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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
Centro de Linguagem e Comunicação
Faculdade de Letras
OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E
A ORALIDADE EM SALA DE AULA: O LUGAR E O PAPEL
DAS PRÁTICAS ORAIS NO ENSINO DE LÍNGUA
MATERNA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Área: Ensino de Língua Materna
Tainara Ferreira de Andrade
RA 15587363
Campinas, SP
Novembro de 2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
Centro de Linguagem e Comunicação
Faculdade de Letras
OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E
A ORALIDADE EM SALA DE AULA: O LUGAR E O PAPEL
DAS PRÁTICAS ORAIS NO ENSINO DE LÍNGUA
MATERNA
Tainara Ferreira de Andrade
RA 15587363
Monografia apresentada como exigência do
Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura
em Letras: Português-Inglês, da Faculdade de
Letras, do Centro de Linguagem e Comunicação,
da PUC-Campinas, sob a orientação da Profa.
Dra. Cristina Betioli Ribeiro Marques.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e pelas bênçãos derramadas diariamente sobre mim e
minha família.
Aos meus pais, Ester e Valdecir, figuras centrais na formação do meu caráter, pelo
apoio constante, pela compreensão e motivação para que eu pudesse chegar a esta etapa
final.
Aos meus avós e padrinhos, Nazira e Waldemar, que sempre estiveram ao meu
lado, prestando todo tipo de auxílio possível, principalmente durante este período.
A Ronaldo Sebastião Virgílio Júnior, que esteve do meu lado e me apoiou nesta
fase, agradeço pela compreensão e incentivo. Espero contar com seu amparo por muitos
anos.
À minha orientadora, Profa. Dra. Cristina Betioli Ribeiro Marques, sem a qual este
trabalho não seria possível.
À professora Cássia dos Santos, que contribuiu enormemente para minha formação
e se tornou um modelo para mim.
Por fim, às minhas amigas, Camila Mendes Lopes da Silva, Caroline Silva Rossetto,
Maria Isabel Prado Pereira e Luisa Souza, as quais me presentearam com sua amizade e
fizeram parte deste processo de construção de conhecimento.
“Aprender várias línguas é questão de um ou dois
anos; ser eloquente na sua própria exige a metade
de uma vida”.
(Voltaire)
RESUMO
O presente trabalho versa sobre uma análise acerca do tratamento da modalidade oral da
língua nos materiais didáticos de Língua Portuguesa. Desse modo, após uma breve
contextualização sobre o conceito de língua e a prática da oralidade, além de um
levantamento sobre o ensino do oral de acordo com os documentos oficiais para a
disciplina de português, o texto explora como os “Cadernos do Aluno” das três séries do
Ensino Médio, material distribuído pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo,
desenvolvem as atividades referentes à modalidade falada. Com o objetivo de analisar e
verificar o modo como são abordados os conteúdos relativos à oralidade no material
mencionado, esse trabalho aponta aspectos como a concepção de oralidade apresentada
pelo material didático, a presença de atividades que evidenciam a transição e relação
fala/escrita e a ocorrência de exercícios que considerem a oralidade em contextos não
exclusivamente formais. Em relação ao quadro teórico, este fundamenta-se na concepção
bakhtiniana de linguagem, que considera a língua como uma atividade sociointeracional, a
qual é motivada na comunicação entre os sujeitos. A análise realizada pôde concluir que,
no material didático “Caderno do Aluno”, a oralidade está presente em quase todas as
situações propostas, no entanto, não há o ensino sistematizado dessa modalidade,
demonstrando que o material, portanto, não favorece o ensino da oralidade, pois não o
enfatiza.
Palavras-chave: Oralidade. Língua Portuguesa. Material Didático. Ensino-aprendizagem.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Ilustração, Proposta Curricular para o segmento Ensino Fundamental - Ciclo II,
1º Bimestre, p. 50. ...........................................................................................................25
Figura 2: Ilustração, Proposta Curricular para o segmento Ensino Médio, 1º Bimestre, p.
62. ...................................................................................................................................26
Figura 3: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA3, p. 5. .........................................28
Figura 4: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA1, p. 68. .......................................29
Figura 5: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA2, p. 6. .........................................30
Figura 6: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA3, p. 7. .........................................31
Figura 7: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA1, p. 6. .........................................32
Figura 8: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA1, p. 12. .......................................35
Figura 9: Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA3, p. 54. .......................................37
Figura 10: Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA1, p. 64. .....................................39
Figura 11: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 41. .....................................40
Figura 12: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 47. .....................................41
Figura 13: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 42-43. ................................41
Figura 14: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 42-43. ................................42
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................... 7
2. CAPÍTULO 1: CONCEPÇÃO DE LÍNGUA, ESTUDO DA ORALIDADE E
ABORDAGEM DA MODALIDADE FALADA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS .................. 9
2.1. O conceito de língua e a prática da oralidade ..................................................... 9
2.2. O tratamento da fala segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais e as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio ............................................................13
3. CAPÍTULO 2: O ENSINO DA ORALIDADE EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
PORTUGUESA ................................................................................................................22
3.1. A concepção de oralidade apresentada pelo Material Didático ..........................23
3.2. A relação e a transição fala/escrita nas atividades selecionadas pelo Material
Didático ........................................................................................................................27
3.3. A oralidade em contextos não exclusivamente formais nas atividades do Material
Didático ........................................................................................................................38
4. CONCLUSÃO ...........................................................................................................44
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................46
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1. INTRODUÇÃO
A interação humana se desenvolve através de diferentes linguagens, porém, é
indiscutível que ocorre principalmente pela ação verbal, oral. Desse modo, ao referir-se à
oralidade, deve-se considerar todo o conjunto de atividades e práticas sociais que os
indivíduos realizam por meio da linguagem verbal, em sua funcionalidade oral, que se
manifesta pela fala. Ao adquirir essa linguagem, o homem a articula através das trocas
comunicativas, estabelecendo uma relação dialógica com seus interlocutores.
Pode-se afirmar que “a fala é uma atividade muito mais central que a escrita no dia
a dia da maioria das pessoas” (MARCUSCHI, 1997, p. 39). Nesse sentido, verifica-se que
“o objeto essencial do ensino na escola deve ser a condição humana” (RODRIGUES;
DANTAS, 2015, p. 138), desenvolvendo e aprimorando as habilidades comunicativas de
interação com o meio e os indivíduos, sobretudo em relação às capacidades críticas e de
raciocínio dos sujeitos.
Sendo a língua muito mais que um mero instrumento, pois é através dela que os
indivíduos constroem representações sociais e cognitivas, cabe à escola fazer com que os
alunos sejam capazes de explicitar suas ideias de forma adequada, para que possam
construir e manter suas relações em sociedade. Além disso, é de extrema importância que
o ensino acerca da linguagem conceda espaço à análise da fala em sua relação com a
escrita sob um ponto de vista sistemático, uma vez que se percebe certo descaso pela
língua falada em virtude da crença de que a escola deve ensinar a escrita. Do mesmo
modo, cabe mostrar os contextos de utilização da língua, assim como tratar das variações
na produção da fala e não apenas de gêneros textuais.
Para tanto, é importante pensar não só na postura dos profissionais em sala de aula
ao tratar do ensino e aprendizagem da língua oral, mas também nos materiais didáticos
que dialogam com as práticas escolares, posto que esses também atuam de forma
significativa no tratamento dos conteúdos relacionados à oralidade, sendo essa a
preocupação que fomentou a realização deste trabalho.
O foco desta pesquisa está no ensino de Língua Portuguesa, sobretudo em sua
modalidade oral, visto que é de suma importância a reflexão sobre os processos de
funcionamento da linguagem. Dessa forma, fica evidente a necessidade de os docentes,
assim como os materiais didáticos utilizados na constituição da prática pedagógica,
fomentar o trabalho acerca dos usos da oralidade, as práticas sociais atreladas à fala do
aluno e o acesso às variadas modalidades da língua e aos usos que se faz delas.
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Posto isto, faz-se necessário um olhar atento aos materiais didáticos utilizados em
sala de aula, uma vez que esses constituem-se como instrumentos que oferecem um
programa estruturado, tanto para o docente como para os alunos, viabilizando a
padronização dos objetos de ensino. Entre os materiais utilizados nas escolas, este
trabalho direciona a sua atenção aos “Cadernos do Aluno” de Língua Portuguesa e
Literatura, volume 2, edição 2014-2017, destinados às 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
O material em questão foi implantado após a nova Proposta Curricular do Estado de São
Paulo de 2008 e é de caráter obrigatório nas salas de aula do Estado de São Paulo.
Em relação à escolha do “Caderno do Aluno” de Língua Portuguesa e Literatura
como corpus para este trabalho, esta se deu pelo fato de esse material ser utilizado por
todos os alunos e docentes atuantes nas escolas do estado, o que o torna uma referência
aos estudantes no trabalho acerca da linguagem. Tal fato evidencia a relevância de se
analisar esse material, tendo sido escolhidas para esta pesquisa as análises sobre a
concepção de oralidade apresentada pelo material didático, a presença de atividades que
evidenciam a transição e relação fala/escrita e de exercícios que considerem a oralidade
em contextos não exclusivamente formais.
No que tange à escolha do nível de escolaridade a que se destina o Caderno do
Aluno, nesse caso o Ensino Médio, esta se deu pela necessidade de se abordar a
oralidade, visto que os gêneros orais são extremamente importantes à vida estudantil, pois
colaboram para que o aluno tenha a possibilidade de dar prosseguimento aos estudos,
preparando-o para o mercado de trabalho e, principalmente, para o exercício da cidadania.
Assim, observa-se que tais situações demandam um nível de fala mais complexo, o qual
só pode ser compreendido a partir de um ensino reflexivo acerca dos usos da fala e da
evidenciação das contribuições que esse estudo pode promover.
Ainda, para o desenvolvimento deste trabalho, entende-se como necessária uma
contextualização sobre o conceito de língua e a relevância do estudo sistemático da
oralidade, além do tratamento da fala nos documentos oficiais que norteiam o ensino de
Língua Portuguesa em suas diversas modalidades. Além do mais, as análises se
fundamentarão na concepção bakhtiniana de linguagem, a qual considera a língua como
uma atividade sociointeracional, que se efetiva a partir de situações dialógicas e sociais
entre os sujeitos.
Por fim, este trabalho pretende tratar do ensino da oralidade dada a relevância do
trabalho acerca dessa modalidade de linguagem, o qual possa explorar a riqueza e
multiplicidade de usos da língua e considerar o lugar e o papel da oralidade em sala de
aula, ressaltando os aspectos nos quais o estudo da fala tem a contribuir.
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2. CAPÍTULO 1: CONCEPÇÃO DE LÍNGUA, ESTUDO DA ORALIDADE E
ABORDAGEM DA MODALIDADE FALADA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
2.1. O conceito de língua e a prática da oralidade
Este trabalho fundamenta-se, principalmente, na concepção bakhtiniana de
linguagem, que se vale da língua como uma atividade social e de natureza dialógica, a qual
é motivada na comunicação entre os sujeitos. Desse modo, no presente capítulo, pretende-
se discorrer sobre alguns conceitos-chave sobre a língua como atividade sociointeracional
e a relevância do estudo sistemático da oralidade, pontos que nortearão a análise que será
feita posteriormente.
O homem é, essencialmente, ser interativo e, mediante a linguagem, estabelece
relações com seus interlocutores (RODRIGUES, DANTAS, 2015). Sendo assim, a
linguagem opera como elemento crucial para a constituição dos sujeitos, já que todas as
ações desenvolvidas por estes, nos mais variados contextos sociais, efetivam-se por meio
da linguagem oral e/ou escrita. Pode-se considerar que “a linguagem é, ao mesmo tempo,
individual e coletiva” (RODRIGUES, DANTAS, 2015, p. 138), de acordo com a ideia de
Bakhtin acerca da língua:
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1995, p. 113 apud RODRIGUES, DANTAS, 2015, p. 138).
Nesse contexto, a linguagem se estabelece como sendo, em sua essência,
interação verbal, promovendo relações entre os sujeitos a partir de situações dialógicas e
sociais. Por meio das interações verbais, o homem é capaz de se adequar aos diferentes
contextos sociais que o rodeiam. Dito isto, observa-se a posição de Bakhtin/Voloshinov, a
qual expõe que “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não
no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos
falantes” (M&FdaL, p. 110 apud MARCUSCHI, 2008, p. 20, grifo do autor).
Ademais, os teóricos Bakhtin/Voloshinov afirmam que:
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A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica e isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (M&FdaL, p. 109 apud MARCUSCHI, 2008, p. 20, grifo do autor).
Ao considerar a ideia de linguagem, deve-se concebê-la como uma atividade
puramente interativa e não como sistema. Nesse contexto teórico, observa-se a noção de
dialogismo como “princípio fundador da linguagem”, o qual verifica que “toda linguagem é
dialógica, ou seja, todo enunciado é sempre um enunciado de alguém para alguém”
(MARCUSCHI, 2008, p. 20, grifo do autor). Assim, a língua configura-se como uma
atividade sociointerativa, realizada por sujeitos historicamente situados, cujas práticas
sociais e cognitivas compartilhadas fazem com que a linguagem seja viva, ou seja,
corresponda à realidade sobre a qual está inserida.
Vale ressaltar que, no processo de comunicação, a língua permite que, por meio da
fala, seja possível comunicar-se com o outro oferecendo-lhe um conjunto de informações
sobre a identidade social do sujeito, assim como a amplitude de sua competência no ato
comunicativo. Além disso, através da fala, evidenciam-se uma série de competências
adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida, que, entre outras coisas, dizem respeito à
manipulação da voz e da fala, por exemplo (BENTES, 2010, p. 132). Posto isso, Bentes
(2010, p. 132) esclarece:
Assim é que, quando falamos, fornecemos ao outro um conjunto de informações para além dos conteúdos que estamos tentando transmitir: fornecemos informações sobre nossa identidade social (em que estado do País nascemos, a que grupo social pertencemos, por exemplo) e também sobre nossas diversas competências em nos comunicarmos com pessoas/públicos diferentes em situações distintas: como falamos em público, como nos comportamos em uma conversa de grupo, como interagimos com nosso parceiro de conversa, por exemplo, de modo a deixá-lo falar ou não etc.
Logo, entende-se que o trabalho com a oralidade é de grande relevância, pois
possibilita aos sujeitos o estudo sistemático da linguagem oral, promovendo o
desenvolvimento das potencialidades de uso da linguagem verbal em diferentes contextos
de interação (RODRIGUES, DANTAS, 2015). Em suma, a prática da oralidade proporciona
o reconhecimento da variedade dos usos da fala, reforçando a ideia de heterogeneidade
da língua, além de viabilizar o trabalho com os diferentes níveis das modalidades falada e
escrita.
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De acordo com Dolz, Haller e Schneuwly (2004, p. 141), ao considerar a
aprendizagem como um “processo de apropriação e de internalização de experiências
acumuladas pela sociedade ao longo da história”, no que concerne ao ensino da oralidade,
é essencial levar em conta os instrumentos e práticas para o aprendizado desse objeto de
ensino. Os autores defendem que um material básico para o ensino do oral seria,
necessariamente, a seleção de textos como objetos de trabalho, pois, segundo os
estudiosos, tais textos “permitem trabalhar fenômenos de textualidade oral em relação
estreita com as situações de comunicação, estudar diferentes níveis da atividade de
linguagem e tornar o ensino mais significativo” (DOLZ; HALLER; SCHNEUWLY, 2004, p.
141).
Além do mais, os autores anteriormente citados ressaltam que, para tornar possível
o processo de comunicação, elaboram-se formas textuais estáveis que intermedeiam a
relação enunciador-destinatário, estabelecendo-se, assim, os gêneros, referências
fundamentais para tratar das variadas práticas de linguagem e da heterogeneidade
inerente às unidades textuais. Segundo Dolz, Haller e Schneuwly, “os gêneros podem ser
considerados instrumentos que fundam a possibilidade de comunicação (e de
aprendizagem) [...]. A ação de fala realiza-se com a ajuda de um gênero, que é um
instrumento para agir linguisticamente”, portanto, “se trata de um instrumento que permite
realizar uma ação numa situação particular. E aprender a falar é apropriar-se dos
instrumentos para falar em situações de linguagens diversas, isto é, apropriar-se dos
gêneros” (2004, p. 143, grifo dos autores).
Os gêneros orais devem ser considerados como objetos de ensino e aprendizagem
autônomos, pois, possibilitam o apontamento de questões que, necessariamente, exigem
um trabalho isolado. Ao tratar de alguns aspectos importantes no estudo da fala, Marcuschi
(1997) destaca a variação como um ponto central na análise sobre a língua falada. O autor
argumenta acerca da necessidade de expor o fato de que a fala é variada e que a noção
de um dialeto invariável se estabelece apenas teoricamente. Assim, ao abordar a fala,
pode-se levantar questões a respeito de variação e mudança, “noções como: ‘norma’,
‘padrão’, ‘dialeto’, ‘variante’, ‘sotaque’, ‘registro’, ‘estilo’, ‘gíria’” (MARCUSCHI, 1997, p. 41,
grifo do autor), pontos essenciais no ensino de língua e que ratificam a ideia de que a
linguagem não é homogênea e imutável.
Igualmente, no trabalho com a oralidade, também é possível tratar dos níveis de
uso da língua que, segundo Marcuschi (1997), variam “desde o mais coloquial até o mais
formal, seja na fala ou na escrita” (MARCUSCHI, 1997, p. 42). O autor destaca algumas
questões específicas de análise que podem ser abordadas na sala de aula:
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[...] sabe-se que é de interesse distinguir as várias maneiras de se dirigir ao interlocutor considerando algumas de suas características específicas, tais como idade, posição social, sexo, profissão (cargo), papel social etc. Aspectos relativos à polidez, ao tratamento interpessoal, às relações interculturais e muitos outros que podem ser facilmente observados na produção linguística na própria sala de aula (MARCUSCHI, 1997, p. 42).
Outro ponto relevante no estudo da oralidade diz respeito às relações que a fala
mantém com a escrita. Ao citar os estudiosos Abaurre, Fiad e de Lemos, Marcuschi (1997)
aponta para as investigações realizadas por estes teóricos, as quais pressupõem que a
fala é significativa no processo de construção de hipóteses sobre a escrita. De acordo com
Franchi (1984, 1991 apud MARCUSCHI, 1997), a reflexão do discente acerca do seu
trabalho com a escrita evidencia o processo que o conduz aos conhecimentos relativos à
escrita. Nesse sentido, a “fala aparece como uma espécie de mediadora da escrita”
(MARCUSCHI, 1997, p. 42).
Outro aspecto em relação ao papel da oralidade no ensino de língua é o da
contribuição da fala no desenvolvimento cultural e na conservação de tradições não
escritas que ainda se mantêm vivas em certas culturas mesmo após a incorporação da
modalidade escrita. Nesse contexto, a fala possibilita a análise de estratégias de
organização textual na sua relação com a escrita, assim como permite a percepção das
diferenças e semelhanças no trabalho acerca da compreensão na fala e na escrita,
considerando suas formas de representação simbólica divergentes, como os aspectos
gestuais e prosódicos presentes na linguagem oral, por exemplo. Desse modo,
[...] chega-se à possibilidade de estudar a diversidade dos processos de contextualização envolvidos nas produções orais e escritas, que sugerem uma exploração de aspectos pragmáticos em geral pouco enfatizados, eliminando a sugestão tão comum de dependência textual da fala versus autonomia semântica da escrita (v. Marcuschi, 1995a e Koch, 1997 apud MARCUSCHI, 1997, p.43).
Outrossim, o estudo da fala pode também favorecer debates relativos ao
preconceito linguístico e suas formas de disseminação (MARCUSCHI, 1997), além de
proporcionar atividades voltadas para a análise da língua como um instrumento de controle
social e de manifestação de discursos de dominação que estão implícitos em seu uso
diário, assim como observa Marcuschi (2005):
A língua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade. Isso porque a própria língua mantém complexas relações com as representações e as formações sociais. Não se trata de um
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espelhamento, mas de uma funcionalidade em geral mais visível na fala (MARCUSCHI, 2005, p. 35 apud RODRIGUES, DANTAS, 2015, p. 143).
Por fim, ao citar a importância da prática da oralidade no desenvolvimento e
aperfeiçoamento das competências linguísticas e comunicativas, vale ressaltar, segundo
Bentes (2010), a necessidade de se assumir determinados princípios teóricos-
metodológicos para o trabalho com a modalidade oral. A autora, em nota, apresenta a
concepção de Marcuschi a respeito da oralidade e da fala, a qual concorda com a noção
apresentada neste trabalho:
[...] a oralidade seria uma prática social para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal, nos mais variados contextos. [...] A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral, sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo uso da língua em sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo, a mímica (MARCUSCHI, 2001, p. 25-26 apud BENTES, 2010, p. 130).
Diante do exposto, julga-se pertinente analisar o tratamento da modalidade falada
da língua nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) e nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), considerando o modo como a prática
da oralidade é abordada nos documentos oficiais em questão, assim como as explanações
a respeito do lugar da oralidade no ensino de língua. Desse modo, no subcapítulo
sequente, objetiva-se discorrer acerca do tratamento da fala segundo as diretrizes que
subsidiam e orientam o trabalho com a linguagem, sobretudo em sua modalidade oral, na
disciplina de Língua Portuguesa.
2.2. O tratamento da fala segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais e as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio
Os Parâmetros Curriculares Nacionais têm como objetivo sistematizar orientações
para o ensino em todo o território nacional, nas diferentes áreas do conhecimento,
considerando as particularidades de cada região. O documento, fundamentado na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9394/96), busca garantir o
desenvolvimento da cidadania, ponto expresso pelo então ministro da educação, Paulo
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Renato Souza, na carta de abertura aos professores: “O papel fundamental da educação
no desenvolvimento das pessoas e da sociedade amplia-se ainda mais no despertar do
novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a
formação de cidadãos” (BRASIL, 1998, p. 5).
Do mesmo modo, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL,
2006), também ancoradas na Lei de Diretrizes e Bases (LDB, Lei 9396/96), principalmente
nos artigos que tratam das finalidades atribuídas ao ensino médio (Art. 35 e Art. 36),
objetivam
o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado (BRASIL, 2006, p. 7).
Ademais, as Orientações Curriculares apontam para a relevância de alguns
aspectos, em relação à organização curricular, que merecem destaque na etapa do ensino
médio, sendo eles: uma base nacional comum complementada por uma parte diversificada
que atenda às particularidades regionais e locais do aluno, planejamento e
desenvolvimento do currículo proposto, interdisciplinaridade na articulação dos saberes e
a elaboração e execução, com a participação dos docentes, da proposta pedagógica pelas
instituições de ensino (BRASIL, 2006, p. 7).
Ao tratar das disciplinas de forma específica, em relação ao ensino de português,
de acordo com o texto oficial intitulado Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998), o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa devem possibilitar ao aluno o
aprimoramento e a expansão do domínio da língua e da linguagem, condições essenciais
para que o indivíduo possa praticar a cidadania. Segundo o documento, o ensino dessa
disciplina deve pautar-se no desenvolvimento dos conhecimentos linguísticos e
discursivos, capacitando o aluno para que ele possa:
• ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais;
• expressar-se apropriadamente em situações de interação oral diferentes daquelas próprias de seu universo imediato;
• refletir sobre os fenômenos da linguagem, particularmente os que tocam a questão da variedade linguística, combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua (BRASIL, 1998, p. 59).
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Verifica-se que, para o ensino da disciplina de Língua Portuguesa, as propostas de
ensino devem estar organizadas de modo a considerar o texto oral e escrito como objetos
de estudo, levando em conta os diferentes textos que circulam na esfera social. Posto isto,
argumenta-se que o sujeito somente amplia sua competência comunicativa e reflexiva
sobre a linguagem em “situações significativas de interlocução” (BRASIL, 1998, p. 59) e
que, por conta disso, é preciso que as atividades acerca da língua sejam elaboradas de
maneira a possibilitar a análise crítica dos discursos veiculados na sociedade.
No que tange aos princípios organizadores dos conteúdos em Língua Portuguesa,
os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) ressaltam que devem ser eleitos de
acordo com a possibilidade de apropriação, por parte do indivíduo, que deverá convertê-
los “em conhecimento próprio, por meio da ação sobre eles, mediada pela interação com
o outro” (BRASIL, 1998, p. 33). Desse modo, observa-se a importância de abordar o ensino
de língua com ênfase na fala, com o objetivo de proporcionar a reflexão e a ampliação da
competência comunicativa no processo de ensino e aprendizagem, “pois é na prática de
reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos que
permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência discursiva para falar, escutar, ler
e escrever nas diversas situações de interação” (BRASIL, 1998, p. 34).
Considerando as práticas interacionais e dialógicas socialmente situadas no
processo de ensino e aprendizagem, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998) evidenciam a relevância do desenvolvimento de um trabalho pautado no uso da
língua, possibilitando a apropriação e o domínio dos diferentes discursos em circulação no
meio social e visando oferecer e aumentar as chances de participação do indivíduo no
exercício da cidadania.
Ao direcionar a atenção para o trabalho com a língua como objeto de ensino, no
documento em análise, observa-se que os conteúdos de Língua Portuguesa se organizam
sob o uso da língua em sua modalidade oral e escrita, em que os gêneros orais
desenvolvem-se por meio da prática de escuta e na produção de textos orais, e na reflexão
sobre a língua/linguagem, prevista no trabalho de análise linguística. Dessa maneira, em
relação à prática de ensino e aprendizagem dessa disciplina, a escola se configura como
um espaço capaz de permitir ao aluno situações didáticas que possibilitem
utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso (BRASIL, 1998, p. 32).
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Da mesma forma, Marcuschi (1997) afirma que, diante da concepção de formas
“certas” ou “erradas” de falar, observa-se que a fala do aluno deve ser considerada no
contexto de uso. Para o autor, o estudo da oralidade no espaço escolar deveria pautar-se
no preceito de que
a questão não é falar certo ou errado e sim saber que forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo considerando a quem e por que se diz determinada coisa (MARCUSCHI, 1997, p. 43).
Além do mais, os Parâmetros também expressam a seguinte proposição:
Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania. [...] não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista etc.) (BRASIL, 1998, p. 67-68).
Nesse sentido, para que o indivíduo utilize a língua de forma a atingir os efeitos
esperados durante a comunicação, seria preciso considerar as variedades de uso de
acordo com o contexto interacional. Baseando-se no texto do documento oficial, entende-
se que “a escola deveria ensinar essa adequação e sobretudo cultivar o domínio da fala
em ‘situações mais formais’” (MARCUSCHI, 1997, p. 44).
Diante do exposto, Marcuschi (1997) argumenta:
Em princípio, nada há a opor a essa perspectiva, mas é conveniente indagar-se o que significa “adequação” e “eficácia” neste contexto teórico. Pois é estranho que no ensino do vernáculo tudo se passe como se a língua falada fosse apenas um instrumento útil para a comunicação adequada. Língua é muito mais do que um instrumento. Pois o uso da língua é também uma atividade em que organizamos o mundo construindo representações sociais e cognitivas. O principal não parece apenas dizer as coisas adequadamente, como se os sentidos estivessem prontos em algum lugar cabendo aos falantes identificá-los. Para a escola caberia a missão de fazer com que o aluno fosse treinado a explicitar esses sentidos de forma adequada (MARCUSCHI, 1997, p. 44).
Ao citar a importância do trabalho com os gêneros que subsidiam a aprendizagem
de Língua Portuguesa, vale ressaltar que faz-se necessário criar circunstâncias ou
17
situações que beneficiem a transposição de gêneros encontrados fora da escola, com o
objetivo de priorizar a funcionalidade do texto, esquivando-se dos aspectos puramente
estruturais. Porém, apesar dos Parâmetros destacarem a relevância do trabalho pautado
no uso dos gêneros textuais orais, enfatizando a fala do aluno, “ainda não faz parte da
cotidianidade da escola e do professor de língua materna a inserção da fala do aluno como
gênero oral capaz de promover a autonomia dos sujeitos” (RODRIGUES, DANTAS, 2015,
p. 146), embora se possa afirmar que:
A fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia da maioria das pessoas. Contudo, as instituições escolares dão à fala atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita. Crucial neste caso é que não se trata de uma contradição, mas de uma postura (MARCUSCHI, 1997, p. 39, grifo do autor apud RODRIGUES, DANTAS, 2015, p. 146).
Outro aspecto a ser considerado no trabalho com a fala e com o ensino da oralidade
diz respeito aos “contextos, as motivações e as finalidades para o exercício de diferentes
oralidades, na sala de aula e fora dela” (BENTES, 2010, p. 137). Segundo Bentes (2010),
é de grande valia que a disciplina de Língua Portuguesa possibilite a prática reflexiva dos
discentes sobre “os modos de fala e as outras linguagens concomitantes à fala” (BENTES,
2010, p. 137).
À vista disso, ao tratar das orientações para o conteúdo sobre variação linguística,
os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam algumas atividades que propõem ao
aluno a reflexão acerca das diferentes modalidades da língua, dentre as quais pode-se
considerar questões de identificação de recursos linguísticos próprios da modalidade
falada, conversão de textos orais para a modalidade escrita para o reconhecimento das
diferenças entre as duas formas linguísticas, análise da influência da linguagem popular
nas formas orais e a análise comparativa entre fala e escrita (BRASIL, 1998, p. 82-83).
Ao se atentar às questões que englobam a variação linguística na prática
pedagógica, a escola deve aderir à exclusão de muitas crenças equivocadas no que diz
respeito ao ensino da escrita e da língua padrão, como o fato de que a língua portuguesa
exige esforços redobrados por não ser fácil o suficiente, assim como a ideia de que o
brasileiro não é capacitado a falar corretamente no seu próprio idioma etc.
À vista disso, tal fato deve objetivar práticas escolares que permitam ao aluno a
escolha da forma de fala a utilizar, porém apontando questões relativas às adequações e
às circunstâncias de uso da linguagem, como as adaptações no contexto de produção,
estas que envolvem ajustes às variedades de língua, recursos expressivos e estilos
condizentes às diferentes situações de comunicação. Desse modo, para que haja
18
entendimento sobre os fenômenos da variação linguística, o ambiente escolar deve
possibilitar aos alunos a compreensão de que “todas as variedades linguísticas são
legítimas e próprias da história e da cultura humana” (BRASIL,1998, p. 82), além de
posicionar-se contra atitudes de discriminação linguística.
Assim, ao expor ao aluno o fato de que a Língua Portuguesa é uma unidade
constituída de muitas variedades, a escola cumpre papel indispensável na “formação da
consciência linguística e no desenvolvimento da competência discursiva do aluno”
(BRASIL,1998, p. 82).
No que concerne às Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006),
o papel da Língua Portuguesa no ensino médio é o de promover o aperfeiçoamento das
habilidades de escrita e de leitura, de fala e de escuta e o desenvolvimento dos
conhecimentos relativos ao funcionamento e a reflexão sistemática sobre a língua.
Ademais, o documento explicita a fundamentação teórica que sustenta todo o texto oficial:
O caminho escolhido para essa discussão dá ênfase aos estudos levados a efeito no âmbito da Linguística e da Linguística Aplicada [...]. Procura-se, dessa maneira, demonstrar a relevância dos estudos sobre a produção de sentido em práticas orais e escritas de uso da língua – e, mais amplamente, da linguagem –, em diferentes instâncias sociais; consequentemente, será apontada a importância de se abordarem as situações de interação considerando-se as formas pelas quais se dão a produção, a recepção e a circulação de sentidos (BRASIL, 2006, p. 18-19).
O conceito que embasa as Orientações Curriculares considera a língua como “uma
das formas de manifestação da linguagem, é um entre os sistemas semióticos construídos
histórica e socialmente pelo homem” (BRASIL, 2006, p. 25). Posto isto, a língua constitui-
se numa “atividade de construção de sentidos”, envolvendo “ações simbólicas que não são
exclusivamente linguísticas, já que há um conjunto de conhecimentos que contribui para
sua elaboração” (BRASIL, 2006, p. 25).
As Orientações tomam como base para o ensino de português uma visão
interacionista de linguagem e consideram que, em virtude das variações presentes na
língua, o ensino deve levar em conta os usos da linguagem no dia a dia, apresentando aos
alunos, no contexto escolar, textos que circulam na sociedade com o objetivo de ampliar a
competência linguísticas dos educandos, além de
[...] criar condições para que os alunos construam sua autonomia nas sociedades contemporâneas – tecnologicamente complexas e globalizadas – sem que, para isso, é claro, se vejam apartados da cultura e das demandas de suas comunidades. Isso significa dizer que a escola que se pretende efetivamente inclusiva e aberta à diversidade não pode ater-se ao letramento da letra, mas deve, isso sim, abrir-se
19
para os múltiplos letramentos, que, envolvendo uma enorme variação de mídias, constroem-se de forma multissemiótica e híbrida – por exemplo, nos hipertextos na imprensa ou na internet, por vídeos e filmes, etc. Reitera-se que essa postura é condição para confrontar o aluno com práticas de linguagem que o levem a formar-se para o mundo do trabalho e para a cidadania com respeito pelas diferenças no modo de agir e de fazer sentido (BRASIL, 2006, p. 29).
No que se refere à oralidade, as Orientações Curriculares exprimem que se deve
propiciar aos alunos o aprimoramento das habilidades de fala e de escuta. Quanto aos
processos de produção e recepção de textos, o documento determina que se deve atentar
para as especificidades da modalidade usada, tanto na fala como na escrita, da língua.
Orienta-se que o estudante estabeleça certo contato não somente com a produção oral no
nível mais informal, mas que “abarque uma complexidade que exigirá recorrer a estratégias
linguísticas, textuais e pragmáticas em relação ao contexto da situação comunicativa. Além
disso, é necessário que se dê [sic] ferramentas de análise do uso da linguagem, em função
do contexto” (MAGALHÃES, 2011, p. 156).
O texto também discorre acerca da apropriação da língua oral não só como um
objeto de estudo voltado para a descrição dos aspectos linguísticos, mas para a reflexão
sobre determinados recursos da língua em que a fala se dá. Assim, considerando as
orientações para o trabalho com a oralidade no contexto do ensino médio, segundo
Magalhães (2011, p. 156), pode-se afirmar que
[...] em virtude do afinamento com os estudos recentes de várias áreas da Linguística, reforça-se a necessidade de trabalho de produção, recepção e análise de textos orais, não numa orientação dicotômica e oposicionista, e sim mostrando que a oralidade e a escrita são modalidades de uso da língua, incluindo aí as práticas de linguagem nascidas na/da tecnologia digital, que também permitem a recorrência online desses dois tipos de modalidade.
Por fim, pode-se discorrer sobre a concepção de oralidade apresentada no
documento através da seção intitulada “Organização curricular e procedimentos
metodológicos de abordagem de conteúdos” (BRASIL, 2006, p. 35). Neste capítulo, é
possível observar que as Orientações recomendam a produção da modalidade falada por
meio de gêneros orais, como também dedicam certa atenção para as atividades de escuta
e análise a partir de produções reais. Desse modo, verifica-se que a reflexão deve partir
do contato direto com a modalidade falada da língua:
Na escuta, a própria modalidade falada está em foco na análise, permitindo-se, entre outros, que se percebam a função dos participantes, a relação de simetria/assimetria de participantes, a estrutura de participação dos interlocutores no evento de fala, a forma de distribuição das falas etc. As atividades de escuta por
20
meio de gravações contribuem para o aluno e a aluna no entendimento da relação oral-escrito, uma vez que se pode transcrever os dados, voltar a trechos que não tenham sido bem compreendidos, dar ênfase a trechos que mostrem características típicas da fala, entre outros (MAGALHÃES, 2011, p. 158).
Entende-se que a concepção de oralidade no documento em questão abarca três
tipos de atividades para o estudo da modalidade falada da língua: a escuta, a produção e
a análise (MAGALHÃES, 2011). Observa-se que, em relação às Orientações Curriculares
para o Ensino Médio e os Parâmetros Curriculares Nacionais, ambos os documentos estão
voltados para o ensino da modalidade falada com foco na produção, escuta e análise da
língua oral. Assim, é possível assentir que as Orientações para o Ensino Médio dão
continuidade ao processo de ensino descrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais –
Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental no que diz respeito à prática sistemática
da modalidade falada da língua.
Entretanto, considerando o trabalho com a oralidade no espaço restrito à sala de
aula, apesar dos documentos oficiais apresentarem orientações que revelam a importância
do trabalho com a língua em sua modalidade falada e escrita, percebe-se que é recorrente
um ensino marcado pela ênfase na modalidade escrita da língua, fato que evidencia a
escassa atenção dada à oralidade, que é relegada a meras ocorrências de leituras em voz
alta ou discussões cuja finalidade é a produção de textos escritos.
Segundo Dolz, Haller e Schneuwly (2004, p. 139), o oral, na maioria das vezes, não
é considerado como objeto autônomo de trabalho no espaço escolar e, de acordo com os
autores, o ensino da oralidade permanece “dependente da escrita”. Ao citarem uma
pesquisa sobre as diferentes práticas docentes no trato com a oralidade, realizada pelos
estudiosos De Pietro e Wirthner (1996), os autores evidenciam a ausência de clareza em
relação a esse objeto de ensino. A esse respeito, a pesquisa em questão destaca os
seguintes aspectos:
o oral é principalmente trabalhado como percurso de passagem para a aprendizagem escrita;
os professores analisam o oral a partir da escrita;
o oral está bastante presente em sala de aula, mas nas variantes e “normas” escolares, a serviço da estrutura formal escrita da língua;
a leitura em voz alta, isto é, a escrita oralizada, representa a atividade oral mais frequente na prática (70% dos professores entrevistados) (DOLZ; HALLEY; SCHNEUWLY, 2004, p. 139).
De acordo com Marcuschi, “uma das razões centrais do descaso pela língua falada
continua sendo a crença generalizada de que a escola é o lugar do aprendizado da escrita”
21
(1997, p. 39, grifo do autor). Conforme pontua o estudioso, as instituições de ensino têm
centrado sua atenção no ensino da modalidade escrita da língua portuguesa, evidenciando
uma postura de supervalorização do texto escrito. Observa-se, portanto, que é preciso que
haja mudanças na maneira de ensinar a linguagem oral no espaço escolar, pois, segundo
Marcuschi:
Embora os manuais deem a impressão de que a análise da fala seja prescindível (figurando apenas como curiosidade ou uso linguístico a ser evitado), é possível trabalhar a oralidade em aula e esse tipo de estudo tem um lugar bastante claro no ensino (produtivo) de língua materna. Certamente, não se trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e variedade de usos da língua. Talvez, a melhor maneira de determinar o lugar do estudo da fala em sala de aula seja especificando os aspectos nos quais um tal estudo tem a contribuir (1997, p. 41).
Ainda sobre esse aspecto, os Parâmetros Curriculares Nacionais de língua
portuguesa destacam que “o objetivo de ensino e, portanto, de aprendizagem é o
conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas
sociais mediadas pela linguagem” (BRASIL, 1998, p. 22). Dessa forma, faz-se necessário
um olhar atento aos materiais didáticos utilizados em sala de aula, uma vez que “nota-se,
por parte dos autores de livros didáticos, um descaso em relação à oralidade em geral”
(MARCUSCHI, 1997, p. 45, grifo do autor).
Concomitantemente, ao tratar do ensino da oralidade nas séries correspondentes
ao ensino médio, as Orientações Curriculares determinam que as atividades desenvolvidas
na disciplina de língua portuguesa “devem propiciar ao aluno o refinamento de habilidades
de leitura e de escrita, de fala e de escuta” (BRASIL, 2006, p. 18), como já fora explicitado
anteriormente. O texto salienta que, nesse estágio escolar, o aluno deverá somar ao
conhecimento já adquirido no Ensino Fundamental habilidades ampliadas em relação à
reflexão sistemática sobre a língua e a linguagem (BRASIL, 2006, p. 18).
Sendo assim, considerando os materiais didáticos utilizados nas escolas, este
trabalho direciona sua atenção aos “Cadernos do Aluno” de Língua Portuguesa e
Literatura, volume 2, edição 2014-2017, destinados às 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
No capítulo seguinte, pretende-se analisar como o material oferecido pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo apresenta e desenvolve os conteúdos e atividades
referentes à oralidade no ensino de língua materna, pautando-se na abordagem teórica
acerca da língua descrita no presente capítulo.
22
3. CAPÍTULO 2: O ENSINO DA ORALIDADE EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Este trabalho analisa, por meio da perspectiva social e dialógica de linguagem
defendida por Bakhtin, o material “Caderno do Aluno” de Língua Portuguesa e Literatura,
volume 2, edição 2014-2017, destinado às 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio das escolas
da rede pública do Estado de São Paulo.
Para fazer menção aos cadernos didáticos durante a análise, formulou-se a
seguinte sistematização:
Quadro 1 - “Cadernos do Aluno” analisados
CA1 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 1ª série Ensino Médio vol. 2
CA2 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 2ª série Ensino Médio vol. 2
CA3 Caderno do Aluno – Língua Portuguesa e Literatura – 3ª série Ensino Médio vol. 2
Inicialmente, cabe mencionar que o Caderno do Aluno, material implantado na rede
estadual de ensino segundo a nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo de 2008,
tem como intuito promover as competências necessárias ao estudante para que este aja
de forma ativa frente os desafios socioculturais e profissionais da contemporaneidade.
Dessa maneira, para a formulação do Currículo da Secretaria de Educação Básica do
Estado de São Paulo, afiguram-se como princípios centrais “a escola que aprende; o
currículo como espaço de cultura; as competências como eixo de aprendizagem; a
prioridade da competência de leitura e de escrita; a articulação das competências para
aprender; e a contextualização no mundo do trabalho” (SÃO PAULO, 2011, p. 12).
Além disso, o documento destaca a relevância do desenvolvimento das
competências de leitura e escrita, atribuindo ao texto a posição de elemento prioritário do
processo de ensino-aprendizagem. Ademais, ao tratar da disciplina de Língua Portuguesa
e Literatura no Ensino Médio, a Proposta Curricular sublinha que os conteúdos,
organizados em quatro grandes campos de estudo, abarcam a análise externa da língua e
da literatura em sua dimensão social, o estudo das características dos gêneros textuais na
materialidade escrita da linguagem verbal, análise da língua e da literatura em suas
23
realidades intersemióticas e aspectos relacionados à produção e escuta do texto oral (SÃO
PAULO, 2011, p. 38).
A Proposta Curricular também realça que, ao considerar os quatro eixos
organizadores anteriormente citados para o ensino de língua materna no Ensino Médio,
defende-se o tratamento dos fenômenos linguísticos nas dimensões discursiva, semântica
e gramatical. De acordo com o texto, esses eixos “centram-se no indivíduo que se constitui
na linguagem verbal como ser humano, em sua subjetividade, portanto, único em relação
aos outros, e ser social, ou seja, parte constitutiva de um todo histórico, social e
culturalmente construído” (SÃO PAULO, 2011, p. 38).
Verifica-se que, para o trabalho com a disciplina de Língua Portuguesa e suas
Literaturas, os campos de estudo delimitados pela proposta em questão procuram
desenvolver um olhar dialógico que contemple as questões linguísticas em suas dimensões
subjetivas e sociais, de modo a propiciar ao estudante uma experiência efetiva com a língua
por meio do trabalho com os diferentes gêneros textuais que circulam no meio social.
Considerando os aspectos conceituais e metodológicos definidos pelo material
elaborado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, descritos na Proposta
Curricular para o ensino de Língua Portuguesa, nos subcapítulos seguintes, pretende-se
discorrer acerca da concepção de oralidade apresentada pelo material didático, analisar
possíveis atividades que evidenciam a transição e relação fala/escrita e, por fim, identificar
a presença de exercícios que considerem a oralidade em contextos não exclusivamente
formais.
3.1. A concepção de oralidade apresentada pelo Material Didático
Principiando a avaliação, no que tange ao desenvolvimento dos conteúdos e
atividades referentes à oralidade no ensino de Língua Portuguesa, principal tema de
análise deste trabalho, observa-se que o material didático em questão se ampara em um
ensino baseado no letramento do aluno. Dessa forma, de acordo com a Proposta Curricular
para o ensino da língua materna, é dada demasiada importância ao contato com os
diferentes gêneros textuais e suas características, assim como a relação entre os textos e
o seu uso social, permitindo aos sujeitos o uso consciente e eficaz das competências
comunicativas:
24
A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade social, espaço de interação entre pessoas, num determinado contexto de comunicação, implica a compreensão da enunciação como eixo central de todo o sistema linguístico e a importância do letramento, em função das relações que cada sujeito mantém em seu meio (SÃO PAULO, 2008, p. 43).
Para o material, a linguagem é entendida como uma atividade entre sujeitos, ou
seja, um processo interacional em que os usuários da língua estabelecem um diálogo,
assumindo a posição de interlocutores. Desse modo, no movimento de utilização da língua,
a interação não se concentra apenas nas regras já internalizadas acerca do idioma, mas
também leva em conta o contexto social, cultural e histórico dos sujeitos para a efetivação
do ato comunicativo. Assim, “o indivíduo, ao fazer uso da língua, não apenas exterioriza o
seu pensamento, não somente transmite informações; na verdade, mais do que isso,
realiza ações, age, atua, orientado por determinada finalidade, sobre o outro” (CURADO,
2004, p.19 apud BARBOSA; SANTANA; LIMA, 2018, p.95).
Diante disso, entende-se que, em cumprimento ao Currículo do Estado de São
Paulo para a disciplina de Língua Portuguesa, a ênfase do “Caderno do Aluno” está na
progressão e aperfeiçoamento do aprendizado de leitura e produção de textos a partir dos
diferentes gêneros textuais. À vista disso, ao tratar das “práticas de linguagem
historicamente construídas”, Dolz e Schneuwly (2004, p. 43-44, grifo dos autores)
discorrem sobre os gêneros textuais e a possibilidade de apropriação de tais práticas por
meio desses gêneros:
As práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos grupos sociais no curso da história. Numa perspectiva interacionista, são, a uma só vez, o reflexo e o principal instrumento de interação social. É devido a essas mediações comunicativas, que se cristalizam na forma de gêneros, que as significações sociais são progressivamente construídas. Disso decorre um princípio que funda o conjunto de nosso enfoque: o trabalho escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros quer se queira ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino que esses objetos de aprendizagem requerem.
Verifica-se que, apesar de a Proposta Curricular fazer menção à linguagem escrita
e oral concebendo-as como representações da língua materna e viabilizadoras da
comunicação e compreensão dos diferentes discursos que circulam socialmente, o
documento atribui à leitura e à produção de textos escritos atenção especial:
25
[...] os atos de leitura e de produção de textos ultrapassam os limites da escola, especialmente os da aprendizagem em língua materna, configurando-se como pré-requisitos para todas as disciplinas escolares. A leitura e a produção de textos são atividades permanentes na escola, no trabalho, nas relações interpessoais e na vida. Por isso mesmo, o Currículo proposto tem por eixo a competência geral de ler e de produzir textos, ou seja, o conjunto de competências e habilidades específicas de compreensão e de reflexão crítica intrinsecamente associado ao trato com o texto escrito (SÃO PAULO, 2011, p. 17-18).
Pode-se concluir que o presente material didático não fornece uma concepção de
oralidade objetiva, visto que não considera o oral como um objeto de ensino isolado e
autônomo. Além do mais, ao discorrer sobre o ensino da Língua Portuguesa e suas
Literaturas, a Proposta Curricular, como já fora apontado, prioriza a aprendizagem através
dos diferentes gêneros textuais, mas ao tratar destes instrumentos, não menciona os
gêneros orais nas seções dedicadas ao ensino de português e seus princípios geradores.
Desse modo, as únicas referências ao trabalho com a oralidade podem ser
identificadas nas propostas acerca dos conteúdos para os segmentos que compreendem
o Ciclo II (Ensino Fundamental) e o Ensino Médio, conforme exemplificam os quadros com
os conteúdos programáticos para a disciplina de Língua Portuguesa correspondentes às
séries mencionadas:
Figura 1: Ilustração, Proposta Curricular para o segmento Ensino Fundamental - Ciclo II, 1º
Bimestre, p. 50.
26
Figura 2: Ilustração, Proposta Curricular para o segmento Ensino Médio, 1º Bimestre, p. 62.
Considerando a leitura e análise da Proposta Curricular para a disciplina de Língua
Portuguesa e dos conteúdos direcionados às séries correspondentes ao Ensino
Fundamental e ao Ensino Médio, ratifica-se o fato de que o documento procura promover
um trabalho acerca do ensino e aprendizagem por meio dos diferentes gêneros textuais,
evidenciando a noção de língua/linguagem adotada pelo material. No entanto, ao fazer
menção aos gêneros orais abordados pelo “Caderno do Aluno”, como as “discussões sobre
pontos de vista”, “rodas de conversa” e os “debates orais”, a proposta não discorre sobre
o tratamento que deveria ser dado a esses instrumentos, assim como a relevância da
prática desses gêneros discursivos para a aprendizagem.
27
Portanto, fica clara a ideia de que o oral não é tratado como um objeto de ensino
autônomo, o qual requer um estudo sistemático adequado, conforme orientam Dolz, Halley
e Schneuwly (2004, p. 140):
Portanto, para uma didática em que se coloca a questão do desenvolvimento da expressão oral, o essencial não é caracterizar o oral em geral e trabalhar exclusivamente os aspectos de superfície da fala, mas, antes, conhecer diversas práticas orais de linguagem e as relações muito variáveis que elas mantêm com a escrita. A constituição do oral como objeto legítimo de ensino exige, portanto, antes de tudo, um esclarecimento das práticas orais de linguagem que serão exploradas na escola e uma caracterização das especificidades linguísticas e dos saberes práticos nelas implicados.
3.2. A relação e a transição fala/escrita nas atividades selecionadas pelo Material
Didático
Ao respaldar-se em Marcuschi (2001), Bentes (2010, p. 138) afirma que “as
diferenças entre fala e escrita não podem ser vistas em termos de separações estanques,
mas em termos de um continuum de práticas e de gêneros”. Desse modo, observa-se que,
certas práticas comunicativas, apesar de estarem situadas no campo da oralidade, são
mais influenciadas pela escrita e que determinadas práticas, apesar de serem escritas, são
mais influenciadas pela fala.
Nessa perspectiva, Marcuschi (2001) propõe uma análise cuidadosa acerca do que
ele denomina retextualização, uma prática que envolve a transformação de um texto em
outro texto. Dessa forma, segundo o estudioso, ao considerar as relações entre fala e
escrita, há quatro possibilidades de retextualização:
a) da fala para a escrita (por exemplo, da entrevista oral para a entrevista impressa);
b) da fala para a fala (por exemplo, da conferência para a aula);
c) da escrita para a fala (por exemplo, do texto escrito para a exposição oral);
d) da escrita para a escrita (por exemplo, do texto escrito para o resumo) (MARCUSCHI, 2001 apud BENTES, 2010, p. 139).
Ao analisar os “Cadernos do Aluno” de Língua Portuguesa e suas Literaturas, no
que tange à presença de atividades que evidenciam a relação fala/escrita, pode-se
observar que, em sua maioria, as ocorrências de práticas orais propostas nas atividades
28
didáticas apresentam-se com o intuito exclusivo de se chegar à produção de textos
escritos, ratificando a afirmação de Dolz, Halley e Schneuwly (2004, p. 139) que exprime
que “o oral é principalmente trabalhado como percurso de passagem para a aprendizagem
escrita”. Ainda, alguns exercícios propõem discussões com a finalidade de promover
análises de textos escritos, posteriores ao debate sugerido pelo material, conforme
mostram os exemplos abaixo:
Figura 3: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA3, p. 5.
29
Figura 4: Ilustração, Situação de Aprendizagem 7, CA1, p. 68.
Nesses casos, observa-se que, ao inserir o exercício da fala através de uma
proposta de discussão oral, as atividades preveem o estudo de alguns gêneros pautados
na oralidade, porém, tais gêneros não são explorados de forma a tratar de suas
características e de sua relevância para a interação verbal. Nesse sentido, verifica-se que
a fala se apresenta como um instrumento de comunicação, estabelecendo um elo entre as
ideias compartilhadas entre professor e alunos, sem que haja uma sistematização da
prática interacional. Dessa forma, os exercícios propostos pelo material pouco contribuem
para o aprimoramento e desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes
envolvidos no processo de aprendizagem. Segundo Rodrigues e Dantas (2015, p. 150)
são frequentes as propostas que contemplam o desenvolvimento da leitura oralizada, uma vez que se percebe a recorrência da leitura em voz alta ou da discussão coletiva dos textos propostos, no entanto, não há uma preocupação em ensinar o gênero oral, sua arquitetura textual e funcionalidade.
30
Figura 5: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA2, p. 6.
Ao considerar a Situação de Aprendizagem 1 (pode ser entendida como capítulo)
do CA2, cujo tema denomina-se “Diálogos no Texto Poético”, observa-se que, após a
primeira proposta de uma atividade sobre a escuta e análise de uma canção, o exercício
posterior (Figura 5) apresenta uma discussão oral para tratar de poesia e discutir acerca
de alguns trechos da música trabalhada na atividade anterior. Posteriormente, o exercício
sugere que, após a discussão, seja elaborado um artigo de opinião por todos os alunos da
sala, seguindo a orientação do professor, para que as principais opiniões sobre as
questões discutidas sejam articuladas em um texto com a temática “O poeta e os
problemas da sociedade”.
Dessa forma, verifica-se que a relação entre fala e escrita proposta pela atividade
não se realiza de forma sistemática, pois, ao sugerir uma discussão oral, não há, de fato,
um trabalho acerca da oralidade, somente uma mobilização para que, por meio da fala,
outro objeto de ensino possa ser explorado, nesse caso o gênero textual artigo de opinião.
Desse modo, no exercício em questão, a oralidade não teve outra finalidade a não ser a
de estabelecer-se como um meio de comunicação. Além disso, em relação à atividade
proposta,
31
apesar de procurar levar o aluno a se posicionar em relação a um determinado tema, revela uma espécie de banalização da tomada da palavra, como se seu mero exercício pudesse levar alguém a se pronunciar oralmente de forma significativa e adequada ao contexto (público ou privado, formal ou informal) (MENDES, 2005 apud BENTES, 2010, p. 141).
Figura 6: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA3, p. 7.
Igualmente, é possível identificar na Situação de Aprendizagem 1 do CA3 outro
caso de exercício que estabelece a relação entre fala e escrita, mas que, assim como na
atividade anterior (Figura 5), resulta na proposta de elaboração de um texto escrito. Na
presente atividade (Figura 6), o exercício pede para que os alunos respondam a duas
perguntas, sendo que a segunda requer um posicionamento por parte do estudante. Ainda,
a atividade menciona que serão realizadas discussões acerca dos textos que virão em
seguida para que, ao final do exercício, seja elaborado um texto dissertativo.
Novamente o material didático falha em promover a relação entre o oral e o escrito,
enfatizando a produção escrita e denegando à oralidade a posição de objeto de estudo
isolado. Desse modo, ao sugerir uma discussão oral acerca de determinado assunto, o
exercício evidencia “uma nítida consciência do gênero diálogo como única fonte clara para
a presença de estratégias de fala” (MARCUSCHI, 1997, p. 47), ou seja, mais uma vez, a
oralidade é apenas um pretexto para a produção de textos escritos.
Além disso, de acordo com Bentes (2010, p. 141):
O mais interessante é que os professores acreditam que esses exercícios, sem um trabalho específico com a produção de comentários orais curtos e mais planejados sobre um tema e/ou situação, podem levar o aluno a uma realização fluente e eficaz de gêneros ou textos orais de natureza argumentativa.
Ademais, Mendes (2005, p. 146 apud BENTES, 2010, p. 141) acrescenta:
32
não resta dúvida que haverá interação entre os alunos/alunos e o professor na sala de aula e que, ao aluno, será dado espaço a sua voz. No entanto, é necessário se interrogar “se” atividades como essas poderão ser suficientes para ajudar os alunos a passar de uma situação de comunicação ainda muito marcada por características dos gêneros primários (sobretudo considerando os exemplos que priorizam as conversas, simplesmente) a outra, das instâncias públicas e formais.
Outro aspecto que merece destaque diz respeito aos equívocos em relação à falta
de clareza para tratar a oralidade em sua relação com a escrita, assim como a inexistência
de uma concepção de língua falada para que os estudantes possam ter uma noção clara
das características inerentes aos gêneros orais e as peculiaridades intrínsecas às suas
práticas linguísticas. Diante desses problemas, observa-se que algumas atividades
introduzem determinados gêneros textuais, mas não contextualizam esses instrumentos
de ensino de forma a viabilizar o seu estudo isolado, como é o caso da atividade abaixo:
Figura 7: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA1, p. 6.
Na Situação de Aprendizagem 1 (CA1, p. 6), o tema da unidade é “Uma conversa
controlada com o outro”. Desse modo, no início do capítulo, é dada uma breve descrição
sobre o que será tratado na unidade: “a função do coautor em um texto, especialmente na
entrevista escrita” (CA1, p. 5). Após mencionar o gênero textual entrevista escrita na
apresentação da Situação de Aprendizagem, na sequência, o material oferece uma
atividade de leitura e análise de texto e, em seguida, sugere uma discussão oral (Figura
7).
Dessa forma, antes mesmo de introduzir o gênero mencionado, caracterizando-o e
descrevendo suas principais características, a atividade propõe a discussão acerca dos
ditos “itens” selecionados, solicitando seus respectivos “significados” e suas possíveis
esferas de circulação no meio social. Percebe-se que, para um contato imediato do aluno
33
com as formas comunicativas selecionadas para a discussão, a utilização do termo “itens”
para caracterizá-las poderia gerar certa confusão ao estudante.
Nesse sentido, ao tentar identificar as formas linguísticas apontadas, o indivíduo
poderia ser tomado por algumas incertezas geradas pela imprecisão da atividade,
apresentando dúvidas a respeito da entrevista escrita e a sua relação com a conversa
informal, ou até mesmo em relação à definição dos tópicos, questionando-se se todos
poderiam ser tratados como gêneros textuais ou não, como no caso do questionário ou,
possivelmente, da conversa informal.
Além do mais, no que concerne à identificação dos possíveis espaços de circulação
dos itens descritos, igualmente, o enunciado do exercício poderia gerar incertezas quanto
aos momentos em que eles aparecem na sociedade. Assim, grande parte dos alunos
poderiam alegar, por exemplo, que a conversa informal se dá em espaços
necessariamente informais, como numa conversa entre amigos fora da sala de aula ou
com o grupo familiar. Por sua vez, em relação à entrevista e ao questionário, estes logo
seriam caracterizados unicamente por seu aspecto formal, utilizados para levantar
informações sobre algo ou alguém, e estariam intimamente ligados à forma escrita.
Nesse contexto, pode-se afirmar que “formalidade e informalidade não podem ser
dadas como características de uma ou de outra modalidade linguística, mas são, antes,
exigências das condições de produção dos diversos gêneros de textos, produzidos sempre
em situações específicas” (LIMA; BESERRA, 2012, p. 60 apud RODRIGUES; DANTAS,
2015, p. 145). Além disso, partindo desse pressuposto, observa-se que a ausência de um
trabalho sistemático acerca das relações entre gêneros orais e escritos pode levar os
estudantes a considerarem estes objetos de ensino de forma isolada, sem levar em conta
a concepção de continuum entre oralidade e escrita.
Ao retomar os elementos apresentados pela discussão oral (Figura 7), tomando
como exemplo a entrevista, apesar de a unidade salientar que será desenvolvido um
trabalho acerca da entrevista escrita, é necessário se atentar ao fato de que esse gênero
é de difícil definição devido à grande variedade de subtipos e à ampla circulação no meio
social. Segundo Dolz e Schneuwly (1999, p. 13 apud SANTOS; CRUZ; ANTUNES, 2017,
p. 183, grifo dos autores), a entrevista é uma
prática de linguagem altamente padronizada, que implica expectativas normativas específicas da parte dos interlocutores, como num jogo de papéis: o entrevistador abre e fecha a entrevista, faz perguntas, suscita a palavra do outro, incita a transmissão de informações, introduz novos assuntos, orienta e reorienta a interação; o entrevistado, uma vez que aceita a situação, é obrigado a responder e fornecer as informações pedidas. Geralmente, os dois interlocutores ocupam papéis
34
públicos institucionalizados; a natureza da relação social e interpessoal condiciona fortemente a relação que se instaura entre os dois. Em relação a outros gêneros próximos, a entrevista mantém uma ligação fundamental com o universo da mídia. Seu lugar social de produção é a imprensa escrita, o rádio ou a televisão. A exigência de mediatização preside todas as atividades que se depreendem daí.
Mesmo diante da instabilidade na conceituação do gênero entrevista, Dolz e
Schneuwly apresentam três pontos primordiais para que se compreenda o gênero em
questão, os quais deveriam ser adotados no trabalho em sala de aula, sendo eles o papel
do entrevistador, a organização e elaboração interna da entrevista e a regulação do
espaço. Desse modo, de acordo com os autores,
na primeira dimensão, é importante que percebamos a importância do entrevistador para esse gênero textual, pois ele age como o mediador da conversa, tendo o papel de iniciá-la e fechá-la, motivando o entrevistado a responder às questões abordadas. Com a segunda dimensão, podemos entender como a entrevista se constitui, compreendendo que ela se divide em três partes, ainda segundo os autores: abertura, fase de questionamento ou núcleo e fechamento. A terceira e última dimensão diz respeito à compreensão de como decorre a entrevista: as mudanças de turno, a formulação de questões e as estratégias utilizadas pelo entrevistador para possibilitar o andamento da conversa (DOLZ; SCHNEUWLY, 1999 apud SANTOS; CRUZ; ANTUNES, 2017, p. 184).
Em alguns casos, por ser planejada, a entrevista pode ocultar as marcas da
oralidade espontânea. Desse modo, ao considerar a existência de entrevistas orais e
escritas, a escola não deve se opor ao fato de que "levar entrevistas nas duas modalidades
é uma estratégia valiosa para os estudantes aprenderem a lidar com as situações
corriqueiras em que as entrevistas são feitas” (LEAL; GOIS, 2012, p. 77 apud SANTOS;
CRUZ; ANTUNES, 2017, p. 184).
Sendo assim, na discussão oral sugerida pelo material didático (CA1, p. 6), ao
considerar os pontos - conversa informal, entrevista, questionário - separadamente, o
exercício comete o equívoco de não promover um exercício de reflexão e análise sobre a
relação entre o oral e o escrito, que deveria ser evidenciada no processo de caracterização
do gênero previsto para o exercício em questão. Diante disso,
Para definir um gênero como suporte de uma atividade de linguagem três dimensões parecem essenciais: 1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam dizíveis por meio dele; 2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos de discursos que formam sua estrutura. O gênero, assim definido,
35
atravessa a heterogeneidade das práticas de linguagem e faz emergir toda uma série de regularidades no uso (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 75 apud BARBOSA; SANTANA; LIMA, 2018, p. 98-99).
Somente após alguns exercícios de leitura e análise de textos, incluindo uma
entrevista da autora Lygia Fagundes Telles ao jornal Folha de S. Paulo, é que o capítulo
apresenta um quadro sintetizando algumas das características da entrevista:
Figura 8: Ilustração, Situação de Aprendizagem 1, CA1, p. 12.
Observa-se que, ao tratar de algumas mudanças em relação à transição da fala
para a escrita no texto da entrevista, o material aborda superficialmente as adaptações
necessárias para o processo de retextualização, além de não apontar exemplos ou
apresentar explicações para a compreensão dos alunos acerca da composição desse
gênero. No item número 6, por exemplo, o trecho esclarece que, na transcrição do texto
oral para o texto escrito, as marcas de oralidade são desprezadas. No entanto, não há
nenhum tipo de referência às marcas típicas do discurso oral para referenciar o exposto no
trecho citado.
36
Igualmente, ao ler o item número 7, tem-se a afirmação de que a entrevista busca
“reproduzir o ritmo da conversa próprio da oralidade”, mas não há menção quanto às
características referentes à interação oral e as marcas conversacionais para que se possa
tratar de tais aspectos. Desse modo, percebe-se a ausência de referências para tratar da
relação entre a conversa formal/informal, assim como as especificidades da fala em
determinados contextos de uso, e a composição do texto da entrevista.
Assim, é possível observar mais um equívoco no trato da oralidade, principalmente
na sua relação com a escrita. Apesar de ser enfatizada, na situação analisada, não há uma
preocupação em didatizar o gênero oral, fazendo com que os alunos possam se apropriar
de sua estrutura e utilizá-la de forma eficaz. Sobre esse aspecto, Antunes (2007, p. 51)
afirma que “não se pode esperar que o falante descubra sozinho um conjunto tão complexo
e heterogêneo de regras e normas, que, ainda por cima, admitem toda a flexibilidade
permitida pela natureza eminentemente funcional da língua”.
Prosseguindo a análise, na tentativa de identificar a presença de alguma atividade
que evidenciasse a transição da modalidade escrita para a falada, encontrou-se a seguinte
proposta de exercício:
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Figura 9: Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA3, p. 54.
A Situação de Aprendizagem 6 do CA3, localizada na penúltima unidade do livro,
trata do planejamento da formatura. O fato de o capítulo ser um dos últimos tópicos a serem
tratados, pressupõe que o final do ano letivo está próximo e, com isso, é tempo de preparar
os alunos para a cerimônia de formatura, um evento formal que exige situações de
linguagem adequadas para a realização da entrega dos certificados de conclusão do
Ensino Médio aos estudantes.
Após uma série de discussões acerca da relevância da formatura na vida dos
alunos e alguns aspectos sobre a cerimônia de formatura, o material trata do discurso
cerimonial. Desse modo, ao invés de trabalhar de forma isolada o gênero oral mencionado,
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o capítulo apresenta alguns trechos de importantes oradores da literatura, de forma a
exemplificar as características do gênero, e propõe algumas atividades para tratar do uso
do vocativo e a escrita em ordem direta, aspectos que serão levados em conta na produção
do discurso pelos oradores da turma.
O exercício posterior (Figura 9) discorre acerca da avaliação que será feita
considerando os discursos redigidos pela turma, os quais já devem estar revisados e
reelaborados. Em conformidade aos critérios de avaliação destacados pelo material,
encontram-se descritos o uso de pausas, o contato visual, o papel em altura adequada e o
controle dos gestos. Dessa forma, pode-se afirmar que, diante do número escasso de
atividades que tratam dos gêneros orais de forma sistemática no material didático, no
exercício em questão, percebe-se a tentativa de abordar tal objeto de ensino e trabalhá-lo
de forma isolada em relação a alguns aspectos essenciais da transição do escrito/oral.
A atividade acima apresenta alguns elementos que possibilitam a compreensão do
que é uma exposição oral, especificamente o discurso. O fato de o material didático
delinear as informações referentes aos conteúdos, mesmo que estes se deem em
discussões informais e através de análises de discursos de importantes figuras literárias,
além de deixar claro os interlocutores e o contexto de produção desse gênero, faz com que
a proposta contemple algumas das dimensões básicas necessárias para o conhecimento
do objeto (discurso cerimonial).
3.3. A oralidade em contextos não exclusivamente formais nas atividades do Material
Didático
De acordo com Dolz, Haller e Schneuwly (2004, p. 125),
embora a linguagem oral esteja bastante presente nas salas de aula (nas rotinas cotidianas, na leitura de instruções, na correção de exercícios etc.), afirma-se frequentemente que ela não é ensinada, a não ser incidentalmente, durante atividades diversas e pouco controladas.
Ao analisar os “Cadernos do Aluno”, verificou-se que as conversas informais estão
presentes nos materiais das três séries selecionadas para este trabalho. Desse modo,
observou-se que os gêneros orais não são priorizados pelo material, já que
39
há diferença entre conversar sobre determinado assunto (estruturalmente, a conversa em sala de aula carrega aspectos de informalidade) e elaborar intencionalmente gêneros orais secundários a partir de reflexões sobre a função social, a forma, o conteúdo e o estilo linguístico de tais textos (BARBOSA; SANTANA; LIMA, 2018, p. 100).
Ao discorrer acerca da Situação de Aprendizagem 6: O estilo que critica o mundo
(CA1, p. 59), é possível observar que a oralidade, situada em contextos não formais, está
estritamente ligada à prática de produção de gêneros textuais escritos. Conforme aponta
o exemplo abaixo (Figura 10), percebe-se que a informalidade da oralidade está, na maior
parte dos casos, entrelaçada à elaboração de gêneros escritos ou simplesmente
caracterizada por uma “conversa” para tratar de algum assunto levantado pelo livro.
Na atividade de Lição de Casa (CA1, p. 64) é solicitada uma discussão oral sobre
como a literatura pode refletir a sociedade e, em seguida, os alunos devem criar um estilo
literário, tendo como projeto final a produção de um texto escrito.
Figura 10: Ilustração, Situação de Aprendizagem 6, CA1, p. 64.
O “Caderno do Aluno” não fornece nenhum tipo de conteúdo que possa contribuir
para o andamento da discussão proposta, deixando a cargo do professor a mediação do
tema levantado. Além disso, após o momento da discussão, a atividade direciona a atenção
para a produção do texto escrito, que deverá pertencer a um dos seguintes gêneros
narrativos: conto, crônica ou tragédia (peça de teatro) (CA1, p. 65).
De acordo com as etapas para a atividade de produção escrita descritas no
material, percebe-se que a discussão oral tem por objetivo a contextualização do assunto
a ser trabalhado, preparando o estudante para a escrita do texto que virá em seguida.
Verifica-se que a fala, no exercício proposto, não aparece como uma espécie de
“mediadora da escrita” (MARCUSCHI, 1997, p. 42), pois a discussão em si não colabora
com a elaboração de um estilo literário, conforme propõe a atividade, somente promove
uma espécie de bate-papo para que o docente tome conhecimento da visão sobre a
40
literatura e sua relevância social compartilhada pelos alunos. Diante disso, Marcuschi
(1997, p. 42) afirma que, em relação ao estudo que se deve desenvolver acerca da
oralidade, “não se trata de transformar a fala num tipo de conteúdo autônomo no ensino de
língua: ela tem de ser vista integralmente e na relação com a escrita”.
Figura 11: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 41.
Igualmente, ao tratar da Situação de Aprendizagem 5 (CA3, p. 40), cuja unidade
trata do tema “Planejando a Felicidade”, nota-se que, ao sugerir algumas atividades
relacionadas à análise das competências em Língua Portuguesa desenvolvidas pelos
alunos ao longo do ano letivo, o material didático propõe uma discussão sobre os
progressos e dificuldades dos alunos durante as aulas estudadas.
De forma semelhante à atividade anteriormente apresentada, a presente proposta
de discussão realiza-se num contexto não exclusivamente formal, visto que a avaliação
oral sugerida servirá de base para a produção de um texto escrito a respeito do
desempenho dos alunos na disciplina de português. Assim, verifica-se que a oralidade
existe apenas como fator secundário dentro do material, pois não possibilita o estudo da
fala sistematizada para a exploração do assunto levantado. Nesse sentido, deve-se
considerar que
para possibilitar o desenvolvimento da capacidade de expressão oral dos sujeitos, é preciso ter consciência da importância dessa prática enquanto caráter interacional que se dá entre, pelo menos, dois interlocutores, em torno de um sentido específico e uma intenção determinada, o que permite que a fala deixe de ser um mecanismo meramente espontaneísta, descuidada, e passe a assumir um caráter convencional, de acordo com as situações propostas e os eventos de interação estabelecidos (ANTUNES, 2003 apud RODRIGUES; DANTAS, 2015, p. 143).
41
Figura 12: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 47.
Nesta mesma Situação de Aprendizagem, ao considerar a discussão a respeito do
planejamento do futuro do aluno, os estudantes são levados a uma proposta de produção
de um projeto de vida e, posteriormente, após a leitura de dois trechos retirados de duas
diferentes obras literárias, a situação propõe a escrita de um texto dissertativo sobre a
possibilidade de uma vida feliz e com propósito.
Em seguida, o material apresenta uma proposta de discussão oral sobre a
elaboração de um projeto de vida e o risco que se corre caso ele não dê certo e, para
finalizar a unidade, tem-se um exercício de leitura e análise de texto sobre o poema de
Fernando Pessoa, o qual pede que se localize a ideia principal da obra e relacione-a com
aquilo que foi estudado.
Novamente é possível observar uma atividade em que a fala é sugerida no sentido
de levar o aluno a expressar e compartilhar o seu ponto de vista diante de um assunto que
implica a percepção de seu futuro e realizações pessoais. Em relação ao exercício oral
proposto, pode-se considerar que a oralidade não está situada num contexto
exclusivamente formal em função do caráter meramente conversacional da atividade que,
como poderá ser observado a seguir, resultará numa proposta de escrita de um texto.
Figura 13: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 42-43.
42
Figura 14: Ilustração, Situação de Aprendizagem 5, CA3, p. 42-43.
Ainda nessa unidade, é possível encontrar mais um exemplo de uso informal de
oralidade em que alunos, orientados pelo docente, devem discutir em sala de aula várias
questões relacionadas ao futuro: “Você consegue imaginar sua vida daqui a um ano?
Devemos pensar nosso futuro apenas em termos de profissão ou dinheiro? ”. No entanto,
as perguntas apresentadas darão sustentação a uma produção escrita que terá como tema
a exploração dos desejos e propósitos dos alunos para o futuro. Sendo assim, mais uma
vez, o trabalho com a oralidade se apresenta apenas como um fator secundário dentro do
material didático (BARBOSA; SANTANA; LIMA, 2018, p. 101).
Ao tratar de alguns recursos fundamentais para o desenvolvimento de
competências comunicativas orais, Bentes (2010, p. 134) trata de outras práticas
linguísticas que podem “manter e/ou modificar tanto o curso da interação como os sentidos
produzidos em seu interior”. Desse modo, a partir das observações de Goulart (2005), a
autora defende que
os diferentes modos de fala e as diferentes linguagens constitutivos da produção discursiva oral podem ser trabalhados como importantes recursos comunicativos quando da efetiva inserção dos alunos em práticas e gêneros orais; mas esse trabalho somente pode ser efetivado se os alunos forem levados a ter a consciência de que a tomada da palavra (seja para plateias maiores ou menores, seja em ambientes mais institucionais ou mais privados, com objetivos os mais variados) é uma das atividades mais importantes para a ampliação de suas competências
43
comunicativas e também para sua formação como cidadãos dentro e fora da escola (GOULART, 2005 apud BENTES, 2010, p. 136).
Assim, ao observar alguns exemplos de atividades que consideram a oralidade em
contextos não exclusivamente formais, vale destacar que, de acordo com Dolz, Schneuwly
e Haller (2004, p. 146), “os alunos geralmente dominam bem as formas cotidianas de
produção oral”, já que tais formas “funcionam como reação imediata à palavra de outros
interlocutores presentes”. Contudo, é papel da escola “levar os alunos a ultrapassar as
formas de produção oral cotidianas para confrontar com outras formas mais institucionais,
mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores” (DOLZ; SCHNEUWLY;
HALLER, 2004, p. 147).
44
4. CONCLUSÃO
Ao considerar a oralidade como uma modalidade de uso da língua, além da grande
variedade de textos orais formais que são utilizados nos diferentes contextos de interação
social, é de suma importância a valorização do ensino dos gêneros orais nas escolas,
sobretudo nas séries direcionadas ao Ensino Médio, visto que esses objetos de ensino são
essenciais ao corpo discente no espaço escolar. Atribui-se à relevância do ensino da
oralidade a possibilidade de os alunos darem continuidade aos estudos, preparando-se
para o mercado de trabalho e praticando sua cidadania.
No entanto, de acordo com as atividades analisadas nos “Cadernos do Aluno” de
Língua Portuguesa e Literatura, volume 2, edição 2014-2017, destinados às 1ª, 2ª e 3ª
séries do Ensino Médio, observou-se que, nas situações propostas, há menção à oralidade,
mas os exercícios não desenvolvem o ensino sistematizado dos gêneros textuais orais.
Considerando a necessidade de um método para o ensino e domínio de um gênero textual,
nota-se que, no presente material, as aulas voltadas ao ensino dos gêneros escritos
apresentam-se de forma mais estruturada do que as sugestões que evolvem algum gênero
oral, evidenciando a escassa atenção destinada à oralidade.
Observa-se que a oralidade é tratada ao longo do material, sob a forma de
discussões e conversas entre professor e alunos, porém, falta sistematização para o ensino
dos gêneros orais e para a análise e compreensão da oralidade nas práticas sociais.
Apesar de a Proposta Curricular de Língua Portuguesa privilegiar uma abordagem
sociointeracionista de linguagem, considerando a língua em suas diversas modalidades de
uso, devido a equívocos em sua metodologia, as atividades referentes à prática da
oralidade divergem do conteúdo exposto nos documentos oficiais. Verifica-se, portanto,
que o material analisado não favorece o ensino da modalidade oral, pois não o enfatiza.
Perante o exposto, são constatáveis algumas possibilidades para o trabalho com
os gêneros orais, tais como exercícios de audição de falas de diferentes regiões do Brasil,
as quais permitem explorar as diferenças dialetais e prosódicas, bem como as estratégias
comunicativas utilizadas pelos falantes; discussões a respeito da variação linguística,
debatendo a formação do preconceito linguístico; análises que evidenciem a relação
fala/escrita; identificação das características marcantes da estrutura da língua na
modalidade falada, assim como dos aspectos típicos da produção oral, observando que
função eles têm na organização da linguagem (MARCUSCHI, 1997, p. 76-77) etc.
É fundamental que ocorra uma mudança significativa em relação à postura do
educador no andamento das aulas e na condução das atividades desenvolvidas em sala.
45
Desse modo, é preciso que o professor cultive uma atitude mais observadora diante da
produção oral de seus estudantes, promovendo momentos de avaliação dessa produção
discursiva. Além do mais, desenvolver uma metodologia que permita o questionamento e
posicionamento crítico dos discentes sobre os conteúdos ensinados é essencial, assim
como elaborar “estratégias didáticas que levem os alunos a refletir sobre suas práticas de
linguagem e sobre suas atitudes em relação às práticas de linguagem dos outros”
(BENTES, 2010, p. 148).
Cabe ao professor formular atividades que estejam relacionadas ao uso da
oralidade, conferindo a elas cada vez mais espaço na sua prática pedagógica. Além do
mais, é importante que o docente elabore exercícios e promova métodos de ensino-
aprendizagem com a língua em sua modalidade oral para os alunos, sobretudo nas séries
do Ensino Médio, no intuito de reparar os equívocos identificados nos materiais didáticos
analisados, até que estes sejam revistos e melhorados pelo sistema de ensino.
46
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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