os inocentes

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OS INOCENTES em Fotografia por Júlio Assis Ribeiro em 15 de mai de 2012 às 10:23 A fotógrafa norte-americana Taryn Simon realizou uma série de imagens, intitulada "The Innocents", partindo da constatação de que a Fotografia pode ter um efeito perverso quando utilizada como meio de investigação criminal. © Taryn Simon, Charles Irvin Fain no local do crime, 2002 A série fotográfica The Innocents, de Taryn Simon, teve a sua génese num trabalho fotojornalístico que realizou em 2000, ao serviço do The New York Times Magazine. Ao fotografar homens injustamente condenados, e posteriormente ilibados enquanto aguardavam a execução da pena capital, a norte-americana começou a questionar o papel da Fotografia nos sistemas judicial e de investigação criminal dos Estados Unidos. Viajou depois pelo país, entrevistando e fotografando homens e mulheres erradamente condenados. Daí nasceu a constatação que a Fotografia se transformara em muitos casos, não num meio de obtenção da verdade, mas num instrumento espantosamente eficaz de construção de uma versão credível, mas falsa, dos factos investigados. As condenações investigadas por Taryn resultavam, não de provas materiais, mas sobretudo de identificações resultantes de um processo consistente que passava sucessivamente pelo uso de retratos robot, fotografias de cadastro e polaroids, e finalmente pelo alinhamento de suspeitos.

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Os Inocentesem Fotografia por Jlio Assis Ribeiro em 15 de mai de 2012 s 10:23 A fotgrafa norte-americana Taryn Simon realizou uma srie de imagens, intitulada "The Innocents", partindo da constatao de que a Fotografia pode ter um efeito perverso quando utilizada como meio de investigao criminal.

Taryn Simon, Charles Irvin Fain no local do crime, 2002A srie fotogrfica The Innocents, de Taryn Simon, teve a sua gnese num trabalho fotojornalstico que realizou em 2000, ao servio do The New York Times Magazine. Ao fotografar homens injustamente condenados, e posteriormente ilibados enquanto aguardavam a execuo da pena capital, a norte-americana comeou a questionar o papel da Fotografia nos sistemas judicial e de investigao criminal dos Estados Unidos. Viajou depois pelo pas, entrevistando e fotografando homens e mulheres erradamente condenados. Da nasceu a constatao que a Fotografia se transformara em muitos casos, no num meio de obteno da verdade, mas num instrumento espantosamente eficaz de construo de uma verso credvel, mas falsa, dos factos investigados. As condenaes investigadas por Taryn resultavam, no de provas materiais, mas sobretudo de identificaes resultantes de um processo consistente que passava sucessivamente pelo uso de retratos robot, fotografias de cadastro e polaroids, e finalmente pelo alinhamento de suspeitos. O peso destas identificaes revelava-se esmagador em tribunal. Num sistema judicial assente na apreciao de um jri, a palavra das vtimas cilindrava os libis dos rus, e a ausncia de provas materiais acabava por no ser suficiente para criar dvida razovel. Esta importncia dada ao testemunho das vtimas assentava na convico da inquestionabilidade da memria. Porm, como as provas de ADN mais tarde vieram a comprovar, a memria um processo profundamente plstico. Taryn Simon verificou, nos casos investigados, que as identificaes dos rus foram moldadas num procedimento (intencional umas vezes, involuntrio e inconsciente outras) que reconstrua a memria que as testemunhas tinham dos factos.Perante uma dificuldade de descrio, de reteno da imagem dos criminosos, as vtimas eram frequentemente confrontadas com imagens daqueles que os agentes policiais consideravam potenciais suspeitos. A presso dos agentes, os comentrios ouvidos,as legendas de imagens, a repetida confrontao com retratos de indivduos alegadamente duvidosos, os pormenores que faziam salientar uma das imagens (num dos casos, o condenado era o nico retratado a cores num conjunto de fotografias policiais), e todo um conjunto de passos encadeados, levavam a que as testemunhas, quando chegassem fase de reconhecimento de suspeitos num alinhamento, identificassem no exactamente quem haviam observado durante o crime, mas simplesmente quem lhes era mais familiar. Essa familiaridade com um rosto fundia-se com a memria dos factos, e em muitos dos depoentes em tribunal gerou-se uma profunda convico que apenas a posterior utilizao do ADN veio a abalar.Na srie The Innocents, Taryn Simon parte da leitura dos processos, dos perfis dos suspeitos e das entrevistas e recoloca os condenados, entretanto ilibados e soltos, em localizaes que foram fulcrais na investigao criminal - o local do crime, da deteno, do libi, da errada identificao. Recentra a questo no papel do contexto em que uma imagem fotogrfica apresentada, e na relao ambgua entre a Fotografia e a Verdade.

Taryn Simon, Larry Mayes no local da deteno, 2002

Taryn Simon, Troy Webb no local do crime, 2002

Taryn Simon, Jeffrey Pierce no lago Huron, 2002

Taryn Simon, Calvin Washinton no motel C&E, 2002A Fotografia tem uma relao ontolgica com a realidade. No uma representao, uma marca da realidade num suporte bidimensional. Da advem a percepo de que o que registado fotograficamente verdadeiro. Mas, tal como acontece com factos presenciados, com a confrontao com a realidade, a percepo do que vemos numa fotografia depende fortemente da nossa experincia, dos nossos (pr)conceitos e do enquadramento momentneo. Uma mesma fotografia assume diversos significados para diferentes pessoas, e a introduo de uma legenda altera profundamente a sua leitura. Uma encenao, uma manipulao, uma indicao transforma em prova algo que objectivamente no o .Em The Innocents, a chave da interpretao das imagens est contida na legenda e no facto de conhecermos o fundamento da srie. Isoladas desta chave, as imagens limitam-se a apresentar personagens que nos confrontam, que nos questionam algo. Com a chave, estas imagens de ex-prisioneiros em locais de crimes onde no estiveram, em locais onde estavam de facto sem o conseguir provar, a questo ltima que nos apresentam a interrogao acerca do que realmente nos pode dizer uma fotografia .

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