os gÊneros orais no ensino de lÍngua espanhola: … · mantêm com os parâmetros do mundo social...

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2178 OS GÊNEROS ORAIS NO ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: ANÁLISE DE ATIVIDADES DE COMPREENSÃO ORAL Viviane Cristina POLETTO-LUGLI (UEM – FAFIJAN) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: POLETTO-LUGLI, Viviane Cristina. Os gêneros orais no ensino de língua espanhola: análise de atividades de compreensão oral. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 2178-2189. 1.INTRODUÇÃO As razões que justificam a inquietação quanto ao ensino de gêneros orais nas escolas de nossa região são várias. Primeiramente porque nos últimos anos, o ensino da língua espanhola vem sofrendo uma ascensão. Esse fato pode ser observado com a regulamentação do ensino da língua no CELEM — Centro de Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas —, implantada em 1988 e através dos cursos de Letras Português/Espanhol que atualmente funcionam na região. Somando-se a isso, temos ainda a lei 11.161/2005 que aponta o caráter de obrigatório ao ensino de E/LE nas escolas em que funcionam o Ensino Médio. A segunda razão que expomos é o fato de nossos alunos do curso de graduação em Letras, ao realizarem o seu estágio nas escolas públicas em que se ensina espanhol em nossa cidade, utilizar o conteúdo do material didático Español Sin Fronteras que escolhemos para análise, por esse ser utilizado pelas escolas em que realizam a prática de ensino de língua espanhola. Esse fato, leva-nos a repensar a importância de reavaliar as metodologias no ensino da língua, assim como os livros didáticos (LDs) utilizados nessas escolas, uma vez que mesmo diante da ascensão da língua espanhola em nosso país e do grande número de LDs já produzidos, poucas inovações aconteceram no que diz respeito às metodologias utilizadas no ensino da língua. Pérez (1999) ilustra essa questão quando afirma que no mundo da língua espanhola não houve nenhum teórico que tivesse imposto seus pensamentos para servir para a criação de um modo especial de entender o ensino da língua. Em vista disso, pretendemos acompanhar essa ascensão do idioma nesse contexto histórico em que vivemos, tentando através de estudos veiculados à teoria de

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OS GÊNEROS ORAIS NO ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA: ANÁLISE DE ATIVIDADES DE COMPREENSÃO ORAL Viviane Cristina POLETTO-LUGLI (UEM – FAFIJAN)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA: POLETTO-LUGLI, Viviane Cristina. Os gêneros orais no ensino de língua espanhola: análise de atividades de compreensão oral. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 2178-2189. 1.INTRODUÇÃO

As razões que justificam a inquietação quanto ao ensino de gêneros orais nas escolas de nossa região são várias. Primeiramente porque nos últimos anos, o ensino da língua espanhola vem sofrendo uma ascensão. Esse fato pode ser observado com a regulamentação do ensino da língua no CELEM — Centro de Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas —, implantada em 1988 e através dos cursos de Letras Português/Espanhol que atualmente funcionam na região. Somando-se a isso, temos ainda a lei 11.161/2005 que aponta o caráter de obrigatório ao ensino de E/LE nas escolas em que funcionam o Ensino Médio.

A segunda razão que expomos é o fato de nossos alunos do curso de graduação em Letras, ao realizarem o seu estágio nas escolas públicas em que se ensina espanhol em nossa cidade, utilizar o conteúdo do material didático Español Sin Fronteras que escolhemos para análise, por esse ser utilizado pelas escolas em que realizam a prática de ensino de língua espanhola.

Esse fato, leva-nos a repensar a importância de reavaliar as metodologias no ensino da língua, assim como os livros didáticos (LDs) utilizados nessas escolas, uma vez que mesmo diante da ascensão da língua espanhola em nosso país e do grande número de LDs já produzidos, poucas inovações aconteceram no que diz respeito às metodologias utilizadas no ensino da língua.

Pérez (1999) ilustra essa questão quando afirma que no mundo da língua espanhola não houve nenhum teórico que tivesse imposto seus pensamentos para servir para a criação de um modo especial de entender o ensino da língua.

Em vista disso, pretendemos acompanhar essa ascensão do idioma nesse contexto histórico em que vivemos, tentando através de estudos veiculados à teoria de

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gêneros, situar o ensino/aprendizagem de textos como práticas sociais indispensáveis para a formação do aprendiz.

Com esse objetivo realizamos essa pesquisa de tipo diagnóstico na qual procuramos estudar e refletir sobre a concepção de ensino de língua a partir da perspectiva sociointeracionista da linguagem e classificar os gêneros textuais orais e as atividades de compreensão oral (CO) presentes em uma coleção de LDs de língua espanhola que podem propiciar o desenvolvimento das capacidades de uso da língua nos alunos-usuários do material-alvo, tomando por base a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo (BRONCKART, 1999; DOLZ e SCHNEUWLY,1998/2004).

2.OS GÊNEROS TEXTUAIS COMO PRÁTICAS SOCIAIS

Partimos do pressuposto de que todos os usuários de uma língua dispõem de

uma rede variada de modelos de gêneros depositados no intertexto pelas gerações anteriores, os quais podem ser utilizados nas práticas cotidianas de linguagem. Como afirma Bronckart (1999, p.216): “Quando o agente é inexperiente, há todo interesse em que se inspire nos modelos existentes e que aprenda as regras de seu funcionamento.” Por isso, segundo o autor, é preciso “conduzir os aprendizes a um domínio das regras-padrão em uso”. (p.216). Nesse sentido, o autor aconselha que:

o procedimento científico deve incidir, primeiramente, sobre as características estruturais e funcionais do conjunto das ações humanas e isso implica um exame das relações que essas ações mantêm com os parâmetros do mundo social em que se inscrevem.(p.66)

Por essa razão, e crendo que a escola deve cumprir o seu papel formador e

social, situamos os gêneros como um objeto escolar, o que o configura como instrumento (SCHNEUWLY, 2004) que a nosso ver, é indispensável aos estudos na instituição em que o ensino está legitimado porque, segundo Bakhtin (1997), “aprendemos a moldar nossa fala nas formas do gênero”. Sendo assim, é por meio do gênero que concretizamos o nosso agir comunicativo nas práticas sociais.

Assim, se os gêneros do discurso são segundo Bakhtin (1997, p. 279), “tipos relativamente estáveis de enunciados” e se é através deles que nossa comunicação verbal se concretiza, esses tipos, sejam orais ou escritos, precisam ser trabalhados formalmente pela escola no sentido de levar o aluno da língua estrangeira a comunicar-se eficientemente na língua alvo de estudo.

Sendo o LD o suporte de gêneros mais utilizado no ensino de E/LE (espanhol como língua estrangeira) em nossa cidade, consideramos relevante analisá-lo com o objetivo de verificar se os gêneros orais nele presentes são entendidos como objetos de ensino/aprendizagem, cujo ensino leva os alunos às práticas sociais eficientes.

Se partirmos do princípio de que na escola há alunos com diferentes experiências de vida e com diferentes conhecimentos sobre o uso dos enunciados, o ensino de gêneros passa a ser relevante. Nesse tipo de ensino, cabe então a nós, professores, identificar as atividades mais necessárias, propostas a partir dos gêneros orais, para que os alunos sejam capazes de agir discursivamente em determinadas interações verbais. Por isso, entender que o gênero é um instrumento semiótico

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(SCHNEUWLY, 2004) para o ensino, impõe ao professor a organização de diferentes níveis de “progressão”.1 (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).

Na vertente discursiva enunciativa defendida pelos investigadores interessados no enfoque de interação, traduzida em enunciação determinada pelas situações sócio-históricas em que se produzem os enunciados e pelos gêneros do discurso em circulação social (DOLZ & SCHNEUWLY,2004; MACHADO,2005; ROJO,2001) a unidade de análise passa da palavra descontextualizada para o “enunciado relativamente estável ” com seus temas, estrutura composicional e estilo (do gênero e do autor).

Essa nova unidade de análise - o gênero textual - traz novos conceitos e categorias lingüístico-discursivas emergentes no processo de análise e interpretação: gênero, dialogismo, contexto sociohistórico e ideológico de produção, dêixis, tipos de discurso e de seqüência, vozes, etc., o que traz reflexos no ensino-aprendizagem de línguas na escola, como por exemplo: a linguagem construída na escola deve ser prática significativa de produção do texto oral, indo muito além do ensino gramatical.

A socioconstrução dos gêneros, negociada na interação, deve emergir sempre de um contexto claro para o aprendiz.

Nessa perspectiva de ensino/aprendizagem, os alunos poderão compreender que tanto na produção escrita quanto na produção oral (PO) é necessário considerar o contexto e não tentar simplesmente decodificar palavras, visto que “na prática viva da língua, a consciência lingüística do locutor e do receptor nada tem a ver com o sistema abstrato, mas com a linguagem no sentido dos contextos possíveis de uso de cada forma particular.” (BAKHTIN, 1981, p.95).

Assim, ao trabalharmos com gêneros, no ensino de compreensão oral, precisamos demonstrar ao aluno o que Bakhtin (1981) considera como sujeito: como um ser social que constrói o texto. É social porque durante a produção de um enunciado, entrecruzam-se o eu com o outro, entrecruza-se também o sistema ideológico com o sistema lingüístico. A ideologia, por sua vez, se constrói na coletividade, o que implica a consideração do outro no nosso discurso.

Por isso, a análise de um texto, pode conduzir também à análise da polifonia em que se manifesta a posição dos diferentes sujeitos, das diferentes vozes sociais em relação a um determinado conteúdo temático.

Neste sentido, o trabalho com a língua oral em sala de aula precisa estar mais próximo de ações concretas em que ela se manifesta e, por sua vez, mais distanciado do abstrato que trabalha o signo como objeto isolado, como em casos de orações desvinculadas de um contexto. O signo não pode ser visto como isolado na perspectiva de ensino de gêneros, porque, se seguimos a teoria de Bakhtin (1981), percebemos que ele é móvel, mobilidade que o leva a espelhar a realidade social em que se manifesta. Para demonstrar como consideramos necessário que no ensino/aprendizagem se diferencie o ensino de língua como sistema de regras, do discurso, que se manifesta em situações concretas formatado em gêneros e dependente da situação social de produção, citamos a conceituação de enunciado colocada por Bakhtin (1997) em diferentes passagens do ensaio gêneros do discurso:

a) “O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e que termina por uma 1 Segundo os autores, a imensa variedade dos gêneros impõe que se pense a construção de capacidades de linguagem a partir da construção de progressões. Os autores optam, para isso, por um enfoque de agrupamento de gêneros.

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transferência da palavra ao outro” (p.294). Logo, ele tem a capacidade de suscitar a atitude responsiva do outro. b) “O enunciado é uma unidade real da comunicação verbal” (p.293). c)“Os enunciados sempre possuem características estruturais que lhe são comuns, e, acima de tudo, fronteiras bem delimitadas” (p.293). A partir dessas definições, compreendemos o enunciado como tendo um acabamento, como também afirma Bonini (2003), como sendo um dito (objetivação exterior, no sentido bakhtiniano) que causa uma resposta ou atitude responsiva que pode ser ainda, segundo Bakhtin (1997), ativa ou retardada, como sendo uma unidade de comunicação completa, a qual tem características estruturais comuns, sendo estas últimas as que nos permitem diferenciar um gênero de outro. Tomando como ponto de partida tais definições, é possível diferenciar com nitidez o termo enunciado do termo oração, visto que, como o próprio Bakhtin (1997, p. 297) afirma: “as pessoas não trocam orações, assim como não trocam palavras ou combinações de palavras, trocam enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua: palavras, combinações de palavras, orações…”.

É neste sentido que estudar a linguagem oral significa estudar a unidade real de comunicação, a qual se materializa por meio do enunciado. Já não basta estudar as orações, uma vez que elas nada mais são do que unidades da língua que fazem parte da construção dos enunciados. As orações precisam ser estudadas a partir de um gênero.

Nessa perspectiva, recorremos a Schneuwly & Dolz (1998/2004) que consideram os gêneros como objetos escolares. Partilhamos da idéia de que “o gênero é utilizado como meio articulador entre as práticas sociais e os objetos escolares, mas particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos” (SCHNEUWLY & DOLZ, 1999, p.5). Essa definição de gênero é bastante pertinente com a nossa prática como professores de línguas, visto que toda tarefa que nós solicitamos aos alunos, sobretudo na língua estrangeira, seja ela oral ou escrita, requer antes um insumo para que os aprendizes a realizem. Nesse caso, o gênero seria também um insumo para nossos alunos fazerem as tarefas.

Entendemos o gênero também como prática social porque as experiências humanas se realizam por meio de gêneros, dos quais os indivíduos se apropriam2 quando, segundo Dolz & Schneuwly (1999), a aprendizagem conduz à interiorização das significações de uma prática social.

Assim, estando os gêneros escolarizados presentes na vida social do aluno, a tarefa da escola é estudar e permitir aos alunos entenderem como funcionam esses gêneros no seio da vida social. Em suma, o gênero deve estar situado entre as práticas escolares porque o ensino, segundo os autores (op.cit, p.9), precisa visar ao domínio de instrumentos necessários que funcionem nas práticas de linguagem. 2 A apropriação, conforme a citação de A ideologia alemã, feita por Schneuwly (2004, p. 23), “não é senão o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. Dolz e Schneuwly (1998) explicam que o termo capacidades de linguagem refere-se ao que é necessário para a produção (ou para a compreensão) de um gênero textual em uma determinada situação de comunicação: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação), ter modelos discursivos ( capacidades discursivas) e lidar com as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas (capacidades lingüístico-discursivas).

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3.OS GÊNEROS ORAIS NOS LDS DA COLEÇÃO

O MEC e os membros da universidade que o assessoram na avaliação de LDs de língua portuguesa distribuídos pelo governo para o ensino fundamental, segundo Batista e Rojo (2003) entendem que a aversão dos alunos das séries mais avançadas em relação às práticas didáticas de ensino de língua materna se justifica pelo fato de o livro escolar para o letramento ignorar e ocultar as formas sociais orais em favor de formas escriturais. Para a avaliação dos LDs, o MEC e seus assessores incluem critérios como: a exploração das diferentes variedades da língua oral em sala de aula e seu contraste com as formas e normas da língua padrão escrita, o ensino das formas do oral formal público, à diversidade de contextos sociais de circulação e produção dos textos. Nesse sentido, entendemos ser necessário observar também se a língua espanhola está levando em consideração estes itens ao proporem o trabalho com os gêneros orais ou se está repetindo práticas feitas na língua portuguesa que já vêm sendo criticadas nas avaliações do PNLD.

Pelo número de páginas dedicadas à seção de compreensão oral nos livros da coleção analisada, constatamos que a CO está em 7º lugar. Diante desse dado, somos levados a crer que é necessário repensar o trabalho que se propõe com a oralidade nos LDs de espanhol. Isso porque se na língua portuguesa, os gêneros orais são considerados relevantes no ensino, na língua espanhola a sua relevância é ainda maior, visto que normalmente o único contato com o gênero oral que o aluno tem é o propiciado na sala de aula, com a produção oral dos alunos, do professor e dos textos gravados.

Devido a essa importância atribuída ao gênero oral, passaremos a classificar os gêneros nas seções em que eles são propostos para a realização de tarefas auditivas, assim como analisá-los de acordo com características citadas por Lopes3 (2005) como relevantes no ensino da compreensão de textos orais.

Para demonstrar os gêneros orais presentes nos LDs, organizamos as tabelas abaixo, de número 1 a 4, nas quais demonstramos o número de unidades que consta em cada LD, os gêneros presentes nas seções e se estes portam as características citadas por Lopes (2005), conforme mencionamos. Para ilustrar que possuem ruído de fundo, marcamos um X quando havia o ruído em todo o gênero, explicamos como esse ruído é apresentado quando não está presente em todo o gênero e colocamos um “não” para os gêneros que não apresentam ruído. Já para demonstrar se a gravação reflete apenas a leitura de um texto escrito, sinalizamos com um X.

Optamos por esse tipo de análise porque assim pudemos verificar se os textos orais se aproximam de modelos de gêneros que emergem em contextos de uso real, visto que em todo gênero oral, em situações concretas de uso, está presente algum ruído.

Tabela 1: O modo como os gêneros orais são apresentados no Livro 1

Unidades 1 a 6 do livro 1

Gêneros Orais

Há ruído de fundo?

A gravação reflete

apenas a leitura de um texto escrito?

3Lopes (2005) aponta como características importantes na análise de CO verificar se a gravação reflete a língua falada de forma espontânea, com ruído de fundo ou se é apenas a leitura de um texto escrito.

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Seção Sobre el texto 1.Diálogos Só no início X

1 Outros Textos auditivos da Unidade

2.Apresentação em sala de aula 3.Aula expositiva sobre o alfabeto 4.Diálogos

Só no início Não

X

X X X

Seção Sobre el texto 1.Relato de experiência vivida Só no início X 2 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Aviso a estudantes Não X

Seção Sobre el texto 1.Relato de experiência vivida Não X 3 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Diálogo Não X

Seção Sobre el texto 1.Autobiografia Não X 4 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Programa radiofônico Só no início e no final da atividade X

Seção Sobre el texto 1. Diálogo Só no início X 5 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2. Publicidade Não X

Seção Sobre el texto 1.Diálogo de compra e vendas Só no início X 6 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Anedota Não X

Tabela 2: O modo como os gêneros orais são apresentados no Livro 2

Unidades 1 a 6 do livro 2 Gêneros orais Há ruído de

fundo?

A gravação reflete

apenas a leitura de um texto escrito?

Seção Sobre el texto 1.Diálogos Só no início X 1 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2. Anúncio de emprego Não X

Seção Sobre el texto 1.Relato de experiência vivida Não X 2 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Conselho do decorador ao cliente Não X

Seção Sobre el texto 1.Diálogo Não X

3 Outro Texto Auditivo da Unidade

2.Diálogo 3.Conselho e Receita

Só a campainha da porta que

toca no meio do diálogo

Não

X

X Seção Sobre el texto 1.Texto de opinião incompleto Não X

4 Outro Texto Auditivo da Unidade 2.Diálogo em um bar Só no início da

atividade X

Seção Sobre el texto 1. Texto expositivo Não X 5

Outro Texto Auditivo da Unidade 2. Texto de opinião incompleto Não X

Seção Sobre el texto 1.Autobiografia Só no início X 6 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Texto informativo escolarizado Não X

Tabela 3: O modo como os gêneros orais são apresentados no Livro 3

Unidades 1 a 6 do livro 3 Gêneros orais Há ruído de

fundo?

A gravação reflete

apenas a

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leitura de um texto escrito?

Seção Sobre el texto 1.Diálogos Só no início X

1 Outro Texto Auditivo da Unidade 2.Texto de opinião incompleto Não X

Seção Sobre el texto 1.Diálogo No início e no meio do diálogo X

2 Outro Texto Auditivo da Unidade 2.Folheto turístico Não X

Seção Sobre el texto 1.Diálogo Não X 3 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Instrução/Conselho Não X

Seção Sobre el texto 1.História para conversar Só no início X 4 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Normas de circulação Não X

Seção Sobre el texto 1. Carta Não X 5 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2. Instrução Não X

Seção Sobre el texto 1.Entrevista de emprego Não X 6 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Comentário Não X

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Tabela 4: O modo como os gêneros orais são apresentados no Livro 4

Unidades 1 a 6 do livro 4 Gêneros orais Há ruído de

fundo?

A gravação reflete

apenas a leitura de um texto escrito?

Seção Sobre el texto 1.Texto de opinião incompleto Não X 1 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Texto expositivo Não X

Seção Sobre el texto 1. Pesquisa sobre o papel da televisão Não X

2 Outro Texto Auditivo da Unidade

2.Texto de opinião traduzido e adaptado Não X

Seção Sobre el texto 1. Texto dissertativo escolarizado Não X 3 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Texto de opinião incompleto Não X

Seção Sobre el texto 1.Folheto explicativo Não X 4 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Documentário Não X

Seção Sobre el texto 1.Fragmento de romance policial Não X 5 Outro Texto Auditivo da

Unidade 2.Instrução Não X

Seção Sobre el texto 1.Diálogo(Fragmento de uma novela) Não X

6 Outro Texto Auditivo da Unidade 2.Folheto turístico Não X

Como podemos ver nas tabelas acima, a compreensão oral é proposta em dois

momentos nos livros da coleção: no primeiro momento é proposto na seção Sobre el texto a atividade auditiva do mesmo gênero que é proposto para leitura, e no segundo momento é apresentado um outro texto auditivo na seção de CO.

Como resultados podemos apontar que: I) de 14 gêneros orais presentes no LD 1, apenas em 50% deles está presente o ruído de fundo em algum momento em que o gênero é apresentado; II) de 13 gêneros orais presentes no LD 2, somente em 30% deles está presente o ruído de fundo em algum momento do texto auditivo; III) de 12 gêneros orais presentes no LD3, o ruído de fundo está presente em apenas 25%; IV) de 12 gêneros orais presentes no LD 4, em nenhum está presente o ruído de fundo.

Quanto o tipo de gravação, podemos afirmar que 100% dos gêneros, pertencentes aos quatro livros da coleção, refletem apenas a leitura de um texto escrito.

Esses dados demonstram que a concepção de trabalho com os gêneros orais nos LDs é estruturalista e baseada no método audiolingual de ensino, em que basta que o aluno repita a informação apresentada para saber produzir um outro gênero oral, em que apenas se trabalha a forma da língua e não a real construção do texto oral.

Assim, os alunos, ao se depararem com situações reais de uso da língua espanhola, correm o risco de não saber agir adequadamente através do gênero porque nestas situações não pronunciamos textos como se estivéssemos lendo e nem produzimos enunciados em situações de silêncio absoluto, como podemos ver em 72% dos gêneros apresentados na tabela em que o ruído de fundo não faz parte da gravação.

4. AS ATIVIDADES DE COMPREENSÃO ORAL

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Para demonstrar o trabalho com a compreensão oral proposta pelos LDs, utilizamos os critérios 1, 2 e 3 expostos nas tabelas abaixo, adotados pelos assessores do PNLD/2002, conforme citamos anteriormente, para a avaliação da oralidade em LDs de LP; e os critérios 4 e 5, citados e adotados por Lopes (2005) em sua pesquisa, acompanhado das respostas que obtivemos a partir da análise das atividades de CO: Tabela 5: Critérios para avaliação de atividade oral e análise Critérios O que demonstra a análise 1. Nas atividades de CO, há especificações ou esclarecimento do tipo de variante do texto oral (peninsular ou hispano-americano)?

Não. O ensino é padronizado nessa seção quanto à variante e não há especificação de que variante está presente no texto.

2.As atividades propõem um contraste das formas do gênero oral com as formas e normas da língua padrão escrita?

Não. Em nenhuma atividade há explicitação das diferenças entre as formas da língua utilizadas na textualização dos gêneros orais e dos gêneros escritos segundo as normas da língua padrão escrita.

3.Há referência à diversidade de contextos sociais de circulação do gênero oral?

Não. As atividades auditivas não privilegiam esse tipo de questionamento. Isso significa que os gêneros orais não são concebidos como práticas sociais.

4.A partir das atividades de CO que aparecem no LD são propostas atividades de PO?

Não. As atividades de CO são apenas usadas para os alunos ouvirem o texto e depois responderem as perguntas sobre o mesmo na seção de interpretação que é rotulada no LD “Sobre el texto”.

5.A gravação reflete a língua falada de forma espontânea, com ruído de fundo ou é apenas a leitura de um texto escrito?

O ruído de fundo existe, porém somente no início do texto e às vezes no final. Após isso, a gravação passa a impressão de que se está lendo o texto ou de que é um texto fabricado para essa ocasião.

Observando o quadro acima, constatamos a necessidade de os LDs de espanhol

explorarem, através de exercícios de CO, as variantes (hispano-americana ou espanhol peninsular presentes nos textos auditivos. Nas atividades propostas a partir deles, faltam esclarecimentos sobre o tipo de variante presente na textualização. Por essas variantes não serem enfocadas, os LDs deixam de promover a conscientização de que uma variante hispano-americana ou do espanhol peninsular pode ser empregada em contextos específicos. Desse modo, o aluno não é levado a lançar o olhar sobre o contexto no qual o agente produtor do texto faz as escolhas particulares sobre os mecanismos de textualização que vai empregar. Isso indica que o trabalho proposto pelos LDs nesta seção não se aproxima da concepção de linguagem sociointeracionista e não concebe os gêneros textuais como práticas sociais.

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Assim, as tarefas auditivas propostas pelos LDs, a nosso ver, poderiam ser melhor elaboradas, porque embora algumas privilegiem seções de escuta em contextos públicos – como, por exemplo, uma atividade sobre um programa de rádio, presente na unidade quatro do livro 1, que poderia propiciar o desenvolvimento de capacidades de linguagem — esse tipo de atividade não é sempre proposta, o que é lamentável, pois é um dos exercícios que põe o aluno em contato com situações de interação mais próximas da realidade. Esse tipo de atividade, no entanto, está apoiada na abordagem audiolingual, em que o aluno ouve e repete o que ouviu marcando um x na resposta correta. Trata-se de um método que surgiu como necessidade dos soldados, que iam participar da Segunda Guerra Mundial, de aprenderem as línguas estrangeiras. No entanto, hoje o trabalho didático com a oralidade não serve para que o aprendiz seja capaz de repetir informações, estruturas sintáticas, mas sim é necessário que ele seja capaz de posicionar-se e expressar-se diante das diferentes situações de interação.

Nesse sentido, o que nos chama a atenção é o fato de que, o aluno, embora esteja tendo a oportunidade de ouvir textos mais próximos da realidade de um nativo da língua espanhola, ao fazer a tarefa proposta pelo livro, basta que se limite a repetir o que ouviu, não sendo provocado para refletir sobre acontecimentos e valores da sociedade em que o texto foi produzido e que atuaram como coerções sociais para o enunciador agir de uma forma particular, não sendo levados assim, a observar a variante de língua utilizada em E/LE, em um determinado contexto.

Nesse eixo de ação, não há necessidade de inferir sobre o contexto em que foi produzida aquela ação de linguagem, visto que as atividades mais comuns de CO são escrever as respostas das perguntas feitas sobre o texto ou completar lacunas de textos. Assim, o trabalho com o léxico espelha o ensino a nível frasal, não apontado como suficiente segundo as palavras de Bakhtin (1997), visto que o autor deixa explícito que nas interações verbais não nos comunicamos pelas palavras, mas pelos enunciados. Exercícios como esses somente podem permitir ao aluno mobilizar o seu conhecimento lingüístico superficialmente, uma vez que apenas precisa localizar as informações apresentadas pelo texto. Isso demonstra que as atividades de CO dos LDs não desenvolvem capacidades de ação no aluno de E/LE porque não levam o aluno a refletir sobre o valor que cada uma das unidades lingüísticas assume no texto e porque a identificação desse valor é indispensável para a interpretação adequada dos diferentes mecanismos postos em ação no texto.

Os exercícios de CO não explicitam ainda as diferenças entre as formas mobilizadas em gêneros orais, contrastando-os com as formas dos gêneros escritos. Esse tipo de trabalho poderia ser sugerido pelos LDs para que os alunos pudessem ir familiarizando-se com as diferenças significativas entre as duas modalidades de interação.

Além disso, constatamos a necessidade de os LDs de espanhol levarem em consideração os contextos sociais em que circulam os gêneros orais propostos para a audição, visto que o contexto é considerado por Bakhtin (1997) um dos parâmetros da situação imediata de comunicação. Assim, quando os aprendizes ouvem o material gravado, eles precisam estar atentos ao momento em que o texto é produzido, assim como o lugar de produção daquele gênero. Esse contexto de circulação do gênero é também determinante para as escolhas temáticas, lexicais, inserção de vozes etc.

O trabalho realizado como o material gravado a partir de atividades de compreensão oral (CO), não se caracteriza como um exercício que coloca o aluno como se estivesse presenciando uma situação real de uso da língua e por isso, o ensino de

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gêneros orais na coleção não pode ser entendido como práticas sociais. Para trabalhar as práticas sociais com os alunos, os exercícios de CO nos LDs precisariam propor atividades de PO a partir das tarefas de CO. Nesse caso, as atividades de CO funcionariam como insumo para os alunos produzirem oralmente seus textos, refletindo sobre o contexto de produção e os mecanismos de textualização empregados.

Embora a tarefa de audição na língua estrangeira é sempre muito bem-vinda porque os alunos têm a oportunidade de estar mais tempo em contato com os sons da língua representados por falantes nativos, julgamos necessário que esse tipo de tarefa tente aproximar o aluno de situações mais concretas de uso da língua para que os aprendizes tenham a oportunidade de ver exatamente como se dá a comunicação oral em situações cotidianas de interação, onde outros ruídos intervêm, outros interlocutores aparecem, etc. Isso os ajudaria a preparar-se para as diferentes situações de uso da língua oral com as quais estão sujeitos a defrontar-se.

Em suma, as atividades solicitadas nas seções, a partir dos gêneros orais, não desenvolvem a capacidade de o aluno agir pela linguagem, uma vez que o aluno não precisa apoiar-se em seu conhecimento de mundo para fazer a atividade. Se o aluno precisasse usar o seu conhecimento prévio sobre os gêneros para fazer as atividades e se questões sobre o contexto de produção dos textos fossem trabalhadas, o trabalho com a CO seria mais bem explorado. Poderia ainda ser realizado um trabalho menos superficial, se a escola mostrasse as dimensões constitutivas específicas de cada gênero oral, as determinadas características implicadas no uso dos enunciados, assim como as escolhas lexicais, pois apesar de entendermos que o gênero apresenta características “estáveis” ( forças de concentração, ainda que constantemente ameaçadas pelas forças de expansão e inovação, segundo Bakhtin (1981), os gêneros precisam ser concebidos como objetos de ensino como propõem Dolz & Schneuwly (2004).

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto nesse trabalho, podemos afirmar que os LDs empregados pelos alunos estagiários nas escolas de nossa cidade, em que se ensina espanhol, não compreendem os gêneros textuais orais como práticas sociais e por isso não preparam os alunos para agirem eficientemente pela linguagem em situações sociais diferenciadas. O trabalho proposto pelos livros, com os gêneros orais no ensino de língua espanhola, concebe a produção de textos orais como repetição de informações, o que está longe de preparar o aluno para as situações efetivas de interação.

Por essa razão, a contribuição que gostaríamos de deixar a essa pesquisa é a sugestão de que os professores suplementem o trabalho com os gêneros orais propondo atividades que concebam essa modalidade de gênero como prática social.

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