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1 OS LIMITES DA VERBALIZAÇÃO NO PROCESSO PSICANALÍTICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIZIBILIDADE DO INCONSCIENTE 1 Cesar Romero Fagundes de Souza * e-mail: [email protected] Resumo: Este trabalho procura formular e situar algumas questões sobre os limites da dizibilidade do inconsciente psíquico no processo psicanalítico, à luz da pesquisa que Zeljko Loparic vem desenvolvendo em seus trabalhos mais recentes, nos quais propõe aproximações entre a analítica existencial de Heidegger e os fundamentos da concepção e prática psicanalíticas de Winnicott. INTRODUÇÃO O desafio acadêmico que me coloquei na pesquisa de mestrado foi o de interpretar o projeto de Kant na primeira Crítica sob a perspectiva da linguagem (tema que sempre me interessou), seguindo proposta de Loparic em Kant e o ceticismo e Scientific problem-Solving in Kant and Mach. O fato resultante desse trabalho de estudo sobre doutrina crítica kantiana foi uma incorporação radical dos pressupostos do idealismo transcendental ao meu modo de ver o mundo, ficando fora dessa perspectiva qualquer outra alternativa epistêmica 2 . Em meu percurso pessoal e intelectual, na busca por respostas, fui ao encontro da clínica psicanalítica de orientação freudiana, pois pretendia seguir meus estudos filosóficos no campo da psicanálise. Desse modo, paralelamente à experiência como analisando, e despertado pelos efeitos da situação psicanalítica, passei a estudar Freud e Lacan, sob a luz da doutrina kantiana. Dessa relação entre a experiência como analisando na clínica e as reflexões sobre a sua teoria e práxis, surgiram questões teórico-práticas para as quais, no âmbito da análise e com os estudos dos textos de Freud e Lacan, não encontrava soluções. Passei, então, a andar em círculos, pois um paradigma remetia ao outro. Frente às incógnitas, surgidas da reflexão sobre minha experiência na clínica psicanalítica na tentativa de decifrar manifestações psíquicas (ditas) inconscientes, vi-me numa situação “filosófica” inusitadamente nova, uma vez que o estranhamento, a reflexão, o questionamento e a ausência de respostas sobre questões ontológicas, pela primeira vez, encontravam-se num contexto prático, real, referido à minha história como ser, não mais meramente teórico: estava, nessa perspectiva, fazendo pesquisa psicanalítica. Porém, duas dificuldades práticas me deslocaram desse centro teoricamente bem estabelecido (entre conceitos e fatos) e que depois se converteram nas questões teóricas com que pretendo me ocupar aqui, a saber: 1) o lugar do silêncio na situação psicanalítica, i.e. os momentos de ausência de qualquer resposta frente ao mandamento máximo da clínica de orientação freudiana: fale tudo o que 1 Este trabalho é parte integrante da fundamentação teórica de minha tese de doutoramento, e foi apresentado pela primeira vez, como projeto provisório de tese, aos membros da banca de seleção ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS, em Porto Alegre, em março de 2003. * Doutorando em Filosofia, PUCRS. 2 De acordo com Allison, a distinção empírica e transcendental entre realidade (coisa em si) e aparência (fenômeno) nos permite distinguir entre aquilo que diz respeito às coisas em si mesmas e aquilo que diz respeito ao nosso modo de recebê-las em nossa sensibilidade e julgá-las em nosso entendimento. Em outros termos, esta distinção nos permite estabelecer o conjunto de condições de possibilidade para que uma coisa nos seja dada como objeto de conhecimento. Allison propõe chamar estas condições de condições epistêmicas ou objetivantes, pois é só mediante elas que ''nossas representações se referem a objetos''. Allison 1992, p. 40.

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Resumo: Este trabalho procura formular e situar algumas questões sobre os limites da dizibilidade do inconsciente psíquico no processo psicanalítico, à luz da pesquisa que Zeljko Loparic vem desenvolvendo em seus trabalhos mais recentes, nos quais propõe aproximações entre a analítica existencial de Heidegger e os fundamentos da concepção e prática psicanalíticas de Winnicott.

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Page 1: Os limites da verbalização no processo psicanalítico: considerações sobre a dizibilidade do inconsciente

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OS LIMITES DA VERBALIZAÇÃO NO PROCESSO PSICANALÍTICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIZIBILIDADE DO INCONSCIENTE1

Cesar Romero Fagundes de Souza*

e-mail: [email protected]

Resumo: Este trabalho procura formular e situar algumas questões sobre os limites da dizibilidade do inconsciente psíquico no processo psicanalítico, à luz da pesquisa que Zeljko Loparic vem desenvolvendo em seus trabalhos mais recentes, nos quais propõe aproximações entre a analítica existencial de Heidegger e os fundamentos da concepção e prática psicanalíticas de Winnicott.

INTRODUÇÃO O desafio acadêmico que me coloquei na pesquisa de mestrado foi o de interpretar o projeto de Kant na primeira Crítica sob a perspectiva da linguagem (tema que sempre me interessou), seguindo proposta de Loparic em Kant e o ceticismo e Scientific problem-Solving in Kant and Mach. O fato resultante desse trabalho de estudo sobre doutrina crítica kantiana foi uma incorporação radical dos pressupostos do idealismo transcendental ao meu modo de ver o mundo, ficando fora dessa perspectiva qualquer outra alternativa epistêmica2. Em meu percurso pessoal e intelectual, na busca por respostas, fui ao encontro da clínica psicanalítica de orientação freudiana, pois pretendia seguir meus estudos filosóficos no campo da psicanálise. Desse modo, paralelamente à experiência como analisando, e despertado pelos efeitos da situação psicanalítica, passei a estudar Freud e Lacan, sob a luz da doutrina kantiana. Dessa relação entre a experiência como analisando na clínica e as reflexões sobre a sua teoria e práxis, surgiram questões teórico-práticas para as quais, no âmbito da análise e com os estudos dos textos de Freud e Lacan, não encontrava soluções. Passei, então, a andar em círculos, pois um paradigma remetia ao outro. Frente às incógnitas, surgidas da reflexão sobre minha experiência na clínica psicanalítica na tentativa de decifrar manifestações psíquicas (ditas) inconscientes, vi-me numa situação “filosófica” inusitadamente nova, uma vez que o estranhamento, a reflexão, o questionamento e a ausência de respostas sobre questões ontológicas, pela primeira vez, encontravam-se num contexto prático, real, referido à minha história como ser, não mais meramente teórico: estava, nessa perspectiva, fazendo pesquisa psicanalítica. Porém, duas dificuldades práticas me deslocaram desse centro teoricamente bem estabelecido (entre conceitos e fatos) e que depois se converteram nas questões teóricas com que pretendo me ocupar aqui, a saber: 1) o lugar do silêncio na situação psicanalítica, i.e. os momentos de ausência de qualquer resposta frente ao mandamento máximo da clínica de orientação freudiana: fale tudo o que

1 Este trabalho é parte integrante da fundamentação teórica de minha tese de doutoramento, e foi apresentado pela primeira vez, como projeto provisório de tese, aos membros da banca de seleção ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS, em Porto Alegre, em março de 2003. * Doutorando em Filosofia, PUCRS. 2 De acordo com Allison, a distinção empírica e transcendental entre realidade (coisa em si) e aparência (fenômeno) nos permite distinguir entre aquilo que diz respeito às coisas em si mesmas e aquilo que diz respeito ao nosso modo de recebê-las em nossa sensibilidade e julgá-las em nosso entendimento. Em outros termos, esta distinção nos permite estabelecer o conjunto de condições de possibilidade para que uma coisa nos seja dada como objeto de conhecimento. Allison propõe chamar estas condições de condições epistêmicas ou objetivantes, pois é só mediante elas que ''nossas representações se referem a objetos''. Allison 1992, p. 40.

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vier à cabeça, sem censura3; e 2) até que ponto, o que se passa na minha cabeça, durante as sessões, pode ser colocado em palavras, mesmo quando é colocado; ou seja, até que ponto conteúdos psíquicos inconscientes, tornados conscientes na situação psicanalítica, podem ser exteriorizados através da fala e, mesmo quando exteriorizados, se essa exteriorização representa o conteúdo-manifestação representado. Pois, como sabemos, na clínica psicanalítica de orientação freudiana a fala do paciente, exclusivamente, é o meio de acesso do analista aos conteúdos psíquicos do analisando. Na busca por essas respostas, minha pesquisa —especialmente com o auxílio dos trabalhos de Loparic: Heidegger and Winnicott, É dizível o inconsciente?, Winnicott’s paradigm outlined e Além do inconsciente: sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise—, levou-me ao centro da questão atual nas pesquisas em Heidegger e Winnicott. Nessa investigação não encontrei respostas apenas, mas encaminhamentos para prosseguir pesquisando e as razões para realizar uma mudança de perspectiva. Pois estava convencido que as questões que levantara sobre a determinação dos limites da verbalização do psíquico na análise, a partir da filosofia, deveriam poder ser respondidas a partir de uma elucidação do conceito de representação em Freud e das aproximações entre a sua doutrina e à de Kant. Acreditava que, se pudesse encontrar uma fundamentação para a tese de Freud do inconsciente psíquico como noumeno, percorrendo o contexto de descoberta e justificação de sua teoria e práxis, poderia encontrar aí as respostas. E essa abertura fora estimulada, em especial, pela leitura do texto de Loparic, Theodor Lipps, uma fonte esquecida do paradigma freudiano, bem como sua tradução da conferência do mesmo autor intitulada O conceito de inconsciente na psicologia. Mas o contato com os trabalhos de Loparic sobre Heidegger e Winnicot e com o recente trabalho de doutoramento de Leopoldo Fulgêncio (PUCSP), e, em especial, seu artigo Comentários críticos das referências textuais de Freud a Kant, dissuadiram-me dessa idéia. E, apesar da importância teórica de uma aproximação entre Kant e Freud, com as leituras, minha perspectiva foi superada, pois pude ter contato com as discussões atuais sobre o tema e as soluções encaminhadas no horizonte da pesquisa futura. Esse giro conceitual, no entanto, tornou a tarefa mais desafiadora ainda. Desse modo, gostaria agora de tentar situar as questões que formulei acima no âmbito da linha de pesquisa que Loparic vem desenvolvendo em seus trabalhos mais recentes, nos quais propõe aproximações entre a analítica existencial de Heidegger e os fundamentos da concepção e prática psicanalíticas de Winnicott.

3 Conforme Loparic, para Winnicott, “a interpretação verbal pode ser perigosa quando o analista se torna repentinamente o não-eu do paciente e passa a saber coisas demais sobre o “ponto quieto e silencioso da organização do ego do paciente” [...]. É o caso de dizer [...] que, quando tal acontecer, a insistência na regra: diga tudo sem censura, torna-se um exercício de “psicanálise selvagem”. Loparic 1999a, p. 375-6

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PRESSUPOSTOS I. Como sabemos, tanto a filosofia como as ciências tratam de seus respectivos objetos por meio de alguma linguagem lógico-simbólica expressável. O mais difundido meio público de expressão dos resultados dessas áreas do conhecimento é a língua natural. Por isso, independentemente do lugar, do povo, da época em que tais conhecimentos, reflexões, idéias foram produzidos, o fato de terem sido registrados através de um meio público permite que sejam apropriados em diferentes lugares, épocas, por diferentes povos e línguas. Vale aqui o princípio de traduzibilidade de um código em outro. E, assim, no nível formal, ao menos em tese, tem estado garantido para as gerações que se sucedem o acesso ao conhecimento, independentemente do código e época em que foram produzidos. Porém, um olhar um pouco mais atento nos fará ver que, mesmo que façamos parecer, as coisas não podem ser assim tão simples.4 Por trás desse procedimento existe um pressuposto de que, por ser humano, o processo de conhecimento é isomorfo para todos nós, na medida em que, teoricamente, todos estaríamos constituídos, fisiológica e mentalmente, com o mesmo aparato cognitivo. Nesse sentido, dados a universalidade do acontecer humano e a traduzibilidade de uma língua à outra, estaria garantida então a possibilidade do conhecimento e, conseqüentemente, da cultura e da civilização. Independentemente, de qualquer objeção, as coisas têm sido assim: com ligeiras adaptações, encontramos (ou melhor seria dizer que ‘enxergamos’), graças à racionalidade, padrões, por assim dizer, por detrás dos aconteceres humanos sucessivos, acessando sua história, que sempre, por definição, é contada, narrada, simbolizada, verbalizada. Para a maioria das coisas do existir humano, no contexto em que nos encontramos —ocidentais—, o resultado que obtemos ao acessarmos desse modo o acontecer humano, independentemente da sua singularidade ao acontecer, basta-nos para continuar empreendendo o processo civilizatório. Numa perspectiva emprestada de Sócrates, a ‘capacidade de encontrar (enxergar/engendrar) padrões’ poderia ser uma das definições (ou traço distintivo) do modus operandi humano.5 O pressuposto de universalidade e traduzibilidade de uma língua em outra, de um existir em outro, tem nos trazido até aqui e, com certeza, continuará nos conduzindo adiante (para o bem e para o mal). Ou isso, ou estaríamos condenados a eternamente construir um presente que se esgotaria em si mesmo.6 Não avançaríamos, no sentido ocidental, não progrediríamos, não sairíamos de formas mais primitivas e simples de existência para formas mais evoluídas, avançadas, complexas, etc. Mas a pseudo-simplicidade da padronização esconde, oculta, a complexidade insondável da singularidade de cada ato, de cada percepção, de cada pensamento, de cada existir, que é irrepetível, e, no entanto, sempre “reproduzível”, “traduzível” em novas formas de existência. Não só a visão de mundo de toda uma cultura (em seu espaço-tempo) comparada a outras é incomensurável7 mas mesmo as visões de mundo de dois indivíduos contemporâneos, consideradas seriamente, não poderiam ser reduzidas uma a outra. Como, sendo tão diferentes entre nós, podemos viver juntos? Essa é uma pergunta que, simplificada aqui, dentre outras tantas, atravessa nossa história como espécie, como cultura, como civilização. Numa perspectiva aristotélico-hobbesiana, vivemos juntos por necessidade e graças ao estabelecimento de consensos; não somos nada, sozinhos, somos, apenas, relativamente, i.e. com os outros. O pressuposto da simplificabilidade tem sido, ao que parece, uma conditio sine qua non da continuidade da existência humana. E assim: sobrepomos padrões e vamos adiante. E não importam as idiossincrasias, quando se trata de essencialmente, apenas, ou, meramente, existir. Porém, mesmo

4 Ao retomar o pensamento de Heráclito, Heidegger reclama o resgate da palavra pura, no contexto em que foi proferida pela primeira vez. Heidegger 1998. 5 Ver Barker 1947. 6 A esse respeito, ver Stein 2000, pp. 157-8. 7 Ver Feyerabend 1975.

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que busquem o universal (o padrão), a filosofia, as ciências naturais e as ciências do humano8 (por assim se dizerem ‘ciências’) têm de partir do singular, do particular. É isso que nos ensina Aristóteles.9 II. Como sabemos, a filosofia não trabalha senão com pensamento lingüístico ou simbolicamente expresso ou expressável, claro e distinto.10 E esse pensamento expresso tem de satisfazer a regra que o funda: o princípio de contradição. Tudo o que estiver fora dessa possibilidade, não é objeto de consideração, não é assunto da filosofia. Estamos falando aqui da expressão do pensamento com sentido, do é ou não é, da verdade e sua possibilidade. O pensamento do tipo: ‘eu sei, mas não consigo expressar’ 11 não é objeto da filosofia; nem o pensamento por imagens, por exemplo, de que a psicanálise trata e as artes plásticas, em geral, são expressão. O que pode ser dito, deve ser dito, na e pela linguagem verbal, claramente, do contrário, deve-se calar.12 Como operação racional por definição o processo representacional todo tem o mesmo fundamento, a saber: o de estar por algo diferente de si, ou seja, na função de estar por. Essa é a função essencial do símbolo. Por mais expressões que tenhamos na linguagem-verbal, os limites do meu mundo coincidem com os limites dela, até onde me permite falar com sentido. Isso não significa dizer que a linguagem, dentro de seus limites, esgote o acontecimento mundano em mim. A linguagem (usada aqui no sentido saussuriano de langue13) é uma forma perfeita de representar imperfeitamente o mundo em nós e o que sentimos em relação a nós e a ele.14 A linguagem, como instrumento representacional, distorce nossas percepções; primeiro, porque é uma relação puramente arbitrária, convencional, a que há entre nossas representações mentais imagéticas e nossas representações lingüísticas; segundo, que, mesmo sendo possível que, de um “mesmo” objeto pudéssemos ter uma percepção idêntica (i.e. uma imagem mental idêntica à de outra pessoa), não seria possível que de uma mesma palavra tivéssemos o mesmo conteúdo imagético, pois cada palavra é descrita, em sua definição, a partir de outras, e assim indefinidamente. Só podemos, ao que parece, pôr-nos de acordo em relação às nossas palavras, e desde que sejam elas derivadas de outras representações por palavras. Um algo dado na percepção é tão público quanto uma palavra que o possa descrever; porém, tão arbitrária a sua representação em cada um de nós quanto cada uma de nossas percepções desse mesmo algo dado à percepção. A linguagem verbal é um meio público compartilhado para evocar, relatar, comunicar, reter e produzir significados (imagens na mente); porém, além de sequer “tocar” o real, as palavras se prestam tanto a fantasias quanto nosso modo imagético-simbólico mais primitivo de fantasiar sobre o real percebido/vivido. Nossos relatos do real vivido percebido, recebido através da linguagem, são tão fantasiosamente arbitrários quanto os relatos fantasiados de nossas vivências do real antes da aquisição da fala, quando, em situação psicanalítica, relatamos vivências de nossa infância. Nesse sentido, a linguagem além de não esgotar o real vivido; subverte-o. No entanto, muitas vezes, especialmente para a filosofia, a tarefa de estabelecer os limites do verbalizável impuseram a tarefa paradoxal de ultrapassar esses limites para, do lado de lá, estancar

8 Evitamos aqui o adjetivo ‘humanas’ pois, como (quer Heidegger?!) toda ciência é humana, pois é praticada por humanos. 9 Ver Aristotle 1956, 1060b 25. 10 Ver Locke 1971. 11 Como Menon diante da pergunta de Sócrates sobre o que é a virtude. Ver Plato 1953. 12 Wittgenstein 2000, 7. Ver Loparic 1999a, p. 333. Conforme Wittgenstein: “Tudo que pode ser em geral pensado pode ser pensado claramente. Tudo que se pode pronunciar, pode-se pronunciar [aussprechen] claramente.”, Wittgenstein 2000, 4.116. 13 Como “sistema de signos”. Ver Saussure 1998. 14 A esse respeito, ver Hintinkka 1994, pp. 90-1.

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o fluxo do dizível.15 Assim foi com Kant, por exemplo, que “ao procurar estabelecer os limites do conhecimento pela razão pura, sem a experiência, termina por estabelecer os limites da razão. Mas para Wittgenstein, estabelecer tais limites implicaria fazer aquilo que se quer evitar, uma vez que fora da razão não há sentido. Daí, não se poder falar dos limites da razão sem sair desses limites e, portanto, falar sem sentido“. (Souza, 1997, p. 41)16 III. É na obra de Heidegger, Ser e tempo, que, segundo Loparic, culmina a “crise da dizibilidade entendida como verbalização controlada, fabricada, que se iniciou com Nietzsche.” Nesse contexto, dizer que a verdade do homem e do ser ele mesmo só se mostram junto com o não ser é fazer uma afirmação não gramatical, pois, sobre o nada, nada pode ser dito sem forçar as regras do bom uso das palavras”. (Loparic 1999a, p. 334). Numa consideração mais atenta a esse proceder humano sistemático, salta aos olhos nas ciências, e especialmente na filosofia, o fato de sempre nos ocuparmos do ser humano adulto, crescido, imerso na cultura, falante, pensante, racional. A filosofia toda, ou senão boa parte dela, não apresenta um sistema que não comece com ou não se ocupe senão desse sujeito universal já totalmente constituído: um adulto falante consciente de si17. Como se só passássemos a ter existência significativa relevante depois da aquisição da fala.18 Seguindo nessa perspectiva, poderíamos dizer que, na pré-história de nossa consciência, antes da mente passar a operar racionalmente, a “visão” ingênua, instintiva (“proto-racional”), estabeleceria os primeiros vincos na nossa estrutura psíquica, e que, depois de passarmos a operar através da razão mais ativamente, abandonaríamos, mas que nos teriam dado explicações para nossas questões primeiras; ainda que antes de termos desenvolvido a capacidade de verbalizar nossas representações mentais. Nesse sentido, antes da aquisição da fala e da articulação da linguagem verbal, teríamos “formulado” todas as “questões” e “respostas” sobre nossa condição ontológica fundamental (Que é isso? Que/quem sou eu? Por que estou aqui?); teríamos construído nossa estrutura psíquica fundamental?19 No processo posterior de aquisição da linguagem verbal articulada (langue) não só aprendo a língua, mas, através dessa aquisição, tenho de reaprender a representar as coisas que já sabia de outro modo (por outro meio representacional: simbólico), agora desse. Do fato, porém, de não articularmos a linguagem verbal nos primeiros anos de nossas vidas, não se segue que não realizemos operações simbólicas complexas. Nesse sentido, podemos dizer que as “respostas” às

15 De acordo com Loparic: ‘O próprio Kant começou a estabelecer os limites para o que é dizível: das coisas não acessíveis na experiência sensível, nada se pode dizer que seja verdadeiro ou falso. Loparic 1999a, p. 331. Em 4.113, no Tractatus, lemos o seguinte: “A filosofia limita o território disputável da ciência natural.”, em 4.114; ”Ela deve delimitar o pensável [Denkbare] e, com isso, o impensável [Undenkbare]. Ela deve limitar o impensável de dentro, através do pensável.”, e em 4.115: “Ela significará o indizível [Unsagbare] ao representar claramente o dizível [Sagbare].”. Wittgenstein, L. op.cit. 16 Kant, “ao estabelecer o noumeno ou objeto transcendental como um parâmetro para a razão, i.e. ao estabelecer o noumeno como o limite para o conhecer, transgride o próprio limite ao postular o empiricamente impossível, o incognoscível; i.e. o próprio limite. Kant portanto infringe a regra que pretende estabelecer a fim de estabelecer a regra; ou ainda, transgride os limites do conhecimento a fim de estabelecer este limite. Se, com o estabelecimento do noumeno como limite para o conhecer, Kant estabelece o limite dos juízos e com eles os limites a que a razão pura (a razão sem referência a objetos) tem de se ater no caminho do conhecimento puro, Kant estabelece, ao mesmo tempo, os limites para o pensar com sentido, que devem coincidir com os limites do discurso significativo.” Souza 1997. 17 Sobre o conceito de ’consciência’ considerado aqui, ver Kant 1985a, A 107-12. 18 O filósofo se esquece que a parte mais intensa de sua existência no mundo é antes de se isolar dele para pensá-lo. Conforme Loparic: ‘Joyce e Pound, junto com os surrealistas e os dadaístas, aprofundaram o reconhecimento de que a verbalização gramática, política e racionalmente correta, passou a valer como barreira do acesso à verdade do existir humano como tal. [...] O que prevalece é a idéia de que, por objetivar tudo o que o homem é e não é, por torná-lo, dessa maneira, real em demasia, a linguagem comum a e filosófico-científica despersonalizam o homem.’ Loparic 1999a, p. 332-33 19 Conforme Lacan, acredita-se que as “instâncias simbólicas, funcionem na sociedade desde a origem, desde o momento em que aprece como humana. Ora, é o que supõe igualmente o inconsciente tal como o descobrimos e manipulamos na análise”. Lacan 1987, p. 45.

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“perguntas” que “formulamos” em nossos primeiros anos, antes da aquisição da linguagem, são de certa forma racionais e têm uma estrutura simbólica que, no futuro, tentaremos explicitar através da linguagem verbal? Do contrário, como teriam lugar os chamados ‘complexos’ (de édipo, de castração, etc), de acordo com o paradigma psicanalítico freudiano-lacaniano? O real vivido por nós antes da aquisição da fala é “puro”, intenso e registrado em nós de uma maneira indizível após a fala. No entanto, ao ser registrado em nós, a nossa percepção desse real nos chega já como, i.e. modificada, traduzida, a partir de uma forma representacional. Nesse sentido é possível dizer que, desde sempre (mesmo ainda sem a fala e as operações da mente através do padrão racional mais desenvolvido), interpretamos o real vivido recebido na nossa percepção; desde sempre “entendemos” o que sentimos e percebemos. Isso implica uma forma de representação já simbólica e uma forma de interpretação desse conteúdo simbólico gerado. No futuro, ao tentarmos acessar a memória dessas impressões-percepções, após a fala, surge o problema: não retivemos o “real puro”; o que guardamos já era o real enquanto percebido, i.e. como o recebemos e o interpretamos no momento em que o recebemos e o interpretamos, i.e. naquele momento dado de nossa condição perceptivo-representativa; o que significa dizer que o recebemos e o retivemos em nós a partir dos recursos que tínhamos disponíveis nesse momento de nosso desenvolvimento psíquico e como ser.20 Como seria se nascêssemos já de posse das operações mentais desenvolvidas na mesma medida em que a fala e as operações mentais racionais mais complexas? Ou seja, se para todas as nossas experiências com o meio e com os adultos, desde nosso nascimento, pudéssemos lidar no mesmo nível simbólico-lingüístico que o deles? Nesse caso, haveria os conteúdos estruturantes de nossa psique a que se chamam inconscientes e que não conseguimos, senão imperfeitamente, acessar através da memória e da linguagem? Haveria esse nível mítico-simbólico de complexos “explicativo-adaptativos” que fundamentam nossas crenças, formam nossa de visão de mundo e determinam nossas atitudes futuras mais elementares? A esse respeito, e nessa linha de argumentação, do ponto de vista da história psíquica do sujeito, consideremos, na ordem temporal de seu desenvolvimento, dois momentos, a saber: o da pré-langue e o da pós-langue; que são incomensuráveis (incomunicáveis) em seu meio representacional, dada sua assimetria, mas vinculados entre si pela sua forma (estrutura) representacional.21 A aquisição da fala (langue) é o elemento de clivagem no processo da construção do aparato psíquico, segmentando-o em dois momentos. O aprendizado da langue22 muda radicalmente o ritmo de interação do sujeito (psíquico) com o mundo, criando uma ordem representacional n paralela, a lingüística, que passará a mediar sucessivamente as trocas (relações) representacionais do sujeito com-o-outro e com-o-mundo, mas, apesar disso, não abandonará aquelas estruturas e conteúdos psíquicos inconscientes constituídos no período pré-langue23.

20 A esse respeito, para Winnicott, segundo Loparic, não há ainda ”para o bebê o consciente e o inconsciente”. A psicanálise winnicottiana, na medida em que trata do não-acontecido, não concerne, portanto, nem [a]o recalcado, nem [a]o in-consciente. Trata de agonias do ser e do não-ser, que Winnicott corretamente denomina de “impensáveis”.”, Loparic 1999a, p. 360. 21 “Encontramo-nos , pois, diante da seguinte situação problemática -há, em suma, uma realidade dos signos, dentro dos quais existe um mundo de verdade completamente desprovido de subjetividade, e há, por outro lado, um progresso histórico da subjetividade orientado de maneira manifesta no sentido de reencontrar a verdade, que está na ordem dos símbolos.” Lacan 1987, p. 356. 22 Para Winnicott, conforme Loparic, a aprendizagem da língua representa uma violência para a criança. Para Winnicott, é um pecado “forçar o si-mesmo primário a entrar em comunicação com o mundo externo, povoado de objetos objetivamente percebidos, governados pelo princípio de realidade. Ora, a forma básica de violentar o núcleo primário do si-mesmo é justamente a verbalização [...]. Ele não diz que o ser humano busca estar isolado (isolated) para ficar ilhado (insulated). Ele diz que a comunicação com o verdadeiro si-mesmo de cada um de nós deve seguir a maneira como as mães tratam os seus bebês: elas só se comunicam com eles pondo-se na condição de seus objetos subjetivos [...].”, Loparic 1999a, p. 375 23 Conforme Lacan, “A ordem humana se caracteriza pelo seguinte —a função simbólica intervém em todos os momentos e em todos os níveis de sua existência.” Lacan 1987, p. 44

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O processo psíquico, por essa razão, não é um continuum; não é um todo isomórfico. Se as representações imagético-simbólicas pré-langue diferem das do pós-langue, como então resgatar essa diferença considerando já a extrema assimetria entre os modos de representação, ainda que o da langue permita a fala, que é a peça fundamental do processo psicanalítico e o meio mais difundido de exteriorizar processos psíquicos?24 Como pode, então, a palavra evocar: aquilo que não é, aquilo que não foi, na sua origem, vinculado a ela? Nesse caso, perguntamos: existe uma história do ser antes do verbo, antes do logos, antes do discurso significativo? E, mesmo depois, existe uma história (um processo vivencial) que não possa ser contada? Até que ponto o vivido é dizível, falável, verbalizável? De acordo com Loparic, “Heidegger descobriu algo que não podia ser contado de acordo com as regras gramaticais, mas que assim mesmo precisava ser dito. Esse algo era a verdade do ser do homem e do ser em geral, que nada tinha a ver nem com a falta constitutiva do desejo, nem com a vontade de destruir, mas com o fundo do nada que transparece no horizonte do tempo originário finito: o homem é feito de presença apenas na medida em que contém em si a sua própria ausência. Heidegger viu que essa verdade só se revela a alguém que, de cara quebrada por ter batido na parede do não-ser, cuida da sua ocupação com as coisas, preocupado com os outros.” (Loparic 1999a, p. 334) A filosofia, as ciências do humano, e, dentre elas, a psicologia, tradicionalmente trataram o ser humano, com relação ao processo de conhecimento, como se vivêssemos em um eterno estado de consciência, e que, nesse processo de acontecer histórico e cognitivo, nenhum fator mental não-acessável entrasse em jogo, para contribuir ou mesmo para interferir nesses processos. O fato é que tanto a filosofia como as ciências do humano, de um modo geral, tradicionalmente, lidaram numa ilusão. De ficção explicativa em ficção explicativa, negaram sistematicamente (com raras exceções) o que não podia ser, para uma consciência, objeto de uma percepção ou idéia clara e distinta.25 O positivismo nas ciências e, em especial, na filosofia, levaram a isso. Tudo o mais, ou era considerado místico, ou matéria para as diferentes expressões artísticas, ou, ainda, como dirá Loparic, “empurrado para a esfera do inconsciente e do inacessível à consciência”.26 Por outro lado, a adoção do método das ciências da natureza, em especial, o paradigma da física newtoniana, levou-nos a considerar o ser humano, nas ciências do humano, como coisa (natural/da natureza), e, como tal, sujeito às leis da causalidade.27 O fato é que, apesar de estarmos, como quaisquer objetos no mundo, sujeitos às leis da causação universal, somos muito mais que um corpo físico (esse sim determinável, suscetível às leis da causalidade), nem somos —como o quer Descartes— meramente res cogitans. E, do fato de, fisiológica e universalmente, sermos constituídos identicamente quanto ao nosso aparato perceptivo-cognitivo (salvo exceções que incluem anomalias nessa constituição), não se segue nem lógica nem praticamente que sequer possamos experienciar um mesmo mundo, i.e. da mesma maneira. Até aqui vai a objetividade e o objetivável nesse domínio. IV. A possibilidade de verbalizar o interiorizado em cada um de nós, i.e. tornar público através de um meio compartilhado “igualmente” como a linguagem verbal, deu-nos, sistematicamente a ilusão de que, por estarmos assim “de acordo”28 sobre o que sentimos, pensamos, desejamos, amamos, odiamos, tememos, ansiamos, que pudéssemos então jogar no rol da objetificação, da coisificação, 24 Conforme Lacan, não “há por que surpreendermo-nos diante do fato de a ordem simbólica ser absolutamente irredutível à experiência humana”. Lacan1987, p. 399. 25 Ver Loparic 2001b 26 Ver Loparic 2001b 27 Para Loparic, de “um modo geral, é um erro grave falar do homem como se ele fosse uma coisa da natureza.”, Loparic, 1999a, p. 332. A esse respeito, ver também Loparic 2001b. 28 De um ponto de vista do idealismo transcendental, o que é dado para a ciência é a possibilidade de entrarmos ou não no acordo entre nossos enunciados, uma vez que é o único modo de publicarmos o conteúdo de nossas mentes de modo universalmente válido.

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da verificação, coisas tão diferentes, singulares, irrepetíveis, irreconciliáveis e incomensuráveis como visões de mundo, experiências vivenciais, sofrimentos e toda a sorte de ocorrências na ordem do acontecer humano.29 De acordo com Loparic, a descoberta fundamental de Heidegger é que o tempo, considerado pela filosofia como princípio de individuação, é na verdade o princípio de diferença, na medida em que “cada um de nós, por ser temporal no sentido da finitude temporal originária, acontece de uma maneira distinta de qualquer coisa conhecida ou mesmo concebida, existente no tempo linear da metafísica tradicional ou da ciência. Por ser ao mesmo tempo si mesmo e diferente de si mesmo, o homem não é identificável por um feixe de dados espaço-temporais, nem controlado pelas leis causas, da natureza ou da moral”. Nesse sentido, o ser humano é um ser diferencial que acontece “na e a partir da diferença do ser e do não-ser”. (Loparic 1999a, p. 333-34) Mas em que diferem e em que se equivalem os nossos modos de conhecer, pois as “mesmas” coisas são “diferentes” para diferentes pessoas, e, do fato de buscarmos o consenso ao falarmos sobre elas e sobre nós, isso não assegura que assim seja igualmente para cada um de nós, especialmente sobre o que não verbalizamos ou não podemos verbalizar: a linguagem, que revela o ser, também o encobre. Essa pode ser considerada a virtude e o vício que um meio tão potente como a capacidade representacional humana —capacidade de representar algo como algo na condição de estar por—, que, via-de-regra, é dita nos diferenciar de tudo no universo. O fato de acreditarmos “poder” colocar absolutamente tudo em termos de padrões representacionais aceitáveis, deu-nos a falsa crença no poder absoluto de tudo conhecer e de poder intervir em tudo, ou, ao menos, de tudo poder ser colocado, traduzível, lível, verbalizável, a partir de nossos modos de re(a)presentar o percebido, o vivido, o pensado: a natureza como tal. V. Com a Crítica da razão pura Kant pretendeu, ao estabelecer os fundamentos do idealismo transcendental, ter resolvido boa parte das querelas em torno de questões mal-resolvidas pelas ciências e pela filosofia até seu tempo.30 A filosofia, de um modo geral, por se ocupar da forma do conhecimento e de sua possibilidade, bem como em determinar como é possível a verdade nas ciências e na moral, ocupou-se do ser humano —colocado ou como sujeito ou como objeto—, na medida em que necessitava determinar nossa estrutura cognitiva, nosso modus operandi prático, i.e. relacional, e nossas vicissitudes. E, nessa ocupação, podemos dizer aqui que sempre tratou esse sujeito-objeto como estrutura consciente, disposta estruturalmente com capacidade de receber, processar, sintetizar e reproduzir simbolicamente o mundo exterior (e interior). Pois, conforme Loparic (comentando Heidegger), sendo “um “acontecente” e não um (mero) “ente”, o homem não é nem o “sujeito” nem o “objeto” possível de um enunciado gramaticalmente correto. De resto, “sujeito” e “objeto” são designações inadequadas da metafísica, que se apoderou, muito cedo, da interpretação da linguagem, na forma de ‘gramática’ e da ‘lógica’”. (Loparic 1999a, p. 335) Esse proceder, por desconsiderar qualquer (in)formação que não fosse o dado presente aos sentidos e/ou à consciência, dizível, relatável, desconsidera também nossa peculidaridade como seres dotados de uma estrutura existencial complexa: não somos coisas naturais (apenas), não somos máquinas (cognitivo-representacionais). Conforme Loparic, para Heidegger, representa um perigo extremo esse “esforço global de reduzir o homem a uma estrutura de dados digitais”. Nesse sentido, o pior, para Heidegger, “não reside na possibilidade de um eventual mau uso do genoma humano, mas na própria idéia, subjacente aos projetos cada vez mais ambiciosos da engenharia genética, de que a essência do ser humano pode ser escaneada”. O problema está exatamente no tipo de linguagem que usamos para falar do ser humano. O trabalho filosófico que se ocupa com a análise meramente da linguagem esquece do humano, obscurecendo ou mesmo velando sua essência. A busca incessante pela objetividade da comunicação (o dizer da mídia e da técnica) pode levar ao “desaparecimento o dizer originário”, pois “vai destruindo, de maneira contínua, a possibilidade de

29 A esse respeito, ver Loparic 1999a, p. 333-5. 30 É interessante destacar a obsessão (e a correspondente crença) na capacidade cirúrgica das ciências naturais, aplicada às ciências do humano, em poder separar o inseparável, aquilo que só é porque existe junto-com-outra-coisa. (Aristóteles, Metafísica, 1035b 15-30, quando diz, p.ex. que uma mão separada do corpo só é mão por por homonímia).

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dizer aquilo que mais importa dizer”. Nessa direção, o perigo que corremos em nossa época é o de desaparecermos, não pela bomba, “mas na e como palavra industrializada”. É frente a essa crise da palavra, industrializada, midiatizada, objetivada ao extremo, que reside “uma nova tarefa ao pensamento: a libertação da linguagem da gramática para uma con-juntura essencial [Wesengefüge] mais originária”. (Loparic 1999a, pp. 333-35) Desse modo, temos feito uso de conceitos e operações cognitivas, tais como: memória, internalização de regras, entendimento, imaginação, reflexão, etc., como se fossem deuses ex machina, que interviessem sempre e apenas para/nas operações cognitivas conscientes. E, agindo assim, por força do ofício, delegamos sistematicamente questões ditas subjetivas (por contraposição a objetivo no sentido do dável, do observável publicamente, do determinável) à metafísica, à psicologia e/ou às artes.31 VI. Por definição, a psicologia, por sua vez, deveria ocupar-se da vida psíquica do ser humano, sua estrutura, seu funcionamento: dos fatos da consciência.32 Mas, por conta das dificuldades em determinar seu objeto, a fim de se estabelecer como ciência, e vitimada pelas exigências metodológicas dessa, procurou se ocupar com a consciência, inicialmente, e, depois, de um modo geral, dos processos comportamentais, por satisfazerem mais plenamente os requisitos de objetividade: serem publicamente dados, observáveis, determináveis, manipuláveis, etc. Por esse motivo, não sem razão, muitos reivindicam como sendo mais próprio hoje, considerando o tipo de prática investigativa que exercem, designar determinados ramos da psicologia (como ciências do comportamento) de comportamentalistas no lugar de psicologias, pois, desse modo, não tratariam da psique senão inferencialmente. Para estabelecer-se desse modo como prática científica, essa linha de pesquisa na psicologia apresenta seu objeto (o comportamento humano) e vai buscar nas ciências e na filosofia, via-de-regra, seu instrumental conceitual geral e seu método de pesquisa, tentando, igualmente (com os limites que conhecemos), determinar de fora para dentro (do observável ao não-observável) a natureza da psique humana, tomando o ser humano como coisa, sujeito às leis da causalidade, ou, ao menos, suscetível ao esquema estímulo-resposta. Dentro dessa perspectiva humana de buscar encontrar padrões em tudo, moto das ciências em geral, para poder compreender, a partir desses padrões, então, o mundo ou o objeto considerado, a psicologia (na linha da pesquisa comportamental) fez muitas descobertas, no sentido de determinar, ou, pelo menos, identificar padrões comportamentais e atitudinais nos seres humanos. Porém, isso não significa que, dessas formas universalizáveis (até certo ponto) de agir e suas correspondências possíveis com processos mentais e psíquicos, tenha-se chegado ou mesmo esgotado o funcionamento psíquico humano. VII. Como filosofia e psicologia não “dialoga(va)m”, restava a tarefa de unir esses empreendimentos num esforço mais amplo para tentar entender o psiquismo humano —isso que nos distingue verdadeiramente do universo natural e nos torna o que somos, e confere o traço distintivo da nossa verdadeira natureza—, pois as psicopatologias (enquanto sofrimentos psíquicos) sempre estiveram presentes na história humana, vistas, descritas e tratadas de diferentes formas em diferentes momentos de compreensão desses processos. No final do século XIX, Freud dá o passo na direção de tentar compreender o drama humano, ao publicar A interpretação dos sonhos, de 1898, obra em que apresenta os pressupostos da nova ciência do humano que ele inaugura, a psicanálise. Freud parte da universalidade dos processos

31 A filosofia e toda a ciência, inclusive a psicologia, são sérias tributárias de uma noção do inconsciente que, sistematicamente, legaram à condição de subjetividade, sob as mais diversas formas: desejo, vontade, medo, hábito, crença, etc. A esse respeito, ver Loparic 2001b. 32 Ver Lipps 2001.

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oníricos para determinar a universalidade dos processos psíquicos inconscientes: se você aceita que sonha, segue-se, então, o inconsciente. A aceitação pública da interpretação, análise e determinação da estrutura dos processos oníricos bem como da demonstração dos atos falhos, abordados em pormenor em seu trabalho mais popular Psicopatologia da vida cotidiana, de 1901 , permitiram a Freud tornar pública a discussão acerca da existência de atividade psíquica (mental) não-consciente, e, com isso, dar conta das lacunas da consciência, que observava no tratamento de distúrbios da vida psíquica consciente de pacientes em sua clínica.33 A identificação do inconsciente com o psíquico humano, as experiências iniciais com a hipnose, o trabalho com Breuer, e, especialmente, o caso Anna O., vão delinear o ambiente em que a psicanálise como talking cure irá se desenvolver. Nesse contexto, a “descoberta” do inconsciente psíquico é a aquisição mais cara à psicopatologia; e a clínica psicanalítica freudiana, tal como a conhecemos hoje, só se tornou possível graças a ela. De acordo com Loparic, as idéias de Theodor Lipps, contemporâneo de Freud e professor de psicologia em Munique, tiveram uma influência inestimável no pensamento de Freud, em especial, na sua caracterização do inconsciente psíquico, tanto é assim que, em diversas passagens de seus trabalhos, Freud faz menção a essa dívida intelectual.34 Para Loparic, na época em que Freud trabalhava na sua teoria dos sonhos, ele já tinha abandonado a “teoria fisiológica do psiquismo” e buscava explicações psicológicas para os fenômenos psicopatológicos da vida cotidiana que observava na clínica. Freud reconhecia a existência de várias metapsicologias de cunho filosófico que intencionava incorporar na construção de sua metapsicologia, e, nesse sentido, conforme Loparic “o objetivo específico de Freud, ao querer construir uma “ponte” entre a psicanálise e a filosofia, era compreender a teoria do inconsciente de Lipps e fazer a transposição desta para a sua própria teoria, ainda em formação e baseada em observações clínicas.” (Loparic 2001a, p. 2) O texto de Lipps, O conceito de inconsciente na psicologia, traz, essencialmente, as suas idéias principais em relação ao inconsciente psíquico. Nele encontramos, conforme Loparic, a principal fonte de Freud para a construção de seu conceito de inconsciente, em especial, a sua justificação inédita para o uso desse na psicanálise e na psicologia geral, elaborada por Freud na seção F do capítulo 7 de A interpretação dos sonhos. De acordo com Loparic, “o próprio Lipps caracteriza esse artigo como um resumo e como uma versão mais precisa das suas idéias sobre o inconsciente, expostas anteriormente em outros livros.” (Loparic 2001a, p. 9) Lipps estabelece um paralelo entre a física e a psicologia e entre seus objetos, distinguindo entre psíquico e físico. Segundo Lipps —numa perspectiva claramente idealista transcendental—, os objetos da física e da psicologia são os mesmos, com a ressalva de que nem tudo o que é psicológico é físico, mas que “todos os objetos da física são, enquanto percepções, representações e pensamentos numa mente humana, objetos da psicologia”, diferindo aí apenas no modo como cada ciência considera esses objetos. (Lipps, 2001, p. 339) Para Lipps, a psicologia se ocupa de vivências conscientes, fatos da consciência. Ao estabelecer a distinção entre os objetos da psicologia e as operações que nos dão esses objetos, diz: “os objetos da psicologia são as sensações, as representações, os pensamentos, etc., em oposição ao que é sentido, representado, pensado; dito de outra maneira, o psíquico são os “atos” de sentir, de representar e de pensar.” Mas, para nós, é impossível vivenciar essas operações ou “atos” psíquicos independentemente de seus objetos, ou do que os leva a operarem, pois “na verdade, esses atos não 33 Ver Loparic 2001b. Freud, em O inconsciente, diz: “A justificativa para admitir um psiquismo inconsciente e trabalhar cientificamente com essa suposição é contestado de vários lados. Contra isso podemos dizer que a suposição do inconsciente é necessária e legítima, e que possuímos várias provas da existência do inconsciente. Ela é necessária porque os dados da consciência são lacunares em alto grau; tanto nos seres humanos sadios como nos doentes surgem freqüentemente atos psíquicos que pressupõem, para a sua explicação, outros atos que, entretanto, não se manifestam na consciência.” 34 A esse respeito, ver Loparic 2001a.

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existem em nossa experiência imediata”. E, se “é que existe, então o ato ou o processo de representação —o modo como é feito com que algo representado esteja aí para mim— pertence ao reino do inconsciente.”35 (Lipps, 2001, p. 339-40) Herdeiro da tradição da prática científica de sua época, Freud seguiu, na construção de sua metapsicologia, com a visão de mundo, de ser humano, de método científico e com o instrumental dessa prática. E, nesse sentido, direta e indiretamente, seguiu os pressupostos do idealismo transcendental de Kant. Segundo Loparic, “Freud coisifica a subjetividade humana, o que significa que ele aceita, por um lado, o pressuposto da psicologia do seu tempo, herdado da teoria metafísica da subjetividade, de que o ser humano realiza atos de representação afetivamente carregados e, por outro, a suposição, herdada da teoria metafísica da natureza, de que o homem é uma entidade situada no espaço e no tempo objetivos, externos, em suma, uma máquina movida a forças que obedecem ao princípio de causalidade.” (Loparic 2001b, p. 9) VIII. A doutrina do idealismo transcendental36 de Kant diz que nós não conhecemos as coisas tais como são em si mesmas, mas sim como estas nos aparecem. Nosso conhecimento dos objetos de nossa experiência está circunscrito à nossa constituição enquanto seres sensíveis. Portanto, conhecemos os objetos de acordo com o nosso modo de os perceber, de acordo com o modo pelo qual temos acesso a eles. Não é possível então que pretendamos conhecer o que não nos é dado ao conhecimento, a saber: os objetos enquanto tais, como são em si mesmos, independentemente do nosso modo de os perceber —receber pelos sentidos37. Há então, de um lado, os objetos em si mesmos, que de modo algum nos são dados a conhecer, e são apenas necessariamente postulados pelo entendimento como existindo, e que Kant chama de noumenos —objetos puros do entendimento—; de outro lado, o que percebemos dos objetos, as suas manifestações no espaço-tempo, os fenômenos. Desse modo, segundo Kant, o único conhecimento possível é o conhecimento de fenômenos: conhecimento do que aparece. Como estão no sujeito e não nos objetos, e como são a base necessária para que qualquer experiência sensível se inicie, espaço e tempo são —enquanto formas da matéria dada pela sensação do fenômeno— a priori, i.e. antecedem e condicionam a experiência de objetos empíricos de fenômenos sensíveis, dados à sensibilidade. Espaço e tempo não são portanto propriedades das coisas em si mesmas mas dos fenômenos, daquilo que se manifesta aos nossos sentidos, e que só pertencem aos fenômenos na medida em que estes são dados a nós, ou seja, eles só são dados como espaço-temporais porque nós só podemos perceber objetos externos a nós de uma forma espaço-temporal. Eles mesmos não são nem espaço-temporais nem não o são. Como são, não sabemos, pois não nos são dados de outro modo que não este, a saber: espaço-temporalmente.

35 Se o inconsciente (distinto de seu conteúdo) como estrutura, estrutura todos as nossas representações, não teria sentido perguntar pela estrutura do inconsciente. O mesmo se dá no caso das formas puras da intuição sensível de Kant: os operadores só se manifestam mediante a operação, não é possível acessar a operação ela-mesma. Ainda nessa direção, poderíamos pensar então que Kant (e boa parte dos filósofos), ao descrever o aparato cognitivo humano, bem como suas operações, estaria na verdade descrevendo, não a estrutura da consciência, mas a estrutura psíquica inconsciente, pois, em nossas operações conscientes —recepção do diverso da experiência empírica na percepção, representação do sensível dado, síntese entre conceitos do entendimento e intuições empíricas no juízo, etc.—, não temos consciência, no ato de pensar, dos operadores ou atos envolvidos nessas operações, apenas posteriormente podemos descrever o processo. Como Wittgenstein, “A proposição pode representar toda a realidade, mas não pode representar o que deve ter em comum com a realidade para poder representá-la —a forma lógica. Para podermos representar a forma lógica, deveríamos poder-nos instalar, com a proposição, fora da lógica, quer dizer, fora do mundo.” 4.12, “A proposição não pode representar a forma lógica, esta forma se espelha na proposição. O que se espelha na linguagem, esta não pode representar. O que se exprime na linguagem, nós só podemos representar por meio dela. A proposição mostra a forma lógica da realidade. Ela exibe.” 4.121, Wittgenstein, op.cit.. 36 Para mais detalhes, ver a Segunda Parte de minha dissertação de mestrado, em que desenvolvo em pormenor a posição apresentada aqui, em especial no capítulo 1, seções I a IV, em Souza 1997. 37 De acordo com Paton, o que Kant pretende com sua teoria é estabelecer um limite. ''Deste lado do limite estão as aparências [fenômenos] que têm de ser temporais e espaciais. Além deste limite estão as coisas em si mesmas, cujas características nós não conhecemos, nem podemos conhecer, nada''. Paton 1970, p. 181.

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Ao tratar, em sua metapsicologia, de conceitos como Vorstellung (representação), Sachvorstellung (representação por imagem38), Objektvorstelung (representação por objeto) e Vortvorstellung (representação por palavra) é lícito fazermos a aproximação com Kant, pois tudo indica que o conceito de representação que Freud utiliza é apropriado, através de Lipps, da doutrina kantiana39. É essa noção de ‘representação de objetos pela consciência’40, que, mais tarde, será o ponto de ruptura entre Heidegger e a tradição metafísica em geral e, em especial, à metapsicologia de Freud.41 Com a aproximação entre Kant e Freud, com base na distinção kantiana entre fenômeno e noumeno, consideremos, para os fins dessa aproximação, aqui, a hipótese do inconsciente psíquico como noumeno, distinguindo, nele, entre sua estrutura e seu conteúdo.42 Desse modo, o que o inconsciente é em si mesmo, para nós, é incognoscível, porém, seus produtos, as representações e estados psíquicos, dados na mente sob a mesma matéria e forma que as representações conscientes, sejam estas de imagem, de objeto ou de palavras, são os objetos com os quais podemos nos ocupar, assim como no processo de conhecimento.43 Nesse sentido, conforme Lipps: “As representações inconscientes são momentos no processo de excitação psíquica, cujo objetivo final é apresentado pelas representações conscientes. Além disso, as representações inconscientes são equivalentes às conscientes, ou atuais, no que diz respeito a sua posição e seu significado no encadeamento da vida psíquica. Elas são representações segundo seu valor —ou tanto quanto algo possa ser uma representação— sem ser um fato da consciência que normalmente é designado como representação. Visto que não importam para a psicologia atos ou conteúdos isolados da vida psíquica, mas a posição e o significado dos mesmos no encadeamento do todo, faz muito sentido a psicologia designar as representações inconscientes como representações.” [...]Para Lipps, “o 38 Seguindo, aqui, observação de Loparic na nota 40 do texto É dizível o inconsciente?, em que sugere que se traduza Sachvorstellung por “representação de objeto” no lugar de “representação de coisa”, como o faz a tradução francesa. Conforme Loparic 1999a, p.345. 39 Em Theodor Lipps, uma fonte esquecida do paradigma freudiano, Loparic chama a atenção para a influência dos trabalhos desse psicólogo, contemporâneo a Freud, na medida em que empresta dele, em grande parte, seu conceito de inconsciente psíquico, e, ao que parece, é também por intermédio de Lipps que a influência kantiana na construção posterior da metapsicologia freudiana, em especial, a noção de ‘representação’, vai se dar. 40 De acordo com Loparic, os conceitos de representação por palavra e por imagem ocupam uma posição estratégica na teoria freudiana: ‘Quanto ao primeiro, Freud destaca, por um lado, o caráter “abstrato” dessas representações e as aproxima, senão identifica, com “conceitos [Begriffen] e abstrações [Abstraktionen]”. As palavras não possuem mais as “Qualidades” da percepção (dos “restos perceptivos”) e introduzem qualidades adicionais entre objetos que representam, em particular, “as relações entre representações de objetos [Objektvorstellungen]”, que as percepções nmão podem veicular. Essas relações, que se tornaram acessíveis [...] exclusivamente pelas palavras, “são o componente principal de nossos processos de pensamento.”. Loparic 1999a, pp. 342-3. 41 Ver Stein 2000, p. 157. 42 Supondo o inconsciente como estrutura-estruturante, faz sentido perguntar pela sua estrutura, uma vez que é estruturante do psíquico? Conforme Wittgenstein, no # 50 das Investigações filosóficas, “não tem sentido atribuir ser a um elemento, pois, se não existisse, não haveria sentido designá-lo; —o caso do metro padrão de Paris: acerca dele não tem sentido dizer que tem nem que não tem um metro de comprimento; por quê?— Porque este ''padrão'' é um certo instrumento da linguagem com o qual fazemos afirmações de medida; neste jogo de linguagem o padrão não é nada de representado, mas um meio de representação: —''uma coisa com a qual se podem efetuar comparações é um paradigma no nosso jogo de linguagem; constatá-lo pode significar que se faz uma constatação acerca do nosso jogo de linguagem, do nosso modo de representação''. Desse modo, se tomarmos o inconsciente não como conteúdo, mas como continente; não como coisa, mas como estrutura, ou, ainda, processo estruturado(r) (tal como o aparato perceptivo) deveremos atribuir um estatuto ontológico às representações psíquicas (inconscientes), uma vez que passam de fenômeno a representação; nosso aparato psíquico cria objetos que depois nós iremos conhecer. 43 Segundo Loparic: ‘A teoria representacional dos distúrbios psíquicos e de cura, proposta por Freud, é, sem dúvida, original. Mas ela é formulada no quadro de suposições que são tradicionais, na filosofia, pelo menos desde Descartes, a saber, 1) que a psique trabalha com representações, 2) que os estados inconscientes podem ser tratados como se tivessem a mesma natureza que os conscientes e 3) que, portanto, podem ser caracterizados por meio das mesmas “categorias” que são normalmente usadas para descrever a vida consciente, tais como representação, tendência, decisão, etc. Partindo daí, ao formular suas hipóteses sobre o inconsciente, Freud poderá fazer uso da terminologia conhecida das teorias da consciência. Ele se valerá, em particular, da oposição já estabelecida por Kant, entre intuições (“representações por imagem”) e conceitos (“representações verbais”) e a correspondente divisão do conhecimento em intuitivo (“pensamento em imagens”) e discursivo (“pensamento em palavras”). Sendo menos primitivas, as representações verbais podem desempenhar um papel metodologicamente essencial: por seu intermédio, os processos de pensamento internos tornam-se perceptíveis, isto é, conscientes.”. Loparic 1999a, p. 347-8.

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inconsciente se apresenta não como algo que se ‘acrescenta ocasionalmente, mas como a base geral da vida psíquica. A vida psíquica de um momento [...] é como uma ampla montanha submersa no mar, da qual só alguns poucos dos mais altos picos erguem-se acima da superfície da água. Caso queiram uma simples prova, tomem como exemplo o que agora se passa comigo. Eu falo, junto palavra com palavra e tenho a consciência da correção daquilo que digo, essa consciência não é condicionada pelas palavras como tais, mas por aquilo que as palavras significam. Disso, porém, só os rudimentos acidentais estão, agora, na minha consciência. Até onde meu pensamento é um processo da consciência, eu penso em conceitos, isto é, —se vocês eliminarem aqui também a mística— penso em palavras, que fazem com que se tornem inconscientemente ativas as representações outrora ligadas a elas’.” (Lipps, 2001, p. 348-50) Assoun, no capítulo dedicado a Freud e Kant em seu trabalho Kant, a filosofia e os filósofos, faz um breve comentário sobre o fato de Freud ter se ocupado desse problema, questionando-se (e até sugerindo) se, assim como Kant postulou por detrás do fenômeno a coisa em si, ele, Freud, não teria postulado o inconsciente por detrás do consciente, uma vez que o segundo (seu conteúdo) é-nos dado a uma experiência direta, enquanto o primeiro, não. (Assoun 1976, p. 168-69) No final de seu trabalho sobre Lipps, Loparic cita uma passagem, extraída das notas de Binswanger, após sua visita a Freud em 1910, em que refere esse fato em uma conversa com Freud: “Na conversa mencionada, eu me referi a uma afirmação sua [de Freud], feita na sessão de quarta-feira: “O inconsciente é metafísico, nós simplesmente o pomos como real.” Essa proposição mostra claramente que Freud está resignado com respeito a essa questão. Ele diz: nós procedemos como se o inconsciente fosse algo real, assim como o consciente. Como autêntico cientista natural, Freud não diz nada sobre a natureza do inconsciente, justamente porque não sabemos nada dele com certeza, mas apenas o inferimos a partir do consciente. Ele pensa que, do mesmo modo como Kant postulou a coisa em si atrás do fenômeno, ele postulou o inconsciente por trás do consciente, que é acessível em nossa experiência. Uma outra vez, ele chamou o inconsciente de organização psíquica inferior à do consciente. Como é sabido, ele vê, tal como Lipps, o psíquico [...] no inconsciente, do qual o consciente se desenvolve. A comparação com Kant não me parece correta em certos detalhes. Eu gostaria de dizer que nós podemos apreender muito mais e com certeza muito maior sobre o inconsciente, a partir do consciente, do que sobre a coisa em si, a partir do aparecimento.” (Freud/Binswanger 1992, p. 261)”, (Loparic 2001a, p. 13, cit.cit.) Essa não era uma questão fechada para Freud, e parece que, apesar das dúvidas lançadas por seus contemporâneos sobre a validade da analogia, convém destacar que isso pode ter-se devido a erros de interpretação. Freud, no percurso de seu trabalho, parece não ter se posicionado objetivamente em relação à doutrina kantiana, senão em menções esparsas em seus escritos. Suas referências a Kant, tanto em seus trabalhos publicados como em sua correspondência mostram que ele tinha conhecimento da doutrina crítica, mas isso não significa que ele estivesse certo de suas aproximações teóricas aos resultados de Kant.44 O certo é que a doutrina kantiana não é algo simples, e menos simples ainda é colocar o consciente no lugar do fenômeno e o inconsciente no lugar do noumeno para ter obtido o resultado análogo desejado. O comentário acima de Binswanger, em que manifesta sua suspeita sobre a validade da aproximação proposta por Freud, pode ser resultado de uma má interpretação, como talvez várias outras que se fizeram em relação a esse tema. Binswanger, ao afirmar que, no seu ver, “podemos apreender muito mais e com certeza muito maior sobre o inconsciente, a partir do consciente, do que sobre a coisa em si, a partir do aparecimento”, parece não distinguir o que pertence ao conceito de inconsciente como noumeno enquanto objeto do entendimento puro e o que pertence a ele como fenômeno para a consciência, pode ter confundido, conforme Kant, propriedades dos objetos dados à sensibilidade com as dos objetos do entendimento puro. No Apêndice à Dedução Transcendental, na Crítica da razão pura, intitulado Anfibologia, Kant se ocupa da confusão que se estabeleceu freqüentemente na filosofia, entre os dois objetos e as duas faculdades, e que ele chama de anfibologia transcendental. Para Kant, é necessário que se parta da distinção entre as duas fontes de conhecimento: a sensibilidade e o entendimento, é necessário que se distinga também os objetos com que se está lidando ao se 44 A esse respeito ver o trabalho de Leopoldo Fulgêncio Comentários críticos das referências textuais de Freud a Kant.

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formular conceitos, se objetos dados pela sensibilidade ou pelo entendimento puro, destituído de todo elemento empírico. No sentido da analogia sugerida por Freud, deveríamos então distinguir o inconsciente como estrutura (continente) de seus conteúdos. No primeiro caso, é um objeto do entendimento puro apenas, um noumeno, incognoscível; no segundo, seu conteúdo (representações), fenômeno para a consciência, e, portanto, cognoscível. Nesse sentido, na linha de argumentação kantiano-freudiana, tal como o noumeno, o inconsciente é posto pela razão, como causa de nossas manifestações psíquicas que não conhecemos e não são conscientemente acessadas nem geradas por nós (nossa mente). Dada a complexidade das distinções kantianas, essa não é uma distinção menos complexa e, por esse motivo, menos difícil. Não bastaria apenas ter lido a Crítica para ter entendido essa diferença, no caso de Binswanger.45 Imagino que Freud tinha presente essa dificuldade. (Mesmo fazendo essas observações, posso também estar cometendo erros de interpretação). IX. Considerando o caráter irredutível dos tipos de representações, como as representações por palavras (a verbalização através da fala do analisando) podem revelar o conteúdo ou o processo psíquico inconsciente, uma vez que as nossas representações não são exclusivamente nem por palavras nem por imagens? Que mecanismos são ativados para que isso se dê: tanto para revelar quanto para constituir? A fala desarticulada do analisando poderia ser considerada uma tentativa de transpor os limites representacionais da linguagem verbal (langue)? Como pode a linguagem verbal (por meio de representações por palavras) evocar integralmente o acontecimento ou processo psíquico não-lingüístico fora do momento de seu acontecer, seja ele representação por palavra seja representação por imagem?46 Até que ponto o modo como o método e o aparato conceitual da psicanálise em suas diversas escolas está constituído, e que forma a visão do terapeuta, não influencia a interpretação dos processos psíquicos? Até que ponto o relato da interpretação do sintoma, por parte do analista, não interfere, induz, no analisando, o problema? Não seria possível, tal como Heidegger47 propõe, que as coisas pudessem simplesmente ser diferentes?48 Para Loparic, na situação analítica, a comunicação entre analista e analisando “deverá ser concebida de tal maneira que a verdade diferencial —não-objetivável e não-naturalizável— possa transparecer e fazer-se valer no processo de cura.” (Loparic 1999a, p. 338). É o que a análise deve fazer ao levar o analisando a evocar suas representações inconscientes, fazendo-o ver as relações até que a estrutura, a essência, se revele, e o entendimento possa entender a natureza de seu sintoma. O que interessa à análise é o processo representacional inconsciente, não as representações inconscientes em si, pois a estrutura do representado encobre a essência que se revela ao ser evocada pela fala do analisando durante a análise. A análise deve levar o analisando a deixar que as estruturas inconscientes se revelem através da sua fala “desconexa”. A talking cure poderia atingir, não as representações inconscientes, mas a estrutura oculta nelas, através da fala “desconexa” do analisando?

45 A propósito das aproximações entre Kant e Freud. O sujeito transcendental kantiano não apresenta um psiquismo inconsciente. Poderíamos falar em um psiquismo transcendental? As formações do aparato cognitivo do sujeito transcendental kantiano, as faculdades e suas operações, se encontram onde? Quando Kant fala, p.ex. de internalização de regras, no âmbito da moral, onde essas regras que estruturariam nosso modo de julgar e agir se encontrariam? As três faculdades principais do sujeito transcendental kantiano não se equiparariam aos três domínios da 2a. tópica do inconsciente de Freud? (sensibilidade/Es, entendimento/Ich, imaginação/Über ich). Ver, a esse respeito, também, Loparic 1999a e 2001b. 46 De acordo com Loparic, “[A]s representações por imagens só podem tornar-se conscientes se conectadas com as verbais. Estas, por seu turno, recebem o significado (Bedeutung) apenas “mediante a conexão com representações por imagens”. Esse trânsito (Verkehr) entre palavras e imagens está livre na vida normal, como se vê bem no exemplo dos sonhos. O mesmo não ocorre quando existem distúrbios psíquicos, de modo que estes podem ser caracterizados pelo tipo de interrupção desse trânsito, e os procedimentos de cura correspondentes, pelo restabelecimento do mesmo.’ Loparic 1999a, p. 345. 47 Ver Loparic 2001b. 48 Ao me afastar como sujeito, estabelecendo o inconsciente como objeto, duplico as entidades e vejo um objeto lá onde há um processo, uma constituição do sujeito, criando conceitos que me afastam da apreensão essencial.

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De acordo com esse modo de ver, devido a essa característica, uma vez evocadas as representações inconscientes, tal como foram estruturadas por ele, analisando, sistematicamente, será possível num determinado momento entrever, nos cruzamentos, a estrutura representacional oculta e, dessa maneira, entender; pois o processo psíquico humano se caracteriza por ter sentido, uma vez que a matriz representacional é a mesma, sendo, no entanto, diferentes e incompatíveis (porque assimétricos, incomensuráveis) seus meios: imagético-simbólicos x imagético-lingüísticos. Esse é o pressuposto da clínica freudiana. Através das representações evocadas pela fala do analisando, será possível desvendar a estrutura simbólica, oculta nessas representações, e, assim decifrar os enigmas psíquicos do inconsciente? Uma vez liberto dos conceitos, pretensão do discurso bem articulado, o nível desarticulado da fala do analisando, se atingido na análise, permitiria o acesso mais autêntico ao eu, e suas representações. Sem o entrave do enquadramento conceitual, da linguagem verbal gramaticalmente correta (a langue como código, articulada como fala), poderia, a partir da sua função primordial resgatada, a de estar por, permitir que os conteúdos inconscientes aflorassem mais facilmente; daí a fala desconexa do analisando como ligação mais direta (mesmo que assimétrica) da representação ao signo que nos conduz a ela? Nessa perspectiva, na linha da clínica psicanalítica de orientação freudiana, a palavra é o único elo entre o analista e o analisando. Contra isso, Loparic pretende questionar “o pressuposto de Freud de que aquilo que está em análise seja algo que possa, no essencial, ser dito no sentido de ser verbalizado.” O inconsciente não pode ser um “conjunto de dados que podem ser transpostos em dados sonoros, fonetizados e comunicados.” Para Loparic, “a regra de verbalização do inconsciente deve ser rediscutida. O inconsciente é mesmo verbalizável? Ou [...] será que não é o caso de reconhecer que a psicanálise se depara com mais de um tipo de inconsciente, a saber, o verbalizável e o não-verbalizável?”. (Loparic 1999a, p. 338) Por fim, de acordo com Loparic,“o “não-verbalizável” não precisa ser visto como sinônimo de “não-dizível”. É perfeitamente possível admitir dois tipos de dizeres, o verbal, isto é, oral —que poderíamos ainda denominar de “glóssico” ou “lingual”—, e o não-verbal, não-oral, mas assim mesmo um dizer reconhecível. Se concordarmos com isso, tornar-nos-emos abertos para a pergunta se a cura psicanalítica não poderia deixar de ser concebida apenas como talking cure para ser remetida também a outros dizeres, que passam por outras vias, pelo corpo, por exemplo, pela “proximidade” e até mesmo —para usar um termo de Heidegger— pelo “modo de presença”.” (Loparic 1999a, p. 339). X. Grosso modo, o paradigma freudiano do desenvolvimento psicológico humano, chamado ‘edipiano’, que está em questão aqui, pode ser descrito assim: ‘para Freud, a psique da criança é, inicialmente, uma massa de pulsões instintivas, que ele chamou de isso (id). Uma parte dessa massa se separa do todo na forma do eu (ego), cuja função é testar a realidade e capacitar a personalidade a se adaptar a situações práticas necessárias à sobrevivência. Uma outra parte —parte consciente parte inconsciente— é o super-eu (superego), que contém os preceitos morais que são parcialmente herdados da influência das atitudes e exigências dos familiares sobre o indivíduo. Uma das tarefas do supereu é lidar com a pulsão sexual (libido) quando a criança a dirige para o pai ou para a mãe (quando menino, para a mãe, resultando no que Freud chamou de complexo de Édipo). Quando a libido não encontra canais adequados, no seu percurso pelas várias fases de desenvolvimento sexual (da oral à genital), pode-se lidar com resíduos de desejos proibidos por meio da repressão, o que acarreta conflitos inconscientes, geralmente, as principais causas de psiconeuroses’. Em seus trabalhos mais recentes, Loparic tem procurado mostrar que há uma relação de complementariedade entre as exigências da Daseinanalytic de Heidegger (especialmente aquela desenvolvida nos Seminários de Zollikon) para a prática psicanalítica e os trabalhos de Winnicott que desenvolvem uma proposta não-edipiana do desenvolvimento psicológico do ser humano. Ambos compartilham um ponto de vista comum, a saber: a necessidade do abandono da

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metapsicologia freudiana, fundamentada epistemologicamente nos paradigmas kantiano e naturalista das ciências. Um aspecto importante na crítica que Heidegger faz a Freud, ao desconstruir sua metapsicologia e reconstruí-la nos termos do campo semântico da perspectiva da sua analítica existencial, é que ele não reprova as descobertas de Freud no campo de pesquisa da clínica psicanalítica mas sim o modo como esses processos são relatados, a partir da sua perspectiva naturalista objetificante do ser humano.49 No início dos anos 20, Winnicott, ainda jovem, foi analisando de James Strachey que, por sua vez, fora analisado por Freud. Ao discordar de aspectos do paradigma freudiano, foi fortemente influenciado, inicialmente, pelas idéias de Melanie Klein —que, dentre outras posições, afirmava que as origens do supereu se dava nos primeiros meses de vida da criança, ao contrário de Freud que o situava por volta dos quatro anos—, e depois por algumas posições de Fairbairn, especialmente, algumas afinidades entre suas visões sobre o processo de amadurecimento (conceito importante para a concepção de desenvolvimento do ser humano em Winnicott). Sua experiência com crianças com distúrbios psíquicos junto de suas mães, no Hospital de crianças Paddington Green, fizeram-no se dedicar ao período “pré-edípico” pelo qual Freud pareceu mostrar pouco interesse. Ao estudar de perto os fatores que contribuem para o desenvolvimento de uma vida normal da criança, percebeu a importância da saúde mental e do comportamento da mãe como fator influenciador e determinante no desenvolvimento psíquico saudável da criança. Para ele, nos primeiros tempos após o nascimento, o bebê e a mãe não podem ser separados; a criança ainda não existe como unidade psíquica separada: mãe e bebê formam uma unidade. Nesse sentido, a teoria de Freud se mostrava inadequada para tratar dessa relação diádica (mãe-bebê), uma vez que o fundamento da metapsicologia freudiana é a relação triádica (mãe-criança-pai), fundamento do paradigma edipiano. Segundo Loparic, Winnicott continua aceitando a teoria freudiana das neuroses e do relacionamento interpessoal como elementos essenciais da cura psicanalítica sob a condição de poder interpretá-los em uma linguagem que lhe permita expressar a sua própria visão de ser humano. Conforme Loparic, sua “visão está centrada na idéia de ser humano como uma “amostra-de-tempo <time-sample> da natureza humana” que permanece ser e se desenvolve em um tempo circular não-objetivo”. (Loparic 1999b, p. 105) Loparic defende a tese de que, ao redescrever o paradigma freudiano, Winnicott pode ser considerado como operando “uma “revolução científica” na disciplina criada por Freud”. (Loparic 1999b, p. 106)50 A característica geral do trabalho de Winnicott, na construção de suas idéias e de sua prática na clínica psicanalítica que ele fundou, é o fato de que, além de rejeitar a metapsicologia freudiana, não se utilizou da metalinguagem e dos conceitos da filosofia que tratam das questões humanas nem construiu uma metapsicologia própria, preferindo se valer dos termos da linguagem ordinária e até mesmo de alguns poetas.51 Com relação às posições filosóficas que tratavam sobre as questões do ser do ser humano, sua restrição e crítica incidiu, especialmente, sobre o existencialismo que, segundo ele, era convertido pelos seus seguidores, no tratamento das questões sobre o ser do ser humano, em um tipo de religião “escapando para o momento presente na sua incapacidade de se reportar ao passado e ao futuro”. Nesse sentido, segundo Loparic, para Winnicott, “o existencialismo ignora o tempo como uma dimensão essencial do ser humano”, transformando a existência em um culto e, assim, negando-se a admitir “um traço particular da condição humana, a saber, o fato de que “a existência só pode iniciar fora da não-existência” [...]. Nesse caso, o problema não é com o esquecimento da

49 Ver Loparic 1999b, pp. 104-5. 50 A esse respeito, ver também Loparic 2002. 51 Como vimos acima, o mesmo procedimento é utilizado por Heidegger na sua tarefa de superar os modos de dizer metafísicos. Ver Loparic 1999a,1999b e 2002.

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temporalidade do ser humano mas com o esquecimento da relação do ser ao não-ser que está presente em qualquer indivíduo humano”. (Loparic 1999b, p. 107) Mesmo que não se ocupe, diretamente, de nenhum sistema filosófico ou autor em especial, as críticas que Winnicott faz ao existencialismo tout court (que provavelmente se referem às posições de Sartre) servem para, de um lado, situar sua concepção de ser humano, e, de outro, para que possamos aproximar suas reflexões sobre o ser do ser humano às posições de Heidegger sobre a dimensão temporal do existir humano e sua “íntima relação com o não-ser”.52 Nesse sentido, Loparic destaca o fato de que “Winnicott reconhece inúmeras vezes que seus próprios estudos científicos da continuidade do ser humano se aproximam dos questionamentos filosóficos sobre a existência humana”. (Loparic 1999b, pp. 107-8) Na linha de desenvolvimento do pensamento e da prática pisicanalíticas de Winnicott surge uma nova abordagem do inconsciente, e, com ela, a crise da crença na possibilidade de verbalização. Na base da constatação de que o inconsciente freudiano é uma formação tardia, Winnicott revela um inconsciente não-verbalizável que não tem nada a ver com o conceito de recalque do inconsciente freudiano. Para Winnicott, a sexualidade recalcada e seus derivativos deixam de ser o tema da psicanálise. Ele passa a se ocupar dos distúrbios psíquicos naquilo que eles representam de cisão, de interrupção do acontecer humano. Nesse sentido, conforme Loparic, a tese de Winnicott consiste em que a origem da cisão entre as duas teorias (a sua e a de Freud) “não surge devido à censura, mas em virtude das falhas do ambiente na função de facilitar o processo de amadurecimento.” Essa cisão não se dá nem na consciência nem na mente, mas no próprio acontecer humano. Conforme Loparic, o que fica dividido, separado, interrompido é a continuidade do ser, seu acontecer existencial. Diferentemente de Freud, a continuidade desse processo existencial não é garantida pela ligação causal entre os eventos na linha do tempo. Na perspectiva de Winnicott, conforme Loparic, o “tempo do existir humano não pode ser pressuposto nem como uma condição inata nem como uma aquisição a partir de seqüências temporais objetivamente percebidas, pois ele é constituído ao longo do processo de amadurecimento pessoal do indivíduo na relação de dependência com o ambiente.” O processo de amadurecimento de Winnicott não é causal nem natural no sentido freudiano, mas “uma acontecência na qual está em jogo uma pessoa ou uma promessa de uma pessoa que está em relação de dependência com uma outra pessoa.” (Loparic 1999a, pp. 358-9) O caráter inovador da noção de cisão do processo acontecencial (de amadurecimento) que Winnicott introduz reside no fato de essas cisões não assinalarem algo que aconteceu mas não devia ter acontecido, como no caso da perspectiva do paradigma freudiano do inconsciente recalcado. Essas cisões “apontam, antes, para algo que devia acontecer mas não aconteceu.” (Loparic 1999a, p. 359). E isso muda tudo. Na medida em que o que deveria ter acontecido não aconteceu, não há o que recalcar no não-consciente a título de censura. O que não aconteceu não está lá, não existe. É essa falta que se faz sentir no processo como interrupção. “Quando há intrusão”, conforme Loparic, “aconteceu o indevido —o inesperado, e não aconteceu o previsto— o aguardado. Diante do extemporâneo, o bebê teve que reagir e, por isso, cindiu-se no tempo, no espaço, no corpo, nas relações de objeto, enfim, nessa ou naquela dimensão por onde poderia continuar a crescer. Essa parada, esse não-acontecido do amadurecimento devido à falha do ambiente, é também algo não-experienciado. O inesperado precoce não invade apenas por surpreender, o seu efeito traumatizante resulta sobretudo do fato de não existir ainda, nas fases muito precoces, alguém que possa integrá-lo na forma de uma experiência.” Desse modo, o inconsciente, a partir de Winnicott, passa a ter um outro sentido, segundo Loparic, “trata-se de um modo de existir do homem em virtude do qual esse se partiu segundo essa ou aquela linha de crescimento e de integração”. (Loparic 1999a, p. 360) De acordo com Loparic, a psicanálise na perspectiva de Winnicott, ao se ocupar do não-acontecido como falta, ausência, trata de “agonias do ser e do não-ser”. Essas agonias, ele denomina de 52 Mesmo que não se tenha notícia de que Winnicott tenha tido contado com os trabalhos de Heidegger, suas posições, se aproximam muito, uma vez que, conforme Loparic, na medida em que “é concebida como um estudo do sentido do ser em geral dentro do horizonte do tempo ”original” e confrontado com o não-ser”, a ontologia heideggeriana satisfaz as condições apresentadas por Winnicott. Loparic 1999b, p. 108

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“impensáveis”, e, por isso, irrepresentáveis. De acordo com Loparic, o psicótico winnicottiano não sofre de reminiscências, é “contra traumas que o fazem agonizar que são erigidas suas defesas psicóticas (as psicoses). Se o inconsciente agônico não é comunicável, isso não se deve ao fato de sua verbalização ser censurada, mas ao fato de ela não poder ser feita. Para tanto, deveriam ter acontecido muitas coisas que justamente não aconteceram, entre elas a comunicação primária pré-verbal com a mãe.” (Loparic 1999a, pp. 360-1) Conforme Loparic, esses pacientes “padecem de agonias “pré-simbólicas” que se originaram “muito antes de a verbalização ter adquirido qualquer significação.” Para tratar desse tipo de paciente, o analista winnicottiano não pode pressupor que ele seja capaz de verbalizar objetivamente, tal qual a “máquina representacional” da clínica psicanalítica freudiana. Na verdade, como a comunicação não pode ser feita por meio de palavras, a verbalização não tem lugar. Nesse sentido, o analista winnicottiano “não deve verbalizar a cisão do paciente em termos de categorias da consciência nem em quaisquer outros termos interpretados no domínio de dados objetivos. Muitas vezes, isso implica simplesmente guardar silêncio, mostrando que não há como saber —tomando saber no sentido de conhecimento científico objetivante— o que fazer ou dizer.” (Loparic 1999a, p. 362-4) Conforme Loparic, os psicóticos winnicottianos trazem para a análise “os embates consigo mesmos e com o mundo, que nem sempre são vividos como próprios e, menos ainda, [como] representados. Os pacientes winnicottianos típicos não se comunicam para informar os dados da charada em que se meteram, mas para poder continuar a existir e poder ter um dia, uma biografia. E, às vezes, até para começar a existir. A psicanálise winnicottiana não é edipiana e sim maturacional.” (p. 362-3) Infelizmente, apresentar aqui um quadro mais detalhado das posições de Winnicott, desenvolvidas por Loparic em seus trabalhos, ultrapassa a finalidade dessa exposição. O objetivo é destacar alguns pontos que possam ilustrar a proposta de aproximar suas posições às de Heidegger, direcionando para o uso que aqui proponho no tratamento das questões que levantei a partir da reflexão sobre a situação da clínica psicanalítica. Por fim, pode ser colocada a seguinte pergunta: Qual o interesse filosófico na aproximação entre filosofia e psicanálise?53 O interesse nessa aproximação, no caso aqui, entre a analítica existencial de Heidegger e a teoria e prática psicanalíticas na linha de Winnicott, pode ser descrito assim: a filosofia não é uma ciência prática, e mesmo que, numa ontologia como a de Heidegger, se procure os fundamentos do ser do ser humano em seu aspecto ôntico e ontológico, ela continua ciência do ser em geral; no entanto, a psicanálise, por seu turno, como ciência empírica, enquanto solucionadora de problemas, se ocupa do desenvolvimento do ser humano como pessoa, nas suas relações consigo, com o meio e com os outros. Ora, nesse sentido, o interesse da filosofia do ser do ser humano, uma ontologia, portanto, ao se ocupar de uma ciência do desenvolvimento do ser do ser humano que possa aplicar os seus pressupostos, fica evidente se concedermos que, através dessa ciência, a filosofia, como ontologia, estaria intervindo no real, vendo ou não validarem-se os seus conceitos e fundamentos. Nesse sentido, poderíamos interpretar a preocupação de Heidegger ao solicitar a M. Boss que adiasse a publicação de seu livro até que o material dos resultados da sua aplicação do método fenomenológico de Heidegger à clínica psicanalítica pudesse ser anexado. De acordo com Loparic, “Heidegger sabia muito bem que, enquanto filósofo, ele só podia contribuir para a tarefa de modificação da semântica da linguagem descritiva da psicanálise. Essa foi a razão pela qual ele instigou M. Boss a mostrar, partindo da sua experiência médica, a necessidade de repensar a prática clínica em conceitos emprestados ou então desenvolvidos a partir da analítica heideggeriana do Dasein. De acordo com os conselhos de Heidegger, dados numa carta escrita no final do ano de 1967, a publicação do livro Os fundamentos da medicina e da psicologia, em que Boss planejava revolucionar a medicina e a psicologia, deveria ser adiada não somente “por precisar

53 De acordo com Loparic, “[...] A filosofia da linguagem de Heidegger permite, como adivinhou Lacan, um diálogo particularmente frutífero com a psicanálise. [...] [A] caracterização heideggeriana do existir humano como sendo essencialmente relacional –não no sentido meramente estrutural (formal), psicológico ou social, mas no sentido ontológico: ser, para o ser humano, significa ser-com-outros- oferece um quadro muito mais adequado para o estudo da relação paciente-analista do que a teoria da representação, pressuposta em muitas teorias tradicionais da transferência.”. Loparic 1999a, p. 339.

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de esclarecimento e reformulação dos fundamentos”, mas também para que Boss tivesse tempo de, escreve Heidegger, “apresentar o rico “material” de sua experiência médica de forma a indicar, implicitamente, que os Fundamentos são imprescindíveis e despertar a necessidade deles. O senhor mesmo cria para si a vantagem de poder remeter o leitor, nos Fundamentos, a uma rica experiência e, assim, dar maior substância às reflexões sobre questões de princípio.” (1987, p. 352; itálicos meus).”. (Loparic 2001b, p. 40)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Existimos, pois, como ser antes da linguagem verbal e esta existência no mundo, além de significativa, determina o que virá a ser o ser em seu existir futuro, já de posse da linguagem. Desse modo, nesse momento de nossa existência, constituímos nosso eu (como acontecência), os seus fundamentos, numa relação não mediada pela linguagem com o mundo e com os outros. Para Heidegger, a linguagem-casa-do-ser54 é o que dá ao Dasein, enquanto ente (existir ôntico), a possibilidade de compreender o seu ser enquanto ente. E habitá-la, conforme Loparic, “só pode consistir em acompanhar o movimento do ser que, ao deixar-ser o ente, se esconde a si mesmo. Falar, no sentido de Heidegger, consistirá num dizer compreendido no sentido etimológico dessa palavra, que é indicar, mostrar, fazer aparecer e, ao mesmo tempo, ocultar.” (Loparic 1999a, p. 337). Como a analítica existencial de Heidegger dá conta dessa existência pré-lingüística? Não se encontraria nesse período de nossas vidas a existência essencial, o ser essencial, a verdade essencial que, depois, a palavra ao revelar encobriria? Se a palavra está entre o ser e o ente, segundo Heidegger, então, nesse período de nossa existência, não haveria nenhum nível de compreensão, nenhum ser? A situação psicanalítica, como sabemos, é o lugar, por excelência, em que essa existência pré-linguagem pode e deve ser resgatada a fim de lançar luz sobre aspectos e fatos existenciais da nossa história como ser-no-mundo. Nesse caso, como (se) podemos resgatar o ser desse acontecer ao nosso ente antes da linguagem? Estaria esse acontecido, para sempre, ocultado de nossa compreensão, perdido? De acordo com Loparic, “o primado do passado deve-se ao fato de o ser humano só poder ser-adiante-de-si retomando o que foi, o que tem sido. A relação com o futuro, com o ser-adiante-de-si pode, entretanto, ser encoberta e, no mais das vezes, é encoberta. Em conseqüência disso, pessoas podem passar a viver só ou predominantemente no passado ou no presente, perdendo, dessa maneira, a seu verdadeiro si-mesmo.” (Loparic 2001b, pp. 34) Para Loparic, de acordo com a lógica produtiva de Heidegger no sentido de construir uma ciência do ser humano, na situação psicanalítica, “[n]enhuma “construção” teórica, nenhum termo sem sentido experiencial para um paciente, pode ser usado pelo analista na formulação do seu saber sobre o paciente. A relação terapêutica não deve ser encarada como um campo de experimentação, dirigida por teorias abstratas, mas como lugar de experienciação dos distintos modos fatuais do ser-no-mundo; o setting analítico não deve ser transformado em um laboratório de testes de hipóteses ou de explicações causais, mas preservado como uma situação na qual o que está em jogo é a concretização das estruturas ontológicas que possibilitam que o ser humano seja ser humano. Daí se seguem conseqüências importantes para o processo de cura e para a terapia. A mera verbalização não pode remediar as perturbações entendidas da maneira indicada. A cura passa essencialmente pelo restabelecimento efetivo da relação adaptativa com o mundo, baseada no estar-com o paciente no envolvimento, no Sich-einlassen do terapeuta na condição do paciente.” (Loparic 2001b, pp. 38-9) Loparic, em É dizível o inconsciente?, ao descrever a situação da clínica psicanalítica de orientação freudiana coloca a posição de Heidegger em relação aos limites da dizibilidade, da verbalizabilidade, quando menciona que já Heidegger admitia que a “compreensão de uma teoria da linguagem tem de tomar a forma de uma sigética, teoria do silêncio”. E, ao comentar essa afirmação, diz o seguinte: “Heidegger nos obriga a levar em conta os diferentes modos de dizer, glóssico (fonético), sígnico (alfabético), pictural, gestual e mesmo sigético. As diferentes tradições culturais acentuaram e desenvolveram alguns desses modos e negligenciaram outros. A tradição ocidental é predominantemente glóssica e sígnica. A do Extremo Oriente, pictural e sigética. [...] Esses diferentes modos de dizer implicam diferentes sentidos do conceito de “linguagem” e, portanto, diferentes teorias da linguagem. Heidegger não deve ser entendido como aquele que propõe que se opte por um tipo de linguagem e se abandone as outras. Ele propõe, antes, que entremos numa nova relação com a linguagem. A introdução de diferentes modos de dizer acentua e

54 Ver Heidegger 1973: Carta sobre o humanismo.

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atribui dimensões inesperadas ao problema tradicional da traduzibilidade. É uma das teses centrais de Heidegger a de que a linguagem da metafísica é intraduzível na linguagem originária, nas dicas e na gesta na qual é dita a diferença ontológica, e vice-versa.” (Loparic 1999a, p. 337). De acordo com Loparic, Heidegger encaminha a questão para que nos coloquemos em relação à palavra como sendo um sinal, uma dica, para aquilo que ela expressa, exterioriza: “A Sprache, a “língua” é, diz Heidegger, uma Zeige, uma dica, e uma Sage, uma gesta, que, ao tornar manifesto, esconde. O “dizente” heideggeriano não é um fonador ou um escrevinhador; sua gesta, assim como o gesto do ator do teatro nô55, move-se no vazio em que tudo que é dado à luz é, ao mesmo tempo, ultrapassado.’ (Loparic 1999a, p. 337). Aqui, podemos ver um espaço para situar e pensar nosso problema, uma vez que, recolocado sob essa perspectiva, pode ter o seguinte encaminhamento: não só o que acontece antes da palavra não pode ser recuperado, dito, por ela, mas mesmo o que ocorre depois dela ou mesmo através dela é, nesse sentido, irrecuperável. Seria, talvez, necessário remontar ao início, ao momento originário em que a palavra fosse pela primeira vez proferida, se isso fosse possível. Uma investigação nessa direção deve buscar as respostas que a Daseinalalytic de Heidegger dá a essas questões e de que maneira a proposta do paradigma maturacional de Winnicott, tal como sugere Loparic, em Heidegger and Winnicott, É dizível o inconsciente? e em Winnicott’s paradigm outlined, pode ser uma alternativa psicanalítica que satisfaz às exigências de uma analítica existencial, tal como proposta por Heidegger.

55 “Inspirado espiritual e artisticamente no budismo zen, o teatro nô data do século XIV e permaneceu quase igual desde então. Consiste em uma mistura de teatro, dança, música, mímica e poesia. As histórias tratam sempre sobre as classes altas japonesas e os atores são sempre homens. (...) A música vocal, a instrumental e a ação se combinam constantemente com fins muito variados. As interjeições guturais emitidas pelos que tocam os tambores servem para marcar o tempo e criar uma atmosfera apropriada para a obra.”. Extraído de: www.euiti.upv.es/aikido/Paginas/Teatro_no.htm

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