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As aventuras de Tintin au Congo se inscrevem numa série de histórias em quadrinhos produzidas por Georges Prosper Remi (1907-1983), vulgo Hergé, a partir de 1929. A representação do Congo e de suas gentes revela ideias e valores vazados nos moldes do pensamento colonial do período entre-guerras. Assim como na França e em Portugal, a reforma do colonialismo na Bélgica foi tema polêmico nas décadas de 1920 e 30. A partir da seleção de alguns temas abordados nas aventuras de Tintin no Congo, como alteridade e racismo, a exposição O colonialismo enquadrado numa história em quadrinhos apresenta um conjunto de análises de aspectos diversos do colonialismo por meio de suportes da história visual. O jovem repórter Tintin desempenhou vários papéis durante as suas aventuras pela África central. Foi caçador, cinegrafista, detetive, mediador e valeu-se de técnicas e saberes ocidentais em vários casos, inclusive deu aula numa estação missionária, combateu o suposto atraso dos africanos. Logrou desbaratar a infiltração mafiosa de uma quadrilha no Congo belga, enfrentando estrangeiros e nativos que ameaçavam a ordem colonial. Com rasgos de racismo e recorrendo a caricaturas dos africanos e a vários estereótipos do imaginário colonial, as aventuras de Tintin no Conto podem servir de fonte histórica para uma interpretação crítica das relações euro-africanas nos quadros do colonialismo. Após a sua publicação no suplemento do jornal belga Le Vingtième Siècle, entre junho de 1930 a junho de 1931, Tintin au Congo foi publicado pela Editora Casterman em 1946. Desde então, houve várias edições em diversas línguas. LEHAf Laboratório de Estudos em História da África UFSC - Campus Universitário Trindade 88040-900 Florianópolis - SC Brasil http://lehaf.paginas.ufsc.br Nas aventuras de Tintin no Congo, o protagonista tem por coadjuvante, entre outros, um menino chamado Coco e que personifica a figura do boydo colonizador branco. Desvinculado de laços familiares, o menino deve seguir Tintin como seu aprendiz e, ao mesmo tempo, lhe prestar serviços cujo pagamento parece ser as aulas de civilização. O modo de elaboração do enredo é cômico, sendo a sua implicação ideológica de cariz conservador. Após a reconciliação, a última cena tem por desfecho a nova ordem (colonial). A cena final traduz uma projeção ideal do colonialismo belga no Congo. As vidas de homens e mulheres, de idosos, adultos e crianças são pautadas pelas ações da personificação heróica do ser colonial. A idolatria em torno das figuras de Tintin e Milou acusa uma representação racista dos africanos e que teve desdobramentos na discussão do devir colonial do período entre-guerras. Capa do encarte do suplemento Le Petit Vingtième (22 a 29 de maio de 1930) anunciando para a próxima semana a nova aventura de Tintin e Milou. Tintin no Congo O colonialismo enquadrado numa história em quadrinhos

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As aventuras de Tintin au Congo se inscrevem numa

série de histórias em quadrinhos produzidas por

Georges Prosper Remi (1907-1983), vulgo Hergé, a

partir de 1929. A representação do Congo e de suas

gentes revela ideias e valores vazados nos moldes do

pensamento colonial do período entre-guerras. Assim

como na França e em Portugal, a reforma do

colonialismo na Bélgica foi tema polêmico nas décadas

de 1920 e 30.

A partir da seleção de alguns temas abordados nas

aventuras de Tintin no Congo, como alteridade e

racismo, a exposição O colonialismo enquadrado numa

história em quadrinhos apresenta um conjunto de

análises de aspectos diversos do colonialismo por meio

de suportes da história visual.

O jovem repórter Tintin desempenhou vários papéis

durante as suas aventuras pela África central. Foi

caçador, cinegrafista, detetive, mediador e valeu-se de

técnicas e saberes ocidentais em vários casos, inclusive

deu aula numa estação missionária, combateu o suposto

atraso dos africanos. Logrou desbaratar a infiltração

mafiosa de uma quadrilha no Congo belga, enfrentando

estrangeiros e nativos que ameaçavam a ordem colonial.

Com rasgos de racismo e recorrendo a caricaturas dos

africanos e a vários estereótipos do imaginário colonial,

as aventuras de Tintin no Conto podem servir de fonte

histórica para uma interpretação crítica das relações

euro-africanas nos quadros do colonialismo.

Após a sua publicação no

suplemento do jornal belga Le

Vingtième Siècle, entre junho de

1930 a junho de 1931, Tintin au

Congo foi publicado pela

Editora Casterman em 1946.

Desde então, houve várias

edições em diversas línguas.

LEHAf

Laboratório de Estudos em História da África

UFSC - Campus Universitário

Trindade88040-900 Florianópolis - SC –

Brasil

http://lehaf.paginas.ufsc.br

Nas aventuras de Tintin no Congo, o protagonista tem por

coadjuvante, entre outros, um menino chamado Coco e que

personifica a figura do “boy” do colonizador branco.

Desvinculado de laços familiares, o menino deve seguir Tintin

como seu aprendiz e, ao mesmo tempo, lhe prestar serviços

cujo pagamento parece ser as “aulas de civilização”. O modo de elaboração do

enredo é cômico, sendo a sua

implicação ideológica de cariz

conservador. Após a

reconciliação, a última cena

tem por desfecho a nova

ordem (colonial). A cena final

traduz uma projeção ideal do

colonialismo belga no Congo.

As vidas de homens e mulheres,

de idosos, adultos e crianças

são pautadas pelas ações da

personificação heróica do ser

colonial. A idolatria em torno

das figuras de Tintin e Milou

acusa uma representação

racista dos africanos e que teve

desdobramentos na discussão

do devir colonial do período

entre-guerras.

Capa do encarte do

suplemento Le Petit Vingtième

(22 a 29 de maio de 1930)

anunciando para a próxima

semana a nova aventura de

Tintin e Milou.

Tintin no Congo O colonialismo enquadrado

numa história em quadrinhos