim, uma intervenção baseada numa metodologia científica está menos exposta a ações inadequadas. Neste contexto, e por forma a diminuir potenciais erros, a metodologia deve ser flexível e iterativa, incluindo vários estudos; tais como estudos históricos, inspeções, ações de monitorização e análises

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ESTUDO DA BASÍLICA CATÓLICA DE CHRISTCHURCH, NOVA ZELÂNDIA: DIAGNÓSTICO E ANÁLISE ESTRUTURAL

LUÍS C. SILVA PAULO B. LOURENÇO Aluno de Doutoramento Professor Catedrático ISISE, Universidade do Minho ISISE, Universidade do Minho Guimarães, Portugal Guimarães, Portugal e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]

NUNO MENDES JOÃO LEITE Investigador Pós-Doc Doutor em Engenharia Civil ISISE, Universidade do Minho Universidade do Minho Guimarães, Portugal Guimarães, Portugal e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]

RESUMO O artigo apresenta o caso de estudo da Basílica de Christchurch. A Basílica, também conhecida como Catedral do Sagrado Sacramento, encontra-se localizada em Christchurch, na Nova Zelândia (NZ). Devido à elevada exposição sísmica da NZ e tendo por objetivo aumentar a sua capacidade resistente, a Basílica sofreu uma intervenção de reforço em 2004. Porém, três eventos sísmicos principais, ocorridos entre setembro de 2010 e junho de 2011, originaram um dano progressivo na estrutura e colapsos locais. O dano e as propriedades dinâmicas foram obtidas com recurso à inspeção no local e a ensaios de identificação dinâmica. Realizou-se uma análise sísmica, com recurso a um modelo numérico tridimensional, baseado no método dos elementos finitos. O modelo permitiu aferir sobre as zonas mais vulneráveis e sobre a ductilidade da estrutura. O estudo teve ainda em consideração a correspondência entre o dano numérico e o dano registado. Por último, conclui-se sobre a eficácia das intervenções realizadas e possíveis soluções. 1. INTRODUÇÃO Os edifícios pertencentes ao património cultural agregam, simbolicamente, um conjunto particular de valores. Tal condição permite que façam parte da identidade e continuidade de uma dada cultura [1]. De acordo com as orientações do comité ICOMOS da Nova Zelândia [2], os princípios de conservação sobre Este tipo de estruturas procuram ‘reter a integridade histórica do património construído, ao realizar todas as medidas necessárias para a sua conservação’. Desta forma, e para manter a identidade e simbolismo destas estruturas, as orientações e recomendações de atuação têm em consideração séculos de evolução ideológica; relacionadas com considerações de ordem técnica e estética [3, 4]. Contudo, a falta de intervenção tem sido apontada como a causa principal de colapso de estruturas de alvenaria pertencentes ao património construído. Referem-se, como exemplos, o campanário de S. Marcos em Veneza (Itália) em 1992, a torre cívica de Pavia (Itália) em 1989, a Igreja de S. Martinus em Kerksken (Bélgica) em 1990, entre outros [5]. Acredita-se que os edifícios existentes em alvenaria apresentam, em geral, uma elevada vulnerabilidade sísmica. Este aspeto está relacionado sobretudo com a: (i) pouca capacidade de resistirem a forças horizontais, (ii) pouca capacidade de dissipação de energia [6, 7] e (iii) ausência de regulamentação na altura da sua construção [7]. Por sua vez, existem outros fatores que têm, também, implicações estruturais, tais como: o dano acumulado relacionado com o comportamento diferido da alvenaria, a alteração das condições de tensão devido a incêndios, cheias, assentamentos ou cargas acidentais. O processo de intervenção nestas estruturas é complexo, não só pela pouca informação disponível mas, também, pela sua importância intangível. Assim, uma intervenção baseada numa metodologia científica está menos exposta a ações inadequadas. Neste contexto, e por forma a diminuir potenciais erros, a metodologia deve ser flexível e iterativa, incluindo vários estudos; tais como estudos históricos, inspeções, ações de monitorização e análises

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estruturais [8, 9]. O presente artigo descreve a inspeção e diagnóstico da Basílica do Sagrado Sacramento, procurando aferir sobre o seu comportamento sísmico. A Basílica, localizada na Nova Zelândia (NZ) está categorizada na lista 1 do património construído do país, i.e. de importância Nacional e Internacional [10]. Os três eventos sísmicos principais, que ocorreram no espaço de nove meses, provocaram dano progressivo e colapso local de elementos. Inicialmente, apresenta-se uma breve descrição relacionada com a localização e dados principais da Basílica. Esta informação foi reunida na fase de inspeção. Na fase de diagnóstico preparou-se um modelo numérico de elementos finitos (MEF). Efetuaram-se várias tentativas de calibração do modelo com base nas propriedades dinâmicas obtidas nos ensaios de identificação dinâmica, nomeadamente nas frequências dos modos de vibração da estrutura. A avaliação da resposta sísmica da Basílica foi realizada com recurso a análises estáticas não lineares. Concluiu-se ainda sobre o padrão de dano, os elementos mais vulneráveis e a capacidade resistente a ações horizontais. Por último, foram estudadas duas intervenções de reforço; intervindo-se, especificamente, sobre os elementos mais vulneráveis. O objetivo principal das intervenções foi melhorar a capacidade resistente da estrutura para a ação do sismo e evitar os colapsos locais. Os regulamentos sísmicos da Nova Zelândia foram tidos em consideração (séries AS/NZS e NZS 1170 [11]). Este estudo permitiu, também, concluir sobre as vantagens e desvantagens da intervenção realizada em 2004. 2. DESCRIÇÃO DA ESTRUTURA A Catedral do Sagrado Sacramento, Figura 1, foi projetada pelo Arquiteto Francis William Petre entre 1901 e 1905. A Catedral apresenta uma arquitetura sacra em estilo romano, em que os seus elementos caracterizadores estão perfeitamente demarcados, i.e. nave, transeptos, capela, abside, cúpula principal e duas torres. Na construção foi utilizado o calcário da região, designado de Oamaru. De acordo com uma prática muito comum dos séculos 19 e 20, as paredes de alvenaria apresentam dois panos exteriores de pedra e um pano interior de matriz cimentícia pobre. Cada pano exterior apresenta cerca de 125 mm de espessura [12]. As paredes têm cerca de 500 mm de espessura total. As cúpulas são revestidas por uma camada em cobre. A cúpula principal está apoiada em quatro arcos de dimensões consideráveis, com enchimento sem finos. Os arcos estão apoiados em quatro colunas de grandes dimensões em planta e com uma espiral interna localizada superiormente. A cúpula principal está colocada sobre o santuário, o que não é comum Neste tipo de estruturas. Em geral, a sua posição é definida na intersecção entre o transepto e a nave. A nave contém duas colunatas principais, que se desenvolvem na direção longitudinal, com vários capitéis e arcadas. Geometricamente, a Basílica apresenta, em planta, um comprimento de 62 metros (fachadas Norte e Sul) e uma largura (a menor) de 27 metros (fachadas Este e Oeste). Os elementos que se encontram numa posição mais elevada são a cúpula, com 36 metros de altura, e as duas torres, com 32 metros de altura (ver Figura 2).

Figura 1: Catedral do Sagrado Sacramento: (a) Fachada Norte e Oeste; (b) Fachada Sul. Em 2002 realizou-se um estudo estrutural, por forma a garantir um comportamento adequado face a eventos sísmicos. As conclusões tiveram como base análises preliminares e pressupostos de natureza empírica [12]. O processo de reforço estrutural introduziu: (i) uma nova laje de betão armado com 0.1m de espessura, no primeiro piso e na cobertura, objetivando o efeito de diafragma ao nível dos pisos; (ii) contraventamentos metálicos com uma secção circular de 0.32m de diâmetro e vigas de cintagem de betão armado, com uma secção de 0.2x0.6m2, introduzidos no terceiro piso das duas torres, por cima e por baixo das aberturas; (iii) vigas de betão armado, com uma secção de 0.2x0.6m2, entre as aberturas das janelas da cúpula principal; (iv) o pós-tensionamento alternado das colunas e das colunatas da nave, bem como o enchimento com argamassa dos parapeitos e ornamentos exteriores; e (v) reforço das ligações das paredes de empena da cobertura, dos transeptos e dos ornamentos [12]. As técnicas adotadas concentraram-se sobre os elementos potencialmente mais vulneráveis. A decisão permitiu melhorar a resposta da estrutura face às exigências legais

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requeridas para ações horizontais, resistindo ao valor mínimo de 0.05g (g corresponde à aceleração gravitacional). Foi realizada uma avaliação da intervenção no momento da sua aplicação baseada em conhecimento empírico; concluindo-se que a resistência do edifício seria cerca de 45% do valor regulamentar (33% para os critérios atuais).

Figura 2: Catedral do Sagrado Sacramento: (a) Fachada Oeste; (b) Planta.

3. DANO OBSERVADO 2.1 Sismo em 4 de setembro de 2010 O primeiro sismo ocorreu em 4 de setembro de 2010, com magnitude de Ml7.1 e máxima aceleração de 1.41g. O epicentro localizou-se perto da cidade de Darfield, localizada a 40 km a Oeste de Christchurch [13, 14]. A máxima aceleração horizontal do solo (acrónimo inglês, PGA) registada foi de 0.22g [13]. O sismo causou dano pouco relevante à estrutura da Basílica. As paredes foram afetadas com presença de pequenas fendas e deslocamentos visíveis na parede Oeste da Sacristia. Foi também observado dano ligeiro nas partes intervencionadas em 2004, como fendas visíveis na parte inferior da laje de betão armado do primeiro piso ao longo da nave e da cúpula principal, e fendas devido a corte junto a ligações [15]. Após a inspeção visual, foi proibida a entrada na Basílica. 2.2 Sismo em 22 de fevereiro de 2011 O sismo ocorrido em 22 de fevereiro de 2011 (6.3 Ml) foi, quantitativamente, menos severo que o sismo anterior (7.1 Ml). A máxima aceleração do solo registada foi de 0.47g [16]. Contudo, o sismo causou maior dano na Basílica. Tal pode ser explicado pelo dano acumulado e, portanto, pela vulnerabilidade que a Basílica já apresentava antes da ocorrência deste sismo. O dano mais severo ocorrido na estrutura apresenta-se seguidamente. As torres Norte e Sul colapsaram parcialmente (ver Figuras 3a, 3b e 3c). O colapso das torres Norte e Sul ocorreu nas direções Noroeste e Sudoeste, respetivamente. O topo da torre Norte colapsou. A torre Sul sofreu dano mais severo, sendo o colapso quase total. É visível dano nas fachadas Norte e Sul da nave (ver Figuras 3d e 3e): como dano severo devido a esforços de corte junto à intersecção com as paredes das torres; dano devido a esmagamento da alvenaria; deslocamentos locais e fendilhação a envolver as aberturas das janelas e portas; e colapso da arquitrave na fachada Sul, nas suas duas extremidades. Existem também fendas nas paredes transversais dos transeptos Norte e Sul (ver Figura 3f, 3g e 3h). O transepto Norte apresentou dano reduzido, com uma fenda junto a uma janela do piso térreo. Este dano é consideravelmente inferior ao dano ocorrido no transepto Sul. Neste transepto, foram registadas fendas de corte localizadas junto às aberturas das janelas e na intersecção das paredes do transepto com as da nave. Na Figura 3i, 3j e 3k é visível o dano considerável nas paredes da rotunda. Foi também identificado o colapso parcial da pedra angular do arco Norte da Sacristia. Adicionalmente, verificou-se o colapso de parte da laje adicionada na intervenção de 2004 (ver Figura 3l). Nas paredes da fachada que envolvem o santuário, o dano no primeiro piso é pouco relevante. Em contraste, as arcadas no segundo piso apresentam dano significativo nas janelas da parede Este (ver figura 3m) e junto às janelas que se localizam na extremidade das fachadas Norte e Sul (ver Figura 3c).

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Figura 3: Dano observado: (a),(b) Dano nas duas torres; (c) Detalhe do colapso na torre Sul; (d) Dano na parede da nave

nas extremidades da arquitrave da fachada Norte; (e) Dano concentrado junto à ligação da nave com a torre Norte; (f),(g) Dano localizado na parede de fachada e lateral do transepto Sul; (h) Dano menor no transepto Norte; (i) Dano na

parede Norte da rotunda; (j) Dano na parede Sul da rotunda; (k) Colapso ocorrido no arco Norte do Santuário; (l) Colapso parcial da laje de cobertura junto à rotunda; (m),(n) Dano nas arcadas do segundo piso junto à rotunda [15].

As réplicas que ocorreram em 13 de junho de 2011 causaram dano adicional e colapso de alguns elementos já vulneráveis, devido aos sismos ocorridos anteriormente. Parte da parede Norte da rotunda, juntamente com a laje de betão armado adjacente e parte do arco Norte colapsaram. O dano no transepto Sul ficou agravado, sendo que as fendas devidas ao corte nas paredes laterais potenciam um mecanismo para fora do plano. 3. PREPARAÇÃO DO MODELO NUMÉRICO Para a análise do comportamento da Basílica foi preparado um modelo numérico, utilizando o programa de cálculo automático DIANA [17]. Foi utilizada uma abordagem de macro-modelação, i.e. a alvenaria (unidades e juntas) representada como um conjunto de elementos contínuos e homogéneos. O modelo foi preparado com recurso a elementos de viga, de casca e de volume (ver Figura 4). Os elementos de viga têm por base a teoria de Bernoulli e

(l) (m) (n)

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apresentam 6 graus de liberdade (g.l.) (designados por L12BE). Para os elementos de casca foram utilizados elementos curvos tridimensionais, baseados na teoria de Mindlin-Reissner, nomeadamente elementos triangulares (T15SH) e elementos quadriláteros (Q20SH) [17]. Para os elementos de volume foram usados elementos hexaédricos (HX24L) e tetraédricos (TP18L).

Figura 4: Modelo tridimensional da Basílica: (a) Definição dos materiais e sua localização; (ii) Malha final considerada

com 36.758 elementos. Após os eventos sísmicos de 4 de setembro de 2010 e de 22 de fevereiro de 2011, foram realizados ensaios de identificação dinâmica para estimar os modos e as frequências de vibração [15]. O dano existente foi analisado e inserido no modelo através de duas metodologias: (i) diminuindo a espessura dos elementos de casca; e (ii) diminuindo o módulo de elasticidade dos elementos de volume. No processo de calibração foram realizadas várias tentativas para aproximar a primeira frequência numérica (5.72 Hz) e experimental (5.98 Hz). Foi obtido um erro de 4% para a frequência do primeiro modo de vibração. Apesar do erro na frequência ser aceitável, as configurações do primeiro modo de vibração numérico e experimental apresentam algumas diferenças. Os resultados dos ensaios de identificação dinâmica da estrutura demonstram que, devido ao dano existente, os modos são tipicamente locais. Esta ação contundente do dano não é visível na configuração dos modos de vibração numéricos. Para a definição das propriedades materiais foi utilizada informação fornecida pelas autoridades da Nova Zelândia. A energia de fratura foi definida de acordo com as recomendações presentes na literatura [18, 19]. Para representar o comportamento histerético da alvenaria foi utilizado um modelo de múltiplas fendas fixas implementado em [17]. A Tabela 1 apresenta as propriedades consideradas.

Tabela 1 - Propriedades materiais utilizadas.

Material

(kN/m3) E

(GPa)

Resistência compressão

(fc) [kPa]

Resistência tração

(ft)[kPa]

Energia de fratura [kN/m]

Compressão (Gfc)

Tração (Gf)

Alvenaria 20.0 2.00 0.15 8000 100 12.8 0.120 Betão Armado 25.0 31.0 0.20 30000 2000 25.0 0.054

Aço 78.0 200 0.25 - - - - Madeira 7.00 11.0 0.30 - - - -

4. ANÁLISE NÃO-LINEAR ESTÁTICA Anteriormente à análise não-linear estática (pushover), foi realizada uma análise linear considerando apenas o peso próprio da estrutura e uma análise modal. A análise linear permitiu a validação do modelo, verificar a estabilidade do sistema estrutural, analisar os deslocamentos e a concentração de tensões. Permitiu, também, aferir e corrigir potenciais problemas de malha e opções de modelação inadequadas. Posteriormente, realizou-se uma análise modal que permitiu estudar o comportamento da Basílica. Os primeiros seis modos de vibração da estrutura variam entre 2.92 Hz e 5.84 Hz. O primeiro modo de vibração é de translação (direção transversal), sendo que os deslocamentos modais máximos ocorrem para a cúpula principal e para as torres. O segundo (3.02 Hz), terceiro (3.30 Hz), quarto (3.66 Hz) e quinto (4.36 Hz) modos são caracterizados tipicamente pelo movimento das torres. Relativamente ao sexto modo (5.84 Hz), trata-se de um modo local da parede de empena da fachada Oeste. No geral, os seis primeiros modos permitem concluir que: (i) as torres, cúpula principal e as paredes da nave são os elementos mais flexíveis e, portanto, mais relevantes no

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comportamento dinâmico da Basílica; e (ii) que as torres são ligeiramente mais vulneráveis segundo a direção longitudinal, i.e. segundo a direção de maior inércia global. A análise numérica não-linear estática foi realizada para avaliar o comportamento sísmico da Basílica. As forças sísmicas são simuladas pela introdução de cargas horizontais, aplicadas monotonicamente na estrutura. No presente estudo foi considerado um padrão de forças horizontais proporcionais à massa da estrutura. As direções consideradas estão de acordo com o sistema coordenado global e seguem o sentido positivo e negativo, nomeadamente na direção longitudinal (± X) e apenas o sentido positivo na direção transversal (+Y). Foram definidos um total de cinco pontos de controlo da resposta. A aceleração horizontal máxima aplicada nas direções +X e +Y é igual a 0.66g e 0.45g, respetivamente (ver Figura 5). O máximo valor de carga observado para a direção –X, devido à não convergência da solução, foi de 0.35g. Em todos os pontos de controlo e para as direções estudadas é visível que o modelo apresenta comportamento não-linear. As curvas de capacidade demonstram que na direção +X o deslocamento máximo ocorre na parede de empena da fachada Oeste (nó 1) e para as torres (nó 3). Para a direção +X e para uma aceleração horizontal de 0.22g, condizente com o PGA do sismo de setembro, verifica-se que a estrutura apresenta dano ligeiro. Para uma aceleração horizontal de 0.47g o dano apresenta-se bem definido e deve-se a esforços de corte no plano nas paredes do primeiro piso da nave, i.e. aberturas, ligação entre elementos, e nas paredes Norte e Sul da rotunda. Na direção –X, o valor máximo da aceleração horizontal é de 0.35g. Estas diferenças demonstram que nesta direção as torres e a parede de empena da fachada Oeste apresentam menor capacidade resistente. Tal pode ser explicado pela ação de confinamento que se verifica na direção +X, causada pelas paredes da rotunda. Este confinamento deve-se à ação da estrutura da cobertura. Todavia, tal não se verifica para a direção –X, uma vez que o movimento para fora do plano da parede de empena origina esforços de tração que não podem ser suportados pelas paredes da rotunda, devido à baixa resistência à tração da alvenaria. Assim, o padrão de dano é semelhante para as direções ±X, com concentração de fendas junto às aberturas das fachadas Norte e Sul da nave e sacristia. A diferença relevante corresponde ao dano verificado nas torres. Na direção –X o dano é superior e apresenta um mecanismo de colapso para fora do plano. Relativamente à direção +Y, a aceleração horizontal foi de 0.40g para as torres. A análise terminou para uma aceleração horizontal igual a 0.45g devido a problemas de convergência. Assim, os elementos mais vulneráveis são as duas torres. Para 0.22g (sismo de setembro de 2010) verifica-se que a fendilhação não tem influência significativa na estabilidade da estrutura. Para 0.45g (semelhante ao PGA do sismo de Fevereiro de 2011), verifica-se que o modelo apresenta dano na ligação entre a parede da fachada Oeste e as torres, causado pela concentração de esforços de tração. Devido a esforços de corte no plano, o modelo apresenta fendas diagonais junto às aberturas das fachadas Oeste e Este e dano nas paredes Sul, Este e Oeste da rotunda e nas fachadas Norte e Sul. Devido à menor capacidade para dissipar energia segundo a direção transversal, as paredes transversais interiores junto ao altar, a parede Oeste da sacristia e as paredes transversais dos transeptos apresentam dano moderado (mecanismo para fora do plano).

Figura 5: Curvas de capacidade: (a) Direção –X; (b) Direção +X; (c) Direção +Y.

As análises permitiram obter o padrão de dano e os mecanismos de colapso. Vários mecanismos no plano e para fora do plano foram observados. As áreas com concentração de dano são as torres, as paredes interiores junto ao altar, as paredes transversais dos transeptos, a parede Oeste da sacristia e as lajes de cobertura que envolvem a rotunda (adicionadas na intervenção de 2004). Os quatro pilares do altar não apresentam dano relevante nem grandes deslocamentos horizontais. O dano existente deve-se sobretudo à concentração de tensões de tração na base. Tal pode ser explicado devido à elevada rigidez destes elementos, que origina deslocamentos horizontais reduzidos. Note-se que

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a relação entre a altura e as dimensões transversais dos pilares é aproximadamente igual a 3. Em geral, concluiu-se que o dano obtido na análise numérica aproxima-se do padrão de dano verificado após os sismos. O modelo indica que a estrutura não verifica os critérios de estabilidade para um sismo como o que ocorreu em fevereiro de 2011; em que o colapso das torres e dano considerável é esperado. 6. PROPOSTAS DE SOLUÇÕES DE REFORÇO ESTRUTURAL Após inspeção, diagnóstico e validação do modelo numérico, pretende-se garantir os critérios de estabilidade da Basílica em estado limite último, i.e. evitar o colapso de elementos estruturais. Apresentam-se duas medidas de reforço para as torres, que têm por objetivo garantir a capacidade resistente da estrutura para um PGA de 0.47g (sismo de fevereiro de 2011) e garantir 40% da resistência sísmica total requerida para edifícios novos segundo a norma NZS 1170. A primeira abordagem de intervenção baseia-se na inserção de tirantes de aço inoxidável ao longo dos dois pisos das torres. A intervenção inclui, em cada torre, dez tirantes com um diâmetro de 0.032m (classe AISI 304L) divididos por três níveis. Estes são ancorados com recurso a chapas metálicas ou ancorados nas lajes de piso. A segunda abordagem baseia-se na colocação de vigas metálicas perimetrais de aço inoxidável. Para as vigas utilizaram-se perfis U com 0.18m de altura (classe AISI 304L) soldadas para garantir o seu monolitismo. Foi estudada apenas a direção –X, devido ao mecanismo de colapso para fora do plano das torres ocorrido nessa direção. As análises numéricas realizadas permitem concluir que ambas as soluções melhoram significativamente o comportamento da Basílica. As soluções apresentam uma aceleração horizontal máxima de pelo menos 0.60g. A Figura 6 apresenta a comparação do dano obtido para uma aceleração horizontal igual a 0.34g (máximo valor obtido para a direção –X para o modelo não reforçado, ver Figura 5). A Basílica apresenta dano severo nas torres e nos elementos mais próximos. No modelo não reforçado são visíveis fendas consideráveis devido a corte no plano, com abertura de fenda máxima de 33mm. As duas soluções de reforço apresentam dano significativamente inferior ao dano do modelo não reforçado; destaca-se ainda os deslocamentos reduzidos nas torres, melhorando o seu comportamento para fora do plano, devido à transferência de forças de inércia para as paredes da nave e lajes.

Figura 6: Dano para aceleração horizontal de 0.34g: (a) Modelo Base; (b) Reforço 1; (c) Reforço 2.

7. CONCLUSÕES No presente artigo apresenta-se a inspeção do dano da Basílica Católica de Christchurch. O dano foi causado pelos eventos sísmicos ocorridos num período de nove meses. Um modelo numérico foi preparado e realizaram-se análises numéricas não-lineares estáticas com distribuição de forças horizontais proporcionais à massa da estrutura. As análises permitiram concluir que as intervenções de reforço, realizadas em 2004, apresentam um papel determinante; porém não foram totalmente eficazes para evitar o colapso local das torres. Assim, foram estudadas duas soluções de reforço, tendo por objetivo melhorar o desempenho sísmico das torres. As soluções seguem os princípios de reversibilidade e de pouca invasão requeridos no ICOMOS [2]. Adicionalmente, melhoraram significativamente a capacidade resistente das torres. Tendo em conta o comportamento verificado, é possível enumerar as seguintes conclusões: (i) a intervenção de 2004 causou uma diferença de rigidez considerável entre os pisos inferiores e o terceiro piso; (ii) existe uma grande diferença

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de rigidez entre os materiais utilizados na intervenção de 2004, comparativamente com os materiais existentes; (iii) deve-se garantir uma ligação eficaz entre os elementos estruturais, sobretudo entre as paredes e as lajes de piso em betão armado, permitindo criar um comportamento de caixa mais favorável para a transferências das forças de inércia. 8. REFERÊNCIAS [1] Sir Bernard M. Feilden, Conservation of Historic Buildings, 3rd ed. London: Butterworth-Heinemann, 2003, pp.

1–9. [2] ICOMOS Recommendations, “International Council on Monument and sites, Recommendation for the analysis,

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