os fundamentos da filosofia - gilberto cotrim

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  • IndicePREFCIO...........................................................................................................................................4PRIMEIRA PARTE..............................................................................................................................6OS PROBLEMAS FILOSFICOS......................................................................................................6

    INTRODUO...............................................................................................................................6I. Por que devemos estudar a filosofia?................................................................................7II. O estudo da filosofia uma coisa difcil?.........................................................................7III. O que a filosofia?..........................................................................................................7IV. O que a filosofia materialista?.......................................................................................8V. Quais so as relaes entre o materialismo e o marxismo?...............................................8VI. Campanhas da burguesia contra o marxismo...................................................................9

    CAPTULO PRIMEIRO................................................................................................................10O PROBLEMA FUNDAMENTAL DA FILOSOFIA................................................................10

    I. Como devemos comear o estudo da filosofia?...............................................................11II. Duas maneiras de explicar o mundo................................................................................11III. A matria e o esprito......................................................................................................11IV. O que a matria? O que o esprito?...........................................................................11V. A pergunta ou o problema fundamental da filosofia.......................................................12VI. Idealismo ou materialismo............................................................................................12

    CAPITULO II................................................................................................................................14O IDEALISMO..............................................................................................................................14

    I. Idealismo moral e idealismo filosfico.............................................................................15II. Por que devemos estudar o idealismo de Berkeley?.......................................................15III. O idealismo de Berkeley................................................................................................16IV. Consequncias dos raciocnios idealistas.......................................................................18V. Os argumentos idealistas................................................................................................18

    1. O esprito cria a matria...................................................................................................182. O mundo no existe fora do nosso pensamento...............................................................193. So as nossas ideias que criam as coisas..........................................................................19

    CAPTULO III...............................................................................................................................19O MATERIALISMO....................................................................................................................19

    I. Por que devemos estudar o materialismo?.......................................................................20II. De onde vem o materialismo?.........................................................................................20III. Como e porqu evoluiu o materialismo.........................................................................20IV. Quais so os princpios e os argumentos materialistas?................................................21

    1. Que a matria que produz o esprito,.............................................................................222. Que a matria existe fora de todo o esprito.....................................................................223. Que somos capazes de conhecer o mundo.......................................................................22

    CAPTULO IV.............................................................................................................................22QUEM TEM RAZO, O IDEALISMO OU O MATERIALISMO?......................................22

    I. Como devemos pr o problema.......................................................................................23II. verdade que o mundo existe apertas no nosso pensamento?.......................................23III. verdade que so as nossas ideias que criam as coisas?...............................................24IV. verdade que o esprito cria a matria?.........................................................................25V. Os materialistas tm razo, e a cincia prova as suas afirmaes...................................26

    CAPTULO V................................................................................................................................26H UMA TERCEIRA FILOSOFIA? O AGNOSTICISMO...................................................26

    I. Porqu uma terceira filosofia?.........................................................................................27II. Argumentao desta terceira filosofia.............................................................................27III. De onde vem esta filosofia?...........................................................................................28IV. As suas consequncias...................................................................................................28

  • V. Como refutar esta terceira filosofia?............................................................................29VI. Concluso.......................................................................................................................30

    SEGUNDA PARTE..........................................................................................................................31O MATERIALISMO FILOSFICO..............................................................................................31

    CAPTULO PRIMEIRO................................................................................................................32A MATRIA E OS MATERIALISTAS....................................................................................32

    I. O que a matria?............................................................................................................32II. Teorias sucessivas da matria..........................................................................................32III. O que a matria para os materialistas..........................................................................33IV. O espao, o tempo, o movimento e a matria...............................................................34V. Concluso........................................................................................................................35

    CAPTULO II...............................................................................................................................35QUE SIGNIFICA SER MATERIALISTA?...................................................................................35

    I. Unio da teoria e da prtica.............................................................................................36II. Que significa ser adepto do materialismo, no domnio do pensamento?.......................36III. Como se materialista na prtica? ...............................................................................37

    1. Primeiro aspecto da questo.............................................................................................372. Segundo aspecto da questo.............................................................................................38

    IV. Concluso.......................................................................................................................39CAPTULO III..............................................................................................................................39HISTRIA DO MATERIALISMO............................................................................................39

    I. Necessidade de estudar essa histria................................................................................39II. O materialismo pr-marxista. .........................................................................................40

    1. A antiguidade grega........................................................................................................402. O materialismo ingls.......................................................................................................413. O materialismo em Frana...............................................................................................424. O materialismo do sculo XVIII....................................................................................43

    III. De onde vem o idealismo?.............................................................................................44IV. De onde vem a religio?.................................................................................................45V. Os mritos do materialismo pr-marxista........................................................................46VI. Os defeitos do materialismo pr-marxista.....................................................................46

    TERCEIRA PARTE..........................................................................................................................49ESTUDO DA METAFSICA.........................................................................................................49

    CAPTULO NICO.....................................................................................................................50EM QUE CONSISTE O MTODO METAFSICO.............................................................50

    I. Os carcteres deste mtodo.............................................................................................501. Primeiro carcter do mtodo metafsico: O princpio de identidade................................512. Segundo carcter da mtodo metafsico: Isolamento das coisas. ....................................523. Terceiro carcter: Divises eternas e intransponveis......................................................534. Quarto carcter: Oposio das contrrias.........................................................................53

    II. Ajustagem.......................................................................................................................54III. A concepo metafsica da natureza...............................................................................55IV. A concepo metafsica da sociedade.............................................................................55V. A concepo metafsica do pensamento..........................................................................56VI. O que a lgica?............................................................................................................57VII A explicao da palavra: metafsica..........................................................................58

    QUARTA PARTE.............................................................................................................................59ESTUDO DA DIALCTICA.........................................................................................................59

    CAPITULO PRIMEIRO...............................................................................................................60INTRODUO AO ESTUDO DA DIALCTICA..................................................................60

    I. Precaues preliminares..................................................................................................60II. De onde nasceu o mtodo dialctico?.............................................................................61

  • III. Por que foi a dialctica, durante muito tempo, dominada pela concepo metafsica?.62IV. Por que era metafsico o materialismo do sculo XVlll?...............................................62V. Como nasceu o materialismo dialctico: Hegel e Marx..................................................63

    CAPITULO II...............................................................................................................................65AS LEIS DA DIALCTICA.........................................................................................................65PRIMEIRA LEI: A MUDANA DIALCTICA..........................................................................65

    I. O que se entende pelo movimento dialctico..................................................................65II. Para a dialctica, no h nada de definitivo, de absoluto, de sagrado.........................66III. O processo......................................................................................................................67

    CAPTULO III..............................................................................................................................68SEGUNDA LEI: A ACO RECPROCA................................................................................68

    I. O encadeamento dos processos.......................................................................................68II. As grandes descobertas do sculo XX.............................................................................70

    1. A descoberta da clula viva e do seu desenvolvimento....................................................702. A descoberta da transformao da energia.......................................................................703. A descoberta da evoluo no homem e nos animais........................................................70

    III. O desenvolvimento histrico ou em espiral....................................................................71IV. Concluso......................................................................................................................71

    CAPITULO IV ............................................................................................................................72TERCEIRA LEI: A CONTRADIO.......................................................................................72

    I. A vida e a morte................................................................................................................73II. As coisas transformam-se na sua contrria......................................................................73III. Afirmao, negao e negao da negao....................................................................75IV. Recapitulemos................................................................................................................77V. A unidade das contrrias..................................................................................................77VI. Erros a evitar..................................................................................................................78VII. Consequncias prticas da dialctica............................................................................79

    CAPTULO V...............................................................................................................................80QUARTA LEI: TRANSFORMAO DA QUANTIDADE EM QUALIDADE OU LEI DO PROGRESSO POR SALTOS......................................................................................................80

    I. Reformas ou revoluo?....................................................................................................811. A argumentao poltica...................................................................................................812. A argumentado histrica...................................................................................................813. A argumentao cientfica................................................................................................82

    II. O materialismo histrico.................................................................................................831. Como explicar a histria?.................................................................................................832. A histria obra dos homens............................................................................................83

    QUINTA PARTE .............................................................................................................................86O MATERIALISMO HISTRICO....................................................................................................86

    CAPTULO PRIMEIRO...............................................................................................................86AS FORAS MOTRIZES DA HISTRIA..................................................................................86

    I. Um erro a evitar................................................................................................................86II. O ser social e a conscincia.........................................................................................87III. Teorias idealistas............................................................................................................87IV. O ser social e as condies de existncia...................................................................87V. As lutas das classes, motor da histria.............................................................................88

    CAPTULO II...............................................................................................................................90DE ONDE VM AS CLASSES E AS CONDIES ECONMICAS?..................................90

    I. Primeira grande diviso do trabalho.................................................................................90II. Primeira diviso da sociedade em classes.......................................................................91III. Segunda grande diviso do trabalho..............................................................................91IV. Segunda diviso da sociedade em classes......................................................................91

  • V. O que determina as condies econmicas....................................................................92VI. Os modos de produo,..................................................................................................92VII. Observaes..................................................................................................................93

    SEXTA PARTE...................................................................................................................................95O MATERIALISMO DIALCTICO E AS IDEOLOGIAS..............................................................95

    CAPTULO NICO......................................................................................................................95APLICAO DO MTODO DIALCTICO S IDEOLOGIAS...............................................95

    I. Qual a importncia das ideologias para o marxismo?....................................................95II. O que uma ideologia? (Factor e formas ideolgicos.)..................................................96III. Estrutura econmica e estrutura ideolgica...................................................................96IV. Conscincia verdadeira e conscincia falsa...................................................................97V. Aco e reaco dos factores ideolgicos........................................................................98VI. Mtodo de anlise dialctica..........................................................................................99VII. Necessidade da luta ideolgica...................................................................................100VII. Necessidade da luta ideolgica...................................................................................100VIII. Concluso..................................................................................................................101

    NDICE ALFABTICO DOS NOMES CITADOS........................................................................103

  • PREFCIO

    Este manual elementar transcreve as notas tomadas por um dos alunos de Georges Politzer nos cursos por ele professados na Universidade Operria, no ano escolar de 1935-36. Para, a propsito, compreender o seu carcter e alcance, necessrio precisar, em primeiro lugar, o objectivo e o mtodo do nosso mestre.

    Sabe-se que a Universidade Operria fora fundada em 1932 por um pequeno grupo de professores, para ensinar a cincia marxista aos trabalhadores manuais, dando-lhes um mtodo de raciocnio que lhes permitisse compreender o nosso tempo, e orientando a sua aco, tanto na sua tcnica, como no domnio poltico e social.

    Desde o incio, Georges Politzer encarregou-se de ensinar na Universidade Operria a filosofia marxista, o materialismo dialctico: tarefa tanto mais necessria, uma vez que o ensino oficial continuava a ignorar ou a reproduzir inexactamente esta filosofia.

    Nenhum dos que tiveram o privilgio de assistir a tais cursos - ele falava, em cada ano, para um numeroso auditrio, onde se misturavam todas as idades e profisses, mas predominavam os jovens operrios - esquecer a profunda impresso que todos experimentavam em frente desse grande rapaz ruivo, to entusiasta e sbio, to conscencioso e fraterno, to aplicado em pr ao alcance de um pblico inexperiente uma matria rida e ingrata.

    A sua autoridade impunha ao curso uma disciplina agradvel, que sabia ser severa, mas permanecia sempre justa, e desprendia-se da sua pessoa uma tal fora de vida, um tal brilho, que era admirado e amado por todos os alunos.

    Para melhor se fazer compreender, Politzer comeava por suprimir do seu vocabulrio toda a gria filosfica, todos os termos tcnicos que s os iniciados podem entender. S desejava empregar palavras simples e conhecidas de todos. Quando era obrigado a utilizar um termo especial, no deixava de o explicar demoradamente, atravs de exemplos familiares. Se, nas discusses, algum dos seus alunos empregava termos eruditos, repreendia-o e troava dele com aquela ironia mordaz que todos os que o contactaram bem conheciam.

    Queria ser simples e claro, e fazia sempre apelo ao bom-senso, sem, contudo, jamais sacrificar algo da exactido e da verdade das ideias e teorias que expunha. Sabia tornar os seus cursos extremamente vivos, fazendo participar o auditrio em discusses, antes e depois da lio. Eis como procedia: no final de cada lio, dava o que ele chamava um ou dois temas de controlo; tinham por objecto resumir a lio, ou aplicar o seu contedo a qualquer assunto particular. Os alunos no eram obrigados a abordar o tema, mas muitos eram os que se obrigavam a isso, e traziam um trabalho escrito no incio do curso seguinte. Perguntava, ento, quem tinha feito o trabalho; levantvamos a mo, e ele escolhia alguns de entre ns para ler o nosso texto e complet-lo, sendo preciso, com explicaes orais. Politzer criticava ou felicitava, e provocava entre os alunos uma breve discusso; depois, conclua, extraindo dela ensinamentos. Esta durava cerca de meia hora, e permitia aos que tinham faltado ao curso anterior preencher a lacuna e fazer a ligao com o que tinham aprendido anteriormente; isto permitia tambm ao professor verificar em que medida fora compreendido; insistia, em caso de necessidade, nos pontos delicados ou obscuros.

    Comeava, ento, a lio do dia, que durava cerca de uma hora; depois, os alunos faziam perguntas sobre o que acabava de ser dito. Tais perguntas eram geralmente interessantes e judiciosas; Politzer aproveitava para fornecer elementos necessrios e retomar o essencial do curso, sob um ngulo diferente.

    Georges Politzer, que tinha um conhecimento aprofundado da sua matria e uma inteligncia de uma admirvel maleabilidade, preocupava-se, antes de mais, com as reaces do seu auditrio. Tirava, de vez em quando, a temperatura geral, e verificava, constantamente, o grau de assimilao dos alunos. Deste modo, era seguido por eles com um interesse apaixonado. Contribuiu para a formao de milhares de militantes, e, deles, muitos so os que hoje ocupam lugares de responsabilidade.

  • Ns, que compreendamos o valor desse ensino e pensvamos em todos os que no o podiam ouvir, particularmente nos nossos camaradas de provncia, desejvamos publicar os seus cursos. Ele prometia pensar nisso, mas, no meio do seu imenso trabalho, nunca encontrava tempo para realizar tal projecto.

    Foi ento que, no decurso do meu segundo ano de filosofia na Universidade Operria, onde fora criado um curso superior, tive ocasio de pedir a Politzer para me corrigir os trabalhos, e lhe entreguei novamente, a seu pedido, os meus cadernos de curso. Achou que estavam bem feitos, e propuz-lhe redigir, a partir dos meus apontamentos, as lies do curso elementar. Encorajou-me a isso, prometendo-me rev-las e corrigi-las. Infelizmente, no encontrou tempo para tal. Sendo as suas ocupaes cada vez mais rduas, deixou o curso superior de filosofia ao nosso amigo Ren Maublanc. Pus este ao corrente dos nossos projectos, e pedi-lhe para rever as primeiras lies que tinha redigido. Aceitou solicitamente, incitando-me a acabar esse trabalho, que devamos, depois, apresentar a Georges Politzer. Mas veio a guerra: Politzer devia encontrar uma morte herica na luta contra a ocupao hitlariana.

    Embora o nosso professor j no estivesse entre ns para ultimar um trabalho que tinha aprovado e encorajado, julgmos til public-lo, com base nos meus apontamentos.

    Georges Politzer, que iniciava todos os anos o seu curso de filosofia na Universidade Operria fixando o verdadeiro sentido da palavra materialismo, e protestando contra as deformaes caluniosas a que alguns a sujeitam, recordava energicamente que ao filsofo materialista no falta ideal, e que est pronto a combater para o fazer triunfar. Soube, a partir de ento, prov-lo pelo seu sacrifcio, e a sua morte herica ilustra esse curso inicial, em que afirmava a unio, no marxismo, da teoria e da prtica. No intil insistir sobre esta dedicao a um ideal, esta abnegao e este alto valor moral, numa poca em que, de novo, se ousa apresentar o marxismo como uma doutrina que faz do homem uma mquina, ou um animal apenas superior ao gorila ou ao chimpanz (Sermo de quaresma em Notre-Dame de Paris, pronunciado, em 18 de Fevereiro de 1945, pelo rev. padre Panici).

    No protestaremos nunca bastante contra tais ultrajes memria dos nossos camaradas. Recordamos somente queles que tm a audcia de os proferir o exemplo de Georges Politzer, de Gabriel Pri, de Jacques Solomon, de Jacques Decour, que eram marxistas e ensinavam na Universidade Operria de Paris: todos bons camaradas, simples, generosos, fraternos, que no hesitavam em consagrar uma boa parte de seu tempo, vindo a um bairro perdido ensinar aos operrios a filosofia, a economia poltica, a histria ou as cincias.

    A Universidade Operria foi dissolvida em 1939. Reapareceu, no dia seguinte Libertao, sob o nome de Universidade Nova. Uma nova equipa de professores devotados, fazendo a rendio dos que tombaram, veio dar continuidade obra interrompida.

    Nada nos pode encorajar mais nesta tarefa essencial do que render homenagem a um dos fundadores e animadores da Universidade Operria, e nenhuma nos parece mais justa e til do que publicar os Princpios elementares de filosofia de Georges Politzer.

    Maurice LE GOAS

  • PRIMEIRA PARTE

    OS PROBLEMAS FILOSFICOS

    INTRODUO

    I. Por que devemos estudar a filosofia? II. O estuda da filosofia uma coisa difcil?III. O que a filosofia?IV. O que a filosofia materialista?V. Quais so as relaes entre o materialismo e o marxismo?VI. Campanhas da burguesia contra o marxismo.

    I. Por que devemos estudar a filosofia?

    Propomo-nos, no decurso desta obra, apresentar e explicar os princpios elementares da filosofia materialista.Porqu? Porque o materialismo est intimamente ligado a uma filosofia e a um mtodo: os do materialismo dialctico. , pois, indispensvel estudar essa filosofia e esse mtodo, para na verdade compreender o marxismo e refutar os argumentos das teorias burguesas, assim como para empreender uma luta poltica eficaz.

    Com efeito, Lenine disse: Sem teoria revolucionria, no h movimento revolucionrio1. Isto quer dizer, antes de mais: preciso juntar a teoria prtica.

    O que a prtica? o acto de realizar. Por exemplo, a indstria, a agricultura realizam (isto : tornam reais) certas teorias (teorias qumicas, fsicas ou biolgicas).

    O que a teoria? o conhecimento das coisas que queremos realizar.

    Pode ser-se apenas prtico - mas, ento, realiza-se por rotina. Pode ser-se apenas terico - mas, ento, o que se concebe muitas vezes irrealizvel. preciso, portanto, que haja ligao entre a teoria e a prtica. A questo saber quais devem ser essa teoria e a sua ligao com a prtica. Pensamos que necessrio ao militante operrio um mtodo de anlise e de raciocnio justo para poder realizar uma aco revolucionria justa. Que lhe preciso um mtodo que no seja um dogma, dando-lhe solues acabadas, mas um mtodo que tenha em conta factos e circunstncias que nunca so os mesmos, um mtodo que nunca separe a teoria da prtica, o raciocnio da vida. Ora, esse mtodo est contido na filosofia do materialismo dialctico, base do marxismo, que nos propomos explicar.

    II. O estudo da filosofia uma coisa difcil?

    Pensa-se, geralmente, que o estudo da filosofia , para os operrios, uma coisa cheia de dificuldades, necessitando conhecimentos especiais. preciso confessar que a maneira como esto redigidos os manuais burgueses tem a inteno de os levar a pensar desse modo, e no pode seno aborrec-los. No pensamos negar as dificuldades que o estudo, em geral, comporta, e o filosofia, em particular; mas estas dificuldades so perfeitamente superveis, e ocorrem, sobretudo, pelo facto de se tratar de coisas novas para muitos dos nossos leitores.

    Desde o incio, vamos, por outro lado, precisando as coisas, cham-los a rever certas definies de palavras que esto deturpadas na linguagem corrente.

    1 LNTNE: QUE fazer?, Obras Escolhidas de Lnine em trs Tomos, Ed. Avante 1977, Tomo I, pag. 79-214

  • III. O que a filosofia?

    Vulgarmente, entende-se por filsofo: ou quele que vive nas nuvens, ou o que toma as coisas pelo lado bom, aquele que nada faz. Ora, muito ao contrrio, o filsofo aquele que quer, a certas perguntas, dar respostas precisas, e, se se considerar que a filosofia quer dar uma explicao aos problemas do universo (de onde vem o mundo? para onde vamos? etc), v-se, por conseguinte, que o filsofo se ocupa de muitas coisas, e, ao contrrio do que dizem, trabalha muito.

    Diremos, portanto, para definir a filosofia, que ela quer explicar o universo, a natureza, que o estudo dos problemas mais gerais. Os menos gerais so estudados pelas cincias. A filosofia , pois, um prolongamento das cincias, no sentido em que se apoia nas cincias e delas depende.

    Acrescentaremos, em seguida, que a filosofia marxista utiliza um mtodo de resoluo de todos os problemas, e que tal mtodo depende do que se chama o materialismo.

    IV. O que a filosofia materialista?

    Tambm a existe uma confuso, que devemos denunciar imediatamente; vulgar entender-se por materialista aquele que s pensa em gozar com os prazeres materiais. Jogando com a palavra materialismo - que contm a palavra matria -, chegou a dar-se-lhe um sentido completamente falso.

    Vamos, estudando o materialismo - no sentido cientfico da palavra -, restituir-lhe o seu verdadeiro significado; ser materialista, no impede, iremos v-lo, de ter um ideal e de lutar para o fazer triunfar.

    Dissemos que a filosofia quer dar uma explicao aos problemas mais gerais do mundo. Mas, no decurso da histria da humanidade, esta explicao no foi sempre a mesma.

    Os primeiros homens procuraram, na verdade, explicar a natureza, o mundo, mas no o conseguiram. O que permite, com efeito, explicar o mundo e os fenmenos que nos rodeiam so as cincias; ora, as descobertas que permitiram s cincias progredir so muito recentes.

    A ignorncia dos primeiros homens era, pois, um obstculo s suas investigaes. Por isso que no decurso da Histria, por causa desta ignorncia, vemos surgir as religies, que querem explicar, tambm elas, o mundo, mas por foras sobrenaturais. esta uma explicao anticientfica. Ora, como, pouco a pouco, no decurso dos sculos, a cincia se vai desenvolver, os homens vo tentar explicar o mundo atravs de factos materiais, a partir de experincias cientficas, e da, desta vontade de explicar as coisas pelas cincias, que nasce a filosofia materialista.

    Nas pginas seguintes, vamos estudar o que o materialismo, mas, desde j, devemos fixar que o materialismo no mais do que a explicao cientfica do universo.

    Estudando a histria da filosofia materialista, veremos quanto foi spera e difcil a luta contra a ignorncia. preciso, alis, constatar que, mesmo nos nossos dias, esta luta no terminou ainda, uma vez que o materialismo e a ignorncia continuam a subsistir juntos, lado a lado.

    no corao desta luta que Marx e Engels intervieram. Compreendendo a importncia das grandes descobertas do sculo XIX, permitiram filosofia materialista fazer enormes progressos na explicao cientfica do universo. Foi assim que nasceu o materialismo dialctico. Depois, os primeiros, compreenderam que as leis que regem o mundo permitem tambm explicar a evoluo das sociedades; formularam, assim, a clebre teoria do materialismo histrico.

    Propomo-nos estudar, nesta obra, primeiramente, o materialismo, depois, o materialismo dialctico e, por fim, o materialismo histrico. Mas, antes de mais, queremos estabelecer as relaes entre o materialismo e o marxismo.

  • V. Quais so as relaes entre o materialismo e o marxismo?

    Podemos resumi-las da seguintes maneira:

    1. A filosofia do materialismo constitui a base do marxismo.

    2.- Esta filosofia materialista, que quer dar uma explicao cientfica aos problemas do mundo, progride, no decurso da Histria, ao mesmo tempo que as cincias. Por consequncia, o marxismo tem origem nas cincias, apoia-se nelas e evolui com elas.

    3. Antes de Marx e Engels, houve, em vrias etapas e sob formas diferentes, filosofias materialistas. Mas, no sculo XIX, dando as cincias um grande passo em frente, Marx e Engels renovaram esse materialismo antigo, a partir das cincias modernas, e deram-nos o materialismo moderno, a que se chama materialismo dialctico, e que constitui a base do marxismo.

    Vemos, por estas breves explicaes, que a filosofia do materialismo, contrariamente ao que dizem, tem uma histria. Esta est intimamente ligada das cincias. O marxismo, baseado no materialismo, no teve origem no crebro de um s homem. o resultado, a continuao do materialismo antigo, que estava j muito avanado em Diderot. O marxismo a manifestao do materialismo desenvolvido pelos Enciclopedistas do sculo XVIII, enriquecido pelas grandes descobertas do sculo XIX. O marxismo uma teoria viva, e, para mostrar imediatamente de que maneira considera os problemas, vamos tomar um exemplo que toda a gente conhece: o problema da luta de classes.

    Que pensam as pessoas sobre tal assunto? Uns, que a defesa do po isenta da luta politica. Outros, que basta lutar na rua, negando a necessidade de organizao. Outros, ainda, pretendem que s a luta poltica trar uma soluo a este problema.

    Para o marxismo, a luta de classes compreende:a. Uma luta econmica.b. Uma luta poltica.c. Uma luta ideolgica.

    O problema deve, pois, ser posto, simultaneamente, nestes trs campos;

    a. No se pode lutar pelo po sem lutar pela paz, sem defender a liberdade e todas as ideias que servem a luta por tais objectivos.b. O mesmo acontece na luta poltica, que, depois de Marx, se tornou uma verdadeira cincia: -se obrigado a ter em conta, ao mesmo tempo, a situao econmica e as correntes ideolgicas para conduzir essa luta.c. Quanto luta ideolgica, que se manifesta pela propaganda, deve ter-se em considerao, para que seja eficaz, a situao econmica e poltica.

    Vemos, pois, que todos estes problemas esto intimamente ligados e, assim, que no possvel decidir face a qualquer aspecto deste grande problema que a luta de classes - numa greve, por exemplo -, sem tomar em considerao cada dado do problema e o conjunto do prprio problema.

    , portanto, aquele que for capaz de lutar em todos os campos que dar ao movimento a melhor direco.

    assim que um marxista compreende este problema da luta de classes. Ora, na luta ideolgica que devemos conduzir todos os dias, encontramo-nos perante problemas difceis de resolver: imortalidade da alma, existncia de Deus, origens do mundo, etc. o materialismo dialctico que nos dar um mtodo de raciocnio, que nos permitir resolver todos estes assuntos e, de igual modo, descobrir todas as campanhas de falsificao do marxismo, que pretendem complet-lo e renov-lo.

  • VI. Campanhas da burguesia contra o marxismo.

    Estas tentativas de falsificao apoiam-se em bases muito variadas. Procura-se levantar contra o marxismo os autores socialistas do perodo pr-marxista (antes de Marx). assim que vemos, muitas vezes, utilizar contra Marx os utopistas. Outros servem-se de Proudhon; outros, ainda, bebem nos revisionistas de antes de 1914 (portanto magistralmente refutados por Lnine). Mas o que interessa sobretudo sublinhar a campanha de silncio que a burguesia faz contra o marxismo. Particularmente, tudo tem feito para impedir que seja conhecida a filosofia materialista sob a sua forma marxista. Impressionante a este respeito o conjunto do ensino filosfico tal como dado em Frana.

    Nos estabelecimentos de ensino secundrio, ensina-se a filosofia. Mas pode acompanhar-se todo esse ensino sem jamais aprender que existe uma filosofia materialista elaborada por Marx e Engels. Quando, nos manuais de filosofia, se fala de materialismo (porque conveniente falar nisso), o marxismo e o materialismo so sempre abordados em separado. Apresenta-se o marxismo, em geral, unicamente como uma doutrina poltica, e, quando se fala do materialismo histrico, no se fala a este respeito da filosofia do materialismo; enfim, ignora-se tudo do materialismo dialctico.

    Esta situao no existe somente nas escolas e liceus: exactamente a mesma nas Universidades. O facto mais caracterstico que pode ser-se, em Frana, um especialista da filosofia, munido dos diplomas mais distintos que as Universidades francesas passam, sem saber que o marxismo tem uma filosofia, que o materialismo, e sem saber que o materialismo tradicional tem uma forma moderna, que o marxismo, ou materialismo dialctico.

    Ns, queremos demonstrar que o marxismo comporta uma concepo geral, no apenas da sociedade, mas, ainda, do prprio universo. , pois, intil, contrariamente ao que alguns pretendem, lamentar que o grande defeito do marxismo seja a sua falta de filosofia, e querer, como alguns tericos do movimento operrio, ir procura dessa filosofia que falta ao marxismo. Porque o marxismo tem uma filosofia, que o materialismo dialctico.

    Porm, apesar desta campanha de silncio, apesar de todas as falsificaes e precaues tomadas pelas classes dirigentes, o marxismo e a sua filosofia comeam a ser cada vez mais conhecidos.

  • CAPTULO PRIMEIRO

    O PROBLEMA FUNDAMENTAL DA FILOSOFIA

    I. Como devemos comear o estudo da filosofia? II. Duas maneiras de explicar o mundo.III. A matria e o esprito.IV. O que a matria? O que o esprito?V. A pergunta ou o problema fundamental da filosofia.VI. Idealismo ou materialismo.

    I. Como devemos comear o estudo da filosofia?

    Na nossa introduo, dissemos, vrias vezes, que a filosofia do materialismo dialctico era a base do marxismo.

    O fim a que nos propomos o estudo dessa filosofia; mas, para chegar a ele, preciso avanarmos por etapas.

    Quando falamos do materialismo dialctico, deparam-se-nos duas palavras: materialismo e dialctico, o que quer dizer que o materialismo dialctico. Sabemos que antes de Marx e Engels o materialismo existia j, mas que foram estes, com a ajuda das descobertas do sculo XIX, que o transformaram e criaram o materialismo dialctico.

    Examinaremos, mais tarde, o sentido da palavra dialctico, que designa a forma moderna do materialismo.Mas, visto que, antes de Marx e Engels, houve filsofos materialistas (por exemplo, Diderot, no sculo XVIII), e visto que h pontos comuns em todos os materialistas, -nos, pois, necessrio estudar a histria do materialismo, antes de abordar o materialismo dialctico. -nos preciso conhecer, igualmente, as concepes que se opem ao materialismo.

    II. Duas maneiras de explicar o mundo.

    Vimos que a filosofia o estudo dos problemas mais gerais, e que tem por fim explicar o mundo, a natureza, o homem.

    Se abrirmos um manual de filosofia burguesa, ficamos espantados com o grande nmero de filosofias diversas que a se encontram. So designadas por mltiplas palavras, mais ou menos complicadas, terminando em ismo: o criticismo, o evolucionismo, o intelectualismo, etc, e esta quantidade cria a confuso. A burguesia, alis, nada fez para esclarecer a situao, antes pelo contrrio. Mas, podemos j fazer a triagem de todos esses sistemas, e distinguir duas grandes correntes, duas concepes nitidamente opostas:

    a) A concepo cientfica. b) A concepo no cientfica do mundo.

    III. A matria e o esprito.

    Quando os filsofos tentaram explicar o mundo, a natureza, o homem, tudo o que nos rodeia, enfim, foram levados a fazer distines. Ns prprios constatamos que h coisas, objectos que so materiais, que vemos e tocamos. Depois, outras realidades que no vemos e no podemos tocar, nem medir, como as nossas ideias.

    Classificamos, portanto, assim as coisas: por um lado, as que so materiais; por outro, as que no o so, e pertencem ao domnio do esprito, do pensamento, das ideias.

    Foi assim que os filsofos se encontraram em presena da matria e do esprito.

  • IV. O que a matria? O que o esprito?

    Acabmos de ver, de uma maneira geral, como se foi levado a classificar as coisas, conforme so matria ou esprito.

    Mas devemos precisar que esta distino se faz sob diversas formas e com palavras diferentes.

    assim que, em vez de falar do esprito, falamos, afinal, do pensamento, das nossas ideias, da nossa conscincia, da alma, assim como, falando da natureza, do mundo, da terra, do ser, da matria que se trata.

    Assim, ainda quando Engels, no seu livro Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, fala do ser e do pensamento, o ser a matria; o pensamento, o esprito.

    Para definir o que o pensamento ou o esprito, o ser ou a matria, diremos:

    O pensamento a ideia que fazemos das coisas; algumas dessas ideias vm-nos ordinariamente das nossas sensaes e correspondem a objectos materiais; outras, como as de Deus, filosofia, infinito, do prprio pensamento, no correspondem a objectos materiais. O essencial, que devemos fixar aqui, que temos ideias, pensamentos, sentimentos, porque vemos e sentimos.

    A matria ou o ser o que as nossas sensaes e percepes nos mostram e apresentam, , duma maneira geral, tudo o que nos rodeia, a que se chama o mundo exterior. Exemplo: a minha folha de papel branca. Saber que branca uma ideia, e so os meus sentidos que me do tal ideia. Mas a matria a prpria folha.

    por isso que, quando os filsofos falam das relaes entre o ser e o pensamento, ou entre o esprito e a matria, ou entre a conscincia e o crebro, etc, tudo isso diz respeito mesma pergunta, e significa: qual , da matria ou do esprito, do ser ou do pensamento, o termo mais importante? Qual o que anterior ao outro? Tal a interrogao fundamental da filosofia.

    V. A pergunta ou o problema fundamental da filosofia.

    No h ningum que no se tenha interrogado em que nos tornamos depois da morte, de onde vem o mundo, como se formou a Terra. E -nos difcil admitir que sempre existiu qualquer coisa. Tem-se tendncia em pensar que num dado momento nada haveria. por isso que mais fcil acreditar no que ensina a religio: O esprito pairava sobre as trevas... depois veio a matria. Do mesmo modo, perguntamo-nos onde esto os nossos pensamentos, e, assim, pe-se-nos o problema das relaes que existem entre o esprito e a matria, entre o crebro e o pensamento. H, alis, muitas outras maneiras de pr a questo. Por exemplo, quais so as relaes entre a vontade e o poder? A vontade , aqui, o esprito, o pensamento; e o poder o que possvel, o ser, a matria. Encontramos, assim, muitas vezes, a questo das relaes entre a conscincia social e a existncia social.

    A pergunta fundamental da filosofia apresenta-se, pois, sob diferentes aspectos, e v-se quanto importante reconhecer sempre a maneira em que se pe este problema das relaes da matria e do esprito, uma vez que sabemos que s pode haver duas respostas a essa pergunta:

    1. Uma resposta cientfica.2. Uma resposta no cientfica.

  • VI. Idealismo ou materialismo.

    Foi assim que os filsofos foram levados a tomar posio nesta importante questo.

    Os primeiros homens, completamente ignorantes, no tendo nenhum conhecimento do mundo, nem deles prprios, e no dispondo seno de fracos meios tcnicos para agir sobre o mundo, atribuam a seres sobrenaturais a responsabilidade de tudo o que os espantava. Na sua imaginao, excitada pelos sonhos em que viam viver os seus semelhantes e eles prprios, chegaram concepo de que cada um de ns tinha uma dupla existncia. Perturbados pela ideia deste duplo, chegaram a imaginar que os seus pensamentos e sensaes eram produzidos, no pelo seu prprio corpo,

    mas por uma alma particular, habitando nesse corpo e deixando-o na hora da morte2.

    Em consequncia, nasceu a ideia da imortalidade da alma e de uma possvel vida do esprito fora da matria.

    Do mesmo modo, a sua fraqueza, a inquietao perante as foras da natureza, face a todos esses fenmenos que no compreendiam, e que o estado da tcnica no lhes permitia corrigir (germinao, tempestades, inundaes, etc), levam-nos a supor que, por trs dessas foras, h seres omnipotentes, espritos ou deuses benficos ou malficos, mas, em todo o caso, caprichosos.

    Por igual razo, criam em deuses, em seres mais poderosos do que os homens, mas imaginavam-nos, sob a forma de homens ou animais, como corpos materiais. somente mais tarde que as almas e os deuses (depois o Deus nico que substituiu os deuses) foram concebidos como puros espritos.

    Chega-se ento ideia de que h na realidade espritos que tm uma vida inteiramente especfica, completamente independente da dos corpos, e que no tm necessidade deles para existir.

    Assim, tal assunto ps-se de uma maneira mais precisa em funo da religio, sob esta forma:

    O mundo foi criado por Deus ou existe desde sempre?Conforme respondiam desta ou daquela maneira a talpergunta, os filsofos dividiam-se em duas grandes faces3.

    Os que, adoptando a explicao no cientfica, admitiam a criao do mundo por Deus, isto , afirmavam que o esprito tinha criado a matria, formavam a faco do idealismo.

    Os outros, os que procuravam dar uma explicao cientfica do mundo, e pensavam que a natureza, a matria era o elemento principal, pretendam s diferentes escolas do materialismo.

    Na origem, estas duas expresses, idealismo e materialismo, no significavam outra coisa seno isso.

    O idealismo e o materialismo do, pois, duas respostas opostas e contraditrias ao problema fundamental da filosofia.

    O idealismo a concepo no-cientfica. O materialismo a concepo cientfica do mundo.

    Ver-se-, mais adiante, as provas desta afirmao, mas podemos dizer, desde j, que: se se constata bem, na experincia, que h corpos sem pensamento, como as pedras, os metais, a terra, no se constata nunca, pelo contrrio, a existncia do esprito sem corpo.

    2 Friedrich ENGELS: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, Obras Escolhidas de Marx e Engels em Trs Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp 375-421

    3 Idem.

  • Para terminar este captulo com uma concluso sem equvoco, veremos que, para responder a esta pergunta: como que o homem pensa? no pode haver mais do que duas respostas, inteiramente diferentes e totalmente opostas:

    1. resposta: O homem pensa porque tem uma alma.2. resposta: O homem pensa porque tem um crebro.

    Conforme dermos uma ou outra resposta, estaremos preparados para dar solues aos problemas que resultam desta questo.

    Segundo a nossa resposta, seremos idealistas ou materialistas.

    LEITURA

    F. ENGELS: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, captulo II. Idealismo e materialismo

  • CAPITULO II

    O IDEALISMO

    I. Idealismo moral e idealismo filosfico.II. Por que devemos estudar o idealismo de Berkeley?III. O idealismo de Berkeley.IV. Consequncias dos raciocnios idealistas.V. Os argumentos idealistas:

    1. O esprito cria a matria.2. O mundo no existe fora do nosso pensamento.3. So as nossas ideias que criam as coisas.

    I. Idealismo moral e idealismo filosfico.

    Denuncimos a confuso criada pela linguagem corrente, no que se refere ao materialismo. A mesma confuso encontra-se a propsito do idealismo.

    No necessrio confundir, com efeito, o idealismo moral e o idealismo filosfico.

    O idealismo moral consiste em devotar-se a uma causa, a um ideal. A histria do movimento operrio internacional ensina-nos que um nmero incalculvel de revolucionrios, de marxistas, se devotaram at ao sacrifcio da sua vida por um ideal moral, e, portanto, eram os adversrios deste outro idealismo que se chama idealismo filosfico.

    O idealismo filosfico uma doutrina que tem por base a explicao do mundo pelo esprito.

    a doutrina que responde pergunta fundamental da filosofia, dizendo: o pensamento o elemento principal, o mais importante, o primeiro. E o idealismo afirmando a importncia primeira do pensamento, afirma que ele que produz o ser, ou, por outras palavras, que: o esprito que produz a matria.

    Tal a primeira forma do idealismo; encontrou o seu pleno desenvolvimento nas religies, afirmando que Deus, esprito puro, era o criador da matria.

    A religio, que pretendeu, e pretende ainda estar fora das discusses filosficas, , na realidade, pelo contrrio, a representao directa e lgica da filosofia idealista.

    Ora, a cincia, intervindo no decurso dos sculos, em breve se tornou necessria para explicar a matria, o mundo, as coisas, de outro modo que apenas por Deus. Porque, desde o sculo XVI, a cincia comeou a explicar os fenmenos da natureza sem ter em conta Deus e abstendo-se da hiptese da criao.

    Para melhor combater estas explicaes cientficas, materialistas e ateias, foi preciso, pois, levar mais longe o idealismo e negar a existncia mesmo da matria.

    Foi ao que se dedicou, no princpio do sculo XVIII, um bispo ingls, Berkeley, considerado o pai do idealismo.

  • II. Por que devemos estudar o idealismo de Berkeley?

    O propsito do seu sistema filosfico ser, pois destruir o materialismo, tentar demonstrar-nos que a substncia material no existe. Escreveu, no prefcio do seu livro Dilogos de Hylas e de Philonos:

    Se estes princpios so aceites e olhados como verdadeiros, resulta que o atesmo e o cepticismo so, com o mesmo golpe, completamente abatidos, as perguntas obscuras esclarecidas, dificuldades quase insolveis resolvidas, e os homens que se compraziam com os paradoxos reduzidos ao senso comum4.

    Deste modo, para Berkeley, o que verdadeiro que a matria no existe, e paradoxal pretender o contrrio.

    Vamos ver como se agarra a isso, para tal nos demonstrar. Mas, penso que no intil insistir com os que querem estudar filosofia, para que tomem a teoria de Berkeley em muito grande considerao.

    Bem sei que as teses de Berkeley faro sorrir alguns, mas preciso no esquecer que vivemos no sculo XX e beneficiamos de todos os estudos do passado. E veremos, alis, quando estudarmos o materialismo e a sua histria, que os filsofos materialistas de outrora fazem tambm, por vezes, sorrir.

    preciso, portanto, saber que Diderot, que foi, antes de Marx e Engels, o maior dos pensadores materialistas, ligava ao sistema de Berkeley alguma importncia, uma vez que o descreve como um sistema que, para vergonha do esprito humano e da filosofia, o mais difcil de combater, embora o mais absurdo de todos5!

    O prprio Lnine consagrou numerosas pginas filosofia de Berkeley, e escreveu:

    [Os filsofos idealistas mais modernos] no produziram contra os materialistas qualquer... argumento que no possamos encontrar no bispo Berkeley6.

    Enfim, eis a apreciao sobre o imaterialismo de Berkeley, dada por um manual de histria da filosofia utilizado nos liceus:

    Teoria ainda imperfeita, sem dvida, mas admirvel, e que deve destruir para sempre, nos espritos filosficos, a crena na existncia de uma substncia material7.

    Eis a importncia para toda a gente - embora por razes diferentes, como vos foi mostrado por estas citaes - de tal raciocnio filosfico.

    III. O idealismo de Berkeley.

    O propsito deste sistema consiste, pois, em demonstrar que a matria no existe. Berkeley dizia:

    A matria no o que acreditamos, pensando que existe fora do nosso esprito. Pensamos que as coisas existem, porque as vemos, porque lhes tocamos; porque nos do essas sensaes que acreditamos na sua existncia.

    Mas as nossas sensaes no so mais do que ideias que temos no nosso esprito. Pelo que os objectos que percebemos atravs dos nossos sentidos mais no so do que ideias, e as ideias no podem existir fora do nosso esprito.

    4 P. 13. Coleco Os clssicos para todos. Livraria Hatier, Paris.5 DIDEROT: Carta sobre os cegos, Textos escolhidos t. I, Edies sociais Clssicos do povo, p. 87. (Citado por

    LNINE, em Materialismo e empirocriticismo, p. 27).6 LNINE: Materialismo e empirocriticismo, p. 29 Ed. Avante 19827 A. PENJON: Compndio da histria da filosofia pp. 320-321. Livraria Paul Delaplace.

  • Para Berkeley, as coisas existem; no nega as suas natureza e existncia, mas afirma que no existem a no ser sob a forma de sensaes que no-las fazem conhecer, e conclui que as nossas sensaes e os objectos so apenas uma e a mesma coisa.

    As coisas existem, certo, mas em ns, diz ele, no nosso esprito, e no tm qualquer realidade fora do esprito.

    Concebemos as coisas com o auxlio da vista; percebemos, com a ajuda do tacto; o olfacto esclarece-nos sobre o cheiro; o paladar, sobre o gosto; o ouvido, sobre os sons. Estas diversas sensaes do-nos ideias, que, combinadas umas com as outras, nos levam a dar-lhes um nome comum e a consider-las como objectos.

    Observamos, por exemplo, uma cor, um gosto, um cheiro, uma forma, uma consistncia determinadas... Reconhecemos esse conjunto como um objecto que designamos com a palavra ma.

    Outras combinaes de sensaes do-nos outras coleces de ideias [que] constituem aquilo a que chamamos a pedra, a rvore, o livro e os outros objectos sensveis8,

    Somos, pois, vtimas de iluses quando pensamos conhecer, como exteriores, o mundo e as coisas, uma vez que tudo isso no existe a no ser no nosso esprito.

    No seu livro Dilogos de Hylas e Philonos, Berkeley demonstra-nos esta tese da seguinte maneira:

    No um absurdo pensar que uma mesma coisa, num dado momento, possa ser diferente? Por exemplo, quente e fria, no mesmo instante? Imaginai, ento, que uma das vossas mos esteja quente, a outra fria, e que ambas sejam mergulhadas, ao mesmo tempo, num recipiente cheio de gua, a uma temperatura intermdia: no parecer a gua quente, a uma das mos, e fria, outra9?

    Visto que absurdo acreditar que uma coisa, ao mesmo tempo, possa ser, em si mesma, diferente, devemos concluir que tal coisa no existe a no ser no nosso esprito.

    Que faz, pois, Berkeley, no seu mtodo de raciocnio e de discusso? Despoja os objectos, as coisas de todas as suas propriedades.

    Dizeis que os objectos existem, porque tm uma cor, um cheiro, um sabor, porque so grandes ou pequenos, leves ou pesados? Vou demonstrar-vos que tudo isso no existe nos objectos, mas, sim, no nosso esprito.

    Eis um retalho de tecido: dizeis-me que vermelho. Ser isso exacto? Pensais que o vermelho faz mesmo parte do tecido. Ser isso certo? Sabeis que h animais que tm olhos diferentes dos nossos e no vero vermelho esse tecido; de igual modo, um homem tendo ictercia v-lo- amarelo! Ento, de que cor ? Isso depende, dizeis? O vermelho no est, portanto, no tecido, mas no olhar, em ns.

    Dizeis que este tecido leve? Deixai-o cair sobre uma formiga, e ela encontr-lo-, certamente, pesado. Quem tem, portanto, razo? Pensais que quente? Se estiverdes com febre, encontr-lo-eis frio! Ento, quente ou frio?

    Numa palavra, se as mesmas coisas podem ser, a um tempo, para uns, vermelhas, pesadas, quentes, e, para outros, exactamente o contrrio, porque somos vtimas de iluses, e porque as coisas no existem para alm do nosso esprito.

    Retirando todas as suas propriedades aos objectos, chegamos, por conseguinte, a dizer que estes no existem a no ser no nosso pensamento, isto , que a matria uma ideia.

    J, antes de Berkeley, os filsofos gregos diziam, e isso era exacto, que certas qualidades, como o sabor, o som, no estavam mesmo nas coisas, mas em ns.

    8 LNINE: Materialismo e empirocriticismo, p. 18 Ed. Avante 19829 LNINE: Materialismo e empirocriticismo Ed. Avante 1982

  • Porm, o que h de novo na teoria de Berkeley , justamente, que ele alarga esta advertncia a toda a espcie de objectos.

    Os filsofos gregos tinham, com efeito, estabelecido entre as qualidades das coisas a seguinte distino:

    Por um lado, as qualidades primeiras, isto , as que esto nos objectos, como o peso, o tamanho, a resistncia, etc..

    Por outro, as qualidades segundas, isto , as que esto em ns, como o cheiro, o sabor, o calor, etc.

    Ora, Berkeley aplica s qualidades primeiras a mesma tese que s segundas: todas as qualidades, todas as propriedades no esto nos objectos, mas em ns.

    Se olhamos o sol, vmo-lo redondo, achatado, vermelho. A cincia ensina-nos que nos enganamos, que no achatado, no vermelho. Faremos, portanto, a abstraco, com o auxlio da cincia, de certas falsas propriedades que atribumos ao sol, mas sem, com isso, concluir que no existe! , pois, a uma tal concluso que Berkeley conduz.

    Berkeley no teve certamente culpa, mostrando que a distino dos antigos no resistia anlise cientfica, mas comete uma falta de raciocnio, um sofisma, tirando de tais observaes consequncias que no comportam. Mostra, com efeito, que as qualidades das coisas no so exactamente como no-las mostram os nossos sentidos, isto , que estes nos enganam e deformam a realidade material, e, da, conclui, imediatamente, que a realidade material no existe.

    IV. Consequncias dos raciocnios idealistas.

    Sendo a tese: Nada existe seno no nosso esprito, devemos concluir que o mundo exterior no existe.

    Levando este raciocnio at ao fim, chegaramos a dizer: Sou o nico a existir, uma vez que no conheo os outros homens a no ser pelas minhas ideias, que eles no so para mim, como objectos materiais, mais do que coleces de ideias. o que em filosofia se chama o solipsismo (que quer dizer apenas eu).

    Berkeley, diz-nos Lnine no seu livro j citado, defende-se instintivamente contra a acusao de sustentar uma tal teoria. Constata-se mesmo que o solipsismo, forma extrema do idealismo, no foi defendido por nenhum filsofo.

    por isso que devemos interesar-nos, discutindo com os idealistas, em tomar bem patente que os raciocnios que negam efectivamente a matria, para serem lgicos e consequentes, devem chegar a esse extremo absurdo que o solipsismo.

    V. Os argumentos idealistas.

    Dedicmo-nos a resumir, o mais simplesmente possvel, a teoria de Berkeley, porque foi quem mais abertamente exps o que o idealismo filosfico.

    Mas certo que, para melhor compreender estes raciocnios, que so novos para ns, agora indispensvel tom-los muito a serio e fazer um esforo intelectual. Porqu?

    Porque veremos em seguida que, se o idealismo se apresenta de uma maneira mais oculta e a coberto de palavras e expresses novas, todas as filosofias idealistas mais no fazem do que retomar os argumentos do velho Berkeley (Lnine).

    Porque veremos tambm quanto a filosofia idealista, que dominou, e domina ainda a histria oficial da filosofia, trazendo consigo um mtodo de pensamento de que estamos impregnados, soube penetrar-nos, apesar de uma educao inteiramente laica.

  • Sendo os raciocnios do bispo Berkeley a base dos argumentos de todas as filosofias idealistas, vamos, pois, para resumir este captulo, procurar esclarecer quais so, e o que tentam demonstrar-nos.

    1. O esprito cria a matria.

    Esta, sabemo-lo, a resposta idealista pergunta fundamental da filosofia; a primeira forma do idealismo, que se reflete nas diferentes religies, onde se afirma que o esprito criou o mundo.

    Tal afirmao pode ter dois sentidos:

    Ou Deus criou o mundo, e este existe, realmente nossa volta. o idealimo comum s teologias10.

    Ou Deus criou a iluso do mundo, dando-nos ideias que no correspondem a qualquer realidade material. o idealismo imaterialista de Berkeley, que nos quer provar que o esprito a nica realidade, sendo a matria um produto fabricado por este.

    por isso que os idealistas afirmam que:

    2. O mundo no existe fora do nosso pensamento.

    o que Berkeley quer demonstrar-nos, afirmando que cometemos um erro, atribuindo s coisas propriedades e qualidades que lhes seriam prprias, quando estas existem apenas no nosso esprito.

    Para os idealistas, os bancos e as mesas existem, na verdade, mas somente no nosso pensamento, e no em redor de ns, porque

    3. So as nossas ideias que criam as coisas.

    Por outras palavras, as coisas so o reflexo do nosso pensamento. Com efeito, uma vez que o esprito que cria a iluso da matria, uma vez que aquele que d ao nosso pensamento a ideia desta, uma vez que as sensaes que experimentamos perante as coisas no provm destas em si, mas, unicamente, do nosso pensamento, a origem da realidade do mundo e das coisas o nosso pensamento, e, por consequncia, tudo o que nos rodeia no existe fora do nosso esprito, e no pode ser seno o reflexo do nosso pensamento. Mas, como, para Berkeley, o nosso esprito seria incapaz de criar, s por si, estas ideias, e, por outro lado, no faz o que quer (como aconteceria se ele prprio as criasse), preciso admitir que um outro esprito mais poderoso o criador. , pois, Deus que cria o nosso esprito e nos impe todas as ideias do mundo que a encontramos.

    Eis as principais teses sobre as quais repousam as doutrinas idealistas e as repostas que do pergunta fundamental da filosofia. altura de ver agora qual a resposta da filosofia materialista mesma pergunta e aos problemas suscitados por estas teses.

    LEITURAS

    BERKELEY: Dilogos de Hylas e PhilonosLNINE: Materialismo e empirocriticismo, pp. 17 a 29

    10 A teologia a cincia (!) que se ocupa de Deus e das coisas divinas.

  • CAPTULO III

    O MATERIALISMO

    I. Por que devemos estudar o materialismo? II. De onde vem o materialismo?III. Como e porqu evoluiu o materialismo.IV. Quais so os princpios e os argumentos materialistas?

    1. a matria que produz o esprito.2. A matria existe fora de todo o esprito.3. A cincia, pela experincia, permite-nos conhecer as coisas.

    I. Por que devemos estudar o materialismo?

    Vimos que, para este problema: Quais so as relaes entre o ser e o pensamento?, no pode haver mais que duas respostas, opostas e contraditrias.

    Estudmos, no captulo precedente, a resposta idealista e os argumentos apresentados para defender a filosofia idealista.

    Torna-se necessrio examinar, agora, a segunda resposta a leste problema fundamental (problema, repetimo-lo, que se encontra na base de toda a filosofia), e ver quais so os argumentos que o materialismo emprega em sua defesa. Tanto mais que o materialismo , para ns, uma filosofia muito importante, visto que a do marxismo.

    , pois, por consequncia, indispensvel conhecer bem o materialismo. Indispensvel, sobretudo porque as concepes desta filosofia so muito mal conhecidas e foram falsificadas. Indispensvel, tambm, porque, pela nossa educao, pela instruo que recebemos - seja primria ou mais desenvolvida -, pelos nossos hbitos de viver e de raciocinar, estamos todos, mais ou menos, sem darmos conta disso, impregnados de concepes idealistas. (Veremos, alis, noutros captulos, vrios exemplos desta afirmao, e porque assim.)

    , portanto, uma necessidade absoluta para os que querem estudar o marxismo conhecer a sua tese: o materialismo.

    II. De onde vem o materialismo?

    Definimos, de uma maneira geral, a filosofia como um esforo para explicar o mundo, o universo. Mas sabemos que, segundo o estado dos conhecimentos humanos, as suas explicaes mudaram, e que duas atitudes, no decurso da histria da humanidade, foram adoptadas para explicar o mundo: uma, anticientfica, fazendo apelo a um ou a espritos superiores, a foras sobrenaturais; a outra, cientfica, fundamentando-se em factos e experincias.

    Uma destas concepes defendida pelos filsofos idealistas; a outra, pelos materialistas.

    por isso tjue, desde o incio deste livro, dissemos que a primeira ideia que se devia fazer do materialismo que esta filosofia representa a explicao cientfica do universo.

    Se o idealismo nasceu da ignorncia dos homens - e veremos como a ignorncia foi mantida, sustentada na histria das sociedades por foras culturais e polticas que partilhavam as concepes idealistas -, o materialismo nasceu da luta das cincias contra a ignorncia ou obscurantismo.

  • por isso que esta filosofia foi to combatida, e tambm por isso que, sob a forma moderna (o materialismo dialctico), pouco conhecida, seno ignorada ou desconhecida do mundo universitrio oficial.

    III. Como e porqu evoluiu o materialismo.

    Contrariamente ao que pretendem os que combatem esta filosofia e dizem que tal doutrina no evoluiu desde h vinte sculos, a histria do materialismo mostra-nos neste qualquer coisa de vivo e sempre em movimento.

    No decorrer dos sculos, os conhecimentos cientficos dos homens progrediram. No princpio da histria do pensamento, na antiguidade grega, os conhecimentos cientficos eram quase nulos, e os primeiros sbios, ao mesmo tempo, filsofos, porque, em tal poca, a filosofia e as cincias nascentes formavam um todo, sendo uma o prolongamento das outras.

    Em seguida, precisando as cincias ia explicao dos fenmenos do mundo, precises que incomodavam e estavam mesmo em contradio com os dogmas das filosofias idealistas, nasceu um conflito entre a filosofia e as cincias.

    Estando estas em contradio com a filosofia oficial dessa poca, tornara-se necessrio que se separassem. Por isso,

    o melhor que tm a fazer libertar-se, urgentemente, da balbrdia filosfica, e deixar aos filsofos as vastas hipteses de tomar contacto com problemas restritos, os que esto maduros para uma soluo prxima. Ento, faz-se esta distino entre as cincias... e a filosofia11.

    Mas o materialismo, nascido com as cincias, ligado a elas e delas dependendo, progrediu, evoluiu com elas, para chegar, com o materialismo moderno, o de Marx e Engels, a reunir, de novo, a cincia e a filosofia no materialismo dialctico.

    Estudaremos, mais adiante, esta histria e tal evoluo, que esto ligadas ao progresso da civilizao, mas constatamos j, e o que muito importante fixar, que o materialismo e as cincias no esto separados, e que aquele est absolutamente dependente da cincia.

    Resta-nos estabelecer e definir as bases do materialismo, comuns a todas as filosofias que, sob aspectos diferentes, se valem dele.

    IV. Quais so os princpios e os argumentos materialistas?

    Para responder, torna-se necessrio voltar ao problema fundamental da filosofia, o das relaes entre o ser e o pensamento: qual deles o principal?

    Os materialistas afirmam, em primeiro lugar, que h uma determinada relao entre o ser e o pensamento, entre a matria e o esprito. Para eles, o ser, a matria que a realidade primeira, e o esprito a realidade segunda, posterior, dependente da matria.

    Portanto, para os materialistas, no foi o esprito ou Deus que criaram o mundo e a matria, mas foi o mundo, a matria, a natureza que criaram o esprito:

    O esprito no mais que o produto superior da matria12.

    11 Ren MAUHLANC: a Vida operria, 25 de Novembro de 1935.12 Friedrich ENGELS: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, Obras Escolhidas de Marx e Engels em Trs

    Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp 375-421

  • por isso que, se retomarmos a pergunta que pusemos no segundo captulo: Por que pensa o homem?, os materialistas respondem que o homem pensa porque tem um crebro e porque o pensamento o seu produto. Para eles, no pode haver pensamento sem matria, sem corpo.

    A nossa conscincia e o nosso pensamento, to transcendentes que nos parecem, so apenas produtos de um rgo material, corporal, o crebro13.

    Por consequncia, para os materialistas, a matria, o ser, so qualquer coisa de real, existindo fora do nosso pensamento, e no precisam dele, nem do esprito para existir. De igual modo, este, no podendo existir sem matria, no tem alma imortal e independente do corpo.

    Contrariamente ao que dizem os idealistas, as coisas que nos cercam existem independentemente de ns: so elas que nos do os nossos pensamentos, e as nossas ideias so apenas o reflexo das coisas no crebro.

    Por esse motivo, perante o segundo aspecto do problema das relaes do ser e do pensamento: -

    Que relao h entre as nossas ideias sobre o mundo que nos rodeia e o prprio mundo? O nosso pensamento est em condies de conhecer o mundo real? Podemos, nas nossas concepes deste, reproduzir uma imagem fiel da realidade? Tal problema chamado, em linguagem filosfica, a questo da identidade do pensamento e do ser14.

    - os materialistas afirmam: sim! podemos conhecer o mundo, e as ideias que fazemos dele so cada vez mais exactas, uma vez que podemos estud-lo com o (auxlio das cincias, que estas nos provam continuamente, pela experincia, que as coisas que nos rodeiam tm, na verdade, uma realidade que lhes prpria, independente de ns, e que os homens podem j, em parte, reproduzir, criar artificialmente tais coisas.

    Resumindo, diremos, pois, que os materialistas, face ao problema fundamental da filosofia, afirmam:

    1. Que a matria que produz o esprito, e que, cientificamente, nunca se viu este sem aquela.

    2. Que a matria existe fora de todo o esprito e no precisa deste para existir, tendo uma existncia que lhe particular, e que, por consequncia, contrariamente ao que dizem os idealistas, no so as nossas ideias que criam as coisas, mas, pelo contrrio, so estas que nos do aquelas.

    3. Que somos capazes de conhecer o mundo , que as ideias que fazemos da matria e do mundo so cada vez mais exactas, uma vez que, com o auxlio das cindas, 'podemos precisar o que j conhecemos e descobrir o que ignoramos.

    13 Friedrich ENGELS: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, Obras Escolhidas de Marx e Engels em Trs Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp 375-421

    14 Friedrich ENGELS: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem, Obras Escolhidas de Marx e Engels em Trs Tomos, Ed. Avante 1985, Tomo III, pp 375-421

  • CAPTULO IV

    QUEM TEM RAZO, O IDEALISMO OU O MATERIALISMO?

    I. Como devemos pr o problema.II. verdade que o mundo existe apenas no nosso pensamento?III. verdade que so as nossas ideias que criam as coisas?IV. verdade que o esprito cria a matria?

    V. Os materialistas tm razo, e a cincia prova as suas afirmaes.VI.

    I. Como devemos pr o problema.

    Agora, que conhecemos as teses dos idealistas e dos materialistas, vamos tentar saber quem tem razo.

    Recordemos que nos preciso, primeiramente, constatar, por um lado, que elas so absolutamente opostas e contraditrias; por outro, que, logo que se defende uma ou outra teoria, esta nos leva a concluses que, pelas suas consequncias, so muito importantes.

    Para saber quem tem razo, devemos reportar-nos aos trs pontos pelos quais resumimos cada argumentao.Os idealistas afirmam:

    1. Que o esprito que cria a matria;2. Que a matria no existe fora do nosso pensamento, que , portanto, ipara ns, apenas uma iluso;3. Que so as nossas ideias que criam as coisas. Os materialistas, esses afirmam exactamente o contrrio.

    Para facilitar o nosso trabalho, preciso, em primeiro lugar, estudar o que sobremaneira evidente e o que mais nos surpreende.

    1. verdade que o mundo no existe seno nO nosso pensamento?2. verdade que so as nossas ideias que criam as coisas?

    Eis dois argumentos defendidos pelo idealismo imaterialista de Berkeley, cujas concluses terminam, como em todas as teologias, na nossa terceira pergunta:

    3. verdade que o esprito cria a matria? So perguntas muito importantes, uma vez que se relacionam com o problema fundamental da filosofia. , por consequncia, discutindo-as que vamos saber quem tem razo; so particularmente interessantes para os materialistas, no sentido em que as suas respostas a tais perguntas so comuns a todas as filosofias materialistas - e, por consequncia, ao materialismo dialctico.

    II. verdade que o mundo existe apertas no nosso pensamento?

    Antes de estudar esta questo, -nos necessrio situar dois termos filosficos de que somos chamados a servir-nos e encontraremos frequentemente nas nossas leituras.

    Realidade subjectiva (que quer dizer: realidade que existe somente no nosso pensamento).Realidade objectiva (realidade que existe fora do nosso pensamento).

    Os idealistas dizem que o mundo no uma realidade objectiva, mas subjectiva.

    Os materialistas dizem que o mundo uma realidade objectiva.

  • Para nos demonstrar que o mundo e as coisas no existem a no ser no nosso pensamento, o bispo Berkeley decompe-as nas suas propriedades (cor, tamanho, densidade, etc). Demonstra-nos que estas, propriedades, que variam consoante os indivduos, no esto nas prprias coisas, mas no esprito de cada um de ns. Deduziu, pois, que a matria um conjunto de propriedades no objectivas, mas subjectivas, e que, por consequncia, no existe.

    Se retomarmos o exemplo do sol, Berkeley pergunta-nos se acreditamos na realidade objectiva do disco vermelho, e demonstra-nos, com o seu mtodo de discusso das propriedades, que no vermelho nem um disco. No , portanto, uma realidade objectiva, porque no existe por si prprio, mas uma simples realidade subjectiva, uma vez que existe apenas no nosso pensamento.

    Mesmo assim, os materialistas afirmam que o sol existe, no porque o vemos como um disco achatado e vermelho, porque isso realismo ingnuo, o das crianas e dos primeiros homens, que no tinham seno os seus sentidos para controlar a realidade, mas afirmam que existe invocando a cincia. Esta permite-nos, com efeito, rectificar os erros que os sentidos nos fazem cometer.

    Mas devemos, neste exemplo do sol, pr claramente o problema.

    Com Berkeley, diremos que no um disco e que no vermelho, mas no aceitamos as suas concluses: a sua negao como realidade objectiva.

    No pomos em causa as propriedades das coisas, mas a sua existncia.

    No discutimos para saber se os sentidos nos enganam e deformam a realidade material, mas se esta existe fora deles.

    Pois bem! os materialistas afirmam a sua existncia fora de ns, e fornecem argumentos que so a prpria cincia.

    Que fazem os idealistas para nos demonstrar que tm razo? Discutem as palavras, fazem grandes discursos, escrevem numerosas pginas.

    (Suponhamos, por um instante, que tm razo. Se o mundo existe apenas no nosso pensamento, no existiu antes dos homens. Sabemos que isso falso, uma vez que a cincia nos demonstra que o homem apareceu muito mais tarde sobre a terra. Certos idealistas dir-nos-o, ento, que, antes dele, havia os animais, e que o pensamento podia habit-los. Mas sabemos que, antes dos animais, existia uma terra inabitvel, na qual nenhuma vida orgnica era possvel. Outros, ainda, dir-nos-o que, mesmo que apenas existisse o sistema solar, e o homem ainda no, o pensamento, o esprito j existiam em Deus. assim que chegamos forma suprema do idealismo. -nos preciso escolher entre Deus e a cincia. O idealismo no pode manter-se sem Deus, e Deus no pode existir sem o idealismo.

    Eis, pois, exactamente como deve ser posto o problema do idealismo e do materialismo. Quem tem razo? Deus ou a cincia?

    Deus um puro esprito criador da matria, uma afirmao sem prova.

    A cincia vai demonstrar-nos, pela prtica e pela experincia, que o mundo uma realidade objectiva, e vai permitir-nos responder pergunta:

    III. verdade que so as nossas ideias que criam as coisas?

    Tomemos, como exemplo, um autocarro que passa no momento em que atravessamos a rua em companhia de um idealista, com quem discutimos para saber se as coisas tm uma realidade objectiva ou subjectiva, e se verdade que so as nossas ideias que as criam. bem certo que, se no quisermos ser esmagados, prestaremos muita ateno. Portanto, na prtica, o idealista obrigado a reconhecer a existncia do autocarro. Para ele, praticamente, no h diferena entre um autocarro objectivo e um outro subjectivo, sendo isto de tal modo exacto, que a prtica fornece a prova de que os idealistas, na vida, so materialistas.

  • Poderamos, sobre este assunto, citar numerosos exemplos, pelos quais veramos que os filsofos idealistas e os que sustentam tal filosofia no desdenham certas baixezas objectivas, para obter o que, para eles, no mais que realidade subjectiva.

    por isso, alis, que no se v mais ningum afirmar, como Berkeley, que o mundo no existe. Os argumentos so muito mais subtis e ocultos. (Consultai, como exemplo do modo de argumentar dos idealistas, o captulo intitulado A descoberta dos elementos do mundo, no livro de Lnine: Materialismo e empirocriticismo15).

    , pois, segundo a palavra de Lenine, o critrio da prtica que nos permitir confundir os idealistas.

    Estes, por outro lado, no deixaro de dizer que a teoria e a prtica no se identificam, e que so duas coisas completamente diferentes. No verdade. Se uma concepo exacta ou falsa, s a prtica que, pela experincia, no-lo demonstrar.

    O exemplo do autocarro mostra que o mundo tem, pois, uma realidade objectiva e no uma iluso criada pelo nosso esprito.

    Resta-nos ver agora, sendo dado que a teoria do imaterialismo de Berkeley no pode manter-se face s cincias, nem resistir ao critrio da prtica, se, como o afirmam todas as concluses das filosofias idealistas, das religies e das teologias, o esprito cria a matria.

    IV. verdade que o esprito cria a matria?

    Como j foi visto, o esprito, para os idealistas, tem a sua forma suprema em Deus. Ele a resposta final, a concluso da sua teoria, e por isso que o problema esprito-matria se pe em ltima anlise, saber quem, do idealista ou do materialista tem razo, sob a forma do problema: Deus ou a cincia.

    Os idealistas afirmam que Deus existiu desde sempre, e que, no tendo sofrido qualquer mudana, sempre o mesmo. o esprito puro, para quem o tempo e o espao no existem. o criador da matria.

    Nem mesmo para sustentar a sua afirmao de Deus, os idealistas apresentam qualquer argumento.

    Para defender o criador da matria, recorreram a uma profuso de mistrios, que um esprito cientfico no pode aceitar.

    Quando se remonta s origens da cincia, e se v que pelo corao e proporcionalmente sua grande ignorncia que os homens primitivos forjaram no seu esprito a ideia de Deus, constata-se que os idealistas do sculo XX continuam, como os primeiros homens, a ignorar tudo o que um trabalho paciente e perseverante permitiu conhecer. (Porque, no fim de contas, Deus, para os idealistas, no pode explicar-se, e continua a ser para eles uma crena sem qualquer prova. Quando os idealistas nos querem provar a necessidade de uma criao do mundo, dizendo que a matria no pde existir sempre, que foi, na verdade, necessrio que tenha tido um comeo, recorrem a um Deus que, ele, nunca teve princpio. Em que mais clara esta explicao?

    Para sustentar os seus argumentos, os materialistas, pelo contrrio, servir-se-o da cincia, que os homens desenvolveram medida que faziam recuar as fronteiras da sua ignorncia.

    Ora, a cincia permite-nos pensar que o esprito tenha criado a matria? No.

    15 Cap. I, 2, p. 40 e seguintes.

  • A ideia de uma criao por um esprito puro incompreensvel, porque no conhecemos nada de semelhante na experincia. Para que tal fosse possvel, seria preciso, como dizem os idealistas, que o esprito existisse s, antes da matria, enquanto que a cincia nos demonstra que isso no possvel e que nunca h aquele sem esta. Pelo contrrio, o esprito est sempre ligado matria, e constatamos, mais particularmente, que o esprito do homem est ligado ao crebro, que a fonte das nossas ideias e do nosso pensamento. A cincia no nos permite conceber que as ideias existem no vazio...

    Seria necessrio, portanto, que o esprito Deus, para que possa existir, tenha um crebro. por isso que podemos dizer que no foi Deus que criou a matria, o homem, portanto, mas que foi a matria, sob a forma do crebro humano, que criou o esprito Deus.

    Veremos, mais adiante, se a cincia nos d a possibilidade de acreditar num Deus, ou em qualquer coisa sobre a. qual o tempo no teria efeito, e para quem o espao, o movimento e a mudana no existiriam.

    Para j, podemos concluir. Na sua resposta ao problema fundamental da filosofia:

    V. Os materialistas tm razo, e a cincia prova as suas afirmaes.

    Os materialistas tm razo, ao afirmar:

    1. Contra o idealismo de Berkeley e os filsofos que se escondem atrs do seu imaterialismo: que o mundo e as coisas, por um lado, existem, na verdade, fora do nosso pensamento, e no precisam dele para existir; por outro, que no so as nossas ideias que criam as coisas, mas, ao contrrio, so estas que nos do aquelas.

    2. Contra todas as filosofias idealistas, porque as suas concluses levam a afirmar a criao da matria pelo esprito, isto , em ltima instncia, a afirmar a existncia de Deus, e a sustentar as teologias; os materialistas, apoiando-se nas cincias, afirmam e provam que a matria que cria o esprito, e que no necessitam da hiptese Deus para explicar a criao da matria.

    Nota - Devemos prestar ateno maneira come os idealistas pem os problemas. Afirmam que Deus criou o homem, quando vemos que foi este que criou Deus. Afirmam tambm, por outro lado, que foi o esprito que criou a matria, quando vemos que foi, na verdade, exactamente ao contrrio. H nisso uma maneira de inverter as perspectivas, que devamos assinalar.

    LEITURAS

    LENINE: Materialismo e empirocritirismo, p. 52: A natutureza existia antes do homem?; pp. 62 a 65: O homem pensa com o crebro?

    ENGELS: Ludwig Feuerbach, Idealismo e materialismo, p. 14.

  • CAPTULO V

    H UMA TERCEIRA FILOSOFIA? O AGNOSTICISMO

    I. - Porqu uma terceira filosofia?II. - Argumentao desta terceira filosofia. III. - De onde vem esta filosofia? IV. - As suas consequncias.V. - Como refutar esta terceira filosofia? VI. - Concluso.

    I. Porqu uma terceira filosofia?

    Pode parecer-nos, depois destes primeiros captulos, que, afinal, deve ser bastante fcil orientarmo-nos no meio de todos os raciocnios filosficos, uma vez que s duas grandes correntes dividem entre si todas as teorias: o idealismo e o materialismo. E que, alm disso, os argumentos que militam em favor do materialismo dominam a convico de maneira definitiva.

    Parece, portanto, que, depois de algum exame, tenhamos encontrado o caminho que conduz a filosofia da razo: o materialismo.

    Mas, as coisas no so to simples. Como j o assinalmos, os idealistas modernos no tm a franqueza do bispo Berkeley. Apresentam as suas ideias

    com muito mais artifcio, sob uma forma obscurecida pelo emprego de uma terminologia nova, destinada a faz-las tomar, por pessoas ingnuas, pela filosofia mais moderna16.

    Vimos que pergunta fundamental da filosofia podem ser dadas duas respostas, totalmente opostas, contraditrias e inconciliveis. So claras, e no permitem nenhuma confuso.

    E, com efeito, at cerca de 1710, o problema era posto assim: de um lado, os que afirmavam a existncia da matria fora do nosso pensamento - eram os materialistas; do outro, os que, com Berkeley, negavam a existncia da matria, e pretendiam que esta existia apenas em ns, no nossso esprito - eram os idealistas.

    Mas, nessa poca, progredindo as cincias, outros filsofos intervieram, os quais tentaram desempatar idealistas e materialistas, criando uma corrente filosfica que lanasse a confuso entre essas duas teorias; tal confuso tem a sua origem na procura de uma terceira filosofia.

    II. Argumentao desta terceira filosofia.

    A base desta filosofia, elaborada depois de Berkeley, que intil procurar conhecer a natureza real das coisas, e que nunca conheceremos seno as aparncias.

    por isso que se chama a esta filosofia agnosticismo (do grego a, negao, e gnsticos, capaz de conhecer; portanto: incapaz de conhecer).

    Segundo os agnsticos, no se pode saber se o mundo , na realidade, esprito ou natureza. -nos possvel connecer a aparncia das coisas, mas no a realidade.

    Retomamos o exemplo do sol. Vimos que no , como o pensavam os primeiros homens um disco achatado e vermelho. Esse disco no era, portanto, mais que uma iluso, uma aparncia (a aparncia a ideia superficial que temos das coisas; no a sua realidade).

    16 LNTNE: Materialismo e empirocriticismo, Ed. Avante 1982

  • Eis porque, considerando que idealistas e materialistas se disputam para saber se as coisas so matria ou esprito, se existem ou no fora do nosso pensamento, se nos possvel ou no conhec-las, os agnsticos dizem que se pode, na verdade, conhecer a aparncia, mas nunca a realidade.

    Os nossos sentidos, dizem, permitem-nos ver e sentir as coisas, conhecer os aspectos exteriores, as aparncias; estas aparncias existem, portanto, para ns; constituem o que se chama, em linguagem filosfica, a coisa para ns. Mas no podemos conhecer a coisa independente de ns, com a realidade que lhe prpria, o que se chama a coisa em si.

    Os idealistas e os materialistas, discutindo continuamente sobre estes assuntos, so comparveis a dois homens que tivessem, lum, culos azuis, o outro, cor--de-rosa; passeariam na neve, e discutiriam para saber qual a sua cor verdadeira. Supnhamos que nunca pudefiem tirar os culos. Podero um dia conhecer a verdadeira cor de neve?... No. Pois bem! os idealistas e os materialistas, que se disputam para saber qual das duas faces tem razo, trazem culos azuis e cor-de-rosa. Nunca conhecero a realidade. Tero um conhecimento da neve para eles; cada um v-l