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OS MUTILADOS DA HISTÓRIA - A EXPLORAÇÃO DA MÃO DE
OBRA NAS MADEIREIRAS NA REGIÃO DE GUARAPUAVA,
ANALISADOS NOS PROCESSOS JUDICIAIS DE ACIDENTE DE
TRABALHO (1940 - 1970)
BRAULIO GALHARDO BIAZON JUNIOR*
1. INTRODUÇÃO
O município de Guarapuava se apresenta como um cenário fértil de estudo regional
paranaense, possibilitando o debate crítico sobre o caráter identitário dos Campos Gerais no
Paraná e de suas estruturas agrárias. A relevância da investigação histórica dessa região é
abordada desde Brasil Pinheiro Machado (1963, 1968 e 1969) em suas diferentes pesquisas
consideradas referências fundamentais ao processo que norteou as diretrizes sociais e
históricas no estudo da formação histórica do Paraná, do processo de imigração paranaense e
de povoamento do território paranaense.
Pertencente a região Centro-Sul do Estado do Paraná, mais precisamente no terceiro
planalto, próximo a Serra da Esperança, Guarapuava foi intensamente marcada pela
exploração madeireira, que alastrou sobre as florestas da região centro-sul do estado a partir
da década de 1940 a 1970. Nessa época, as madeireiras trouxeram transformações ao
território, ao meio-ambiente e à vida das populações da região, sendo que, junto ao aumento
dos lucros madeireiros e ao seu regime de expansão territorial, aconteceram conflitos de terras
entre os empresários interessados nas matas de araucárias e as famílias que viviam nas áreas
visadas por esses empreendedores. Segundo Ayoub (2013:151) os eventos desencadeados
foram de violência física contra a população, como ameaças de expropriação, queima de
residências, confisco da produção agrícola, matança de criações, acusações de roubo de
madeira e de erva-mate, proibição do desenvolvimento normal das atividades de produção
agrícola, destruição de cercas, e outras provocações e atitudes vivenciadas pela população.
Diante desse contexto, foi definido o projeto de pesquisa “Exploração e ocupação do
território de Guarapuava e região pelas madeireiras, analisados nos processos judiciais de
acidentes de trabalho (1940-1970)” cujo objetivo foi entender os conflitos na exploração e
*Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP) na linha de Pesquisa Cultura e Trabalho. Bolsista do CNPq.
1
1 ocupação de território de Guarapuava tendo como objeto de estudo o cenário de trabalho dos
empregados das madeireiras desta região e como fonte de pesquisa os processos de acidentes
de trabalho ocorridos nessas empresas.
No início da pesquisa, no levantamento das primeiras fontes, foi identificada uma
riqueza de dados referentes ao trabalhador, o que desencadeou modificações no foco da
pesquisa que deixou de ser a disputa territorial e ocupacional imposta pelas madeireiras,
abandonando mesmo que momentaneamente os conceitos de exploração e ocupação do
território, para, desta forma, direcionar o olhar para a exploração da mão de obra dos
trabalhadores da região de Guarapuava nas madeireiras em contraposição as leis trabalhistas
que começavam a dar sinais de um aperfeiçoamento nas garantias legais do trabalhador,
principalmente, no que se refere ao acidente de trabalho. A partir de um olhar crítico, será
investigado a forma de abordagem e construção histórica relacionada a criação das leis
trabalhistas, seus campos de disputa e alterações que remontam desde seus primeiros esboços
em 1918 até o início de sua efetiva entrada em vigor nos anos de 1940.
Este texto apresenta de modo sucinto os primeiros apontamentos que fundamentam as
discussões iniciais do projeto de pesquisa em andamento, como: o papel dos processos
judiciais na compreensão das relações de trabalho; o processo de criação de uma legislação
trabalhista no brasil; as definições e o entendimento da justiça sobre o que é o acidente de
trabalho, suas garantias e remunerações pelo acidente sofrido; as fontes e o modo como
revelam o fato gerador do acidente e como também demonstram as condições de trabalho que
os trabalhadores eram expostos nas madeireiras; e por fim, AS considerações iniciais sobre
os 15 processos analisados de acidentes de trabalho ocorridos em madeireiras na região do
município de Guarapuava, no estado de Paraná, entre os anos de 1940 – 1970.
2. COMO A PESQUISA DE PROCESSOS JUDICIAIS POSSIBILITA A
COMPREENSÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO?
O eixo temático principal parte da centralidade do trabalho e dos trabalhadores, tendo
como referência a História Social, no propósito de investigar se os estudos das experiências
vividas nas madeireiras permitem ampliar o olhar sobre esse contexto, a partir da análise de
2
2 documentos de processos judiciais, que podem revelar as características das relações entre os
trabalhadores, os empregadores e o contexto econômico, político e social da época e suas
condições de vida.
Os processos judiciais trabalhistas foram selecionados como fontes históricas, pois são
ricos e abundantes meios para se conhecer o cenário social de determinada comunidade. Esta
afirmação já foi indicada por várias pesquisas que se dedicaram ao tema, mesmo que
indiretamente. Elas mostram a maneira como os processos fornecem indícios a configuração
social e, por outro lado, como seu controle por parte da justiça transformou a dinâmica social
de determinado período.
Nessa perspectiva, Veiga (2013:n.p.) afirma que
os processos judiciais, de modo geral, configuram-se como o produto de uma
disputa entre litigantes, os quais procuram construir versões de determinado
episódio, procurando convencer o mediador dessa disputa – o juiz de direito ou
desembargador – a atender suas solicitações. Com isso, acabam por reunir, em um
mesmo conjunto de documentos, uma quantidade significativa de registros
documentais, os quais versam, num primeiro momento, sobre os pontos em disputa,
mas que se prestam a outras perspectivas, no sentido de propiciar a compreensão
da dinâmica social.
Desta forma, a pesquisa de processos judiciais utilizados como fonte nos traz
diferentes abordagens na construção da narrativa e na compreensão de uma sociedade,
contribuindo na produção historiográfica, como podemos observar nas obras consideradas
consagradas, tais como "Trabalho, lar e botequim" (1986) de Sidney Chalhoub, que percebe o
cotidiano do trabalhador no Rio de Janeiro no início do século XX, intitulando-o como belle
époque, na qual, pela perspectiva dos processos de crimes de homicídios, vem à tona a
dinâmica desta sociedade contraposta aos periódicos e aos bastidores da justiça carioca.
Já na obra "Visões de liberdade" (1990), Chalhoub utiliza os processos criminais e
processos de obtenção de alforria em que a sociedade negra/escrava do Rio de Janeiro estava
inserida, os quais diferentes visões de liberdade contribuíram para o fim da escravidão.
Novamente, através de processos judiciais, especificamente crimes de homicídios, Chalhoub
dá voz aos esquecidos pela história revelando uma sociedade comum em forma de agente
histórico que antes fora despercebida.
3
3 Outro exemplo é a obra "Queijo e os vermes" (1976) de Carlo Ginzburg que discursa
sobre o cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição no século XVI, promovido pela
igreja católica, tendo como fonte os manuscritos inquisitoriais que levaram ao processo
inquisitório e que terminou em condenação do moleiro. Em suma, a produção destas obras
notórias no meio acadêmico nos mostram o quanto é possível a produção de conhecimento
histórico tendo os processos judiciais como fonte.
Dentro desse argumento, os processos judiciais trabalhistas são fundamentais para a
elaboração de pesquisas sobre a história da instituição, mas também das classes empregadora
e trabalhadora brasileiras. Conforme Veiga (2013:n.p.), nesses processos
estão integrados a proposição do autor, as ponderações do réu e a decisão do
magistrado. Nas argumentações das partes, para se tornarem críveis, há um
conjunto de provas dos fatos, formadas por documentos administrativos,
interrogatórios de testemunhas e quaisquer outros elementos que possam servir
para convencer o juiz de um ou outro argumento. Dessa forma, há uma série de
registros que, sendo incorporados aos processos judiciais, permitem novas e
variadas leituras desses autos, os quais podem servir para reflexão nas mais
variadas áreas do conhecimento.
Na intenção de exemplificar a relevância dos processos trabalhistas na análise do
modo como ocorriam os conflitos no âmbito da instituição, na relação entre trabalhadores e os
empregadores, é possível identificar pesquisas que pensam o Poder Judiciário trabalhista
como instituição criada para controlar os trabalhadores, mas também estudam como estes se
apropriaram dela como uma forma legítima de luta por direitos sociais. (DROPPA E
OLIVEIRA, 2013)
Neste sentido, Droppa e Oliveira (2013) apresentam exemplos de pesquisas que
abordam a Justiça do Trabalho, como a dissertação de Mestrado de Larissa Corrêa (2007) que
ao investigar os conflitos e as negociações entre empregados e empregadores no âmbito do
Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT2) de 1953 a 1964, contribuiu para a
compreensão da experiência dos trabalhadores em relação às leis e ao direito, possibilitando
adentrar na estrutura normativa e no funcionamento da instituição. E, também, a dissertação
de Mestrado de Samuel Fernando Souza (2003), que investigou as transformações na
estrutura produtiva de calçados e as experiências dos trabalhadores nesse ramo da indústria,
4
4 por meio de processos trabalhistas que tramitaram na Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ)
de Franca/SP entre 1970 e 1980.
Portanto, os processos judiciais se revelam importantes fontes para a história das
relações de trabalho e, desta forma, também são particularmente relevantes para o estudo dos
acidentes pois, segundo Ferraz (2010:206-207) apresentam o modo pelo qual se travavam as
relações sociais no mundo do trabalho, as diferentes representações dos atores envolvidos, as
conexões inerentes ao dinâmico processo da luta de classes, além de apresentar as percepções
dos agentes do Estado que, a partir da lei de acidentes, começaram a interferir, ou talvez
mesmo participar, das tensões inerentes às relações de trabalho.
Conforme o levantamento da pesquisa de Aravanis (2012), a Legislação que rege os
acidentes do trabalho no Brasil remonta ao ano de 1918, quando surgiu o Decreto nº 3.724, de
15 de janeiro de 1919, modificado pelo Decreto nº 13.493, de 5 de março de 1919 e, por fim,
regulamentado pelo Decreto nº 13.498, de 12 março de 1919, constituindo-se, assim, a
primeira lei brasileira em favor do trabalhador acidentado. Adotando a “teoria do risco
profissional”, que teve como criador Félix Faure, em 1883, passou-se a entender que assim
como o empregador suporta o desgaste e a destruição de seu material, bem como os gastos de
amortização do que lhe é útil, como os riscos de incêndio, responsabilidade civil, etc, deve
igualmente suportar a responsabilidade pelos acidentes ocorridos no trabalho realizado em seu
proveito. Posteriormente, foi promulgado o Decreto nº 24.637, de 10 de julho de 1934, que
também parte da teoria do risco profissional e, além disto, obriga, a partir de seu artigo 36, os
empregadores a oferecerem a garantia de seguro contra acidentes do trabalho em instituição
particular, ou um depósito nos bancos públicos (Caixas Econômicas da União ou do Banco do
Brasil), em moeda corrente, ou ainda título da dívida pública federal . O grande marco da
legislação infortunística é o Decreto nº 7036, de 10 de novembro de 1944, regulamentado
pelo Decreto nº 18.809, de 5 de maio de 1945, e que vigorou durante 31 anos.
Aravanis (2012) constata que a riqueza documental que pode ser encontrada nestes
documentos é quase que indescritível, cita ter identificado nos processos, documentos como
carteiras de trabalho ricamente preenchidas, cartas de viúvas de trabalhadores para as
Companhias Seguradoras, Apólices de seguro com regras que as regiam, manuais sobre as
condutas operárias desejáveis pelo patronato, questionários variados para admissão nos
cargos, etc. A partir desta documentação é possível “mergulhar” um pouco no que seriam as
5
5 condições de vida e de trabalho do operariado no estado (formas de organização familiar,
tipos de doenças que sofriam, etc.), bem como no campo jurídico destes embates entre o
trabalhador e o patrão.
Nas madeireiras, as condições de trabalho de modo geral não eram seguras para o
trabalhador. O trabalhador esteve sempre envolvido em acidente causado pelo exercício de
sua atividade. A partir de uma revisão bibliográfica sobre acidentes de trabalho em
madeireiras, Medeiros e Jurado (2013) afirmam que os acidentes no trabalho acarretam aos
trabalhadores danos que podem variar de restrições laborais até a impossibilidade de trabalho,
seja temporária ou permanente. O setor florestal, que movimenta milhões de empregos todos
os anos, acaba por ter condições de trabalho precárias e inseguras e situa-se, juntamente com
o setor da construção civil e da petrolífera, entre os empregos mais perigosos. Denota-se que
os acidentes geralmente são causados devido a falta de equipamentos adequados e a utilização
de equipamentos e máquinas inseguros destinados a esse setor de atividade. Também muitos
acidentes de trabalho acontecem pela não qualificação e profissionalização dos trabalhadores.
Ainda, constataram que grande parte dos acidentes acontece no momento da derrubada de
árvores.
3. COMO FOI POSSÍVEL A CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
NO BRASIL?
A Legislação Trabalhista brasileira se arrastou por mais de 25 anos até atingir um
nível de desenvolvimento que possibilitaria seu emprego e funcionamento. Durante esse
período, houve muita resistência por parte da classe trabalhadora, sindicatos e patrões para
sua implantação, deste modo, tornando-se um campo de disputa acirrada entre patrão,
sindicato e, posteriormente, o Estado para legitimar quem seria o detentor do monopólio do
emprego no Brasil. De um lado, os sindicatos tinham o controle dos trabalhadores, como as
determinações de greves e reivindicações de melhorias nas condições de trabalho (como
jornada de 8 horas diárias, proteção ao trabalho da mulher e do menor, por exemplo). De
outro lado, o patronato, atribuindo que tais mudanças poderiam acarretar alterações no custo
de produção e, consequentemente, no preço do produto final, sempre com o intuito de
proteger a empresa e seus lucros.
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6 É importante frisar que mesmo que aparentemente a Lei Trabalhista possui um caráter
de proteção ao trabalhador, oferecendo garantias com relação ao trabalho, a ideia de uma
legislação específica para o trabalho não é sinônimo de justiça ou mesmo de uma garantia,
podendo ser entendida como um meio de controle a evitar conflitos entre o trabalhador e o
empregador. Para ficar mais claro, devemos entender o processo de criação dessas leis e os
conflitos que permeavam a sociedade brasileira no início do século XX.
O Brasil vinha de uma recente abolição da escravidão e proclamação da República
respectivamente 1888/1889. Desta forma, segundo Kazumi Munakata, mesmo com o
liberalismo da Constituição de 1891, a "questão social" era tratada como caso de polícia, ou
seja, durante a República Velha (1889-1930) as greves e manifestações operárias eram
fortemente reprimidas pela polícia, provocando prisões, feridos e mortes, sindicatos eram
invadidos e fechados e estrangeiros eram expulsos do país por força de lei. Ainda segundo
Munakata (1984:10)
A questão social enquanto caso de polícia tornou-se assim mais uma prova do
caráter obscurantista desta República dita "Velha", já tão desprestigiada porquanto
"oligárquica", dominada por latifundiários de mentalidade atrasada, que não
abriam canais de participação política a ninguém, a despeito do liberalismo
estampado na Constituição de 1891.(...)
(...)o liberalismo brasileiro destinava-se apenas ao consumo externo, "pra inglês
ver", de que por trás do "país legal", de fachada liberal, ocultava-se um "país real",
pontilhado de violências e arbitrariedades. Como dizer-se liberal, se "a questão
social é um caso de polícia"? O liberalismo brasileiro, então, só podia ser mais uma
aberração deste curioso país, já tão repleto de exotismos...
Seguindo a teoria liberal, a violenta repressão imposta pelos patrões sobre os
trabalhadores durante manifestações e greves estavam legitimamente resguardadas por se
tratar da proteção da propriedade privada, ou seja, o patrão tinha total liberdade para acionar
os meios de controle do Estado para conter os trabalhadores, justificado conforme Locke
(1632-1704), na obra: Segundo tratado sobre o Governo, quem tem o poder e o direito de
castigar é o Estado, e continua "Considero, portanto, poder político o direito de fazer leis com
pena de morte e, consequentemente, todas as penalidades menores para regular a
propriedade". Tal colocação deixa claro que para o liberalismo o fundamental é a defesa da
propriedade privada. Seguindo o raciocínio liberal, era inconcebível uma legislação específica
para o trabalho, pois, o contrato de trabalha entre o patrão e o trabalhador era entendido como
7
7 negócio privado, assim, não permitindo a intervenção do Estado, caso contrário, estaria o
Estado interferindo em negócio privado firmado e concordado entres as partes "livres", no
caso, o trabalhador vendia sua força de trabalho em troca de um valor acertado como salário,
o Estado tinha como única função garantir o cumprimento deste contrato, não permitindo que
fosse rompido sem o consentimento de ambas as partes.
Em 1907, o decreto nº 1637 regulamenta a criação de sindicatos profissionais, porém,
esse são entendidos como livres, não cabendo ao Estado sua autorização. Os sindicatos
pertenciam ao direito privado e não respondiam a nenhuma legislação especial. Sendo pessoa
jurídica, o sindicato funcionava como uma extensão do indivíduo não podendo o Estado
interferir na vida particular do trabalhador. A única intervenção que cabia ao Estado era a
intervenção policial quando necessária para garantia da propriedade privada, ou seja, garantir
a integridade da empresa perante as ações coordenadas pelos sindicatos. (MUNKATA,
1984:25)
Com o Tratado de Versalhes, marcando o fim da Primeira Guerra Mundial assinado
em 1919, foi criada a OIT, Organização Internacional do Trabalho, determinando a adoção de
um regime de trabalho humano que garantiria melhor qualidade de vida ao trabalhador no seu
próprio território, convocando os países a implantação das leis trabalhistas. Durante a última
década da República Velha, mesmo com o Decreto nº 3.724, de 15 de janeiro de 1919,
modificado pelo Decreto nº 13.493, de 5 de março de 1919 e, por fim, regulamentado pelo
Decreto nº 13.498, de 12 março de 1919, constituindo a primeira lei brasileira em favor do
trabalhador acidentado e o Decreto nº 16027 de 1923 com o objetivo de efetivar os
compromissos assumidos pelo Brasil no Tratado de Versalhes, o desenvolvimento das leis
trabalhistas e acidentes de trabalho caminhou a curtos passos. Somente com o Estado Novo
que em 1934 com a promulgação Decreto nº 24.637, a partir de seu artigo 36, obriga os
empregadores a oferecerem a garantia de seguro contra acidentes do trabalho em instituição
particular, ou um depósito nos bancos públicos (Caixas Econômicas da União ou do Banco do
Brasil), em moeda corrente, ou ainda título da dívida pública federal.
A luta sindical e seu papel durante o período da criação das leis trabalhistas, bem
como suas conquistas e suas derrotas durante o período que se arrastou do início do século
XX até o Decreto nº 7036, de 10 de novembro de 1944, regulamentado pelo Decreto nº
18.809, de 5 de maio de 1945 (que cabe ao período do recorte para análise das fontes), várias
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8 lutas foram travadas entre o movimento dos trabalhadores, sindicatos, patrões e Estado no que
se refere concordância, ou não com as propostas de leis. A intervenção do setor industrial na
criação de leis que os beneficiassem, as disputas pelo monopólio do trabalho, a criação de
vários orgãos que colaboraram com a criação das Leis dentre outros temas importantes ao
entendimento da criação da Legislação Trabalhista brasileira serão aprofundados dando
continuidade ao tópico até aqui desenvolvido afim de se tornar proposta de capítulo para
dissertação.
4. QUANTO VALE UM MEMBRO HUMANO? O ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA
SOBRE O QUE É ACIDENTE DE TRABALHO
A partir do Decreto nº 7036, de 10 de novembro de 1944, que aborda a reforma da lei
de acidentes de trabalho, dentre seus artigos estão as definições e o entendimento da justiça
sobre o que é o acidente de trabalho, suas garantias e remunerações pelo acidente sofrido, de
acordo com a gravidade do acidente, seja este lesão permanente, parcial ou até mesmo óbito,
por fim, de acordo com o artigo 52 desta lei, identifica-se que era possível negociar os valores
a serem recebidos pelo acidentado, desta forma, abrindo espaço para uma negociação direta
entre patrão e empregado.
No decorrer do desenvolvimento das Leis que viriam a ser legisladoras do trabalho,
para não correr o risco de sofrer grandes prejuízos com a implantação das mesmas, o setor
industrial que mesmo dificultando a formulação das Leis e seu cumprimento, também teve
efetiva participação através dos sindicatos patronais para garantir a criação de Leis
consideradas "mais justas" para os industriais num grande jogo de interesses. Conforme
aponta Munakata (1984:83)
No final da década de 20, como foi visto, a grande questão que o movimento
operário coloca para a sociedade e, em particular, para a burguesia, era a do
controle do mercado de trabalho. A resposta dos industriais é a sua inflexibilidade,
a sua organização e a formulação de novos projetos de dominação: se os sindicatos
devem ser aceitos como agências controladoras do mercado de trabalho, que eles
por sua vez sejam também controlados. O corporativismo foi a solução encontrada
no Brasil.
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9 A partir desta intervenção, os sindicatos, a grosso em concordância com a teoria
corporativista passam a assumir um caráter público, permitindo assim a subordinação ao
Ministério do Trabalho, ou seja, via de regra os sindicatos passam a sofrer intervenção e
regulamentações por parte de Estado conforme Decreto nº 19770 de 19 de março de 1931 que
passa a regular a sindicalização, desta forma, o sindicato deixa de ser autônomo, não é mais
visto como pessoa jurídica e passa a responder a interesses do governo.
Com essa vitória do setor industrial que obrigou a burocratização dos sindicatos, o
trabalhador perde seu espaço na batalha, não é mais dono de suas reivindicações e passa a ter
a gestão de seus interesses depositados unicamente no sindicato ao qual é subordinado ao
Governo. Desta forma, agora regularizado, o trabalhador responde a Leis que supostamente
garantem seus direitos, assim, evitando conflitos entre patrões e empregados, sem prejuízos
causados por greves e manifestações das quais a negociação anteriormente era feita por um
cabo de guerra entre sindicato/trabalhador e o patrão.
Diante dessas mudanças, orgãos ligados ao Ministério do Trabalho, por pressão
industrial, começam desenvolver tabelas que quantificam os valores que cada acidentado de
trabalho deve receber de acordo com o acidente sofrido. Desta forma, a quantificação feita por
um grupo "neutro" determina o valor de cada membro do trabalhador, ainda, Munakata alerta
que tais tabelas, além de serem uma aberração no que se refere a valores que devem ser
recebidos, retiram do trabalhador o que ele já sabe que nada mais é o valor de sua mão de
obra .
A proposta para o desenvolvimento desse tópico se baseia nesses cálculos, através
deles, juntamente com dados existentes nas fontes, mais precisamente, nos processos de
acidente de trabalho, pretende analisar os valores recebidos pelo trabalhador afim de verificar
seu poder aquisitivo. Com ajuda de fontes secundárias pode-se levantar preços de produtos
consumidos na época, se os valores recebidos não só pelo acidente mas também pelo próprio
trabalho eram condizentes com o custo de vida na época, pois, é perceptível na análise dos
processos que devido ao artigo 52 do Decreto nº 7036, de 10 de novembro de 1944 que
possibilita o acordo, grande parte dos processos de acidentes de trabalho sofridos nas
madeireiras da região de Guarapuava são acordos enquadrados no referido artigo, mostrando
mais uma vez, a intervenção do setor privado determinando valores a serem acordados muito
abaixo do valor das garantias da Lei, comprovando novas formas de controle do trabalhador
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10 agora amparados pelo Estado. Nesse sentido, fica a pergunta: Quanto vale um membro
humano sob o olhar do Estado?
5. DAS FONTES DE ACIDENTES DE TRABALHO OCORRIDOS EM
MADEIREIRAS NA REGIÃO DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA (1940 – 1970)
As peças que compõem o processo de acidente de trabalho não só revelam o fato
gerador do acidente como também demonstram as condições de trabalho que os trabalhadores
eram expostos nas madeireiras. Nesta perspectiva, podemos identificar não só como agia o
âmbito judicial, no cumprimento das leis referentes ao acidente de trabalho como garantia da
integridade do trabalhador, mas também quem era esse trabalhador inserido nesse contexto
exploratório da madeira que ocorreu na cidade de Guarapuava entre 1940-1970.
A riqueza das fontes judiciais promove a construção da historiografia das mais
variadas sociedades que passaram pelo meio judicial, assim, podemos entender através de um
olhar crítico para as fontes o perfil social do trabalhador na exploração de madeira nos
campos de Guarapuava.
Os processos judiciais de acidente de trabalho utilizados como fonte para o
desenvolvimento desta pesquisa possuem ampla documentação sobre os acidentes de trabalho
ocorridos em madeireiras na região do município de Guarapuava, no estado de Paraná, entre
os anos de 1940 - 1970. Os processos de acidentes de trabalho ocorridos na extração de
madeira até seu beneficiamento fornecem dados para entender como foi esse procedimento e
suas consequências para a região, a condição de trabalho destes operários do ramo madeireiro,
como funcionava a justiça em relação ao acidentado de trabalho, bem como as leis que
garantiam a seguridade desses trabalhadores. A partir da seleção e análise inicial de 15
processos, como aparentemente não foi identificado um padrão entre si, inicialmente foi
comentado, de modo geral, os processos e suas primeiras impressões sobre os trabalhadores
do período e, posteriormente, apresentado os resultados preliminares da análise de um
processo específico.
11
11 Os processos analisados até o momento se enquadram no decreto de lei n° 7.036 de 10
de novembro de 1944. Em sua maioria são pedidos de homologação de acordo conforme o
artigo 52 do referido Decreto.
Dentre os acidentes no desenvolvimento das atividades dos trabalhadores, foram
identificados acidentes com cortes profundos, perda de falange dos dedos das mãos em serras
no beneficiamento da madeira, queda de galhos causando esmagamento de membros
superiores e inferiores gerando como sequela o encurtamento dos membros, acidente no
descarregamento de toras levando trabalhadores a morte. Diante dos acidentes, o trabalhador
recebia na maioria dos casos o seguro através de uma seguradora que entrava com o processo
para cobrar os direitos do acidentado de trabalho conforme estabelecido em lei, basicamente,
era necessário uma petição inicial enquadrando o acidentado na lei e a cobrança dos valores
devidos pelo acidente que causavam afastamento temporário ou permanente, carta de
comunicado de acidente de trabalho e atestado médico informando a lesão causada, tempo de
recuperação e gravidade.
Na análise geral dos processos, verificou-se uma variação de idade entre os
trabalhadores acidentados, menores de idade e pessoas com idade superior ao 45 anos,
variação do valor do salário diário do trabalhador de acordo com idade e função, até o
momento não deparei com nenhum processo que revele a presença de mulheres no trabalho
nas madeireiras. Dentre os acidentados é possível perceber a presença de trabalhadores
migrantes, é muito forte a presença de migrantes alemães, ucranianos e poloneses na região.
Em processos com maior quantidade de documentos apresentados se tem uma maior
visão do trabalhador, como em casos de óbito que são anexados certidões de casamento,
registros de nascimento de filhos, depoimentos de testemunhas do acidente, etc. Com esses
documentos é possível traçar um perfil mais detalhado desse trabalhador, tal como as
informações sobre de onde veio, sua família, seus pais, etc.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de pesquisa em fase de desenvolvimento e recentes modificações, ainda
é cedo para fazer afirmações ou determinar causas, as propostas para capítulos apresentadas
no texto ainda carecem de maior aprofundamento bibliográfico para o melhor
12
12 desenvolvimento dos mesmos afim de tornar compreensível as ideias e críticas apresentadas.
Com relação as fontes ainda é necessário pesquisa das mesmas por se tratar de uma fonte
composta por centenas de processos referentes ao período, desta forma, podendo surgir novos
questionamentos no que se refere a exploração do trabalho nas madeireiras na região de
Guarapuava. Por fim, esta pesquisa tem como objeto não somente a busca do entendimento
das relações de trabalho nas madeireiras em contraposição as Leis, mas também contribuir
para a formação do conhecimento e novas possibilidades de pesquisas referentes ao tema.
7. REFERÊNCIAS
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Sul no início da Era Vargas: embates entre a Justiça, o patronato e o trabalhador. Revista
Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012. Edição Especial – Lugares da
História do Trabalho. Disponível em
<http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/87/65> Acessado em 10 de abril
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AYOUB, Dibe Salua. Madeira sem lei: jagunços, posseiros e madeireiros em um conflito
fundiário no interior do Paraná. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social),
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AYOUB, Dibe. Os posseiros do Pinhão – conflitos e resistências frente à indústria madeireira.
In:PORTO, Liliana, SALLES, Jefferson de Oliveira e MARQUES, Sônia Maria dos Santos
(Orgs.). Memórias dos povos do campo no Paraná – centro sul. Curitiba: ITCG, 2013.
Disponível em <www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/versaoweb.pdfA> Acessado em 10 de abril
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BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro. Contribuição ao estudo da história
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Curitiba, n. 3, jun. 1963, p. 1-27.
BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro. Campos Gerais: estruturas
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BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Cecília Maria.
História do Paraná. Curitiba: GRAFIPAR, 1969. v. 1.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de
Janeiro da belle époque. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade.São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
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