outubro 2010 667 problemas nacionais · em seu livro lanterna na popa roberto campos relatou com...

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas. Outubro 2010 667 Sumário O panorama visto da ponte ...................................... 3 José Carlos Fragoso Pires A crise no mundo .................................................... 25 Walber José Chavantes O novo Supremo Tribunal Federal .......................... 59 Arnoldo Wald Síntese da Conjuntura O PIB de 2010 ....................................................... 87 Ernane Galvêas Problemas Nacionais Conferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas.

Outubro2010

667

Sumário

O panorama visto da ponte ...................................... 3José Carlos Fragoso Pires

A crise no mundo .................................................... 25Walber José Chavantes

O novo Supremo Tribunal Federal .......................... 59Arnoldo Wald

Síntese da ConjunturaO PIB de 2010 ....................................................... 87Ernane Galvêas

Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.

As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente, desde que citada a fonte.

A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis no endereço www. portaldocomercio. org. br, no link Produtos e Serviços – Publicações – Periódicos.

Publicação MensalEditor-Responsável: Gilberto PaimProjeto Gráfico: Assessoria de Comunicação/Programação VisualImpressão: Gráfica Ultraset

Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955-

100 p. MensalISSN 0101-4315

1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional do Co-mércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

Outubro 2010, n. 667

BrasíliaSBN Quadra 01 Bloco B no 14, 15o ao 18o andarEdifício Confederação Nacional do ComércioCEP 70041-902PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501E-mail: cncdf@cnc. com. br

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Web site: www. portaldocomercio. org. br

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Pelos idos de 1980 preocupavam-se alguns importantes empre-sários nacionais com o crescimento da nossa economia externa

em termos compatíveis com nosso tamanho e poder econômico existente e em perspectiva a curto e longo prazo.

Por ocasião da Revolução de 64 o nosso comércio externo (exporta-ção + importação) mal atingia US$ 2.016.000.000,00 (Dois bilhões e dezesseis milhões de dólares).

Valores simplesmente ridículos em face das nossas possibilidades. Havia consenso de que poderiam alterar essa posição com iniciativas viáveis apesar do peso “pesado” da parte governamental represen-tada por uma burocracia infernal e uma carga tributária crescente e decadentes instalações portuárias entre outras, como facilidades rodoviárias e ferroviárias.

José Carlos Fragoso PiresEmpresário

O panorama visto da ponte

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Os impostos destinados aos setores, eram sempre pessimamente aplicados com um desperdício simplesmente fantástico.

Quando se pretendia fazer investimentos nos portos, por exemplo, os grandes itens importados como guindastes e similares eram assumidos pelo ministro da pasta que encarregava pessoas suas para realizar as compras e geralmente eram comprados muito mais guindastes ou outros itens que o necessário até o limite da verba.

No início da administração Benedito Moreira (66) na Cacex ele esforçou-se para atingir uma meta anunciada de 6 bilhões para o trade em 1970. O que já representava em crescimento de quase 3 vezes o tamanho do trade, e atingiu 5.246 milhões em 1970, os saldos comerciais eram obtidos com dupla ação, forte apoio a exportação e controle da importação quando chegamos a essa época com um certo equilíbrio na balança comercial, até que fomos surpreendidos pelo primeiro Choque do Petróleo (1973) e depois por um segundo (1979).

Para enfrentar esses baques o País foi obrigado a endividar-se no exterior com Bancos fornecedores e com o Fundo Monetário Inter-nacional (FMI), todavia esses choques interromperam a manutenção de uma taxa de crescimento progressiva, que chegou a 10% em certa ocasião e levou-a para break even e mesmo a saldos negativos em determinados momentos. É muito curioso hoje verificarmos que enquanto são feitas críticas vorazes aos que nos ajudaram nas ocasiões, são tecidas lôas aos árabes e outros produtores de petróleo que nos prejudicaram profundamente. Graças a Deus conseguimos vencer esses obstáculos e hoje o petróleo nacional caminha para ser um produto lucrativo no nosso comércio internacional.

Várias medidas foram tomadas com certo vigor antes desconhecido nessa área, todavia a aplicação dos mesmos se perdia muito na inefi-

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ciência administrativa. Como por exemplo poderíamos citar as linhas pioneiras de navegação, linha essas inexistentes por falta de interesse comercial e que visavam abrir caminho a mercados abandonados ou inéditos para nossas exportações.

A ideia não era má, mas a mentalidade da época levou a exploração das linhas para o Lloyd Brasileiro de triste memória e como não poderia deixar de ser foram um fracasso retumbante pois: o Lloyd desviava os créditos de reembolso das linhas para o reparo dos velhos navios da frota.

As opiniões sobre o assunto eram díspares e pessimistas no que dizia respeito a infraestrutura necessária a esse crescimento, e a respeito dos portos, armazenagem e outras facetas da operação que eram calculadas de forma governamental com grandes investimentos e pobres resultados.

Ao nosso redor apreciamos países como Taiwan e muitos outros crescerem de forma notável com uma parcela territorial ínfima em relação a nossa. A essa altura dos acontecimentos Taiwan tinha re-servas internacionais na casa dos US$ 80 bilhões.

O nosso companheiro Gilberto Paim conhecedor desses acon-tecimentos pediu que eu os revivesse nesse Conselho para maior esclarecimento dos mesmos e da participação e do comportamento dos que dele participaram, em relevo a atuação do então Senador Roberto Campos.

Esse pensamento não representa um trabalho exclusivo meu, mas também de outros empresários liderados pelo saudoso Donald Stuart, e foi lançado, e fortemente apoiado por dois homens que julgava e continuo julgando serem os dois dos maiores expoentes

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da economia brasileira em todos os tempos, refiro-me a Roberto Campos e a Otávio Gouvêa de Bulhões.

Nessa época trabalhávamos com Roberto Campos e alguns colabo-radores para um plano de expansão econômica internacional mais abrangente quando fomos surpreendidos pela criação do NAFTA, inicialmente formadas pelos Estados Unidos e Canadá e posterior-mente com a adesão do México.

Esse acontecimento direcionou nossos estudos para uma adesão ao pacto, com a inclusão do Brasil e de toda América Latina num segundo tempo. Todavia como esperávamos reação negativa dos eventuais companheiros, resolvemos não nos preocupar com isso, pois na prática esse bloco não acrescentava nada de mais e o sucesso da nossa ideia iria provocar mais tarde um interesse dos mesmos.

Roberto Campos sugeriu uma reunião com Dr. Bulhões para que estivéssemos seguros de nossa posição.

A reunião se realizou na casa do Dr. Bulhões em Copacabana, pois o mesmo se encontrava adoentado.

Após as exposições sobre o assunto o Dr. Bulhões, com sua extra-ordinária visão deu seu apoio total a ideia e passou a ser um grande entusiasta da mesma. Combinamos então a forma de lançá-la.

Minha sugestão era a de uma entrevista de Roberto Campos à im-prensa, todavia ponderou ele ser um homem “carimbado” e que isso traria aglutinação dos combatentes de suas ideias, já muito conhecidas.

Sugeriu ele o lançamento por uma pessoa mais neutra, Bulhões con-cordou mas no final disse: “esse assunto é tão importante que em

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último caso eu mesmo posso lançá-lo”; “apesar de ter também os meus ‘carimbos’ como diz o Roberto”.

Naquela época surgiu um possível candidato a Presidência da Repú-blica, de grande conceito que nos chamou atenção e Roberto Campos achou que seria um veículo muito interessante para o lançamento assim como para suas credenciais a uma futura campanha política.

Em seu livro Lanterna na Popa Roberto Campos relatou com detalhes nossa ida a São Paulo para encontrar o candidato.

Do ponto de vista técnico e jornalístico estávamos já acertados com o jornalista Ivan Muniz que aguardava ansioso a hora de começar.

Muniz havia preparado um esboço da entrevista que levaria ao lan-çamento da ideia.

Enviados os documentos ao possível candidato, ele nos decepcio-nou com correções que fez aos trabalhos, transformando-os numa simples acomodação política, sem valor algum. A ideia tinha de ser forte e clara e não um mingau de palpites, procurando satisfazer a gregos e troianos.

Nos reunimos novamente e resolvemos abandonar o procedimento por algum tempo.

Roberto Campos ponderou que este lançamento poderia ser feito por um empresário e me surpreendeu quando disse: “você lutou tanto pela ideia e tem trabalhado tanto pela sua concretização que a meu ver é a pessoa indicada para o lançamento”. Me surpreendeu a proposta, mas disse que concordaria desde que essa fosse também a opinião do Dr. Bulhões.

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Tendo resolvido partimos para o lançamento no Jornal do Brasil de 21 de fevereiro de 1989.

A entrevista foi reproduzida nos principais jornais do País durante o final de semana que se seguiu.

Na 2ª feira seguinte Roberto Campos ocupou a tribuna do Senado e reproduziu a entrevista para que constasse dos Anais além de discursar sobre as vantagens da mesma.

Passado uns dias liguei para o Roberto Campos, em Brasília, e procurei saber das repercussões, e ele com a franqueza que o caracterizava, disse: “repercussão foi pífia”.

As ideias nem sempre germinam nos seus primórdios, então nada mais fizemos e resolvemos aguardar apesar do apoio privado de muitos empresários.

Cerca de 1 ano e meio depois o Presidente Ronald Reagan lançou oficialmente a ALCA, que nada mais era o que tínhamos projetado, Roberto Campos me telefonou e disse “acho que só eu e Reagan lemos a sua entrevista”.

A ALCA era praticamente o que defendíamos; até o nome da ope-ração do nosso era quase igual.

Com o lançamento da ALCA as coisas mudaram pelo menos no que tange a discussão do assunto.

Os esquerdistas aproveitaram para combater a ideia como se ela fosse de grande interesse dos Estados Unidos e a eles se seguiam os con-servadores industriais nacionais que temem sempre pela competição comercial, o que até certo ponto é compreensível.

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O governo Clinton que sucedeu Reagan passou a ser um grande entusiasta da ideia, mas errou quando deixou o assunto nas mãos da Secretaria do Comércio, que meteu os pés pelas mãos e conseguiu agregar mais inimigos à ideia do que apoiadores.

No governo Brasileiro o único membro com visão de grandeza no assunto foi o então Chanceler Lampreia, nosso companheiro desse conselho, que aqui se manifestou sobre o tema, achando uma pena a Alca não ter sido mais discutida.

A ALCA chegou a substituir o FMI como argumento de antiameri-canismo na ocasião.

A verdade é que a internet e a globalização que se sucederam termi-naram por mudar internamente o panorama mundial.

Lembro que quando da possibilidade de uma vitória eleitoral do Presidente Lula, após 3 tentativas se tornou viável, chegava-se a dizer que o “dólar seria disputado a tapas na av. Rio Branco”.

Como Deus é brasileiro nada disso aconteceu e Lula se transformou numa agradável surpresa nesse setor, conseguindo contornar o prin-cípio de Napoleão Bonaparte de que o “mais difícil na vitória é se desvencilhar dos aliados inconvenientes”.

Lula não só impôs sua política econômica respeitável como entre-gou o Banco Central a esse grande financista que é o Dr. Meirelles, dando-lhe suporte total. Lula acabou descobrindo que o que dá voto é inflação baixa e estabilidade econômico-financeira, protegendo os preços e melhorando o padrão de vida dos mais pobres.

O processo Lula sofreu a meu ver uma grande baixa quando da perda do Ministro Palocci por razões mesquinhas e deploráveis, que

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o deixou fortemente abalado, ele que havia acima de tudo consegui-do defender o presidente dos “xiitas” do PT, cujo corpo principal ainda está inconformado em não ver realizadas as suas catastróficas propostas jurássicas.

Em vista do exposto nos propomos a esclarecer e discutir o que cha-mamos de panorama visto da ponte, para aproveitar a velha expressão e termos um balanço dos atos do governo.

Como todo governo temos o lado positivo e o negativo, e o plane-jamento histórico da sua performance depende do balanço entre os mesmos.

Os lados negativos do processo são basicamente três: um desvairado aumento de encargos nas finanças públicas; uma política externa cada dia mais desastrada com a defesa intransigente de ditadores que merecem o repúdio internacional; e o mais grave de todos que o coloca como arauto da impunidade, passando a mão na cabeça de todos os assaltantes governamentais como mensaleiros, aloprados, e outros que surgem a toda hora. Essa impunidade é a alavanca que força a continuidade de uma situação anormal, que está na prática implantada.

Hoje poderíamos concluir que o Presidente Lula é o maior seguidor do Governador Ademar de Barros, que instituiu o “rouba mas faz”, e que tinha um suporte bastante expressivo do povo que estava acos-tumado com “rouba e não fez”.

Com capacidade de falar a língua que esse povo entende, atingiu a uma respeitável posição nunca antes vista, baseada nos surpreendentes resultados obtidos na área econômica.

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O homem público precisa ser competente mas também precisa ter sorte, e nisso ele foi abençoado por Deus, pois a estrutura Nacional e Mundial trabalha a seu favor.

Após sete anos de governo podemos verificar que o Presidente Lula não tem condições de controlar os crescentes gastos governamentais, assim como os abusos do funcionalismo.

O objetivo desse trabalho ao chegarmos aos dias de hoje, é debatê-lo e com isso atingir uma posição mais acertada sobre o conjunto de suas posições, e sobretudo as previsões para o futuro.

Há inquestionáveis pontos positivos mas também perigosíssimos pontos negativos. O gasto governamental é uma unidade nacional.

Envolvido por seus aliados nos maiores escândalos, como mensalão, ambulâncias, aloprados. E muitos outros, tomou a decisão de passar a mão pela cabeça dos acusados, exigindo uma condenação transitada em julgado, ou seja nunca, para que o responsável seja punido.

Não quero dizer que estou de acordo com esse estado de coisas, mas estou apenas procurando explicar o que acontece de forma imparcial.

A crise mundial decorrente do sub-prime e outros problemas ameri-canos se transformaram em pontos positivos para o governo bra-sileiro, todavia não tenho dúvida que ainda caminhamos no fio de uma navalha.

Se por um lado Lula conseguiu vencer e penetrar internacionalmente, por outro teve de se submeter aos apelos do PT e criar uma situação de agravamento das despesas públicas que só podem ser resolvidas por dois caminhos. O primeiro seria um crescimento excepcional da economia de forma a absorver esses gastos, e assim mesmo se eles

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não voltarem a crescer; o segundo seria a desmoralização gradativa de tudo que foi conseguido, ou seja numa marcha a ré na situação atual com resultados catastróficos que anulariam as conquistas obtidas. Que Deus nos proteja.

Algumas situações ainda nos afligem, como por exemplo, a política de integração da América Latina. Precisamos ser claros, essa integração tem limite, a América Latina é constituída de países diferentes em grande escala. Integrar hoje a Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai com os governos que têm seria nos unir à parte podre da América Latina. Naturalmente não me refiro as posições que podem mudar com novos governos, mas porque vamos carregar esses bandoleiros sem nenhuma espécie de vantagem, por muito tempo.

A Bolívia com a posse do Presidente Morales, a primeira coisa que fez foi atacar e roubar a Petrobras, além de não querer garantir o fornecimento do gás contratado de 30 milhões de metros cúbicos por dia. Decorridos apenas meses a situação mudou e dos 30 milhões, a Petrobras se dispôs a reduzir a 18, dando uma de protetor, me parece, nos 23 milhões. A diferença que seria absorvida pela Argentina, e outros, simplesmente desapareceu por motivos não só políticos como econômicos e climáticos naquele país.

Quanto ao Sr. Chaves da Venezuela, não precisamos perder muito tempo, pois já conhecemos seus procedimentos e quanto ao Bispo do Paraguai, é apenas uma figura de assaltante de batina não cumpridor de suas obrigações contratuais, em Itaipu na qual eles entraram só com a água.

Ora senhores porque a integração com a América Latina? Só porque estão mais perto das nossas fronteiras? Se é para integrar é melhor que façamos com os Estados Unidos, Canadá, México, Colômbia

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e Chile que conhecemos bem, e porque não com as ilhas Falkland que está perto de nós, e será em breve muito importante, mas acho que essa integração proposta deve ser relativa e restrita a assuntos econômicos, e a relações diplomáticas, normais.

Quanto à política exterior, vemo-nos diante de um panorama curioso, se por um lado Lula por sua personalidade atingiu grande prestígio, por outro o admirável Itamaraty de outrora se transformou numa instituição caricata, com decisões desastrosas em sua área de ação, a ponto de ter do ponto de vista prático dois chanceleres, o que nunca se viu em tempo algum nem em lugar nenhum.

Hoje, Lula vale mais sozinho do que todos os seus seguidores ori-ginais juntos.

Sem dúvida Lula percebeu que a defesa de suas posições políticas anteriores eram praticamente todas erradas e tenta corrigir, apesar de vez por outra, ter uma recaída.

Os companheiros latino-americanos já antes mencionados são más companhias e a eles poderiam acrescentar o casal Kirchner.

A presidenta da Argentina lançou-se em protestos quanto a uma anunciada exploração de Petróleo nas ilhas, que eles chamavam Malvinas em posição Off Shore.

Os comentários sobre o assunto são díspares, pois vão desde o prenúncio de uma reserva de 60 bilhões de barris (semelhante ao Pré-Sal brasileiro) até aos que afirmaram não ser sua exploração viável devido aos altos custos decorrentes do clima e das condições de mar. Durante a guerra das Malvinas o petróleo encontrava-se a US$ 10 no mercado Internacional (1988) e consequentemente não

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se falava muito no assunto porque por esse preço a sua exploração seria deficitária, mas com ele a US$ 80 a coisa muda de figura.

Sobre as ilhas Falkland/Malvinas temos de admitir que foram desco-bertas pela Inglaterra e o nome Falkland homenageava o tesoureiro da Marinha Inglesa. A ilha foi ocupada por um pequeno número de habitantes ingleses que não sobreviveram muito tempo, sendo então as mesmas invadidas pela Argentina que lá fixaram 25 famílias.

Os Ingleses retornaram com novos habitantes de forma amigável e tentaram manter os Argentinos por lá, mas eles optaram por retirar-se sem problemas para as duas partes.

A ridícula guerra de 1988 que acabou sendo um desastre para os argentinos, tinha como principal objetivo encobrir os problemas internos enfrentados pela ditadura militar do General Galtieri.

É bom lembrar que após a segunda grande guerra, a ONU aprovou o fim do colonialismo em todo o mundo, mas resguardou o respeito a vontade dos habitantes de cada lugar.

Com isso os ingleses passaram a valer-se da segunda parte da reso-lução, já que os quase 3.000 habitantes das Falkland se manifestaram quase que de forma unânime, pela permanência com os ingleses sem constituírem, por enquanto, uma nação independente; os ingleses, entretanto, os tratam como se independentes fossem procurando ouvir suas opiniões sobre todos os problemas que os afetam.

Com isso a posição atual está claramente de acordo com as resoluções da ONU, isto é, Independência e respeito aos habitantes.

É bom lembrar que os ingleses, além da ilhas Falkland/Malvinas

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descobriram também o arquipélago das ilhas Geórgia do Sul e das ilhas Sandwich do Sul, sendo que a Geórgia operou por décadas nos séculos XIX e XX uma operação de industrialização da caça à baleia e a produção de óleo das mesmas, que com o progresso passou a ser antieconômico. As instalações, ainda se encontram no local e os ingleses mantêm a ocupação oficial das ilhas com 17 militares per-manentemente estabelecidos.

Gostaria de saber, dos nossos companheiros diplomatas, se não seria o caso de abrirmos um consulado, ainda que honorário, nas ilhas Falkland e aguardarmos os acontecimentos com o pioneirismo dessa iniciativa.

Da América do Sul propriamente dita só se salvam, no momento, o Chile que tem uma posição já bastante consolidada e o Uruguai que gosta de permanecer em acordo conosco nas posições mais impor-tantes a Colômbia e o Peru.

Apesar dos vexames diplomáticos atuais, os países latino-americanos, à exceção da Colômbia, aprovaram a criação de uma OEA paralela a Celac com o objetivo de incomodar o Presidente Barak Obama como diagnosticou, de forma a notável, o nosso conselheiro Ricardo Vélez Rodrigues.

A Celac tinha como objetivo deixar de fora os Estados Unidos e o Canadá da nova OEA do B.

Assim foi, só quero saber quem vai pagar os custos dessa nova inu-tilidade, pois na OEA os Estados Unidos já pagam 60%.

A globalização é um fenômeno que veio para ficar, pois se nós fizermos um estudo do povo brasileiro vamos chegar a conclusão

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que ele vem se aperfeiçoando, embora em marcha ainda lenta para os dias de hoje.

Para não ir muito atrás, uma comparação com os habitantes dos últi-mos 100 anos (séculos XX e XXI) podemos constatar vários pontos muito positivos, como por exemplo:

1 – A expectativa de vida passou de 45 anos para 75 anos para os homens, nos últimos 100 anos.

2 – Nos grandes centros já não vemos mais pessoas descalças (salve as alpargatas roda e as sandálias havaianas).

3 – O índice de mortalidade infantil para crianças de até 1 ano caiu de 162 para 29 em cada 1.000 nascimentos.

4 – As melhorias decorrentes dos novos níveis de salário-mínimo deram mais vigor ao potencial comprador de utilidades domésticas, com consequente melhoria do nível de vida.

5 – A produção automobilística atingiu a média de 3 milhões de unida-des anuais, apesar de uma parte dela ser exportada, o mercado nacio-nal com vastas melhorias salariais tornou-se muito mais abrangente.

É precioso entretanto acentuar que esses avanços industriais e econô-micos, de forma geral, têm hoje como seu propulsor um farto sistema de financiamento que foi conseguido em face da política econômica do Dr. Meirelles e a confiança internacional que ele representa.

Há pouco tempo nesse mesmo conselho uma memorável conferência do conselheiro Sidney Latini mostrou números que pareciam ser ina-tingíveis pela indústria automobilística, e que hoje se tornaram viáveis

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pela fartura de condições de venda que já atingem 60 prestações (5 anos) e na parte técnica garantia de até 5 anos em muitos carros.

6 – A autossuficiência do petróleo trouxe sem dúvida um alívio cam-bial quase total para o setor, sem falar nas perspectivas de exploração de muitas áreas, no Brasil e no exterior, além das descobertas do Pré-Sal que tornarão o País em curto espaço de tempo num exportador importante.

7 – As reservas petrolíferas de cerca de 14 bilhões de barris em dez. 2007 poderão ser acrescidas de pelo menos mais 50 bilhões de barris no Pré-Sal e tornando o País num dos maiores do mundo petrolífero com cerca de 75 bilhões de barris, igualando-se às reservas atuais da Venezuela, um dos mais importantes paraísos petrolíferos e que atualmente financia as aventuras do Sr. Chaves, quando o mercado atinge níveis como os atuais. A Cia. Petróleos Venezuelano que foi por quase um século uma empresa de alto respeito e confiança, transformou-se na caixa do Sr. Chaves, que usa seus suplementos para cumprir seus sinistros programas.

Para se ter uma ideia da confiança internacional, mesmo com o petró-leo nos níveis atuais de US$ 80, os papéis da Petróleos Venezuelano, estão rendendo 14/15% a/a com deságios de 30 a 50% dos seus custos de face, para compará-lo melhor, os títulos da dívida brasileira estão rendendo 4,5 a 7% a/a, com cotação mínima BBB enquanto a Petróleos Venezuelano consegue no máximo B+ e assim mesmo com rendimentos de 11 a 12% a/a.

8 – Há ainda vários mananciais que permitirão uma ampliação subs-tancial de energia hidráulica de custo baixo.

9 – O tabu da energia atômica, começa a ruir, após o progresso

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tecnológico na construção de novas usinas muito mais seguras que no passado.

10 – A indústria aeronáutica tornou-se um sucesso com a consolida-ção da Embraer, hoje privatizada.

11 – A CVRD, após sua privatização, tornou-se incomparavelmente maior e mais eficiente disputando a primazia da produção de minério de ferro e expandindo-a para outros metais e outras atividades.

Apesar desses resultados espetaculares, ainda hoje os setores sindi-cais, vez por outra, ainda tentam reverter essa privatização com o intuito de dar a eles a possibilidade de voltarem a explorar esse setor em seu proveito próprio, situação essa que jamais conseguirão num regime privado.

12 – A produção siderúrgica hoje totalmente privatizada, tornou-se não só uma garantia à indústria nacional como passou a concorrer na exportação de produtos acabados no mercado internacional.

13 – O refino de petróleo no limite da autossuficiência receberá tam-bém um reforço de novas refinarias, sendo pelo menos, uma de 600 mil barris/dia destinada a produção de óleo diesel para o mercado nacional e com vista a substanciais exportações.

14 – As reservas cambiais do País que cresceram nos últimos 10 anos de menos de US$ 10 bilhões para os atuais US$ 245 bilhões e con-tinua a crescer, apesar dos atropelos decorrentes da crise financeira internacional.

Outro ponto que acabou nos causando uma grata surpresa foi a atuação da infraestrutura portuária que já andava com os armazéns entupidos para um trade de 2,5 bilhões, de 1964, e conseguiu acom-

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panhar o atual notável crescimento para um trade de mais de US$ 245 bilhões.

O mais fantástico foi que não se viram obras espetaculares nos portos, mas um somatório de medidas, que redundaram na privatização de vários setores e na modernização de equipamentos principalmente no setor de containeres.

Aqui neste conselho o nosso saudoso companheiro Juan Llerena, que era uma autoridade em portos, sempre foi muito cético quanto a pos-sibilidade de aumentarmos exponencialmente o trade e as estruturas rodoviária, ferroviária e portuária não aguentariam fazer a sua parte.

Mas a prática provou que não, o que não quer dizer que daqui para frente não façamos nada nesse sentido.

O resultado só não é maior pela criminosa atuação dos agentes do serviço público que entram em greve sistematicamente, provocando prejuízos gigantescos, que não são pagos pelos irresponsáveis.

Exportação perdida e exportação morta, pois jamais conseguiremos recuperar no tempo.

Poderia citar outros dados, mas vamos opinar sobre dois setores de substancial importância que encontram-se em estado ainda deplorável: o da saúde e da educação.

Um esforço grande vem sendo feito, mas ainda sem resultado mais abrangentes.

A deficiente pesquisa médica, apesar dos pesares, volta e meia nos brinda com algum sucesso científico, mas o atendimento hospitalar ainda é caso de polícia na maioria das regiões.

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Quanto mais dinheiro se coloca nesses setores maior é o desperdício e a roubalheira. Lembrem-se que o Sr. PC Farias tinha nesse setor a maior base do seu esquema de furto organizado. Estou convencido que o problema desse setor é mais uma questão de administração do que propriamente de dinheiro visto as somas envolvidas.

Nos diversos níveis Federal, Estadual e Municipal vemos um lotea-mento dos setores, de forma política, o que proporciona a certos grupos explorá-los a seu bel-prazer.

Quanto à educação o governo gasta na educação superior, deixando sem proteção e ensino médio que é a base da escala ao ensino superior.

Lula tem sido conivente com nossos piores clientes, perdoou uma dívida de US$ 50 milhões da Bolívia, que pouco tempo depois roubou a Petrobras, perdoou dívidas de até grandes ditaduras como o Gabão e de outros estados de menor projeção, em muitos casos vinculadas essas benesses ao compromisso do voto no Brasil para membro efetivo do conselho de segurança.

Nesse ponto estou de acordo com a opinião do Embaixador Vasco Mariz que diz: “Vão acabar recebendo o Brasil e outras nações simi-lares no conselho de segurança, mas sem poder de veto, uma posição de mula manca”, ou como dos atuais membros bianuais dos quais o Brasil já esteve no conselho 10 vezes e está hoje.

O nosso maior problema todavia é a crise moral, os escândalos emergem a cada semana, o Legislativo já está inteiramente crimina-lizado e muitos setores do Executivo também. Esses problemas são ocasionados basicamente pela impunidade existente, aliada a falta de ética nos setores governamentais.

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Nesse ponto Lula tornou-se o arauto da impunidade e pagará caro por isso no futuro.

Até a justiça, último baluarte da moralidade já começa a dar sinais de sua contaminação.

Por falar em justiça, a do trabalho vem se tornando um peso insus-tentável, o nosso Conselheiro José Celso Macedo Soares, há algum tempo atrás, manifestou-se de forma contundente sobre o assunto, assinalando que seus gastos já chegam a custar mais que os da saúde e da educação juntos. Urge uma reorganização do setor a fim de acabar com a verdadeira “indústria de chantagens jurídicas” por parte dos advogados inescrupulosos que valem-se dos mais humildes e iletrados trabalhadores para manter suas vantagens com a complacência da lei.

O Supremo Tribunal do Trabalho, tem cerca de 4 milhões de ações para julgar com seu reduzido número de ministros.

Não adianta aumentar o número de juízes, e funcionários para segui-rem um regulamento cada vez mais ineficiente.

Nesse setor devemos aplicar o princípio de Juracy Magalhães, que dizia que o que é bom para os Estados Unidos, é bom para Brasil. Esse princípio não é 100% certo, mas não temos dúvidas que é 90% certo.

Nos Estados Unidos as questões devem ser resolvidas entre emprega-do e empregador em 30 dias, caso isto não ocorra, as partes poderão apelar para um departamento especializado do governo, que em 30 dias dará a sentença definitiva e inapelável findando em 60 dias o processo. Só daí se não houver acordo pode ser acionado o processo judicial, que também não é longo.

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Para se ter uma ideia, vejam só o que custa essa justiça nos Estados Unidose uma fração ínfima do que ocorre no Brasil.

As recentes descobertas de fraudes no Senado Federal apenas levanta-ram o véu de mais um campo minado pela corrupção e o nepotismo e sem dúvida, muitos ainda vão aparecer por aí nos próximos meses, com conivência total de importantes políticos e a certeza de que ninguém seja punido.

Chego a temer que do jeito que as coisas vão, a religião católica po-derá mudar o mandamento que manda NÃO FURTAR para “não furtar aos particulares”.

A ética e a moral na política nacional estão praticamente extintas, e as consequências serão catastróficas sob todos os pontos de vista, já que os criminosos serão seus próprios julgadores em muitos casos.

No passado os presidentes nomeavam ministros para executar a política setorial do governo, hoje nomeia-se ministro para desfrutar e explorar aquela área.

Os recentes acontecimentos que redundaram na prisão do governador Arruda do Distrito Federal são estarrecedores, as provas abundantes chegam a certos casos ao ridículo, e nada se fez para que eles venham a ser cassados definitivamente.

As tentativas de impedir candidaturas subjudice até o momento falha-ram e das poucas esperanças nesse campo para as próximas eleições. Mas a iniciativa popular proposta vingou no Congresso o que já foi um passo inicial considerável.

Em resumo, se por um lado vemos Lula descobrir o valor da política econômica, por outro lado vemos vez por outra ceder aos petistas em

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questões ridículas como a medida provisória sobre direitos humanos e outros a qual depois de devidamente bombardeado pelas corren-tes coerentes, acabou sendo devidamente esvaziado para atender as partes envolvidas.

Pelo que pudemos observar o País praticamente anda sozinho, quando conseguimos tirar do caminho os obstáculos estatais, de toda natureza.

O Brasil para passar de emergente para um nível superior tem ainda um longo caminho pela frente. Em conferência que proferi nesse conselho em nov. 2004 elenquei uma série delas, mas é preciso re-lembrar as mais importantes.

1 – Liberdade cambial total. Reconheço que é difícil fazer isso já, mas temos feito alguns progressos, pois sem ela nada feito.

2 – Corte de pelo menos 40% da carga tributária a fim de equalizá-la a de vários países concorrentes.

3 – Uma legislação trabalhista similar a dos competidores e não a que procura manter privilégios a um grupo, que no fundo representa menos de 1/3 da população nacional em detrimento de uma maioria discriminada e prejudicada.

4 – Eliminação de entraves burocráticos de toda ordem.

5 – Combate implacável ao roubo e a corrupção.

6 – Criar regras claras e estáveis para atrair os investidores nacionais e estrangeiros, para iniciativas de longo prazo.

7 – Procurar atacar o problema social pelo princípio, isto é, procu-rando um jeito de parar a fábrica de miséria que hoje fomenta um crescimento populacional desordenado, para não tentar equacionar

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de forma racional o problema de habitação, extinção de favelas, e migrações desnecessárias, com vista a obtermos uma melhoria do padrão de vida abrangente.

8 – Manter o que vai bem, como a política econômica, a reputação internacional e nacional, de corretos cumpridores de nossas obriga-ções financeiras.

9 – Procurar melhor os itens que tornem as exportações mais baratas, como manutenção de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, entraves burocráticos e outros. Procurando processos viáveis de privatizá-las, mesmo considerando a hipótese de pagar algum subsídio as menos rentáveis em condições normais.

10 – Penalizar pecuniária e criminalmente conforme o caso, os agen-tes governamentais que agem hoje impunemente, com propostas de achaque aos contribuintes, comportamento esse que os torna hoje párias pagadores de impostos, mas no fundo são os que carregam o barco do progresso, entre outras.

Para finalizar chamo atenção mais uma vez para os gastos estatais que poderão nos levar a uma situação semelhante a da Grécia, mas sem as muletas dos Euros por trás.

Finalmente chamo a atenção para as grandes reformas como política, trabalhista, fiscal e outras de forma a apresentar resultados positivos e não remendos imprestáveis como tem acontecido em alguns casos no passado

Que Deus Proteja o Brasil.

Palestra pronunciada em 8 de junho de 2010

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Walber José ChavantesEconomista

A crise no mundo

A crise no mundo ainda convive num cenário de tensões e incerte-zas geopolíticas, no qual o processo de crescimento ainda é vul-

nerável, enquanto o sistema financeiro não superar suas dificuldades.

A economia continua no movimento descensional do ciclo econô-mico e ainda não deu sinais de recuperação progressiva, ameaçando a harmonia do equilíbrio econômico no mundo global.

Embora as crises sejam partes integrantes dos ciclos econômicos, são ocorrências necessárias para que as economias ganhem seus pro-cessos inevitáveis de impulso, que irão definir a dinâmica de outros segmentos econômicos em dimensão nacional e mundial a caminho de novos ciclos mais avançados e ousados no contexto de acelerar o progresso no processo da experiência da civilização.

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O mundo não poderia progredir numa linha horizontal sem conhe-cer a imposição natural dos ciclos em suas múltiplas versões como conhecemos e vivenciamos no contexto econômico, no processo das civilizações, nos desdobramentos sociais e na evolução da própria vida que nasce, cresce atinge o apogeu, declina, fenece e deixa sempre um germe que se processa numa nova evolução.

As crises são ajustamentos dos próprios ciclos que se desdobram em avanços tecnológicos, que dão nova conformação a experiência do conhecimento, multiplicando inter-relações que dão unidade política e social num mundo que se encontra no início do processo da globa-lização, onde os espaços territoriais rompem fronteiras e os avanços da civilização tenderão a se conformar numa unidade universal.

O desafio dos analistas é mensurar a dimensão e a intensidade da crise, que depende de reformas estruturais no âmbito da legislação e da estratégia financeira.

Apesar das oscilações que se multiplicam nas economias, ainda espe-ramos um cenário que possa definir com segurança a recuperação da economia mundial num espaço de tempo que incentive a retomada do equilíbrio dos mercados financeiros e de capitais.

Os investidores foram envolvidos num mimetismo que lhes retirou a transparência natural de suas referências financeiras.

O resultado foi o desdobramento do risco sistêmico, que se propagou pelos mais diversos mercados, sem condições ainda de prever o seu retorno à confiança dos agentes econômicos.

O descuido dos órgãos reguladores foi responsável pela gênese da crise que se desdobrou com intensa velocidade sem ser impedida

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por uma regulação prudencial de critérios mais rígidos e punições mais severas.

A multiplicidade de ativos e o descaso ao avanço de imprudentes alavancagens, capazes de consumir o Patrimônio Líquido das ins-tituições financeiras, foram fatores de grande responsabilidade no agravamento da crise.

Políticas monetárias inadequadas agravaram e distorceram as opera-ções, ocultando-lhes perdas de garantias em processo de desvalori-zação de ativos com consequentes prejuízos generalizados.

Os atores de mercado viram perder transparência das regras pruden-ciais, a segurança e a transparência das operações, que ainda continuam convivendo com um espectro de grande dimensão a ser contornado.

A iliquidez das operações se transferiu e se multiplicou em vícios de estruturas e formatou inúmeras operações com conteúdo duvidoso, que ainda permanecem no contexto da economia mundial.

As expectativas ainda oscilam entre o otimismo que está na natural ansiedade da normalidade, não considerando os efeitos futuros das medidas tomadas no início da crise e a cautela como comportamento que deve ser considerado para avaliar o desdobramento da crise.

As crises são constituídas de processos de vulnerabilidade que se somam e se desenvolvem num movimento sistêmico. Os processos de recuperação nunca são progressivos. Eles sempre se ajustam em períodos de vulnerabilidade que não raro se aprofundam.

A cautela, além de incorporar a ansiedade pelo equilíbrio da economia, deve considerar com precaução os efeitos das medidas adotadas para

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sua normalização ainda nas inquietações que surgem no processo de ajustamento.

A saúde financeira de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha vem sendo avaliada com grande reserva ante a impossibilidade de construir o seu próprio equilíbrio econômico-financeiro, ameaçan-do socorrer-se dos países da Zona do Euro e até mesmo do Fundo Monetário Internacional.

Esses países, que tiveram grandes benefícios com a criação da União Europeia, perderam credibilidade com a irresponsabilidade do endi-vidamento com operações exóticas e o forte desequilíbrio das contas públicas e a crescente dívida interna e externa.

A insegurança desses países tem deixado sequelas no mercado finan-ceiro com forte apreensão na Alemanha como líder de um possível esquema financeiro de proteção, que só seria discutido em meados de 2010, sem a pretensão de constituir uma base sólida para solução da crise da Europa.

Não foram somente as operações de alto risco responsáveis pelas deficiências financeiras, mas também o desequilíbrio das contas pú-blicas de diversos países que vinha se acumulando, ultrapassando as regras do déficit fiscal de 3% do PIB, imposto pela União Monetária Europeia.

A Grécia e outros países do Euro, como Espanha, Portugal, Itália e Irlanda no desenrolar da crise, perderam a confiança do mercado in-ternacional e tem-se constituído no antro das discussões da assistência financeira do mercado do Euro e do Fundo Monetário Internacional.

Outro aspecto da maior relevância é que a progressão da desconfiança

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da solidez desses países incorre no aumento do prêmio de risco e na restrição dos prazos de rolagem, dificultando ainda mais uma solução menos traumática

Esses países têm dificuldades adicionais pela falta de liberdade de estipular o câmbio adequado e a taxa de juros apropriada em função da natureza de seus desequilíbrios.

No processo atual, aumentam as dificuldades política e social de na-tureza interna, como a redução de salários e a contensão de consumo, providências que se não forem adotadas transbordam para soluções de toda comunidade em prejuízo da normalidade da economia.

A Grécia e outros países em dificuldades podiam, antes de ser insta-lada a Zona do Euro, amenizar os seus problemas, desvalorizando o valor de sua moeda em relação às moedas de outros países da região. No cenário atual só existem duas possibilidades, ou esses países acei-tam a recessão ou a Alemanha, como a maior provedora de recursos, ingressa no processo inflacionário.

Desde o início da crise, os bancos centrais do mundo injetaram extraordinária soma de recursos nos mercados, promovendo um alto grau de endividamento que deverá ser considerado no curso da recuperação. As dívidas públicas se desenvolveram significativamente, ameaçando um desafio considerável.

Em 2009, a dívida pública da Bélgica em relação ao PIB alcançava 85,4%, França 60%, Grécia 94,6%, Itália 100,8% e Portugal 62,6%, o que indica a necessidade de um grande esforço desses países para alcançarem um equilíbrio sustentável.

O mundo continua enfrentando um cenário de tensões e incertezas

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num processo de crescimento ainda vulnerável, enquanto o sistema financeiro não superar suas dificuldades e encontrar um ponto inicial de equilíbrio para recuperação sustentada da economia. Qualquer reabilitação será marcada por incertezas e desconfianças.

Ocorre que grande parte dos recursos postos à disposição da eco-nomia encontra-se descolado da economia real, aguardando cenário de maior confiança para então ser utilizado.

Adicione-se ainda que o poder acumulado desses recursos para dina-mizar as economias ultrapassa de muito o potencial da oferta colocada à disposição do público. Quando os consumidores e investidores recuperarem os seus anseios é possível não encontrarem a necessária disponibilidade de bens e serviços. O quadro da economia mundial ainda é frágil e a conjuntura contornada de tensões e incertezas.

O resultado inexorável na reação da economia será um descompas-so entre o potencial da oferta e da demanda, promovendo pressões indesejáveis sobre os preços.

Não se pode descartar um cenário de estagnação conjugado com o despontar da elevação dos preços, em que os bancos centrais se ante-cipem a elevar as taxas de juros em busca do equilíbrio da economia, agravando o processo recessivo.

Há notícias de que o Fundo Monetário Internacional (FMI), ao final de setembro de 2009, teria alertado os bancos centrais para possível elevação da taxa de juros, ficando subentendido que a política monetá-ria poderia progredir no sentido de apertar a administração monetária mais cedo para impedir possíveis consequências do inevitável excesso de liquidez, criando um ciclo de instabilidade financeira.

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O encerramento dos programas de incentivos fiscal e monetário terá de ser feito com cautela sem prejudicar o perigo de interesses adversos entre as atividades econômicas, o equilíbrio de sistema financeiro e a ocorrência de pressões inflacionárias, a fim de não provocar incon-veniente recaída da recessão.

É necessário discutir a estratégia para reduzir os efeitos da crise e sustentar garantias de recuperação. Não devemos sair da crise com algumas consequências macroeconômicas que terão de ser avaliadas e minimizadas.

Não podemos deixar de recordar que no curso da Grande Depressão de 1930 começaram a surgir eventuais pressões inflacionárias como indicador de que as expectativas do processo recessivo haviam se superado. A reação dos governos foi a redução dos gastos públicos e a retirada dos incentivos, providências que vieram acompanhadas da antecipação de política monetária restritiva, do que resultou a interrupção dos fluxos de recuperação, revertendo o esperado início da normalidade da economia num processo de estagnação.

Esse é um cenário que deve ser examinado com extrema cautela se considerarmos que, embora à época já existissem transações financei-ras em escala internacional, ainda não haviam se generalizado, como atualmente, operações internacionais globais num processo de tempo real, no qual se multiplica uma cadeia de operações estruturadas entre o emissor primário e o devedor final, despertando indefinições na precificação dos ativos em operações com resultados indesejáveis de alto risco na segurança das transações.

A retomada em nível de crescimento econômico ainda terá de ser branda, considerando os ajustamentos que serão inevitáveis na es-

32 Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, n. 667, p. 25-58, out. 2010

tratégia institucional do sistema financeiro, como a natural redução do número de instituições, que emergiram da crise e a disposição dos governos em darem maiores poderes aos bancos centrais para melhor regulação dos produtos financeiros em suas complexidade e sofisticação.

O sistema financeiro do mundo ainda se encontra em posição de vulnerabilidade, havendo estimativas de que o valor dos derivativos no mundo chega a US$ 600 trilhões, o que demonstra a dimensão de tensões e incertezas que são avaliadas, em razão da continuidade da queda do valor desses ativos, cujos riscos estão conectados.

As respostas esperadas das medidas até então adotadas ainda serão lentas e discretas, devido à dinâmica das crises sincronizadas no mundo. Se a atividade econômica reagir em aceleração poderá com-prometer a sua recuperação e ocorrer processo inflacionário, em medida que poderá ressuscitar em estagflação. Os analistas deverão encontrar o ponto comum que possa diferenciar o comportamento da crise do esforço final e início de novo ciclo.

A crise se desenvolveu com dinâmica e intensidade diferentes, apesar das medidas de natureza universal utilizadas como as políticas mo-netária, fiscal e de intensa proteção às empresas de grande porte na economia mundial.

Países como os Estados Unidos, a Zona do Euro, incluindo os dois maiores países França e Alemanha e outros da União Europeia, como o Reino Unido ainda se encontravam em 2009 em recessão, acusando declínio em suas economias, respectivamente de 2,4%, 4,1%, 2,2%, 5%, e 4,8%, em relação ao PIB.

A crise é sistêmica pela sua própria definição de interromper a alo-

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cação do crédito, a liquidação de compromissos e a indefinição da precificação dos ativos financeiros.

O imperativo para normalização das economias ocorrerá após os bancos assumirem os chamados ativos podres e demonstrarem equi-líbrio em suas estruturas econômico-financeiras.

Depois do período que concentrou inúmeras denúncias de estado falimentar de vários bancos, surge, em meados de abril de 2009, o escândalo financeiro denunciado pela Securities and Exchange Co-mission (SEC). Sob a acusação do Goldman de ter vendido instru-mentos sub-prime, de alto risco, elaborados com a ajuda do Fundo de Hedge, Paulson & Co, que teria obtido lucros de US$ 1 bilhão ao apostar, posteriormente, contra a própria operação.

A SEC anunciou que está investigando mais 19 bancos suspeitos de envolvimento com operações de alto risco, maquiadas contabilmente.

O comportamento das bolsas de valores no mundo pode ser consi-derado um elemento surpresa diante da desaceleração da economia mundial. Depois de assumirem, em 2008, sucessivas quedas encerram o ano de 2009 com desempenho surpreendente de forte elevação, com destaque da Bovespa e de Hong Kong, que alcançaram crescimentos, respectivamente, de 82,66% e 52,03%.

Outra expectativa de grande magnitude é o desafio que surge com a desconfiança em relação à segurança do dólar, como moeda refe-rencial nas transações internacionais.

Já se observava, em 2009, certo encolhimento do dólar nas transações internacionais com o surgimento da preferência pelo euro ou outros mecanismos de viabilização nas trocas comerciais.

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A inserção de nova moeda na dinâmica das transações econômicas tem sido motivo de preocupação em vários países, como a China e o Japão, que mantêm em suas extraordinárias reservas internacionais consideráveis parcelas em dólar e títulos do governo americano.

Qualquer rumor de desvalorização mais efetiva do dólar poderá ter como contrapartida a revisão dos megaportfólios das reservas inter-nacionais da China, Japão e de outros, possivelmente, em busca de ativos mais confiáveis e estáveis para lhes dar tranquilidade e segurança na dinâmica de suas economias.

A habilidade dos Estados Unidos em disciplinar os permanentes e crescentes déficits terá extraordinária determinação no status do dólar, que não poderá desvalorizar-se progressivamente sem consequências relevantes no equilíbrio financeiro do mundo.

O mundo não estaria disposto a financiar os elevados déficits dos Estados Unidos não só em suas relações comerciais com o resto do mundo como também no crescente desequilíbrio fiscal.

A especulação incorporou um sentimento de riqueza nos mercados secundários, afetando o ritmo dos investimentos produtivos respon-sáveis pelo crescimento da renda e do emprego.

São processos longos que não poderão ser subestimados, porque exigirão readquirir a confiança do público para recuperação da ri-queza real, com gastos de investimentos e de consumo em relação à normalidade.

As economias devem ser avaliadas pelo desempenho de seus fun-damentos, que dependem das políticas monetária, fiscal, externa e cambial, além do respeito à fixação do poder aquisitivo como elemen-

35Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, n. 667, p. 25-58, out. 2010

to de estabilidade dos agentes econômicos em suas necessidades de consumo e a sua disposição de poupança, garantindo a estabilidade dos preços e o crescimento da economia.

Os déficits fiscal e externo dos Estados Unidos têm sido crescentes e sequenciais num processo perverso de compensação, em que o desequilíbrio externo é corrigido com a emissão de moeda que supre as reservas internacionais de grandes credores, principalmente da China, e que retorna a origem com a compra de Títulos do Tesou-ro Americano para cobrir o desequilíbrio das suas contas públicas. O resultado final é o crescimento da dívida pública que alcançou US$ 12,374 bilhões.

O desemprego no mundo, que se projetou com grande velocidade nos últimos 24 meses, ainda caminha em dimensão preocupante. As últimas estimativas anunciam que a Europa e os Estados Unidos, com participação predominante na economia do mundo, ainda exibem desemprego da força de trabalho estimada em cerca de 10%.

O ano de 2010 ainda evolui em fase de ruptura sistêmica deixando um rastro de sentimento, em que os bancos centrais ainda não pro-moveram as necessárias correções regulatórias para oferecer uma sólida estrutura financeira ao sistema bancário e evitar a progressão do comportamento de risco.

A conjugação das crises fiscal e financeira compõe o quadro infra-estrutural da crise. Sem coordenação fiscal e a ausência da reforma financeira o mundo continuará em descompasso na sua infraestrutura.

A reforma financeira tem dois elementos básicos, regulação e super-visão do sistema.

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A principal consequência é evitar o agravamento do risco sistêmico, procurando amenizar nas naturais crises a contaminação progressiva.

O mercado progride nas inovações financeiras, na fusão dos merca-dos bancário e de capital e no avanço dos bancos para operações em termos nacional e internacional.

Qualquer solução para recomposição da economia mundial passa por um conjunto de ações coordenadas, que exige a compreensão e a unidade de propósito dos países envolvidos na crise.

O alcance da normalidade da economia vai exigir sensibilidade e arte das autoridades em suas intervenções para que os agentes econômi-cos, segundo as circunstâncias da economia e de suas decisões não venham produzir um processo de inflação ou recessão e até mesmo de estaginflação.

A crise atual tem recorrência mais profunda do que a observada na Grande Depressão de 1930. Àquela época o sistema financeiro não tinha a complexidade, o poder, nem a expressão e o significado do atual sistema, que funciona como infraestrutura da economia real.

Embora a recuperação àquela época tenha sido sofrida, aliás em razão da falta de coordenação das autoridades, que acionaram a política mo-netária numa dimensão incompatível com o processo de retirada dos incentivos, promovendo uma dinâmica de prolongamento da crise, o mundo atual ainda vai conviver com um cenário mais prolongado de angústia e incertezas para consolidar novamente o equilíbrio e apagar as cicatrizes da crise que ainda estão presentes.

Qualquer prenúncio de recuperação ainda é incerto e terá de ser objeto de atenção. A recessão é mundial, portanto, a recuperação é

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complexa e gradual, sujeita ainda a muitos percalços a transpor. O mundo experimenta uma nova ordem global e os programas de estí-mulo necessitam da interação dos agentes econômicos na esperança dos resultados das medidas postas em prática, retornando aos investi-mentos para criação de novos empregos e recuperação do consumo, que, aliás, nos Estados Unidos representa 70% da sua economia.

O que se espera é que a recuperação se realize de modo suave e gra-dual, de modo a se conviver com uma economia em condições de sustentabilidade, em que pese a consistência econômica prevalecente nos Estados Unidos e na Europa, que representa cerca de 50% do PIB mundial. Paradigma das transformações que deverão caminhar em níveis que progredirão em velocidade ainda impossível de ser dimensionada.

O mundo ainda vai conviver com algum tempo para conhecer nova-mente o equilíbrio e apagar as cicatrizes da crise que estão presentes.

China

A China continua gravitando no centro da economia global, buscando novos parceiros para adicionar riqueza em sua economia.

Manteve a supremacia no crescimento da região, ameaçando assumir o posto de segunda economia do mundo, superando a economia Japonesa.

Continua promovendo forte intervenção na indústria e mantém a taxa de câmbio congelada e a abertura da economia a investidores estrangeiros de preferência com transferência de tecnologia.

A projeção da China no mundo econômico continua liderando as

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expectativas de que sua economia continuará resistindo aos efeitos da crise mundial e poderá surgir como uma ponte para adicionar incentivo ao esperado equilíbrio da economia global.

Ocorre, entretanto, que o potencial de disponibilidades de seus re-cursos ainda é insuficiente para liderar uma recuperação em relação à economia mundial. O valor de suas riquezas, estimado, em 2009, em US$ 4,9 trilhões, representa apenas 8,2% dos US$ 60 trilhões do PIB mundial.

A China continua apreensiva procurando monitorar e equacionar a sua expectativa de crescimento às reais possibilidades de sua economia, considerando os recursos internos, a eventualidade da ajuda externa, que tem sido expressiva em recursos financeiros e em tecnologia avançada, transferida por conveniência de empresas situadas em grandes outras economias.

A crise chega à China num extraordinário cenário favorável de sua economia, em que se encontrava numa fase defensiva de um melhor ajustamento do seu crescimento para desestimular o início de um processo inflacionário, enquanto a economia do resto do mundo já se ressentia num processo de desaquecimento como resultado da crise.

A revisão do crescimento do PIB da China, para o ano de 2007, foi surpreendente, alcançando 13% e ultrapassando a posição da Ale-manha, que ocupara o 3° lugar no ranking das maiores economias do mundo.

Os programas adicionais colocados à disposição da sua economia, que alcançaram cerca de US$ 585 bilhões e a disponibilidade do sistema financeiro de cerca de US$ 1,1 trilhão, representando cerca de 20% do PIB, vêm revelando-se como importantes elementos da

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menor dependência de suas relações comerciais com o exterior e de generoso suporte para sua infraestrutura, não obstante os riscos que fruem em ameaça a pressões inflacionárias.

Aliás, a política monetária, no início de 2010, passou a ser mais res-tritiva do que a do ano de 2009. A taxa de juros de seus títulos de 3 meses foi elevada, além dos juros dos títulos de referência de um ano, que aumentaram pela segunda vez em duas semanas, ao tempo em que aumentava os compulsórios dos bancos em 0,5 ponto de percentagem, reduzindo potencial de oferta de crédito.

Os programas de incentivo econômico e os investimentos em ativos fixos compensaram os efeitos negativos, em 2009, da forte queda de 13,1% das exportações, em razão da natural retração do mercado mundial, principalmente dos Estados Unidos.

No início de julho do ano passado, a China lançou programa expe-rimental, em que as empresas começassem a realizar importações e exportações com moedas locais, objetivando incentivar o comércio externo, e a expectativa de futura internacionalização e perenidade da moeda regional. No início de dezembro, realizou a primeira operação financeira com empresas do Brasil, sem a intervenção do dólar como moeda de conversão.

Portadora da maior reserva internacional do mundo, suas disponibi-lidades, em 2009, situaram-se em US$ 2,4 trilhões, com crescimento, no ano, de 28% e compostas por US$ 1,4 trilhão.

A sua preocupação com a estabilidade do dólar levou a amenizar as regras cambiais, permitindo que empresas mantivessem divisas estran-geiras no exterior, estimulando os mercados internacionais de títulos.

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A China continua entendendo que ainda não dispõe de condições para experimentar uma valorização do yuan que poderá colocar em risco a recuperação da sua economia, apesar da forte pressão, sobretudo dos Estados Unidos, Inglaterra, França para ajustar o seu câmbio, corrigindo o fraco valor do Yuan em relação as moedas convencionais.

A China termina o ano encaminhando a sua economia num processo de política fiscal proativa e a política monetária conduzida segundo as circunstâncias e necessidades do momento, em que procura ajustar a demanda agregada à disponibilidade potencial da oferta da economia.

Estados Unidos

A estrutura financeira dos Estados Unidos sofreu progressiva dete-rioração, contaminando a economia real e propagando seus efeitos danosos na economia global.

O fluxo do comércio exterior vem perdendo sua dinâmica e o endivi-damento do Governo tornou-se um prenúncio crescente e ameaçador da sustentabilidade da dívida pública.

O déficit das transações do comércio exterior encerrou o ano com US$ 516,5 bilhões, resultado das exportações em US$ 1.043,3 bilhões e das importações em US$ 1.559,9 bilhões.

O desequilíbrio fiscal, que já havia, em 2008, acumulado déficit de US$ 455 bilhões, encerrou o ano com US$ 1,4 trilhão, valor que deverá ser considerado com prioridade para evitar inevitáveis consequências no processo de ajustamento da economia, de vez que esse descompas-so vem sendo financiado pela eventualidade de poupanças externas.

O arcabouço da crise já era visível e não seria surpresa quando se

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examina a leniente política monetária e a estrutura normativa do sis-tema financeiro, em que se observa ausência de comando uniforme na fiscalização, normas frouxas, reguladores permissíveis e ausência de controle.

Ademais, o convívio com extenso período de juros baixos e ampla liquidez criaram uma sinergia poderosa, constituindo-se na base para que instituições financeiras progredissem num processo de hipera-tividade, criando e multiplicando operações de crédito com elevada alavancagem, paralelamente à colocação de produtos complexos, em-butindo riscos que só foram apercebidos em estágio muito avançado.

Os bancos desprezaram a sua notória experiência na avaliação de risco e o natural sentimento de segurança no processo de suas ope-rações, passando a prevalecerem-se das análises das Agências Clas-sificadoras de Risco, desprezando indicadores que se deterioravam progressivamente.

Os bancos perderam a noção do limite do volume de crédito em relação ao potencial de absorção do mercado, deixando um rastro de operações adicionais sem o necessário sentido econômico. O Lehman Brothers quando faliu tinha uma alavancagem de cerca de 30 vezes o patrimônio, quando os princípios da Basiléia recomendam apenas 11 vezes.

Somente na quebra do Lehman é que o Governo obedeceu o proble-ma do Moral Hazard que impedia a assistência a instituições em zonas de riscos como um princípio para desestimular políticas operacionais de riscos de dimensões calculadas.

O agravante é que se multiplicaram as operações realizadas à margem da regulação e da fiscalização das autoridades, atingindo a economia

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real dos Estados Unidos em operações de alto risco, desdobrando-se pelo mundo com ênfase na Europa e na Ásia.

Quando as autoridades perceberam o alto grau de alavancagem da economia, permeada pela multiplicação de operações de alto risco, promoveram a elevação das taxas de juros, que passaram a funcionar em sintonia com a queda dos preços dos títulos federais e a conse-quente atração por esses papéis, devido à sua maior rentabilidade, causando queda nas disponibilidades para novas hipotecas e para vendas de imóveis, empurrando os seus preços para baixo, com con-seqüente desequilíbrio nas garantias oferecidas ao sistema financeiro.

A conjuntura tomou dimensões preocupantes, obrigando as auto-ridades a permearem suas ações com providências emergenciais e definitivas nos mais diversos segmentos da economia, prevalecendo-se de dois instrumentos poderosos como a expansão monetária e o orçamento do Governo, que encerrou o ano fiscal de 2009 com o expressivo déficit da ordem de US$ 1,4 trilhão, representando cerca de 10% do PIB. As receitas caíram 16,6%, equivalente apenas a 14,4% do PIB, enquanto as despesas fizeram caminho inverso, aumentando 18,2%, exibindo 24,8% do PIB.

A crise financeira, que se inicia em 2007 e alcança o ano seguinte, estende-se com forte ímpeto por todo ano de 2009 e ainda sem uma definição em meados de 2010, apesar do extraordinário esforço do Governo em procurar recuperar o sistema financeiro e propiciar as condições indispensáveis para evitar o colapso da economia. O agra-vante é que há percepção de que o sistema financeiro ainda insiste em continuar adotando comportamento de risco e ignorando as boas regras operacionais.

No início de 2009, a Networks, maior fabricante de equipamentos de

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comunicações dos Estados Unidos pediu concordata, seguindo-se a Gottschalks, enquanto a rede Circuit City, segunda maior do país em eletrodomésticos, já havia anunciado a sua falência.

Cedo as autoridades se convenceram de que seria necessário continuar adotando providências emergenciais e definitivas, a fim de vencer o desânimo da economia e salvar empresas à custa da continuidade do afrouxamento fiscal e da política monetária concessiva.

Ainda em janeiro de 2009, o Departamento do Tesouro Americano anuncia a aprovação pelo Senado da liberação de US$ 350 bilhões, relativos a segunda parte dos US$ 700 bilhões do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (TARP), cujo objetivo era de liberar o mer-cado da securitização dos empréstimos. O TARP, que vigoraria até 31/12/2008, foi prorrogado, admitindo-se operações contra títulos lastreados em hipotecas comerciais e emitidos até 30/06/2010.

A deterioração da economia, nos 2 primeiros meses de 2009, induz o Federal Reserve (FED) a se valer de recursos do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (TARP), colocando à disposição da economia US$ 200 bilhões para impulsionar a oferta de crédito ao consumidor e para atender às pequenas empresas.

Paralelamente, aumentam em US$ 100 milhões as compras das dívi-das garantidas pelas agências imobiliárias, estatizadas em setembro de 2008, Freddie Mac, Fannie Mae e a Simppie Mac, com estimativas para iniciar a superação da crise.

As instituições contaminadas constituem o centro da manifestação de incertezas, comprometendo a capacidade dos bancos em levantar recursos para socorrer o setor privado, carente de empréstimos para dar sequência a bons resultados em suas atividades. Vários bancos, em

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situação delicada, vêm optando pelo controle estatal efetivado pela parceria do Governo de converter ações preferenciais em ordinárias, em casos especiais

Desde meados de 2007, o Federal Reserve e o Tesouro Americano vinham amparando instituições financeiras de porte para evitar problemas sequenciais. Várias delas sucumbiram, deixando rastros de periculosidade que se comunicaram com outras instituições mi-nadas com operações duvidosas, impondo restrições no equilíbrio da economia.

O segundo semestre de 2009 ainda inicia com significativa ameaça para recuperação da crise iniciada pelo sistema financeiro, infra-estrutura da economia real. As estatísticas disponíveis, até meados de dezembro, anunciam cerca de 552 instituições bancárias com pro-blemas, das quais 140 encerram suas atividades, 9 foram assumidas pelo Governo e 8 mil outras empresas pediram falência.

O Federal Deposit Insurence Corporation (FDIC) garantiu depósitos em instituições financeiras em cerca de US$ 25 bilhões, havendo es-timativas que a assistência poderia alcançar, ao longo de 2010, cerca de US$ 100 bilhões, já que o programa garante depósitos em dinheiro inferior a US$ 250 mil à extensa rede de instituições financeiras.

Com o surgimento da crise, a Chryler pediu concordata ao final de abril de 2009, enquanto a General Motor pede proteção de lei de falência e consegue se consolidar com uma estrutura mais modesta e com 60% do controle do capital nas mãos do Tesouro.

O esforço para amparar essas megaempresas concentra-se nas expec-tativas de superar a crise financeira e impedir processo convergente em

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direção à crise estrutural de toda economia, assumindo perspectivas ao desequilíbrio social, com implicações políticas contaminando o resto do mundo.

Enquanto no sistema financeiro o Freddie Mae e Fannie Mac eram estatizadas em setembro de 2008, o Lehman Brothers, 4° banco de investimento americano, logo a seguir vai à falência num processo de aprofundamento da crise que evoluiu pelo mundo.

Dois dos gigantes do setor, o Citi Bank e o Bank of America conti-nuam resistindo a condições adversas e suas falências só não ocorre-ram, em razão da proteção financeira que lhes foi dada pelo governo americano no alicerce de suas estruturas econômico-financeiras.

O Citigroup, no processo de ajustamento, teve suas operações di-vididas em 2 grupos: Citicorps assume as operações bancárias em todo mundo e Citi holding incorpora as operações não estratégicas que serão vendidas.

Em meados do ano, o Governo submete o sistema financeiro ao cha-mado “teste de estresse” para conhecer o seu potencial de equilíbrio financeiro e avaliar qual o montante de recursos os bancos precisariam para iniciar a superação da crise.

Dos 19 bancos submetidos ao teste, o Bank of America, líder de gestão de grandes fortunas, foi o que acusou maior dificuldade.

Obama, ao final do primeiro semestre, anuncia um ambicioso pro-grama de reforma do sistema financeiro, onde impõe unidade de comando ao concentrar mais de 8 agências reguladoras, buscando a conjunção de interesses privados e públicos.

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Nos últimos dias de dezembro de 2009, o sistema financeiro ainda experimentava encolhimento com o fechamento de sete instituições financeiras, dentre elas o First Federal Bank Canadá, com ativos de US$ 6,1 bilhões, assumidos pelo Onewest Bank.

O Golman Sachs, que apresentou expressivo lucro, foi salvo com resgate da AIG que recebeu US$ 180 bilhões dos quais US$ 13 bilhões foram saldos de CDSs (Credit Defaut Swaps – derivativos negociados sabendo-se antecipadamente de seu insucesso) com o próprio Goldnam. Aliás, os bancos que estão comprometidos com CDSs aguardam a falência de seus devedores assistidos pela proteção de seguros.

O Governo, em dezembro, solicita ao Congresso prorrogação do Programa de Alívio de Ativos Problemático (TARP) com o objetivo de dar mais segurança ao sistema bancário e reduzir o desemprego.

No processo de regular a liquidez, os empréstimos emergenciais do Federal Reserve (FED) aos bancos, que eram de 24 horas foram, no ápice da crise, estendidos por 90 dias e reduzidos, em novembro de 2009, para 28 dias, estando a medida em vigor em 14 de janeiro de 2010.

Ao final de fevereiro deste ano, o Federal Reserve aumentou a taxa de redesconto em empréstimos de emergência, seguindo-se em meados de abril o aumento da taxa de juros para hipotecas em meio ponto de percentagem, situando-se em 5,3%.

Paralelamente, a comissão de agricultura do Senado aprovava regras mais severas para o mercado de derivativos, fulcro do início da crise.

Os bancos ficaram obrigados a aportar às operações de derivativos

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em subsidiárias e financeiras com capital próprio. As instituições financeiras, com apoio de garantias federais, ficaram impedidas de operações indiscriminadamente com derivativos.

Depois de 3 trimestres seguidos de retração, a economia dos Estados Unidos acusou, no terceiro trimestre de 2009, elevação do PIB de 2,2%, deixando a situação constrangedora de recessão técnica.

O encolhimento da força de trabalho, deixou um rastro de cerca de 4 milhões de desempregados, encontrando-se ainda em meados de 2010 com expansão de 10,0%, num processo que estaria assumindo uma configuração estrutural.

Em meados de março de 2010, o Senado aprova projeto de US$ 17,5 bilhões de crédito fiscal para folha de pagamento de empregadores que contratassem americanos desempregados.

Na sequência das providências para reduzir a taxa de desemprego, o Senado, no início de abril, aprova projeto de US$ 150 bilhões que prorroga uma série de benefícios fiscais para empresas e cidadãos americanos, com prioridade de US$ 70 bilhões em fundos para pro-gramas de benefício individuais de emergência e US$ 25 bilhões de ajuda adicional a estados.

Em seguida, Obama dá ênfase a uma série de medidas prudenciais aprovadas pela Câmara dos Deputados com tramitação no Senado.

A inflação, que vinha num processo de deflação, surpreende, a par-tir de novembro de 2009, com o comportamento de crescimento, promovendo grande apreensão às autoridades no programa de ter de conjugar a política monetária restritiva, simultaneamente, com a necessidade de retirada dos incentivos.

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À falta de conjugação cautelosa nesses dois parâmetros poderá pro-mover uma queda no crescimento, acompanhada de consequentes restrições no consumo, desencadeando processo de estaginflação.

A apreensão em todo esse cenário é a incerteza e o dilema que ainda predominam na retirada dos programas de incentivo à economia e a ocorrência de eventual elevação dos preços, exigindo medidas restritivas no âmbito fiscal e monetário com alcance de aprofundar o desaquecimento da economia, sem que o sistema financeiro tenha superado a sua vulnerabilidade.

Os desafios ainda continuam presente às circunstâncias, sem encon-trar o caminho da recuperação econômica.

União Europeia

A União Europeia constitui o primeiro movimento espontâneo para integração de países num processo de superar divergências naturais, que, por muitos anos, assumiram cenários de incompreensão, criando situações de beligerância entre países da região.

Sua integração foi na direção de buscar uma coesão de princípios comuns que pudesse avançar numa identidade política, criando uma estrutura de poder geopolítico.

Encerra-se, assim, o poder de bipolaridade, no qual a União das Re-públicas Socialistas Soviéticas e os Estados Unidos mantinham na década de 80 supremacias política e econômica, cedendo lugar para um novo mundo, onde o poder foi multipolarizado com a formação da União Europeia.

No processo de integração e evolução, já havia, em 1999, se formado

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a União Monetária Europeia, onde um bloco de 11 países adotou a moeda única, desprezando os seus maiores símbolos nacionais, re-presentados, agora, pelo Euro, que tem como o seu maior elemento disciplinador a criação do Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, na Alemanha.

Posteriormente, ingressaram na comunidade outros 5 países, for-mando, assim, a União de 16 países considerados a segunda potência mundial, agregando cerca de 330 milhões de habitantes.

O Euro vinha ajudando a criar uma série de êxitos, cujo curso era de procurar e facilitar uma integração política e social de par de outros avanços como a facilidade de comércio e a taxa de juros uniformizada, assegurando maior equilíbrio da moeda, disciplina fiscal e avanço na reforma trabalhista.

Em face das dificuldades para contornar a crise, vê-se agora que o mais importante seria promover inicialmente a unidade política para facilitar a solução de eventuais crises. Não há clima político para dar sustentabilidade econômica e prosseguir na estabilidade mais rápida do euro.

Somente agora foi proposta a criação de uma constituição comum aos países que integram União Europeia, rejeitada, no entanto, por franceses e holandeses e recentemente pela Irlanda.

A União Europeia, em 2007, foi contaminada com grande impacto pela crise que se inicia nos Estados Unidos, continuando ainda fra-gilizada, não correspondendo a intensa assistência financeira pro-porcionada pelo Banco Central Europeu e outros bancos centrais, continuando em processo de crescimento negativo sem conhecer ainda a intensidade da crise em todos os seus efeitos.

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O chamado teste do estresse, que o governo dos Estados Unidos submeteu o sistema financeiro para conhecer o seu potencial de equilíbrio econômico-financeiro, não foi aceito pelo G8, grupo que reúne 8 das maiores economias do mundo. Condenou a obrigatorie-dade de cada banco ser alcançado isoladamente, defendendo que o programa fosse colocado no alcance do âmbito geral.

A matéria que já vinha sendo ventilada pelo G20 sugeria a criação de três organismos para estudar novas regras, adiantando em sua suges-tão a criação de um novo comitê de riscos sistêmicos, integrado por órgãos transnacionais, no âmbito dos bancos, das bolsas de valores e do segmento de seguros

Paralelamente, a União Europeia aprovava maior monitoramento das agências de classificação de riscos, instituições criticadas por não terem previsto riscos sistêmicos, que se multiplicavam na região, sendo agora monitoradas pelo Comitê Europeu de Reguladores de Bolsa de Valores (CESR).

Ao Fundo Monetário Internacional (FMI) foi reservado a conve-niência de incorporar prospecções técnicas, a fim de aperfeiçoar a conjuntura financeira internacional e afastar tensões e incertezas que se multiplicam mundo a fora.

O cenário de incertezas continua dominando os países da Europa, ganhando maior preocupação Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Gré-cia, que vêm exibindo crescentes déficits públicos, e se encontram no processo de romper as regras da União Monetária Europeia ao pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), num movimento de constrangimento para os países da região.

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A Grécia continua, em de 2010, em condições precárias em suas finanças públicas, acusando déficit de 14% do PIB.

As dificuldades e a falta de clareza na correção do desequilíbrio das contas públicas de vários países vinham protelando a assistência da União Europeia, da Zona do Euro e do Fundo Monetário Internacio-nal que até pouco tempo continuavam reticentes na ajuda financeira, embora viessem anunciando a sua disposição de ajuda, aguardando o pronunciamento de aceitação da Grécia.

No dia 9 de abril deste ano, o rebaixamento da nota de risco de longo prazo da Grécia e o aumento da estimativa no seu déficit público surpreenderam a Zona do Euro, aumentando a preocupação dos 15 países com a estabilidade do sistema monetário europeu.

A correção das finanças públicas da Grécia não é simples em quanto não encontrar meios para consolidação da dívida pública que chega a 300 bilhões de euros, com a estimativa de que bancos franceses e alemães possuem 70% dos títulos da Grécia. Um possível calote teria o risco de por em dúvida os títulos soberanos da Zona do Euro.

O crescimento da crise e as sérias dificuldades enfrentadas pela Es-panha, Portugal, Irlanda e Itália vêm afetando também a solidez do Euro e a credibilidade do Bloco.

Há grande risco de aumento de contágio em Portugal e Espanha que tiveram suas notas da dívida soberana rebaixadas pelas empresas de risco.

Há previsão de que a Grécia precisa de 104,9 bilhões de euros, Por-tugal 46,3 bilhões de euros e Espanha 405,8 bilhões de euros para equilibrar as suas finanças.

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A Zona do Euro isolada não teria condições para bancar um resgate dessa magnitude e o mundo estaria se aprofundando na crise.

A Grécia apelou para seus parceiros europeus e para o Fundo Mo-netário Internacional em busca de empréstimos de emergência. É a primeira vez que se constitui um programa de socorro a um país-membro da Zona do Euro, estipulado em 45 bilhões de euros.

A iniciativa abalou a confiança da moeda única por 16 países dos 27 membros da União Europeia. Com a revisão do déficit da Grécia para 14% do PIB subiu ainda mais os custos da tomada de empréstimos no mercado. O forte aumento dos custos de empréstimos fez com que os investidores ficassem apreensivos com possível pedido de default.

Depois do rebaixamento das notas de crédito da Grécia, Portugal e Espanha pelas empresas de rating, abriu-se um vácuo de desconfiança de contágio na Europa.

Os investidores procuraram desfazer-se de títulos desses países, elevando o custo financeiro da dívida e o agravamento do cenário, aumentando dificuldades na região, já que vem suportando uma conjuntura de ameaça a estaginflação que terá de enfrentar enquanto perdurar a crise.

A situação de ajuste da Grécia é dramática. Terá de reduzir o déficit fiscal de 14% para 3%, numa economia que está em recessão de 4% e com 75% de gastos públicos em pagamentos de salários e pensões.

Depois de 7 meses de dificuldades e o temor de contágio para região, o Fundo Monetário, o Banco Central da Europa e a Comissão Europeia foram induzidos a aportar ajuda à Grécia com 110 bilhões de euros, previsão de 3 anos, equivalente a quase metade do PIB da Grécia.

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As dificuldades de natureza ética de socorro ao Fundo Monetário Internacional foram rompidas e o orgulho de preservar o grupo como potência internacional foi superado.

A Zona do Euro ficou de contribuir com 80 bilhões de euros e o Fundo Monetário Internacional com 30 bilhões de euros, sendo 10 bilhões de euros alocados a um Fundo de Estabilização Financeira para ajudar os bancos gregos em suas necessidades de capital.

Cortes de salários, de impostos e salários congelados são algumas imposições para liberação da assistência financeira.

Três dias após a aprovação do programa, os mercados entraram em pânico pela possibilidade de contágio com outros países como Portugal e Espanha e até com o Reino Unido, induzindo gregos e espanhóis a transferirem economias para Frankfurt.

As bolsas perderam cerca de US$ 3 trilhões, Estados Unidos e Euro-pa numa ação conjunta procuraram amenizar os riscos e o contágio global.

Ainda não decorrido uma semana, a União Europeia e o Fundo mo-netário Internacional reforçaram as garantias de crédito aos países do euro com elevadas contribuições no montante de 720 bilhões de euros, sendo 500 bilhões de euros de responsabilidade da União Europeia e 220 bilhões de euros do Fundo Monetário Internacional, além de um fundo de estabilização de 60 bilhões de euros.

A ajuda adicional foi acrescida com o suporte do Banco Central Eu-ropeu que ficou de comprar títulos dos governos de países do bloco que estão pagando juros altos e o Federal Reserve anunciou programa de envio de dólares para Europa, a fim de ajudar a compor a crise.

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O programa levou euforia aos mercados mundiais após 4 dias de queda das bolsas.

Mas ainda há dúvidas sobre a eficácia do programa, havendo expec-tativa de que o programa não será suficiente para encerrar a crise estrutural da Europa que vai além dos desequilíbrios orçamentários e a enorme dívida dos países.

Estruturas econômicas diferentes com administrações próprias muitas vezes funcionam em prejuízo de um inevitável consenso no confronto com moedas inflexíveis, taxas de juros inoportunas para um cenário particular de muitos países, problema de natureza estrutural e de difícil solução num prazo exíguo que busca o equilíbrio da região.

Há um longo caminho até que se encontre uma solução definitiva para resolver problema intervencionista, que não mostra outro ce-nário sem restringir a independência da região e admitir interesses comuns de anular a crise.

A Europa tem sido mais lenta para promover o ajustamento do sistema financeiro, em virtude da natural diversidade dos órgãos disciplinadores, que, embora com o mesmo objetivo de disciplinar as finanças da região, divergem na unidade das medidas saneadores.

Os países da área da União Europeia, não integrantes da área do Euro, também vêm acusando dificuldades crescentes no PIB, impul-sionadas pela Inglaterra que exibe um déficit fiscal de 11% do PIB e uma dívida pública de mais de US$1,12 trilhão. A região continua convivendo com um cenário de incertezas acompanhado de um pro-cesso de recuperação ainda lento que vai depender da recuperação da economia global.

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Já há notícias de contaminação com outros países da região como a Hungria que não exclui a possibilidade de pedir moratória e já recorreu ao Fundo Monetário Internacional, enquanto a Suécia dá sinais de estresse, acumulando desemprego de 9,8% e déficit fiscal progressivo.

O Royal Bank of Scotland (RBS), com a aquisição, em outubro de 2007, do ABN Amro, induziu o Tesouro do Reino Unido a estabe-lecer à época programa com mais US$ 712 bilhões em garantias aos ativos de bancos captadores de depósitos e que tivessem mais de US$ 37,5 bilhões em ativos chamados “Programa de Proteção de Ativos”.

Não obstante os expressivos estímulos fiscal e monetário, a Inglaterra promove 5 quedas na taxa de juros, reduzindo-a de 5% a.a., em ou-tubro de 2008, para 0,5% a.a., em junho de 2009. A economia chega ao final do ano apresentando 6 trimestres consecutivos de retração, do que resultou encerrar o ano de 2009 com queda de 5%.

O afrouxamento da política monetária e fiscal afetou o equilíbrio do câmbio, expondo a libra esterlina a processo de desvalorização, com impacto favorável nas exportações, mas contribuindo para eventuais pressões inflacionárias.

Ademais, não há liberdade de ação dos governos dos países da União Monetária Europeia para solucionar peculiaridades de seus problemas internos e externos, devido à universalidade das taxas de câmbio e de juros, que não tem a flexibilidade adequada, segundo as condições da economia de cada país.

A União Monetária Europeia, depois de 5 trimestres consecutivos, encontra, no terceiro trimestre de 2009, a superação da recessão técnica ao alcançar crescimento de 0,4%, embora no ano apresente queda na economia de 3,9%.

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A inflação, que vinha acusando desempenho praticamente nulo, al-cança no mês de março deste ano 1,4%, enquanto o desemprego da força ativa de trabalho continua mantendo índices bastante elevados, alcançando, em março, 10%.

A Alemanha, quarta maior economia do mundo, anuncia um progra-ma de austeridade, onde deverá reduzir os gastos gradativamente até 2013 no montante de 80 bilhões de euros, compreendendo demissões de funcionários públicos e cortes em benefícios sociais, além de re-forço de novos impostos.

Em seguida, aprovou projeto de lei que permite o governo naciona-lizar bancos, abrindo oportunidades para o controle da instituição de crédito imobiliário Hipo Real Estate Holding, que já havia recebido 102 bilhões de euros em garantia proporcionada pelo Estado. Parale-lamente, a Alemanha sancionou projeto de lei para criar instituições que absorvam ativos podres. Em maio, o Grupo Alemão Porsche rea-lizou a fusão com a Wolksvagen na qual mantém a maioria das ações.

Não obstante os principais líderes europeus venham defendendo a necessidade de um novo sistema regulatório no âmbito financeiro, a Alemanha, maior economia da Europa, no início do segundo semestre do ano passado, recusou-se a admitir, inclusive, ambiciosa reforma proposta por Obama.

A economia alemã, exibindo, por 4 trimestres consecutivos, taxas negativas, encontra, no segundo trimestre de 2009, expansão de 0,7%, mas encerrando o ano ainda com crescimento negativo de 5%.

A França, no início de fevereiro de 2009, anuncia programa de US$ 9,8 bilhões para socorrer as indústrias automobilísticas, estabele-

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cendo a condição de manter suas fábricas no país e evitar a demissão de funcionários enquanto perdure a crise.

A economia da França, depois de 4 trimestres seguidos de queda, deixa também a condição de recessão técnica ao exibir, no segundo trimestre de 2009, crescimento de 0,3%. Ao final do ano a economia encerra com retração de 2,2%.

A economia da Europa ainda não responde adequadamente aos in-centivos colocados à sua disposição com o agravante generalizado de baixa produtividade e a perda de independência dos países da União Monetária Europeia em adotarem as providências peculiares a cada necessidade de suas economias, em virtude de estarem subordinados a regras universais e sujeitos às restrições do Banco Central Europeu, inclusive na liberdade de suas moedas, segundo suas necessidades.

Brasil

O Brasil ficou à margem dos fundamentos da crise, cujas operações exóticas e a grande alavancagem generalizada dos bancos não con-taminaram o sistema financeiro nacional, que desde o Programa do PROER ganhou sustentabilidade e a vigilância dos órgãos fiscaliza-dores, principalmente do Banco Central.

As dificuldades que surgiram decorreram das incertezas e tensões que dominaram o mundo, contaminando as expectativas dos agentes econômicos.

As providências econômicas adotadas em dimensão e tempo opor-tuno foram decisivas para manter a economia em equilíbrio.

O singular é que o Banco Central continua no propósito de elevação da taxa de juros, quando reconhece que as preocupações estão locali-

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zadas no âmbito fiscal e no impulso do crédito dos bancos públicos.

A ameaça da inflação tem a sua principal causa no crescimento do déficit público e na forte expansão do crédito dos bancos federais.

Aliás, na composição dos títulos federais, a Carteira do Banco Cen-tral expressa inusitada elevação de R$ 187 bilhões, entre abril-2009 e abril-2010.

O curioso é que o Banco Central não poderia manter essa posição, pois a sua ação no mercado vem sendo de injetar grandes somas de reais pelas compras de câmbio no mercado à vista.

Existem duas Hipóteses:

1 – O Banco Central vem comprando diretamente títulos do Tesouro, com a contrapartida de emissão de moeda, que é repassada aos bancos estatais, principalmente ao BNDS, que foi contemplado, no mesmo período, com R$ 100 bilhões e promessa de mais R$ 80 bilhões;

2 – O Tesouro empresta títulos aos bancos estatais e o Banco Central, em contrapartida, os adquire, injetando moeda nos bancos recepta-dores dos títulos.

Em ambas as hipóteses, a expansão do crédito vem sendo feita por emissão de moeda, já que os bancos estatais, no período de março/março, expandiram o crédito em 29,5%, enquanto os bancos privados 14,9% e os estrangeiros 1,3%.

Palestra pronunciada em 21 de junho de 2010

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“A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constituciona-lidade, da ordem institucional.

Dia após dia, o Supremo Tribunal Federal vem assumindo a respon-sabilidade política de aplicar a Carta de modo a tornar concretos os inúmeros direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988. E a corte tem respondido – o fará sempre – demonstrando profundo compromisso com o desenvolvimento desses direitos e corro-borando, assim, a opção do constituinte pelo renovador princípio da esperança.”

Ministro Gilmar Ferreira Mendes1

Arnoldo WaldAdvogado, Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ, Doutor honoris causa da Universidade de Paris II, Membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI.

O novo Supremo Tribunal Federal

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“Afinal, o Supremo de 1974 é aquele mesmo que Campos Sales mode-lou no Decreto 848, de 11.10.1890, à imagem da Corte Suprema dos Estados Unidos com as mesmas funções de freio e também de acelerador do Poder Legislativo. E desse augusto Tribunal americano Martin Shapiro escreveu que, entre as suas tarefas, tem a de cientista político, legislador trabalhista, elaborador de diretrizes políticas (policy-maker) e economista (‘Law and Política in the Supreme Court, New Approaches to Political Jurisprudence’, N.Y., 1964)”.

Ministro Aliomar Baleeiro2

I. Introdução

1. A função essencial da Suprema Corte consiste em interpretar a Constituição e as leis, garantindo e fiscalizando a boa aplicação das normas jurídicas, pelos tribunais, e assegurando, assim, ao Direito, a necessária unidade, a adequada clareza e a imprescindível certeza, que são as condições essenciais da segurança jurídica que deve imperar no País.

2. No Estado de Direito, cabe também à Suprema Corte o insubsti-tuível papel de modernizar o Direito, ou seja, de adaptá-lo às novas condições sociais e econômicas e às aspirações do nosso tempo. Essa é a conclusão que se impõe em exame comparativo das funções dos tribunais supremos nos vários países, salientando-se que clarificar a norma jurídica consiste sempre em modernizá-la. Funciona, na rea-lidade, o litígio entre as partes como um simples pretexto para que a mais alta Corte do país possa, no interesse do Direito, ou seja no

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de todos os cidadãos, orientar os demais tribunais, encaminhando e retificando, sempre que necessário, a evolução do Direito.3

3. Desde o fim do século passado, reconheceu-se que estava ultra-passado o princípio da separação rígida de poderes4 e tanto os tri-bunais como a doutrina foram admitindo, progressivamente, que os textos legais deviam sofrer o tratamento construtivo do magistrado, cabendo-lhe a difícil tarefa de adaptar as normas e os princípios às novas condições fáticas não previstas inicialmente pelo legislador. A sobrevivência, por mais de um século de diplomas legislativos como o Código Napoleão e o Código Civil alemão (BGB) e, no Brasil, por prazos análogos, dos nossos Códigos Civil e Comercial, só se explica pelo trabalho paciente e cuidadoso daqueles que permitiram que se chegasse “par le Code, au dela du Code”.

4. A rápida evolução da tecnologia, que caracteriza o nosso século, e as grandes transformações que o Brasil sofreu, em pouco tempo, obrigaram os tribunais a reações mais rápidas, numa fase dominada pela acelaração do ritmo da história. Aos poucos, o magistrado foi obrigado a sair de sua posição de simples intérprete dos textos legais para examinar, em profundidade, as condições do meio ambiente e reconhecer, com Roscoe Pound, que a aplicação da lei constitui, no fundo, um “instrumento de engenharia social”.

5. Assim sendo, na luta entre a lei e os fatos, as técnicas tradicionais do trabalho jurídico foram sendo complementadas pela análise de outras realidades, que o jurista não mais pode desprezar.5

6. Embora não se possa mais falar no governo dos juízes,6 é evidente que o desenvolvimento e a sofisticação progressiva da sociedade obrigaram o Poder Judiciário e, em particular, a Suprema Corte, a dirimir determinados conflitos, cujas soluções não foram legalmente

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previstas e que envolvem conflitos de valores entre as legítimas aspi-rações de justiça, segurança e progresso econômico e social do País.

7. Por várias vezes, a Suprema Corte norte-americana teve de escolher certos valores em detrimento de outros, tomando posição em questões tão controvertidas como a segregação racial,7 a luta contra os trustes,8 a proteção do indiciado que depôs sem a presença de advogado9 e os privilégios do Executivo.10 Sob a direção de Earl Warren, o mais alto Tribunal dos Estados Unidos chegou a assumir um papel de elemento reformador da comunidade norte-americana, inspirando-se no ideal da “egalitarian society” para extrair da Constituição todas as suas lições referentes à igualdade e à liberdade individual numa sociedade liberal e pluralista.11

8. No Brasil sofremos, nos últimos vinte anos, transformações radi-cais na economia, nas tecnologias de produção, de informação e de comunicação, de tal modo que o direito não podia manter as suas antigas estruturas. O progresso da democracia e o fortalecimento do Poder Judiciário, pela Constituição de 1988, exigiram que a Corte Suprema assumisse um novo papel. Trata-se de uma missão que lhe foi atribuída, e que exercia pontualmente no passado, nos momentos de crise e em algumas decisões exemplares em favor da liberdade individual e do aprimoramento do nosso direito. Mas, até o fim do século passado, só muito eventualmente lhe foi dado funcionar como verdadeiro poder moderador e construtivo. Na maioria das suas de-cisões, por mais brilhantes que fossem, parecia mais ser uma terceira ou quarta instância do que um tribunal constitucional.

9. É verdade que o Supremo Tribunal Federal procurou, sempre, adaptar a legislação às novas necessidades sociais e econômicas. Seguiu brilhantemente e com independência o exemplo da Suprema Corte

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norte-americana, como bem salientou o Ministro Aliomar Baleeiro, há mais de trinta anos, no trecho anteriormente transcrito.

10. Não se pode escrever a história do direito pátrio sem referência à importância que nela desempenharam tanto a instituição – o Supremo Tribunal Federal – como as pessoas e, em particular, os Ministros da Suprema Corte. De Pedro Lessa e Carlos Maximiliano Até Orozim-bo Nonato e Aliomar Beleeiro, de Nelson Hungria a Vitor Nunes Leal, criou-se uma tradição judiciária que pode servir de exemplo aos outros povos.

11. Sempre esteve presente, nos tribunais brasileiros, a preocupação em garantir os direitos individuais, criando e utilizando os argumentos adequados para que os textos constitucionais não fossem meramente programáticos. Coube, assim, ao nosso Judiciário consagrar a “dou-trina brasileira do habeas-corpus”, concebida por Rui Barbosa para impedir os atos arbitrários do Poder Público.12

12. Numa sociedade em desenvolvimento, foi possível manter, em suas linhas gerais, o Estado de Direito nos momentos mais difíceis da vida nacional. Basta lembrar a posição liberal e construtiva da Su-prema Corte durante o regime militar. Diante de circunstâncias, que não tinham ocorrido no passado, não hesitou o Supremo Tribunal Federal em conceder a medida liminar em habeas-corpus que o direito então vigente desconhecia, mas que a adequada defesa da liberdade individual exigia naquele momento.13 Também em relação à interven-ção do Estado e ao respeito às normas constitucionais, não admitiu que matérias que não fossem urgentes, nem referentes à segurança nacional, pudessem ser decididas por decreto-lei.14

13. A construção jurisprudencial deu novas dimensões à responsabi-lidade civil, entendendo que devia ser sempre ressarcido o prejuízo

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causado e, para tanto, consagrando, em termos construtivos, a res-ponsabilidade do patrão pelos atos culposos dos seus empregados.15 No mesmo sentido, garantiu a correção monetária das indenizações oriundas de atos ilícitos ou de desapropriações.16

14. Na defesa dos direitos individuais e sociais, o STF deu aos textos constitucionais a maior amplitude possível. Assim, considerou, em acórdão relatado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que a ga-rantia ao devido processo legal e o princípio da legalidade deveriam abranger todas as medidas necessárias para que houvesse, no País, não só a segurança jurídica,17 mas também o respeito à confiança depositada no poder público.18

15. Por longo tempo, os tribunais se limitaram, todavia, a exercer a função, já muito relevante, de distribuir a justiça, de acordo com a legislação vigente, sem que houvesse uma maior preocupação quan-to à rapidez e eficiência das decisões proferidas. Já há meio século, todavia, um primeiro esforço foi realizado por ocasião dos estudos do Supremo Tribunal Federal para a reforma do Poder Judiciário, dos quais foi relator o Ministro Rodrigues de Alckmin. Na mesma ocasião, o Ministro Vitor Nunes Leal propôs, pela primeira vez, a implantação do sistema das súmulas para dar maior velocidade e uniformidade aos julgamentos.

16. Mais recentemente, nos dez últimos anos, houve um esforço ain-da mais produtivo do Poder Judiciário para acelerar os julgamentos mediante emenda constitucional, reforma processual e modificação da organização da Justiça.

17. Assim, a partir da Emenda Constitucional nº 45, consolidou-se um movimento para dar às decisões judiciais a necessária eficiência, numa sociedade na qual o tempo dos tribunais não pode ser descasado

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do ritmo dos negócios e das necessidades coletivas e individuais. O Poder Judiciário aproximou-se, cada vez mais, da Sociedade Civil, para garantir os julgamentos em prazos razoáveis.

18. Compreendeu-se que, sendo o século XXI caracterizado pela velocidade, pela mudança e pela urgência de soluções, os magistrados deveriam conciliar as suas visões tradicionais com os imperativos do mundo no qual passamos a viver.

19. Indo ainda mais longe, o Supremo Tribunal Federal renovou a interpretação constitucional, dando-lhe uma especificidade e uma abertura, com novas dimensões e maior amplitude, que anteriormente não tinha em nosso País.19 Com base nessa interpretação, lutou para dar eficiência tanto às normas jurídicas quanto à atuação do próprio Poder Judiciário, com a finalidade de garantir a segurança jurídica entendida em sentido lato, como abrangendo os princípios da pro-porcionalidade e da racionalidade, a compreensão das finalidades econômicas e sociais do direito e a prevalência da ética.

20. O STF procurou, assim, encontrar um justo meio, um equilíbrio adequado entre políticas públicas, princípios básicos do direito, como a garantia do contraditório,20 e a proteção do indivíduo cuja confiança no Poder Público não pode ser frustrada.

21. Chega-se, assim, a uma espécie de pragmatismo construtivo e ético, dando soluções justas a situações concretas, ultrapassando preconceitos e até superando determinadas interpretações históricas e lógicas, que o tempo nos obrigou a abandonar por se terem tor-nado obsoletas. Aceitou-se, assim, a modulação dos efeitos jurídicos das ADINs21 e a aplicação imediata dos novos regimes jurídicos da moeda,22 temperando-os pela proporcionalidade. E aperfeiçoou-se a

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concepção tradicional do direito adquirido, complementando-a, em alguns casos, pelo respeito à segurança jurídica.23

22. A eficiência não se confunde, todavia, com uma espécie de consequencialismo econômico, significando, ao contrário, um equi-líbrio dinâmico, que deve presidir tanto a aplicação da lei quanto as relações jurídicas em geral. Deve, inclusive, inspirar a atuação do Poder Judiciário e, neste sentido, a legislação referente ao controle da constitucionalidade e a recente jurisprudência do STF representam um esforço bem sucedido de descongestionar os tribunais e superar o prazo excessivo da demora das decisões judiciárias.

23. Era – e é – evidente que o STF não pode julgar 100 mil processos por ano. Um dos ministros chegou a contar que, quando fazia palestras no exterior e informava aos ouvintes das atividades do Excelso Pre-tório, costumava enfrentar uma dificuldade de tradução no momento da referência ao número de casos julgados. O tradutor costumava perguntar: “100.000, o senhor quer dizer entre cem e mil casos por ano”. E o mesmo ilustre integrante da Corte afirmou que, ao turista que visitasse o STF, num fim de sessão, no momento de julgamento dos agravos, poderia parecer, diante dos números dos recursos que eram chamados rapidamente para julgamento, que se assistia a um evento lotérico, o jogo de bicho ou uma sessão de bingo.

24. Um esforço dantesco está sendo feito para racionalizar o tra-balho do STF. A Súmula Vinculante, a repercussão geral, a ADPF e a Reclamação são meios hábeis que têm sido utilizados para dar eficiência aos julgados.

25. A eficiência não é, todavia, um fim em si, mas o meio de garantir a segurança jurídica, que, como vimos, constitui verdadeiro princípio

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constitucional decorrente do Estado de Direito e que se equipara ao próprio princípio da reserva da legalidade.

26. As novas políticas públicas não podem abalar a segurança jurídica, como bem ficou esclarecido no voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes em relação ao modelo elétrico, numa advertência oportuna ao Poder Executivo. Não se trata de impedir o progresso, mas de estabelecer um equilíbrio entre os interesses em jogo. Essa equação pode até variar no tempo, ensejando a criação de um direito flexível ou “uma interpretação constitucional aberta”.

27. Numa sociedade de riscos,24 dominada pela incerteza e pela des-continuidade,25 que se fazem sentir de modo mais agudo nos países em desenvolvimento, o cidadão, a empresa e o próprio Estado precisam de um direito flexível, no qual se impõem as mutações constitucionais implícitas, que constituem a base de uma nova dogmática.

28. Se, no passado, era possível acreditar que as normas abstratas podiam resolver todos os problemas, a situação atual, com a glo-balização e a modernização da economia, exige, muitas vezes, uma aplicação construtiva dos princípios gerais. Assim, o STF tem encon-trado fórmulas justas e equitativas conseguindo aplicar os princípios ressalvando as exceções.

II. Uma mudança da função do Judiciário

29. Com a maior velocidade das transformações, que ocorreram no mundo, assistimos, na maioria dos países, a um enorme aumento das ações intentadas perante o Poder Judiciário, que foram abrangendo questões cada vez mais complexas e diversificadas. Simultaneamente, mudou o modo pelo qual o juiz passou a exercer a sua função. Dei-

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xou de limitar-se a resolver o litígio de modo abstrato para apreciar o conflito concreto e suas peculiares, as consequências e a efetividade da sua sentença e o contexto econômico e social no qual deverá ser aplicada.

30. No passado, a justiça era formal e lógica, deduzindo-se a solução a ser dada de normas abstratas e de regras gerais, sem atender necessa-riamente às peculiaridades do caso. Por outro lado, limitava-se a olhar para o passado e não se preocupava com os efeitos produzidos pelo julgado. A Justiça era representada de olhos vendados. A venda nos olhos significava a exigência de uma total objetividade, sem ter em consideração as situações econômico-sociais que podiam ter grande importância no caso concreto. A justiça de olhos abertos, sem ven-da, já foi retratada por Rafael, em quadro que integra as Stanzas no Museu do Vaticano antecipando-se a intuição do artista ao conceito que viria a ser o do século XXI.

31. Para o magistrado, cria-se o dever de, tendo os olhos bem abertos, não deixar escapar “nenhum pormenor relevante para a formação da decisão”.

32. Por outro lado, o magistrado do século XXI é um construtor e um pacificador. Aplica uma justiça normativa, que é instrumental, evolutiva e pragmática, e pretende resolver os conflitos, proferindo o julgamento o mais adequado para os objetivos da norma e das partes, considerando inclusive a relação das mesmas, não só no passado e no presente, mas também no futuro, e a eventual relevância da decisão como precedente para outros casos.

33. Com a evolução do direito, especialmente no último meio sécu-lo, foi ultrapassada a conceituação antiga do juiz considerado como simples árbitro sem compromisso com a sociedade e despreocupado

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com o futuro. Não mais se admite atualmente a famosa frase: “Fiat justitia, pereat mundus”. (Que seja feita a justiça, mesmo que pereça no mundo.) Tornou-se obsoleta.

34. Um novo valor se fez presente na distribuição da Justiça: a sua eficiência. É um valor que nos veio do campo da economia, mas só recentemente penetrou no direito.

35. Há oitenta anos atrás, escrevia o Professor George Stigler da Universidade de Chicago que:

“Enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença entre uma disciplina que procura explicar a vida econômica (e, de fato, todo o comportamento racional) e outra que pretende alcançar a justiça como elemento regulador de todos os aspectos da conduta humana. Esta diferença significa, basi-camente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam línguas diferentes”.26

36. No mesmo sentido, o economista Armando Castelar se manifes-tou, em Congresso realizado em junho de 2002, no sentido seguinte:

“O Dr. Arnoldo Wald mencionou na sua intervenção inicial, por exemplo, que o tempo da economia não é o tempo do direito. Mas a diferença entre os juristas e os economistas vai além da questão do tempo ou da questão que às vezes se menciona que a Justiça olha mais para trás na tentativa de reconstituir um estado anterior das artes, como foi colocado aqui pelo advogado-geral da União, enquanto a economia olha essencialmente para frente, tentando prever e ‘preci-ficar’, para usar um anglicismo hoje parte do economês nacional, o que está por vir”.27

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37. Essa diferença entre juristas e economistas desapareceu no momento em que a Constituição de 1988, em virtude da Emenda Constitucional nº 19, determinou, no seu art. 37 caput que o Estado devia ser “eficiente”, comando que também se aplica ao Poder Judi-ciário. Aliás, a Emenda Constitucional nº 45 reitera essa obrigação dos juízes ao exigir, que os processos tenham uma duração razoável, usando meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII da Constituição, introduzido pela mencionada emenda).

38. A eficiência tem um sentido amplo, significando não só a rapidez na tomada da decisão mas também a adequação às circunstâncias, o bom uso do senso de equilíbrio, a ponderação e conciliação dos prin-cípios, integrando-a, também, a própria equidade. Deve ser a melhor justiça possível. Aliás, do mesmo modo que os constitucionalistas admitem que temos atualmente “a democracia do possível”28, tam-bém cabe ao magistrado decidir os litígios de acordo com “a justiça do possível” à qual aludiu o Ministro Gilmar Ferreira Mendes em acórdão que se tornou memorável.29

39. Na sociedade denominada pós-industrial, o direito se torna um catalisador das mudanças econômicas, sociais e políticas e exige uma revolução da dogmática, que se realiza tanto no plano legislativo quanto jurisprudencial. A mudança de paradigmas exige do juiz novas qualidades, além das tradicionais que são o conhecimento do direito e da probidade intelectual. É preciso que o magistrado seja corajoso na construção das novas soluções em matérias não previstas pelo legislador. E, ao mesmo tempo, também deve ser prudente. A prudência, pela sua etimologia, se identifica com a sabedoria, que era o sentido da palavra em latim. Assim, a prudência não é a timidez, mas a ponderação feita pelos sábios, que se coaduna e se concilia com a coragem cívica do construtor do direito. Finalmente, é preciso

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que faça um esforço para entender a economia nacional e mundial do nosso século.30

40. Convivemos, atualmente, com um sistema em que o legislador não mais tem como prever todos os conflitos que poderiam surgir, como acontecia, no passado, na época do codificador do século XIX e até do início do século XX. Assim, as numerosas lacunas do direito e as omissões do legislador devem, cada vez mais, ser supridas pelo Juiz, de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum (artigos 4 e 5 da Lei de Introdução do Código Civil). Ocorre, também, a superposição de diplomas legislativos contraditórios, elaborados em várias épocas, e de outros que não se conciliam com os novos prin-cípios da Constituição de 1988. Assim, multiplicam-se as ADIns, as ADCs, as ADPFs, e as Reclamações que são da competência do STF.31

41. Nas questões mais importantes, é esta a função corretiva e cons-trutiva que é exercida pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionalidade das leis e ao interpretar a Constituição. Trata-se, como vimos, de um papel da maior importância política das Cortes Constitucionais que o exercem, com maior ou menor intensidade, des-de a decisão, nos Estados Unidos, do caso Marbury versus Madison, em 1803, ou seja há mais de dois séculos. O número e a importância dos problemas constitucionais suscitados e julgados por esses tribunais têm variado nas diversas fases históricas, sendo maiores nos momen-tos de crise, podendo exigir decisões radicais e inovadoras. Foi o caso da Suprema Corte norte-americana na presidência de Earl Warren. Ao contrário, nos últimos anos, sob a presidência do Justice Roberts, a tendência majoritária do tribunal tem sido mais conservadora, não obstante algumas decisões importantes em questões jurídico-políticas como a referente ao regime jurídico dos presos em Guantanamo.32

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42. No Brasil, a Corte Suprema, por muito tempo, somente julgou as questões políticas quando havia lesão de direitos individuais.33 Mais recentemente, nos últimos anos, o STF passou a reconhecer que a sua missão constitucional consiste em aplicar e complementar as normas constitucionais, mesmo independentemente de lesão direta de direitos individuais, preenchendo pois as omissões do Legislativo e utilizando, inclusive, para este fim, a injunção.

43. Como foi lembrado recentemente pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em palestra que proferiu no Senado a respeito do ativismo judiciário, as decisões a respeito da fidelidade partidária, de cláusula de barreira e da quantidade dos vereadores em cada município só foram tomadas por falta de cumprimento pelo Congresso Nacional da sua missão constitucional. O mesmo se poderá dizer de importan-tes julgamentos a respeito da célula-tronco e do exercício do direito de greve pelos funcionários públicos e a recente Súmula Vinculante nº 11, restringindo o uso de algemas. Suprir omissão, no caso, não constitui, pois, “usurpação de funções”.

44. Acresce que algumas das decisões políticas foram tomadas por provocação da minoria, que precisa poder defender os seus direitos constitucionais perante a Corte. É aliás essa uma das funções mais importantes do Supremo Tribunal Federal, como já lembrava Kelsen, ao afirmar que:

“... le respect de la Constitution dans la procédure législative constitue un intérêt éminent de la minorité, à laquelle, nous l’avons vu, les règles sur le quorum, la majorité qualifiée, etc., ont pour fonction d’offrir une protection. La minorité doit donc, si on veut garantir son existence et son action politique, l’une et l’autre si importantes pour la démocratie, si on ne veut pas l’exposer à l’arbitraire de la majorité ni que la Constituion ne soit qu’une lex imperfecta, avoir la possibilité de recourir directement ou indirectement à la

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juridiction constitutionnelle. Le destin de la démocratie moderne dépend dans une large mesure d’une organisation systématique de toutes ces institutions de contrôle. La démoctratie sans contrôle ne peut durer” (grifos nossos).34

45. A melhor doutrina reconhece, pois, que o controle amplo da constitucionalidade das leis é condição necessária da sobrevivência do Estado de Direito e da Democracia. Por outro lado, dando-se a democracia uma conceituação ampla, abrangendo os seus aspectos sociais e econômicos consagrados pela Constituição de 1988, é preciso que o Supremo Tribunal seja o intérprete construtivo e o garantidor da “Constituição viva” à qual se referem os magistrados americanos William R. Brennan e Thurgood Marshall.

46. Cabe aliás lembrar as considerações do Professor Mauro Cappel-letti para quem, em vários países do Ocidente, os parlamentos têm um número excessivo de objetivos e são tributários de “prioridade locais ou de grupos” de modo que certos problemas básicos da sociedade contemporânea acabam devendo ser resolvidos pelo Poder Judiciário. E como, na federação, são objeto de leis nacionais aplicáveis em todo o território nacional, fixando verdadeiras políticas públicas, cabe ao Supremo Tribunal Federal responder ao anseio da sociedade, como aliás tem feito. Entendemos até que essas questões devem ser da sua competência exclusiva.35

47. Cabe acrescentar que essa função do Supremo passa a ter dimen-sões mais amplas nas fases de grande transformação da sociedade e de crescimento econômico ou de importantes modificações sociais, que exigem uma nova posição do legislador e, na sua omissão, uma atuação do Supremo Tribunal Federal ao qual a Constituição deu essas atribuições e os meios técnicos de cumpri-la adequadamente.

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48. É interessante transcrever a este respeito as lições do Professor Peter Häberle em recente entrevista na qual salienta que:

“Visto sob a ótica do direito comparado, há fases do ‘ativismo judi-cial’. Após o ‘annus mirabilis’ de 1989 (‘ano milagroso’, em que houve a queda do Muro de Berlim, a reunificação da Alemanha e o colapso da União Soviética), os tribunais constitucionais da Hungria e da Polônia, por exemplo, se empenharam muito no sentido de pôr em marcha as novas constituições reformistas. Agora, podem retrair-se para deixar mais espaço para os parlamentos. Algo semelhante poderia aplicar-se, hoje, no Brasil, até sua Constituição ganhar plena realidade. O STF deve atuar como órgão constitucional de peso. Não esqueçamos que o STF com certeza está democraticamente legitimado. No geral: todos os cidadãos, todos os partidos e todos os órgãos constitucionais são, em conjunto, ‘guardiões da Constituição’.”36

49. E o eminente constitucionalista alemão faz a seguinte apreciação, que comprova a existência de “um novo Supremo Tribunal Federal”, cujos trabalhos são conhecidos pelos juristas e pela opinião pública, tanto no País quanto no exterior. Evidencia, finalmente, que não há, no caso, judicialização da política, mas reforço cauteloso do Poder Judiciário constitucional, que deve ser saudado, numa sociedade na qual prevalece o Estado de Direito. São as seguintes as suas palavras:

“Para mim, a Suprema Corte brasileira está no melhor caminho de transformar-se num verdadeiro ‘tribunal cidadão’. O STF serve à Constituição de 1988 de modo exemplar e se abre à sociedade.

A instituição dos ‘amici curiae’ é um veículo efetivo para tornar a Constituição um processo público, no sentido de dar publicidade e

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liberdade públicas aos cidadãos. Graças à sua independência interna e externa e ao seu apartidarismo, os ministros podem informar-se especialmente bem, de modo transparente, em proximidade com o cidadão. Os parlamentares e os partidos mantêm suas competências.

O status dos parlamentares permanece incólume. Não deve haver, nem no plano real nem no psicológico, uma situação de confronto entre a Suprema Corte e o Congresso. Trata-se, pelo contrário, de uma cooperação com tarefas divididas a serviço do poder normativo da Constituição dentro dos limites funcionais do STF.

A pecha da ‘judicialização da política’ e da ‘politização do direito’ é antiga. É também repetidamente levantada contra a Corte Constitu-cional alemã. A jurisdição constitucional tornou-se universal, hoje, tendo-se transformado num elemento tão bem-sucedido quanto o ‘Estado Constitucional’. Esse reforço cauteloso do poder jurídico-constitucional deve ser saudado”.37

50. Alguns aspectos específicos que caracterizam a evolução recente do Supremo Tribunal Federal foram sistematizados e sedimentados na dogmática jurídica, em virtude dos trabalhos do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Entre tantos outros, um deles se refere à aplicação imediata das normas que fixam determinados regimes legais. Trata-se de matéria em relação à qual já anteriormente alguns acórdãos tinham aberto novos caminhos, mas na qual perduravam sérias dúvidas quanto à delimitação do conceito de direito adquirido, que é fundamental em nossa Constituição. É a questão que passaremos a examinar, em seguida, como exemplo de evolução e consolidação da recente jurisprudência do STF.

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III. A aplicação imediata do novo regime legal aos contratos em curso

51. No passado, o Supremo tratou da matéria nos casos de resgate das enfiteuses,38 em decisões referentes à aplicação imediata da legislação referente à proteção do patrimônio histórico e artístico39 e na inter-pretação das normas que estabeleceram a necessidade de nomeação de procurador no País para fins de representar as empresas perante o Departamento Nacional da Propriedade Industrial.40 Mas, em todos esses casos, embora definidos alguns rumos da jurisprudência, não houve fixação de uma orientação definitiva do STF na matéria.

52. Ao contrário, havia uma corrente, na jurisprudência brasileira, pretendendo que só devia existir a proteção ao direito adquirido em matéria de legislação de direito privado, não se aplicando em relação às leis de direito público.

53. Especialmente em matéria monetária, surgiram divergências quanto a aplicação imediata das normas dos planos monetários aos contratos firmados anteriormente à nova legislação. Parece-nos que a questão foi discutida, pela primeira vez, por ocasião da entrada em vigor da Lei nº 3.494 de 1958, tendo os tribunais decidido, naquela ocasião, que a mesma não deveria ser aplicada aos contratos de locação em curso, mas tão somente aos futuros, posteriores à promulgação do novo diploma legal.41

54. Posteriormente, quando foram proibidas as cláusulas de correção monetária de acordo com o salário-mínimo, o Supremo Tribunal Federal considerou que deviam incidir sobre os contratos em curso.42 Finalmente, na ADIn nº 493,43 o Supremo Tribunal Federal fez a

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distinção entre as normas de caráter institucional e as referentes aos contratos, para considerar que somente em relação às últimas haveria direito adquirido em virtude das convenções anteriores à lei nova. A decisão da ADIn nº 493 suscitou algumas dúvidas em virtude da discussão no tocante à natureza do novo indexador, que poderia ser considerado como não tendo natureza monetária.

55. Diante dessas evoluções e involuções da jurisprudência, coube ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes definir a posição da Corte, e as suas bases doutrinárias. É o que fez em várias ocasiões sucessivas, destacando-se dois artigos e um voto que proferiu, que analisaremos em seguida.

56. No artigo que publicou, na obra em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves, intitulado “Princípio do Direito Adquirido”, após ter analisado os diversos precedentes da Corte esclareceu que:

“Todos esses precedentes estão a corroborar a ideia de que o caráter institucional do direito de propriedade e, por conseguinte, o conteú-do normativo de seu âmbito de proteção permitem e legitimam a alteração do regime jurídico da propriedade, a despeito dos possí-veis reflexos sobre as posições jurídicas individuais. Embora essas disposições de conteúdo conformativo-restritivo possam provocar uma diminuição ou redução no patrimônio do titular do direito, não há como deixar de reconhecer que tal redução ou diminuição resulta das próprias limitações impostas pela constituinte à garantia da propriedade”.44

57. Em seguida, no voto que proferiu no RE nº 141.190, após ter lembrado a evolução jurisprudencial, propôs uma recolocação do problema, procurando uma ponderação entre dois direitos funda-

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mentais: o de propriedade do cidadão e o do Estado de fixar a política monetária. Esclareceu que:

“Diante da inevitável pergunta sobre a forma adequada de proteção dessas pretensões, tem-se como resposta indicativa que a proteção a ser oferecida há de vir do próprio direito destinado a proteger a posição afetada.

Assim, se se tratar de direito de propriedade ou de outro direito real, há que se invocar a proteção ao direito de propriedade estabelecida no texto constitucional. Se se tratar de proteção à política monetária ou de outro direito de perfil marcadamente institucional, também há de invocar a própria garantia eventualmente afetada e não o princípio do direito adquirido.

Sob esse prisma, desloca-se a reflexão de uma perspectiva situada puramente no direito privado para uma lógica calcada na perspectiva constitucional de Direitos Fundamentais”45 (grifos nossos).

58. Lembrou ainda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes que:

“É fácil de ver que esses aspectos – sem dúvida de alta relevância para uma análise do complexo de questões suscitadas – não foram contemplados na doutrina nem pela jurisprudência”.

59. E concluiu:

“A questão passa a ser: a mudança do estatuto legal da moeda afeta as relações contratuais em curso, tendo em vista a premissa de que a legislação monetária não constitui norma de simples conteúdo contratual, mas lei que disciplina o regime jurídico de determinada situação”.46

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60. O entendimento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes passou a prevalecer nas decisões do Supremo Tribunal Federal, sem maiores divergências, dando ensejo, assim, a Súmula nº 725,47 que considerou constitucional o Plano Collor I, e à decisão referente à constituciona-lidade do Plano Collor II, que foi tomada pelo Excelso Pretório na ADIn nº 608 da qual foi relatora a Ministra Carmen Lúcia.48

61. É ainda importante salientar que, no voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, há um capítulo referente à aplicação do princípio da proporcionalidade, chegando à conclusão que o mesmo foi respeitado. Verifica-se, assim, que, no entendimento do nosso Supremo Tribunal Federal como da Corte Suprema norte-americana, tanto o Poder Monetário quanto o tributário não podem ser arbitrários. Ou seja, como ensinou o Professor Jean Carbonnier, “o poder monetário não pode ser uma ditadura.”49 Na ponderação entre princípios distintos, é preciso dar a devida importância a cada um dos direitos fundamentais e conciliar a sua aplicação para obter as melhores soluções, ou seja as mais justas, tendo em vista a realidade econômica e social.

62. Não se podendo aceitar a institucionalização da inflação, que tivemos no passado, os vários Poderes e, especialmente o Supremo Tribunal Federal devem, pois, colaborar para que se mantenha a estabilidade monetária que é condição do desenvolvimento do País.

IV. Conclusão

63. Ao intitular o presente artigo “O novo Supremo Tribunal Federal”, quisemos evidenciar que houve uma mudança de função e de espírito da nossa Corte Suprema, que se reflete em todo o Poder Judiciário.

64. Por outro lado, pareceu-nos importante enfatizar que o controle

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da constitucionalidade, nos seus novos aspectos, não é tão somente um recurso técnico, mas um meio de consolidar o Estado de Direito e a Democracia o efetivo respeito pelas garantias fundamentais que protegem os cidadãos.50

65. É também um instrumento para que o direito garanta as liberdades individuais, abrangendo inclusive a de não ter medo, à qual se referia Franklin Delano Roosevelt51 e que foi lembrada por Gilmar Ferrei-ra Mendes ao dizer, em discurso recente, que o cidadão brasileiro, quando acordado às quatro horas da manhã, deve saber que quem toca a campainha é o leiteiro e não a polícia.52

66. A liberdade, para o STF, passou a ser também o direito ao de-senvolvimento,53 e, finalmente, a concretização dos princípios cons-titucionais vigentes em nosso País, que deram o mais amplo sentido ao direito assegurado a todos de procurar a felicidade, inspirando-se, no particular, na Constituição norte-americana.54

Notas

1 Gilmar Ferreira Mendes, A Constituição e a estabilidade democrática, Folha de São Paulo, 19 out. 2008.

2 Aliomar Baleeiro, Voto nos ERE nº 75.504 julgados em 21.11.1974.

3 Andre Tunc, La Cour Suprême Idéale, Revue Internationale de Droit Comparé, Paris, n. 1, p. 437, janv./mars 1978, publicação da Société de Législation Comparée et das Librairies Téchniques.

4 Marcel de La Bigne de Villeneuve, La fin du principe de séparation des

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pouvoirs, Paris, Sirey, 1934, passim e especialmente p. 65; Raymond Carre de Malberg, Contribution à la théorie générale de l’État, Paris, Sirey, 1922, t. II, p. 109-110, e José Luiz de Anhaia Mello, Da separação de poderes à guarda da Constituição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968.

5 W. Friedmann, Law in a changing society, 2. ed., Londres, Stevens & Sons, 1972, p. 46. O Justice Holmes já dizia que “aquele que só sabe o direito nem o direito sabe”. Por sua vez, o jornalista James Clayton chegou a escrever que: “Para achar apoio, um “justice” deve ser mais do que um juiz e um jurista. Para ser um grande ministro da Suprema Corte, ele deve ter a largueza de interesse e de compreensão dum homem da renascença” (apud Aliomar Baleeiro, O STF, esse outro desconhecido, Rio de Janeiro, Forense, 1968, p. 57).

6 Edouard Lambert, Le gouvernement des juges, Paris, Marcel Giard, 1921, e Roger Pinto, La Cour Supreme et New Deal, Paris, Sirey, 1938.

7 Brown v. Board Of Education, 347 U.S. / 485 (1954).

8 U.S. v. I.E. du Pont de Nemours & Co. 351 U.S./377 (1956).

9 Miranda vs. Arizona.

10 Decisão proferida no caso do Presidente Nixon – v. James Doyle, Not above the law (The Battles of Watergate Prosecutors Cox and Jaworski), Nova York, William Morrom, 1977, p. 332 e ss.

11 W. Friedmann, op. cit., p. 70, e Archibald Cox, The Role of the Supreme Court in American Government, New York, Oxford University Press, 1977, assim como Aliomar Baleeiro, op. cit., p. 54 e ss.

12 Rubem Nogueira, O advogado Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Olímpica, 1949, p. 99.

82 Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, n. 667, p. 59-86, out. 2010

13 Arnoldo Wald, As origens da liminar em habeas-corpus no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 747, p. 803-807, jan. 1998.

14 RE nº 62.739, julgado em 23.8.1967, sendo relator o Ministro Aliomar Baleeiro, cujo acórdão foi publicado na RTJ 44/54.

15 Súmula nº 341.

16 Súmula nº 340.

17 Voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no MS n. 24.268-MG, RTJ 191/922.

18 Ementa do acórdão acima citado na qual foi salientado que era imperativa: “A aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito........................9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público”.

19 Inocêncio Mártires Coelho, A interpretação constitucional, Porto Alegre, Antonio Fabris Editor, 1997 e ementa do acórdão dos Emb. Inf. na ADIn n. 1289 datado de 3.4.2003.

20 No acórdão já citado do MS nº 24.268 foi esclarecido que:“4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica.”

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21 Art. 27 da Lei n. 9.868, de 10.11.1999.

22 Gilmar Ferreira Mendes, O direito de propriedade na Constitui-ção de 1988. In: Diogo Leite de Campos, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, A evolução do Direito no Direito no século XXI, Estudos em homenagem a Arnoldo Wald, Coimbra, Almedina, 2007, p. 92.

23 Gilmar Ferreira Mendes, Anotações sobre o princípio do direito adquirido tendo em vista a aplicação do novo Código Civil. In: Cesar Arruda Alvim; Joaquim Portes de Cerqueira; Roberto Rosas (Coord.), Aspectos controvertidos do novo Código Civil. Escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 229-250.

24 Ulrich Beck, Risk Society Towards a New Modernity, (tradução inglesa) London, SAGE Publications, 1992.

25 John Kenneth Galbraith, The age of Uncertainty, Londres, British Broadcasting Corporation, 1977 e Peter F. Drucker, The age of discon-tinuity, New York, Harper & Row, 1968.

26 George Stigler, Law or Economics? Journal of Law and Economics, 1992, citado por Armando Castelar Pinheiro, A relação entre o de-sempenho das instituições jurídicas e o crescimento econômico, In: Arnoldo Wald, Ives Gandra da Silva Martins e Ney Prado (Coord.), O direito brasileiro e os desafios da economia globalizada, Rio de Janeiro, América Jurídica, 2003, p. 28.

27 Armando Castelar Pinheiro, citado na nota anterior, p. 28.

28 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, A democracia possível, São Paulo, Saraiva, 1972.

84 Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, n. 667, p. 59-86, out. 2010

29 Gilmar Ferreira Mendes, A Constituição e o pensamento do possível, um estudo de caso, (Embargos Infringentes na ADIn n. 1289-4 ), (Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 29/5/1998). In: Revista do Advogado, publicação da AASP n. 73, novembro de 2003, p. 74 e seg.

30 Arnoldo Wald, A análise econômica na recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Revista Semestral de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, Renovar, n. 1, jul.-dez. 2007, p. 225.

31 Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, 31ª ed., atualizada por Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 657 e seg.

32 Jan Crawford Greenburg, Supreme conflict, New York, The Pinguim Press, 2008, p. 226 e seg.

33 Luiz Gallotti, Limite da jurisdição dos tribunais em face das questões polí-ticas, A Época, revista do CACO (da Faculdade Nacional de Direito), n. 193, maio 1952, p. 51 e seg.

34 Hans Kelsen, La démocratie, (tradução francesa), Paris, Dalloz, 2004, p. 86.

35 Arnoldo Wald, O Poder Judiciário e as Políticas Públicas, Valor Eco-nômico, 23.7.2008.

36 Peter Häberle, entrevista ao Jornal Valor Econômico, São Paulo, 21 nov. 2008.

37 Peter Häberle, entrevista ao Jornal Valor Econômico, São Paulo, 21 nov. 2008.

38 Súmula n. 170.

85Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, n. 667, p. 59-86, out. 2010

39 Ap. 7.337, RDA n. 2/100.

40 RE 94.020, RTJ 104/269.

41 Súmula n. 65.

42 RE n. 105.137 cujo acórdão foi publicado na RTJ 115/385.

43 O respectivo acórdão foi publicado na RTJ 143/724.

44 Gilmar Ferreira Mendes, Anotações sobre o princípio do direito adquirido tendo em vista a aplicação do novo Código Civil. In: Arruda Alvim; Joaquim Portes de Cerqueira Cesar e Roberto Rosas (Coord.), Aspectos controvertidos do novo Código Civil. Escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 249. No mesmo sentido, o seu artigo intitulado “O direito de propriedade na Constituição de 1988”, já citado.

45 RTJ 198/364.

46 RTJ 198/365.

47 A mencionada súmula 725 tem a seguinte redação:“É constitucional o § 2º do art. 6º da Lei n. 8.024/1990, resultante da con-versão da MP n. 168/1990, que fixou o BTN Fiscal como índice de correção monetária aplicável aos depósitos bloqueados pelo Plano Collor I”.

48 RDB 38/219.

49 Jean Carbonnier In: Droit et monnaie, états et espace monétaire transna-tional, Paris, Litec, 1988, p. 533.

50 Miguel Reale, Crise do capitalismo e crise do Estado, São Paulo, Senac, 2000, p. 91.

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51 Franklin Delano Roosevelt, Four freedom speech de 6.1.1941.

52 Discurso do Ministro Gilmar Ferreira Mendes na FIESP, em 12.12.2008.

53 Amartya Sen, Desenvolvimento como liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

54 Declaração de Independência de 4.7.1776 que, segundo a doutrina, representou uma nota de idealismo num texto de caráter político e jurídico.

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Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda

Síntese da ConjunturaO PIB de 2010

Em termos de PIB, o Governo FHC teve um desempenho discu-tível, no período 1995/2002: beneficiado pelo impacto do Plano

Real, cresceu 4,4% em 1995 e 2,2% em 1996; daí em diante, declinou, chegando a praticamente zero, em 1998 e 1999. São várias as causas desse baixo crescimento, principalmente de origem externa (crises no México, Ásia, Rússia, Argentina e Estados Unidos), acentuado pelo apagão de energia elétrica em 2001 e pelas incertezas políticas de 2002. Em paralelo, somam-se os efeitos negativos da política cambial, para contrarrestar os efeitos inflacionários da descuidada política fiscal. Ao final do Governo FHC, em 2002, o déficit externo em C/Correntes atingiu US$7,7 bilhões, aumentando a dívida externa para US$ 228 bilhões.

O Governo Lula administrou razoavelmente bem essa herança ne-gativa, altamente beneficiado pela expansão da economia mundial,

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estimulada pela presença da China no comércio internacional. Entre 2002 e 2008, as exportações brasileiras cresceram 328%, basicamente em função da elevação dos preços.

A crise americana de 2008 reverteu essa situação; nossas exportações sofreram uma redução de 22,7%, em 2009 e o PIB nacional caiu praticamente a zero (-0,2%). Mas o Governo Lula adotou prontas medidas anticíclicas, com um vasto programa de estímulo ao con-sumo, baseado em subsídios fiscais e expansão do crédito através dos bancos oficiais (BNDES, Banco do Brasil e CEF). Apesar da política monetária inconsistente e da contraditória política cambial, assim como da ineficiente logística dos transportes, a agricultura e a indústria acumulam substanciais ganhos de produtividade, exibindo uma extraordinária recuperação e expansão em 2010, com reflexos diretos no mercado de trabalho – aumento do emprego formal e da massa salarial- e nos setores do comércio e serviços.

Segundo o IBGE, a economia brasileira continuou exibindo uma forte recuperação no 2º trimestre deste ano, com alta de 8,8% em relação no mesmo período de 2009, sendo +11,4% no setor agropecuário, +13,8% na indústria, +11,8% no comércio, +5,6% em serviços e +7,3% nas exportações. Observe-se que, até agosto, comparado com o ano passado, as exportações estão crescendo 28,8% e as im-portações 46,6%.

Ao que tudo indica, houve uma acomodação no crescimento, a partir do 2º trimestre, sinalizando um ritmo um pouco menor para o 2º semestre, mas que não comprometerá as expectativas para o ano, tendo em vista especialmente o volume dos novos investimentos,

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que passaram de 15,8% do PIB, no 2º trimestre de 2009, para 17,9% no 2º trimestre deste ano.

O PIB nacional cresceu 2,4% no 4º trimestre/09, 2,7% e 1,2% no 1º e 2º trimestres deste ano. Em julho, teria crescido 0,1%, revelando uma tendência de queda no 2º semestre.

Calculando o crescimento médio mensal do PIB de janeiro a junho deste ano (156,42), em relação à média histórica mensal de 2009 (146,66), temos um efeito estatístico de carry-over que nos indica uma expansão possível do PIB de 6,7% em 2010, mesmo que a taxa do 2º semestre seja zero.

Conjuntura mundial

Com a economia estagnada da Europa, o lento crescimento do Japão e dos Estados Unidos, as possibilidades de recuperação da econo-mia mundial ficam na dependência da continuidade da expansão da China. A situação dos Estados Unidos, em geral, não é tão crítica, pois tudo indica que o PIB americano irá crescer entre 2,5% e 3,0%, neste ano. O maior problema é a crescente taxa de desemprego, que caminha para 10%, sem perspectivas, enquanto perdurar o excessivo endividamento das famílias. De outro lado, a China perde forças, sem os Estados Unidos, seu maior cliente comercial, mas não deve crescer abaixo de 8% neste e nos próximos anos. Com reservas de US$ 2,5 trilhões, tem cacife para bancar esse ritmo de crescimento, incorporando à economia de mercado algumas centenas de milhões de chineses excluídos.

O Brasil se encontra, hoje, em uma situação privilegiada e tem, pela

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frente, um verdadeiro canteiro de obras, uma indústria criativa, com destaque para as empreiteiras, um comércio organizado e uma agri-cultura altamente eficiente. Tudo isso amparado em uma excepcional disponibilidade de recursos naturais.

O sistema bancário brasileiro está bem estruturado e o montante de reservas cambiais – mais de US$ 260 bilhões – é suficiente para bancar quaisquer possíveis déficits em C/Correntes, nos próximos quatro a seis anos. Sem dúvida, nosso maior problema está na área política, onde imperam a demagogia, o desvio de verbas e a corrupção, que embasam um clima de insegurança jurídica.

Há um limite potencial de crescimento do PIB? Teoricamente, é lógico que há. Mas, na prática, esse limite vai se afastando, na medida em que se ampliam os investimentos. E há margem para isso.

A importância da estabilidade monetária

Ao fixar o objetivo de controlar e manter a inflação em torno de 4,5%, o CMN transmite ao mercado um forte sentimento de segurança e de certeza de que o Governo está comprometido com a estabilidade dos preços. Por isso mesmo, é fundamental que as políticas mone-tária e fiscal sejam executadas em uníssono, para evitar medidas de radicalização de um lado, quando o outro se afasta do objetivo. Ou seja, se a política fiscal, de gastos do Governo, se afasta da curva de equilíbrio, é indispensável o endurecimento da política monetária, para compensar. E vice-versa.

Esse é, em verdade, o caso do Brasil, onde, sob a orientação do Governo, se pratica uma expansão de crédito incompatível com

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as expectativas do Banco Central. Na medida em que o Governo absorve uma parcela cada vez maior dos recursos disponíveis no mercado financeiro doméstico, o sistema privado, para sobreviver à concorrência, aceita pagar taxas de juros mais altas para conseguir maior captação. Isso é lógico, mas irracional.

Para quebrar esse estado de incertezas, é preciso que o Banco Central se abstenha de transmitir ao mercado sinais de inquietação, como acontece, frequentemente, em relação às expectativas criadas em função das reuniões do COPOM. O mesmo acontece nos Estados Unidos, com o Open-Market Committee(OMC) do FED, constante-mente acusado de ser o responsável pela alta volatilidade do mercado e até mesmo pelas crises. Nos Estados Unidos não há um “sistema de metas de inflação”, mas todo mundo sabe que há um compromisso do Governo, como um todo, em assegurar o nível mais baixo possível da inflação. O que tem conseguido.

A Selic do Banco Central

Em diversas oportunidades, nesta Carta, defendemos a tese de que a chamada taxa de juros SELIC, fixada pelo Comitê de Política Mone-tária – COPOM, do Banco Central, não tem maior utilidade, ou seja, não influi decisivamente sobre as atividades econômicas, eis que não muda a direção e o montante do consumo, nem dos investimentos. E, portanto, não tem o alcance de controlar a inflação.

Em setembro de 2008, no auge da crise econômica mundial, o Banco Central do Brasil elevou a taxa básica de juros SELIC para 13,75%. No 1º trimestre de 2009, recuou a taxa para 8,75%, segundo consta, por pressão do Presidente Lula. A partir de abril, voltou a subir a taxa

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que, agora, foi mantida em 10,75%. Sem necessidade de recorrer a um período mais longo de comparações, cabe perguntar se, verdadeira-mente, essas alterações na taxa SELIC têm tido alguma influência no controle do crédito e da inflação, como parece acreditar o mercado.

A lógica do Banco Central, para administrar a taxa de juros, é que, por esse meio, afetaria a expansão ou a retração do volume global do crédito, influindo sobre os níveis de consumo e dos investimentos. A discussão desse tema suscita várias objeções:

1. a taxa de juros SELIC do COPOM/BC não é uma taxa de redes-contos, que estimule ou refreie o acesso dos bancos aos recursos do Banco Central;

2. existem, no mercado, várias taxas de juros, desde as taxas subsidia-das TJLP do BNDES até as excorchantes taxas do crédito pessoal e dos cartões de crédito;

3. portanto, a taxa BC/SELIC não chega a alterar as propensões a consumir e a investir, que compõem a demanda agregada;

4. não se percebe, claramente, o sentido de direção de alguma correla-ção que possa haver entre a SELIC/BC e as taxas de juros negociadas na BM & F, de natureza fortemente especulativa;

5. a taxa SELIC, de um modo geral, corresponde ao piso da remu-neração paga na captação dos Fundos de renda fixa e, assim, produz um “efeito renda” em favor dos investidores, nacionais e estrangeiros, em prejuízo do Tesouro Nacional; e

6. o “efeito renda” tende a estimular a propensão a consumir, ao

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mesmo tempo em que constitui um dos componentes de custo da produção pois, reduz uma possível eficácia antiinflacionária da taxa de juros; e finalmente,

• o período que antecede as decisões do BC/COPOM gera um clima de incertezas, que favorece a especulação e prejudica os planos dos investidores.

Administração da taxa de câmbio

Em princípio, o mercado de câmbio pode ter dois tipos de regulação: taxa de câmbio fixa e taxa de câmbio flutuante. No primeiro caso, o mercado é controlado e as vendas e compras de moeda estrangeira (dólar) são feitas à taxa fixada pela autoridade monetária; no segundo caso, o mercado é livre e a taxa de câmbio será o resultado da oferta e procura. Cabe registrar, entretanto, que praticamente não há mercado livre, eis que em todos os países a prática é do sistema “sujo”, isto é, livre, mas sujeito a intervenções do Governo.

A trágica experiência cambial de 1999, da taxa fixa com banda larga, desmoralizou o sistema, levando o mercado a “tomar o freio nos den-tes”. Desde março daquele ano, após uma desvalorização que chegou a mais de 60%, adotou-se o sistema da taxa de câmbio flutuante, sem prejuízo do recurso eventual do tipo dirty floating, “câmbio flutuante sujo”, sujeito a intervenções do Banco Central. Esse é exatamente o caso atual do Brasil.

A experiência brasileira do dirty floating está custando muito caro, obrigando o Governo a realizar maciças emissões de Títulos Públicos para levantar os recursos necessários à compra de dólares. O resultado

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está visível: as reservas cambiais do Pais subiram de US$ 33,2 bilhões, em dezembro de 2000, para US$ 281 bilhões atualmente; em con-trapartida, a dívida pública bruta elevou-se de R$ 723,8 bilhões para R$ 2.034,9 bilhões, em agosto último. Segundo consta, as elevadas reservas cambiais representam, para o Brasil, um prejuízo anual de mais R$ 40 bilhões.

Em todo esse episódio, fica claro que, na conjuntura internacional atual, de recessão e alta liquidez, acompanhada de grandes incertezas, a política monetária não é suficiente para controlar o mercado cambial, fazendo-se necessária a participação da política fiscal. Contra todas essas evidências, é difícil explicar porque o Brasil vem estimulando o ingresso de capitais financeiros de curto prazo, de evidente caráter especulativo, utilizando como principal atrativo a elevada taxa básica de juros Selic, fixada pelo Banco Central, a maior taxa real de juros do mundo.

A utilização do IOF pelo Ministério da Fazenda, para intervir no mercado de câmbio, arrecadando recursos para o Tesouro, tem van-tagens inegáveis sobre a taxa de juros SELIC do Banco Central, que onera pesadamente a dívida pública. Afinal, uma medida inteligente. Parabéns ao Ministro Mantega. Falta revogar a isenção do IR sobre os ganhos de capital na BOVESPA.

Atividades econômicas

Segundo os indicadores econômicos do IBGE, Banco Central, FGV, IPEA e outras fontes, a economia nacional continua firme, com ex-pansão do PIB de 0,24% em julho (BC) e expectativa de ultrapassar 7,5% no final do ano (Boletim Focus). Após dois meses estagnado,

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o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) reagiu em julho, após ligeira retração de 0,09% em maio e queda de 0,03% em junho.

Indústria

A paralisação técnica nas refinarias de petróleo fizeram com que a produção industrial caísse 0,1% em agosto em relação a julho, o que configura estabilidade. Em relação a agosto do ano passado, a pro-dução cresceu 8,9%, acumulando altas de 14,1% no ano e de 9,9% em 12 meses.

Segundo a CNI, o faturamento da indústria em agosto caiu 0,3% ante julho, mas o acumulado no ano apresenta forte alta de 11,5%.

A Sondagem Industrial da CNI indicou aceleração industrial em agosto, com elevação do índice de 53,4 em julho para 55,1. Dos 26 setores pesquisados, apenas um (borracha) apresentou resultado negativo. Também a FGV aponta no mesmo sentido, indicando que a produção industrial deu um salto entre julho e setembro. Na industria paulista, o INA da FIESP indica alta de 0,4% em agosto ante julho e +12,3% no acumulado do ano, com 82,4% de utilização da capacidade técnica. Entretanto, o índice de vendas caiu de 54,1 pontos em agosto para 50,9 em setembro.

As vendas de veículos novos, segundo a Fenabrave, tiveram expan-são de 8,7% no acumulado de janeiro/setembro. A indústria de bens de capital registrou alta de 1,92% no faturamento de agosto, acumulando no ano +12,8%, com importações de US$ 5,6 bilhões. A produção de aço atingiu 2,9 milhões de tons. em agosto (+1,2%), com alta de 40,5% no acumulado do ano (22,1 milhões de tons.). A

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indústria de petróleo chegou a 2,078 milhões de b/d, 6% acima de agosto/09. O consumo de gás natural atingiu 77,6 milhões de m³/dia, em setembro, mais 70% do que no mesmo período de 2009. A indústria química faturou +13,04% em agosto, acumulando +8,9% em oito meses (Abiquim) e a de materiais de construção +16,93% (Abramat). O consumo de energia elétrica cresceu 7,1% em agosto, com expansão acumulada no ano de 9,2%. A forte seca no País redu-ziu substancialmente os reservatórios das hidrelétricas e o Governo está recorrendo fortemente à geração termelétrica.

O índice de confiança da indústria, segundo a FGV, subiu 0,4% em setembro, após haver caído 0,6% em agosto, mas caiu 0,6%, segundo a CNI. Na cidade de São Paulo, as vendas de imóveis novos caíram 5,4% em julho/junho (Secovi-SP).

A Chery, maior fabricante de automóveis da China, oficializou seu projeto de abrir uma fábrica em Jacareí-SP, um investimento de US$ 400 milhões para produzir 150 mil carros por ano.

Comércio

Segundo a Serasa, as vendas do comércio varejista cresceram 10% no período janeiro a setembro, com destaque para material de construção (+16,8%), móveis e eletroeletrônicos (+15,9%) e veículos (+14,6%). A expansão foi puxada pelos supermercados, que subiram 1,2% em agosto sobre agosto/09. Nos oito meses até agosto, o faturamento cresceu 4,7% e as vendas 6,8%, segundo a Abras.

Levantamento do Sebrae informa que, em julho, o faturamento das micro e pequenas empresas (MPEs) teve alta de 3,7%, ante junho e de 9,5% ante julho/09.

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No Distrito Federal, segundo a Fecomércio-DF, as vendas de agosto subiram 7,4% sobre agosto/09, acumulando no ano 8,6%. Pesqui-sa coordenada pela CNC informa que a intenção de consumo das famílias cresceu 0,6% em setembro, consolidando alta pelo quinto mês consecutivo, com +1,7% de aumento acumulado no 3º trimestre, com cerca de 60% de famílias endividadas. Em São Paulo, segundo a Fecomércio-SP, esse endividamento é de 50,9%, com 14,7% em atraso. A confiança do consumidor, segundo a FGV, teve alta de 0,7%, igual a de agosto.

A ABIH-RJ informa que chegaram a 85% as reservas nos hotéis do Rio, para o réveillon e o carnaval. Em São Paulo, em agosto, a ocu-pação hoteleira chegou a 75,3%.

O comércio eletrônico no País subiu 41,2% no período janeiro/julho, com destaque para São Paulo: +41%.

A Fecomércio-RJ informa que, em agosto, chegou a 45% a parcela de famílias com excedente orçamentário.

Segundo a Serasa, a inadimplência com cheques sem fundos ficou em 1,62% em agosto e a de pessoas jurídicas caiu 4,2% em relação a julho e 7,2% sobre agosto/09.

Agricultura

Os preços dos produtos agrícolas dispararam no 3º trimestre, com destaques para soja, milho, trigo, café, açúcar e algodão, que atingiram os níveis mais altos do ano. O preço do algodão, na Bolsa de New York, subiu de US$ 73,01/libra em 20/7 para US$ 106,4 em 28/9,

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estimulando uma corrida para novos plantios. O clima favorável produziu um aumento de produtividade de mais de 10%.

O IBGE reestimou a safra de grãos 2009/10 em 147,1 milhões de tons., mas já se pensa na possibilidade de chegar a 149 milhões. Entretanto, o clima muito seco ainda poderá prejudicar as colheitas, inclusive retardar o plantio de soja. A seca está fazendo baixar o nível dos rios, especialmente na Amazônia, nas regiões do Pantanal e dos Rios Negro e Madeira. Também estão sendo afetadas as regiões do Rio Paraná e o interior do Estado de São Paulo, com possível quebra na safra de laranjas.

Mercado de trabalho

Entre julho e agosto, segundo o IBGE, o desemprego caiu de 6,9% para 6,7%, nível de queda recorde desde 2002, conforme dados pesquisados nas seis maiores regiões metropolitanas.Em agosto, o rendimento real médio dos trabalhadores aumentou 1,4% em relação a julho e 5,5% em 12 meses, período em que a massa de renda real cresceu 8,85%.

Pesquisa do Dieese, mostra que o rendimento médio real dos traba-lhadores em sete regiões do país subiu 1,8% em julho, chegando a R$ 1.289. Para os assalariados, o incremento foi de 1,5%, atingindo R$ 1.340. A massa salarial cresceu 1,9%.

Segundo a Caged, o saldo líquido de empregos criados em agosto foi de 299.415, com destaque para o Setor de Serviços, com mais 128.232 vagas.

A taxa de desemprego nas sete regiões avaliadas pelo Dieese caiu

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de 12,4% em julho para 11,9% em agosto. Houve queda em todas as regiões e o nível de ocupação cresceu em Salvador (2,6%), Recife (2,3%), Fortaleza (1,7%), Porto Alegre (0,9%) e São Paulo (0,4%).

Setor financeiro

A liquidez no mercado financeiro continua alta e em expansão. Em agosto, o papel-moeda emitido aumentou 2,5% e os meios de paga-mento (M1) 3,4%, enquanto os depósitos compulsórios dos bancos junto ao Banco Central cresceram R$ 10 bilhões.

Os empréstimos bancários aumentaram 2,2% em agosto, acumulan-do 11,9% no ano e 19,2% em 12 meses, sendo +24,4% nos bancos oficiais. O saldo dos empréstimos para as empresas ligadas ao setor imobiliário atingiu R$ 69 bilhões em julho, além de R$ 116 bilhões de empréstimos às famílias.

O CMN, no final de setembro, decidiu manter a TJLP inalterada em 6% ao ano.

Inflação

Como vimos em nossas Cartas anteriores, a inflação no varejo vem, desde junho, apresentando uma tendência de baixa sinalizada em todos os índices de preços, como o IPCA/IBGE, o IPC/FIPE e o ICV/DIEESE. Contrariamente, os preços no atacado estão em alta, como pode ser visto pelo IGP-M/FGV e o IGP-DI/FGV. Nesse período, observa-se uma baixa nos preços dos produtos industriali-zados, devido, em grande parte, às importações favorecidas pela taxa de câmbio valorizada, que neutraliza, de algum modo, as cotações mais elevadas das commodities no mercado internacional.

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A partir deste mês de setembro, nota-se uma tendência de alta nos preços dos alimentos; o óleo de soja passou de -0,01% em agosto para +5,08 em setembro; o açúcar de -8,1% para +4,83%; as frutas de 0,82% para 3,17%; a farinha de trigo de 0,70% para 2,51%. O grupo de produtos não alimentícios subiu 0,31% no IPCA-15 de setembro ante 0,14% em agosto, segundo o IBGE. A alta do preço da gasolina passou de 0,31% em agosto para 0,77% em setembro.

Pressionado pelos preços agrícolas, o IGP-M/FGV teve alta de 1,03% em setembro, ante 0,55% em agosto, enquanto os manufaturados foram beneficiados pela valorização de 3,52% da taxa de câmbio. Na comparação entre agosto/09 e agosto/10, houve aumento de 168,2% no minério de ferro, 59,5% nos semimanufaturados da in-dústria siderúrgica, 49,6% nos laminados planos, 50,6% nos couros, etc. O índice nacional do custo de construção (INCC-M) teve alta de 0,22% em agosto e 0,20% em setembro.

Segundo a Fecomércio-RJ, o preço da cesta básica caiu 0,46% em agosto, frente a julho.

Importante: Pela última Ata do Copom, observa-se que o Banco Central começa a perceber que a taxa SELIC não tem força no controle da inflação, mas, ainda assim, considera que “as pressões inflacionárias são contidas com mais eficiência por meio de ações da política monetária” (?). Vejamos a seguinte “pérola” contida na Ata:

“As estimativas mais pessimistas sobre o nível atual da taxa de juros real neutra tendem, com probabilidade significativa, a não encontrar amparo nos fundamentos” (!?)

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Setor público

As despesas do Governo dispararam de janeiro a agosto e levaram as contas do governo central a um déficit nominal de R$ 76,0 bilhões, resultado de um superávit primário de R$ 47,8 bilhões para pagar R$ 123,8 bilhões de juros. Com esse resultado, a dívida interna bruta chegou a R$ 2.034,9 bilhões (59,4% do PIB), um acréscimo de R$ 61,5 bilhões sobre dezembro/09. A dívida mobiliária em agosto re-gistrou alta de R$ 15,5 bilhões sobre julho e R$ 126,2 bilhões sobre dezembro/09.

Para possibilitar a capitalização da Petrobras, o Governo emitiu MP que autoriza a entrega ao BNDES de R$ 30 bilhões de Títulos do Te-souro, em condições idênticas à entrega dos R$ 180 bilhões anteriores.

Com a antecipação do 13º salário aos aposentados e o pagamento da diferença do reajuste dos benefícios retroativo a janeiro, o déficit da Previdência Social atingiu R$ 5,415 bilhões, em agosto, acumulando no ano R$ 30,8 bilhões.

Setor externo

Em setembro, as exportações chegaram a US$ 18,8 bilhões e as im-portações US$ 17,7 bilhões, acumulando no ano, respectivamente, US$ 144,9 bilhões e US$ 132,2 bilhões. O saldo da balança comercial alcançou US$ 12,8 bilhões, ante US$ 21,2 bilhões no mesmo período do ano passado. No período janeiro/agosto, o déficit em C/Cor-rentes atingiu US$ 31,1 bilhões, devido, basicamente, aos resultados negativos dos itens Serviços (US$ 19,1 bilhões) e Rendas (US$ 25,7

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bilhões), com destaques para os gastos em viagens e turismo (US$ 9,9 bilhões), remessas de juros (US$ 10,2 bilhões) e de lucros e divi-dendos (US$ 19,7 bilhões).

Os investimentos estrangeiros diretos (IED) chegaram a US$ 24,3 bilhões, superando os US$ 17,5 bilhões ingressados no mesmo pe-ríodo do ano passado. A dívida externa chegou a US$ 318,6 bilhões (com US$ 83,3 bilhões intracompanhias), um aumento de US$ 9,0 bilhões sobre junho e de US$ 41,1 bilhões sobre dezembro/09. As reservas cambiais se elevaram a US$ 275,0 bilhões, no final de setembro. O Governo, os bancos e as grandes empresas brasileiras continuam levantando empréstimos no exterior da ordem de mais de US$ 30 bilhões, até setembro. Os estrangeiros entraram com R$ 21 bilhões no total de R$ 120 bilhões de capitalização da Petrobras. Somente em setembro, nove empresas brasileiras lançaram bônus no valor de US$ 8,9 bilhões.

As exportações do agronegócio e a elevação das cotações das com-modities estão sustentando boa parte da recuperação da economia brasileira, com alta de 29,6% no valor das exportações e 45,8% das importações.

Na área internacional, prossegue a acentuada estagnação das eco-nomias americana e europeia, sem perspectivas de melhora a curto prazo. Destaca-se, entretanto, o crescimento da produção industrial nos Estados Unidos, em julho (+0,6%) e agosto (+0,2%). Até o 2º trimestre, o PIB-USA cresceu à taxa anual de 1,7%. O déficit comer-cial americano encolheu 14% em julho.

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A China continua em forte expansão e já se tornou o 5º maior inves-tidor internacional. Está financiando a construção de 12 navios para a Vale (US$ 1,2 milhão) e investindo US$ 400 milhões na fábrica de automóveis Chery, em Jundiaí – SP.

A OMC estima uma expansão de 13,5% no comércio mundial, em 2010.

Lastimável, a campanha que vem sendo feita pelo economista ame-ricano Joseph Stiglitz, contra a manutenção do dólar como moeda-reserva e a favor da saída da Alemanha do sistema euro.

Saudade

Nestor JostMembro do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio

de Bens, Serviços e Turismo1988-2010