os verbos instrumentais no portuguÊs brasileiro … · poder seguir carreira acadêmica é a...

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras OS VERBOS INSTRUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Letícia Lucinda Meirelles Orientadora: Márcia Cançado Belo Horizonte 2013

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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras

OS VERBOS INSTRUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Letícia Lucinda Meirelles

Orientadora: Márcia Cançado

Belo Horizonte

2013

Letícia Lucinda Meirelles

OS VERBOS INSTRUMENTAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em

Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como

requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em

Letras (habilitação em Linguística).

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Cançado

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

2013

Aos meus amados pais; ao Henrique e ao futuro

que almejamos compartilhar.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais: à minha mãe querida que, mesmo não estando

mais presente, continua iluminando meu caminho; ao meu pai, meu esteio, meu companheiro,

meu amigo, agradeço por nunca me deixar desanimar e por me proporcionar a felicidade de

concluir meus estudos mesmo com todas as dificuldades que passamos.

À minha família, em especial aos meus tios Roberto, Roney e Renato, e à minha avó

Sônia por cuidar de mim e ter assumido o papel de minha segunda mãe. Ao Maurício, pelo

carinho e por sempre demonstrar interesse em meu trabalho. Agradeço também à Rianny, por

devolver um pouco de alegria às nossas vidas.

Ao Henrique, meu amor, agradeço por ter nutrido minha vida com afeto e

companheirismo durante todo o tempo. Agradeço pela sua presença em cada instante, por me

escutar falando de linguística até altas horas da madrugada, por me fazer sorrir, por dividir a

vida comigo.

Agradeço à família do Henrique, principalmente à Miriam e ao Ricardo, por me

acolherem e me receberem tão bem em suas vidas.

Aos amigos, Ana Lu, Marcella, Ricardo, Josué, Juliana, Lívia, Gilberto, Silmara,

Ingrid e Guilherme, agradeço pelos finais de semana, pelas risadas mais gostosas, pelos

sorrisos mais sinceros.

Às minhas colegas do NuPeS, em particular à Luana, pelo interesse em meu trabalho,

pelas dicas e textos trocados. À Profa. Jânia Ramos, por ter sido tão importante para a minha

formação.

Por fim, porém não menos importante, agradeço à minha orientadora, a Profa. Márcia

Cançado, por ter me apresentado à reflexão linguística e à Semântica. Agradeço pela sua

orientação presente, pela compreensão e pela amizade.

Poder seguir carreira acadêmica é a realização de um sonho para mim. Hoje, termino

minha graduação com a plenitude de que tenho maturidade suficiente para tal, mas também

com a certeza de que ainda tenho muito para aprender. Espero poder continuar minha

caminhada em busca do conhecimento ao lado da Profa. Márcia Cançado, meu exemplo de

profissional a seguir.

“Somos humanos não porque temos uma

linguagem, mas porque somos uma linguagem.”

Wilhelm von Humboldt

“(...) E voltou, então, à raposa:

- Adeus - disse ele.

- Adeus - disse a raposa. - Eis o meu

segredo. É muito simples: só se vê bem com o

coração. O essencial é invisível para os olhos.

- O essencial é invisível para os olhos -

repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa

que a fez tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha

rosa - repetiu o principezinho, a fim de se

lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade -

disse a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu

te tornas eternamente responsável por aquilo que

cativas. Tu és responsável pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa -

repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.”

Antoine Saint-exupéry

RESUMO

Nesta monografia tomamos como objeto de estudo a classe dos verbos instrumentais no

português brasileiro. O primeiro passo desta pesquisa consistiu em separar um pequeno

subgrupo de 24 verbos que compartilham as mesmas propriedades semânticas e sintáticas a

fim de compará-los com os demais verbos instrumentais para atestarmos se aquilo que é

conhecido como a classe dos verbos instrumentais na literatura constitui uma única classe

verbal ou não. A motivação para essa pesquisa surgiu ao observarmos que os verbos

conhecidos como instrumentais apresentavam comportamentos semânticos e sintáticos

distintos entre si. Desse modo, o objetivo principal de nosso trabalho é analisar o estatuto dos

verbos instrumentais enquanto classe verbal do português brasileiro e propor uma estrutura

argumental para os mesmos. Para tanto, utilizamos a linguagem de decomposição de

predicados primitivos e as propostas de representação lexical para os verbos instrumentais já

existentes na literatura. Ao final da pesquisa, concluímos que realmente não há uma única

classe de verbos instrumentais, de modo que esta pode ser subdividida em, pelo menos, três

subclasses distintas, sendo estas: a classe dos verbos de locatum, como acorrentar e algemar,

que apresentam, segundo Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), uma estrutura do tipo [[X

ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y WITH <THING>]]; a classe a qual pertencem os 24

verbos por nós analisados, como alfinetar e martelar, para os quais propomos uma estrutura

do tipo [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]; e a classe dos verbos como abanar, regar e

remar que apresentam a estrutura, [X VOLITION AFFECT <MANNER> Y], também proposta neste

trabalho.

ABSTRACT

This study aims to study the class of instrumental verbs in Brazilian Portuguese. The first step

of this research was to separate a small subgroup of 24 verbs that share the same syntactic and

semantic properties in order to compare them with other instrumental verbs with the intention

of investigate if what is known as the class of instrumentals verbs in the literature is an only

verbal class or not. The motivation for this research comes from the observation that the

verbs, known as instrumentals, present different semantic and syntactic behaviors between

each other. Thus, the main objective of our work is to analyze the status of instrumental verbs

as a verbal class of Brazilian Portuguese and propose an argument structure for these verbs.

For this, we used the language of decomposition and primitive predicates and some proposes

of lexical representation for instrumentals verbs in the literature. At the end of the study, we

concluded that there is not a single class of instrumental verbs, so this can be divided in at

least three distinct subclasses: the class of locatum verbs, which, according to Cançado,

Godoy and Amaral (in press), presents type structure [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME

Y WITH <THING>]]; the class in which the 24 verbs analyzed by us belongs to, such as

alfinetar and martelar. They have this structure [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]; and the

class of verbs such as abanar, regar and remar, wich has the structure [X VOLITION AFFECT

<MANNER> Y], also proposed in this paper.

SUMÁRIO

1. CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO.........................................................10

1.1. Introdução..........................................................................................................................10

1.2. Metodologia.......................................................................................................................11

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................13

2.1. A Interface Sintaxe-Semântica Lexical..............................................................................13

2.2. Classes Verbais..................................................................................................................14

2.3. Estrutura argumental de verbos..........................................................................................16

2.4. O aspecto lexical e a sua derivação por meio de uma estrutura de decomposição de

predicados.................................................................................................................................18

2.5. A linguagem de decomposição de predicados...................................................................21

2.6. Catálogo de verbos do português brasileiro.......................................................................23

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA ARGUMENTAL DE VERBOS INSTRUMENTAIS NO PB

...................................................................................................................................................27

3.1. A classe dos verbos instrumentais no PB...........................................................................27

3.1.1. Comportamento dos verbos instrumentais......................................................................29

3.2. A Decomposição de predicados primitivos: Levin (1993) e Levin & Rappaport Hovav

(1998, 2010)..............................................................................................................................32

3.2.1. Por que não utilizar a raiz <INSTRUMENT>.................................................................37

CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................42

REFERÊNCIAS........................................................................................................................44

APÊNDICE...............................................................................................................................48

10

CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO

1.1. Introdução

Na literatura, a classe dos verbos instrumentais engloba um grande número de verbos,

como: acorrentar, alfinetar, algemar, esfaquear, martelar, navalhar, regar, remar, entre

outros. Entretanto, ao observarmos essa classe mais atentamente, podemos perceber que há

diferenças semânticas entre os verbos que a compõem.

Verbos do tipo acorrentar e algemar, por exemplo, acarretam que o instrumento

contido no nome do verbo fica em seu argumento interno, e isso não ocorre com os outros

verbos citados anteriormente. Isto é, quando dizemos que o soldado algemou o bandido, essa

sentença acarreta que o bandido ficou com algemas. Já em uma sentença do tipo Ricardo

martelou o prego na parede, não temos como acarretamento que o prego ficou com martelo.

Verbos do tipo regar e remar, por sua vez, aceitam, contrariamente aos demais verbos, um

outro instrumento que não seja aquele contido no nome do verbo, como em Gisela regou o

jardim com uma mangueira e Roney remou a canoa com um pedaço de pau.

Tais fatos nos levam a questionar se aquilo que é amplamente tratado como verbos

instrumentais na literatura constitui realmente uma única classe com as mesmas propriedades

semânticas e os mesmos comportamentos sintáticos.

Portanto, o objetivo desta monografia é analisar e descrever os verbos instrumentais

do português brasileiro, doravante PB, com o intuito de avaliarmos se eles realmente

constituem uma classe unitária. Para tanto, vamos utilizar um subgrupo dos verbos

instrumentais composto por 24 verbos que compartilham propriedades semânticas e sintáticas,

a fim de realizarmos uma comparação com os demais verbos instrumentais e propormos uma

estrutura argumental para a classe através da linguagem de decomposição em predicados

primitivos.

Este trabalho se insere em um projeto maior de pesquisa, coordenado pela Profa. Dra.

Márcia Cançado, que tem como objetivo descrever o léxico verbal do PB e evidenciar como

certas propriedades semânticas podem influenciar no comportamento sintático dos verbos

através daquilo que é conhecido como Interface Sintaxe-Semântica Lexical.

A monografia está organizada da seguinte forma: na próxima seção, apresentamos

nossa metodologia de pesquisa; no capítulo 2 explicamos o que é a linha de pesquisa

conhecida como Interface Sintaxe-Semântica Lexical e como representamos a estrutura

11

argumental de verbos em termos de uma linguagem de decomposição em predicados

primitivos; o capítulo 3 traz a nossa análise para os verbos instrumentais do PB; e o capítulo 4

conclui a monografia. No Apêndice, apresentamos os dados que foram utilizados na

realização da pesquisa.

1.2. Metodologia

A metodologia deste trabalho consistiu em fazer uma coleta dos verbos instrumentais

no PB a partir dos dados levantados por Barbosa (2010). Ao todo foram agrupados 24 verbos,

a saber: açoitar, alfinetar, anavalhar, apedrejar, apunhalar, arar, bombardear, carimbar,

chicotear, encerar, ensaboar, escovar, esfaquear, espanar, lixar, maquiar, marretar,

martelar, metralhar, palitar, peneirar, pinçar, pincelar e serrar.

É importante ressaltar que analisamos apenas verbos biargumentais no sentido físico/

concreto e que evidenciam o contato do instrumento com o argumento interno verbal. Desse

modo, não analisamos verbos como bombear, apitar e filtrar, apesar destes conterem,

respectivamente, os instrumentos bomba, apito e filtro em seus radicais verbais. O verbo

bombear possui mais de um argumento interno (Marcos bombeou a água da cisterna para a

fazenda), enquanto apitar não indica contato do argumento interno com o instrumento. Em

uma sentença como o juiz apitou o jogo, não há contato do apito com o jogo, ou seja, este

último não é afetado pelo primeiro. O verbo filtrar, por sua vez, não parece se comportar

exatamente como um verbo instrumental prototípico. Quando dizemos uma sentença como

Maria filtrou a água, percebemos que, apesar de a Maria ter tido o trabalho de colocar a água

dentro do filtro, é esse quem faz a ação de filtrar, e não a Maria. Além disso, esse verbo aceita

uma causa como sujeito (O filtro de barro filtrou a água), o que não ocorre com os verbos

que analisamos.

A cada um dos 24 verbos analisados foi atribuída uma sentença1 que passou por

julgamentos de aceitabilidade feitos através dos exemplos de Borba (1990), da nossa intuição

de falantes e de buscas no site Google.

O uso de tal metodologia se justifica pelo cunho formalista de nossa pesquisa e pelo

fato de necessitarmos manipular as sentenças com relação ao tempo, aspecto e número de

argumentos que cada verbo apresenta. Além disso, como aponta Laporte (2008), a

introspecção nos permite trabalhar com a evidência negativa, ou seja, com sentenças

1 Ver Apêndice e exemplos ao longo da monografia.

12

agramaticais, fator que tem sua importância reconhecida desde Chomsky (1957). Tal fato

seria impossível se nossa base para coleta de dados fosse um corpus com dados reais de fala.

Para a análise do nosso objeto de estudo, valemo-nos de uma série de testes

semânticos e sintáticos que serão apresentados no decorrer desta monografia, como os testes

de aspecto lexical, de agentividade, de acarretamento de argumentos, passivização,

participação em alternâncias verbais, presença de PP cognato, paráfrases, entre outros. A

abordagem teórica utilizada foi a de decomposição de predicados como forma de representar

o sentido lexical dos verbos. Tal abordagem será descrita no capítulo 2.

13

CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO

A importância do léxico para as teorias linguísticas tem se tornado cada vez mais

clara, uma vez que esse deixou de ser tratado como um simples repositório de papéis

temáticos e certas exceções gramaticais. É conhecida como semântica lexical a linha de

pesquisa que, de forma geral, estuda a representação mental do significado. Dentre os

assuntos trabalhados e discutidos pelos estudiosos dessa área encontram-se o aspecto lexical,

a estrutura argumental dos verbos e a interface entre a Sintaxe e a Semântica Lexical, temas

que pretendemos apresentar neste capítulo.

2.1. A Interface Sintaxe-Semântica Lexical

A semântica lexical foca no estudo da representação mental do significado de um item

lexical e, mais especificamente, a interface Sintaxe-Semântica Lexical consiste no estudo das

propriedades semânticas dos itens lexicais que possuem relevância para a sintaxe2. De acordo

com essa linha de pesquisa, o léxico não é apenas um simples repositório de papéis temáticos

e exceções gramaticais. Ele é um componente linguístico sistemático e organizado, onde se

encontram informações importantes para as generalizações da língua.

Seguindo essa linha de pesquisa, uma série de autores (PINKER, 1989; LEVIN;

RAPPAPORT HOVAV, 1992, 1995 e trabalhos subsequentes; VAN VALIN, 1993, 2005;

WUNDERLICH 1997; CANÇADO, 2005, 2010; CANÇADO; GODOY, 2012; entre outros)

defendem a ideia de que são as propriedades semânticas presentes na entrada lexical dos itens

verbais que determinam a realização sintática de seus argumentos.

Assim, o principal objetivo das teorias de Interface Sintaxe-Semântica Lexical é

propor representações semânticas para os verbos, ou seja, propor estruturas argumentais que

possam servir de base para a explicação da sintaxe verbal. Essa estrutura argumental pode ser

dada através de uma grade de papéis temáticos ou, por exemplo, através da linguagem de

decomposição em predicados primitivos, como veremos mais adiante.

2 Propriedades semânticas relevantes sintaticamente são aquelas que determinam o comportamento sintático dos

verbos, como é o caso dos verbos que denotam mudança de estado (verbos que apresentam a estrutura

[BECOME Y <STATE>], na linguagem de decomposição de predicados) para a alternância causativo-incoativa

(Cançado; Amaral, 2010; Cançado; Godoy, 2012; Cançado; Godoy; Amaral, no prelo).

14

2.2. Classes Verbais

Entende-se por classes verbais grupos de verbos que compartilham propriedades

semânticas e sintáticas (LEVIN 1993; CANÇADO; GODOY; AMARAL, no prelo). Não é

qualquer grupo de verbos que representa uma classe verbal. Peguemos como exemplo um dos

verbos utilizados na realização desta pesquisa, o verbo chicotear, e as possíveis classes a que

ele pode pertencer.

O verbo chicotear é uma ação que envolve certo tipo de movimento o que, a princípio,

nos levaria a agrupá-lo juntamente com outros verbos de movimento, como por exemplo,

correr. Contudo, verbos que acarretam movimento se comportam sintaticamente diferente,

como argumentam Levin e Rapapport Hovav (1992):

(1) O fazendeiro chicoteou o empregado.

(2) Paula correu a São Silvestre.

(3) *O fazendeiro chicoteou o dia todo.

(4) Paula correu o dia todo.

Observem que ambos os verbos aceitam um objeto direto como mostrado em (1) e (2),

mas apenas correr pode acontecer na forma intransitiva. Isso nos mostra que a propriedade

semântica movimento não agrupa verbos em uma mesma classe semântica e também não é

uma propriedade sintaticamente relevante.

Verbos como chicotear possuem um argumento interno que sofre uma ação, o que

poderia nos levar a classificá-lo juntamente com outros verbos que possuem um paciente,

como é o caso do verbo quebrar:

(5) a. O fazendeiro chicoteou o empregado.

b. *O empregado (se) chicoteou.

(6) a. Maria quebrou a taça de cristal.

b. A taça de cristal (se) quebrou.

Notemos que, apesar de ambos os verbos possuírem um paciente como argumento

interno, apenas quebrar participa da alternância causativo-incoativa, o que faz com que ter um

paciente não seja uma propriedade semântica suficiente para agrupar verbos em uma classe.

15

O verbo chicotear pertence, segundo Levin (1993), a uma classe verbal chamada de

verbos instrumentais, uma vez que estes trazem um instrumento contido no verbo.

(7) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos.

(8) Joana alfinetou Marta com um alfinete prata.

(9) Bruna abanou Samanta com um abano de palha.

(10) Carla remou a canoa com um remo de madeira.

O problema é que apenas a propriedade semântica de possuir um instrumento contido

no nome do verbo também não consegue agrupar verbos em uma mesma classe, como

podemos ver a seguir:

(11) *O fazendeiro chicoteou o empregado com um cordão de ouro.

(12) *Joana alfinetou Marta com um graveto.

(13) Bruna abanou Samanta com uma folha de papel.

(14) Carla remou a canoa com o próprio braço (na falta de um remo).

Os verbos em (11) e (12) só aceitam um PP cognato ou um hipônimo como

especificação do instrumento contido no verbo, enquanto abanar e remar não exigem que a

ação seja necessariamente realizada com um abano ou um remo.

Diante desses fatos, poderíamos pensar que as propriedades semânticas

compartilhadas por certos itens lexicais não interferem no comportamento sintático dos

mesmos. Entretanto isso não é verdadeiro. O que ocorre é que não são todas as propriedades

semânticas dos verbos que são relevantes para a formação de uma classe verbal que

compartilha os mesmos comportamentos sintáticos. Portanto, é trabalho do semanticista

lexical encontrar quais são essas propriedade relevantes e é isso que pretendemos fazer para

os verbos instrumentais do PB nesse trabalho.

16

2.3. Estrutura argumental de verbos

Segundo Rappaport e Levin (1998), na informação lexical dos verbos existem dois

níveis de informação: a LCS (lexical conceptual structure), que corresponde ao nível

semântico e a estrutural argumental que corresponde ao nível sintático. Entretanto,

assumiremos, de acordo com a proposta de Cançado e Godoy (2012), que o nível semântico é

a própria estrutura argumental.

Uma das formas de se representar a estrutura argumental de um verbo é por meio das

grades temáticas. Nesse tipo de representação, um verbo como assustar, por exemplo, traria

consigo o seguinte tipo de informação:

(15) assustar: {Agente, Paciente}

Através da representação em (15) já podemos notar um dos primeiros problemas

gerados por uma representação do significado de um verbo por meio de grades temáticas: o

fato de muitas vezes os papéis temáticos não respeitarem o Critério Theta3. O argumento

interno do verbo assustar pode ser tanto um paciente como um experienciador, uma vez que

podemos considerar que uma experiência psicológica é vivenciada pela entidade que ocupa a

posição de objeto nas sentenças em (16):

(16) a.Henrique assustou Miriam intencionalmente.

{Agente, Paciente/ Experienciador}

b. Henrique assustou Miriam com o seu comportamento.

{Causa, Paciente/ Experienciador}

Dessa forma, a representação, através de grades temáticas, mais adequada para o verbo

assustar seria {Causa (Agente), Paciente/ Experienciador}, como propõem Cançado, Godoy e

Amaral (no prelo). No entanto, esse tipo de representação viola o Critério Theta, pois o

argumento interno recebe ao mesmo tempo o papel temático de paciente e de experienciador.

Ainda há outros problemas como a falta de consenso entre os autores sobre as

definições dos papéis temáticos e o risco de haver uma lista infinita de funções semânticas, o

que violaria o princípio de que uma teoria deve ser econômica.

3 Critério Theta: (i) Cada argumento tem que receber um e um só papel temático.

(ii) Cada papel temático tem que ser atribuído a um e um só argumento.

17

Além disso, podemos perceber que a estrutura argumental do verbo assustar por meio

de grades temáticas só nos traz informações semânticas a respeito do tipo dos participantes do

evento, não mencionando nada a respeito do predicado, ou seja, sobre o significado do próprio

verbo, ou mesmo sobre o tipo do evento.

Outra forma de propor a estrutura argumental de um verbo é por meio da linguagem

de decomposição em predicados primitivos. Segunda essa, verbos do tipo assustar trariam em

sua informação lexical a seguinte estrutura proposta por Cançado, Godoy e Amaral (no prelo):

(17) v: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [ BECOME Y <STATE>]]

Neste tipo de representação, o foco está em descrever o evento, mas também não deixa de

lado o tipo de seus participantes.

Cançado, Godoy e Amaral (2013) argumentam que essa é uma forma mais completa

de representação do significado, pois através dela somos capazes de perceber a relação

existente entre os eventos de um verbo, o tipo de seus participantes e até mesmo o seu aspecto

lexical. Assim, (17) nos mostra que verbos do tipo assustar são compostos por dois

subeventos que estabelecem uma relação causal entre si. O modificador VOLITION, entre

parênteses, indica que o indivíduo X pode ser um agente ou uma causa, enquanto o subevento

[Y BECOME <STATE>] evidencia que houve uma mudança de estado, o que faz com que Y

seja um paciente.

Além disso, através dessa estrutura ainda somos capazes de perceber que verbos do

tipo assustar têm o aspecto lexical de accomplishment, uma vez que possuem dois

subeventos. Desse modo, a paráfrase para a estrutura em (17) seria: o X agir causa o Y mudar

de estado.

Outro ponto a favor da linguagem de decomposição em predicados é que ela consegue

prever certos comportamentos sintáticos dos verbos mais rigorosamente do que uma

representação semântica por meio de papéis temáticos. Como vimos na seção 2.2, tanto

verbos do tipo chicotear, como verbos do tipo quebrar possuem um argumento interno

paciente. Entretanto, apenas verbos do segundo tipo realizam a alternância incoativa, como

mostrado em (5). Portanto, ter um paciente como argumento interno não é uma boa previsão

para a alternância causativo-incoativa. No entanto, através de uma representação semântica

por meio da linguagem de decomposição em predicados, somos capazes de prever quando os

verbos podem realizar tal alternância.

18

De acordo com Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), o verbo quebrar possui a

mesma estrutura semântica do verbo assustar (17) e é o segundo subevento dessa estrutura,

[BECOME Y <STATE>], que faz com que verbos desse tipo sejam capazes de realizar a

alternância causativo-incoativa. Verbos como chicotear, por sua vez, não apresentam o

sentido de mudança de estado em sua representação lexical e por isso não realizam tal

alternância, como mostrado em (6).

Em nossa análise, utilizaremos a decomposição semântica em predicados primitivos

como forma de descrever o significado dos verbos. Fizemos tal escolha baseadas nos motivos

apresentados nesta seção.

2.4. O aspecto lexical e a sua derivação por meio de uma estrutura de decomposição em

predicados

Vamos tratar de um tipo de aspecto verbal conhecido como aspecto lexical ou

aktionsarten que diz respeito às propriedades lexicais dos itens verbais. Vendler (1967) foi o

primeiro a propor as quatro classes aspectuais que utilizamos hoje: estados, atividades,

accomplishments e achievements. Forneceremos uma breve explicação acerca de cada uma

delas, nos atendo mais aos verbos de atividade, uma vez que este é o aspecto lexical dos

verbos instrumentais do PB.

Os verbos de achievement são monoeventivos e télicos, descrevendo eventos que não

se desenvolvem no tempo, ou seja, que são pontuais. Vejamos as sentenças a seguir:

(18) O gelo derreteu.

(19) O menino caiu.

(20) Carlos chegou na festa.

Os verbos de accomplishment caracterizam-se por serem verbos bieventivos e télicos,

ou seja, por indicarem uma ação que se desenvolve no tempo e possui um ponto de

culminação. São exemplos desses verbos:

(21) Ricardo construiu uma casa.

(22) Ana quebrou a taça de cristal.

(23) O soldado capturou o assaltante.

19

Os verbos de estado, por sua vez, não indicam um processo que se desenvolve no

tempo. Apresentam um esquema temporal homogênio, ou seja, o valor de verdade de uma

expressão será sempre o mesmo em todos os subintervalos desse evento. São considerados

verbos de estado:

(24) Henrique ama Letícia.

(25) Miriam tem uma casa.

(26) Lívia sabe matemática.

Os verbos de atividade descrevem ações monoeventivas que se desenvolvem no

tempo, sem ter um determinado ponto de conclusão. Vale dizer que são agentivos e, assim

como os verbos de estado, são homogêneos na medida em que qualquer de suas partes é da

mesma natureza que o todo. Entretanto, contrariamente a estes últimos, as atividades

caracterizam-se por serem dinâmicas. São exemplos de verbos de atividade:

(27) Roberto nada muito.

(28) Renato corre na lagoa todos os dias.

(29) Sônia dança muito bem.

O evento de nadar, correr e dançar se efetiva em qualquer ponto do evento, ou seja,

não preciso chegar a um ponto final para afirmarmos que Roberto nadou, Renato correu e

Sônia dançou.

Existem alguns testes propostos na literatura para identificar o aspecto lexical dos

verbos. Um deles é conhecido como acarretamento com progressivo ou paradoxo do

imperfectivo. Observemos as sentenças a seguir.

(30) *Miriam está tendo uma casa.

(31) O menino está caindo.

(32) Ricardo está construindo uma casa.

(33) Renato está correndo.

A princípio, nem os verbos de achievement (31), assim como os de estado (30) não

poderiam ocorrer no progressivo. No entanto, em PB, até estes últimos acontecem no

progressivo, como em Henrique está amando Letícia ou meu filho está sabendo se comportar

20

ultimamente. Wachowicz e Foltran (2006) propõem que os verbos que denotam achievements,

quando utilizados no progressivo, expressam a eminência de uma ação. Assim, uma sentença

como (31) nos transmitiria a ideia de que o menino está prestes a cair.

Os verbos de accomplishment (32), por sua vez, possuem acarretamento distinto dos

de atividade (33) quando postos no progressivo. Observem que a sentença expressa em (32)

não acarreta que ação foi realizada, ou seja, não acarreta que Ricardo construiu a casa. Já em

(33), fica claro o acarretamento de que Renato correu.

Outro teste semelhante ao descrito anteriormente é o teste com a expressão parar de.

Estados (34) e achievements (35) não aceitam uma sentença com o verbo parar, enquanto os

verbos de accomplishment (36) e atividade (37) aceitam, gerando o mesmo tipo de

acarretamento mostrado para a ocorrência com o progressivo.

(34) *O menino parou de saber matemática.

(35) ?O menino parou de cair.

(36) Ricardo parou de construir sua casa.

(37) Sônia parou de dançar.

A sentença em (36) não acarreta que Ricardo construiu sua casa, enquanto (37)

acarreta que Sônia dançou pelo fato de dançar ser um verbo de atividade.

Outro teste bastante utilizado é o da ambiguidade com o advérbio quase. Verbos que

denotam accomplishment (38) formam sentenças ambíguas quando utilizados com o advérbio.

O mesmo não ocorre para os verbos de achievement (39) e atividade (40).

(38) Ricardo quase construiu sua casa.

(39) O menino quase caiu.

(40) Renato quase correu.

Notemos que (38) possue duas leituras que podem ser expressas da seguinte maneira:

(41) a. O que Ricardo quase fez foi construir sua casa.

b. O que Ricardo fez foi quase construir sua casa.

Em (39) e (40), temos apenas as leituras de que o menino não chegou a cair e de que

Renato não correu.

21

Por fim, um último teste é o da composição com os advérbios temporais por x tempo,

em x tempo e às x horas. Verbos de achievement (42) aceitam às x horas, verbos de

accomplishment (43) ficam melhores com em x tempo e os verbos que denotam atividades

(44) aceitam por x tempo.

(42) O menino caiu ontem às 15h.

(43) Ricardo construiu sua casa em um ano.

(44) Renato correu por 3h.4

Cançado, Godoy e Amaral (2013) mostram como podemos derivar o aspecto lexical

de uma estrutura de decomposição de predicados. As autoras utilizam como exemplo a

estrutura genérica dos verbos de mudança [[X] CAUSE [BECOME Y...]] e mostram que,

através dela, podemos perceber que todos os verbos de mudança do PB possuem dois

subeventos que se relacionam por meio do metapredicado CAUSE. Uma vez que os

accomplishments são bieventivos (Dowty, 1979) podemos derivar esse aspecto lexical a partir

da estrutura dos verbos de mudança do PB. Visto isso, nosso próximo passo será explicar

como funciona a linguagem de decomposição em predicados.

2.5. A linguagem de decomposição em predicados

A decomposição do significado em predicados primitivos parte do pressuposto de que

o significado dos itens lexicais não é algo unitário, mas sim decomponível em partes menores

que são chamadas de primitivos. Wunderlich (2009), por exemplo, mostra, através de verbos

denominais, como é possível se extrair componentes de sentido menores de palavras como

engavetar, enjaular, amanteigar e apimentar. Segundo o autor, não é possível negar que

dentro do significado de cada verbo citado anteriormente esteja contido o sentido de gaveta,

jaula, manteiga e pimenta, respectivamente.

Essa metodologia de pesquisa surgiu a partir da Semântica Gerativa com os autores

McCawley (1968), Morgan (1969) Lakoff (1970), e Ross (1969), e é utilizada em trabalhos

mais atuais como forma de representação do sentido dos verbos, itens predicadores por

excelência (Levin; Rappaport Hovav, 1992 e trabalhos subsequentes; Cançado, 2010;

4 É importante ressaltar que esses testes são evidências do tipo aspectual, entretanto são apenas testes e podem

não funcionar perfeitamente.

22

Cançado; Amaral 2010, Cançado; Godoy, 2012, Cançado; Godoy; Amaral, 2013; Cançado;

Godoy; Amaral, no prelo).

Rappaport Hovav e Levin (1998) assumem que a Gramática Universal traz um

inventário das estruturas semânticas de cada classe verbal. Essa estrutura é dada através da

combinação de vários predicados primitivos ou metapredicados, os quais correspondem ao

conhecimento que um falante possui sobre os diversos tipos de eventos.

Os metapredicados mais utilizados na literatura são os seguintes: ACT, CAUSE,

BECOME, IN, WITH, AFFECT, entre outros. O predicado ACT toma apenas um argumento

para ter o seu sentido saturado e este deve ser um indivíduo, sendo representado, na maioria

dos casos, por uma variável X. O primitivo CAUSE, que representa uma relação entre dois

subeventos, pede exatamente dois argumentos desse tipo (subeventos) para ser saturado. O

metapredicado BECOME pede um argumento composto (Cançado; Godoy; Amaral, no

prelo), sendo este uma variável, geralmente Y, ligada a um estado que pode ser de três tipos:

estado puro <STATE>, estado locativo <PLACE> e estado possessivo <THING>. Tanto o

predicado IN como o WITH pedem um argumento5 para terem seu sentido completo. Por

fim, o metapredicado AFFECT pede dois indivíduos como argumentos, uma variável X e

outra Y.

Além dos metapredicados e as variáveis, existem as raízes. Essas carregam o sentido

idiossincrático dos verbos e podem ser argumentos de predicados, como <STATE>, <THING>

e <PLACE>, ou modificadores de predicados, como é o caso das raízes <MANNER> e

<INSTRUMENT>.

É importante ressaltar que esses rótulos servem para representar toda uma classe

verbal e não um verbo específico. Um verbo como preocupar, por exemplo, que se encaixa

dentro da classe dos verbos de mudança de estado estritamente causativos (raiz <STATE>)

segundo Cançado e Godoy (2012), trará em sua raiz a parte de seu significado que não é

compartilhada com os demais verbos da classe. Assim, a raiz de preocupar seria o estado

<PREOCUPADO>.

A raiz <THING>, a princípio, é característica dos verbos de locatum, ou verbos de

mudança de posse, enquanto <PLACE> caracteriza a classe dos verbos de location (ambas as

nomenclaturas são utilizadas na literatura desde Clark & Clark, 1979). Todos esses verbos

5 Estamos assumindo, juntamente com Levin e Rappaport Hovav (2005), Cançado (2010), Cançado e Godoy

(2012) e Godoy (2012), que os metapredicados WITH e IN são monoargumentais, contrariamente a ideia de

Hale e Keyser (2002).

23

serão explicados mais detalhadamente quando formos tratar da proposta de representação

lexical das classes verbais do PB de Cançado, Godoy e Amaral (no prelo).

A raiz <MANNER>, por sua vez, é própria dos verbos de maneira e dentre esses se

encontram verbos de movimento (p. ex. correr, pular, nadar, etc.), verbos de modo de fala (p.

ex. cochichar, gritar, sussurrar, etc.), verbos de superfície (p. ex. varrer, esfregar, lustrar,

etc.), entre outros. Por fim, a raiz <INSTRUMENT> é específica de verbos instrumentais

(Rappaport e Levin, 1998) que são o objeto de estudo desta pesquisa.

Agora que já sabemos como a linguagem de decomposição em predicados funciona do

ponto de vista formal, vamos mostrar, na próxima seção, um exemplo de aplicação dessa

linguagem em uma pesquisa a respeito da representação lexical das classes verbais do PB.

2.6. Catálogo de verbos do português brasileiro (Cançado, Godoy e Amaral, no prelo)

O catálogo de verbos do português brasileiro é parte de um projeto maior da Profa.

Dra. Márcia Cançado sobre o estudo do léxico do PB que faz uma descrição minuciosa a

respeito do léxico verbal e das relações existentes entre Sintaxe e Semântica Lexical. A

pesquisa é dividida em tipos de verbos e conta com uma primeira parte já acabada, que trata

dos verbos que denotam mudança. Esses resultados encontram-se em um livro em coautoria

de Luisa Godoy e Luana Amaral, em preparação para edição pela Editora UFMG.

Esse volume do catálogo trata daquilo que as autoras chamam de verbos de mudança

no PB e tem o objetivo de fazer uma descrição semântica dos verbos pertencentes a esse

grande grupo, agrupando-os em classes de acordo com suas especificidades semânticas e seus

comportamentos sintáticos. Foi utilizada a ideia de propriedade semântica relevante

sintaticamente para determinar quais as propriedades semânticas estariam presentes nas

estruturas argumentais das classes apresentadas. A estrutura argumental de cada classe, por

sua vez, foi dada em termos da linguagem de decomposição em predicados primitivos e,

através dela, são derivados a grade temática da classe verbal e seu aspecto lexical.

Como vimos, muitos semanticistas lexicais trabalham com a linguagem de

decomposição em predicados primitivos, ou seja, a representação dos componentes do

significado que são recorrentes entre os grupos de verbos são representados através de

predicados primitivos. A estrutura recorrente de uma classe é denominada de template

(Rappaport e Levin, 1998), de modo que é ela que carrega as informações que são

compartilhadas entres os verbos que pertencem a uma mesma classe.

24

Rappaport e Levin (1998) assumem que existem verbos que têm como parte de seu

significado a especificação do processo de um estado resultante, e existem verbos que têm

como parte de seu significado a maneira como uma ação ocorre. Os primeiros são chamados

de verbos de resultado e os segundos de verbos de maneira. Os verbos de resultado, por sua

vez, são divididos em verbos de mudança de estado e verbos de ação. Os verbos desse

primeiro tipo é que são analisados por Cançado, Godoy e Amaral (no prelo).

Os verbos de mudança de estado acarretam necessariamente o sentido de become ADJ,

realizam a alternância causativo-incoativa e apresentam uma natureza causativa. Em relação

ao seu argumento externo, são subdivididos em subclasses: verbos de mudança de estado

opcionalmente volitivos, verbos de mudança de estado não-volitivos, verbos de mudança de

estado volitivos e verbos de mudança de estado incoativos.

Verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos dizem respeito aos verbos do

tipo quebrar, ou seja, verbos que são basicamente causativos, mas que podem aceitar um

agente como argumento externo. Foram encontrados 435 verbos nessa classe, de modo que a

estrutura de decomposição de predicados para a mesma, ou seja, o template da classe é o

seguinte:

(45) [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

São exemplos de verbos dessa classe: quebrar, acalmar, acender, entre outros.

Os verbos não-volitivos, ao contrário dos opcionalmente volitivos , não aceitam um

agente na posição de sujeito, apresentando a representação lexical expressa em (46):

(46) [[X ACT/ STATE] CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

Foram encontrados 158 verbos nessa classe, como: abater, cansar, enriquecer

preocupar, etc. O metapredicado ACT diz respeito a um evento, como em as saídas de Rosa

preocupam a mãe, enquanto STATE aponta a existência de um estado como argumento

externo, como ocorre em a arrogância de Rosa preocupa a mãe. É importante ressaltar que

essa subclasse não realiza a alternância passiva.

Os verbos de mudança de estado volitivos, por sua vez, só aceitam um agente como

argumento externo, compartilhando as seguintes propriedades sintáticas: realizam alternância

causativa-incoativa, aceitam instrumento como adjunto, realizam a passiva sintática. Foram

25

encontrados 24 verbos nessa classe, sendo alguns deles: beatificar, estatizar, formalizar, entre

outros. A estrutura de decomposição de predicados primitivos para essa classe é a seguinte:

(47) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE>]]

Já os verbos incoativos são verbos intransitivos que aceitam causativização. O

argumento externo que entra na estrutura argumental de um verbo incoativo só pode ser uma

causa, assim como nos verbos estritamente causativos. Segundo Cançado e Amaral (2010), a

mudança de estado do argumento interno de um verbo incoativo deve-se a um processo que

ocorre internamente ao objeto e depende de propriedades inerentes do mesmo para se efetivar.

É o próprio argumento interno do verbo que expressa a mudança de estado e também é o

próprio objeto que possibilita que esse processo de mudança se efetive. Foram encontrados 64

verbos nessa classe, como amadurecer, azedar e derreter e eles apresentam a seguinte

estrutura argumental:

(49) [BECOME Y <STATE>]

Godoy (2012) percebeu que havia um grupo de verbos que acarretavam ficar estado

em determinado lugar, como acomodar, dependurar, enterrar, esconder. A partir daí,

Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) também propõem que há uma classe de verbos de estado

locativo, composta por 69 verbos. O template dessa classe seria o seguinte:

(48) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y <STATE> IN Z]]

Passando para os verbos que acarretam uma mudança de lugar ou posse, temos que o

primeiro grupo é composto apenas por 15 verbos que são conhecidos na literatura como

verbos de location. Esses verbos só aceitam um agente como argumento externo, acarretam

que o Y fica em algum lugar, e não apresentam a alternância incoativa, uma vez que esta só

pode ocorrer com aqueles verbos que possuem a estrutura [BECOME Y <STATE>]

(50) a. O João hospitalizou a Maria.

b. *A Maria (se) hospitalizou. (a menos que tenhamos uma interpretação

reflexiva)

26

O template dessa classe é o seguinte:

(51) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y [IN <PLACE>]]]

Por fim, as autoras tratam dos verbos de mudança de posse ou locatum. Os verbos

desta classe, assim como os verbos de location, só aceitam um agente como argumento

externo, não fazem a alternância causativo-incoativa, mas possuem um acarretamento de que

o nome expresso pelo radical verbal fica em Y. Ao todo são 95 verbos de locatum no PB,

sendo exemplos desses verbos: acorrentar, algemar, amarrar, etc. A estrutura da classe é a

seguinte:

(52) [[X ACTVOLITION] CAUSE [BECOME Y [WITH <THING>]]]

Tendo mostrado como Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) utilizam a linguagem de

decomposição em predicados para tratar do sentido lexical dos verbos e suas propriedades

sintáticas, gostaríamos de pontuar que o nosso trabalho pode ser visto como continuação deste

amplo projeto de pesquisa de Cançado que tem como objetivo a estruturação do léxico do PB.

No próximo capítulo falaremos especificamente dos verbos instrumentais no PB a fim de

apontarmos suas propriedades semânticas, seus comportamentos sintáticos e de atribuirmos

uma representação lexical através de uma linguagem de decomposição em predicados para os

mesmos.

27

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA ARGUMENTAL DE VERBOS INSTRUMENTAIS NO

PB

Neste capítulo, discutimos o estatuto dos verbos instrumentais como classe verbal do

PB e propomos uma estrutura argumental para os mesmos através da linguagem de

decomposição em predicados primitivos.

3.1. A classe dos verbos instrumentais no PB

Como mostramos no capítulo 2, na seção 2.2, entende-se por classe verbal um grupo

de verbos que compartilham propriedades semânticas que sejam relevantes sintaticamente, ou

seja, que consigam determinar certos comportamentos sintáticos dos verbos.

Assim, em um primeiro momento, vamos começar a investigar os verbos instrumentais

no PB nos valendo de uma paráfrase do tipo: alguém age, usando um instrumento, sobre algo

ou alguém; ou seja, se os verbos aceitarem tal paráfrase, serão separados como possíveis

pertencentes à classe dos instrumentais e, em seguida, submetidos à análise de outras

propriedades semânticas e sintáticas. Possíveis exemplos desse tipo seriam: abanar,

acorrentar, algemar, chicotear, martelar, regar, entre outros. Todos esses verbos, a princípio,

cabem na paráfrase: alguém age, usando abano/corrente/ algema/chicote/martelo/regador,

sobre algo ou alguém.

No entanto, ao observarmos esses prováveis dados mais atentamente, podemos

perceber que há algumas diferenças entre eles. Vejamos alguns exemplos:

(53) Fabiano abanou Marcela com um abano de palha/ com um pedaço de papelão.

(54) Gisela regou o jardim com um regador todo florido/ com uma mangueira.

(55) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos / *com um

pedaço de corda.

(56) Ricardo martelou o prego com um martelo de ferro/ *com um alicate.

(57) Marta acorrentou Bruno com correntes de ferro/ *com um pedaço de corda.

(58) O guarda algemou o prisioneiro com algemas de aço/ *com um arame farpado.

Através desses exemplos, notamos que, enquanto os verbos abanar e regar aceitam

tanto um PP cognato como outro instrumento na posição de adjunto, os demais verbos só

28

aceitam a adjunção do primeiro tipo, de modo que ao colocarmos um outro instrumento que

não aquele contido no verbo, a sentença fica agramatical. Dessa forma, em uma primeira

análise, podemos pensar que abanar e regar pertencem a uma classe, enquanto acorrentar,

algemar, chicotear e martelar pertencem a outra classe verbal.

Porém, ainda há uma diferença existente entre os verbos chicotear e martelar em

relação à acorrentar e algemar. Vejamos as sentenças seguintes:

(59) A mãe acorrentou o filho. ├ O filho ficou com corrente6

(60) O guarda algemou o prisioneiro. ├ O prisioneiro ficou com algema.

(61) O fazendeiro chicoteou o empregado. ~ ├ O empregado ficou com chicote.

(62) Ricardo martelou o prego. ~ ├ O prego ficou com martelo.

Com esses exemplos é possível observar que apenas os verbos em (59) e (60)

acarretam que o instrumento passa a ficar na entidade (pessoa ou coisa) denotada pelo SN que

é o argumento interno do verbo, enquanto o mesmo não acontece para os verbos em (61) e

(62). Isso ocorre devido ao fato de verbos como acorrentar e algemar pertencerem a uma

classe conhecida na literatura como verbos de locatum (nomenclatura utilizada desde Clark e

Clark, 1979).

Cançado, Godoy e Amaral (no prelo), em seu Catálogo de Verbos do Português

Brasileiro, propõem que existem 95 verbos desse tipo no PB, sendo alguns deles: acorrentar,

algemar, amanteigar, azulejar, engessar, gramar, entre outros. Todos esses verbos acarretam

que a entidade denotada pelo nome contido no verbo passa a ser posse da entidade denotada

pelo SN que é o argumento interno do mesmo, ou seja, amanteigar o pão acarreta que o pão

fica com manteiga, azulejar a parede, acarreta que a parede fica com azulejo e assim por

diante. A partir daí, a paráfrase mais adequada para os verbos de locatum não seria que

alguém age, usando um instrumento, sobre algo ou alguém, mas sim algo do tipo prover o Y

com algo, como propõem Hale e Keyser (2002), Cançado e Godoy (2012) e Cançado, Godoy

e Amaral (no prelo).

Visto isso, temos que há três grupos de verbos que parecem conter um instrumento em

seu nome, entretanto, como vimos, esses grupos apresentam comportamentos distintos.

Vamos focar a nossa análise apenas no grupo de verbos que realmente lexicalizam o

instrumento contido na raiz verbal. Esses verbos são os do tipo chicotear e martelar, pois

6 O símbolo ├ indica acarretamento (Cann, 1993).

29

aceitam apenas um PP cognato ou um hipônimo como forma de se especificar o instrumento

utilizado na ação verbal. Em nosso levantamento de dados, foram encontrados 24 verbos com

essas particularidades (já mencionados na metodologia). Esses 24 verbos, por sua vez,

compartilham uma série de características que serão explicitadas a seguir.

3.1.1. Comportamento dos verbos instrumentais

Como vimos na seção anterior, existe um subgrupo, constituído por 24 verbos, dentro

do grupo mais geral daquilo que pode ser pensado, a priori, como verbos instrumentais. Na

análise desse subgrupo de verbos, pudemos constatar que, além de lexicalizarem o

instrumento, eles também apresentam propriedades semânticas e sintáticas em comum, o que

nos dá mais respaldo para classificá-los como uma classe verbal. Esses verbos compartilham

as seguintes características: todos eles possuem o aspecto lexical de atividade7; não licenciam

a alternância causativo-incoativa e não ocorrem na forma intransitiva com o apagamento do

objeto8; aceitam a forma passiva; só aceitam um instrumento como adjunto se este for um PP

cognato ou um hipônimo; a sua forma reflexiva vai depender da animacidade do argumento

interno dos mesmos, já que apenas verbos que possuem um argumento interno [+animado]

aceitam a forma reflexiva (Godoy, 2012).

Destaquemos alguns exemplos da classe para ilustrarmos as propriedades propostas

acima. Primeiramente, vejamos a propriedade semântica relativa ao aspecto lexical desses

verbos, aplicando os testes do progressivo ou paradoxo do imperfectivo e o teste da

ambiguidade com o advérbio quase, descritos na seção 2.4 do capítulo anterior:

(63) a. Se o fazendeiro estava chicoteando o empregado, então o empregado foi

chicoteado.

7 Os testes aspectuais de todos os verbos instrumentais juntamente com todos os outros testes que utilizamos

podem ser vistos no apêndice.

8 Os verbos arar e maquiar aceitam a forma intransitiva, como em: o empregado arou todos os dias da semana e

Gisela maquia bem. No entanto, essas sentenças não representam um problema para nossa análise, pois

acreditamos que elas ocorrem devido ao fato de tanto arar como maquiar apresentarem uma superfície

prototípica e, por isso, essa pode ser apagada sem gerar problemas de interpretação, que é feita pragmaticamente.

O verbo arar só aceita como argumento interno um SN que denote o campo ou a terra, enquanto maquiar tem

como argumento interno prototípico um SN que denota somente o rosto. Notem que quando queremos dizer que

foi feita uma maquiagem em outro local que não seja o rosto, não omitimos o argumento interno, como em: a

atriz maquiou o braço para esconder a tatuagem.

30

b. O fazendeiro quase chicoteou o empregado (sentença não ambígua).

(64) a. Se o lenhador estava serrando a madeira, então a madeira foi serrada.

b. O lenhador quase serrou a madeira. (sentença não ambígua).

(65) a. Se a Joana estava apunhalou a Maria, então a Maria foi apunhalada.

b. A Joana quase apunhalou a Maria. (sentença não ambígua).

Esses testes constatam que esses verbos têm como natureza aspectual a atividade, pois

eles acarretam que a atividade foi realizada, quando colocados no progressivo, e não têm a

leitura ambígua com o advérbio quase.

Também, como podemos ver, eles não licenciam a alternância causativo-incoativa,

com construções intransitivas e, tampouco, ocorrem na forma intransitiva, com o apagamento

do objeto:

(66) a. *O empregado (se) chicoteou.

b. *Um fazendeiro malvado chicoteia demais.

(67) a. *A madeira (se) serrou.

b. *Um lenhador ocupado serra todos os dias da semana.

(68) a. *A Maria (se) apunhalou.

b. *Joana apunhala todos os dias da semana.

Ainda, aceitam a passiva:

(69) O empregado foi chicoteado pelo fazendeiro durante vários anos.

(70) A madeira foi serrada ontem pela manhã.

(71) A Maria foi apunhalada pela Joana.

Só aceitam um instrumento como adjunto se este for um PP cognato ou um hipônimo:

(72) O fazendeiro chicoteou o empregado com um chicote de espinhos/ *com um

pedaço de corda.

(73) O lenhador serrou a madeira com uma serra elétrica/ com um serrote/ *com um

facão.

(74) A Joana apunhalou a Maria com um punhal de prata/ ?com uma faca/ *com uma

tesoura.

31

E, por fim, seguem a hipótese de Godoy (2012), aceitando a forma reflexiva só quando

existe a animacidade de seus argumentos internos:

(75) O fazendeiro se chicoteou.

(76) O lenhador se serrou. (situação esdrúxula, mas possível).

(77) Joana se apunhalou.

Como última observação, Salles e Naves (2009) chamam atenção para o fato de os

verbos instrumentais enfeitar e envenenar realizarem a alternância incoativa, como em Laura

enfeitou as lojas/ as lojas (se) enfeitaram e Taís envenenou o gato com cianureto/ o gato (se)

envenenou. No entanto, não nos parece que enfeite e veneno sejam verdadeiramente

instrumentos como chicote, serra, punhal, etc., não sendo, portanto, classificados como

instrumentais. Além disso, esses verbos são polissêmicos, podendo pertencer à classe dos

verbos de locatum e dos verbos de mudança de estado causativo-agentivos (Cançado, Godoy

e Amaral, no prelo). Observemos os exemplos abaixo:

(78) A decoradora enfeitou a loja. ├ A loja ficou com enfeite. (Locatum)

(79) A mulher envenenou a comida. ├ A comida ficou com veneno. (Locatum)

(80) O gás tóxico envenenou a população./ A população (se) envenenou com o gás

tóxico. (mudança de estado causativo-agentivo)

Através das sentenças de (78) a (80) podemos perceber que envenenar, sendo

polissêmico, pode ser ou um verbo de locatum ou de mudança de estado causativo-agentivo,

enquanto enfeitar9 se comporta como verbo de locatum.

Feita tal observação, concluímos que há um subgrupo formado por 24 verbos

instrumentais que, por sua vez, apresentam as mesmas propriedades semânticas e

compartilham os mesmos comportamentos sintáticos e, por isso, devem constituir uma classe

com estruturas semânticas idênticas. Assim, o nosso objetivo nas próximas seções será propor

uma estrutura argumental para essa classe em termos de decomposição em predicados

primitivos.

9 Ainda há outro sentido para enfeitar que é o de embelezar: Ana se enfeitou com bijuterias. Nesse caso, não é

classificado como locatum.

32

3.2. A Decomposição de predicados primitivos: Levin (1993) e Rappaport & Levin

(1998, 2010)

Rappaport e Levin (1998, 2010) assumem que os verbos não estativos dividem-se em

duas classes: uma em que os verbos têm como parte de seu significado a especificação do

processo de um estado resultante e, outra, em que os verbos têm como parte de seu

significado a maneira como uma ação ocorre. A primeira classe é composta pelos verbos de

resultado (p.ex., congelar, abrir, quebrar, etc.) e a segunda, pelos verbos de maneira (p.ex.,

correr, pular, varrer, etc.). Conforme as autoras, esta classificação é relevante

gramaticalmente, pois essas classes verbais apresentam padrões diferentes de realização

sintática dos argumentos, incluindo a participação ou não na alternância causativo-incoativa.

Existem diferentes tipos de verbos de maneira, de acordo com Rappaport e Levin

(1998). Verbos como esfregar e raspar, por exemplo, diferem-se pelo tipo de contato com

uma determinada superfície que descrevem. Verbos como correr e pular, por sua vez,

distinguem-se pelo modo de movimento que representam. Já verbos como assobiar e gritar

são diferentes no que diz respeito ao modo de se emitir um determinado som. Entretanto, para

as autoras, todos esses verbos apresentam uma mesma estrutura de predicado primitivo, que

se encontra representada a seguir:

(81) manner → [X ACT <MANNER>]

De acordo com Levin (1993), os verbos instrumentais do inglês, como to brush

(escovar), to comb (pentear), to plow (arar), to shear (tosquear), entre outros, comportam-se

da mesma maneira que os verbos de superfície to scrape (raspar) e to rub (esfregar), exceto

pelo fato de os primeiros estarem relacionados com um nome de um instrumento. A estrutura

dada por Rappaport e Levin (1998) para os verbos instrumentais do inglês encontra-se em

(82).

(82) instrument → [X ACT <INSTRUMENT>]

A raiz <INSTRUMENT>, assim como <MANNER>, funciona como modificador do

metapredicado ACT.

33

Entretanto, ao observarmos o comportamento dos verbos instrumentais no PB,

podemos perceber que esses estão associados a dois participantes: um agente e algo afetado

pela ação, de modo que a forma intransitiva dos verbos não nos parece boa, como já

mostramos anteriormente e reforçamos com os seguintes exemplos:

(83) a. O João açoitou a Maria.

b. *O João açoita todos os dias.

(84) a. Marcos alfinetou Joana.

b. *Marcos alfineta sempre.

(85) a. O patrão chicoteou o empregado.

b. *Os patrões de escravos chicoteavam todos os dias.

(86) a. Ana martelou o prego na parede.

b. ?Ana martelou todos os dia durante 2 anos.

(87) a. O carpinteiro serrou a madeira.

b. *Um carpinteiro atarefado serra todos os dias da semana.

As sentenças mostradas de (83) a (87), deixam claro que o argumento interno não

pode ser apagado, de modo que a forma intransitiva dos verbos gera problemas de

aceitabilidade. Marantz (1984) e Cançado (2009) propõem que o argumento que se encontra

na posição sintática de objeto direto na sentença, não pode ser excluído por questões

semânticas. Segundo os autores, o argumento interno tem uma relação semântica mais forte

com verbo do que o argumento externo, o que nos impossibilita de apagar o primeiro, pois

isso geraria a perda do sentido essencial do verbo.

Outra evidência de que, em PB, os verbos instrumentais precisam de um argumento

interno, pode ser vista através da noção de acarretamento lexical proposta por Dowty (1979,

1991). De acordo com o autor, os itens lexicais também geram acarretamentos dos seus

significados. Vejamos as seguintes sentenças:

(88)╞ O João acoitou a Maria, mas ninguém foi açoitado. 10

(89)╞ Marcos alfinetou Joana, mas ninguém foi alfinetado.

(90)╞ O patrão chicoteou o empregado, mas ninguém foi chicoteado.

(91)╞ Ana martelou o prego, mas nada foi martelado.

10

O símbolo ╞ indica contradição (Cann, 1993).

34

(92)╞ O carpinteiro serrou a madeira, mas nada foi serrado.

Podemos perceber que as sentenças de (88) a (92) se tornam contraditórias ao negarmos a

presença do SN denotado pelo argumento interno, o que nos prova que a presença destes é

acarretada pelos verbos instrumentais para que possam ter seu sentido saturado (Cançado,

2009).

Além disso, segundo Pinker (1989) e Horrocks e Stavrou (2010), apenas objetos

diretos canônicos podem ser passivizados. Também como já observarmos, os verbos dessa

classe aceitam a construção passiva. Ilustremos novamente essa afirmação com os seguintes

exemplos:

(93) A Maria foi açoitada pelo pai durante muitos anos.

(94) Joana foi alfinetada por Marcos durante 5 minutos seguidos.

(95) Os escravos foram chicoteados por seus patrões durante todo o período de

escravidão no Brasil.

(96) O prego foi martelado cuidadosamente na parede por Ana.

(97) A madeira foi serrada pelo carpinteiro esta tarde.

Feitas tais considerações, parece-nos mais do que claro que os verbos instrumentais

necessitam de um argumento interno em sua estrutural argumental e isso faz com que a

proposta de Rappaport e Levin (1998) para os verbos instrumentais no inglês não sirva para

os mesmos em PB. Como vimos, as autoras propõem que os instrumentais sejam

representados da seguinte forma: [X ACT <INSTRUMENT>]. Uma possível solução seria apenas

acrescentar um segundo participante Y nessa estrutura de predicados primitivos. No entanto,

do ponto de vista estrutural, o metapredicado ACT pede apenas um argumento que é

preenchido pela variável X.

Pereira (2009) propõe que a estrutura ideal para os verbos instrumentais seria a

seguinte:

(98) v: [[EVENTO X AGIR] CAUSAR [EVENTO Y COISA/ PROPRIEDADE IR PARA Z COISA/

PROPRIEDADE ]]

35

A partir da estrutura dada em (98), para uma sentença como Ricardo martelou o

prego, por exemplo, teríamos a seguinte paráfrase: o X agir causa o Y (martelo) ir para Z (o

prego). Entretanto, essa representação dos verbos instrumentais também não é adequada, uma

vez que nos informa que esses possuem dois subeventos que estabelecem uma relação causal

entre si. Como vimos, os verbos instrumentais possuem o aspecto lexical de atividade, o que

faz com que sejam necessariamente verbos monoeventivos e isso torna a estrutura em (100)

inapropriada.

Desse modo, inspiradas em Jackendoff (1990) e voltando à proposta de Rappaport e

Levin (1998), nossa primeira ideia é trocar o predicado ACT por AFFECT (Jackendoff,

1990), uma vez que esse pede dois argumentos, como propomos a seguir por meio de uma

estrutura usando a decomposição em predicados:

(99) [X AFFECT<INSTRUMENT> Y] 11

Porém, ao incluirmos um argumento interno, obedecendo às exigências desses verbos,

e ao substituirmos ACT por AFFECT, deixamos de evidenciar a agentividade do argumento

externo. Todavia, esta é clara, podendo ser comprovada por vários testes propostos na

literatura. Vejamos alguns deles.

Jackendoff (1990) propõe que um agente (x) ocorrerá em uma estrutura do tipo o que

o x fez foi:

(100) O que o João fez foi açoitar a Maria.

(101) O que Marcos fez foi alfinetar a Joana.

(102) O que o patrão fez foi chicotear o empregado.

(103) O que Ana fez foi martelar o prego.

(104) O que o carpinteiro fez foi serrar a madeira.

Dowty (1979) afirma que somente agentes podem manipular um instrumento, o que

faz com que a inserção do mesmo nas sentenças evidencie a agentividade do argumento

externo:

11

Godoy (2012) já trabalha com a ideia do metapredicado AFFECT aceitar um modificador.

36

(105) O João açoitou a Maria com um açoite de ferro.

(106) Marcos alfinetou Joana com um alfinete enferrujado.

(107) O patrão chicoteou o empregado com um chicote de espinhos.

(108) Ana martelou o prego na parede com um martelo de ferro.

(109) O carpinteiro serrou a madeira com um serrote.

Outro teste que corrobora a agentividade do argumento externo é a passivização.

Segundo Jackendoff (1972), Pinker (1989) e Cançado (2005) os agentes estão relacionados

com a possibilidade de passivização dos verbos. Já evidenciamos essa propriedade nos

exemplos de (93) a (97).

Além disso, Jackendoff (1972) propõe que há advérbios e expressões voltadas

especificamente para o sujeito, como deliberadamente, intencionalmente e com a intenção de.

Isso evidencia o fato de o agente estar ligado à animacidade.

(110) O João açoitou a Maria com a intenção de feri-la.

(111) Marcos alfinetou Joana com a intenção de provocá-la.

(112) O patrão chicoteou o empregado com a intenção de puni-lo.

(113) Ana martelou o prego com a intenção de fixá-lo na parede.

(114) O lenhador serrou a madeira com a intenção de vendê-la.

Por fim, é sabido na literatura que verbos estritamente agentivos não aceitam uma

causa como sujeito:

(115) *A maldade do João açoitou a Maria.

(116) *O descuido de Marcos alfinetou Joana.

(117) *A raiva do empregado chicoteou o patrão.

(118) *A eficiência de Ana martelou o prego na parede.

(119) *O bom trabalho do lenhador serrou a madeira.

Através desses testes, portanto, fica claro que o sujeito dos verbos que analisamos são

todos agentes e isso precisa ser evidenciado dentro da estrutura de decomposição de predicado

dos mesmos. Como o predicado AFFECT não atribui agentividade ao seu argumento externo,

adotaremos o modificador VOLITION (Cançado, Godoy e Amaral, no prelo) como forma de

expressar essa agentividade.

37

Visto isso, propomos uma segunda versão para a representação da estrutura

argumental dos verbos instrumentais em PB:

(120) [X VOLITION AFFECT<INSTRUMENT>Y]

O modificador VOLITION indica a agentividade de X, os argumentos do

metapredicado AFFECT são preenchidos pelas variáveis X e Y, e a raiz <INSTRUMENT>

modifica o metapredicado AFFECT. Além disso, a estrutura em (120) é composta por um só

evento, o que vai de acordo com o fato dos verbos instrumentais serem verbos de atividade,

como já visto anteriormente.

Porém, essa ainda não é a melhor representação para os verbos instrumentais no PB. O

problema se encontra na própria raiz <INSTRUMENT>, como veremos na próxima seção.

3.2.1. Por que não utilizar a raiz <INSTRUMENT>

É assumido que, em PB, os itens modificadores são adjetivos, advérbios, certos

sintagmas preposicionados e formas verbais no gerúndio. Um DP, por sua vez, não exerce

função de modificador, como pode ser visto nos exemplos a seguir.

(121) Menino bonito – o adjetivo bonito modifica o DP menino.

(122) Roberto discursou euforicamente. – o advérbio euforicamente modifica o

VP.

(123) Inês agiu com calma. – o PP com calma modifica o VP.

(124) Juliana chegou cantando. – o gerúndio cantando modifica o VP Juliana

chegou.

(125) Desabamento do edifício. – o DP o edifício é argumento do nome deverbal

desabamento, ou seja, não o modifica.

Analisando a nossa proposta de estrutura para os verbos instrumentais temos que a raiz

<INSTRUMENT> encontra-se na posição de modificador do metapredicado AFFECT. O

mesmo ocorre com o metapredicado ACT na estrutura proposta por Rappaport e Levin

(1998). No entanto, essa raiz é um DP e como vimos, DPs não exercem a função de

38

modificadores. Teríamos, para a proposta de Rappaport e Levin (1998) e para a nossa, as

seguintes paráfrases, respectivamente.

(126) v: [X ACT <INSTRUMENT>] - o X age instrumento.

(127) v: [X VOLITION AFFECT<INSTRUMENT> Y] – o X, volitivamente, afeta instrumento

Y.

Notemos que tais paráfrases não nos parecem boas, mesmo formalmente, e isso ocorre

devido ao fato de termos, em ambas as estruturas, um DP funcionando como modificador.

Harley (2005) e Harley e Haugen (2007) propõem que os verbos instrumentais nada

mais são do que verbos de maneira, que envolvem raízes que fazem conflation diretamente

com o v, como pode ser observado na estrutura a seguir retirada de Harley (2005):

(Harley, 2005, p.26)

Segundo a autora, a maneira (hammering) realiza conflation com v, ou seja, se une a v

por meio de uma operação chamada de Manner Incorporation. Através dessa, um verbo pode

ser nomeado por uma raiz que descreva a maneira como a ação é realizada. A operação de

Manner Incorporation é representada pelo balão na estrutura em (128).

Portanto, ao trazemos a análise de Harley (2005) e Harley e Haugen (2007) para a

nossa proposta de decomposição de predicados dos verbos instrumentais em PB, nós teríamos

que trocar a raiz <INSTRUMENT> por uma raiz de tipo <MANNER>, tendo uma estrutura da

seguinte forma:

39

(129) v: [X VOLITION AFFECT<MANNER> Y]

Assim, para um verbo como martelar, por exemplo, a paráfrase ficaria desta forma: o

X, volitivamente, afeta o Y, martelando. Notem que, ao substituirmos <INSTRUMENT> por

<MANNER>, o problema de não podermos ter um DP funcionando como modificador do

metapreficado AFFECT fica resolvido. Porém, ao optarmos por essa troca, deixamos passar

uma diferença importante que existe entre os verbos chamados de instrumentais.

Como já mostramos neste capítulo, certos verbos instrumentais como abanar, regar e

remar, por exemplo, aceitam sentenças com outro instrumento que não seja abano, remo e

regador, respectivamente. O mesmo não ocorre com verbos do tipo alfinetar e martelar.

(130) Ingrid se abanou com um abano de palha/ com as mãos/ com uma folha de

caderno.

(131) Gisela regou o jardim com um regador de plástico/ com uma mangueira/ com

vários baldes com água.

(132) João Paulo remou a canoa com um remo de madeira/ com um galho/ com o

braço.

(133) Marina alfinetou Joana com um alfinete prata/ com uma agulha/ *com um

graveto.

(134) Ricardo martelou o prego com um martelo de ferro/ *com um sapato.

Em (133), o verbo alfinetar aceita agulha como instrumento pelo fato de essa ser um

hipônimo de alfinete. Em relação à (134), ainda há quem diga que a sentença Ricardo

martelou o prego com o sapato é aceitável, entretanto, para nós, o verbo martelar exige um

martelo como instrumento. Tal fato fica mais claro em sentenças como:

(135) a. O médico martelou o joelho do paciente com um martelinho de plástico.

b. Bruna martelou seu dedo com um martelo de ferro.

c. *O médico martelou o joelho do paciente com um sapato.

d. *Bruna martelou seu dedo com um sapato.

Visto isso, o problema de se utilizar uma raiz <MANNER> para os verbos

instrumentais é que perderíamos a especificidade de que verbos como alfinetar e martelar não

40

aceitam nenhum outro instrumento que não seja alfinete (ou hipônimos), e martelo. Dessa

forma, apesar de a estrutura em (129) ser uma boa representação para verbos como abanar,

regar e remar, ela não é adequada para os outros dois verbos e para todos os outros 22 verbos

por nós analisados. Por isso, propomos utilizar outra raiz que não seja <INSTRUMENT> nem

<MANNER>.

Como vimos, sintagmas preposicionados podem exercer função de modificador, como

em João quebrou o vaso com o martelo. Nessa sentença, o PP com martelo está em posição

de adjunção e modifica o VP João quebrou o vaso. Trazendo esse raciocínio para a questão

dos verbos instrumentais no PB, propomos que um sintagma preposicionado deve vir como

modificador do metapredicado AFFECT. Instrumentos em geral, como alfinete e martelo,

nada mais são do que objetos no mundo, o que faz com que eles possam ser representados

pela raiz <THING>. Isso gera uma economia de linguagem, uma vez que não precisaríamos

criar um tipo de raiz específica de verbos instrumentais, como é o caso da proposta de

Rappaport e Levin (1998) com a raiz <INSTRUMENT>. Porém, a raiz <THING>, sozinha,

nos levaria ao mesmo problema de um DP não exercer função de modificador. Por essa razão,

propomos que o que vai modificar o metapredicado AFFECT nos verbos instrumentais do PB

é o sintagma preposicionado WITH <THING>, como podemos ver em (136).

(136) v: [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]

A partir dessa estrutura temos que o modificador de AFFECT é WITH <THING>, mas

a raiz do verbo é apenas <THING> que se encontra entre colchetes angulados. A estrutura

encontra-se satisfeita do ponto de vista semântico e formal. Semanticamente, ela dá conta de

representar os dois argumentos exigidos pelos verbos instrumentais e nos mostra que o

argumento externo deve ser necessariamente um agente. Do ponto de vista formal, o

metapredicado AFFECT tem seus dois argumentos preenchidos pelas variáveis X e Y, e é

modificado pelo PP WITH <THING>. O metapredicado WITH pede um argumento do tipo

indivíduo que é preenchido pela raiz <THING> e esta última carrega o nome do verbo. O fato

de ser ou não um instrumento é uma propriedade idiossincrática da raiz, já que outros verbos

também lexicalizam instrumentos (alguns verbos de locatum, como acorrentar e algemar),

fazendo com que esta não seja uma propriedade relevante para a sintaxe. Assim, a paráfrase

para a estrutura em (136) seria a seguinte: o X, volitivamente, afeta, com alguma coisa, o Y.

Vejamos como alguns dos nossos verbos instrumentais analisados ficam nessa

estrutura:

41

(137) Mariana alfinetou Joana.

v: [X VOLITION AFFECT WITH <ALFINETE> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com alfinete, o Y.

(138) Bianca carimbou a folha do caderno.

v: [X VOLITION AFFECT WITH <CARIMBO> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com carimbo, o Y.

(139) O fazendeiro chicoteou o empregado.

v: [X VOLITION AFFECT WITH <CHICOTE> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com chicote, o Y.

(140) A moça esfaqueou o namorado.

v: [X VOLITION AFFECT WITH <FACA> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com faca, o Y.

(141) Ricardo martelou o prego

v: [X VOLITION AFFECT WITH <MARTELO> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com martelo, o Y.

(142) Gisela pinçou sua sobrancelha.

v: [X VOLITION AFFECT WITH <PINÇA> Y]

Paráfrase: o X, volitivamente, afeta, com pinça, o Y.

Concluindo este capítulo, é importante que esteja claro que, aquilo que é chamado de

verbos instrumentais na literatura, não constitui uma única classe verbal. Como vimos, esses

podem ser divididos em, pelo menos, três classes distintas, sendo estas: a classe dos verbos de

locatum, como acorrentar e algemar; a classe a qual pertencem os 24 verbos por nós

analisados, como alfinetar e martelar (estrutura dada em 136); e a classe dos verbos com raiz

do tipo <MANNER>, como abanar, regar e remar (estrutura dada em 129).

42

CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso objetivo nesta monografia foi descrever a classe dos verbos instrumentais no

PB e propor uma representação lexical para a mesma utilizando a linguagem de decomposição

em predicados primitivos. Todos os verbos instrumentais compartilham a propriedade de

apresentar o nome de um instrumento em seu radical verbal. Entretanto, como vimos, certos

verbos, como abanar, regar e remar, aceitam outro instrumento, que não seja aquele contido

em seu radical, como adjunto. Para verbos deste tipo, propomos, baseadas na ideia de Harley

(2005) e Harley e Haugen (2007), a seguinte estrutura com a seguinte paráfrase: [XVOLITION

AFFECT <MANNER>Y] / o X, volitivamente, afeta, abanando/regando/remando, o Y.

Tendo separado esses verbos em uma pequena classe, outra diferença existente entre

os verbos considerados como instrumentais é em relação a verbos do tipo acorrentar e

algemar, de um lado, e verbos do tipo alfinetar e martelar, do outro. Os primeiros pertencem

à classe dos verbos de locatum e acarretam que o instrumento fica no argumento interno do

verbo, ou seja, quando dizemos uma sentença como o guarda algemou o bandido, esta

acarreta que o bandido ficou com algemas. A estrutura de predicados primitivos proposta por

Cançado, Godoy e Amaral (no prelo) para essa classe verbal é a seguinte: [[XVOLITION]

CAUSE BECOME Y WITH <THING>]].

O mesmo não ocorre para verbos como alfinetar e martelar, isto é, eles não acarretam

que o instrumento fica no argumento interno. Por isso, esses verbos pertencem há uma classe

composta por 24 verbos que compartilham as mesmas propriedades semânticas e os mesmos

comportamentos sintáticos, a saber: todos eles possuem o aspecto lexical de atividade, não

licenciam a alternância causativo-incoativa em sua forma intransitiva e nem ocorrem na forma

intransitiva com o objeto apagado; aceitam a forma passiva; só aceitam um instrumento como

adjunto se este for um PP cognato ou um hipônimo; alguns realizam a forma reflexiva,

dependendo da animacidade do seu argumento interno (Godoy, 2012). A estrutura argumental

e a paráfrase para essa classe é [X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y] / o X, volitivamente,

afeta, com coisa, o Y. O fato de o nome contido no verbo ser ou não um instrumento é uma

propriedade idiossincrática da raiz, já que outros verbos também lexicalizam instrumentos

(alguns verbos de locatum, como acorrentar e algemar), fazendo com que esta não seja uma

propriedade relevante para a sintaxe.

Assim, nossa principal conclusão é de que não há uma classe unitária dos verbos

instrumentais no PB e que este é apenas um rótulo para chamar atenção para o fato de alguns

43

verbos terem o nome de um instrumento em seu radical. Há pelo menos três classes distintas

dentro deste rótulo mais amplo: a classe dos locatum, a dos verbos com a estrutura [XVOLITION

AFFECT <MANNER>Y] e a classe dos verbos que apresentam a estrutura [X VOLITION AFFECT

WITH <THING> Y]. Visto isso, acreditamos, com o presente trabalho, termos contribuído para a

descrição semântica dos verbos do PB e para o estudo teórico dos predicados primitivos como

linguagem de representação semântica.

44

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48

APÊNDICE: VERBOS INSTRUMENTAIS

[X VOLITION AFFECT WITH <THING> Y]

1. Açoitar: castigar com açoite – atividade

O João açoitou Maria.

Testes apectuais:

- O João açoitou a Maria ?em 5 minutos / por 5 minutos/ 1 vez.

- O João estava açoitando a Maria. (açoitou)

- O João parou de açoitar a Maria. (açoitou)

- O João quase açoitou a Maria. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O João açoitou a Maria com um açoite de ferro.

- O João açoitou a Maria intencionalmente.

- O que o João fez foi açoitar a Maria.

- O João foi lá e açoitou a Maria.

- A Maria foi açoitada pelo João.

- *A brutalidade do João açoitou a Maria.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O João açoitou, mas não açoitou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O João açoita sempre/ muito/ bem/ demais.

- Voz passiva: A Maria foi açoitada pelo João.

Alternâncias:

- Incoativa: *A Maria (se) açoitou.

- Reflexiva: João se açoitou com um açoite de couro.

- Passiva: A Maria foi açoitada pelo João.

- Intransitiva: *O João açoita todos os dias.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O João açoitou a Maria com um açoite.

- O João açoitou a Maria com um açoite de couro. (PP cognato)

- *O João açoitou a Maria com um pedaço de corda.

- ╞ O João açoitou a Maria, mas não usou um açoite.

49

2. Alfinetar: picar com alfinete – atividade

Marcos alfinetou Joana.

Testes aspectuais:

- Marcos alfinetou Joana ?em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- Marcos estava alfinetando Joana quando Carlos entrou na sala. (alfinetou)

- Marcos parou de alfinetar Joana. (alfinetou)

- Marcos quase alfinetou Joana. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Marcos alfinetou Joana com um alfinete prata.

- Marcos alfinetou Joana intencionalmente.

- O que o Marcos fez foi alfinetar a Joana.

- Marcos foi lá e alfinetou Joana.

- Joana foi alfinetada por Marcos.

- *O descuido de Marcos alfinetou Joana.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento Lexical: ╞ Marcos alfinetou, mas não alfinetou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Marcos alfineta bem/ sempre/ de forma eficaz.

- Voz passiva: A Maria foi alfinetada pelo Marcos.

Alternâncias:

- Incoativa: *A Joana (se) alfinetou.

- Reflexiva: Marcos se alfinetou com um alfinete de costura.

- Passiva: Joana foi alfinetada pelo Marcos.

- Intransitiva: *Marcos alfinetou a semana toda.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Marcos alfinetou Joana com um alfinete.

- Marcos alfinetou Joana com um alfinete enferrujado. (PP cognato)

- Marcos alfinetou Joana com uma agulha. (hipônimo)

- *Marcos alfinetou Joana com um galho.

- ╞ Marcos alfinetou Joana, mas não usou um alfinete.

3. Anavalhar (mesmo que navalhar): golpear ou cortar com uma navalha. – atividade

O capoeira anavalhou o inimigo.

Testes aspectuais:

50

- O capoeira anavalhou o inimigo *em 5 minutos / por cinco minutos/ 1 vez.

- O capoeira estava anavalhando o inimigo. (anavalhou)

- O capoeira parou de anavalhar o inimigo. (anavalhou)

- O capoeira quase anavalhou o inimigo (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O capoeira anavalhou o inimigo com a navalha mais afiada.

- O capoeira anavalhou o inimigo ferozmente.

- O que o capoeira fez foi anavalhar o inimigo.

- O capoeira foi lá e anavalhou o inimigo.

- O homem foi anavalhado pelo capoeira.

- *A habilidade do capoeira anavalhou o inimigo.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O capoeira anavalhou, mas não anavalhou nada/ ninguém.

(sentença contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O barbeiro anavalha bem/ sempre/ com rapidez.

- Voz passiva: O homem foi anavalhado pelo capoeira.

Alternâncias:

- Incoativa: *O barbeiro (se) anavalhou.

- Reflexiva: O barbeiro se anavalhou com uma navalha afiada.

- Passiva: O homem foi anavalhado pelo capoeira.

- Intransitiva: *O capoeira anavalhou a semana toda.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O capoeira anavalhou o inimigo com uma navalha.

- O capoeira anavalhou o inimigo com uma navalha muito afiada. (PP cognato)

- ?O capoeira anavalhou o inimigo com uma faca. (hipônimo)

- *O capoeira anavalhou o inimigo com uma tesoura.

- ╞ O capoeira anavalhou o inimigo, mas não usou uma navalha.

4. Apedrejar: atirar pedras contra - atividade

O povo apedrejou Maria Madalena.

Testes aspectuais:

- O povo apedrejou Maria Madalena *em cinco minutos/ por cinco minutos/ *1 vez.

- O povo estava apedrejando Maria Madalena quando o apóstolo chegou. (apedrejou)

- O povo parou de apedrejar Maria Madalena. (apedrejou)

- O povo quase apedrejou Maria Madalena. (sentença não ambígua)

51

Testes de agentividade:

- O povo apedrejou Maria Madalena com britas.

- O povo apedrejou Maria Madalena ferozmente.

- O que o povo fez foi apedrejar Maria Madalena.

- O povo foi lá e apedrejou Maria Madalena.

- Maria Madalena foi apedrejada pelo povo.

- *A fúria do povo apedrejou Maria Madalena.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O povo apedrejou, mas não apedrejou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O povo apedreja muito/ sempre/ ferozmente.

- Voz passiva: Maria Madalena foi apedrejada pelo povo.

Alternâncias:

- Incoativa: *Maria Madalena (se) apedrejou.

- Reflexiva: *Maria Madalena se apedrejou.

- Passiva: Maria Madalena foi apedrejada pelo povo.

- Intransitiva: *O povo apedreja desde o tempo de Jesus Cristo.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O povo apedrejou Maria Madalena com pedras.

- O povo apedrejou Maria Madalena com pedras enormes. (PP cognato)

- O povo apedrejou Maria Madalena com um punhado de britas. (hipônimo)

- *O povo apedrejou Maria Madalena com um punhado de mamonas.

- ╞ O povo apedrejou Maria Madalena, mas não usou nenhuma pedra.

5. Apunhalar: ferir com punhal. – atividade

Maria apunhalou o namorado.

Testes aspectuais:

- Maria apunhalou o namorado * em 5 minutos / por 5 minutos/ 1 vez.

- Maria estava apunhalando o namorado quando a polícia chegou. (apunhalou)

- Maria parou de apunhalar o namorado. (apunhalou)

- Maria quase apunhalou o namorado. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Maria apunhalou o namorado com um punhal bem pontiagudo.

- Maria apunhalou o namorado ferozmente.

- O que Maria fez foi apunhalar o namorado.

- Maria foi lá e apunhalou o namorado.

- O homem foi apunhalado por Maria.

52

- *A raiva de Maria apunhalou o namorado.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Maria apunhalou, mas não apunhalou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Maria apunhala sempre/ bem/ rapidamente.

- Voz passiva: Carlos foi apunhalado pela Maria.

Alternâncias:

- Incoativa: *O namorado (se) apunhalou.

- Reflexiva: Maria se apunhalou.

- Passiva: O homem foi apunhalado por Maria.

- Intransitiva: *Maria apunhalou demais ontem.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Maria apunhalou o namorado com um punhal.

- Maria apunhalou o namorado com um punhal de ferro. (PP cognato)

- Maria apunhalou o namorado com uma faca. (hipônimo)

- *Maria apunhalou o namorado com uma tesoura.

- ╞ Maria apunhalou o namorado, mas não usou um punhal.

6. Arar: lavrar com arado. - atividade

O empregado arou o campo.

Testes aspectuais:

- O empregado arou o campo em meia hora/ por meia hora/ *3 vezes.

- O empregado estava arando o campo quando o patrão chegou. (arou)

- O empregado parou de arar o campo. (arou)

- O empregado quase arou o campo. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O empregado arou o campo com um arado de madeira.

- O empregado arou o campo cuidadosamente.

- O que o empregado fez foi arar o campo.

- O empregado foi lá e arou o campo.

- O campo foi arado pelo empregado da fazenda.

- *O bom trabalho do empregado arou o campo.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O empregado arou, mas não arou nada. (sentença contraditória-

acarreta a presença de um argumento interno).

53

- Apagamento do objeto: O empregado ara todos os dias da semana.

- Voz passiva: O campo foi arado pelo empregado.

Alternâncias:

- Incoativa: *O campo (se) arou.

- Reflexiva: *O empregado se arou.

- Passiva: O campo foi arado pelo empregado da fazenda.

- Intransitiva: O empregado ara todos os dias da semana / O empregado arou muito esta

semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O empregado arou o campo com um arado.

- O empregado arou o campo com um arado de madeira. (PP cognato)

- O empregado arou o campo com um trator. (tem que ter um arado no trator)

- ╞ O empregado arou o campo, mas não usou um arado.

7. Bombardear: lançar bombas ou projéteis contra - atividade

Israel bombardeou a Palestina.

Testes aspectuais:

- Israel bombardeou a Palestina *em 5 minutos/ por 1 ano/ *1 vez.

- Israel estava bombardeando a Palestina. (bombardeou)

- Israel parou de bombardear a Palestina. (bombardeou)

- Israel quase bombardeou a Palestina. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Israel bombardeou a Palestina com bombas atômicas.

- Israel bombardeou a Palestina ferozmente.

- O que Israel fez foi bombardear a Palestina.

- Israel foi lá e bombardeou a Palestina.

- A Palestina foi bombardeada por Israel.

- *A fúria de Israel bombardeou a Palestina.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Israel bombardeou, mas não bombardeou nada/ lugar algum.

(sentença contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Israel bombardeou o ano inteiro.

- Voz passiva: A Palestina foi bombardeada por Israel.

Alternâncias:

- Incoativa:*A Palestina (se) bombardeou.

- Reflexiva: Israel se bombardeou.

54

- Passiva: A Palestina foi bombardeada por Israel.

- Intransitiva: *Israel bombardeou muito no ano passado.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Israel bombardeou a Palestina com uma bomba.

- Israel bombardeou a Palestina com bombas atômicas. (PP cognato)

- Israel bombardeou a Palestina com mísseis. (hipônimo)

- *Israel bombardeou a Palestina com pedras.

- ╞ Israel bombardeou a Palestina, mas não usou bombas.

8. Carimbar: marcar com carimbo – atividade

Marta carimbou a folha.

Testes aspectuais:

- Marta carimbou a folha em 2 minutos/ por cinco minutos/ 1 vez.

- Marta estava carimbando a folha. (carimbou)

- Marta parou de carimbar a folha. (carimbou)

- Marta quase carimbou a folha. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Marta carimbou a folha com um carimbo de borracha.

- Marta carimbou a folha cuidadosamente

- O que Marta fez foi carimbar a folha.

- Marta foi lá e carimbou a folha.

- A folha foi carimbada por Marta.

- *A eficiência de Marta carimbou a folha.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Marta carimbou, mas não carimbou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Marta carimba muito/ sempre.

- Voz passiva: A folha foi carimbada por Marta.

Alternâncias:

- Incoativa: *A folha (se) carimbou.

- Reflexiva: Marta se carimbou.

- Passiva: A folha foi carimbada por Marta.

- Intransitiva: *Marta carimba todos os dias.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Marta carimbou a folha com um carimbo.

- Marta carimbou a folha com um carimbo de borracha. (PP cognato)

55

- *Marta carimbou a folha com um pincel estourado.

- ╞ Marta carimbou a folha, mas não usou um carimbo.

9. Chicotear: ferir, acertar com chicote. – atividade

O patrão chicoteou o empregado.

Testes aspectuais:

- O patrão chicoteou o empregado *em 5 minutos/ por cinco minutos/ 1 vez.

- O patrão estava chicoteando o empregado. (chicoteou)

- O patrão parou de chicotear o empregado. (chicoteou)

- O patrão quase chicoteou o empregado. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O patrão chicoteou o empregado com um chicote de espinhos.

- O patrão chicoteou o empregado ferozmente.

- O que o patrão fez foi chicotear o empregado.

- O patrão foi lá e chicoteou o empregado.

- O empregado foi chicoteado pelo patrão.

- *A fúria do patrão chicoteou o empregado.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O patrão chicoteou, mas não chicoteou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O patrão chicoteia muito/ bem/ sempre.

- Voz passiva: O empregado foi chicoteado pelo patrão.

Alternâncias:

- Incoativa: *O empregado (se) chicoteou.

- Reflexiva: O patrão se chicoteou.

- Passiva: O empregado foi chicoteado pelo patrão.

- Intransitiva: *O patrão chicoteia toda tarde.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O patrão chicoteou o empregado com um chicote.

- O patrão chicoteou o empregado com um chicote de espinhos. (PP cognato)

- O patrão chicoteou o empregado com um pedaço de corda. (hipônimo)

- *O patrão chicoteou o empregado com um pedaço de arame.

- ╞ O patrão chicoteou o empregado, mas não usou um chicote.

10. Encerar: passar cera sobre – atividade

A empregada encerou o chão.

56

Testes aspectuais:

- A empregada encerou o chão em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- A empregada estava encerando o chão. (encerou)

- A empregada parou de encerar o chão. (encerou)

- A empregada quase encerou o chão. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- A empregada encerou o chão com uma cera incolor.

- A empregada encerou o chão cuidadosamente.

- O que a empregada fez foi encerar o chão.

- A empregada foi lá e encerou o chão.

- O chão foi encerado pelo empregada.

- *A eficiência da empregada encerou o chão.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ A empregada encerou, mas não encerou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno)

- Apagamento do objeto: *A empregada encera sempre/ de forma eficaz/ muito.

- Voz passiva: O chão foi encerado pela empregada.

Alternâncias:

- Incoativa: *O chão (se) encerou.

- Reflexiva: *A empregada se encerou.

- Passiva: O chão foi encerado pela empregada.

- Intransitiva: *A empregada encera todos os dia da semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *A empregada encerou o chão com cera.

- A empregada encerou o chão com cera incolor. (PP cognato)

- *A empregada encerou o chão com graxa.

- ╞ A empregada encerou o chão, mas não usou cera.

11. Ensaboar: lavar com sabão – atividade

Miriam ensaboou o prato.

Testes aspectuais:

- Miriam ensaboou o prato em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- Miriam estava ensaboando o prato. (ensaboou)

- Miriam parou de ensaboar o prato. (ensaboou)

- Miriam quase ensaboou o prato. (sentença não ambígua)

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Testes de agentividade:

- Miriam ensaboou o prato com sabão de coco.

- Miriam ensaboou o prato cuidadosamente.

- O que Miriam fez foi ensaboar o prato.

- Miriam foi lá e ensaboou o prato.

- O prato foi ensaboado por Miriam.

- *A higiene de Miriam ensaboou o prato.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Miriam ensaboou, mas não ensaboou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno)

- Apagamento do objeto: *Miriam ensaboa sempre/ de forma eficaz/ muito.

- Voz passiva: O prato foi ensaboado por Miriam.

Alternâncias:

- Incoativa: *O prato (se) ensaboou.

- Reflexiva: Miriam se ensaboou durante o banho.

- Passiva: O prato foi ensaboado por Miriam.

- Intransitiva: *Miriam ensaboa todos os dias da semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Miriam ensaboou o prato com sabão.

- Miriam ensaboou o prato com sabão de coco. (PP cognato)

- Miriam ensaboou o prato com detergente. (hipônimo)

- *Miriam ensaboou o prato com espuma.

- ╞ Miriam ensaboou o prato, mas não usou sabão/ detergente.

12. Escovar: limpar, arranjar com a escova. – atividade

O João escovou o cabelo da irmã.

Testes aspectuais:

- O João escovou o cabelo da irmã *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- O João estava escovando o cabelo da irmã quando a mãe chegou. (escovou)

- O João parou de escovar o cabelo da irmã. (escovou)

- O João quase escovou o cabelo da irmã. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O João escovou o cabelo da irmã com uma escova cor de rosa.

- O João escovou o cabelo da irmã cuidadosamente.

- O que o João fez foi escovar o cabelo da irmã.

- O João foi lá e escovou o cabelo da irmã.

- O cabelo de Ana foi escovado pelo irmão.

58

- *O cuidado do irmão escovou o cabelo de Ana.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ João escovou, mas não escovou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno)

- Apagamento do objeto: *O João escova sempre/ de forma eficaz/ muito.

- Voz passiva: O cabelo de Ana foi escovado pelo irmão

Alternâncias:

- Incoativa: *O cabelo da irmã (se) escovou.

- Reflexiva: Ana se escovou durante o banho.

- Passiva: O cabelo de Ana foi escovado pelo irmão.

- Intransitiva: *O João escova todos os dias.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O João escovou o cabelo da irmã com uma escova.

- O João escovou o cabelo da irmã com uma escova de madeira. (PP cognato)

- ? O João escovou o cabelo da irmã com um pente. (hipônimo)

- *O João escovou o cabelo da irmã com os dedos.

- ╞ O João escovou o cabelo da irmã, mas não usou uma escova.

13. Esfaquear: cortar, ferir com a faca. – atividade

A filha esfaqueou a mãe.

Testes aspectuais:

- A filha esfaqueou a mãe *em 5 minutos/ por cinco minutos/ *1 vez.

- A filha estava esfaqueando a mãe quando o pai entrou na sala. (esfaqueou)

- A filha parou de esfaquear a mãe. (esfaqueou)

- A filha quase esfaqueou a mãe. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- A filha esfaqueou a mãe com uma faca de cabo de madeira.

- A filha esfaqueou a mãe ferozmente.

- O que a filha fez foi esfaquear a mãe.

- A filha foi lá e esfaqueou a mãe.

- A mãe foi esfaqueada pela filha.

- *A raiva da filha esfaqueou a mãe.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ A filha esfaqueou, mas não esfaqueou nada/ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *A filha esfaqueia sempre/ bem/ muito.

59

- Voz passiva: A mãe foi esfaqueada pela filha.

Alternâncias:

- Incoativa: *A mãe (se) esfaqueou.

- Reflexiva: A mãe se esfaqueou.

- Passiva: A mãe foi esfaqueada pela filha.

- Intransitiva: *Ana esfaqueou o dia todo.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *A filha esfaqueou a mãe com uma faca.

- A filha esfaqueou a mãe com uma faca de inox. (PP cognato)

- ?A filha esfaqueou a mãe com um canivete. (hipônimo)

- *A filha esfaqueou a mãe com uma navalha.

- ╞ A filha esfaqueou a mãe, mas não usou uma faca.

14. Espanar: limpar o pó com espanador - atividade

Luiza espanou os móveis da casa.

Testes aspectuais:

- Luiza espanou os móveis da casa em 5 minutos, por 5 minutos, *1 vez.

- Luiza estava espanando os móveis da casa. (espanou)

- Luiza parou de espanar os móveis da casa. (espanou)

- Luiza quase espanou os móveis da casa. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Luiza espanou os móveis da casa com um bom espanador.

- Luiza espanou os móveis da casa cuidadosamente.

- O que Luiza fez foi espanar os móveis da casa.

- Luiza foi lá e espanou os móveis da casa.

- Os móveis foram espanados por Luiza.

- *O bom trabalho de Luiza espanou os móveis da casa.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Luiza espanou, mas não espanou nada. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Luiza espana bem/ sempre/ todos os dias.

- Voz passiva: Os móveis foram espanados por Luiza.

Alternâncias:

- Incoativa: * O móvel (se) espanou.

- Reflexiva: Luiza se esfaqueou.

- Passiva: Os móveis foram espanados por Luiza.

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- Intransitiva: *Ana espanou o dia todo.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Luiza espanou os móveis com um espanador.

- Luiza espanou os móveis com um espanador todo colorido. (PP cognato)

- *Luiza espanou os móveis com uma flanelinha.

- ╞ Luiza espanou os móveis, mas não usou um espanador.

15. Lixar: desgastar-se com lixa. – atividade

Ana lixou a unha.

Testes aspectuais:

- Ana lixou a unha *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- Ana estava lixando a unha quando a mãe entrou no quarto. (lixou)

- Ana parou de lixar a unha. (lixou)

- Ana quase lixou a unha. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Ana lixou a unha com uma lixa de plástico.

- Ana lixou a unha cuidadosamente.

- O que Ana fez foi lixar a unha.

- Ana foi lá e lixou a unha.

- A unha de Ana foi lixada pela melhor manicure do bairro.

- *O talento da manicure lixou a unha de Ana.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Ana lixou, mas não lixou nada/ ninguém. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Ana lixa sempre/ muito/ demais.

- Voz passiva: A unha de Ana foi lixada pela melhor manicura da cidade.

Alternâncias:

- Incoativa: *A unha (se) lixou.

- Reflexiva: *Ana se lixou.

- Passiva: A unha de Ana foi lixada pela melhor manicure do bairro.

- Intransitiva: *Ana lixa todos os dias da semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Ana lixou a unha com uma lixa.

- Ana lixou a unha com uma lixa de plástico. (PP cognato)

- *Ana lixou a unha com um pedaço de papelão.

- ╞ Ana lixou a unha, mas não usou uma lixa.

61

16. Maquiar: aplicar cosméticos para embelezar – atividade.

A mãe maquiou a filha.

Testes aspectuais:

- A mãe maquiou a filha em 1 hora, por 5 minutos, *1 vez.

- A mãe estava maquiando a filha quando o pai chegou. (maquiou)

- A mãe parou de maquiar a filha. (maquiou)

- A mãe quase maquiou a filha. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- A mãe maquiou a filha com uma maquiagem importada.

- A mãe maquiou a filha cuidadosamente.

- O que a mãe fez foi maquiar a filha.

- A mãe foi lá e maquiou a filha.

- A filha foi maquiada pela mãe.

- *O bom trabalho da mãe maquiou a filha.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ A mãe maquiou a filha, mas não maquiou ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: Ana maquia bem / Ana maquiou ontem o dia todo.

- Voz passiva: A filha foi maquiada pela mãe.

Alternâncias:

- Incoativa: *A filha (se) maquiou.

- Reflexiva: A mãe se maquiou.

- Passiva: A filha foi maquiada pela mãe.

- Intransitiva: Ana maquia bem / Ana maquiou ontem o dia todo/ Ana maquiou horas a fio.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *A mãe maquiou a filha com maquiagem.

- A mãe maquiou a filha com maquiagem importada. (PP cognato)

- *A mãe maquiou a filha com argila.

- ╞ A mãe maquiou a filha, mas não usou maquiagem.

17. Marretar: bater com marreta. – atividade

O operário marretou a viga de concreto.

Testes aspectuais:

- O operário marretou a viga de concreto *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- O operário estava marretando a viga de concreto quando o engenheiro chegou. (marretou)

62

- O operário parou de marretar a viga de concreta. (marretou)

- O operário quase marretou a viga de concreto. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O operário marretou a viga de concreto com uma marreta de ferro.

- O operário marretou a viga de concreto com força.

- O que o operário fez foi marretar a viga de concreto.

- O operário foi lá e marretou a viga de concreto.

- A viga de concreto foi marretada por 3 operários ao mesmo tempo.

- *A força do operário marretou a viga de concreto.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O operário marretou, mas não marretou nada. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Um operário marreta sempre/ demais/ todos os dias.

- Voz passiva: A viga de concreto foi marretada por 3 operários ao mesmo tempo.

Alternâncias:

- Incoativa: * A viga de concreto (se) marretou.

- Reflexiva: O operário se marretou (situação bizarra, mas é possível)

- Passiva: A viga de concreto foi marretada por 3 operários ao mesmo tempo.

- Intransitiva: ? Um operário marreta todos os dias/ Todo operário marreta muito.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O operário marretou a viga de concreto com uma marreta.

- O operário marretou a viga de concreto com uma boa marreta de ferro. (PP cognato)

- *O operário marretou a viga de concreto com uma pedra.

- ╞ O operário marretou a viga de concreto, mas não usou uma marreta.

18. Martelar: bater o martelo em. – atividade

Ana martelou o prego.

Testes aspectuais:

- Ana martelou o prego *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- Ana estava martelando o prego. (martelou)

- Ana parou de martelar o prego. (martelou)

- Ana quase martelou o prego. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Ana martelou o prego com um martelo de madeira.

- Ana martelou o prego com força.

- O que Ana fez foi martelar o prego.

63

- Ana foi lá e martelou o prego.

- O prego foi martelado por Ana.

- *A força de Ana martelou o prego.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Ana martelou, mas não martelou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno.)

- Apagamento do objeto: *Ana martela muito/ sempre/ todo dia.

- Voz passiva: O prego foi martelado por Ana.

Alternâncias:

- Incoativa: *O prego (se) martelou.

- Reflexiva: Ana se martelou. (situação bizarra, mas possível)

- Passiva: O prego foi martelado por Ana.

- Intransitiva: ?Ana martelou por horas a fio.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Ana martelou o prego com um martelo.

- Ana martelou o prego com um martelo de ferro. (PP cognato)

- *Ana martelou o prego com um sapato.

- ╞ Ana martelou o prego, mas não usou um martelo.

19. Metralhar: ferir ou atacar com tiros de metralha. - atividade

O policial metralhou o bandido.

Testes aspectuais:

- O policial metralhou o bandido *em 5 minutos/ por 5 minutos/ *1 vez.

- O policial estava metralhando o bandido quando o reforço chegou. (metralhou)

- O policial parou de metralhar o bandido. (metralhou)

- O policial quase metralhou o bandido. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O policial metralhou o bandido com uma metralhadora muito potente.

- O policial metralhou o bandido ferozmente.

- O policial foi lá e metralhou o bandido.

- O bandido foi metralhado por um policial.

- *A boa mira do policial metralhou o bandido.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O policial metralhou, mas não metralhou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O policial metralha sempre/ muito/bem.

64

- Voz passiva: O bandido foi metralhado pelo primeiro comandante do exército.

Alternâncias:

- Incoativa: *O bandido (se) metralhou.

- Reflexiva: O policial se metralhou.

- Passiva: O bandido foi metralhado pelo primeiro comandante do exército.

- Intransitiva: *Um policial ativo metralha todos os dias.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O policial metralhou o bandido com uma metralhadora.

- O policial metralhou o bandido com uma metralhadora de última geração. (PP cognato)

- *O policial metralhou o bandido com um revólver.

- ╞ O policial metralhou o bandido, mas não usou uma metralhadora.

20. Palitar: limpar com palito. – atividade

Carla palitou o dente.

Testes aspectuais:

- Carla palitou o dente *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- Carla estava palitando o dente quando o namorado chegou. (palitou)

- Carla parou de palitar o dente. (palitou)

- Carla quase palitou o dente. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Carla palitou o dente com um palito de madeira.

- Carla palitou o dente cuidadosamente.

- O que Carla fez foi palitar o dente.

- Carla foi lá e palitou o dente na frente de todos.

- O dente de Carla foi palitado por ela mesma.

- *A falta de modos de Carla palitou seus dentes.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Carla palitou, mas não palitou nada. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno.)

- Apagamento do objeto: *Carla palita sempre/ muito/ bem.

- Voz passiva: O dente de Carla foi palitado por ela mesma.

Alternâncias:

- Incoativa: *O dente (se) palitou.

- Reflexiva: *Carla se palitou.

- Passiva: O dente de Carla foi palitado por ela mesma.

- Intransitiva: *Carla palita todos os dias da semana.

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Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Carla palitou o dente com um palito.

- Carla palitou o dente com um palito de madeira (PP cognato).

- ?Carla palitou o dente com um graveto. (hipônimo)

- *Carla palitou o dente com um garfo.

- ╞ Carla palitou o dente, mas não usou um palito.

21. Peneirar: fazer passar pela peneira. - atividade

Maria peneirou o arroz.

Testes aspectuais:

- Maria peneirou o arroz *em 5 minutos/ por 5 minutos/ *3 vezes.

- Maria estava peneirando o arroz quando a mãe chegou. (peneirou)

- Maria parou de peneira o arroz. (peneirou)

- Maria quase peneirou o arroz. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Maria peneirou o arroz com uma peneira bem estreita.

- Maria peneirou o arroz cuidadosamente.

- O que Maria fez foi peneirar o arroz.

- Maria foi lá e peneirou o arroz.

- O arroz foi peneirado pela Maria antes de ser cozido.

- *O bom trabalho de Maria peneirou o arroz.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Maria peneirou, mas não peneirou nada. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Maria peneira sempre/ muito/ todos os dias.

- Voz passiva: O arroz foi peneirado pela Maria antes de ser cozido.

Alternâncias:

- Incoativa: *O arroz (se) peneirou.

- Reflexiva: *Maria se peneirou.

- Passiva: O arroz foi peneirado por Maria antes de ser cozido.

- Intransitiva: *Maria peneira toda vez que vai cozinhar.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Maria peneirou o arroz com uma peneira.

- Maria peneirou o arroz com uma peneira de plástico. (PP cognato)

- *Maria peneirou o arroz com um coador.

- ╞ Maria peneirou o arroz, mas não usou uma peneira.

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22. Pinçar: puxar ou prender com pinça - atividade

Gisela pinçou sua sobrancelha.

Testes aspectuais

- Gisela pinçou sua sobrancelha em 5 minutos, por 5 minutos, 1 vez.

- Gisela estava pinçando sua sobrancelha quando Ricardo chegou. (pinçou)

- Gisela parou de pinçar sua sobrancelha. (pinçou)

- Gisela quase pinçou sua sobrancelha. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- Gisela pinçou sua sobrancelha com uma pinça de ponta fina.

- Gisela pinçou sua sobrancelha cuidadosamente.

- O que Gisela fez foi pinçar sua sobrancelha.

- Gisela foi lá e pinçou sua sobrancelha.

- A sobrancelha de Gisela foi pinçada pela nova depiladora da cidade.

- *O bom trabalho da depiladora pinçou a sobrancelha de Gisela.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ Gisela pinçou, mas não pinçou nada. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *Gisela pinça sempre/ muito/ todos os dias.

- Voz passiva: A sobrancelha de Gisela foi pinçada pela nova depiladora da cidade.

Alternâncias:

- Incoativa: *A sobrancelha (se) pinçou.

- Reflexiva: ?Gisela se pinçou. (situação esdrúxula)

- Passiva: A sobrancelha de Gisela foi pinçada pela nova depiladora da cidade.

- Intransitiva: *Gisela pinça uma vez por semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *Gisela pinçou sua sobrancelha com uma pinça.

- Gisela pinçou sua sobrancelha com uma pinça de plástico. (PP cognato)

- *Gisela pinçou sua sobrancelha com uma agulha.

- ╞ Gisela pinçou sua sobrancelha, mas não usou uma pinça.

23. Pincelar: pintar com pincel. - atividade

O artista pincelou o quadro.

Testes aspectuais:

- O artista pincelou o quadro *em 5 minutos/ por 5 minutos minutos/ 1 vez.

- O artista estava pincelando o quadro quando alguém apareceu de surpresa. (pincelou)

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- O artista parou de pincelar o quadro. (pincelou)

- O artista quase pincelou o quadro. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O artista pincelou o quadro com um pincel de madeira.

- O artista pincelou o quadro cuidadosamente.

- O que o artista fez foi pincelar o quadro.

- O artista foi lá e pincelou o quadro.

- O quadro foi pincelado pelo artista.

- *O talento do artista pincelou o quadro.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O artista pincelou, mas não pincelou nada/ ninguém. (sentença

contraditória: acarreta a presença de um argumento interno)

- Apagamento do objeto: *O artista pincela muito/ todos os dias/ bem.

- Voz passiva: O quadro foi pincelado por Leonardo da Vinci.

Alternâncias:

- Incoativa: *O quadro (se) pincelou.

- Reflexiva: O artista se pincelou.

- Passiva: O quadro foi pincelado por Leonardo da Vinci.

- Intransitiva: *Um pintor ocupado pincela todos os dias da semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O artista pincelou o quadro com um pincel.

- O artista pincelou o quadro com um pincel dourado. (PP cognato especificado)

- *O artista pincelou o quadro com as mãos.

- ╞ O artista pincelou o quadro, mas não usou um pincel.

24. Serrar: cortar com serra. – atividade

O carpinteiro serrou a madeira.

Testes aspectuais:

- O carpinteiro serrou a madeira *em 5 minutos/ por 5 minutos/ 1 vez.

- O carpinteiro estava serrando a madeira quando ouviu um grito. (serrou)

- O carpinteiro parou de serrar a madeira. (serrou)

- O carpinteiro quase serrou a madeira. (sentença não ambígua)

Testes de agentividade:

- O carpinteiro serrou a madeira com uma serra elétrica.

- O carpinteiro serrou a madeira cuidadosamente.

- O que o carpinteiro fez foi serrar a madeira.

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- O carpinteiro foi lá e serrou a madeira.

- A madeira foi serrada pelo carpinteiro.

- *O bom trabalho do carpinteiro serrou a madeira.

Testes para analisar se o objeto é argumento da estrutura ou da raiz:

- Acarretamento lexical: ╞ O carpinteiro serrou, mas não serrou nada. (sentença contraditória:

acarreta a presença de um argumento interno).

- Apagamento do objeto: *O carpinteiro serra sempre/ bem/ todos os dias.

- Voz passiva: A madeira foi serrada pelo carpinteiro.

Alternâncias

- Incoativa: *A madeira (se) serrou.

- Reflexiva: O carpinteiro se serrou. (situação bizarra, mas possível)

- Passiva: A madeira foi serrada pelo carpinteiro.

- Intransitiva: *Um carpinteiro atarefado serra todos os dias da semana.

Testes para mostrar o instrumento contido no verbo:

- *O carpinteiro serrou a madeira com uma serra.

- O carpinteiro serrou a madeira com uma serra elétrica. (PP cognato)

- O carpinteiro serrou a madeira com um serrote. (hipônimo)

- *O carpinteiro serrou a madeira com um facão.

- ╞ O carpinteiro serrou a madeira, mas não usou uma serra.