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OS TRAINERS NO CONTEXTO DA ORTODONTIA/ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES: UMA PROPOSTA SIMPLIFICADA E PRÁTICA PARA INTERVENÇÕES PRECOCES Este texto foi retirado com algumas atualizações de uma publicação da editora Santos intitulada NOVA VISÃO EM ORTODONTIA E ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES, lançado em 2004. Sua veiculação deverá ser restrita a um pequeno grupo da relação do autor. Eider Barreto de Oliveira Junior Especialista em Saúde Pública e Ortopedia Funcional dos Maxilares, Mestre em Ortodontia Coordenador do Centro de Pesquisas em Disfunção Muscular da Face - Myoresearch Center Índice : Introdução______________________________________________________________________ 2 ortopedia e ortodontia:as razões de enfoques diferentes para fins semelhantes____________ 3 a divergência fundamental sobre crescimento e o papel da genética nas maloclusões ______ 4 desenvolvendo uma patologia do sistema estomatognático ____________________________ 5 evidências científicas dos trainers_________________________________________________ 10 discussão dos casos clínicos_____________________________________________________ 14 os trainers: origem, funcionamento, protocolo de uso, indicações e contra-indicações_____ 15 referências ____________________________________________________________________ 21 Myoresearch Center – Centro de Estudos em Disfunção Muscular da Face 1

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OS TRAINERS NO CONTEXTO DA

ORTODONTIA/ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES:

UMA PROPOSTA SIMPLIFICADA E PRÁTICA

PARA INTERVENÇÕES PRECOCES Este texto foi retirado com algumas atualizações de uma publicação da editora Santos intitulada NOVA VISÃO EM ORTODONTIA E ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES, lançado em 2004. Sua veiculação deverá ser restrita a um pequeno grupo da relação do autor. Eider Barreto de Oliveira Junior Especialista em Saúde Pública e Ortopedia Funcional dos Maxilares, Mestre em Ortodontia Coordenador do Centro de Pesquisas em Disfunção Muscular da Face - Myoresearch Center Índice:

Introdução______________________________________________________________________ 2

ortopedia e ortodontia:as razões de enfoques diferentes para fins semelhantes____________ 3

a divergência fundamental sobre crescimento e o papel da genética nas maloclusões ______ 4

desenvolvendo uma patologia do sistema estomatognático ____________________________ 5

evidências científicas dos trainers_________________________________________________ 10

discussão dos casos clínicos_____________________________________________________ 14

os trainers: origem, funcionamento, protocolo de uso, indicações e contra-indicações_____ 15

referências ____________________________________________________________________ 21

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Introdução

Poucos teriam a sinceridade dispensada pelos autores no prefácio do clássico “Aparelhos Ortodônticos Removíveis” -... Na Ortodontia existem as modas e manias que, ao final, jazem como milhares de bugigangas no grande depósito de lixo da história ortodontológica ...1

Entretanto, retirando-se a coragem da opinião, nenhuma novidade: a criação é a tônica de nossa existência e por isso, sempre haveremos de nos deparar com o novo.

Todavia, se criar é do instinto humano, a validação científica é uma expressão da sua intelectualidade. Assim, é fácil concordar que a pesquisa valida ou invalida as afirmações dos clínicos. Um novo método sempre surgirá e poderá cair no esquecimento dependendo, por exemplo, da sua facilidade no uso profissional e por parte dos pacientes, preço acessível e regularidade em conseguir um alto nível de sucesso.

No Brasil, foi introduzido recentemente um novo aparelho denominado Trainer -T4K (fig.1). Seu manuseio simplificado, custo relativamente menor que seus similares e uma sustentação científica positiva em estudos iniciais têm despertado o interesse de setores da Ortodontia, Ortopedia Funcional dos Maxilares, Odontopediatria e Fonoaudiologia, entre outras especialidades.

Figura 1 - O aparelho e seus componentes.

Cumprindo o papel das Instituições de Pesquisa, este trabalho se propõe a investigar com rigor científico esta novidade. Entretanto, sendo o equipamento uma combinação de aparelho ortopédico funcional e posicionador, para oferecer uma avaliação mais aprofundada deve-se inicialmente entender os princípios da Ortopedia Funcional dos Maxilares (Ortopedia) e conseqüentemente explicar de forma isenta suas diferenças frente à Ortodontia. Investigar o contexto e a atualidade dos posicionadores e, somente por fim, conhecer o funcionamento e os resultados do seu desempenho.

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Ortopedia e ortodontia:as razões de enfoques diferentes para fins semelhantes

Admitindo-se que não são expressões míticas ou divinas, devemos buscar a origem das diferenças entre essas duas perspectivas terapêuticas no exame das condições histórico-sócio-econômicas dos seus surgimentos.

Assim, veremos que já no inicio do século passado a orientação teórica do clínico que se propunha a alterar a posição dos dentes dependia de que lado do oceano se dava sua prática.Tal situação se manteve e com o advento da 2a. Guerra Mundial, em pouco tempo consolidou-se claramente dois campos distintos: a Escola Norte Americana e a Européia de Ortodontia1.

Nos Estados Unidos, este modelo mais geral começou a ser definido com a publicação em 1910 do que hoje é conhecido por Relatório Flexner. Este trabalho, coordenado pela Fundação Carnegie, propunha uma mudança profunda na organização da assistência e do ensino na área da Saúde. Para Eugênio Vilaça 2, a consolidação deste trabalho foi definitiva na estruturação da produção dos serviços de Saúde e o seu sucesso deu-se pela automática adesão das Escolas médicas norte-americanas e porque as fundações privadas aplicaram em sua implantação cerca de 300 milhões de dólares entre 1910 e 1930. Desta forma, as propostas inscritas no relatório formaram a base ideológica da atual prática de todas as áreas da saúde: biologicista, com incorporação crescente de alta tecnologia, especialista e curativista (grifo do autor).

Após o término da segunda Guerra Mundial, a experiência já desenvolvida com aparelhos fixos, um modelo de prática centrada na tecnificação, e a abundância de dinheiro conseguida em parte por uma guerra travada fora de suas fronteiras, proporcionou aos profissionais dos Estados Unidos da América focalizarem suas atenções num maior desenvolvimento e aprimoramento dos conceitos e técnicas dos aparelhos fixos3.

Entretanto, a história da Europa se deu de forma antagônica. Berço do Iluminismo, da Revolução Francesa e precursora de movimentos libertadores e humanistas, após a segunda Grande Guerra, o Continente experimentou a escassez absoluta de recursos e pela anterior tradição política, uma conseqüente ascensão dos governos social-democratas. Isto provocou uma grande demanda de serviços públicos de saúde, ai incluídos os ortodônticos. Segundo Graber & Neumann1, nesta época o sistema Nacional de Saúde Inglês determinou que o direito a cuidados ortodônticos era de todos. A medida da diferença relativa aos Estados Unidos é dada por Rose4 ao constatar que “no levantamento qüinqüenal de tratamentos dentários, publicado pelo governo Inglês, apenas 2% das crianças abaixo de 15 anos não recebia nenhuma forma de tratamento. Dados comparativos, publicados no mesmo ano de 1968, informavam que metade das crianças norte-americanas, com menos de 15 anos, nunca tinha ido ao dentista”.

Tal situação obrigou os precursores da Ortopedia a privilegiar tecnologias econômicas, planejarem tratamentos com o mínimo de sofisticação e, diferentemente do padrão de perfeição do ortodontista norte-americano, considerarem de forma diferente o posicionamento ideal dos dentes ao término do tratamento.

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Passados estes anos, para Graber & Neumann1 existe uma convergência no modo de pensar da Ortopedia e Ortodontia. “Para melhorar os resultados dos tratamentos, os europeus estão dando preferência a aparelhos fixos e os americanos começam a reconhecer o muito que pode ser conseguido na interceptação e correção de maloclusões efetuadas com aparelhos funcionais” - afirmavam eles já em 1987.

Talvez, o símbolo do reconhecimento dessa imprescindibilidade mútua seja a presença de uma referência à Ortopedia no maior ícone da Ortodontia Norte-americana: O American Journal of Orthodontics And Dentofacial Orthopedics.

E foi nestas páginas, em editorial do Dr. J.P. Moss em 1985 6, que a revista conclamou todos os detentores desta ou daquela visão terapêutica a trabalharem juntos na perspectiva de realizarem sempre o melhor para o paciente. Isto selava o que cada vez mais parece ser impossível de ser negado, pelo menos pelos não ortodoxos: São abordagens próprias, centradas em campos de conhecimentos distintos que deverão se respeitar e principalmente, cooperarem entre si.

A divergência fundamental sobre crescimento e o papel da genética nas maloclusões

Até os anos 1960, o crescimento humano era decorrente de uma fatalidade. Acreditava-se que as probabilidades genéticas norteassem o processo de crescimento e desenvolvimento, da vida intra-uterina ao seu término 6. Sendo assim, à Ortodontia caberia somente prever este crescimento (ou ausência dele) e realizar as mudanças de posição dentária, com ou sem extrações.

Ao contrário do mundo científico que depositava toda a responsabilidade pelo crescimento e desenvolvimento humano nos fenômenos genéticos, MOSS 7 apresentou e defendeu uma visão totalmente diferente. O conceito funcional ou Matriz funcional mostrava a importância dos fatores externos no entendimento deste fundamental tema. Sendo o tecido esquelético secundário, nesta nova interpretação da dinâmica do crescimento e da modelação facial, os músculos, tendões, variações de pressão enfim, os fatores epigenéticos 8 definiriam o sentido, a quantidade e a velocidade do crescimento.

Pela importância e para que sejamos fiéis ao pensamento de Moss, revisitemo-o: “Apesar da óbvia inclusão, o termo matriz funcional não é o que as pessoas comumente entendem como sinônimo de tecidos moles, isto é, músculos, nervos, vasos, tecido adiposo, etc. Matriz funcional é muito mais abrangente e inclui muito mais do que estruturas. Os próprios espaços, como os oronasofaríngeos, constituem-se em importante grupo de matriz” 9.

Menos do que um debate teórico, este tipo de estudo abriu uma “trincheira científica” para a Escola européia de Ortodontia. Na verdade, esta teoria colocou a terapêutica em um papel proativo. Isto é, agora os clínicos não mais dependeriam “dos caprichos” da genética, mas poderiam intervir diretamente na orientação do crescimento.

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Assim, com a formulação da base teórica e o aprofundamento dos estudos com animais em laboratórios e o advento da eletromiografia, a tese da imutabilidade genética foi perdendo cada vez mais sua hegemonia.

E foi suportado nos progressos da biologia molecular, e novas técnicas de análises e processamentos de imagens assistidas por computador que, a partir dos anos 1970, os trabalhos de Petrovic e colaboradores começaram um aprofundamento deste raciocínio 10.

Deles depreendemos que quando os músculos Pterigóideos Laterais são solicitados, o ligamento retrodiscal é estirado para conter o movimento do complexo côndilo/disco articular. Revelada nos estudos de Petrovic como uma estrutura de importância capital, sua distensão provoca uma intensa vascularização na região com conseqüente carreamento de hormônios do crescimento. A proposição da teoria do servo-sistema do crescimento facial 11 demonstra que por meio de uma série de processos físicos, químicos e biológicos localizados, ocorre o estímulo de crescimento local, aumentando o tamanho final da mandíbula. Para SIMÕES 12, estando a mandíbula em contato íntimo de sua extremidade anterior com a maxila, através do contato dos incisivos em uma determinada área (DA), os estímulos de crescimento à maxila são potencializados.

Portanto, a grosso modo, a teoria do servo-sistema admite que a descarga hormonal tem na região retrodiscal um local privilegiado para nutrir o crescimento mandibular. Com este crescimento ocorrerá toque dos incisivos inferiores nos superiores. Isto estimula o crescimento da maxila sincronizando o crescimento de ambas arcadas.

Desenvolvendo uma patologia do sistema estomatognático

É a partir desta matriz teórica que o ortopedista interpreta os fenômenos que definem os problemas no sistema estomatognático. Neste tópico, daremos dinâmica prática à teoria. Apesar dos estudiosos e nós concordarmos com a multicausalidade, por uma licença pedagógica, faremos uma ilustração que não a considerará. Por ser um texto introdutório do tema, parece-nos válido o pecado da simplificação.

Assim, tudo poderia começar a partir de uma das primeiras funções do sistema: a amamentação. Se ela for natural, o leite é extraído por meio de movimentos mandibulares realizados por vários músculos. Na verdade, um regime intenso de exercícios. Isto não ocorrendo, haverá uma limitação importante do papel destes músculos como estimuladores de crescimento (Quadro.1). Carvalho 6 chega a afirmar que na amamentação artificial nem 30% dos músculos são utilizados e que a língua da criança amamentada artificialmente mantém a postura que “aprendeu” com o uso da mamadeira, ou seja, a ponta baixa e o dorso elevado.

Hipocrescida pelo pouco estímulo, a mandíbula posta-se retruída não permitindo o toque dos incisivos para estímulo do crescimento longitudinal da maxila. Esta posição contém a língua e impede também que ela haja como matriz de crescimento transversal da maxila. Desta forma, a arcada superior fica sujeita a atresiar podendo até cruzar a mordida. “O problema é que mesmo sem espaço posterior pela compressão da maxila e retroposição da mandíbula, a língua consiga vir à frente sem apoiar-se corretamente, continuará retroposicionada, protruindo os

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dentes”7. “Se a criança teve uma amamentação no peito, mesmo nos momentos de descanso, a língua mantinha o bico ligeiramente comprimido as custas de uma projeção mandibular. Já na artificial, a expansão do látex impede essa compressão, abaixando, posteriorizando e ensinando a língua a ficar mais retropostada”, completa Palmer 13 (Fig. 2a e 2b).

Quadro 1 - Grau de participação dos músculos envolvidos na amamentação natural, artificial e sucção de bico ortodôntico. Extraído de Carvalho 6.

Figuras 2a e 2b - Posição da língua. 2a. Criança em repouso. Note a seta mostrando onde iniciaria a contração muscular para se fazer a ordenha.2b Utilizando uma mamadeira.

Assim, quer seja por ter “aprendido” ou por novas circunstâncias, o fato é que o fechamento da boca nestas condições promoverá uma compressão dos tecidos moles da orofaringe, dificultando a respiração pelo nariz 6 . Lembre-se que na deglutição esta interrupção só ocorre por um lapso de tempo para evitar o refluxo do alimento. Agora, com um bloqueio permanente, só restará ao indivíduo abrir a boca,

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provocando mais compressão lateral nas arcadas e projetar a língua para liberar o fluxo do ar.

Nestas condições, durante a deglutição, a língua será empurrada para frente definindo uma padrão atípico. Ao contrário da deglutição fisiológica na qual os dentes tocam os mesmos pontos da fonoarticulação, agora o toque será aleatório, em outros sítios. Caso se projete na altura dos incisivos superiores, estará sendo definido uma mordida aberta ou uma Classe II com vestibularização destes incisivos. Caso a língua se apóie nos terços incisais dos incisivos superiores e inferiores, o resultado será a biprotusão e por fim, um padrão de deglutição mais baixo, além de reforçar a maxila atrésica, a tendência será de instalação de uma Classe III (fig.3a-3c).

Figuras 3a – 3c - Tendência de maloclusões relacionadas com padrões de deglutição.3a- A língua pressionando os incisivos superiores- Classe II com vestibularização dos incisivos ou classe I com mordida aberta.3b- A língua comprimindo os terços médios dos incisivos – Biprotusão.3c- Padrão

sugestivo de classe III.

Com a retroposição da mandíbula, em breve os incisivos superiores “ocluirão” com o lábio inferior. Para a criança, é fundamental fazer esta compressão do lábio contra os dentes anteriores superiores porque agora ela só consegue deglutir se produzir uma pressão negativa, só conseguida com este vedamento. Entretanto, a operação torna-se cada vez mais penosa visto que esta compressão afasta mais os incisivos superiores do plano oclusal, agravando o caso.

Os incisivos inferiores, sem antagonistas, erupcionam mais do que o devido. Isto provoca um contato com a mucosa do palato, definindo assim uma mordida profunda e “sepultando” o crescimento da mandíbula dentro de uma oclusão telescópica.

Além disto, para abaixar e retropostar a mandíbula, o individuo deve obrigatoriamente inclinar a cabeça para trás (fig. 4). Este movimento da cabeça faz com que o líquido no interior do ouvido se agite e estimule as células nervosas dos canais semicirculares. Ao receber esse impulsos nervosos, o cérebro identifica a posição do corpo no espaço e envia ordens para que os músculos ajam, mantendo o corpo em equilíbrio. O cerebelo, órgão que controla os movimentos musculares,

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também participa dessa ação fazendo com que apesar da má posição corporal o equilíbrio seja mantido (Fig.5).

Figura 4- Equilíbrio da cabeça - Para o indivíduo respirar pela boca, terá que acionar o ventre anterior

do Digástrico e o Genio-hióideo (1 e 2). Entretanto, para que isto ocorra, o osso Hioide (H) deverá estar estabilizado e somente com a contração dos músculos infra-hióideo, o Ventre posterior do

digastrico(4) e o estilo-hióideo(5) isto ocorrerá. Veja pelo esquema qual seria a tendência da cabeça nesta situação.

Como podemos depreender, trata-se de um fantástico sistema no qual os seus componentes interagem para conformar um problema que cada dia que passa se torna mais complexo, de difícil tratamento e autônomo em relação ao fator que originalmente estava associado (fig.6a - 6c) Não sendo o propósito deste trabalho, as considerações acima buscaram apenas ilustrar algumas das infindáveis possibilidades de alterações no sistema estomatognático. Nesta ilustração, para a Ortopedia muito ainda haveria de se falar. Situações como da relação destes fenômenos com a má absorção do oxigênio e suas várias conseqüências, com os distúrbios nutricionais visto a precária qualidade da mastigação; com o aumento do risco de cárie, periodontopatias etc.Uma verdadeira síndrome que às vezes passa sem ser percebida pelos consultórios de Pediatria e o que é pior, daqueles de Odontologia.

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Figura 5 - Equilíbrio do corpo - O sistema nervoso central capta o desequilíbrio que a inclinação da cabeça produz. Por isto tenta compensar com uma projeção dos

ombros. Tal situação inevitavelmente resultará em danos para a coluna cervical e pés planos.

Figuras 6a – 6c - Desenvolvendo um patologia do Sistema estomatognático 6a Com a língua retroposicionada, a deglutição será atípica e poderá pressionar erroneamente um

sítio na região palatina dos incisivos superiores. 6b Esta situação projeta os dentes anteriores superiores e a ausência de estímulo de crescimento não

desenvolve a mandíbula. 6c Com a deglutição, a língua interpõe por volta de 2000 vezes por dia. Os dentes superiores inclinam

ainda mais, acrescido do movimento de extrusão.

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Evidências científicas dos trainers

Recentemente, QUADRELLI et al.14 publicaram os primeiros estudos com o equipamento. Sendo uma pesquisa-piloto, os pesquisadores trabalharam com seis pacientes entre quatro anos e nove meses e nove anos e um mês. Todos apresentavam classe II sendo três com interposição lingual, deglutição atípica e mordida aberta. Estes foram classificados como do grupo A. Os outros três apresentavam mordida profunda, bruxismo, e classificados como do grupo B. O tipo de respiração, se oral ou nasal, não foi avaliada.

Aos pacientes foi proposto o uso do aparelho segundo as orientações do fabricante e deles realizados telerradiografias laterais do crânio; eletromiografias de superfície; kinesiografias, rinomanometria e medição da distância intercanino e intermolar. Tal procedimento se deu no início e ao final de um ano.

Antes do início da terapia, o teste eletromiográfico mostrou os pacientes do grupo A com aumento de atividade do Temporal e o Masseter hipotônico. No grupo B isto se deu mais marcadamente, ocorrendo uma maior atividade dos Temporais em relação aos Masseteres.

No teste com o knesiógrafo os pacientes mostraram problemas verticais com uma importante perda de espaço livre interoclusal no grupo B.

A rinomanometria mostrou pacientes com pouca obstrução nasal. Foram constatados problemas de natureza inflamatória.

RESULTADOS 1

De uma forma geral, a terapêutica diminuiu o ângulo ANB em 1,5 graus.

No grupo A, a mordida aberta foi diminuída assim como no grupo B notou-se melhora na mordida profunda. Entretanto as mudanças dentoesqueletais foram mais sentidas no grupo A.

Os padrões musculares de ambos os grupos se normalizaram, aumentando a resposta elétrica dos Masseteres.

O exame com o knesiógrafo mostrou normalização vertical, inclusive com a recuperação do espaço livre interoclusal do grupo B.

A rinomanometria não mostrou melhoras importantes. Ainda havia presença de respostas inflamatórias e histórias de episódios inflamatórios do trato respiratório.

Por fim o artigo conclui que a terapia com o aparelho durante um ano provocou:

1)Normalização das funções musculares em ambos os grupos, além de melhorar os padrões de deglutição e controle do bruxismo;

2) Ocorreu evidente redução da mordida aberta e alinhamento dentários. Entretanto,comparando-se os grupos A e B , os pacientes do grupo B tiveram desempenho pior;

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3) Houve um modesto resultado no níveis esqueléticos com repostas moderadas nas leituras de mudança cefalométrica;

4) O correu uma melhora postural corpórea em todas as crianças;

5) Houve aumento da distância intercanino e intermolar.

Um ano antes da publicação de Quadrelli, Oliveira Junior e equipe iniciaram um ensaio clínico com 67 pacientes. Eram pacientes entre 7 e 10 anos que usaram os aparelhos dentro do protocolo proposto pelo fabricante e deles foram feitas telerradiografias laterais no inicio e ao final de um ano. Sobre as teles foram traçados celalogramas e medidas as dimensões Co-A; ENA-Me e Co-Gn.

RESULTADOS 2

A grandeza Co-Gn revelou uma diferença estatísticamente significante (ao

nível de p > 0,05) para os meninos (p= 0,005) e não significante na comparação do grupo das meninas (p= 0,514).O mesmo ocorreu na avaliação da grandeza Co-A para a qual o teste mostrou crescimento significativo na análise do grupo masculino (p = 0,028) e nenhuma significância no grupo das meninas (p = 0,349). Já para a dimensão ENA-Me houve crescimento em ambos os grupos. Tanto no grupo dos meninos (p = 0,001) quanto no das meninas (p = 0,002) houve um crescimento com diferenças suportadas estatisticamente.

O trabalho teve sua conclusão em 2003 passando neste mesmo ano às publicações e apresentações dos seus resultados 15,16,17 .

De uma forma geral, da experiência no ensaio clínico com 67 pacientes pode-se concluir:

O uso dos aparelhos dentro do protocolo e indicação condizente pode promover crescimento mandibular e restrição do crescimento maxilar em pacientes jovens;

Seu uso por parte do profissional é de baixa complexidade em todos os sentidos;

A qualidade mais surpreendente foi observada na capacidade de aumentar a mordida em uma idade em que a abordagem com aparelhos fixos pode não ser a melhor opção. Além disto, pode-se conseguir alinhamento em velocidades satisfatórias.

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ESTUDO DE CASO

Não sendo nosso interesse cansar o leitor nesta abordagem inicial (estamos preparando um livro exclusivo para o tema), apresentaremos três casos de pacientes classificados nos três grandes tipos faciais, demonstrando as possibilidades do aparelho.

Caso 1: GCN - Paciente do gênero masculino, mesofacial, com oito anos no início do tratamento e participante de uma pesquisa envolvendo os Trainers–T4k. Como problema ortodôntico apresentava desvio de linha média, mordida profunda, elementos dentários desalinhados e classificado como I de Angle (Fig.7a). A cefalometria simplificada exibiu os resultados dispostos na Tabela 1.

Ao paciente foi proposto utilizar o aparelho pelo menos uma hora por dia acordado e sempre à noite, ao dormir.

Após um ano de uso do aparelho, o paciente passou a exibir uma melhora da mordida profunda e elementos dentários mais alinhados (Fig.7b) Houve uma restrição do crescimento da maxila clinicamente notada e cefalometricamente confirmada (Co-A inicial=93,97 e final=93,57).

Fig.7a - Caso 1 em tomadas fotográficas iniciais. Fig.7b - Caso 1 após um ano.

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Caso 2: AB - Paciente do gênero masculino, dólicofacial com nove anos no início do tratamento e também participante do mesmo ensaio clínico. Como problema ortodôntico apresentava biprotusão exagerada, mordida profunda, desvio de linha média e maloclusão conceituada como classe I de Angle (Fig.8a). Os dados cefalométricos no inicio do tratamento são os apresentados na Tabela 1. Ao paciente foi proposto o mesmo protocolo do caso anterior.

Após o período de observação, o paciente passou a exibir uma melhora da mordida profunda, elementos dentários mais alinhados (Fig. 8b) além de uma melhora clínica significativa do tônus muscular. Cefalometricamente a medida de Co-A não acompanhou os resultados positivos mostrando nenhum efeito restritivo do crescimento da sua maxila (Tab.1).

Fig.8a - Caso 2, apresentação inicial. Fig.8b - Caso 2 após uso do aparelho durante um ano.

Caso 3: JBR - Paciente do gênero masculino, Braquifacial, compareceu à clinica de Ortodontia com nove anos e uma solicitação de corrigir “seus dentes para frente”. Como problema ortodôntico apresentava distoclusão severa, mordida profunda, elementos dentários desalinhados, incisivos projetados e funcionalmente deglutição atípica e interposição de lábio na deglutição. Portanto, um paciente classificado como classe II de Angle (Fig. 9a). A cefalometria de interesse para esta apresentação exibiu os resultados dispostos na Tab.1.

Ao paciente foi igualmente proposto utilizar o aparelho pelo menos uma hora por dia acordado e sempre à noite, ao dormir.

Após o período de observação, o paciente passou a exibir uma melhora clínica da distoclusão e dentes anteriores em franca desinclinação (diminuiu 2.40). A mordida iniciou um movimento de abertura (ENA-Me passou a 3.04mm onde deveria ter aumentado 1.4 mm) e os elementos dentários melhoraram suas posições (Fig.

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9b). De uma forma geral, as mudanças clínicas corresponderam às respostas cefalométricas descritas na Tab.1.

Fig.9a - Registro fotográfico do caso 3 no início da terapêutica. Fig.9b - Caso 3 após um ano.

DISCUSSÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Na tabela 1, o raciocínio de ‘medida esperada’ foi retirado do Atlas de Desenvolvimento Craniofacial 18. Lá, eles tomaram radiografias anuais dos paciente. Portanto, ‘medida esperada’ é o incremento natural de uma idade para outra.

Assim, posto que os casos conformam uma boa amostra da prevalência na Clínica Ortodôntica, apesar de não estarem concluídos (Fig. 13a e 13b) o aparelho parece demonstrar bom rendimento nos diversos tipos faciais.

Figuras 13a e 13 b- Telerradiografias de um caso clássico de Classe II. Fig.13a - Note a vestibularização dos incisivos, mordida profunda, retrusão mandibular e posição

atípica da coluna vertebral para compensar o desequilíbrio corporal. Fig.13b -Breve período de uso do aparelho realizando uma reprogramação da musculatura. Na

indicação correta, o organismo responderá com remodelação facial.

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Somente no paciente número dois é que a grandeza Co-A apresentou uma resposta que não condisse com o desempenho geral do equipamento. A medida inicial de 89.56 mm passou a 95.56 mm. Isto implicou em um aumento de 3.66mm onde se esperava 1.5 mm.

OS TRAINERS: ORIGEM, FUNCIONAMENTO, PROTOCOLO DE USO, INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

OS TRAINERS COMO APARELHOS ORTOPÉDICOS

Sendo um aparelho desta família, todo o exposto sobre a origem da Ortopedia é válido para os trainers. Para o funcionamento, apesar de pequenas diferenças, pode-se dizer que eles atuam como a maioria dos ortopédicos: fundamentalmente projetando a mandíbula para a chamada mordida construtiva20 e promovendo uma fisioterapia daquela musculatura que deveria estar sendo estimulada naturalmente(fig 10a e 10b).

Fig. 10a e 10b - Mordida Construtiva. 10a Paciente com distoclusão em repouso.

10b Paciente com o aparelho em mordida construtiva.

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Na maioria dos aparelhos ortopédicos, por serem fabricados sob medida para um determinado paciente, esse avanço mandibular é planejado e pode ser programado para acontecer em etapas. No caso dos Trainers, o avanço é obrigatoriamente total pois ele e pré-frabricado. Isto é, ele tem um tamanho único e está dimensionado para pacientes que tenham entre 7 e 10 anos. Assim, estabelecida a mordida construtiva para o caso, além de proporcionar uma retomada do crescimento explicado pela teoria do servo-sistema de Petrovic, ela geraria ainda a anulação da memória nocioceptiva. Para ROSSI 20 este efeito se dá pelo fato desta nova posição livrar os dentes posteriores da oclusão e anular a memória dos contatos prematuros que levam a formação de reflexos como mastigação unilateral e perda da relação cêntrica durante a máxima intercuspidaçao. Esta situação provocaria um rápido retorno à relação cêntrica e movimentos mandibulares isentos de contatos nocivos. Para ele, isto explicaria o fato do sintoma doloroso da ATM desaparecer imediatamente após a colocação de um aparelho ortopédico.

Ainda fruto desta nova postura da mandíbula, o espaço funcional oral é reabilitado e a língua também se adianta. Isto permite uma modificação positiva do baricentro da língua e mandíbula e, por conseguinte de todo o corpo. O selamento labial permitido por esta estratégia provoca um exercício da respiração nasal e uma pressão negativa no interior da cavidade oral.

Além disto, desde Andresen em 1936, os aparelhos ortopédicos são caracterizados por atuarem livres na boca 21. Sejam eles rígidos ou elásticos, é uma questão conceitual sua condição de “ser passivo e agir unicamente pela atividade muscular do sistema mastigatório” 22. Isto provocaria a ativação da musculatura e do suprimento sangüíneo bem como a reeducação da deglutição pois a manutenção do aparelho em posição é dada pela língua nos aparelhos convencionais.

Neste particular, nos Trainers a língua recebe tratamento especial. Existe uma “haste” que orienta o paciente a sempre posicioná-la em um determinado ponto que é coincidente com a região em que ela deverá se posicionar em repouso fisiológico (Fig. 11). Além disto, a anatomia do equipamento retira a língua da base da boca e a coloca suspensa, em uma posição fisioterápica (fig.12).

Outra situação diversa encontrada neste aparelho e distintas da maioria da família dos ortopédicos é o dispositivo contra a hiperatividade do músculo mentoniano. Na região do mento existe uma área rugosa que serve como um “bumper labial” inibindo a função deletéria deste músculo.

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Fig.11- O paciente deve pressionar a haste própria para a língua durante uma hora por dia.

Fig.12 -Vista postero-anterior do paciente com o aparelho . Note que por esta terapia, o indivíduo não consegue posicionar a língua rebaixada e retruída. Além disto, os dentes ficam livres

para se reposicionarem.

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OS TRAINERS COMO POSICINADORES Na literatura existem pelo menos dois equipamentos denominados

posicionadores. Um deles, que talvez tenha em KESLING 23 o seu precursor, é tido como um posicionador de dentes e ou contenção em tratamentos ortodônticos. Neste caso, após a retirada do aparelho fixo, é confeccionado um set-up em modelo de gesso corrigindo-se as imperfeições ainda encontradas. O uso do posicionador concluiria o tratamento e após isto, se comportaria como uma contenção. Sob esta perspectiva, ANDERSEN & SCHRAMM 24 (1976), LEW 25 (1989) e RAKOSI et al. 26 (1981) exemplificam os reestudos e atualizações daquela concepção de KESLING 23.

Já no entendimento de LOU 27, os posicionadores têm uma perspectiva ortopédica e “não são daqueles tipos tradicionais, com fios de aço e ativados a todo tempo para produzir movimentos. Os posicionadores são um tipo de aparelho feito de material elástico, usados em vários tipos de maloclusão, principalmente naqueles de pouca complexidade”. Além da efetividade e simplicidade deste tipo de aparelho, o mesmo LOU aponta-nos que ele é indicado para pacientes que por dificuldades de locomoção não podem vir à clínica regularmente. Uma preocupação importante para aquele país (China), mas que parece servir bem a um outro que guarda regiões como a do pantanal mato-grossense e a amazônica em seu território.

E é com esse entendimento, de ser um aparelho elástico indicado especialmente para intervenções precoces, que os posicionadores estão se firmando como um capítulo à parte na Ortodontia e Ortopedia. Tanto que JANSON et al 28, descrevendo as possibilidades técnicas de um tratamento da sobremordida, elencou os fixos, removíveis ou funcionais e os posicionadores.

O primeiro posicionador pré-fabricado foi desenhado por Bergersen em 1967, e por ele denominado “Eruption guidance appliance”, conforme afirmação de JANSON et al.28. Estes aparelhos funcionam também como um equipamento ortopédico e mioterápico pois na verdade o seu uso são exercícios miofuncionais necessitando na maior parte entre 3 e 4 horas de uso diário 29.

Assim, como Guias de Erupção, o aparelho funciona exercendo leve pressão nos dentes que estejam ou não em erupção. Isto ajuda no seu alinhamento e reposicionamento. O fato de existir um pista que eleve a mordida, faz com que os dentes posteriores se desinclinem e erupcionem plenamente.

PROTOCOLO DE USO

O protocolo de uso é bastante fácil de se executar, podendo assim ser descrito:

Serão dois aparelhos, usados em duas fases distintas, mas que têm formatos semelhantes. O primeiro é mais flexível e permite algum grau de respiração bucal. Já o aparelho da segunda fase, além de ser mais rígido, impede totalmente a respiração bucal. A primeira fase durará por volta de seis meses e servirá para iniciar o paciente no tratamento, acostumando-o com o selamento labial, respiração nasal e posicionamento correto da língua. O segundo virá logo depois. Mais rígido e sem os furos para respiração bucal existente no aparelho da fase I, agora o paciente

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começará a definir o resultado do tratamento. A segunda fase irá até onde foi o planejado pelo profissional. Caso tenha sido proposto finalizar o caso e deixar o aparelho como contenção, provavelmente seja necessário mais 18 meses e contenção adicional. Caso seja um caso em que se deseja somente os efeitos mioterápicos para iniciar uma terapia fixa, pode-se pensar em prolongar por mais 6 a 8 meses, completando aproximadamente um ano de tratamento.

Além disto, podemos enumerar o seguinte:

É fundamental que o próprio paciente coloque em si o aparelho já na primeira consulta de instalação. Isto demonstra a facilidade de apropriação que o paciente terá em relação ao aparelho e ao tratamento;

Ao paciente deverá ser orientado que use no mínimo por uma hora acordado e sempre ao dormir;

Deve-se alertar o paciente para a possibilidade de haver o desenvolvimento no início do tratamento de um certo bruxismo. Isto deverá ser controlado, pois o hábito será nocivo ao aparelho e, conseqüentemente , ao tratamento.

A proposta formulada pelo fabricante 30 consiste no uso diário ao dormir e pelo período de uma hora ao estar acordado. Quando acordado o paciente deverá usar o aparelho com os lábios cerrados e com a ponta da língua pressionando ligeiramente o suporte próprio para isto.

Apesar de não haver qualquer consideração por parte do fabricante, conhecendo os mecanismos de atuação dos aparelhos ortopédicos e os fenômenos do crescimento e da modelação facial, sabemos da necessidade da individualização.

Pela importância para uma terapêutica que um estudo com uma quantidade significativa de pacientes possa ter, atualmente estamos realizando um ensaio clínico com 300 crianças. Os seus resultados aprofundarão este entendimento e definirão o melhor protocolo para cada grupo de problemas. Entretanto, não dispondo ainda destas informações mais detalhadas, em artigo ainda não publicado demonstrou-se que os melhores resultados foram de pacientes que usaram em média 1,36 horas por dia. Nestas condições, as mudanças podem ser percebidas em 80 por cento dos pais e pacientes, a partir dos três primeiros meses.

INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

Pelo fabricante 30 o aparelho esta indicado para apinhamento anterior, pacientes com classe II divisão 1 e 2, mordida aberta anterior, mordida profunda, classe III incipiente, deglutição atípica e hábitos orais. Ao contrário, estariam contra-indicados a pacientes pouco colaboradores, mordida cruzada posterior, Classe III severas e pacientes com obstruções nasais. Entretanto, a experiência derivada das pesquisas e a observação clínica advinda da prática, nos impõe antes de mais nada uma reflexão acerca do fundamental ítem na escolha de qualquer equipamento ortopédico: o diagnóstico e plano de tratamento no contexto psico - social.

Independente do biotipo, fase de crescimento, leituras cefalométricas, enfim independentemente da indicação biológica é fundamental uma anamnese social. Saber o porque subjetivo do tratamento, em que tipo de família está o paciente que

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o receberá e, principalmente, detectar o nível de autoridade exercida pelos pais naquela relação, tudo isto é fundamental para o sucesso do trabalho. Iniciar uma terapia biologicamente pertinente, mas que não foram as próprias crianças que as solicitaram, numa família em que, por exemplo, o pai e a mãe são ausentes e as crianças são cuidadas por avós permissivos, com certeza haverá risco no tratamento.

Não sem antes destacar que a literatura nos deve uma abordagem mais freqüente e fundamentada na questão da subjetividade no uso dos aparelhos ortodônticos e ortopédicos, podemos dizer que com ela resolvida, os Trainers podem ser propostos e terão desempenho positivo em pacientes com mordidas profundas e abertas. Como a reordenação muscular se dá em estruturas que necessariamente não estão em crescimento, a fase de crescimento em que o paciente se encontra é importante mas não definitiva na indicação da terapêutica.

Além disto, pode-se indicar o uso deste aparelho combinado com um programa de extração programada em pacientes com falta de espaço e em pacientes com distoclusão com ou sem a associação de pistas diretas, conforme demonstrado por OLIVEIRA JUNIOR 31 . Entretanto, sendo necessário realizar a mordida construtiva em etapas, como em pacientes com classe II de grande expressão, o uso do aparelho está desaconselhado.

Nos trabalhos de pesquisa, o aparelho não se comportou bem nas mordidas cruzadas e tampouco em qualquer nível de classe III de Angle. O ideal nestes casos e descruzar longitudinalmente ou transversalmente com outra técnica e , dependendo do caso, conter com os Trainers.

CONCLUSÃO

Às vezes por óbvio, uma idéia perde sua força. - Um tratamento precariamente planejado e realizado por um profissional não iniciado na técnica, quer seja ele Ortodôntico ou ortopédico será nefasto para o paciente. O protocolo simples de uso destes aparelhos não pode servir àqueles sem preparo e treino suficiente. A Ortopedia pode aparentemente prescindir de grandes tecnologias, mas tem uma dependência vital de uma outra, silenciosa e invisível: o conhecimento.

A literatura é farta, antiga e hoje a Ortopedia Funcional dos Maxilares é uma especialidade. Atualmente a discussão é dogmática e superficial. Com as evidências atuais, ninguém pode achar que uma informação genética guie, do começo ao fim da vida, sem atropelos ou influências a anatomia de um osso. Peca também o adepto da Teoria Funcional não percebendo que ao tomar a Dialética como categoria fundamental de sua tese, Moss obrigatoriamente abrigou a informação genética como mais uma “matriz.”

Uma fundamental questão e que deveria reunir ortopedistas e ortodontista é quanto à qualidade da pesquisa. Existe uma possibilidade concreta de estarmos discutindo sobre bases falsas. “Seria correto se todos os artigos publicados fossem cientificamente saudáveis, mas, infelizmente, o padrão de pesquisa deixa muito a desejar principalmente do ponto de vista estatístico. Exemplos de desenhos de pesquisas abaixo da qualidade mínima podem ser vistos em quase todos os temas de qualquer revista”32. Um movimento amplo com intervenções concretas na

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mudança deste panorama seria sentida positivamente, inclusive colocando a atual discussão em outro nível.

Com a questão científica resolvida, nos restaria a ético-moral para a qual o melhor seja o epíteto de Voltaire: eu posso discordar de tudo que você diga, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las.

REFERÊNCIAS

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