os ratos do novo mundo

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Após uma revolta popular de proporções mundiais, conhecida como Tempos de Caos e Sangue, que deixou milhões de mortos, o sistema de governo é substituído por um modelo ditatorial. Controlador e eficiente ao extremo, esse sistema conseguiu manter nações alienadas, uma geração após a outra, através da censura cultural e de centros de correção comportamental. A partir da perspectiva de Mia, Os Ratos do Novo Mundo traz uma metáfora da sociedade contemporânea de uma forma simples e bem estruturada, com diálogos envolventes, ação, reflexões psicológicas e um retrato do que a repressão intensa pode causar a uma pessoa. Aceitar e seguir o sistema ou lutar pela sonhada liberdade: de qual lado você ficaria?

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Júlia Zanelatto

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Júlia Zanelatto

São Paulo, 2014

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

OS RATOS DO NOVO MUNDO

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2014ImPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAzIL

DIREITOS cEDIDOS PARA ESTA EDIçãO àNOvO SécULO EDITORA

cEA – cENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – conjunto 1111cEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

[email protected]

copyright © 2014 by Júlia zanelatto

coordenação editorial Silvia Segóvia

Diagramação claudio Tito Braghini Junior

capa monalisa morato

Preparação gleice couto

Revisão Patricia murari

Zanelatto, Julia Gervenutti Os ratos do novo mundo / Julia Gervenutti Zanelatto. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. -- (Coleção talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 14-06803 CDD-869.93

1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no 54, de 1995)

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2014ImPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAzIL

DIREITOS cEDIDOS PARA ESTA EDIçãO àNOvO SécULO EDITORA

cEA – cENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – conjunto 1111cEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

[email protected]

DEDICATÓRIA

Para minha família. Meus pais, Edson e Rosângela. Obrigado por me apoiarem

e acreditarem que sou capaz de atingir tudo que sonho. Vocês lutaram tanto, sinto que agora está na minha hora de retribuir e mostrar que nada foi em vão.

Minha irmã, Nathalia. Que isso soe clichê e meloso, mas obrigada por ser aquela figura mais velha na qual posso me apoiar e me espelhar. Muito do que aprendi e sou hoje veio de você.

Por último e não menos importantes, meus ‘amigos-irmãos’ David e Rafael. Creio que tudo já foi dito entre nós. Obrigado por lerem (e aguentarem) aqueles primeiros rabiscos de narrativas em uma agenda escolar da sétima série.

Que vocês todos possam se orgulhar de mim como eu me orgulho de vocês.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer à Editora Novo Século por ter me concedido a oportunidade de enfim publicar uma de minhas várias histórias e por ajudar pessoas como eu a entrarem no mercado editorial, o que parece ser cada dia mais difícil. Que continuem com o ótimo trabalho, ajudando os ‘escri-tores de gaveta’ a lançarem seus nomes por aí afora.

Agradeço aos meus pais, por me ajudarem de todas as for-mas possíveis ao longo do processo de edição e por acreditarem que meu trabalho valia a pena, e também à minha irmã, por me incentivar e ajudar nas revisões de todos os trechos com os quais não me sentia confortável.

Meus amigos David e Rafael, por suportarem minha cons-tante insegurança em relação ao que escrevia e me ajudarem com opiniões sobre a narrativa quando precisei. Sei que não deve ser fácil ser meu amigo, mas fico feliz que vocês aguentaram esses quase seis anos.

Minha amiga e aprendiz de publicidade e propaganda, Jéssica Borges, que olhou cada sinopse, frase e tentativa de cria-ção de texto publicitário com olhos críticos e me guiou na direção certa.

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Por último, mas tão importante quanto, Bianca Alvaren-ga da SheWolf Arts (facebook.com/shewolfarts) por ter desenhado as artes conceituais para o Tumblr oficial (osratosdonovomundo.tumblr.com) e ter dado vida aos personagens que foram meus compa-nheiros durante tantos meses.

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PRÓLOGO

O melhor meio de controle é a alienação do homem. O conhecimento é uma ameaça para aqueles que tentam manter tudo e todos sob um rígido controle. Quando olhamos para trás, não para nosso passado, mas sim para a história, percebemos que tentativas nunca faltaram. Houve épocas em que tudo que tinha dever de informar era uma mera ferramenta de manipulação das fracas mentes humanas. Esses meios mostraram alta capacidade em cumprir sua principal e única função, porém aqueles que se negavam a ser trancafiados por um sistema, aqueles que não acre-ditavam no que lhes era entregue em mãos e que tinham a capa-cidade de crítica, ainda eram considerados uma ameaça potencial.

Olhando para trás, mesmo que eu não estivesse viva na-quela época, os meios utilizados eram simples e não exatamente eficazes para alguns. A vida deveria ser melhor com pequenas tentativas do que com verdadeiros sucessos em massa. Daria tudo para sentir o mínimo de liberdade, um ar de conhecimento, um

momento de êxtase causado por uma descoberta. Isso, porém,

não passava de um sonho.

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Tudo começou no ano de 2014. Em uma tentativa de impedir o compartilhamento de certas informações, o governo implantou leis que proibiam esse ato. À medida que o tempo passava, as proibições se tornavam cada vez maiores e pertur-badoras para alguns. Como um meio de protesto, Hackers co-meçaram a se infiltrar no sistema de empresas e liberar suas informações ao público.

Conforme as proibições se tornavam mais graves, mais os Hackers agiam, e desta vez eles atacavam algo maior que empresas. Eles atacaram o governo em si. Essas novas informações apenas aumentaram o já existente descontentamento do povo para com seus líderes.

O caos começou.Documentos confidenciais contendo informações sobre

reais motivos de conflitos foram liberados e a população – antes completamente sem contato com tais informações e acreditan-do cegamente na maioria das mentiras contadas pelo governo – se rebelou.

Mutirões, protestos, greves, ataques a prédios públicos, re-voltas. Iniciou-se uma verdadeira guerra entre o Estado e o povo. As sedes do poder executivo de vários países foram destruídas e reduzidas a nada mais nada menos do que ruínas.

A ‘guerra’ durou dez anos, até que os mais poderosos resol-veram cortar o mal pela raiz. Foi um banho de sangue. Um a um, homens e mulheres foram levados ao abate feito animais. Aqueles que tentavam fugir ou se esconder ganhavam uma morte mais dolorosa. Aqueles que se rendiam ao poder se tornavam aliados dos verdadeiros vilões. Os únicos poupados foram as crianças de até no máximo dez anos que foram chamadas de ‘comandados’, mais conhecidos como ‘sem mente’. Eu tive a infelicidade de ser a décima geração de ‘comandados’.

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A nação foi renovada a partir das crianças que continua-ram vivas, levadas aos grandes Campos de Concentração onde aprendiam a ser corpos sem alma. Cresciam para ser pessoas sem vontade, sem ambições ou desejos, feitas unicamente para seguir ordens de um governo falho e corrupto sem se fazer perguntas. Sem desejo por conhecimento, sem necessidade de se expressar ou mesmo com o direito de fazê-lo.

Cada ser humano era monitorado vinte e quatro horas por dia durante o ano todo por uma equipe designada para isso. Al-guns poucos felizardos conseguiam criar sua própria racionalida-de, mas estes eram mandados de volta para os Campos de Con-centração, e, se isso não funcionasse, eram mortos.

Ano após ano, a tecnologia e a ciência, que eram estudados apenas por aqueles que governavam ou que tinham dinheiro su-ficiente para se encaixar na chamada ‘classe alta’, criaram novos meios de monitoramento e controle. Tornava-se quase impossível encontrar um mínimo pedaço de alma dentro de si, e mais difícil ainda de escondê-la do mundo externo.

Livros, jornais, documentos históricos, filmes, obras de arte, músicas, tudo que pudesse ser considerado informativo e levas-se a algum sentimento fora do comum foi trancafiado em uma sala selada e impossível de se entrar. As únicas informações que chegavam ao povo eram as notícias distorcidas e manipuladas da televisão. Nem mesmo a religião conseguira se manter com tanto controle. Sem seus deuses para se apoiar, o único local onde es-peranças – se é que elas ainda existiam – podiam repousar eram no homem que era considerado um verdadeiro Deus, um grande salvador, o responsável pela mudança sofrida no mundo, o Grã--Comandante Doinel.

Um por um, todos os meios de fuga daquela socieda-de doentia foram sendo aniquilados. A ciência e a tecnologia

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continuaram a evoluir a cada dia, mas ninguém sabia onde, como ou por quê. Ninguém enxergava os grandes homens como os verdadeiros vilões. O mundo vivia a verdadeira idade das trevas.

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MIA

Quando se está dormindo, nada ao seu redor importa, ou é relevante o suficiente para que seus olhos se abram e contemplem a dura e irrelevante verdade. As noites se passam como um vazio. Uma escuridão sem fim em que nada é real, porém nada é fantasia, sonho. Esse vazio, entretanto, traz calma, conforto, uma estranha e errada ideia de liberdade que dura por algumas vagas horas.

Sempre que abria os olhos após me deleitar na escuridão, sentia algo que se assemelhava a dor, mas que não exatamen-te doía. Algo que parecia pânico, mas que não exatamente fazia meu coração disparar. Um vazio preenchido pelo nada que, por sua vez, significava tudo. Talvez fosse desgosto. Desgosto em ver aquela expressão nula no espelho, em ver a falsa felicidade daque-les que eram tão idênticos entre si. Mas era melhor assim, preferia olhar o espelho e admirar o vazio preenchido pelo nada do que olhar em volta e assistir ao que estava aparentemente preenchido ser enganado pelo tudo, por todos.

– Mia – falei meu nome em voz alta em frente ao espelho do banheiro e esbocei o melhor sorriso que podia. Esse era quase

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um exercício diário e obrigatório. O momento em que tentava reconhecer-me. Aquela figura sorrindo, cabelos e olhos negros era eu: Mia. Dezoito anos, décima geração de comandados, vive indo e vindo de campos de concentração, e a cada uma dessas idas e vindas a sua vontade de colocar uma corda em volta do pescoço e pular de uma altura fatal só aumenta.

Ritual diário parte dois: Olhar pela janela, respirar fundo e contar dez segundos.

Um: cheiro de fumaça. Dois: o brilho do sol ofuscado por essa mesma fumaça. Três: a muralha que cerca a cidade parece maior a cada dia. Quatro: as pessoas andando na rua parecem estar programadas. Cinco: ninguém olha para os lados. Seis: guardas nas esquinas, prontos para o ataque. Sete: acendo um cigarro mesmo sabendo que o ato é considerado um desvio de conduta grave. Oito: “Um pouco mais de fumaça não mata ninguém”. Nove: dia seis mil quinhentos e setenta. Dez: estou cansada...

– Mia! – Ouvi a voz de minha mãe atrás de mim, pronta para encher minha cabeça com palavras que me enojam mais uma vez. – Já disse para parar com essa porcaria! – Ela arrancou o cigarro de meus lábios e quebrou-o ao meio. Droga, era meu últi-mo. – Você não tem vergonha? Quer ir para um Campo de novo? Quando você vai parar?

– Quando eles me fizerem um favor e perceberem que é mais fácil me matar do que apagar meu cérebro ou transformá-lo em um pedaço de merda como o seu.

– Não se importa em ser um bom exemplo para seu irmão?Meu irmão. Um pobre coitado de dez anos que passa dia e

noite em uma dessas malditas escolas onde você é preso em uma cadeira bem confortável e fica horas e horas assistindo a vídeos ‘educacionais’ que mostram como o sistema quer apenas nosso bem, como eles desenvolveram nosso país e o mundo, e como foram heróis nos Tempos de Caos e Sangue. Lembro-me de meus

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tempos de escola. Perguntei uma vez a um dos responsáveis pela projeção dos vídeos por que não aprendíamos sobre o que acon-teceu antes dos Tempos de Caos e Sangue. Fui enviada para um Campo de Concentração no dia seguinte.

– Bom exemplo? – Ri. – Sou um ótimo exemplo. Sou o melhor exemplo que ele poderia ter. Mostro a ele os dois lados. Mostro alguém que não cai nesse papo furado de Tempos de Caos e Sangue ou que lambe o rabo do Grã-Comandante Doi-nel. Ele pode ser como eu ou pode ver a merda que eu aturo com você, seu marido e essa sociedade robotizada.

– Tenho vergonha de dizer que sou sua mãe. – Cuspiu com nojo.

– A recíproca é verdadeira. – Sorri e esbarrei em seu ombro ao passar ao seu lado, indo até a sala onde estavam meu irmãozi-nho, William, e meu pai, que por sua vez conseguia ser um pouco menos irritante que minha mãe pelo simples fato de que ele não se importava. Desistiu de mim depois da terceira vez que fui para os Campos. Beijei a testa de meu irmão e deixei a casa sem mais nenhuma palavra.

William era o único de quem gostava em minha família. Talvez porque ainda era uma criança. Ainda era relativamente inocente e apenas mais uma vítima daquela loucura e confusão que se instalou muito antes que ele ou eu nascêssemos. Tinha pena das crianças porque um dia se tornariam um daqueles adul-tos que sairiam todas as manhãs para seus trabalhos tediosos e ‘seguros’, usando as mesmas roupas cinza-claras para evitar a os-tentação de um gosto ou ideal fora do padrão. Todos devem acre-ditar naquilo que o salvador, Grã-Comandante Doinel, acredita. Façam isso, façam aquilo. Fechem os olhos, calem a boca, tapem os ouvi-dos e sigam seu líder. Tão obedientes quanto cães de competição! Hahaha! Inúteis, cães, animais de zoológico. Sirvam-me, façam-me rico, cresçam para trabalhar e me adorar, e, então, morram de alguma doença aleatória

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que será jogada na água de propósito. Temos que evitar a superpopulação. Lambam a merda grudada sob meu sapato, vermes!

Vermes. Adultos, crianças, adolescentes e alguns poucos idosos que se mantêm vivos porque são ricos. Todos não passam disso... Meros vermes. Vermes sob o comando de um primata.

Ando com a cabeça baixa, pensando comigo mesma en-quanto observo o movimento incansável de meus pés. Conto meus passos enquanto escuto sussurros voltados a mim e sinto olhares vindos de todos os lados. Qualquer um diria que tenho uma doença extremamente contagiosa. Minha doença é não usar aquela roupa cinz-clara. Minha doença é o pensamento.

Dou de frente com algo que interrompe meus passos e levanto minha cabeça. Dois guardas em trajes negros e capace-tes com viseiras que cobrem cada centímetro de seus rostos. As armas que carregavam assustariam alguém que não fosse acos-tumado à sua presença facilmente. Dois guardas com toda sua glória, prontos para me jogar em um Campo de Concentração uma vez mais.

– Chegaram rápido dessa vez. – Sorri esperando pela co-ronhada que não demorou muito a vir. Fui ao chão, sentindo o líquido quente e vermelho escorrer por meu rosto.

Uma coisa que aprendi com o tempo foi que não importa o quão pacificamente você esteja disposto a se entregar, eles sem-pre iriam te bater e inverter a situação. Por quê? Medo. O san-gue e a violência causavam medo. Quanto mais medo as pessoas tiverem, menos elas irão se impor. Vejam bem o que acontece com quem não se comporta. Cada coronhada que eu levava em público era um lembrete das consequências para os demais.

Os guardas, ainda não contentes, levaram-me aos chutes até a parede mais próxima para que cumprissem o protocolo. De pé novamente, coloquei as mãos atrás da cabeça, separei as pernas e encostei a testa no vidro gelado de algum edifício qualquer.

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Hora da vistoria.Um dos guardas passou as mãos por todo meu corpo, pres-

tando atenção em cada detalhe e tomando seu tempo em meus seios e entre minhas pernas – a primeira vez em que isso acon-teceu, chorei por três dias seguidos. Não era protocolo coisa al-guma. Noventa por cento dos guardas eram tarados sexualmente frustrados porque suas esposas eram tão automáticas e sem vida que sua única diversão era com aquelas mulheres que mandavam para os Campos. Aquela simples vistoria alimentaria seus sonhos e punhetas por um bom tempo.

Uma amostra de meu sangue foi coletada depois de uma vistoria feita dentro de minha boca, nariz e ouvidos – como se fosse possível esconder algo ali. As algemas foram apertadas com força em volta de meus pulsos e fui levada – mais uma vez aos chutes – até o veículo oficial dos Campos. Esse era só um nome bonito já que, na realidade, não se passava de um carro-forte frio, fedido e sujo de sangue.

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