outra espiritualidade - novo - print 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/outra...15. o...

22

Upload: others

Post on 01-Jun-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização
Page 2: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização
Page 3: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização
Page 4: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Kivitz, Ed RenéOutra espiritualidade: fé, graça e resistência / Ed René Kivitz — São

Paulo: Mundo Cristão, 2006.

ISBN 85-7325-451-3

1. Conduta de vida 2. Espiritualidade 3. Fé 4. Missão da igreja5. Vida espiritual — Cristianismo I. Título.

06-5892 CDD—266

Índice para catálogo sistemático:1. Espiritualidade missionária: cristianismo 266

Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela:Associação Religiosa Editora Mundo CristãoRua Antônio Carlos Tacconi, 79 — CEP 04810-020 — São Paulo — SP — BrasilTelefone: (11) 2127-4147 — Home page: www.mundocristao.com.br

Editora associada a:• Associação Brasileira de Editores Cristãos• Câmara Brasileira do Livro• Evangelical Christian Publishers Association

A 1ª edição foi publicada em setembro de 2006.

Impresso no Brasil

OUTRA ESPIRITUALIDADE

CATEGORIA: ESPIRITUALIDADE

Copyright © 2006 Ed René Kivitz

Gerência editorial: Silvia JustinoPreparação de texto: Omar de SouzaRevisão: Rodolfo OrtizSupervisão de produção: Lilian MeloCapa: Douglas Lucas

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (NVI),da Sociedade Bíblica Internacional.

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 06 07 08 09 10 11 12

Page 5: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

Sumário

Palavra do editor 7Apresentação 9Introdução 13

Parte 1: Outro cristianismo

1. Ser cristão 19 2. Amizades espirituais 23 3. Pastores de ontem e de hoje 27 4. Auditórios manipuláveis 31 5. Evangelização contextualizada 35 6. Santo remédio 39 7. Bandeiras antigas 43 8. Ladeira abaixo 47 9. Pastores e pastores 5110. Missão integral — Uma síntese 5511. As verdades de Norton 5912. Até quando 6313. A espiritualidade na pós-modernidade 6714. Um convite à oração 71

Parte 2: Outra igreja

15. O Evangelho da graça de Deus 7716. Construir comunidades 8117. As marcas da institucionalização da Igreja 8518. Novos paradigmas para a Igreja 8919. O sol e a peneira 9320. A Igreja relevante na pós-modernidade 9721. O poder de uma visão 10122. Obsolescência 10523. Você também tem razão 10924. Um sonho de igreja 113

Page 6: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

6 OUTRA ESPIRITUALIDADE

25. Igreja: organismo e organização 11726. A cidade edificada sobre o monte 123

Parte 3: Outro céu

27. O cristão e o código de barras 12728. Só Cristo salva 13129. O que é pecado? 13530. A morte lhe cai bem 13931. Pontos de chegada 14332. Dr. Jekyll e Mr. Hyde 14733. Paradigmas de sucesso 151

Parte 4: Outra fé

34. Vivendo com propósitos 15735. Sal da Terra e luz do mundo 15936. Felicidade não é um lugar aonde se chega 16337. Os brasileiros e sua fé 16738. Ressurreição 17139. Coisas ruins acontecem às pessoas boas 17540. Deus conosco 18141. A fé que eu quero 18542. A tirania da felicidade 18943. O Deus bailarino 19344. Pessoas não mudam 197

Parte 5: Outras coisas

45. O significado do sucesso 20346. Ford, General Motors e as igrejas evangélicas no Brasil 20747. Religião e política 21148. Novas doutrinas 21549. Espiritualidade corporativa 21950. Estreitar, mas sem perder a largura 22351. A graça comum, a imago Dei e a MPB 22752. Dai a César o que é de César 23353. O sentido do trabalho 23754. O monge e o executivo 241

Sobre o autor 245

Page 7: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

Palavra do editor

A HISTÓRIA DEMONSTRA: aos maiores avanços do cristianis-mo correspondem movimentos de retorno às raízes da fé e o resgatedos valores do Reino originalmente pregados e vividos por Jesus e aquelesa quem o Mestre chamou. Se é verdade que o Corpo de Cristo passou,na prática, por vários avivamentos — aqui entendidos como as experiên-cias de povos e nações que reconhecem seu distanciamento de Deus e,arrependidos, buscam o caminho de volta à comunhão com o Criador —,é digno de nota o fato de seus expoentes terem sido homens e mulheresque recusaram os confortos da secularização e recuperaram a trilha dechão batido aberta pelos pais da Igreja.

É por essa razão que tantas “novas revelações” anunciadas com alardepor aventureiros em dois mil anos de história, e mais ainda nas últimasdécadas, com a ajuda dos meios de comunicação, resistem cada vez me-nos ao tempo. Enquanto elas vêm e vão ao sabor das órbitas da Terra, aortodoxia cristã é, vez por outra, redescoberta, como se nunca estivesseali, mas presente o tempo inteiro a sustentar o ânimo vital do Corpo deCristo. E a cada repetição do ciclo surge mais um grupo de resistentes,gente que ousa questionar, pensar e, se necessário, romper com aquiloque não traduz a essência do Evangelho.

Ed René Kivitz é uma dessas pessoas. Nos últimos anos, tem se desta-cado não só na condição de pastor de seu rebanho local, a Igreja Batistade Água Branca, em São Paulo, como na inspiração que oferece a públi-cos de todo o Brasil em palestras e conferências de que participa e pormeio dos artigos que escreve, desde o ano 2000, com regularidade paraa revista Eclésia.

Page 8: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

8 OUTRA ESPIRITUALIDADE

Assim como a força das mensagens que prega não passa pela elevaçãono tom da voz, o vigor de seus textos não está na aridez das palavras ou navirulência da linguagem. Pelo contrário: Ed René é o tipo de escritorque responde ao desafio de admoestar, exortar, provocar e refletir com ogesto generoso daquele que oferece a mão e convida o leitor para umajornada do pensamento — nem sempre suave ou breve, é verdade, masnunca improdutiva.

Já em Vivendo com propósitos, seu primeiro livro pela Editora MundoCristão, ficava clara a angústia de Ed René Kivitz com a própria perspec-tiva de vida disseminada na Igreja Evangélica e a urgência da correçãode rumo — até porque é exatamente na caminhada, e não no destino,que ele percebe estar a dimensão mais genuína do viver cristão. Os textosproduzidos para a coluna “Diálogo” da revista Eclésia, por sua vez reuni-dos em Outra espiritualidade, denunciam as indagações e inquietudes deum pensador que não hesita em revelar suas dúvidas e convicções sobrea identidade de uma Igreja tão orgulhosa por marchar em nome de umevangelho pródigo em pirotecnia, mas, em muitos casos, raso e destituí-do de causa.

Integrante de uma geração de líderes cristãos forjada num períodosingular da Igreja brasileira — fim da ditadura militar, consolidaçãodo conceito de Evangelho Integral, influência de grupos doutrináriosexcêntricos, ampliação do espaço evangélico na mídia, revisão dosparâmetros de administração e gerência eclesiástica, relativização do pa-pel fundamental do Corpo de Cristo em troca de espaço político etc.,Ed René Kivitz faz parte de um grupo que representa uma espécie dedesobediência civil às tendências da maioria de seus contemporâneos.Daí o dever de publicá-lo.

Page 9: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

A EXPRESSÃO “OUTRA ESPIRITUALIDADE” sugere a pergunta:“outra em relação a quê?”. Isto é, que espiritualidade está sendo abando-nada para que em seu lugar apareça “outra”? No meu caso é simples:estou abandonando a espiritualidade do senso comum evangélico e sain-do em busca da espiritualidade do senso comum da tradição cristã.

Apresso-me em explicar. Considero “senso comum” uma forma sim-ples de me referir ao fato de que, apesar da enorme diversidade a respei-to das características que identificam o ser evangélico, há um núcleo queresume como este segmento religioso da sociedade articula sua crença eseu modus vivendi. Ao escolher o senso comum, admito que a “outraespiritualidade” que busco não é uma novidade, mas um resgate dosaspectos essenciais à fé cristã conforme se estabeleceram nestes mais dedois mil anos de história.

Deixando de lado o rigor acadêmico e científico, que não cabe naproposta deste livro, chamo “senso comum da fé evangélica” os conteú-dos articulados na face mais visível dessa tradição religiosa, notadamenteatravés da mídia impressa, radiofônica e televisiva. São os autores ecomunicadores de massa que fazem a cabeça dos fiéis e, aos poucos, vãodefinindo, consciente e inconscientemente, voluntária e involuntaria-mente, um núcleo de crenças determinantes de uma cosmovisão e, porconseqüência, um jeito de ser no mundo. A partir de determinadoponto, passa a existir uma cultura autônoma, independente dos con-teúdos mais elaborados dos teóricos. Essa cultura autônoma é apro-priada pelo povo, e a partir de então é deflagrado um processo de

Apresentação

Page 10: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

10 OUTRA ESPIRITUALIDADE

desenvolvimento de crenças e costumes que vai se distanciando cada vezmais da proposta original.

Não tenho dúvidas de que esse fenômeno aconteceu na chamada “Igre-ja evangélica”, e que o ser evangélico, conforme compreendido hoje pelasociedade brasileira — e até mesmo por muitos evangélicos —, estáabsolutamente distante dos conteúdos originais da fé cristã. Evidente-mente, é pretensioso aquele que afirma conhecer “os conteúdos originaisda fé cristã”, pois toda teologia é interpretação, isto é, tudo quanto oscristãos propagam são versões do conteúdo original. O que se exige é aavaliação mínima dos conteúdos atuais relativamente àqueles que foram,desde períodos mais remotos, divulgados como constitutivos da fé cristã.Tenho a firme convicção de que o cristianismo dos evangélicos contem-porâneos é absolutamente distinto do cristianismo dos primeiros cristãose das tradições teológicas mais consistentes da história da Igreja.

Aliás, é muito triste o fato de grande parte dos novos líderes evangé-licos e dos novos convertidos à fé evangélica desconhecer a tradiçãoteológica da história da Igreja, seus expoentes mais respeitados, suas fun-damentações filosóficas, seus embates com os espírito de sua época, suasargumentações apologéticas e, principalmente, seu sangue vertido emdefesa da fé. Os neo-evangélicos estão ocupados demais em construiruma experiência religiosa que os satisfaça no imediato, e não se ocupamcom as aproximações da verdade, uma vez que vivem o pragmatismode quem se ocupa antes em fazer Deus funcionar do que em ser ínti-mo dele.

Fui tomando consciência disso aos poucos e, de certa forma, cons-truindo meu pensamento a respeito de “outro Deus e outra espirituali-dade” passo a passo, um insight de cada vez, como o pão que nos chegaà alma toda manhã, caindo do céu a cada dia. A coluna “Diálogo”,publicada mensalmente na revista Eclésia, foi um dos fóruns privilegia-dos em que tentei não apenas articular minha fé, como também com-partilhar cada nova percepção com outros cristãos, abrindo-me aos seusargumentos, questionamentos e encaminhamentos. Sou grato a Deuspor todos e cada um dos meus leitores, que ao longo de mais de dez anos

Page 11: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

APRESENTAÇÃO 11

caminharam comigo, pacientes, intercessores, críticos e encorajadores.Sou igualmente grato a Deus pelos amigos Omar de Souza e CarlosFernandes, que me estimularam, apoiaram e sempre esperaram pacien-temente o parto mensal de um novo artigo, além de corrigir os textos,sugerindo mudanças e agregando valor, honrando a dura e pouco valo-rizada rotina dos editores de periódicos.

Os artigos foram mantidos conforme originalmente escritos. Fosseescrevê-los hoje, provavelmente não diria algumas coisas que disse, e di-ria outras que deixei de dizer. Mas optei por não retocar o que foi dito, poisnão me arrependo de tê-lo feito. Não me envergonho de ter sido quem fui.E posso dizer que, pela graça de Deus, sou o que sou. Aliás, pela graça deDeus sou o que sou porque também pela graça fui o que fui.

Você tem em mãos, portanto, minhas verdades, de ontem e de hoje.Espero que guardem um mínimo de coerência, mas admito a possibi-lidade de algum desencontro. Depois de alguns anos, nossas verdadestendem a ser provisórias. Considerando que o oposto da fé não é dúvida,mas o medo, não tenho medo de duvidar, revisar, repensar, refazer. Aque-le menino cheio de certezas que vivia dentro de mim deu lugar a umhomem um pouco mais maduro, que admite, como Riobaldo Tartarana:“Eu quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa”.

Uma coletânea de textos publicados ao longo do tempo se caracterizamuito mais como estrada que destino. Desejo a todos uma boa viagem.

Page 12: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização
Page 13: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

CHEGOU A MINHA VEZ DE DIZER QUE “Deus morreu, vocêsmataram Deus”. Sei dos riscos. Dizem que gato escaldado tem medo deágua fria. Mas alguns gatos não se dão por vencidos. Aliás, dizem tam-bém que gatos têm sete vidas. Que seja.

Tudo bem, posso atenuar um pouco, respeitando as pessoas que mequerem bem e temem por mim. Temem que eu me comprometa emlutas quixotescas. Temem as retaliações que possa sofrer. E, na verdade,temem que eu perca o juízo e a fé. Nesse caso, dou um passo atrás e digoque um deus morreu em mim, e nasceu outro, que me seduziu comamor eterno. Por ele me apaixonei.

O deus que morreu foi exaltado na subcultura da religiosidade evan-gélica brasileira. Era basicamente um deus que: 1) vivia de plantãopara me poupar de qualquer tragédia, evitar meus sofrimentos e abre-viar as situações que me trariam qualquer desconforto; 2) prometiasatisfazer não apenas minhas necessidades, mas também meus desejos;3) estava comprometido com favorecer-me em todas minhas deman-das contra os pagãos; 4) compensava minhas irresponsabilidades e ig-norâncias em troca de minha fé; 5) manipulava todas as circunstânciasde minha vida como um tapeceiro que corta fios e dá nós no emara-nhado do avesso do tapete para revelar a bela paisagem no fim do pro-cesso, capaz de encantar todos aqueles que olham pelo lado certo. Enfim,morreu em mim aquele deus parecido com a figura idealizada de umsuperpai, que levou homens como Freud, Nietzsche e Sartre a desde-nhar da religião.

Introdução — Outro Deus eoutra espiritualidade

Page 14: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

14 OUTRA ESPIRITUALIDADE

Esse deus morreu em mim porque se demonstrou falso. Isto é, nãoexistia de fato ou estava descrito de maneira equivocada, pois não preci-samos ser muito sagazes para perceber que o justo sofre e convive comfrustrações, que os maus prosperam, que Deus não faz o que competeaos seres humanos e que não se pode conceber que Deus tenha decididona eternidade que a missionária Fulana de Tal seria estuprada numa es-quina de São Paulo para cumprir um propósito, pois, neste caso, oestuprador estaria isento de responsabilidade.

Não é razoável a crença em um deus que coloca os seus fiéis numabolha protetora contra toda sorte de dificuldades e possibilidades dedores. A Bíblia Sagrada registra que todos os homens que foram íntimosde Deus e cumpriram tarefas designadas por ele sofreram, mais até doque muitos que lhe deram as costas. Isso levou Teresa de Ávila a afirmar:“Se o Senhor trata assim os seus amigos, não se admira que tenha tantosinimigos”.

Tampouco faz sentido o relacionamento com Deus motivado pelointeresse em suas bênçãos e galardões, pois isso faz que Deus deixe de serum fim em si mesmo e se torne um meio de prosperidade, isto é, passa aser um ídolo a serviço dos fiéis. Igualmente incoerente é acreditar quea fé é suficiente para o êxito, pois ninguém passa no vestibular “pela fé”.Finalmente, não é sensato acreditar que Deus é a causa de tudo quantoacontece no mundo, pois, se assim fosse, Deus estaria por trás de todoato de maldade, levando o malvado a agir, de modo que ninguém seriaculpado por seus atos.

Essa coisa de “Deus tem um plano para cada criatura” é incoerenteem relação à fé cristã, pois seres criados à imagem e semelhança de Deusnão podem ser privados da liberdade. Ou os seres humanos são respon-sáveis por seu destino, ou não podem ser julgados moralmente. Esse deusmorreu. Mas sua morte fez ecoar uma pergunta no ar: Deus tem umfavor especial aos nascidos de novo? Isto é, quanto aos não-cristãos, oscristãos são tratados de maneira diferente pelo seu Deus?

Minha resposta é “sim” e “não”. Sim, porque, por definição, aqueles quese relacionam de maneira consciente e voluntária com Deus desfrutam

Page 15: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

INTRODUÇÃO 15

de possibilidades que extrapolam os horizontes de vida daqueles que vi-vem como se Deus não existisse. A pergunta a respeito do cuidado espe-cial de Deus não se refere a favoritismo ou a acepção de pessoas, mas aalgo inerente ao relacionamento. Algo como alguém perguntar se umamãe trata diferentemente seus filhos em relação a outras crianças. É cla-ro que sim, pois estão sob seus cuidados e sob sua autoridade. Mas, emtese, uma mulher que vive a experiência da maternidade trata todas ascrianças com o mesmo senso de justiça e compaixão. E é justamente nes-se sentido que Deus não faz nenhuma distinção entre os que o reconhe-cem e os que o rejeitam: Ele faz o sol nascer sobre justos e injustos.

Mas então qual foi o Deus que nasceu para ocupar o lugar do deusque morreu — ou, se preferir para tornar a coisa um pouco mais prática,o que posso esperar de Deus?

Sendo cristão, enxergo a vida com outros olhos. Experimentei ametanóia, que chamam “arrependimento”, mas creio ser uma expansãode consciência (do grego meta = além e nous = mente). Vivo sob valores,imperativos, prioridades e propósitos diferenciados. Conhecer a Deusme faz andar na luz, na verdade, livre de pesos, culpas e máscaras, com aconsciência e as intenções tão puras quanto um ser humano imperfeitoas pode ter, e isso já basta para que minha vida dê um salto de qualidadeimensurável.

Recebo subsídios de Deus no meu “homem interior”, pois sendo ver-dade que “tudo posso naquele que me fortalece”, aprendo a viver o con-tentamento em toda e qualquer situação. As promessas de Deus aos seusnão dizem respeito ao conforto circunstancial ou à prosperidade aqui eagora, mas afetam a interioridade humana com, por exemplo, paz queexcede o entendimento e alegria completa. Mais do que isso, a intimida-de com Deus não torna minha vida mais fácil, mas me faz mais humano,mais maduro, mais capaz de amar com a lucidez que escolhe as coisasmais excelentes e mais capaz de enfrentar com dignidade toda e qual-quer situação.

Sou integrado numa comunidade de cristãos que me abençoa na dinâ-mica da mutualidade. O socorro de Deus para minha vida chega pelas

Page 16: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

16 OUTRA ESPIRITUALIDADE

mãos dos meus irmãos. São os meus irmãos que me falam as palavras deDeus, repartem comigo seu pão, andam ao meu lado no vale da sombrada morte. Experimento a presença de Deus na comunhão com os filhosde Deus, vendo Deus na face deles.

Tenho minha consciência e sensibilidade despertadas para o sofrimentoda raça humana. Sinto a agonia do cosmo que sofre suas dores, de modoa receber em meu coração um pouco do amor e da compaixão do cora-ção de Deus. Acato a utopia do novo Céu e da nova Terra, não comosonhos irrealizáveis mas como promessa que motiva à ação toda vez quesou interpelado pelo Deus que me fala desde o clamor dos oprimidos.

Vivo sob o olhar amoroso, poderoso e justo de Deus, que interfere emminha vida à luz de sua economia eterna, a seu critério, e isto é mistérioda graça, quer dizer, não depende dos méritos dos beneficiados. Descan-so no fato de que, apesar de Deus não ser a causa primeira de tudo quan-to me acontece, nada do que venha a me acontecer estará fora de seuconhecimento, controle e cuidado. É suficiente crer que toda vez queDeus opta por deixar a vida correr seu curso normal — e geralmente éisso o que faz — nada pode me separar do seu amor, que está em CristoJesus, meu Salvador.

Em síntese, morreu o deus que fazia de mim uma criança mimadaque chorava a cada desencontro da vida. Recebi de Deus o convite paracrescer a fim de que ele possa me receber como seu cooperador, seuamigo, uma pessoa para quem não tem segredos e que encontra a feli-cidade não na vida confortável, mas na vida digna. Com a morte de umdeus, morreu também uma espiritualidade. E nasceu outra, marcadapela graça, pela fé e pela resistência.

Page 17: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

Parte 1

Outro cristianismo

Page 18: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização
Page 19: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

O EVANGELHO TEM MUITAS VERSÕES, cada uma com suas ên-fases e conseqüências. Algumas versões são mutuamente excludentes;outras, complementares — se enriquecem mutuamente — ou paralelas— cada um vive de um jeito a mesma fé, sem que ninguém esteja total-mente certo nem totalmente errado. Diante disso, tenho buscado res-ponder a mim mesmo o que significa ser cristão para que possa, mediantea graça divina, tentar viver de modo coerente. Eis alguns balizamentosque encontrei nas Escrituras Sagradas para minha peregrinação. Espe-ro que lhe sejam úteis em sua jornada.

João 3:16Ser cristão é experimentar a vida com qualidade divina no contexto deum relacionamento dinâmico através da fé em Jesus Cristo.

2Coríntios 3:18Ser cristão é ser transformado gradativamente pelo Espírito Santo se-gundo a imagem de Jesus Cristo.

2Coríntios 5:14,15Ser cristão é viver apenas e tão-somente para fazer a vontade de JesusCristo.

Mateus 16:24Ser cristão é abandonar o egocentrismo para se identificar com a pessoae a obra de Jesus Cristo em sua totalidade.

1

Ser cristão

Page 20: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

20 OUTRA ESPIRITUALIDADE

2Timóteo 3:16,17Ser cristão é viver sob a obsessão de ser como Cristo e fazer mais comoCristo.

Romanos 8:28-30Ser cristão é se relacionar com a vida crendo que todas as circunstânciaspodem ser usadas por Deus para nos fazer iguais a Jesus Cristo.

Colossenses 1:13Ser cristão é ser liberto por Deus de uma vida sob o ódio do Diabo parauma vida sob o amor de Jesus Cristo.

Lucas 24:45-47Ser cristão é abandonar a vida egocêntrica e receber perdão para os pe-cados conforme o discernimento do significado eterno da morte e daressurreição de Jesus.

Atos 2:38Ser cristão é explicitar o abandono da vida para si mesmo a fim dereceber perdão dos pecados e entrar na comunhão com Deus atravésda participação no Espírito Santo.

Mateus 4:1-11Ser cristão é descansar nas promessas divinas, confiar no caráter de Deuse se submeter aos propósitos dele.

João 1:12Ser cristão é receber a pessoa e obra de Jesus Cristo para ser feito filho deDeus.

2Coríntios 5:17Ser cristão é ser uma nova criatura coletiva.

Mateus 16:16Ser cristão é adorar a Jesus Cristo como Deus.

Page 21: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

SER CRISTÃO 21

Filipenses 2:9-11Ser cristão é viver em absoluta submissão a Jesus Cristo.

Mateus 28:18-20Ser cristão é andar nos passos de Jesus, praticando tudo quanto eleensinou.

Efésios 2:1-7Ser cristão é ser salvo da ira divina que repousa sobre todos os que,iludidos, vivem para o Diabo, pensando que vivem para si mesmos.

Efésios 2:8-10Ser cristão é desfrutar da imerecida oportunidade de viver para Deusatravés da fé em Jesus Cristo.

Romanos 8:1Ser cristão é desfrutar da liberdade da condenação de ser quem somos,mediante a fé em Jesus Cristo, que conquistou a possibilidade de ser-mos quem Deus quer que sejamos.

Lucas 10:25-37Ser cristão é amar o próximo com o amor de Cristo.

1João 1:7Ser cristão é ter todas as ofensas praticadas contra Deus anuladas pelosangue de Jesus Cristo.

Colossenses 2:13-15Ser cristão é estar livre do passado de ofensas contra Deus mediante aobra de Jesus Cristo na cruz, que satisfez plenamente a justiça de Deus evenceu todos os poderes espirituais da maldade.

Gálatas 3:11-14Ser cristão é entrar através da fé na comunhão do Espírito Santo pela por-ta da justiça de Jesus Cristo, que liberta da maldição imposta pela Lei.

Page 22: Outra espiritualidade - Novo - PRINT 9charlezine.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Outra...15. O Evangelho da graça de Deus 77 16. Construir comunidades 81 17. As marcas da institucionalização

22 OUTRA ESPIRITUALIDADE

2Coríntios 2:14-16Ser cristão é ser uma expressão de Jesus Cristo no mundo.

1Tessalonicenses 1:9Ser cristão é abandonar a devoção aos ídolos para servir exclusivamenteao Deus vivo e verdadeiro.

Judas 24,25Ser cristão é ser livre da necessidade de ser alguma coisa.