os socalcos

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Paisagens de Socalcos e Riscos Naturais em Vales do Rio Alva 39 1. Os Socalcos Numa primeira fase de trabalho, o estudo permitiu delimitar a área de socalcos através da foto-interpretação das fotografias aéreas correspondentes aos anos de 1958 e 2004. Comparando os dois momentos, esta análise permitiu identificar a evolução da área ocupada pelos campos em socalcos. Assim, dos 143,4 km 2 , de área actualmente ocupada pelas seis bacias hidrográficas, cerca de 13% (18,4 km 2 ) referem-se a campos em socalcos, independentemente, do seu estado de conservação, uso agrícola e fisionomia vegetal actuais (QUADRO V). QUADRO V: Área total ocupada por socalcos, por bacia hidrográfica. Analisando cada uma das bacias hidrográficas, verifica-se que, regra geral, às maiores bacias, correspondem maiores áreas ocupadas por campos em socalcos, no entanto, o mesmo não se aplica quando se trata de taxas de ocupação. Com efeito, a bacia da ribeira de Aldeia das Dez, a mais pequena do conjunto, com apenas 5,5 km 2 de superfície, totaliza 2,1 km 2 de campos em socalcos, o que lhe confere uma taxa de ocupação de 38,2%. Por outro lado, apesar da bacia da ribeira de Loriga totalizar cerca de 20 % de toda a área socalcada (3,8 km 2 ), em virtude da sua dimensão, a taxa de ocupação é de apenas 9%, destacando-se os campos em redor da sede de freguesia de Loriga, que, para além de serem extensos, se encontram em bom estado de conservação. As linhas de água que drenam as bacias hidrográficas desempenharam um papel estruturante na organização destes territórios, já que a construção de socalcos em áreas de elevado declive, facilitou a fixação da população em locais que à partida se caracterizariam como repulsivos (FODESMA, 1997). De um modo geral, os socalcos localizam-se, preferencialmente, nas vertentes com declives que variam entre 20% e 50%, logo seguidas por uma considerável área com declives superiores a 50% (fig. 13).

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Paisagens de Socalcos e Riscos Naturais em Vales do Rio Alva 39

1. Os Socalcos

Numa primeira fase de trabalho, o estudo permitiu delimitar a área de socalcosatravés da foto-interpretação das fotografias aéreas correspondentes aos anosde 1958 e 2004. Comparando os dois momentos, esta análise permitiu identificara evolução da área ocupada pelos campos em socalcos.

Assim, dos 143,4 km2, de área actualmente ocupada pelas seis baciashidrográficas, cerca de 13% (18,4 km2) referem-se a campos em socalcos,independentemente, do seu estado de conservação, uso agrícola e fisionomia vegetalactuais (QUADRO V).

QUADRO V: Área total ocupada por socalcos, por bacia hidrográfica.

Analisando cada uma das bacias hidrográficas, verifica-se que, regra geral, àsmaiores bacias, correspondem maiores áreas ocupadas por campos em socalcos,no entanto, o mesmo não se aplica quando se trata de taxas de ocupação.

Com efeito, a bacia da ribeira de Aldeia das Dez, a mais pequena do conjunto,com apenas 5,5 km2 de superfície, totaliza 2,1 km2 de campos em socalcos, o quelhe confere uma taxa de ocupação de 38,2%.

Por outro lado, apesar da bacia da ribeira de Loriga totalizar cerca de 20 %de toda a área socalcada (3,8 km2), em virtude da sua dimensão, a taxa deocupação é de apenas 9%, destacando-se os campos em redor da sede de freguesiade Loriga, que, para além de serem extensos, se encontram em bom estado deconservação.

As linhas de água que drenam as bacias hidrográficas desempenharam umpapel estruturante na organização destes territórios, já que a construção de socalcosem áreas de elevado declive, facilitou a fixação da população em locais que àpartida se caracterizariam como repulsivos (FODESMA, 1997).

De um modo geral, os socalcos localizam-se, preferencialmente, nas vertentescom declives que variam entre 20% e 50%, logo seguidas por uma considerávelárea com declives superiores a 50% (fig. 13).

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Luciano Lourenço (Coord.)40

Os acentuados declives das bacias não permitiram ao homem outra alternativapara praticar uma agricultura de subsistência que não fosse a construção de camposem socalcos, o que acaba por ser um bom exemplo de adaptação do homemao meio (fot. 14).

Com efeito, a distribuição espacial dos socalcos, não apresenta um carácteraleatório, mas é sim o resultado de uma simbiose entre as características físicas(declive, litologia, modelado, hidrologia, ...) e as características humanas (tipo depropriedade, presença de estruturas edificadas, habitacionais, ...).

Fig. 13: Área de campos em socalcos, porclasse de declive da vertente.

Fot. 14: Campos em socalcos construídosem vertente de elevado declive.

Por exemplo, as áreas de meandros são particularmente favoráveis a essasconstruções e, desde cedo, foram alvo de uma intensa exploração agrícola, aqual contribuiu para a manutenção das formas aplanadas e para o aparecimentodas aldeias (LOURENÇO, 1996). Estas áreas são facilmente transformadas em solosagrícolas e sem dificuldades de rega.

A superfície ocupada por socalcos traduz, desde logo, uma disposição linear,acompanhando o percurso das linhas de água e, sobretudo, concentra-se emvolta dos aglomerados populacionais. Efectivamente, as áreas ocupadas porsocalcos, encontram-se, em grande parte, em redor das povoações.

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Na verdade, é nos núcleos populacionais que se assiste a um maioraproveitamento dos socalcos para as culturas de regadio e sequeiro, sendotambém muito significativas as culturas do olival e da vinha, que ocupam núcleosesparsos, mas consideráveis (fot. 15).

Contudo, o abandono das práticas agrícolas tradicionais, coincidente com oêxodo rural, cujo marco histórico se acentuou na segunda metade do séc. XX,teve um conjunto de consequências que resultaram numa complexa transformaçãoda paisagem (LOURENÇO, 1996).

Fot. 15: Núcleo populacional rodeado por campos em socalcos, Soito da Ruiva.

Desde logo, os processos de repovoamento espontâneo da vegetaçãoganharam importância, bem como o desencadeamento de um conjunto deprocessos erosivos com impactes significativos no território. Neste caso, a presençade socalcos torna-se fundamental como factor controlador desta dinâmica devertentes, numa acção antierosiva, não apenas como resposta ao regime hídricotorrencial, mas também como forma de adaptação às característicasgeomorfológicas da área.

Por isso, também os elementos humanos devem ser tidos em consideraçãona hora de se interpretarem os efeitos erosivos sobre o espaço cultivado,designadamente as intervenções efectuadas ou que deixaram de se fazer (LOURENÇO,2004), o tipo de culturas existentes, as técnicas de cultivo, a altura em que se deuo abandono, o grau de repovoamento florestal, etc.

Para além de inventariar a área ocupada por socalcos (fig. 14), o presentetrabalho visa também a sua classificação consoante a estrutura, o estado deconservação, a fisionomia vegetal e o uso agrícola actual, aspectos que sedesenvolvem a seguir.

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Luciano Lourenço (Coord.)42

Fig.

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1.1. Estrutura

Para o estudo da estrutura dos campos em socalcos considerou-se todauma série de elementos construtivos, tanto dos socalcos como do patrimónioadjacente. A inventariação deste património permitiu identificar diversos tiposde disposição estrutural e remate dos muros, bem como diversos tipos deaparelhamento da pedra.

1.1.1. Disposição estrutural dos campos em socalcos

Na metodologia adoptada foram considerados vários tipos, seguindo umcritério de orientação dos muros dos socalcos em relação à disposição das vertentese às linhas de água. Assim definiram-se as seguintes configurações:

Paralela contínua: os muros dispõem-se em linhas paralelas de formacontínua, que variam, habitualmente, em função da morfologia do terreno, e dasnecessidades de artificialização (fot. 16).

Paralela descontínua: os muros dispõem-se de forma paralela, no entanto,existe uma ruptura que serve de ligação ao socalco adjacente, funcionando comorampa (fot. 17). É um sistema que facilita a comunicação entre os patamares,sem necessidade de construção de outras estruturas de acesso, como por exemplo,as escadarias.

Paralela de «fundo de vale»: os muros dispõem-se de forma paralela àribeira, aproveitando as áreas mais planas e próximas da linha de água. Por norma,esta disposição apresenta poucos patamares, já que aparecem em áreas de muitodifícil acesso, com declives elevadíssimos (fot. 18).

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Luciano Lourenço (Coord.)44

Concêntrica convexa: os muros dos socalcos distribuem-se comosucessivos arcos. Esta disposição encontra-se relacionada com a morfologia doterreno, nomeadamente em vertentes com declives muito pronunciados e que,por isso, condicionam a geometria (fot. 19).

Fot. 16: Disposição paralela dos muros de suporte, Loriga.

Fot. 17: Disposição paralela descontínua,Loriga.

Fot. 18: Paralela de «fundo de vale», naestrada Vide - Piódão.

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Fot. 19: Disposição concêntrica convexa,Torno.

Fot. 20: Disposição concêntrica côncava,Chão Sobral.

Concêntrica côncava: normalmente surge para aproveitamento dascabeceiras de pequenas ribeiras, permitindo uma clara adaptação às condiçõesdo terreno (fot. 20).

Radial: os socalcos têm uma disposição circular e são atravessadosperpendicularmente por muros radiais que dividem culturas ou propriedades,ou conduzem levadas e outros sistemas de aproveitamento hídrico (fot. 21).

Ortogonal: os socalcos desenvolvem-se no fundo do vale,perpendicularmente às vertentes (fot. 22).

A partir da inventariação realizada nas deferentes áreas-amostra, foi possíveldeterminar os tipos de estruturas existentes em cada uma delas.

Deste modo, na área-amostra do Colcurinho, na bacia hidrográfica da ribeirado Avelar, verificam-se os três tipos de disposição paralela descritos e a disposiçãoconcêntrica côncava. No Cimo da Ribeira, bacia hidrográfica da ribeira de Aldeiadas Dez, os socalcos são muito largos, permitindo amplos espaços agrícolas.Aqui, a disposição mais comum é a paralela contínua, seguida da paraleladescontínua.

Na área-amostra de Alentejo, bacia hidrográfica da ribeira do Rio de Mel,contam-se as disposições paralela contínua, paralela de «fundo de vale» econcêntrica convexa.

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Na bacia hidrográfica da ribeira de Loriga, localizam-se duas áreas-amostra.Em Loriga, propriamente dita, a disposição estrutural mais comum é a paralelacontínua. Seguem-se-lhe a paralela descontínua e a concêntrica convexa. NaCabeça, é habitual observar-se a disposição paralela contínua e a concêntricaconvexa, acompanhadas, em menor área, pelas paralelas de «fundo de vale» eradial. Esta última disposição, muito singular, encontra-se, quase exclusivamente,na Várzea, em frente ao lugar da Cabeça.

Na área-amostra do Porto Silvado, na bacia hidrográfica da ribeira dePomares, encontram-se os três tipos de disposição paralela, mas a paralela contínuaé a disposição mais comum, seguida pela descontínua. Os muros dos socalcosnão exibem um traçado rectilíneo, apresentando-se, pelo contrário, algo irregulares,resultado da morfologia do terreno. Verificou-se também a presença da disposiçãoconcêntrica convexa. Esta área-amostra foi a única onde se observou a disposiçãoortogonal. No Piódão, a disposição que mais se evidencia é a paralela contínua,mas são também vulgares as paralelas descontínua e de «fundo de vale».

Os muros paralelos assumem formas rectilíneas e circulares, conforme aadaptação à morfologia do terreno e às linhas de água. A disposição concêntricacôncava pode ser encontrada em alguns casos ao longo desta área-amostra.

Fot. 22: Disposição ortagonal, Porto Silvado.Fot. 21: Disposição radial, Cabeça.

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1.1.2. Tipo de aparelhamento

O tipo de aparelhamento da pedra constituinte dos muros foi também alvode estudo e adoptou as seguintes designações:

Sem aparelhamento ou irregular: neste tipo de construção não se notaque a pedra tenha sido talhada, sendo colocada de forma rude e pouco cuidada (fot. 23).

Com pouco aparelhamento ou entrecruzado: a sua construção evidenciaalgum cuidado no corte e escolha da pedra, mas o resultado final é, ainda, ummuro muito irregular (fot. 24).

Fot. 23: Muro sem aparelhamento ouirregular, Aldeia das Dez.

Fot. 24: Muro com pouco aparelhamentoou entrecruzado, Colcurinho.

Com algum aparelhamento: as pedras que constituem os muros estãomais trabalhadas, encaixando umas nas outras com bastante precisão, masdeixando alguns interstícios entre os blocos constituintes (fot. 25).

Poligonal: as pedras que constituem os muros estão esculpidas com formasmuito regulares, normalmente em ângulos rectos, oferecendo um encaixe quaseperfeito entre os blocos constituintes (fot. 26).

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Na área-amostra do Colcurinho foram inventariados muros semaparelhamento, com pouco aparelhamento e com aparelhamento. No Cimo daRibeira, além destes encontraram-se ainda muros poligonais. Já na área-amostrado Alentejo, verificaram-se apenas muros com pouco aparelhamento e muroscom algum aparelhamento.

Na área-amostra de Loriga, constatou-se a presença de muros com poucoaparelhamento e com algum aparelhamento. A degradação dos muros começaa ser acentuada, com algum avanço em determinados sectores e desmoronamentosde grandes dimensões. As pedras que constituem os muros são de dimensõesmuito variadas. Nos interstícios, os muros encontram-se preenchidos com muitavegetação. No fundo das vertentes, os muros atingem alturas de 4-5 m.

Na área-amostra da Cabeça, o que o estudo revelou, é que são habituais osmuros sem aparelhamento, com pouco aparelhamento e com algumaparelhamento. Existem muitas áreas abandonadas, o que leva a que os muros seencontrem em grande parte em mau estado ou destruídos. São muros na suamaioria largamente ocupados por vegetação e com avanços significativos quelevam a posteriores desmoronamentos.

Na área-amostra de Porto Silvado, constatou-se a presença de muros semaparelhamento, com pouco aparelhamento e com algum aparelhamento.

No Piódão são habituais os muros com pouco aparelhamento e muroscom algum aparelhamento.

Fot. 25: Muro com algum aparelhamento ,Teixeira de Cima.

Fot. 26: Muro com aparelhamentopoligonal, Colcurinho.

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1.1.3. Remate dos muros

O tipo de remate superior do muro, foi outra das componentes de observaçãotendo-se registado os seguintes tipos:

Remate nivelado: o remate do muro é feito de forma nivelada, através deblocos mais ou menos rectangulares, dispostos longitudinalmente, não criandodesnível entre o solo e o remate do muro (fot. 27).

Remate sobrelevado: o remate do muro é feito de forma irregular compedras pouco aparelhadas, acima do nível do solo. Resulta da necessidade deelevar mais a berma do muro para evitar a perda de solo (fot. 28)

Remate sobrelevado com laje oblíqua: o remate do muro é feito comuma laje em forma de lâmina, inserida de forma oblíqua, formando uma pequenarampa que impede os sedimentos de serem transportados para o patamar inferior (fot. 29).

Remate sobrelevado com laje perpendicular: o remate do muro é feitoatravés da colocação de lajes de xisto, perpedicularmente às que lhe estãosubjacentes. Encontram-se, frequentemente, nos muros de separação depropriedade (fot. 30).

Na bacia hidrográfica da ribeira do Avelar, mais propriamente na área-amostra do Colcurinho, foram verificados os três tipos de remate. Nas áreas-amostra das bacias hidrográficas das ribeiras de Aldeia das Dez e do Rio de Mel,verificaram-se apenas os remates sobrelevado e sobrelevado com laje oblíqua.

Na área-amostra de Loriga verifica-se que, apenas estão presentes rematesnivelados e sobrelevados, enquanto que na área-amostra da Cabeça encontramos,além, dos dois primeiros, muros com remate sobrelevado de laje oblíqua, umasituação mais comum nas áreas com presença de rochas xistosas.

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Fot. 30: Remate sobrelevado com lajeperpendicular, Cabeça.

Fot. 29: Muro com remate sobreelevado delaje oblíqua, Porto Silvado.

Fot. 27: Muro com remate nivelado, Cimoda Ribeira.

Fot. 28: Muro com remate sobreelevado,Colcurinho.

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Na bacia hidrográfica da ribeira de Pomares, mais propriamente naárea-amostra de Porto Silvado, existem os três tipos de remate de muros antesdefinidos, ao passo que na do Piódão encontramos apenas muros com rematenivelado e sobrelevado.

1.1.4. Acesso aos socalcos

Os acessos entre os socalcos fazem-se a partir de escadarias ou rampas. Asescadarias são as estruturas mais vulgares e foram estabelecidos vários tipos:

Paralela de laje simétrica: a escadaria é paralela ao muro e as lajes queservem de degrau são todas do mesmo tamanho, dando uma grande sensaçãode simetria, oferecendo uma visão muito aprazível de espaço organizado.Salienta-se outro pormenor, que é o do aproveitamento das mudanças dedirecção do muro para a instalar (fot. 31).

Paralela de laje destacada: a escadaria é paralela ao muro, mas o degrau éfeito com lajes relativamente estreitas, destacadas do muro e suspensas (fot. 32).

Embutida: a escada encontra-se totalmente inserida dentro do muro, sendoperpendicular ao mesmo (fot. 33).

Fot. 31: Escadaria de laje simétrica, Cimoda Ribeira.

Fot. 32: Escadaria de laje destacada,próximo do Piódão.

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Fot. 33: Escadaria embutida,Aldeia das Dez.

Fot. 34: Escadaria paralela e embutida,Aldeia das Dez.

Fot. 35: Escadaria oblíqua, Cabeça. Fot. 36: Escadaria esculpida, Aldeia das Dez.

Paralela e embutida: a escada é, na fase inicial, paralela ao muro e, sensivelmentea meio do muro, passa a perpendicular, sendo embutida neste (fot. 34).

Oblíqua: a escadaria inicia-se no topo do muro, assumindo, no entanto,uma direcção obliqua, relativamente ao mesmo (fot. 35).

Esculpida na rocha: a escadaria é esculpida na rocha in situ. Degraus relativamentebaixos, dando origem a uma escadaria com menor inclinação (fot. 36).

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Na área-amostra do Colcurinho deparamo-nos com escadarias paralelasde laje simétrica, de laje destacada, embutida, e paralela e embutida. Para aárea-amostra do Cimo da Ribeira encontraram-se escadarias paralelas de lajesimétrica, embutida, paralela e embutida e ainda esculpida na pedra. Na área-amostra do Alentejo, identificaram-se os três tipos de escadarias paralelas.

Na área-amostra de Loriga, o tipo de escadarias que podemos observar naconfrontação com o terreno, correspondem às paralela de laje simétrica eesculpida na pedra, aproveitando ao máximo a rocha existente. No primeirocaso, a simetria nem sempre é muito visível dada a degradação que muitos murosapresentam. Na Cabeça, encontram-se escadarias de três tipos: paralela de lajesimétrica, paralela de laje destacada e oblíqua. Grande parte dos muros são baixose não apresentam escadarias de ligação entre os socalcos. Quando existem sãofeitas de forma muito rude e constituem maus acessos.

Tanto no Porto Silvado como no Piódão, temos escadarias paralelas de lajesimétrica, paralelas de laje destacada e embutidas.

As rampas apresentam-se normalmente a fazer a ligação entre os socalcos,na parte terminal dos muros. Embora presentes em quase todas as áreas-amostra,são relativamente raras e observam-se normalmente em áreas de menor declivee patamares com maior extensão, permitindo um maior aproveitamento agrícolado espaço (fot. 37).

Fot. 37: Rampas de acesso, Aldeia das Dez.

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No Colcurinho são pouco frequentes já que o declive acentuado levou auma construção maciça de escadarias em detrimento das rampas. Já na área doCimo da Ribeira a situação é bastante diferente. O declive é mais suave o quepermitiu a construção de socalcos de grande extensão e largura, onde as estruturasde ligação são habitualmente as rampas, também elas de dimensões significativas,permitindo a passagem de máquinas agrícolas.

Embora o declive seja acentuado na área-amostra do Alentejo, a par com asescadarias observam-se várias rampas.

Estas são muito peculiares pela inclinação que algumas alcançam, permitindo,no entanto, a travessia de maquinaria agrícola.

Na área-amostra de Loriga pode-se encontrar este tipo de acesso entre ossocalcos. Já na área-amostra da Cabeça, devido ao declive e ao tipo de disposiçãodos campos, são estruturas raras.

Derivado aos acentuados declives das vertentes e à disposição geométricados muros, nas áreas do Porto Silvado e Piódão, estas estruturas não têm qualquerrelevância.

1.1.5. Sistemas de captação, armazenamento e transporte de água

Os sistemas de aproveitamento de água, essencialmente destinados à rega,são estruturas confinantes com os socalcos e entre eles contam-se os seguintes:

Fonte: nascente de água que contribui para o aproveitamento daspotencialidades locais e para o abastecimento das populações, para uso domésticoou agrícola. Normalmente é construída em pedra do local (fot. 38).

Mina de água: estrutura muito frequente construída no interior do subsolo,normalmente com início num muro do socalco onde se faz o armazenamentoda água para rega (fot. 39).

Mina de água com tanque: estrutura semelhante à anterior mas onde oarmazenamento da água para rega se faz também num tanque exterior.

Tanque: pequeno reservatório de água, normalmente associado a umanascente, onde têm início as levadas (fot. 40). Quando se encontra perto dehabitações, normalmente apresenta uma pedra de granito ou uma laje de xisto e,mais recentemente, uma placa de cimento, para lavar roupa.

Poça: cova artificial, geralmente larga e pouco profunda, onde se represaágua para rega. Frequentemente, está localizada ao lado de um dique que margina

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os ribeiros, para evitar a sua destruição, nos invernos mais caudalosos. Por vezes,encontra-se no próprio leito (açude), sendo neste caso quase sempre desmontável,por ser construída à base de troncos e pranchas de madeira. Mais raramentepode encontrar-se à saída de minas e nascentes (fot. 41).

Fot. 41: Poça, Alentejo.Fot. 40: Tanque, Loriga.

Fot. 38: Fonte dos Cabrizes, estrada ValeMaceira-Chão Sobral..

Fot. 39: Mina de água, Piódão .

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Destaca-se um aspecto muito peculiar e comum à maior parte das «represas»,que consiste numa «válvula» de fundo (orifício esculpido numa laje de xisto), queserve para libertar água para uma levada, de forma controlada. Essa válvula temcomo tampão um pau que bloqueia a circulação da água, permitindo o seuarmazenamento.

Açude: construção de pedra e/ou madeira para represar a água dos rios, afim de ser usada na produção de força motriz para a moagem de cereal eazeitona, na agricultura (rega) ou no lazer (piscinas «naturais») (fot. 42).

Fot. 42: Pormenor de um açude, RioAlvoco, próximo da foz da Rib.ª do Avelar.

Fot. 43: Levada perene, Cabeça.

Levada perene: estrutura feita a partir de um alinhamento paralelo de pedrasde forma a conduzir a água de um local para outro. Normalmente as levadasestão associadas à rega dos patamares e ao antigo fornecimento de água àspopulações (fot. 43).

Levada efémera: idêntica à levada perene, mas realizada de forma maissimples. São cavados pequenos sulcos no solo, depois de este ter sido lavrado oucavado, de modo a criar um sulco capaz de transportar água.

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Distribuição da levada principal: faz-se habitualmente através da colocaçãode lajes laminares alinhadas de forma a distribuir a água pelo patamar. Por vezes,a levada segue a linha de maior declive, designando-se por torna, e distribui aágua para levadas secundárias, segundo as curvas de nível (fot. 44).

Fot. 44: Levada éfemera (torna) com distribuição lateral para levadas secundárias, Colcurinho.

As observações permitiram-nos sistematizar que no Colcurinho se verifica aexistência de fontes, tanques, minas de água, poças, levadas perenes e efémeras ede distribuição da levada principal. No Cimo da Ribeira foi possível observarfontes, tanques, minas, uma mina de água com tanque e levadas perenes. Naárea-amostra do Alentejo, encontramos uma série de elementos que fazem destaárea-amostra um dos locais mais ricos em sistemas de aproveitamento de água.São frequentes fontes, tanques, minas, poças, açudes, levadas perenes e efémeras.

A área-amostra de Loriga representa um local com abundância em água oque levou a um excelente aproveitamento dos recursos hídricos. Fontes, tanques,minas de água, açudes, levadas perenes e levadas efémeras são frequentes. Nestaárea, as levadas perenes têm a particularidade de estarem apoiadas na rocha mãeterminando em tanques de grandes dimensões. Na Cabeça contamos com osmesmos elementos que se encontram em Loriga, à excepção dos açudes.

A área-amostra de Porto Silvado não é muito rica nestas estruturas, sendoapenas habituais as minas de água e os açudes. Contudo, pode encontrar-se umaçude muito peculiar, que na parte final foi canalizado para uma mina, com afinalidade de direccionar a água para outro local ou para outras utilizações.

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No Piódão, além destes dois elementos encontramos fontes, tanques elevadas perenes. Nesta área existe uma levada perene de grande extensão que seprolonga ao longo de alguns quilómetros, suportada por pequenos pilares maisrecentes, colocados após obras de beneficiação que alteraram a sua construçãoinicial de pedra local para cimento.

1.1.6. Aproveitamento da água como força motriz

Nestas áreas em que o predomínio foi, desde sempre, a actividade primária,os principais sistemas de aproveitamento da força motriz da água por nóscatalogados foram os moinhos e os lagares de azeite.

Moinho: estrutura de uso antigo, edificado em pedra que permite a trituraçãoe moagem de cereais, a partir de engenhos próprios para o efeito.

Lagar de Azeite: edifício, construído em pedra, de dimensões um poucomaiores, dado que são unidades fabris e contêm no seu interior todos os engenhosnecessários ao fabrico do azeite. São construídos sempre na margem das ribeiras,para delas retirar a energia necessária à laboração da pequena unidade fabril (fot. 45).

Fot. 45: Lagar de azeite abandonado e em mau estado de conservação, Foz de Égua.

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Actualmente, encontramos um lagar de azeite em Foz de Égua, na baciahidrográfica da ribeira do Piódão. Na área-amostra do Colcurinho temos umlagar de azeite na margem direita da ribeira de Avelar, de dimensões consideráveis,no entanto, em más condições patrimoniais e votado ao abandono. No Cimoda Ribeira encontramos um moinho em granito, que não se encontra em uso.Em diálogo com o proprietário verificou-se que o mesmo não recuperou omoinho, pois os acessos são muito limitados, nomeadamente, para o transportedos produtos. Também no lugar do Alentejo foi encontrado um moinho embom estado de conservação e com uso actual (fot. 46 e 47).

Nas restantes áreas-amostra apenas foram inventariados diversos moinhos,que desempenharam desde sempre um papel crucial na vida destas populaçõesserranas. Eram de tal modo importantes que, a título de exemplo, à ribeira deSobral, afluente da ribeira de Pomares, dirigiam-se durante o verão, pessoas devárias aldeias serranas para proceder á moagem de cereais, pois esta conseguiamanter durante todo o ano um caudal significativo que movia os moinhos.

Fot. 46: Moinho de água, Alentejo. Fot. 47: Pormenor da mó, Alentejo.

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1.1.7. Estruturas de regularização torrencial

No que respeita a sistemas hidráulicos para regularização do escoamentoregistou-se apenas um tipo de açude que designamos por:

Travessão/barragem: estrutura que contribuiu ao longo dos tempos paracontrolar o escoamento em períodos de chuvas, obrigando à deposição de cargasólida (fot. 48). É construído perpendicularmente ao talvegue e, em determinadoscasos, a água superficial retida é desviada/aproveitada para os socalcos, pormeio de levadas. É frequente a existência de aberturas nos travessões, a fim depossibilitarem descargas de fundo, da água corrente (fot. 49).

Consoante a dimensão da linha de água interceptada, podem surgir diques evalados que desviam a ribeira, obrigando-a a correr por um dos lados dotravessão (fot. 50). Por serem tão comuns e necessárias à estrutura fundiária,podem ser encontradas em toda a área de estudo.

Fot. 48: Vista geral de um travessão com cerca de 1 metro de altura , Piódão.

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1.1.8. Equipamentos turísticos

Ao longo dos tempos as estruturas hidráulicas permitiram odesenvolvimento de outros equipamentos e de outras actividades,nomeadamente, as piscinas «naturais».

Praia fluvial e piscina «natural»: aproveitamento da morfologia do terrenopara represar água, através de pequenos diques construídos em madeira, criandoum pequeno lago que as pessoas aproveitam para se refrescar nos dias quentesde Verão. Existem várias nos principais rios confinantes com a área estudada.

Parques de campismo: Local estabelecido normalmente na margem dasribeiras e rios, tirando partido da beleza natural e da frescura que este tipo depaisagem proporciona. Nas imediações da área de estudo, salienta-se a presençade um parque de campismo no lugar da Ponte das Três Entradas.

Fot. 50: Ribeira a retornar ao leito original, apóster sido desviada por um valado, Teixeira de

Cima.

Fot. 49: Pormenor de uma descarga defundo, Teixeira de Cima.

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1.1.9. Outro património edificado

No que respeita o património edificado, associado aos socalcos, é vasto,sendo de destacar os seguintes tipos:

Casa: edifício, normalmente com dois pisos, em que o inferior serve deloja, para armazenar os variados produtos resultantes das práticas agrícolas e opiso superior para habitação (fot. 51 e 52).

O telhado, em áreas de xisto, é feito com lajes de lousa, com alguns calhausde maiores dimensões, para evitar que o telhado se danifique com o vento.

Palheira: é um pequeno edifício, construído em pedra, normalmente semdivisões interiores, que na parte superior permite acondicionar palha, daí onome, que servirá de alimentação aos animais (cabras e ovelhas) nos diasinvernosos, e na parte inferior (curral), serve para dar guarida aos animais eproduzir estrume, resultante das sucessivas camas dos animais, feitas diariamentecom mato (fot. 53).

Ponte: pequena estrutura semicircular de pedra, normalmente associadaàs pequenas ribeiras. A sua construção, normalmente apresenta pedras dispostasao alto em forma de paralelepípedos rectangulares (fot. 54).

Pontão: construção muito tosca, de uma única grande laje, colocada deforma a proporcionar acesso entre as duas margens de um pequeno curso de água.

Fot. 51: Casas de habitação em área degranito, Loriga.

Fot. 52: Casa de habitação em xisto,Colcurinho.

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Foram, ainda, considerados, outros elementos construtivos, tais como:Saliência: verifica-se quando o muro aproveita um grande bloco, existente

no local. Esta situação é mais frequente em granitos (fot. 55). Aproveitamento da rocha-mãe: verifica-se quando o muro é construído

a partir do aproveitamento da rocha mãe existente na sua base (fot. 56).Suporte para vinha: pilar colocado ao alto (de madeira de castanho ou

ardósia), onde se passa um arame ou algo que sirva posteriormente de suporteàs parreiras, criando a denominada vinha em corrimão ou em arjoado3 (fot. 57).Estes tutores podem encontrar-se inseridos nas partes mais altas dos muros(travessas), criando uma vinha em latada (fot. 58).

Muro de separação de propriedade: muro de cerca de 1,5m, construídoperpendicularmente aos muros dos patamares, que separa a propriedade da dovizinho e permite ao agricultor deixar os animais seguros nesse espaço.

Fot. 54: Pontes em xisto, na confluênciadas Ribeiras do Piódão e de Chãs de Égua.

Fot. 53: Pormenor de uma palheira comcurral na parte inferior, Cabeça.

3 «Arjoado» – palavra que deriva de arjoar e que significa, o segurar com arjoão. Arjoãodenomina o pau para empar a videira e outras plantas; estaca. (in Dicionário da LínguaPortuguesa, 6ª Edição, Porto Editora).

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Fot. 56: Muro em xisto, com aproveitamentoda rocha-mãe, Porto Silvado.

Fot. 57: Suporte para vinha, Cabeça. Fot. 58: Vinha em latada, Alentejo.

Fot. 55: Saliência derivada da existência deum grande bloco de granito, Loriga.

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Socalcos industriais para secagem de lãs: socalcos de pequena dimensãocom uma armação de ferro no extremo do muro, com a finalidade de estendera lã ao sol, após a sua lavagem e/ou coloração. Presentemente, devido aoencerramento de todas as fábricas de lanifícios locais, estas estruturas são utilizadaspelos habitantes para estender a roupa (fot. 59)

Fot. 59: Socalcos de origem industrial, parasecagem de lãs, Loriga.

As casas de habitação, as palheiras e as pontes encontram-se em todas asáreas de pormenor. Trata-se de estruturas indispensáveis a qualquer aglomeradopopulacional que tenha vivido nos últimos séculos da actividade agrícola.

Nas áreas-amostra do Colcurinho e do Cimo da Ribeira, as outras estruturasencontradas correspondem a saliências nos muros, sendo que na segunda existeum exemplo muito significativo de um bloco de grandes dimensões, sendotambém frequentes os suportes para vinha nas duas áreas. No Alentejo, alémdestes elementos construtivos, existem também muros para separaçãode propriedades (fot. 60). As saliências, os suportes para vinha e os muros deseparação de propriedade são elementos construtivos presentes nas áreas-amostrade Loriga e da Cabeça. O suporte em laje de pedra para cancela/porteira constituium elemento muito peculiar que, entre as várias áreas-amostra, apenas se registouem Cabeça, apesar de existir noutros locais (fot. 61).

Fot. 60: Muro de separação depropriedade, Cabeça.

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Fot. 61: Pormenor do suporte em laje dexisto, para cancela/porteira, Teixeira de Cima.

Fot. 63: Muro de suporte em granito,desmoronado, Loriga.

Fot. 64: Levada perene de grandesdimensões (lado esquerdo), Alentejo.

Fot. 62: Levada perene construida emcimento, Cabeça.

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A área-amostra do Cimo da Ribeira também se encontra em bom estadode conservação. Aqui, o uso agrícola assume ainda grande representatividadepara uma economia de subsistência. No entanto, mesmo quando envoltos emgrande actividade, os socalcos exigem uma manutenção frequente. A degradaçãodos muros começa a verificar-se com significado em determinados sectores,principalmente nas áreas ocupadas por matos.

A própria vegetação herbácea e arbustiva que invade os interstícios dosmuros de socalcos, contribui para os desmoronamentos que começam a surgircom alguma frequência.

Na área-amostra do Colcurinho destaca-se principalmente a grandequantidade de desmoronamentos. A população do Chão Sobral émaioritariamente idosa e o uso agrícola dos socalcos deixou de se fazer, votandoesta área ao abandono.

A área-amostra de Loriga (fig. 15), apesar de ter uma ocupação de 80 % decampos em socalcos e cerca de 20 km de muros, a sua densidade não ultrapassa10 m de muro/100 m2, pois os patamares apresentam uma extensão considerável,quando comparados com os de Porto Silvado, por exemplo.

Para identificar a estrutura dos socalcos, determinaram-se algumas dasvariáveis que os constituem, como a área por eles ocupada, os muros que ossuportam, as minas de água, as levadas (fot. 62) e os desmoronamentosexistentes (fot. 63).

A área-amostra do Alentejo é rica em elementos adjacentes aos socalcos,nomeadamente, no que respeita aos sistemas de aproveitamento de água.Destaca-se uma levada perene (fot. 64) de grandes dimensões com um papelmuito relevante na distribuição da água para os moinhos aí localizados. Emtermos estruturais, esta área possui muros bem conservados com escassosdesmoronamentos (QUADRO VI).QUADRO VI: Área total de socalcos e comprimento total de muros, por área-amostra.

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Com efeito, o Porto Silvado (fig. 16) apesar de apresentar uma taxa deocupação de 55 %, totaliza cerca de 17 m de muro/100 m2. Aqui, o facto dodeclive ser superior, obriga a que os muros estejam mais próximos entre si porforma a criar um patamar de menores dimensões.

Consequentemente, o Porto Silvado foi a área-amostra a registar o maiornúmero de desmoronamentos, muitos dos quais recentes, em virtude do incêndioflorestal de Julho de 2005 que desencadeou uma conjugação de factores propíciaá regularização do perfil natural das vertentes, anteriormente alterado pelo homem.

Fig. 15: Estrutura dos campos em socalcos na área-amostra de Loriga.

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Fig. 16: Estrutura dos campos em socalcos na área-amostra de Porto Silvado.

A área-amostra da Cabeça destaca-se pela maior taxa de ocupação registada,cerca de 83 % acompanhada por uma densidade de muros superior a13,3 m/100m2.

Na área-amostra do Piódão, nomeadamente no que concerne à conservaçãodos muros, as observações mostram que esta tem vindo a sofrer igualmente dadegradação que se verifica em grande parte da área de estudo. No entanto, avontade humana tem levado a que se façam alguns esforços no sentido de recuperara área, até pelo prestígio que esta aldeia tem a nível histórico e patrimonial.

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1.2. Estado de Conservação

O estado de conservação do património de socalcos foi definido tendo emconta os socalcos em bom estado, mau estado e destruídos (fig. 17)

Os socalcos implicam, tanto para a sua construção como, depois, na suamanutenção, avultados investimentos. Como eles estão muito expostos à erosão,nomeadamente hídrica, resultante da escorrência da água das chuvas, a suaconservação depende de uma mão-de-obra abundante para serem explorados,reconstruídos e sempre que necessário, preservados (MARI, A., TRIAS, A. eoutros, 2002).

Deste modo, o estado de conservação dos socalcos encontra-se determinadopor dois aspectos fundamentais: o uso ou não dos socalcos e no segundo caso,a duração do período de abandono.

Por sua vez, para facilitar o abandono, contribuem os seguintes factores:- As características construtivas dos muros de suporte, determinadas pela litologia da área onde estão implantados;- A exposição das vertentes, por influenciarem a produtividade e, em consequência, o maior ou menor período de abandono;- A altitude a que os socalcos se encontram e o declive, pois condicionam a acessibilidade e a produtividade e, por conseguinte, o período de abandono.

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Na verdade, a realidade actual revela-nos um cenário pouco auspicioso,caracterizado por um massivo abandono da superfície agrícola utilizada e umretrocesso do total da área cultivada. Denota-se claramente a influência de factoresconjunturais, relacionados sobretudo com o processo de terciarização dapopulação e que resultou em importantes mudanças na ocupação do solo. Poroutro lado, a acentuada diminuição da população serrana ocorrida nas últimasdécadas, principalmente a partir dos anos 60, bem como a progressiva alteraçãoda sua estrutura etária, social e profissional, levou ao abandono de grande partedas terras agrícolas.

Por sua vez, a sua reduzida dimensão e a dispersão das parcelas de cadaproprietário, também constituíram um constrangimento importante, ajudando aperceber de que forma é que estas contribuíram e continuam a influenciar aactual situação de abandono que caracteriza muitas das áreas de socalcos.

Contudo, a área de estudo ainda apresenta uma quantidade considerável de socalcosem bom estado de conservação, na ordem dos 61% do total. O mau estado detémuma presença de 33%, deixando o destruído com cerca de 6%.

A área ocupada por socalcos, nas áreas-amostra, perfaz um total de 1 km2.Em termos totais, ainda é o bom estado de conservação que predomina, com69% do total. O mau estado de conservação detém 27%, representando, aindaassim, 0,270 km2. As áreas de socalcos destruídas representam a menor fatia,com 4% do total (fig. 18).

Fig. 18: Estado de conservação natotalidade das áreas-amostra.

Fig. 19: Estado de conservação, porárea-amostra.

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As diferentes características físicas e humanas de cada uma das áreas-amostra,determinam o seu estado de conservação (fig. 19). Os valores apresentadosmostram um claro predomínio do bom estado de conservação. Este factorelaciona-se, em parte, com a prévia escolha da localização das áreas-amostraque se encontram nas proximidades de pequenos aglomerados populacionais,aspecto preponderante na determinação desta variável.

De um modo geral, são as áreas de pormenor de Loriga, Alentejo (fig. 20)e Piódão que mais contribuem para o bom estado de conservação, sendo,simultaneamente, as que detêm mais população a trabalhar na agricultura.

Fig. 20: Estado de conservação na área-amostra do Alentejo.

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Contrariamente, Porto Silvado (fig. 21) é o único local onde o mau estadode conservação predomina, ficando este facto a dever-se ao grande abandonoa que esta pequena localidade se encontra votada, aliado ao nefasto incêndiode Junho de 2005, que queimou toda aquela sub-bacia hidrográfica daribeira de Pomares.

Outra variável analisada, essencial para o estado de conservação, correspondeaos desmoronamentos, já analisados no capítulo anterior. No total das áreas depormenor estudadas foram registados 181 troços de muros caídos.

Fig. 21: Estado de conservação na área-amostra de Porto Silvado.

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Apesar do desmoronamento ser um forte indicador de mau estado deconservação, as sucessivas incursões ao campo permitiram observar que existemmuitas áreas em bom estado e até, mesmo produtivas, que apresentamdesmoronamentos (fot. 65), concordando, deste modo, com o facto de se tratarde um sistema dinâmico, onde será sempre necessária mão de obra para mantero sistema funcional.

Em termos gerais, 52% dos desmoronamentos registados são coincidentescom áreas em mau estado de conservação ou áreas destruídas, e os restantes48%, com bom estado de conservação, que representam, ainda assim, quasemetade do total. Este último valor pode justificar-se com a falta de capacidadedos velhos habitantes desta área, para reconstruir os muros, já que pensam ser aúltima vez que cultivam aquele cômbaro4.

Outra variável muito importante na análise do estado de conservação é odeclive, já que determina, muitas vezes, a acessibilidade a certos locais, favorecendoou não a conservação dos campos em socalcos.

Por outro lado, as áreas declivosas apresentam maior erodibilidade, quequando associada ao abandono, a ocupações vegetais com formações arbustivase arbóreas e aos incêndios florestais, conduzem à progressiva degradação dapaisagem de socalcos (fot. 66) (LOURENÇO, L., 1990).

Fot. 65: Desmoronamento de muro emárea em bom estado de conservação, Loriga.

Fot. 66: Paisagem de socalcos destruída peloincêndio florestal de 2005, Porto Silvado.

4 Termo serrano usado para designar os socalcos. Em sentido restrito pode ser equivalente a muro de suporte.

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As vertentes tendem sempre a retomar a sua forma inicial, originandomovimentos de massa nos socalcos, que se podem traduzir num considerávelaumento do risco de erosão.

Assim, não se verificam grandes diferenças entre o bom estado e o mauestado de conservação, sendo que as classes de declive se apresentam com valoresrelativamente idênticos, principalmente na classe >50%, que mais importânciatem para esta análise. Nas áreas destruídas nota-se um claro predomínio dasclasses mais altas, com 36,6% do total da área, para a classe 20% - 50% e 59,2%para a classe > 50% (fig. 22).

Fig. 22: Estado de conservação por classes de declive, nas áreas-amostra.

Tal como já foi referido, a ocupação vegetal detém igualmente umaimportância fulcral no estado de conservação, devido à sua relação com osincêndios florestais.

Assim, as formações vegetais que se encontram nos campos de socalcos sãovitais para a determinação do estado de conservação.

Verifica-se que o bom estado de conservação encontra as formações arbóreae herbácea distribuídas mais ou menos equitativamente (fig. 23). As formaçõesarbóreas são compostas, em grande parte, por olivais (Olea europea) e árvores defruto, principalmente macieiras (Malus sp) e cerejeiras (Prunus sp) (HUMPHRIES, C. J.;PRESS, J. R.; SUTTON, D. A., 1996).

As formações herbáceas ocupam os socalcos que servem apenas depastagens para os animais, essencialmente ovinos e caprinos.

Por sua vez, as formações arbustivas servem, neste caso, de indicador, já quepreenchem locais que estão no limiar entre o bom e o mau estado de conservação.

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Apesar da generalidade dos campos de socalcos apresentarem ainda umestado de conservação aceitável, o abandono a que se encontram votados, permitesaber que o bom estado de conservação é apenas uma fase transitória para omau estado e mesmo para o destruído, reforçado pela influência que os incêndiosflorestais têm para o desenvolvimento da referida situação (LOURENÇO, L., 1998).

O mau estado de conservação e o destruído apresentam um claropredomínio das formações arbóreas, com 64% e 77% do total, respectivamente,com uma ocupação essencialmente da espécie Pinus pinaster e, mais ocasionalmente,Eucaliptus globulus (fot. 67).

Fig. 23: Estado de conservação por fisionomia vegetal, nas áreas-amostra.

Fot. 67: Socalcos em mau estado de conservação, ocupados com eucaliptos, MalhadaFeiteira, Chão Sobral.

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Nota-se, também, que as formações herbáceas vão perdendo importânciaem função da degradação dos socalcos.

O uso agrícola dos campos (fot. 68) influencia directamente o estado deconservação (fig. 24), pois, para que haja produtividade é necessário que os campospreservem o solo. Para tal, o estado de conservação deve ser o melhor possível,facto que se comprova através da observação do gráfico. A relação entre asvariáveis é inversa: quanto menor a produtividade, maior o grau de destruiçãodos campos de socalcos.

Fig. 24: Estado de conservação por uso agrícola, nas áreas-amostra.

Fot. 68: Socalcos produtivos, recentemente reabilitados, após destruição pelo incêndio deJulho de 2005, Piódão.

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1.3. Uso Agrícola

A intensidade do uso do solo e a larga duração do sistema agrário tradicionalconfiguraram um espaço rural dominado por elementos que são o resultado daacção antrópica. A paisagem de socalcos não é mais do que uma paisagemagrária que o Homem transformou, para daí obter um maior e melhoraproveitamento agrícola. Os socalcos surgem assim como uma forma deadaptação aos acentuados declives das vertentes, convertendo-as em espaçosaptos para o cultivo agrícola.

Estas estruturas agrárias desempenham então um papel decisivo naconfiguração da paisagem rural, mostrando perfeitamente as interacções dohomem com o meio.

A artificialização das vertentes, conseguida às avenças de muito esforço emão-de-obra, permitiu a construção de patamares de terra arável sustentadospor muros de pedra solta, auxiliados por outros elementos construídos de apoioà actividade agrícola, como sejam as escadarias de acesso, sistemas hidráulicos deaproveitamento de água, currais, eiras, lagares, etc., que constituem hoje umpatrimónio histórico-cultural que urge valorizar (MARTÍN, L. E. R.; FLANO, P. R.;CALVENTO, L. H., 2003).

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Ao longo de várias gerações, a economia base de muitas famílias serranasassentou na complementaridade agro-silvo-pastoril. No entanto, o sistema agráriotradicional praticado pelas gentes de outrora, foi substituído actualmente poruma agricultura de complementaridade, em que predominam as unidadesfamiliares e a agricultura de consumo doméstico. Deste modo, os usos e culturasagrícolas que caracterizavam estas áreas de patamares foram sofrendo alteraçõesao sabor de um conjunto de factores, dos quais se destacam o despovoamentohumano e o abandono das terras.

O actual uso agrícola (fig. 25) dos campos em socalcos, permite estabeleceruma configuração da paisagem em socalcos produtivos e não produtivos que seanalisam para o conjunto da área de estudo, bem como das diferentes áreas-amostra.

A manutenção das estruturas de socalcos só foi possível, durante séculos,graças á existência de um contingente populacional permanente que garantiu oseu sustento pela exploração agrícola dos socalcos (fot. 69).

Com o passar do tempo, a atracção exercida pelas grandes cidades e aconsequente emigração, provocaram um retrocesso da população agrícola, quese materializa hoje num progressivo abandono das terras de cultivo, as quais, apouco e pouco, sofrem uma modificação do seu uso.

As áreas produtivas, que ocupam 54 % do total da área socalcada (fig. 26),caracterizam-se essencialmente por constituírem um espaço agrário fragmentadoem pequenas parcelas, na sua maioria dedicadas a uma policultura de subsistência,com escassa orientação comercial, em que praticamente não se aplicam novastécnicas de cultivo (fot. 70).

Em termos gerais são as bacias de Loriga e Pomares que mais contribuempara este valor, com 14 % e 23,5 %, respectivamente (fig. 27). Os restantes 16%,encontram-se distribuídos pelas outras bacias. As áreas não produtivas representamos restantes 46 %, e devem-se a todos os factores sócioeconómicos referidos aolongo do presente trabalho, bem como aos sucessivos incêndios que,insistentemente fustigam estas áreas serranas. Em íntima relação com o que seafirmou, verifica-se que são as bacias de Piódão e Pomares as que mais contribuempara o mau estado de conservação, representando 11,2 % e 15,3 %,respectivamente.

Os campos em socalcos produtivos, concentram-se, por norma, em redordos núcleos habitacionais e junto ás linhas de água, patenteando uma paisagemorganizada, parcelada e sempre verde.

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Fot. 69: Actualmente, a população activa escasseiae está cada vez mais envelhecida, Rio de Mel.

Fot. 70: Agricultura de subsistência emparcelas de pequena dimensão, Piódão.

Fig. 26: Uso agrícola dos campos emsocalcos da área de estudo.

Fig. 27: Distribuição do uso agrícola doscampos em socalcos, por bacia hidrográfica..

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QUADRO VII: Distribuição do uso agrícola dos socalcos, nas áreas-amostra.

A maior parte destas estruturas está dedicada ao cultivo de culturas de regadio,que alternam com árvores de fruto, bem como com a vinha e os olivais.

Ao analisarmos a distribuição percentual do uso agrícola em cada área-amostra(QUADRO VII) e comparando com o cartograma apresentado anteriormente,verificamos, desde logo, que a localização mais próxima ou mais afastada doaglomerado populacional subjacente, bem como, inversamente, o quantitativopopulacional deste condicionam a utilização agrícola dos campos em socalcos.

Partindo deste pressuposto, pode dizer-se que, de modo geral, em todas asáreas-amostra, os terrenos agrícolas produtivos se encontram concentrados nospatamares que se situam junto às povoações, com especial destaque para a área-amostra do Piódão (fig. 28).

A agricultura ainda constitui uma parte significativa das estratégias desobrevivência da população, pelo que, na maioria das áreas produtivas,sobressaem mosaicos de culturas com tonalidades diferentes.

Na generalidade, nas áreas ainda produtivas, cultiva-se uma grande diversidadede espécies hortícolas, alternando sempre com a presença de árvores de frutoou vinha, ora em arjoado (fot. 71), que ocupa preferencialmente as extremidadesdos muros, ora em latada, formando uma cobertura.

No entanto, as áreas ainda produtivas estão essencialmente destinadas aocultivo de produtos hortícolas, oliveiras e outras árvores de fruto. Todavia, poucoa pouco, assistiu-se ao avanço das formações arbustivas, mesmo em redor dashabitações, como se observou nas áreas-amostra do Cimo da Ribeira (fot. 72) eColcurinho (fig. 29), as quais integram uma grande percentagem de áreas nãoprodutivas. Assim, as superfícies de campos em socalcos votadas ao abandonopodem constituir, a curto e médio prazo, zonas de elevado risco de incêndio,devido ao avanço da floresta sobre os campos agrícolas.

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As áreas afectadas pelo incêndio florestal de 2005 viram os seus murosfragilizados e a devastação total ou parcial das espécies agrícolas, arbóreas earbustivas, o que conduziu a uma consequente redução expressiva das áreasprodutivas. Não obstante, estas, na sua maioria, continuam dedicadas ao cultivode produtos hortícolas e ao pastoreio, que ainda tem algum significado nesta área,

Fig. 28: Uso agrícola na área-amostra do Piódão.

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principalmente nas áreas-amostra do Piódão e de Loriga (fot. 73).Contudo, a área-amostra de Loriga integra já uma percentagem significativa

de áreas não produtivas, o que se pode justificar por abranger antigas áreas depastos, que, actualmente, se encontram votadas ao abandono.

No Piódão, a área produtiva ainda é superior à não produtiva. No conjuntodas áreas-amostra assiste-se a um aumento das que não têm qualqueraproveitamento agrícola, como é o caso de Porto Silvado (fot. 74).

Fig. 29: Uso agrícola na área-amostra de Colcurinho.

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Fot. 71: Vinha em arjoado, Piódão. Fot. 72: Silvado próximo de habitação,Cimo da Ribeira.

Fot. 73: Pastoreio de gado ovino, Loriga. Fot. 74: Área de socalcos abandonada, P. Silvado.

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1.3.1. Culturas agrícolas

A inventariação das culturas agrícolas só foi realizada nas áreas-amostra umavez que o levantamento para a totalidade da área de estudo se tornaria moroso,já que esta é bastante extensa. De qualquer modo, este levantamento permitiudeterminar, desde logo, as culturas predominantes em cada área-amostra e, alémdisso, avaliar e comparar a importância, na economia rural, das culturas de regadio,

árvores de fruto, pastagens e incultos (fig. 30).No que diz respeito às áreas-amostra, encontram-se diferenças significativas,

de entre as quais podemos destacar as de Loriga (fig. 31), Piódão (fig. 32) eCimo da Ribeira (fig. 33).

De facto, o levantamento das culturas agrícolas permitiu concluir que, porexemplo, na área-amostra do Alentejo, as áreas produtivas incluem uma grandediversidade de espécies, particularmente frutícolas (fig. 34) tais como laranjeiras(Citrus sinensis), figueiras (Ficus carica), macieiras (Malus domestica), pessegueiros(Prunus persica), cerejeiras (Prunus avium), oliveiras (Olea europaea), romãzeiras (Punicagranatum L.), castanheiros (Castanea sativa), medronheiros (Arbutus unedo) enespereiras (Eriobotrya japonica). Também a vinha (Vitis vinifera L.) surgefrequentemente, alinhada em corrimão nos limites dos muros de suporte. Aoliveira é outra espécie predominante, surgindo ora em núcleos importantes deolival, ora juntamente com outras árvores de fruto, ou ainda, como exemplares

Fig. 30: Distribuição das culturas agrícolas no total das áreas-amostra.

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isolados no meio da produção hortícola (FOREY, P.; LINDSAY, R., 1997).A policultura hortícola é feita recorrendo a espécies como o milho (Zea

mays) (fot. 75), a couve (Brassica oleracea L.), o feijão (Phaesolus vulgaris), a batata(Solanum tuberosum L.), a alface (Lactuca sativa L.), o alho (Allium sativum) e a cebola(Allium cepa).

Para a área-amostra de Loriga (fig. 31), o levantamento permitiu delimitarextensas manchas de prado ou pastagens permanentes, que ocupam quase metade

Fig. 31: Culturas agrícolas na área-amostra de Loriga.

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de toda à área socalcada, e que estão regularmente ocupadas pelo gado.As culturas hortícolas ocupam também uma área considerável,

predominando nas vertentes em redor ao núcleo habitacional. As parcelas decultivo são geralmente de pequena dimensão. Nelas, é possível encontrar umagrande variedade de espécies de entre as quais as mais produzidas são: batata(Solanum tuberosum L.), milho (Zea mays), cebola (Allium cepa), alho (Allium sativum),couve (Brassica oleracea L.), feijão (Phaesolus vulgaris) e salsa (Petroselinum sativum).

Frequentemente, no meio destas pequenas parcelas com culturas hortícolas,

Fig. 32: Culturas agrícolas na área-amostra de Piódão.

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existe uma grande variedade de árvores de fruto, dispostas irregularmente e deforma dispersa, sendo as espécies mais frequentes a macieira (Malus domestica), acerejeira (Prunus avium), a figueira (Ficus carica), o castanheiro (Castanea sativa), alaranjeira (Citrus sinensis), o pessegueiro (Prunus persica), o limoeiro (Citrus limon), omedronheiro (Arbutus unedo), a nespereira (Eriobotrya japonica), a tangerineira (Citrusdeliciosa) e a romãzeira (Punica granatum L.).

Nos limites dos socalcos utilizados para as culturas hortícolas verifica-se aexistência de vinha, sempre plantada em arjoado ao longo dos muros. Tambémnas zonas produtivas ocupadas por árvores de fruto, destaca-se a predominância

Fig. 33: uso agrícola na área-amostra do Cimo da Ribeira.

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da oliveira (Olea europaea), seguida pela nogueira (Juglans regia) (fot. 76), ora emnúcleos dedicados, ora em associação com outras árvores de fruto, tendo umapequena expressão no total das culturas agrícolas desta área-amostra (fig. 35).

Na área-amostra da Cabeça (fig. 36), o levantamento das culturas agrícolaspermitiu concluir que a área inculta representa já cerca de um terço da superfíciede socalcos, parte dela afectada pelo incêndio florestal do Verão de 2005.

Nas áreas cultivadas, localizadas essencialmente nos patamares de socalcosadjacentes ao aglomerado habitacional, destacam-se as hortas de subsistência,onde predomina a policultura com espécies tão variadas como couve (Brassicaoleracea L.), feijão (Phaesolus vulgaris), batata (Solanum tuberosum L.), alho (Alliumsativum), milho (Zea mays), ervilha (Pisum sativum L.), alface (Lactuca sativa L.) e cebola(Allium cepa), entre outras menos significativas e que surgem esporadicamente.

Verifica-se, ainda, a existência de alguns patamares dedicados à fruticulturae, por vezes, as formações arbóreas frutícolas surgem em associação com ashortas, representando, de igual modo, cerca um terço do uso agrícola destaárea-amostra (fot.77).

Seja num caso ou noutro, a variedade de espécies existentes na área analisadaé considerável: macieiras (Malus domestica), cerejeiras (Prunus avium), figueiras (Ficus

Fig.34: Distribuição das culturas agrícolasna área-amostra do Alentejo.

Fot. 75: Cultura de milho na área-amostrado Alentejo.

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Fot. 77: Culturas hortícolas em simultâneocom árvores de fruto, Cabeça.

Fig. 36: Culturas agrícolas na área-amostrade Cabeça.

Fot. 76: Ao centro, são visíveis váriospatamares ocupados por nogueiras.

Fig. 35: Culturas agrícolas na área-amostrade Loriga.

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carica), castanheiros (Castanea sativa), laranjeiras (Citrus sinensis), pessegueiros (Prunuspersica), limoeiros (Citrus limon), romãzeiras (Punica granatum L.), medronheiros(Arbutus unedo), nespereiras (Eriobotrya japonica), tangerineiras (Citrus deliciosa) eoliveiras (Olea europaea).

Na área-amostra do Piódão (fig. 33), a presença abundante de água pararega justifica a forte presença de pequenas hortas, sendo que as áreas produtivasincluem uma grande diversidade de espécies.

As culturas de regadio ocupam uma área considerável, resultado da práticade uma agricultura residual, produzindo-se, essencialmente, batata (Solanumtuberosum L.), milho (Zea mays), cebola (Allium cepa), alho (Allium sativum), couve(Brassica oleracea L.) (fot. 78) e feijão (Phaesolus vulgaris).

Estas culturas surgem muitas vezes em íntima associação com as árvoresde fruto (fig. 37), existindo uma variedade destas, dispostas irregularmente ede forma dispersa, sendo as espécies mais frequentes a macieira (Malusdomestica), a cerejeira (Prunus avium), a figueira (Ficus carica) e o castanheiro(Castanea sativa) (GONZÁLEZ, G. L. (2004).

Também a plantação de oliveiras (Olea europaea), se assume de carizfundamental para o domínio agrícola desta área-amostra, o que se pode justificarpelo facto de não necessitarem de mão-de-obra assídua para a sua manutenção,aparecendo, frequentemente, patamares ocupados por oliveiras (fot. 79). A

Fot. 78: Em primeiro plano, patamarcom culturas horticolas, Piódão.

Fig. 37: Distribuição das culturas agrícolasna área-amostra do Piódão.

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bordejar os muros, cultiva-se a vinha em arjoado.A área-amostra do Colcurinho foi muito afectada pelo incêndio florestal de

2005, o que poderá denunciar o avançado estado de abandono desta área,evidenciado pelos 40% de incultos (fig. 38).

Assim, predominam as manchas ocupadas por pinheiros bravos e giestas(fot. 80). As outras espécies arbóreas, nomeadamente, castanheiros e oliveiras,que escaparam ás chamas, localizam-se em patamares com um estrato herbáceolimpo, que serve essencialmente para pastagens.

A acompanhar o traçado linear da ribeira, são visíveis espécies que formamum corredor ripícola pouco denso. Verifica-se, por outro lado, a existência dealgumas parcelas dedicadas à fruticultura, não sendo, no entanto, significativas eapresentando uma distribuição muito dispersa.

De qualquer modo, há árvores de fruto com alguma preponderância, taiscomo a macieira (Malus domestica), a figueira (Ficus carica), o castanheiro (Castaneasativa) (fot. 81) ou o limoeiro (Citrus limon), por exemplo.

As manchas de oliveira (Olea europaea) destacam-se, essencialmente, nospatamares junto às habitações que contornam a estrada. Porém, noutros casos,surgem aleatoriamente, em núcleos dispersos de duas ou três árvores, ou, mais

Fot. 79: Socalcos ocupados por olival, Piódão.

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Fig. 38: Culturas agrícolas na área-amostrado Colcurinho.

Fot. 80: Socalcos «invadidos» por giestas eurzes, Colcurinho.

Fot. 81: Castanheiros nos patamares que bordejam a Rib.ª do Avelar, Colcurinho.

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raramente, em associação com outras árvores de fruto.Na maior parte da área ocupada por socalcos ainda com actividade agrícola

na área-amostra do Cimo da Ribeira, predominam olivais, culturas hortícolas,existindo, também, núcleos significativos de castanheiros.

As áreas não produtivas abrangem as zonas mais afastadas do aglomeradopopulacional, ora ocupadas essencialmente por núcleos significativos de pinheirobravo (Pinus pinaster) (fot. 82) e eucalipto (Eucalyptus globulus), ora por áreasabandonadas onde proliferam as giestas e as silvas, daí que as áreas incultasrepresentem quase metade do uso agrícola (fig. 39).

As culturas de regadio ocupam uma pequena percentagem, resultado daprática de uma agricultura residual, produzindo-se essencialmente, batata (Solanumtuberosum L.), milho (Zea mays), cebola (Allium cepa), alho (Allium sativum), couve(Brassica oleracea L.) e feijão (Phaesolus vulgaris).

Surgem núcleos esparsos de outras árvores de fruto como a nogueira (Juglansregia), a cerejeira (Prunus avium) e a aveleira (Corylus avellana).

A vinha (Vitis vinífera L.) ocupa, preferencialmente, as bordaduras dosmuros (fot. 83). Há ainda, um uso agrícola com algum significado, baseado em

Fot. 82: Socalcos «invadidos» porpinheiros bravos, Cimo da Ribeira.

Fig. 39: Culturas agrícolas na área-amostrado Cimo da Ribeira.

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Fot. 83: Patamares ocupados com árvores de fruto dispersas e vinha na bordadura dosmuros, Cimo da Ribeira.

explorações com carácter familiar.Na área-amostra de Porto Silvado, a variedade de culturas agrícolas é reduzida.

No entanto, ainda subsistem algumas zonas produtivas (fig. 40), que ocupam,preferencialmente, os patamares junto às habitações.

Nestas, predominam então os núcleos de oliveiras (Olea europaea), com umapequena ocupação, e as culturas hortícolas em regadio, cultivadas em parcelas depequena dimensão (fot. 84), onde sobressai a cultura da couve (Brassica oleracea L.),do feijão (Phaesolus vulgaris), da batata (Solanum tuberosum L.), do milho (Zea mays),da alface (Lactuca sativa L.) e da cebola (Allium cepa), entre outras menossignificativas e que surgem esporadicamente. Verifica-se a existência de algumasparcelas dedicadas à fruticultura, não sendo, no entanto, significativas eapresentando uma distribuição muito dispersa.

De qualquer modo, há um conjunto de espécies de árvores de fruto comalguma preponderância, tais como a macieira (Malus domestica), a figueira (Ficuscarica), o castanheiro (Castanea sativa) e o limoeiro (Citrus limon).

A vinha, ocupando quase sempre as extremidades dos muros de suporte,

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também tem algum significado enquanto cultura agrícola.Todavia, grande parte da superfície agrícola corresponde a incultos (fot. 85),

pelo que é nesta área-amostra onde apresentam o valor mais elevado, cerca de65% da área agrícola (fig. 40). Pode concluir-se que a área de socalcos sofreu,progressivamente, os efeitos do abandono a que foi votada (fot. 86).

Fruto do exôdo rural e da alteração das fontes de energia, suspendeu-se ouso do mato como fonte de matéria orgânica necessária à fertilização dos campos.A utilização da lenha, quer como fonte de aquecimento, quer como combustívelpara a preparação de alimentos, está progressivamente a desaparecer, o quecontribui para aumentar a carga combustível e facilitar a propagação dos incêndios.

O uso agrícola nas áreas de socalcos desempenha então um papelfundamental, já que as áreas cultivadas junto aos aglomerados funcionam comoautênticas faixas de protecção contra os incêndios florestais

A conservação da maior parte das terras agrícolas de patamares pressupõeuma manutenção frequente, pelo que, ao serem abandonados, é a natureza quese encarrega de retomar o perfil inicial das vertentes (LOURENÇO, 1996, p.386). Naárea de estudo, o domínio agrícola ainda representa uma parte substancial do usodo solo, no entanto, assiste-se cada vez mais ao avanço da ocupação florestal.

Fig. 40: Culturas agrícolas na área-amostrade Porto Silvado.

Fot. 84: Patamares de pequena dimensão,ocupados por hortícolas, Porto Silvado.

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Fot. 85: A área-amostra de Porto Silvado regista uma grande área de incultos.

Fot. 86: Área abandonada em Porto Silvado.

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1.4. Fisionomia vegetal

A definição da fisionomia vegetal resultou da necessidade de umconhecimento mais detalhado das espécies presentes nas áreas de socalcos, deforma a caracterizar e tentar perceber as alterações que o ser humano, ao longodos tempos, introduziu, na vegetação autóctone. A fisionomia vegetal nas áreasde socalcos é, forçosamente, diferente da floresta que, em regra, a margina,tanto nas espécies, como no porte (fot. 87).

Deste modo, efectuou-se uma identificação baseada em três divisões por estrato,o arbóreo, o arbustivo e o herbáceo (fig. 41), reconhecendo, nas áreas-amostra, aespécie presente, permitindo identificar os locais onde a floresta se começa aapoderar dos terrenos agrícolas, normalmente abandonados. De referir ainda, quea divisão linear da vegetação por três categorias tornou-se difícil, pois em algunscasos, o estado de abandono é avançado, mesclando as três divisões (fot. 88).

Por outro lado, temos situações análogas em que, por exemplo, o estratoherbáceo prevalece com a presença de culturas hortícolas, apesar de existirem árvoresde fruto distribuídas de forma esparsa e aleatória, no mesmo local.

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Fig.

41: F

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Fot. 87: Paisagem de socalcos em área de pinhal, Colcurinho.

Fot. 88: Simultaneidade de estratos vegetais, Loriga.

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Para melhor compreender a fisionomia vegetal existente nos campos emsocalcos, deve ter-se em linha de conta o abandono da actividade agrícola, sofridaao longo das últimas décadas, principalmente a partir dos anos 60. Hoje, osefeitos deste abandono são sentidos mesmo nos campos sobranceiros àspovoações, que, lentamente, por se terem tornado incultos, vão trazendo atéjunto das casas, uma grande carga combustível, aumentando fortemente o riscodendrocaustológico para os povoados serranos que, no decorrer do incêndio, sevêm cercados pelo fogo, que, por falta da descontinuidade na vegetação quedeveria ser oferecida pelos campos em socalcos, avança até à porta de suas casas.

Como seria espectável, o grande incêndio ocorrido em Junho de 2005,produziu fortíssimas alterações na fisionomia vegetal, em especial, nas baciashidrográficas das ribeiras de Pomares (fot. 89), Avelar e Piódão, queimadas emcerca de 41%, 44% e 95%, respectivamente.

Por conseguinte, também os campos em socalcos foram afectados,inclusivamente aqueles mais próximos das povoações, o que, em alguns locais,alterou a fisionomia vegetal anterior ao incêndio e dificultou a identificação dasespécies existentes em algumas das áreas-amostra mais afectadas (fot. 90)

Fot. 89: Área ardida na bacia hidrográficada Rib.ª de Pomares.

Fot. 90: Árvores de fruto queimadas naárea-amostra de Cabeça.

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Os campos em socalcos caracterizam-se por uma presença equilibrada entreos estratos arbóreos e herbáceo, com 7,5 km2 e 8,7 km2, respectivamente,deixando o estrato arbustivo com apenas 2,1 km2 (fig. 42). A bacia hidrográficada Rib.ª de Pomares regista a maior percentagem de campos em socalcosocupados por vegetação do estrato herbáceo, enquanto os da Rib.ª do Piódãoregistam uma forte presença de vegetação do estrato arbóreo.

Para o estrato arbustivo, destacam-se as áreas de socalcos da bacia hidrográficada Rib.ª de Aldeia das Dez, bem como os da Rib.ª de Pomares, em que ambasdetêm mais de metade do total deste estrato (QUADRO VIII).

Fig. 42: Distribuição da área total de campos em socalcos, por formações vegetais.

QUADRO VIII: Percentagem de área decampos em socalcos, por formações vegetais.

À excepção de Loriga, Porto Silvado e Piódão, as áreas-amostra detêmmetade da sua área de socalcos ocupada por formações arbóreas (fig. 43),destacando-se Cabeça e Cimo da Ribeira com, respectivamente, 12,9% e 10,4%dos cerca de 50% das formações, os quais representam a totalidade das arbóreas.

A oliveira (Olea europaea) é a espécie vegetal mais representada em todas asáreas-amostra, visto contribuir ainda hoje para uma considerável produção deazeite e para consumo da própria azeitona (FOREY, P.; FITZSIMONS, C., 1997).

Contudo, existem outras espécies arbóreas com grande representatividade.Por exemplo, no Cimo da Ribeira (fig. 44), os castanheiros (Castanea sativa) e asárvores de fruto do género Prunus, são as espécies mais abundantes.

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Fig. 43: Distribuição dos campos em socalcosdas áreas-amostra, por formações vegetais.

Fot. 91: Castanheiro isolado em socalcojunto á B.ca do Rib.º do Bago, Piódão.

Já nas áreas-amostra de Piódão e Porto Silvado podemos apontar três tiposdiferentes de ocupação, correspondentes às situações de olival e de soitos decastanheiros, embora estes também possam aparecer isolados (fot. 91), e àexistência de árvores de fruto, tais como cerejeiras (Prunus avium), figueiras (Ficuscarica), pessegueiros (Prunus persica) ou macieiras (Malus domestica), que coabitamcom pequenas hortas (fot. 92). Como, de uma forma geral, continuam a seraproveitados, deste modo, mantêm-se «livres» do crescimento desregrado dosob-bosque.

Finalmente, podem encontrar-se povoamentos de pinheiro-bravo e eucalipto(fot. 93), em resultado da reconversão dos campos agrícolas, que são os menosrepresentativos em todas as áreas analisadas, sendo que estas espécies se encontramem estreita ligação com o seu abandono.

A representatividade do estrato arbustivo no conjunto das áreas-amostra éreduzido, com apenas 10%. Ainda assim, as áreas amostra de Loriga e Cabeça(fig. 45) detêm, no seu total, 18% e 11%, respectivamente, sendo estas as quemais contribuem para a presença deste estrato, no conjunto.

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Fig. 44: Fisionomia vegetal dos campos em socalcos da área-amostra do Cimo da Ribeira.Af – árvores de fruto, Ct – castanheiro, Cv – carvalho, Ec – eucalipto, Gt – giesta,

Ng – nogueira, Ol – oliveira, Pb – pinheiro-bravo e Uz – urze.

De um modo geral, podem existir duas situações distintas de ocupação porestas formações. Por um lado, as espécies arbustivas surgem junto à base ou aténo próprio muro (fot. 94). Por outro lado, temos situações em que as espéciesarbustivas ocupam por completo os patamares abandonados (fot. 95), queevoluíram de uma ocupação herbácea de fetos ( Pteridium aquilinium) e outras ervas.

Neste caso, as espécies mais frequentes são a urze (Erica sp.), a carqueja(Chamaespartium tridentatum), o tojo (Ulex sp.), a giesta (Cytisus sp.), o rosmaninho(Lavandula stoechas), a gilbardeira (Ruscus aculeatus), o medronheiro (Arbutus unedo)

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que, ano após ano, avançam cada vez mais. Os referidos tipos de ocupaçãoocorrem em todas as áreas-amostra, quase da mesma forma, variando em funçãodo estado e duração do abandono (FOREY, P.; FITZSIMONS, C., 1995).

A área-amostra que melhor serve de exemplo para esta situação é a dePorto Silvado, onde o elevado estado de degradação e abandono a que aqueleespaço se encontra votado, proporciona condições para o aparecimento dasformações arbustivas em ambas as formas (fot. 96).

Fig. 45: Fisionomia vegetal dos campos em socalcos da área-amostra de Cabeça.Af – Árvores de fruto, Ct – Castanheiro, Cv – Carvalho, Ec- Eucalipto, Gt – Giesta,

Md – Medronheiro, Ng – Nogueira, Ol - Oliveira, Pb – Pinheiro-bravo, Sb – Sobreiroe Uz - Urze.

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Fot. 92: Laranjeira e oliveiras numa horta,Cabeça.

Fot. 93: Área abandonada com ocupaçãode eucaliptos, Porto Silvado

Fot. 95: Patamares ocupadosmaioritariamente com giestas, Loriga.

Fot. 94: Urze a desenvolver-se a partir dopróprio muro, Aldeia das Dez.

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Fot. 96: Muro completamente ocupadopor urzes queimadas, Porto Silvado.

Fot. 97: Socalcos abandonados onde seobserva o avanço da vegetação, Aldeia das Dez.

De destacar a enorme importância que estas espécies têm na propagaçãodos incêndios florestais, por criarem condições de continuidade horizontal nocoberto vegetal muito favoráveis à progressão, dado tratar-se de espécies comelevada inflamabilidade.

A constituição do estrato herbáceo encontra-se determinado por situaçõesdistintas, como é possível observar nas várias áreas-amostra. Na primeira situação,o estrato herbáceo refere-se a uma situação de abandono recente dos camposde socalcos, que vai progredindo, ano após ano, para um estado vegetativomais avançado (fot. 97).

Todavia, tanto no Piódão como em Loriga, observa-se uma segunda situaçãoque, em grande parte, se deve à importância que a criação de gado,respectivamente, caprino e ovino, ainda tem nos dias de hoje. Recordemos aprodução e comercialização do Queijo da Serra (da Estrela) e o seu papel nãosó na economia local, mas também a nível regional.

Em termos de espécies, as formações herbáceas são constituídas,essencialmente, por fetos e gramíneas variadas, encontrando-se em associaçãotanto com os campos onde prevalecem as culturas de regadio ou de sequeiro,como com os campos destinados ao pastoreio ou aos abandonados recentemente.

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Algumas das espécies inventariadas durante as saídas de campo efectuadasnas áreas-amostra são, agora, indicadas através do nome da espécie (QUADRO IX)o nome da espécie e a área-amostra a que pertence (fot.s 98 a 107).

QUADRO IX Lista geral de espécies observadas e identificadas nas áreas-amostra.

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Fot. 98: a) Oliveira (Olea europaea), Cabeça; b) pinheiro-bravo (Pinus pinaster), Alentejo;c) castanheiro (Castanea sativa), Colcurinho; d) carvalho-alvarinho(Quercus robur), Loriga.

a) b)

d)c)

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Fot. 99: a)Figueira (Ficus carica), Cabeça; b) nogueira (Juglans regia), Porto SIlvado;c) aveleira (Corylus avellana), Cimo da Ribeira; d) macieira (Malus domestica), Loriga.

a) b)

d)c)

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Fot. 100: a) Pereira (Pyrus communis), Loriga; b) cerejeira (Prunus avium), Piódão;c) pessegueiro (Prunus persica), Cabeça; d) Amieiro (Alnus glutinosa), Alentejo.

a) b)

d)c)

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Fot. 101: a) Carqueija (Chamaespartium tridentatum), Alentejo;b) urze-branca (Erica arborea), Loriga; c) medronheiro (Arbutus unedo), Cabeça;

d) giesteira-branca (Cytisus multiflorus), Cimo da Ribeira.

a) b)

d)c)

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Fot. 102: a) Giesteira-das-sebes (Cytisus grandiflorus), Loriga; b) urze-das-vassouras (Ericascoparia), Cabeça; c) esteva (Cistus ladanifer), Alentejo; d) sargaço (Cistus salvifolius), Cabeça.

a) b)

d)c)

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Fot. 103: a) Queiró (Erica umbellata), Alentejo; b) rosmaninho(Lavandula stoechas), PortoSilvado; c) azevinho (Ilex aquifolium), Piódão; d) tojo (Ulex sp.), Cabeça.

a) b)

d)c)

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Fot. 104: a) Feto-ordinário (Pteridium aquilinium), Cimo da Ribeira;b) Ervilhaca (Vicia sp.), Cabeça; c) erva-das-sete-sangrias (Lithodora prostrata ), Alentejo;

d) trepadeira (Calystegia sp.), Porto Silvado.

a) b)

d)c)

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Fot. 105: a) Fumária (Fumaria officinalis), Cabeça; b) dedaleira (Digitalis purpurea), Piódão;c) morangueiro (Fragaria vesca), Cabeça; d) polipódio (Polypodium sp.), Colcurinho.

a) b)

d)c)

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Fot. 106: a) Hera (Hedera helix), Cabeça; b) Campânulas (Campanula lusitanica), Piódão;c) jacinto-dos-campos (Scilla sp.), Porto Silvado; d) Campaínhas-amarelas

(Narcissus sp.), Colcurinho.

a) b)

d)c)