os metaplasmos - versão 2012

24
FORMAÇÃO HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA Adaptado de Guilherme Ribeiro I. ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA A língua portuguesa está intimamente relacionada com os acontecimentos históricos que se sucederam na Península Ibérica. Pouco se sabe acerca dos povos que teriam habitado o solo peninsular antes da chegada dos romanos (séc. III a. C.). De entre esses faz-se referência aos iberos, aos celtas, aos fenícios, aos gregos e aos cartagineses. A Península Hispânica fora habitada, em tempos muito remotos, pelos Iberos, povo agrícola e pacífico. Por volta do século VI antes de Cristo, este território fora invadido pelos Celtas, um povo turbulento e guerreiro. E a prolongada permanência provocou o cruzamento entre estes dois povos, dando origem à denominação de Celtiberos. Depois, os Fenícios, os Gregos e os Cartagineses estabeleceram colônias comerciais em vários pontos da Península. Como estes últimos pretendiam apoderar-se de todo o solo peninsular, os Celtiberos pediram socorro aos Romanos. ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA É assim que os Romanos invadem a Península, no século III antes de Cristo, com o intuito de travar a expansão dos Cartagineses, dado que estes constituíam uma séria ameaça ao domínio do mundo mediterrâneo pretendido por Roma. Vencidos os Cartagineses, os Romanos acabaram por dominar toda a Península, tanto no aspecto político-militar quanto no aspecto cultural, nomeadamente no que respeita à língua. A civilização latina foi-se impondo através da abertura de escolas, da construção de estradas e de templos, pela incrementação do comércio, pelo serviço de correio, etc. Consequentemente, a sua língua, o Latim tornou-se indispensável e obrigatório, suplantando os idiomas já existentes. 1

Upload: werbsoncalin

Post on 27-Dec-2015

37 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Língua

TRANSCRIPT

Page 1: Os Metaplasmos - Versão 2012

FORMAÇÃO HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA Adaptado de Guilherme Ribeiro

I. ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

      A língua portuguesa está intimamente relacionada com os acontecimentos históricos que se sucederam na Península Ibérica.

Pouco se sabe acerca dos povos que teriam habitado o solo peninsular antes da chegada dos romanos (séc. III a. C.). De entre esses faz-se referência aos iberos, aos celtas, aos fenícios, aos gregos e aos cartagineses.

      A Península Hispânica fora habitada, em tempos muito remotos, pelos Iberos, povo agrícola e pacífico. Por volta do século VI antes de Cristo, este território fora invadido pelos Celtas, um povo turbulento e guerreiro. E a prolongada permanência provocou o cruzamento entre estes dois povos, dando origem à denominação de Celtiberos.

      Depois, os Fenícios, os Gregos e os Cartagineses estabeleceram colônias comerciais em vários pontos da Península.

      Como estes últimos pretendiam apoderar-se de todo o solo peninsular, os Celtiberos pediram socorro aos Romanos.

ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA

      É assim que os Romanos invadem a Península, no século III antes de Cristo, com o intuito de travar a expansão dos Cartagineses, dado que estes constituíam uma séria ameaça ao domínio do mundo mediterrâneo pretendido por Roma.

      Vencidos os Cartagineses, os Romanos acabaram por dominar toda a Península, tanto no aspecto político-militar quanto no aspecto cultural, nomeadamente no que respeita à língua. A civilização latina foi-se impondo através da abertura de escolas, da construção de estradas e de templos, pela incrementação do comércio, pelo serviço de correio, etc. Consequentemente, a sua língua, o Latim tornou-se indispensável e obrigatório, suplantando os idiomas já existentes.

      Mas como é fácil prever, o Latim dos soldados romanos não era o mesmo dos escritores. Era o Latim usado pelo povo, chamado Latim Vulgar.

      Já o povo peninsular se encontrava totalmente romanizado, quando, no século V da era cristã, a Península voltara a ser invadida e assolada, desta vez pelo povos bárbaros germanos (alanos, suevos, vândalos, visigodos), gente essencialmente guerreira e de cultura inferior à alcançada ao longo do processo de romanização. Daí que os bárbaros, apesar de vencedores, acabassem por adotar a civilização e a língua latinas. Mas isto não impediu a dissolução da unidade política do império, uma vez que os bárbaros, baseados no pressuposto de que a instrução fragilizava o espírito bélico dos soldados, decretaram o encerramento das escolas.

      Se este fato motivou o enfraquecimento da nobreza romana, somar-se-lhe-ia, entretanto, um outro que a condenaria ao seu desaparecimento: as letras latinas, preservadas e cultivadas

1

Page 2: Os Metaplasmos - Versão 2012

no silêncio dos mosteiros, viriam a ser proibidas por um cristianismo radical e exacerbadamente purificador, por considerá-las contaminadas pelo espírito pagão.

TRANSFORMAÇÃO DO LATIM VULGAR EM DIALETO

      À queda e fragmentação do Império Romano sucede-se a supressão dos elementos unificadores do idioma. Isto é, o Latim Vulgar, já substancialmente modificado pela ação do substrato linguístico peninsular, perde progressivamente terreno e desenvolve-se diferentemente em cada região. Isto equivale a dizer que o Latim vulgar se dialetou, sobretudo devido à invasão bárbaro-germânica.

      Chegados ao século VII, os árabes, vindos do Norte de África, invadiram a Península. Como a sua cultura era superior à que o povo peninsular possuía, eles tentaram impor a sua língua como oficial. Porém, os habitantes da Península, sentindo as enormes oposições de raça, de língua e de religião que os separavam do povo vencedor, não aceitaram a sua civilização e continuaram a falar o "romance" (o Latim Vulgar, contaminado por diversos substratos). No entanto, algumas povoações acabaram por receber diretamente a influência dos árabes, formando uma espécie de comunidades mistas, denominadas "moçárabes", mas mantendo independência quanto ao culto religioso.

      Por estas razões se compreende que o povo árabe, cultural e civilizacionalmente superior, não tenha tido, ao longo dos mais de sete séculos de ocupação peninsular (expulsos em 1492, por Fernando de Aragão e Isabel de Castela), uma forte influência no tocante à língua portuguesa. A maioria dos vocábulos que o nosso idioma absorveu desse povo caracterizam-se pelo prefixo AL, que corresponde ao artigo definido árabe, como documentam os seguintes exemplos: álgebra, algibeira, álcool, alcatifa, alface, algarismo, alfazema, alcachofra, almofada, alfinete, algema, algodão, alqueire, etc.

II. O DESPERTAR DA EMANCIPAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA

      O processo de expulsão do povo árabe da Península foi longo e penoso. Nos finais do século XI, sob a bandeira de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, muitos fidalgos acorreram em auxílio do monarca para libertar o reino da presença do infiel. Entre eles destaca-se D. Henrique, conde de Borgonha, que, pelos serviços à coroa e à causa cristã, recebera em casamento a filha do rei, D. Tareja, e, por dote, o governo do Condado Portucalense, um pequeno território situado na costa ocidental da Península, entre os rios Douro e Minho.

      D. Afonso Henriques, filho do conde D. Henrique, continuou a luta contra os mouros, pretendendo transformar o reino de Leão e Castela num estado independente. De entre os inúmeros combates, ganhou particular importância a batalha de Ourique, em 1139, quer pela vitória alcançada sobre os árabes, quer também pelo fato de os soldados, antes de se iniciar o combate, terem aclamado D. Afonso Henriques de rei de Portugal. Mas só em 1143 seria reconhecida a independência do Condado Portucalense e D. Afonso Henriques proclamado rei. E daqui nasceria Portugal.

      Nessa região, onde fora fundada a monarquia portuguesa, falava-se um dialeto denominado galaico-português, expressão linguística comum à Galiza e a Portugal. Mas, à medida em que Portugal alargava os seus domínios para o Sul, ia absorvendo os falares (ou romances) que aí existiam e, consequentemente, ia se diferenciando do galego, até se

2

Page 3: Os Metaplasmos - Versão 2012

constituírem como línguas independentes: o galego acabou por ser absorvido pela unidade castelhana, e o português, continuando a sua evolução, tornar-se-ia a língua de uma nação.

III. FASES DE EVOLUÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA

      Segundo Leite de Vasconcelos, há de se considerar na evolução da língua portuguesa três fases: pré-histórica, proto-histórica e histórica.

       Fase Pré-Histórica: começa com as origens da língua e vai até ao século IX. Entre o século V e o século IX temos o que geralmente se denomina romance lusitânico. Ao longo deste período encontramos somente documentação em Latim Vulgar.

      Fase Proto-histórica: estende-se do século IX ao século XIII. Nesta fase encontram-se já, nos documentos redigidos em Latim Bárbaro (o Latim dos notários e tabliães da Idade Média), palavras e expressões originárias dos romances locais, entre os quais aquele que dera origem ao Português. Donde se deduz que a língua já era falada, mas não escrita.

     Fase Histórica: inicia-se no século XII e estende-se até aos nossos dias. Esta fase compreende dois períodos:

      1. Período do Português Arcaico: vai do século XII ao século XV.

      O primeiro texto inteiramente redigido em português data do século XII. Pensou-se durante muito tempo tratar-se da Cantiga da Guarvaya, também chamada "Cantiga da Ribeirinha", porque dedicada a D. Maria Paes Ribeiro, a «Ribeirinha», amante de D. Sancho I:

                  "No mundo non me sei parelha,                    mentre me for' como me uay                    ca ia moiro por uos e ay!                    mha senhor branca e uermelha,                    queredes que uos retraya                    quando uos eu ui en saya!                    Mao dia me leuantei,                    que uos enton non ui fea!                    E, mha senhor, des aquel di' ay!                    me foi a mi muyn mal,                    e uos, filha de don Paay                    Moniz, e ben uus semelha                    d' auer eu por uos guaruaya                    pois eu, mha senhor, d' alfaya                    nunca de uos ouue nem ei                    ualia d' ũa correa."                         Cancioneiro da Ajuda

      [VOCABULÁRIO: parelha = semelhante, igual; mentre = enquanto, entrementes; ca = pois, porque; moiro = morro; queredes = quereis; retraya = retrate, evoque; que uos enton non ui fea = que então vos vi linda (por litote); mi = mim; semelha = parece; guaruaya = manto escarlate próprio dos reis.]

3

Page 4: Os Metaplasmos - Versão 2012

      Porém, o tempo veio provar que o autor desta composição, Paio Soares de Taveirós, se situa no segundo terço do século XIII e não no século XII, como Carolina Micaëlis havia suposto, ao considerar esta cantiga como escrita em 1189 ou 1198.

      Para já, tudo parece indiciar que a Notícia de Torto (antes de 1211?) e o Testamento de Afonso II (1214) serão os mais antigos documentos não literários escritos em Português. Quanto às composições de caráter literário, pensa-se que João Soares de Paiva, a quem se deve uma cantiga de maldizer, segundo López Aydillo datada de 1196, terá sido o primeiro poeta a escrever em idioma português.

      A partir dessa altura, aparecem outros textos de poesia e, mais tarde, surgem os primeiros textos em prosa.

      As poesias reunidas nos "Cancioneiros" e as "Crónicas" de Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara e Rui de Pina são textos que documentam este período arcaico.

      Em 1290, D. Dinis, o rei 'Trovador', torna obrigatório o uso da língua portuguesa e funda, em Coimbra, a primeira Universidade.

      2. Período do Português Moderno: do século XVI até aos nossos dias.

      Por influência dos humanistas do Renascimento, o século XV ficou marcado por um aperfeiçoamento e enriquecimento linguísticos. Ao mesmo tempo em que se procurava, no nível das artes e das Letras, imitar os modelos latinos, tentava-se igualmente aproximar a Língua Portuguesa da língua-mãe. Como a coroar esse processo, aparece, em 1572, a obra de Luís de Camões, «Os Lusíadas», marco histórico do nosso idioma e monumento literário- linguístico.

      É nesse mesmo século que surgem as primeiras tentativas de gramaticalização da língua. Fernão de Oliveira edita, em 1536, a primeira Gramática da língua portuguesa, intitulada «Gramatica da Lingoagem Portugueza». Em 1540, João de Barros escreve, com o mesmo título, a segunda gramática da língua portuguesa.

      A partir do século XV, através da expansão marítima, os portugueses descobrem novas terras e a elas levam a sua língua, estendendo deste modo o espaço geográfico em que a Língua Portuguesa serve, com mais ou menos alterações relativamente à do povo que a divulgou, de língua de comunicação em várias nações do mundo.

___________________________________________________________________________

OS METAPLASMAS: FENÔMENOS FONÉTICOS

      A língua é constituída por 'palavras'. As palavras, no escrito, são formadas por 'letras' que representam "materialmente" os sons que produzimos no oral.

      As palavras não tiveram sempre a forma que hoje apresentam. Como se sabe, a Língua Portuguesa gerou-se numa progressiva emancipação face a outras línguas, que lhe são anteriores, das quais se destaca o Latim. Ao longo de séculos foi sofrendo alterações, umas mais tênues outras mais profundas, até se constituir como sistema linguístico autônomo. Às modificações a que foi sujeita nós chamamos METAPLASMAS.

4

Page 5: Os Metaplasmos - Versão 2012

      Estes metaplasmos manifestam-se de quatro modos:

  I. Por adição (acrescentamento, ou aumento)  II. Por supressão, ou redução; III. Por transposição; IV. por transformação.

I. METAPLASMAS POR AUMENTO (ADIÇÃO)

1. PRÓTESE: Consiste no acréscimo de fonema no início de vocábulo:  stare > estar \\ Spiritu > espírito \\  Scutu > escudo \\ mostrar > amostrar **  A aglutinação do antigo artigo árabe - al - constitui uma maneira especial de prótese: lacuna > alagoa \\ Minacia > ameaça

2. EPÊNTESE: É o nome que se dá ao acréscimo de um fonema no interior de palavra: stella > estrela \\ uumile > humilde \\ umero > ombro

** A Epêntese possui uma modalidade denominada suarabácti, que consiste na intercalação de uma vogal para desfazer um grupo de consoantes: plano > prão > porão \\ blatta > brata > barata \\ grupa (do germânico kruppa) > garupa ** Também se inclui nesSe fenômeno o acréscimo de I intervocálico, para desfazer hiato: catena > cadea > cadeia \\  plenu > cheo > cheio

3. PARAGOGE: É o nome atribuído à adição de um fonema em final de vocábulo: ante > antes \\  amor > amore \\ club > clube

II. METAPLASMOS POR SUPRESSÃO/ SUBTRAÇÃO (QUEDA)

1. AFÉRESE: Quando a supressão acontece em início de vocábulo: acume > gume \\ Attonitu > tonto \\ Episcopu > bispo

      Um caso especial de aférese diz respeito à deglutição (o contrário da aglutinação), isto é, à supressão das vogais a e o, em início de palavra, para evitar confusões com o artigo definido ou desfazer o hiato:  horologiu > orologio > relógio \\ apotheca > abodega > bodega (taberna, tasca; porcaria)

2. SÍNCOPE: Quando a supressão do fonema acontece no interior de palavra: legale > leal \\ legenda > lenda \\ malu > mau

      A Síncope possui uma modalidade denominada HAPLOLOGIA, que consiste não na simples supressão de um fonema em interior de palavra mas na redução da primeira de duas sílabas sucessivas iniciadas pela mesma consoante: bondadoso > bondoso \\ tragicocomédia > tragicomédia \\ formicicida > formicida

3.APÓCOPE: Consiste na queda de um fonema em final de palavra: mare > mar \\ amat > ama \\ male > mal

4. CRASE: É o nome que se dá à fusão de duas vogais iguais numa só: pede > pee > pé \\ colore > coor > cor \\ nudu > nuu > nu

5

Page 6: Os Metaplasmos - Versão 2012

III. METAPLASMAS DE TRANSPOSIÇÃO

1.1. METÁTESE: É a transposição de um fonema dentro da mesma sílaba. É freqüente as crianças dizerem, por exemplo, merlo em vez de melro. A tal fenômeno se denomina METÁTESE: pro > por \\ semper > sempre \\ inter > entre

1.2. HIPÉRTESE: É a transposição de fonema de uma sílaba para outra: capio > caibo \\ primariu > primairo > primeiro \\  fenestra > festra > fresta

2. HIPERBIBASMO: Consiste na deslocação não de um fonema mas do acento tônico. Este fenômeno compreende dois tipos de transposição:

      2.1. SÍSTOLE, quando o acento tônico sofre um recuo:  pantanu > pântano \\ campana > campa \\  idolu > ídolo

      2.2. DIÁSTOLE, quando, inversamente, o acento tônico sofre um avanço: limite > limite \\ ponere > ponere 

IV. METAPLASMOS POR TRANSFORMAÇÃO:

1. VOCALIZAÇÃO: Fenômeno fonético que consiste na transformação de uma consoante em vogal nocte > noite \\  regnu > reino \\ multu > muito

2. CONSONANTIZAÇÃO: Fenômeno inverso do anterior, consiste em transformar uma vogal em consoante. Isto acontece sobretudo com as letras ramísias (o i e o u latinos, que passaram, respectivamente a j e v): iam > já \\ Jesus > Jesus \\ uita > vida \\ uacca > vaca

3. NASALIZAÇÃO: Consiste na passagem de fonema oral a fonema nasal: nec > nem \\ mihi > mim \\ bonu > bom

4. DESNASALIZAÇÃO: Fenômeno inverso do anterior, consiste na passagem de fonema nasal a fonema vocálico: luna > lũa > lua \\  bona > bõa > boa \\ ponere > põer > pôr

5. ASSIMILAÇÃO: Consiste em transformar um determinado fonema em outro que seja igual ou semelhante a um que lhe é contíguo dentro da mesma palavra: ipsu > isso. (o s assimilou o p, convertendo-o em s)

      A ASSIMILAÇÃO pode ser TOTAL ou PARCIAL, PROGRESSIVA ou REGRESSIVA:

      5.1. ASSIMILAÇÃO TOTAL (completa): Quando o fonema assimilado é igual ao fonema assimilador: persona > pessoa \\   mirabilia > maravilha \\  per + lo > pello > pelo

      5.2. ASSIMILAÇÃO PARCIAL (incompleta): Quando o fonema assimilado apenas se assemelha ao fonema assimilador: auru > ouro \\ lacte > laite > leite

      5.3. ASSIMILAÇÃO PROGRESSIVA: Quando o fonema assimilador se encontra antes do fonema assimilado (um fonema assimila um outro que lhe é posterior): nostro > nosso etc.

6

Page 7: Os Metaplasmos - Versão 2012

      5.4. ASSIMILAÇÃO REGRESSIVA: Quando, inversamente à anterior, a assimilação se opera da frente para trás (um fonema assimila um outro que lhe é anterior): persico > pêssego \\ captare > cattar > catar \\  ipsa > essa \\ septe > sette > sete

6. DISSIMILAÇÃO: Fenômeno inverso da Assimilação, consiste em estabelecer uma diferenciação entre dois fonemas iguais: liliu > lírio \\ memorare > membrar > lembrar \\ rotundu > rodondo > redondo

      A Dissimilação, às vezes, pode levar à supressão de fonemas. Quando isto acontece, recebe o nome de DISSIMILAÇÃO ELIMINADORA: aratru > arado \\ cribru > cribo \\ rostru > rosto

7. SONORIZAÇÃO: É a passagem de consoante surda à sua homóloga sonora. Isto só acontece se a consoante surda estiver em posição intervocálica:

            __ de p para b:  capio > caibo \\ lupu > lobo \\  sapui > soube     __ de t para d:  civiate > cidade \\ citu > cedo \\   maritu > marido __ de c para g: pacare > pagar \\ aqua > água \\ aquila > águia  __ de c (+e, +i) para z:  acetu > azedo \\ vicinu > vizinho \\ facere > fazer  __ de f para v: profectu > proveito \\ aurifice > ourives

A passagem de b para v recebe o nome de DEGENERAÇÃO: de b para v: caballu > cavalo \\ faba > fava \\ populu > pobo > povo

8. PALATALIZAÇÃO: A Palatalização consiste na transformação de um ou mais fonemas numa palatal. Geralmente isto acontece com:

     __ n + vogal (e, i) >NH:  vinea > vinha \\  aranea > aranha \\  seniore > senhor \\junio > junho __ l + vogal (e, i) > LH: palea > palha \\ folia > folha \\ juliu > julho  __ d + vogal (e, i) > J: video > vejo \\  hodie > hoje \\ invidia > inveja  __ pl, cl, fl > CH: pluvia > chuva \\ implere > encher \\  clave > chave \\ masculu > masclu > macho \\  flamma > chama \\ inflare > inchar __ cl, pl, gl > LH:   apicula > apecla > abelha \\ tegula > tegla > telha   __ sc, ss (i, e) > X:  pisce > peixe \\  passione > paixão \\ miscere > mexer \\ russeu > roxo   __ s (i) > J: cerevisia > cerveja \\ basiu > beijo \\ecclesia > igreja

9. DESPALATALIZAÇÃO: O som deixa de ser palatal: mulher > muié/ mulé

10. ASSIBILAÇÃO: Consiste em transformar um ou mais fonemas numa sibilante: __ t + vogal (e, i) > Ç ou Z: capitia > cabeça \\ lentio > lenço \\ bellitia > beleza __ d + vogal (e, i) > Ç: audio > ouço \\ ardeo > arço  __ c + vogal (e, i) > Ç ou Z:  minacia > ameaça \\ Gallicia > Galiza \\ Judiciu > juízo \\ lancea > lança

11. DITONGAÇÃO: Correspondente à passagem de um hiato, ou de uma vogal, a ditongo:  malo > mao > mau \\ sto > estou \\  do > dou \\ arena > area > areia

12. MONOTONGAÇÃO (REDUÇÃO): Consiste em transformar, ou reduzir, um ditongo a vogal: fructu > fruito (arc.) > fruto \\ lucta > luita (arc.) > luta \\ auricula > orelha

7

Page 8: Os Metaplasmos - Versão 2012

13. APOFONIA: É o nome que se dá à mudança do timbre de uma vogal por influência de um prefixo: in + aptu > inepto \\ in + barba > imberbe \\  sub + jactu > sujeito

14. METAFONIA: Consiste na mudança de timbre de vogal tônica por influência de outra vogal, geralmente i ou u: debita > dívida \  tepidu > tíbio \   tosso (de tossir) > tusso \ cobro (de cobrir) > cubro.

15. ROTACIZAÇÃO: É a troca de s / l por r ( ou vice-versa) clavo > cravo \\ platô > prato

_______________________________________________________________________

IAN/TT, Mosteiro de São Cristóvão de Rio Tinto, maço 2,documento 10; 120×327mm

  Os mais antigos textos escritos em português

De princípios do século XIII eram já conhecidos dois textos originais escritos em português - a Notícia de Torto e o Testamento de Afonso II. Recentemente foi descoberto um outro documento original, também escrito em português, mas de 1175 - a Notícia de Fiadores.

8

Page 9: Os Metaplasmos - Versão 2012

1214 Junho 27Testamento de D. Afonso II.Existem dois exemplares deste testamento, a cópia que foi enviada ao arcebispo de Braga e aquela que foi enviada ao arcebispo de Santiago.

linha 1En'o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e saluo, temëte o dia de mia morte, a saude de mia alma e a proe de mia molier raina dona Orraca e de me(us) filios e de me(us) uassalos e de todo meu reino fiz mia mãda p(er) q(ue) de

linha 2pos mia morte mia molier e me(us) filios e meu reino e me(us) uassalos e todas aq(ue)las cousas q(ue) De(us) mi deu en poder sten en paz e en folgãcia. P(ri)meiram(en)te mãdo q(ue) meu filio infante don Sancho q(ue) ei da raina dona Orraca agia meu reino enteg(ra)m(en)te e en paz.E ssi este for

linha 3morto sen semmel, o maior filio q(ue) ouuer da raina dona Orraca agia o reino entegram(en)te e en paz. E ssi filio barõ nõ ouuermos, a maior filia q(ue) ouuuermos agia'o ...

9

Page 10: Os Metaplasmos - Versão 2012

Ob r a 

A «Notícia de torto» é um documento, em que D. Lourenço Fernandes da Cunha fez um minucioso relatório das malfeitorias feitas por D. Sancho I e por Vasco Mendes, por ordem do mesmo rei. É um bocardo de pergaminho,

escrito dos dois lados. Veio do mosteiro feminino de Vairao e está hoje no Arquivo

Nacional da Tôrre do Tombo. 

documento 40; 315×170mmIAN/TT, Mitra de Braga, caixa 1, documento 48; 240×495mm

Minha patria é a lingua portuguesa Fernando Pessoa

Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe

10

Page 11: Os Metaplasmos - Versão 2012

syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.(Fernando Pessoa, Livro do desassossego [Companhia das Letras, 1999, 536 págs.]) Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/A_minha_patria é a língua portuguesa”.

 

Texto 1

Cantiga d’amor, de Afonso X, o Sábio

XXVII

Par Deus (1), senhor (2), enquant’ eu ffor (3) de vós tam alongado (4), nunc(a) en mayor coyta (5) d’amor, nen atam (6) coytado foy (7) eno mundo por sa (8) senhor homen que fosse nado (9), penado, penado Se[n] nulha ren (10), sen vosso ben, que tant’ ey desejado que já o ssem (11) perdi por em (12), e viv’ atormentado, ssem vosso bem, de morrer en ced’ é muy guisado (13), penado, penado. Ca (14), log’aly hu (15) vos eu vy, fuy d’amor afficado (16) tam muyt’ en mi que non dormi, nen ouve gasalhado (17)

11

Page 12: Os Metaplasmos - Versão 2012

e, sse m’ este mal durar assy, eu nunca fosse nado, penado, penado.

(José Joaquim Nunes, Cantigas d’amor, XXVII, p. 57-9)

Comentários sobre o texto

Esta cantiga, naturalmente de meados ou da segunda metade do século XIII, é da autoria de Afonso X, o Sábio, rei de Leão e Castela. Tal era o prestígio do galego-português como verbo poético na Península Ibérica, que este rei trovador dele se serviu para a expressão de seus sentimentos líricos, de suas sátiras e da poesia sacra do Cancioneiro mariano, As cantigas de Santa Maria. Dada a variedade de metros e da rima, esse tipo de poesia se denominava "descordo", imitação do descordo provençal. Trata-se de um cantar d’amor, em que o trovador, distante da mulher amada, vive atormentado sem a sua companhia afetuosa (gasalhado, dos versos finais), preferindo a morte a continuar nesse sofrimento (eu nunca fosse nado, fórmula execratória muito freqüente nessa poesia).

(1) Par Deus: fórmula interjectiva, de juramento, corrente nos textos arcaicos, poéticos ou em prosa. Par é a preposição francesa par (do latim per), usada apenas nesta expressão. Nos cancioneiros galego-portugueses ocorre a abreviatura pards, que deve ser transcrita pardeus. Como tabu, o povo evitava o nome de Deus, utilizando as corruptelas pardês, pardelhas, como os castelhanos, que empregavam pardiez ou pardiabre.

(2) senhor: senhora. No período arcaico os nomes terminados em -or, -es, -ol eram uniformes no gênero: esta senhor, linguagem português, gente espanhol etc. Ainda hoje são correntes adjetivos invariáveis com essas terminações: incolor, multicor, inferior, menor, cortês, montês etc.

(3) ffor: estiver.

(4) alongado: distante

(5) coyta: pena, sofrimento; apenas o adjetivo sobreviveu (coitado, cheio de sofrimento).

(6) atam: tão (do latim tam); outra variante da época era atão. O a é expletivo, que aparece também em atanto (= tanto).

(7) foy: houve, existiu. Desde cedo o verbo ser, que, proveniente do latim sedere significou "estar sentado", assumiu também a acepção de "existir". Numa cantiga de Joan Lobeira lê-se: "e [Deus] pode sempre nas cousas que son" (existem).

(8) sa: sua. As formas possessivas ma, ta, sa, proclíticas de mha (pronuncia-se miá), tua e sua, são átonas e sobreviveram até o século XV: sa linhagem, "ta gloriosa paixom" (Leal Conselheiro), ma senhor (minha senhora).

12

Page 13: Os Metaplasmos - Versão 2012

(9) fosse nado: nascido (do latim natu). Era freqüente na poesia galego-portuguesa essa locução verbal com o particípio contrato nado(a) (= nascido(a)) : fuy nado (nasci), seja nado etc.

(10) nulha ren: coisa alguma, expressão freqüente na linguagem da época: pressupõe um latim nullia ren, de res = cousa, e *nullia (forma analógica de omnia), por nulla = nenhuma.

(11) ssem: sentido, senso-comum (do provençal sen).

(12) em: (en), do latim inde, em português ende, que, em posição proclítica, se reduz a en. Significa isto. Por en = por isso, por causa disso.

(13) guisado: justo, inevitável.

(14) Ca: porque (latim quia).

(15) hu: onde (latim ubi).

(16) afficado : atormentado (do latim figicare, forma freqüentativa de figere, fincar, étimo também do verbo ficar).

(17) ouve gasalhado: tive consolação.

Texto 2 - Texto em prosa

[O rato, a rã e o minhoto], de um fabulário esópico anônimo

[C]comta-sse (1) que h u (2) rrato (3), amdando sseu caminho para emderençar (4) sseus neguoçios, ueo arriba (5) de h a augua (6), a quall ell nom podia passar. E estamdo assy cuydadoso (7) arriba da augua, veo a ell h ua rrãa e disse-lhe:

- Sse te prouuer, eu te ajudarey a passar esta augua.

E o rrato rrespomdeo que lhe prazia e que lho agradeçia muyto. E a rrãa fazia esto pera emganar o rrato, e disse-lhe:

- Amiguo, legemos (8) h a linha no pee (9) teu e meu e ssube (10) em cyma de mym.

E o rrato feze-o (11) assy. E, depois que forom no meo (12) da augua, a rrãa disse ao rrato:

- Dom velhaco, aqui morredes maa (13) morte.

E a rrãa tiraua (14) pera fundo, pera afoguá-lo de so (15) a augua, e ho rrato tiraua pera çima. E, estando em esta batalha , vios (16) h u

13

Page 14: Os Metaplasmos - Versão 2012

minhoto (17) que andaua voamdo pello aar e tomou-os com as hunhas e comeos (18) ambos.

Em aquesta hestoria este doutor rreprehemde os hom es, os quaes com boas palauras e doçes de querer fazer proll (19) e homra a sseu proximo, (e) emganosamente lhes fazem maas obras, porque all (20) dizem com as limguoas e all teem nos sseus corações.

E esto sse demostra per a rrãa, a quall dizia que queria passar o rrato e tijnha no sseu coraçom preposito de ho afoguar e matar, como dicto he em cima.

(Conf. Transcrição de José Joaquim Nunes, Crestomatia arcaica, Lisboa, Clássica Ed., 1943, p.72-3)

Comentários sobre o texto

Esta é uma das sessenta e três fábulas feitas ao gosto de Esopo, constantes de um fabulário português em livro manuscrito, que José Leite de Vasconcelos encontrou na Biblioteca Palatina de Viena da Áustria, em 1900, cujo título reza: Fabulae Aesopi en lingua lusitana (ver Revista Lusitana, 8 : 99-151). O manuscrito foi publicado pela primeira vez nessa Revista pelo próprio filólogo que o encontrou; vazado em letra que pode ser datada do século XV, a sua redação parece ser do século anterior. José Joaquim Nunes reproduz seis dessas fábulas na sua Crestomatia arcaica - como se foram do século XIV.

(1) Comta-sse: conta-se. Observar a arbitrariedade ortográfica da época, ainda que procurasse representar o som surdo da constritiva fricativa, alveolar, intervocálica (-s-) pelo redobro da consoante. A oclusiva bilabial m antes da linguodental t, se pudesse fazer supor um vestígio etimológico do latim computare, em que houve a síncope da pretônica breve u, o certo é que não se poderiam explicar formas semelhantes como estamdo, rrespomdeo etc., ocorrentes no texto.

(2) h u: um, do latim unu, cuja evolução metaplástica assim se explica: síncope da consoante nasal intervocálica (-n-) e conseqüente nasalização da vogal anterior ( u). Posteriormente houve a crase das vogais iguais. O h inicial de h u,etimologicamente arbitrário, talvez se explique pelo desejo de encorpar as palavras curtas (he = é, hi = i, aí, ho = artigo ou pronome etc.)

(3) rrato: o redobro inicial da constritiva vibrante objetiva reproduzir, pela forma, a prosódia, pois a ortografia da época era fonética; a vibrante -r-, quando forte, se redobrava, ainda que não intervocálica: honrra (homrra - como se observa mais adiante), Carrlos etc.

(4) emderençar: endereçar. A segunda nasal -n- é projeção da primeira (end-), fenômeno comum ainda hoje, quando o vulgo diz mortandela, mendingo etc. Deriva do latim vulgar hipotético *ad-directiare = dirigir, acepção que ocorre no texto.

(5) ueo arriba: chegou à margem.

14

Page 15: Os Metaplasmos - Versão 2012

(6) augua (que se lê auga): água, do latim aqua. A hipértese do u foi determinada pela tendência da língua à ditongação em casos dessa natureza. Mais tarde foi refeita a forma para água, mas a primitiva áuga permaneceu no galego.

(7) cuydadoso: pensativo.

(8) legemos: leguemos = liguemos (do latim ligare, em que o i breve evoluiu normalmente para e).

(9) pee: pé. O redobro vocálico explica-se pela síncope da oclusiva linguodental sonora -d- intervocálica (latim pede), fenômeno lingüístico comum na 1ª fase do período arcaico.

(10) ssube: sobe, imperativo do verbo arcaico sobir.

(11) feze: fez; feze é o resultado da evolução da 3ª pessoa do pretérito perfeito do indicativo latino fecit: sonorização da surda intervocálica, apócope da linguodental (t) e passagem do i breve para e, que posteriormente também desapareceu, por apócope, porque a fricativa alveolar sonora (z) tende a formar sílaba com a vogal anterior.

(12) meo: meio (latim mediu, centro). Ao lado desta forma vigia também a forma ditongada meyo.

(13) maa: má (latim mala, com a síncope da constritiva lateral alveolar, intervocálica).

(14) tiraua: puxava.

(15) de so: sob, debaixo. Também se dizia a so ("... que sse deitassem a sso as arvores", IV Livro de Linhagens, fols. LX).

(16) vios: viu-os. Crase da desinência verbal com o pronome oblíquo os.

(17) minhoto: ave de rapina, também chamada milhano ou milhafre.

(18) comeos: comeu-os, fenômeno idêntico ao que ocorreu com a forma vios, explicada na nota (16).

(19) fazer proll: fazer proveito.

(20) all: outra coisa, al (do latim alid, por aliud).

Texto 3 - Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha

"Asy falauã e traziam muitos arcos e contjnhas daquelas ja ditas e rresgatauã. Por qualqr cousa em tal maneira que trouueram daly peraas naaos mujtos arcos e seetas e contas e entam tornouse o capitam aaquem do rrio e logo acodirã mujtos aabeira dele aly verjees galantes pimtados de preto e vermelho e quartejados asy pelos corpos

15

Page 16: Os Metaplasmos - Versão 2012

como pelas pernas." (fol. 6v/7, 1.38-01) "... aos qaaes mãdou dar senhas camisas nouas e senhas carapuças vermelhas e dous rrosairos de contas brancas doso ..." (fol. 3v, 1.12-4)

 

Texto 4 - Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós

Esta cantiga de Paio Soares de Taveirós é considerada o mais antigo texto escrito em galego-português: 1189 ou 1198, portanto fins do século XII. Uns a tomam por cantiga de amor; outros por de escárnio. Estaria completa? Segundo consta, foi dedicado a D. Maria Paes Ribeiro - apelidada "A Ribeirinha", amante do rei D. Sancho I - e pertence a uma coleção de textos arcaicos denominada Cancioneiro da Ajuda.

"No mundo nom me sei parelha, mentre me for' como me vai, ca ja moiro por vos - e ai mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retraia quando vos eu vi em saia! Mao dia que me levantei, que vos enton nom vi fea! "

No mundo ninguém se assemelha a mim / enquanto a minha vida continuar como vai / porque morro por ti e ai / minha senhora de pele alva e faces rosadas, / quereis que eu vos descreva (retrate)  / quanto eu vos vi sem manto (saia : roupa íntima) / Maldito dia! me levantei / que não vos vi feia (ou seja, viu a mais bela).

"E, mia senhor, des aquel di' , ai!  me foi a mim muin mal, e vós, filha de don Paai Moniz, e ben vos semelha d'aver eu por vós guarvaia, pois eu, mia senhor, d'alfaia nunca de vós ouve nem ei valia d'ua correa".

E, minha senhora, desde aquele dia, ai / tudo me foi muito mal / e vós, filha de don Pai / Moniz, e bem vos parece / de ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupas luxuosas) / pois eu, minha senhora, como mimo (ou prova de amor) de vós nunca recebi / algo, mesmo que sem valor_________________________________________________________________________

Texto 5- Movimento Nacional em Defesa da Língua Portuguesa

16

Page 17: Os Metaplasmos - Versão 2012

Esta é o mais antigo documento latino-português: Doação à Igreja de Sozello, no ano de 870 d.C. O original está no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal.

Christus. In nomine domini nostri Jhesu christi. In honore sanctorum Apostolorum Martirum confessorum. Atque uirginum et omnium chorum angelorum salutem Aeternam amen. Ego cartemiro et uxor mea Astrilli abuimus filios et filias nominibus fofinu et gaton et arguiro et uistremiro quinilli et aragunti. et peruenerunt illos filios barones ad ordinem monacorum, et accepit inde fofinus ordinem primiter habitantem in eclesia uocabulo sancte eolalie uirginis fundata in uilla sonosello de presores de ipsa uilla. Ego cartemiro et astrilli una cum filiis meis fundaui eclesiam in nostro casale proprio exepre de nostros heredes uocabulo sancti saluatoris sancti andree apostoli sancte marie uirginis et sancti thome apostoli sancti petri apostoli et sancte leocadie et sancte cristine uirginis. Ego cartemiro et astrilli accepit uoluntas dei. et factus de ipsa eclesia cum ipso casale testamentum post partem de propinquis nostris. et pro remedio animas nostras et omnes defunctorum que in ipsa eclesia sepulti sunt. Contestamus ad ipsa eclesia illa hereditate per suis terminis que habuimus de presuria que preserunt nostros priores cum cornu et cum aluende de rege et habuimus VIª de ipsa uilla que habuimus per particione et medietate de illa fonte de salmegia. contestamus cum suo ornamento eclesie libros casullas uestimenta altaris uel templi cruces super euangelia et corona et calice et patena argentea. contestamus in ipsa eclesia cum quantum ominis hic aprestitum est. signum caballos equas boues et uaccas pecora promiscua cubus et cupas lectos et catedras mensas sautos et pumares amexinares uineales terras ruptas uel barbaras casas lacar petras mobiles uel inmobiles. et diuidet ipso casal ubi ipsa baselica fundata est per casal de louegildo. et inde per rego qui descorret a casa de trasmondo, et inde per ipso uallo et suos dextros et tornat se unde primitus inquoauimus. Ego cartemiro concedo ibidem larea que iacet in çima de ipso uiniale. et habet ipsa larea im amplo VIIIº passales et in longo peruallatur. contestamus ipsum quod in testamento resonat ad ipsa eclesia, et ad propinquis nostris fratrum uel sororum monacorum uel clericorum, et qui bono fuerit et uita sancta perseuerauerit habeat et possideat. contestamus ipsa eclesia cum omnia sua ornamenta et sua prestantia, et qui hunc factum nostrum inrumpere quesierit uel extraneare uoluerit sedeat separatus et excomunicatus et cum iuda traditore habeat participium. et insuper pariat due libra auri bina talenta et a domno qui illa terra imperauerit aliud tantum. et hunc factum nostrum testamentum plenam habeat roborem. Notum die erit pridie kalendas magii era DCCCC VIII.ª Cartemiro et astrilli in hoc testamento manus nostras ro++noramus.

Gaton abbas confirmo - Zalama abba conf. - Randulfus presbiter conf. - Biatus presbiter conf. - Gundisaluus conf. - Elias presbiter conf.

Pro testes - Aluaro testes - Trasmondo test. - Gondulfo test. - Viliatus test. - Vimara tes. - Gaton test. Menendus presbiter notuit.  

17