usucapião coletiva urbana e regularização fundiária em...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO
RICARDO COTRIM CHACCUR
Usucapião Coletiva Urbana e Regularização Fundiária em Favelas
Paulistanas
Orientador: Professor Doutor José Carlos Francisco
SÃO PAULO
2014
O
r
i
e
n
t
a
d
o
r
RICARDO COTRIM CHACCUR
Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária nas favelas
paulistanas
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Direito Político e Econômico
da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.
Orientador: Professor Doutor José
Carlos Francisco
SÃO PAULO
2014
C431u Chaccur, Ricardo Cotrim
Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária em favelas paulistanas. / Ricardo Cotrim Chaccur. – 2014.
133 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Francisco
Bibliografia: f. 125-133
1. Usucapião coletiva urbana. 2. Regularização fundiária. 3. Favelas Paulistanas. I. Título
CDDir 342.12324
RICARDO COTRIM CHACCUR
Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária em favelas
paulistanas
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Político e
Econômico.
Aprovada em __/__/____.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. José Carlos Francisco
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Maria Ligia Coelho Mathias
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. José Levi Mello do Amaral Junior
Universidade São Paulo
O
r
i
e
n
t
a
d
o
r
P
r
o
f
e
s
s
o
r
D
o
u
t
o
r
J
o
s
é
C
a
r
l
o
s
F
r
a
n
c
i
s
c
o
O
r
i
e
n
t
a
d
o
r
P
Agradeço
Aos meus amados pais, Ricardo e Stella,
dedico este trabalho, por todos os seus
esforços para que eu me tornasse o
homem e o profissional que sou hoje, por
todos os seus ensinamentos e pelo apoio
incondicional em todos os momentos da
minha vida, principalmente nos mais
difíceis.
A minha namorada, amiga e
companheira, Isabella, pelo apoio nas
madrugadas intermináveis em que escrevi
a minha dissertação.
Ao meu orientador, Professor Doutor José
Carlos Francisco pela paciência,
disponibilidade em me auxiliar e apoio no
momento que mais precisei.
Aos membros da banca, Professores
Doutora Maria Ligia Coelho Mathias e
Doutor Levi Mello do Amaral Junior, pela
colaboração e conselhos.
À Universidade Presbiteriana Mackenzie,
minha estimada casa, pela oportunidade
de cursar um Mestrado de excelência,
com professores brilhantes.
RESUMO
A presente dissertação objetiva analisar o instituto da usucapião coletiva
urbana, enquanto instrumento de Política Urbana para promover a regularização
fundiária e urbanização das favelas na cidade de São Paulo.
No Brasil, atualmente, a legislação dispõe de alguns mecanismos para a
efetivação do direito social de moradia, por meio da aquisição da propriedade
imobiliária, com a finalidade de inclusão social dos habitantes que residem em
moradias precárias ou subnormais e, consequentemente, alcance do
desenvolvimento da cidadania.
O direito à moradia é, um direito social e humano, conforme reconhecido pelo
art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988 e pela Agenda Habitat, organizada
pela Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II,
realizada em Instambul, em 1996.
E, ainda, a necessidade de superação do problema fundiário nos
assentamentos irregulares e favelas localizadas em importantes centros urbanos
brasileiros, faz pertinente o presente trabalho, a fim de identificar as causas que
originaram o conflito fundiário no País, os problemas decorrentes dessas áreas e
que refletem na vida dos habitantes urbanos, bem como uma analise de um dos
instrumentos jurídicos de tratamento deste problema.
Palavras-chave: Usucapião coletiva urbana. Regularização fundiária. Favelas
Paulistanas.
O
r
i
e
n
t
a
d
o
r
P
r
o
f
e
s
s
o
r
D
o
u
t
o
r
J
o
s
é
C
a
r
l
o
s
F
r
a
n
c
i
s
c
o
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the institution of collective urban adverse
possession as an instrument of urban policy to promote land tenure regularization
and urbanization of favelas in São Paulo.
In Brazil, currently, the law provides some mechanisms for the realization of
the right to social housing, through the acquisition of land for the purpose of social
inclusion of people living in poor or substandard dwellings and therefore scope for
developing citizenship.
The right to housing is a social and human right, as recognized by Art. 6,
caput, of the Federal Constitution of 1988 and the Habitat Agenda, organized by the
United Nations Conference on Human Settlements - Habitat II, held in Instambul in
1996.
And yet, the need to overcome the problem of land in slums and squatter
settlements located in major urban centers, makes relevant the present work, in
order to identify the causes that led to the agrarian conflict in the country, the
problems arising from these areas and that reflect on the lives of urban dwellers as
well as an analysis of one of the legal instruments to deal with this problem.
Keywords: Urban collective adverse possession. Land regularization.
Paulistanas slums.
O
r
i
e
n
t
a
d
o
r
O
i
e
n
t
a
d
o
r
P
r
o
f
e
s
s
o
r
D
o
u
t
o
r
J
o
s
é
C
a
r
l
o
s
F
r
a
n
c
i
s
c
o
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
1.INTRODUÇÃO
2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO À MORADIA E A PROPRIEDADE NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.
2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria
2.2 A propriedade imóvel e a sua função social
2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e
desenvolvimento da cidadania
2.4 Conclusão do Capítulo
3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE
URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO
3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de Terras
3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 1930
3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São Paulo
3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de
urbanização no Brasil
3.5 Evolução da legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação
do solo urbano2.6 Conclusão do Capítulo
4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
4.1 Evolução histórica do instituto na legislação brasileira
4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião
4.3 As Modalidades existentes do instituto na legislação brasileira
4.4 A Usucapião Coletiva Urbana.
4.5 Conclusão do Capítulo
5. A USUCAPIAO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE
IMPLEMENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO
5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do
direito à moradia dos habitantes das cidades que vivem nas áreas urbanas
ocupadas por favelas
5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas
paulistanas
5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções
para aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana
5.4 Comparação entre o instituto da usucapião coletiva urbana e outros
instrumentos de regularização fundiária existentes na legislação
5.5 Conclusão do Capítulo
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMÁRIO ANALÍTICO
APRESENTAÇÃO
1.INTRODUÇÃO........................................................................................................01
2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO À MORADIA E A PROPRIEDADE NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.............................................................................04
2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria...............05
2.2 A propriedade imóvel e a sua função social..............................................09
2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e
desenvolvimento da cidadania........................................................................11
2.3.1 O Direito à Moradia......................................................................12
2.3.2 A Agenda Habitat.........................................................................15
2.4 Conclusão do Capítulo...............................................................................16
3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE
URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO.......................................................18
3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de
Terras,..............................................................................................................19
3.1.1 O início da Colonização no Brasil e o Regime das Sesmarias....19
3.1.2 A Lei de Terras de 1850 e seus efeitos.......................................22
3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 1930
.........................................................................................................................23
3.2.1 As causas impulsionadoras do êxodo rural no Brasil..................23
3.2.2 A Urbanização na cidade de São Paulo......................................25
3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São
Paulo................................................................................................................26
3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de
urbanização no Brasil......................................................................................30
3.4.1 O Problema dos Incêndios decorridos das instalações elétricas e
moradias precárias...............................................................................30
3.4.2 O Problema das enchentes e inundações...................................31
3.4.3 O Problema dos escorregamentos e deslizamentos de
encostas...............................................................................................33
3.4.4 O Problema da proliferação de doenças por falta de saneamento
básico...................................................................................................35
3.4.5 O Problema da mobilidade urbana..............................................36
3.4.6 Os problemas da violência urbana e da segregação sócio-
espacial................................................................................................38
3.4.7 Quadros Ilustrativos com o mapa da Região Metropolitana da
Cidade e da cidade de São Paulo........................................................40
3.5 A legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação do solo
urbano.............................................................................................................45
3.6 Conclusão do Capítulo .............................................................................47
4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA..............................................50
4.1 O instituto da Usucapião na legislação brasileira......................................51
4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião......................................53
4.3 As Modalidades existentes do instituto na legislação
brasileira..........................................................................................................57
4.3.1 Usucapião Extraordinária............................................................58
4.3.2 Usucapião Ordinária....................................................................58
4.3.3 Usucapião Especial Rural............................................................59
4.3.4 Usucapião Familiar......................................................................59
4.3.5 Usucapião Administrativa.............................................................60
4.3.6 Usucapião Especial Urbana.........................................................61
4.4 A Usucapião Coletiva Urbana....................................................................61
4.5 Conclusão do Capítulo...............................................................................64
5. A USUCAPIAO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE
IMPLEMENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO.........................66
5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do
direito à moradia dos habitantes das cidades que vivem nas áreas urbanas
ocupadas por favelas.......................................................................................66
5.1.1 Urbanização, Urbanificação e Urbanismo....................................67
5.1.2 Políticas Urbanas.........................................................................69
5.1.3 O Papel do Poder Público na regularização fundiária e na
efetivação do direito à moradia.............................................................75
5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas
paulistanas.......................................................................................................82
5.2.1 Do Processo da Usucapião Coletiva Urbana...............................83
5.2.1.1 Do Rito............................................................................83
5.2.1.2 Da Legitimidade para a propositura da Ação.................83
5.2.1.3 Dos Efeitos da Ação.......................................................84
5.2.1.4 Do Direito à Assistência Judiciária Gratuita...................84
5.2.1.5 Organograma do Processo............................................85
5.2.3 As Ações de Usucapião Coletivas Urbanas ajuizadas por
Comunidades na cidade de São Paulo – Casos Práticos....................86
5.2.3.1 O Caso da Favela do Moinho.........................................86
5.2.3.2 O Caso da Favela Americanópolis.................................92
5.2.3.3 O Caso da Favela Jardim Paraná..................................94
5.2.3.4 O Caso da Favela Amadeu............................................97
5.2.3.5 O Caso do Assentamento Irregular do Parque
Florestal...................................................................................104
5.2.3.6 O Caso do Assentamento Irregular do Jardim dos
Álamos......................................................................................106
5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções
para aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana..............................107
5.3.1 Principais obstáculos para o sucesso da usucapião coletiva como
instrumento de regularização fundiário...............................................107
5.3.2 Possíveis soluções para tornar o instituto mais eficiente.........108
5.4 Comparação entre o instituto da usucapião coletiva urbana e outros
instrumentos de regularização fundiária existentes na legislação...............110
5.4.1 Bens Imóveis que não podem ser usucapidos..........................111
5.4.2 A Concessão de uso ou concessão de uso especial para fins de
moradia...............................................................................................112
5.4.3 A Demarcação Urbanística e a Legitimação da Posse..............116
5.5 Conclusão do Capítulo............................................................................119
CONCLUSÃO..........................................................................................................121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................125
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho foi elaborado a partir da linha de pesquisa da “Cidadania
modelando o Estado”, uma vez que pretende expor o instituto da usucapião coletiva
urbana como instrumento jurídico de regularização fundiária nas favelas paulistanas
na perspectiva do direito à moradia.
Dessa forma, inicia-se do entendimento de que a cidadania depende de um
conjunto de elementos, dentre eles a condição digna de vida que passa pelo acesso
a moradia digna que promova segurança, paz e dignidade ao indivíduo.
Para o alcance de tal objetivo, o objeto deste estudo visa expor, brevemente,
sobre as causas que resultaram no problema da ocupação do solo nos centros
urbanos brasileiros, bem como os problemas decorrentes de tal processo e, ainda,
analisar o instituto da usucapião coletiva urbana desde o seu surgimento, há treze
anos, quando entrou em vigor o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001.
Realizado o corte temático, há a vinculação com a linha de pesquisa “A
Cidadania modelando o Estado”, uma vez que é realizada uma reflexão e análise
mais de um dos principais instrumentos de regularização fundiária que, por
consequência, tem o objetivo de atender aos princípios constitucionais e efetivar o
direito à moradia como forma de inclusão social da população de baixa renda que
habita áreas ocupadas de forma irregular e, por conseguinte, é uma das
manifestações do direito de cidadania.
Por fim, esta dissertação é fundamentada pela pesquisa e pela analise
bibliográfica e jurisprudencial, bem como pela pesquisa e exposição de casos
práticos que envolvem a tentativa de regularização de algumas favelas paulistanas
por meio do instituto da usucapião coletiva urbana.
1
1. INTRODUÇÃO
O planeta Terra atingiu, recentemente, o número de 7 Bilhões de habitantes
no mundo1 e, com esta marca inédita, a questão de onde abrigaremos todos estes
novos moradores do planeta Terra, esta na agenda de todos os países do Globo
Terrestre.
Diante deste aumento na população mundial, da falta de espaços nas
principais cidades do mundo e no temor da falta de recursos para todos os
residentes deste planeta, num futuro próximo ou, ainda, mesmo que distante, é
notório que o mundo vive uma crise habitacional causado pelas aglomerações
desorganizadas em grandes centros urbanos, principalmente em países em
desenvolvimento, como no caso do Brasil.
Nesta lista de déficit habitacional, encontra-se o Brasil figurando como um
dos países que possui um dos maiores problemas de ocupação do solo2. A falta de
moradia ou de pessoas morando em habitações precárias e sem infraestrutura
alguma é um dos problemas fundamentais que impedem o progresso do País, tendo
em vista que refletem negativamente na economia e na sociedade dos grandes
centros urbanos brasileiros.
Dessa forma, o presente trabalho pretende discorrer, brevemente, sobre a
origem da ocupação do solo por assentamentos irregulares e favelas nos centros
urbanos do País, bem como os problemas decorrentes destas áreas que refletem
por toda a cidade e que resultam num caos urbano.
1 Dados extraídos do artigo: “Lotado, mundo bate a marca de 7 bilhões de habitantes” publicado em
31 de outubro de 2011 pela Reuters no site: http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE79U09G20111031
2 Em recente trabalho divulgado pelo IPEA, aponta que, baseado nos dados que
compreendem o período de 2007 a 2012, o déficit habitacional no Brasil em 2012 é de
aproximadamente 8,53%, na qual representa a falta atual de 5,24 milhões de residências
para abrigar, aproximadamente, 10,5 milhões de pessoas, conforme link:
http://www.infomoney.com.br/blogs/blog-do-rubens-menin/noticia/3089617/novo-estudo-ipea-sobre-
deficit-habitacional. Acesso em 17.06.2014.
2
Atualmente, a cidade de São Paulo, considerada centro financeiro da
América Latina, contabiliza mais de 1000 favelas espalhadas pelas cinco zonas
urbanas, mas com uma densidade maior nas regiões mais afastadas do centro da
cidade, isto é, nas regiões mais periféricas.
Entretanto, os problemas decorrentes das áreas de favelas refletem e
irradiam por toda a cidade, causando inúmeros problemas para seus habitantes e
prejudicando a qualidade de vida dos que residem na capital paulista, além, de ser,
estas áreas, polos de segregação socioespacial, o que impossibilita o
desenvolvimento da cidadania na cidade de São Paulo.
Dessa maneira, o presente trabalho é pertinente, tendo em vista que o tema
ocupa, atualmente, a agenda política e de organizações paraestatais que visam o
tratamento da falta de moradia ou de moradias subnormais por meio da
regularização fundiária e urbanização de tais áreas.
Para perseguir este objetivo, a dissertação inicia o seu trabalho explicando de
forma breve sobre a evolução histórica da ocupação das terras no Brasil, desde o
período do seu descobrimento, passando pelos períodos de colonização, instalação
do império e início da República, fazendo uma síntese sobre as normas para a
aquisição da propriedade imóvel para, num momento seguinte, expor o processo de
urbanização brasileiro, explanando, assim, os motivos prováveis que culminaram na
ocupação irregular de áreas periféricas e de risco dos grandes centros urbanos
brasileiros, mais especificamente, o ocorrido na cidade de São Paulo.
Pretende a dissertação, também, apontar, em síntese, alguns dos reflexos
causados pela ocupação irregular periférica na cidade de São Paulo, que resultam
numa exclusão social de parte da população e, consequentemente, no regresso ao
desenvolvimento da cidadania no País.
Nos capítulos subsequentes, pretendeu-se expor os conceitos de propriedade
e de sua função social, bem como do direito à moradia, enquanto direito social e
humano, conforme reconhecimento da Agenda Habitat, que resultou da Conferência
das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, realizada em 1996
na cidade de Instambul.
3
O trabalho, ainda, possui como objetivo, principal, analisar o instituto da
usucapião coletiva urbana, considerada, por muitos, como um instrumento de
política urbana, capaz de promover a regularização fundiária de parte das áreas
ocupadas por favelas, tendo em vista que só é possível no tratamento das favelas
que ocupam áreas privadas.
Para isso, faz uma breve exposição histórica sobre o instituto, os seus
requisitos e as modalidades previstas em nossa legislação para, no momento
seguinte, iniciar a analise da modalidade da usucapião coletiva urbana, com a
exposição de suas peculiaridades em relação às outras modalidades, os seus
requisitos, os procedimentos e efeitos da ação e, ainda, a exposição de seis casos
práticos da tentativa de utilização do instituto em favelas e assentamento irregulares
paulistanos, em trâmite perante o Poder Judiciário de São Paulo.
Por fim, visa discorrer, brevemente, sobre outros dois instrumentos jurídicos,
existentes em nossa legislação, que podem servir de mecanismos alternativos para
a solução da questão fundiária nas áreas urbanas do País e, consequentemente, da
cidade de São Paulo.
4
2. O DIREITO À MORADIA, À PROPRIEDADE E À POSSE NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
No presente capítulo, pretende-se relacionar a efetividade do direito à
moradia e o alcance da cidadania à aquisição da propriedade, no caso, da
propriedade imóvel.
Para isso, se faz pertinente, iniciar o trabalho, diferenciando, de forma breve,
os conceitos de posse e propriedade, uma vez que ambos os direitos, apesar de
estarem relacionados e possuírem efeitos e conflitos entre eles, observa-se que no
caso particular da usucapião, objeto principal de estudo nesta dissertação, o direito à
posse se sobrepõe ao direito de propriedade, entretanto, isso ocorre, justamente,
porque em nossa legislação, o direito individual do titular da propriedade imobiliária
possui como limitador constitucional e legal, o cumprimento da função social da
propriedade, tendo em vista que o direito absoluto do proprietário na legislação
anterior a Constituição Federal de 1988, sofreu uma alteração no seu paradigma, ao
ascender o direito da coletividade à uma importância maior do que o direito
individualista da propriedade liberal, prevista, anteriormente, no Código Civil de
1916.
Essa limitação imposta ao direito do proprietário visa proteger os interesses
da coletividade e extinguir com as propriedades especulativas e não produtivas,
importando, caso não haja o cumprimento da função social do imóvel, na perda do
mesmo para um possuidor que tenha o animus domini, isto é, a vontade de ser
proprietário do bem e de zelar por ele, seja tornando produtivo ou para fins de
moradia, requisitos que resultam na diminuição dos prazos para a aquisição
prescritiva, conforme previstos no Código Civil de 2002.
Além dessa distinção necessária e importante entre os conceitos de posse e
propriedade, para o desenvolvimento do trabalho, é realizada uma breve exposição
das características e da previsão legal da função social da propriedade.
Por fim, será tratado o direito social à moradia, sua inclusão na legislação
brasileira e sua origem para, em seguida, relacionar a sua efetividade à aquisição da
5
propriedade imóvel como forma de promover a inclusão social da população de
baixa renda e, consequentemente, desenvolver a cidadania no país.
2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria
Atualmente, apesar de tênue, a diferenciação entre posse e propriedade é
notada no modo em que cada uma é tratada em nossa legislação, uma vez que
entre os dois institutos pesem diferenças importantes em relação aos seus efeitos.
Esses dois institutos já tiveram uma relação mais estreita no início da história
do Brasil, quando na fase colonial, especialmente no período em que houve a
vigência do regime das sesmarias, a propriedade só era possível de ser adquirida se
houvesse a posse produtiva do imóvel.
O distanciamento entre a posse e a propriedade se deu com o surgimento da
Lei de Terras que transformou a propriedade imobiliária em mercadoria, afastando a
necessidade da posse da terra ser produtiva para a aquisição da propriedade como
ocorria no regime das sesmarias.
Cláudia Fonseca Tutikian, esclarece que:
A legislação modificou drasticamente a forma de aquisição de imóveis – especialmente em função de que a terra passou a ser considerada mercadoria quando adquiriu valor venal -, passando da exclusiva doação de terras públicas para a compra e venda de terras públicas e privadas, tendo inclusive, sido vetada a aquisição de terras pela posse. Destarte, com esta legislação houve a ruptura jurídica e definitiva, e que vigora até os dias de hoje, da posse e propriedade, estas foram categoricamente “descasadas”3.
Assim, a Lei de Terras causou a separação entre os dois institutos e
permaneceu até a vigência do Código Civil de 1916, uma vez que não estabeleceu a
necessidade do proprietário de um imóvel exercer a posse produtiva ou para fins de
3 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 175.
6
moradia, resultando numa propriedade cuja característica era de absoluta, que
resguardava os direitos individuais do proprietário em detrimento da coletividade,
uma vez que pouco importava qual seria a finalidade com que teria o título de
proprietário do bem, sem se preocupar em ocupar e exercer a posse daquela
propriedade imóvel, podendo, inclusive, ser utilizada de forma especulativa em prol
do mercado imobiliário.
Tutikian explica que:
A Lei de terras vigeu de 1850 a 1916, quando o Código Civil de 1916 foi promulgado. Apesar das diversas mudanças na legislação, na parte da posso e da propriedade, a normatização anterior foi mantida; portanto, no Código Civil de 1916, a questão da posse e da propriedade permanecia nos mesmos moldes: “descasada”. Em razão disto, a legislação do Código Civil de 1916 chancelou a não necessidade do titular da propriedade imobiliária exercer a posse produtiva ou de moradia.4
Assim, a noção individualista e absoluta da propriedade imobiliária foi mantida
pelo Código Civil de 1916 e permanece influenciando até hoje o modelo de
aquisição da propriedade imobiliária em nosso País, bem como os efeitos gerados
pela posse e pela propriedade de um bem imóvel.
Atualmente, observa-se que a posse e a propriedade são protegidas pela
nossa legislação. Entretanto, cada uma delas possui efeitos distintos e que
influenciam o outro de forma a se chocarem quando temos em conflito o direito de
um proprietário e o direito de um possuidor sobre o mesmo bem imóvel.
Neste sentido, Azevedo Júnior explica que:
Existe um choque entre o direito de propriedade e a posse. Esse choque acontece porque, ao mesmo tempo em que a lei protege o direito do proprietário, ela protege, em certas circunstâncias, o direito do possuidor. Nos dias de hoje, o choque fica mais evidente porque a proteção do direito do proprietário já não é tão robusta como foi antigamente. E a proteção do direito do possuidor é cada vez mais forte. Uma diminui e a outra aumentou. Tanto que cada vez mais, a lei
4 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 176.
7
facilita a conversão da posse em propriedade por meio do usucapião.5
O direito de propriedade sofreu limitações desde a entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, do Código Civil de 2002, enquanto
a posse ganhou maior importância em nossa legislação ao tratar da aquisição de
bens imóveis e seus efeitos.
Isto ocorreu porque a propriedade liberal, que privilegiava o direito individual
do proprietário em detrimento da coletividade, no Código Civil de 1916, foi
substituída pela ideia de coletividade e função social pelo legislador da Constituição
e do Código Civil de 2002.
Entretanto, cumpre ressaltar que a posse e a propriedade continuam
separadas, apesar do poder constituinte e do legislador do Código Civil de 2002
terem estabelecido a função social da propriedade como limite ao uso desta, uma
vez que a função social estabelecida por ambos, não deixou claro os requisitos ou
critérios para que uma propriedade imóvel atinja a sua função social, deixando a
cargo da doutrina interpretar.
Tutikian, dissertando sobre o tema, esclarece que:
Apesar de o princípio da função social ter sido recriado na Constituição Federal e no Código Civil vigente com a pretensão de revincular a posse e a propriedade, não conseguiram atingir seu escopo. A tentativa da função social de “recasar” a posse e a propriedade foi infrutífera por duas razões principais: a primeira é que o termo vago da “função social” não definiu essa circunstancia, deixando a conceituação ao intérprete; a segunda é que o restante da legislação, a respeito da posse e da propriedade, permaneceu exatamente nos mesmos moldes da legislação anterior, o que propiciou a manutenção da não ligação dos institutos. Ainda em relação à propriedade imobiliária rural, a Constituição Federal, há alguma construção, especialmente no sentido de exigir que o titular da terra a utilize produtivamente, mas em relação à propriedade imobiliária urbana não há previsão legal. Assim, a posse e a propriedade continuam “descasadas” e somente haverá uma mudança na estrutura quando a função social for devidamente aprimorada ás necessidades – é aqui justamente que se precisa realizar a
5 AZEVEDO JR, José Osório de. Direitos imobiliários da população de baixa renda. São Paulo:
Sarandi, 2011. p. 32.
8
autopoiese do subsistema para adaptar e evoluir a expectativa cognitiva desapontada (função social).6
Apesar do exposto, a alteração de paradigma é notada quando se observa os
prazos para a usucapião, pois todos os prazos das modalidades previstas no Código
Civil de 1916 sofreram uma diminuição substancial no Código Civil de 2002,
demonstrando a preocupação do legislador pátrio em proteger a posse dos
indivíduos que utilizam o bem imóvel para moradia, cumprindo, assim, com a função
social da propriedade, em detrimento do direito do proprietário que por algum motivo
não cuidou de sua propriedade.
Cumpre ressalvar que mesmo na modalidade da usucapião em que a lei não
estabelece a necessidade do possuidor morar no imóvel ocupado, como no caso do
caput do artigo 1228 do Código Civil de 20027, que trata da usucapião extraordinária,
houve diminuição do prazo de 20 para 15 anos, mesmo se o possuidor estiver de
má-fé.
Esta proteção dada ao possuidor, em detrimento do direito do proprietário do
bem imóvel, tem como fundamento o objetivo de alcançar a função social da
propriedade toda vez que o proprietário não o fizer, abrindo, assim, a possibilidade
do possuidor que cuida do bem e zela por ele como se fosse seu, de adquirir o bem
em questão.
Sobre os argumentos e fundamentos desta proteção da posse, Azevedo
Junior sustenta que:
6 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 176/177. 7José Pedro Lamana Paiva explica que: “A Usucapião Extraordinária é aquisição da propriedade pelo
prolongado exercício da posse. Isto é, independe de justo título e da boa-fé, não necessitando que o requerente faça prova. O único requisito que o autor da ação deve comprovar é a posse; a posse qualificada: com ânimo de dono, mansa, pacífica, ininterrupta e contínua, nos termos do artigo 1.238 do Código Civil. Esse dispositivo legal também traz dois prazos distintos de usucapião. Não em razão da proximidade espacial do proprietário e do possuidor, mas em razão da finalidade da posse. Dessa forma, em regra, o prazo da usucapião extraordinária é de quinze anos. Contudo, esse prazo é reduzido para dez anos, se a posse concretizar o direito à moradia, ou se no imóvel o possuidor realizou obras ou serviços de caráter produtivo (posse-trabalho), consoante o parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil.” PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião extrajudicial e sua viabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: WWW.lamanapaiva.com.br/banco_arquivos/usucapiao.pdf Acesso em: 10.02.2014.
9
A lei defende a posse em nome da paz social. Na verdade, o passar do tempo traz alterações na vida social e acaba alterando o próprio direito. O que era justo e compreensível em uma época já não é mais em outra. Por causa dessa nova situação, a lei entendeu de dar direitos ao mero possuidor de uma coisa mesmo sabendo que, antes, ele não tinha direito algum sobre aquela coisa.
Observa-se, assim, que no início da ocupação do solo brasileiro pelos
portugueses, a noção de função social estava presente na Legislação que regulava
esta ocupação na época, uma vez que tornava obrigatória a efetiva ocupação e
cultivo da área doada pela Coroa Portuguesa para que o Capitão não perdesse o
direito sobre a ocupação da terra doada.
Entretanto, esta noção de função social da propriedade, desaparece com a
Lei de Terras, quando esta estabelece que para a aquisição da terra não houvesse
mais a necessidade de cultivar ou ocupar a mesma, instante em que tornou a
propriedade em mercadoria e, portanto, adquirida pela compra mesmo sem intuito
de ocupar ou cultivar o solo, protegendo o direito do proprietário numa época que a
propriedade passou a ter uma característica absoluta.
Atualmente, a função social da propriedade esta presente em nosso
ordenamento jurídico, prevista tanto em nossa Constituição Federal como no Código
Civil de 2002, alterando a noção da propriedade imóvel e os efeitos em relação a
posse e propriedade.
2.2 A propriedade imóvel e a sua função social
A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 5º, inciso XXII, o direito
de propriedade como um direito fundamental e, ainda, dispõe, no inciso XXIII, que a
propriedade deverá atender a sua função social.8
8 Constituição Federal de 1988: Título II: DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: Capítulo
I: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos
10
Assim, nota-se que a propriedade imóvel privada, individualista e absoluta do
Código Civil de 1916, oriunda de um conceito liberal, na qual os direitos do
proprietário não sofriam limitações, sofreu alterações importantes em nossa
legislação mais recente, uma vez que passou a ser limitado a sua utilização ao
cumprimento de sua função social.
Observa-se que o princípio da função social introduzido pela Constituição
Federal de 1988 e pelo Código Civil de 20029 teve como principal objetivo relativizar
o caráter absoluto e individualista da propriedade imobiliária liberal, com o intuito de
acabar com a propriedade privada especulativa e, ainda, fazer com que a
propriedade cumpra um papel econômico e social em prol do bem-estar coletivo.
Sobre o assunto, José Afonso da Silva explica que:
A função social manifesta-se na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade não pode mais ser tido como um direito individual. A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza.10
Entretanto, nota-se, que tal princípio se mostra bastante vago, uma vez que o
legislador não aponta critérios que definam quando uma propriedade imobiliária
cumpre ou não a sua função social, conforme visto no item anterior, deixando a
interpretação aberta ao intérprete.
Para que a função social seja atingida, a propriedade imobiliária deve ser
explorada, tornando-se produtiva ou servindo de moradia para um indivíduo ou uma
família e, ainda, respeitando o meio-ambiente, evitando a degradação ambiental
decorrente da utilização do bem imóvel, conforme entendimento do Código Civil de
2002.
seguintes: (...) XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.” 9 Parágrafo 1º do artigo 1228 do Código Civil: “o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.” (grifo nosso). 10
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 273.
11
Mais importante, ainda, é que a propriedade imóvel privilegie o interesse
social da coletividade, a fim de promover o bem-estar social por meio da
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por uma população
vulnerável economicamente e socialmente11.
Neste sentido, Dallari e Ferraz explicam que:
A ideia de função social da propriedade envolve a prevalência do interesse social, do bem coletivo e do bem-estar da coletividade, bem como da persecução e consecução da regularização fundiária e a urbanização das áreas ocupadas por populações de baixa renda.12
Assim, a importância da função social da propriedade é que as políticas
públicas devem orbitar em torno dela, a fim de promover a inclusão social dos
moradores excluídos da cidade legal por meio da regularização fundiária e,
posterior, urbanização das áreas de favelas, possibilitando, assim, o
desenvolvimento da cidadania da população vulnerável economicamente e
socialmente.
2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e
desenvolvimento da cidadania
Desde o início de nossa história, a aquisição de uma propriedade imóvel era
sinal de status ou ascensão social, uma vez que a propriedade, a partir da Lei de
Terras, de 1850, tornou a propriedade em mercadoria, adquirida apenas por meio da
compra do bem imóvel.
Dessa maneira, a distribuição de riqueza, em nosso país, está intimamente
relacionada com o poder aquisitivo de cada indivíduo, se tornando num item de
11
A vulnerabilidade econômica e social se dá pelo fato da população que habita as áreas de favelas
estarem excluídos da cidade legal, notada pela segregação sócio-espacial e, ainda, por não possuírem condições financeiras ou recursos que permitam a aquisição de uma moradia digna. 12
DALLARI, Adilson Abre, FERRAZ, Sérgio. (coord.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p.145.
12
desejo de qualquer cidadão brasileiro e, ainda, mais importante, necessário para que
esteja inserido numa condição digna de vida.
Por esta razão, aqueles que moram em moradias precárias, localizadas em
assentamentos irregulares ou ilegais, em áreas de risco, sem infraestrutura básica
de saneamento, eletricidade e outros serviços públicos básicos, encontram-se às
margens da cidade considerada legal e, portanto, estão inseridos numa massa de
excluídos socialmente.
Diante dessa explanação, é necessário ressaltar que a moradia é um
parâmetro de mensuração da qualidade e padrão de vida de um indivíduo,
considerado como necessidade básica para que seja configurada que determinado
indivíduo possua uma vida digna, conforme entendimento da Agenda Habitat, na
qual trataremos nos subitens a seguir.
2.3.1 O Direito à Moradia
O direito à moradia é um dos direitos sociais previstos no artigo 6º da
Constituição Federal de 1988, inserido de forma expressa por meio da Emenda
Constitucional nº 26/2000 e, teve, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
sua fonte originária no direito internacional dos direitos humanos, sendo reconhecida
como uma necessidade básica da pessoa humana.
Nelson Saule, explica que:
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à moradia tem a sua origem no artigo XXV, que dispõe sobre o direito a um padrão de vida adequado da seguinte forma: 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.13
13
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.90.
13
Saule, ainda, sobre a origem do direito à moradia em nosso ordenamento
jurídico, explica que a compreensão deste direito e as suas formas de proteção
internacional são decorrentes de um conjunto de normas previstas por diversos
instrumentos internacionais de direitos humanos, na qual se podem citar o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados pelo Brasil14 por meio dos Decretos 591
de 6 de julho de 1992 e 592 de 6 de julho de 1992, respectivamente.
Nestes Pactos, das quais foram ratificados pelo Brasil, o artigo 11 do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece que: “Os
Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível
de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e
moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de
vida.”15
Saule, afirma que: o artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, contém o principal fundamento do reconhecimento do direito à
moradia como um direito humano, do qual gera, para os Estados-partes signatários,
a obrigação legal de promover e proteger esse direito, sendo este o principal
fundamento para o Estado brasileiro ter essa obrigação e responsabilidade.
Nas palavras de Saule Junior:
O tratamento constitucional sobre o direito à moradia deve ser extraído dos princípios constitucionais das normas estabelecidas sobre os direitos fundamentais, sobre a repartição de competências entre as entidades da Federação Brasileira e sobre a política urbana, no que diz respeito à proteção deste direito nas cidades brasileiras.16
Contudo, sendo ou não responsabilidade do Estado brasileiro, depreende-se
que o direito à moradia, também, é meio para garantir outros direitos sociais e
14
Existem outras Convenções e Pactos Internacionais ratificados pelo Brasil e que tratam de direitos
sociais, dos quais o direito à moradia encontra-se protegido, entretanto, o presente trabalho optou por não abordá-los, uma vez que se pretende, apenas, demonstrar a origem do direito à moradia no nosso ordenamento jurídico. 15
Artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. 16 SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.165.
14
fundamentais ao cidadão, dispostos pela Constituição Pátria, como saúde,
segurança, liberdade de ir e vir, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei, entre outros não citados aqui.
É notório que as moradias precárias que se localizam numa área de favela,
local onde, geralmente, possui o tráfico de drogas controlando a área, além da falta
de saneamento básico e do acesso de um transporte público descente pela falta de
infraestrutura básica, resultam no cerceamento de outros direitos sociais e
fundamentais, como os citados acima.
Isto se deve ao fato de que nas favelas, controladas pelo tráfico, existem o
toque de recolher, o que cerceia o direito de ir e vir do cidadão; a falta de
infraestrutura básica impede o acesso de serviços públicos básicos como o
recolhimento de resíduos sólidos e de agentes de saúde; as ruelas estreitas
impedem o acesso de um ônibus, atrapalhando, inclusive o meio de ida e vinda do
trabalho do cidadão.
Promover a regularização fundiárias e a urbanização dessa áreas é uma
forma de incluir os cidadão residentes dessas moradias precárias na cidade legal, na
qual o cidadão tenha a oportunidade de se desenvolver profissionalmente,
economicamente e socialmente.
Nesse sentido, Tutikian esclarece que:
É importante ressaltar que a legalização da propriedade imobiliária, antes de ser interesse da cidade e condição para o progresso, é uma forma de alavancar a cidadania, de trazer as pessoas que vivem à margem da sociedade para “dentro do sistema”.17
Dessa forma, além de fundamental, o direito à moradia é imprescindível para
a consecução de outros direitos sociais e fundamentais garantidos pela Constituição
Federal de 1988.
17
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 204.
15
3.3.2 A Agenda Habitat
Na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat
II, realizada em Instambul, em 1996, na qual originou a Agenda Habitat, último
documento internacional relevante sobre o direito à moradia e, que reconheceu este
direito como um direito humano, teve como principais temas globais a Adequada
Habitação para Todos e o Desenvolvimento de Assentamentos Humanos
Sustentáveis de um Mundo em Urbanização. 18
Neste sentido, Saule Junior esclarece que:
Resulta desta norma que a moradia, como uma necessidade de toda pessoa humana, é um parâmetro para identificar quando as pessoas vivem com dignidade e têm um padrão de vida adequado. O direito de toda pessoa humana a um padrão de vida adequado somente será plenamente satisfeito com a satisfação do direito a uma moradia adequada.(...) A finalidade do direito à moradia, que pode ser extraído das normas internacionais de direitos humanos, é fruto da combinação dos valores da dignidade da pessoa humana e da vida que resulta na finalidade de toda pessoa ter um padrão de vida digno.O alcance da finalidade do direito à moradia depende do resultado da equação moradia e padrão de vida. Se o resultado for pessoas com moradia adequada igual a pessoas com padrão de vida adequado, a finalidade do direito à moradia estará sendo atingida. (...) O direito à moradia pode ser considerado plenamente satisfeito a partir da existência de três elementos que são: viver com segurança a partir da existência que são: viver com segurança, viver com paz, e viver com
18 A definição da Agenda Habitat sobre a adequada habitação, que deve ser sadia, segura, protegida,
acessível, disponível e incluir serviços, instalações e comodidades básicas e o gozo de liberdade frente a discriminações de moradia e segurança jurídica da posse foi tida como parâmetro. Os elementos integrantes do direito à moradia que devem ser objeto de proteção e garantia na ordem jurídica brasileira são os seguintes: a) Segurança Jurídica da Posse: todas as pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamentos e outros tipos de ameaças; b) Disponibilidade de Serviços e Infra-estrutura: acesso ao fornecimento de água potável, fornecimento de energia, serviço de saneamento e tratamento de resíduos, transporte, iluminação pública; c) Custo da Moradia Acessível: adoção de medidas para garantir a proporcionalidade entre os gastos com habitação e a renda das pessoas, criação de subsídios e financiamentos para os grupos sociais de baixa renda, proteção dos inquilinos contra aumentos abusivos de aluguel; d) Habitabilidade: a moradia deve ser habitável, tende condições de saúde, física e salubridade adequadas; e) Acessibilidade: constituir políticas habitacionais contemplando os grupos vulneráveis, como os portadores de deficiência, os grupos sociais empobrecidos, vítimas de desastres naturais ou de violência urbana, conflitos armados; f) Localização: moradia adequada significa estar localizada em lugares que permitam o acesso às opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de saúde, escolas, cultura e lazer; g) Adequação Cultural: respeito à produção social do habitat, à diversidade cultural, aos padrões habitacionais oriundios dos usos e costumes das comunidades e grupos sociais.
16
dignidade. O núcleo básico do direito à moradia é constituído,
portanto, pela segurança, pela paz e pela dignidade.19
A Agenda Habitat, ainda, estabeleceu, um plano global de ação como forma
de orientar os esforços nacionais e internacionais para melhoria nas condições dos
assentamentos humanos, fundamentados em princípios, metas e compromissos,
também estabelecidos pelo documento.
No preâmbulo do documento, reconhece que o acesso à habitação sadia e
segura e aos serviços básicos são essenciais para o bom estado físico, psicológico,
social e o bem-estar econômico dos seres humanos, além de ser fundamental que
hajam ações urgentes voltadas para a parcela de 1 bilhão de pessoas que não
possuem condições dignas de vida.
2.4 Conclusão do Capítulo
Em síntese, nota-se que tanto o direito à posse como o direito à propriedade
são protegidos em nosso ordenamento jurídico. Como visto, houve uma alteração no
paradigma do direito à propriedade diante da função social da mesma como
limitador do direito do proprietário de bem imóvel, cuja concepção, individualista e
absoluta adotada pelo Código Civil de 1916 (que era influenciado pela propriedade
liberal), foi substituída por um entendimento de prevalência do bem-estar social e
dos interesses da coletividade sobre os direitos individuais do proprietário imobiliário.
Esta alteração de paradigma do direito de propriedade encontra-se fundada
nos direitos fundamentais e sociais da Constituição Federal de 1988 que, por
conseguinte, influenciou o dispositivo que trata da propriedade imóvel no Código
Civil de 2002, bem como nas alterações dos prazos para usucapir um bem imóvel.
O direito social à moradia, trazida para a nossa Constituição Federal por meio
da Emenda Constitucional nº 26 de 2000, teve a sua origem na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, na qual reconheceu este direito como necessidade
básica para um ser humano.
19
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.132/133.
17
Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vários documentos
originados de Pactos e Convenções Internacionais trataram do direito à moradia,
sendo, posteriormente, ratificados pelo Brasil como, por exemplo, os Pactos
Internacionais de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e
Políticos.
Como último documento relevante que trata do assunto, tem-se a Agenda
Habitat, que reconhece o direito à moradia como um direito humano e fundamental
para o bom desenvolvimento psicológico, físico e social de um indivíduo, além de
parâmetro para identificação da existência ou não do mínimo existencial para a
dignidade humana.
Dessa maneira, entende-se que o direito à moradia, efetivado pela aquisição
da propriedade imobiliária, por meio de um dos instrumentos de regularização
fundiária, seja uma das formas de desenvolvimento da cidadania, tendo em vista
que o acesso a uma moradia digna, segura e que promova a paz social, resulte na
inclusão social da parcela de habitantes das áreas urbanas que habitam em áreas
impróprias para a moradia e constituição de um lar digno para a sua família.
18
3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE
URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO
Nesse capítulo, pretende-se demonstrar a origem do conflito de terras no
Brasil, as causas para a ocupação do solo nos centros urbanos que resultou no
surgimento das áreas de favelas, bem como os problemas decorrentes dessa
favelização, na qual promove uma segregação sócio-espacial de exclusão de parte
significativa da população brasileira, que habita as cidades, impedindo o
desenvolvimento da cidadania2021 no País; bem como uma análise, breve, da relação
dessas áreas com os problemas que serão elencados.
O conflito de terras no Brasil tem sua origem no modelo de ocupação
implantado pela Coroa Portuguesa, desde o início da colonização do solo brasileiro,
por meio da distribuição das terras, após divisão das Capitanias Hereditárias.
Além desse modelo de distribuição e ocupação do solo pela Coroa
Portuguesa, observa-se que alguns eventos, no decorrer da história do país,
colaboraram para o caos urbano e o conflito por terras que temos nas principais
metrópoles brasileiras.
Assim, pode-se citar que: a Lei de Terras, como primeiro diploma legal a
tentar promover a regularização fundiária, diante da falta de fiscalização da Coroa
Portuguesa, que não conseguia controlar se as terras doadas estavam sendo
20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Editora Cortez, 1997.p.243, citando Marshall explica que: “A Cidadania não é monolítica; é constituída por diferentes tipos de direitos e instituições; é produto de histórias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos sociais diferentes.”
21 Boaventura ainda tratando sobre cidadania expõe que: “Os direitos cívicos correspondem ao
primeiro momento do desenvolvimento da cidadania; são os mais universais em termos da base social que atingem e apóiam-se nas instituições do direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos políticos são os mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas políticos em geral. Por último, os direitos sociais só se desenvolvem no nosso século e, com plenitude, depois da Segunda Guerra Mundial; têm como referência social as classes trabalhadoras e são aplicados através de múltiplas instituições que, no conjunto, constituem o Estado-Providência.” SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Editora Cortez, 1997. p.244
19
cultivadas e ocupadas, conforme o regime das sesmarias; a Lei Áurea22 que
concedeu a liberdade aos escravos brasileiros, mas que libertos não tinham
oportunidade de sobreviver de forma digna e tão pouca possibilidade de uma
moradia digna, tendo que ocupar cortiços e espaços que não possuíam valor para o
mercado imobiliário da época; o modo como ocorreu o processo de urbanização nas
principais cidades do país a partir da década de 30, quando o país ingressava no
período industrial e entrava em vigor uma legislação trabalhista que não tutelava o
direito dos trabalhadores rurais, atraindo esse contingente de mão de obra para os
centros urbanos de maneira intensa e sem um planejamento do poder público para
suportar a demanda, bem como os altos preços das propriedades imobiliárias
ditadas pelo mercado imobiliário da época, que culminaram na ocupação dessa
massa em espaços periféricos da cidade ou em loteamentos clandestinos, das quais
não interessavam ao mercado imobiliário, bem como outros fatores que será tratado
nesse capítulo.
3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de Terras
3.1.1 O início da Colonização no Brasil e o Regime das Sesmarias
A ocupação do solo brasileiro, com o objetivo de colonização teve início em
153023, portanto, trinta anos após o descobrimento do Brasil pela expedição chefiada
por Pedro Ávares Cabral. Neste inicio de colonização e ocupação do solo brasileiro,
os poderes para realizar a ocupação das terras brasileiras se concentrava na figura
do governante e representante direto do rei, denominado, também, de Capitão-mor.
22
Cumpre esclarecer que o entendimento não orbita no sentido de que a liberdade dos escravos só poderia estar condicionada ao direito de propriedade privada para os mesmos, mas a observação se faz necessária a fim de justificar e relacionar os efeitos que a Lei Áurea teve na distribuição e
ocupação do solo brasileiro. 23
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011: “O rei Dom João III organizou uma grande expedição, com cinco embarcações com quatrocentos portugueses, providas de equipamentos necessários para iniciar o povoamento, tais como ferramentas, sementes e animais. Esta expedição era chefiada pelo fidalgo Martim Afonso de Souza, que na colônia se transformaria em Capitão-mor, com plenos poderes para organizar e manter a colonização.”
20
Entretanto, alguns anos após o início da colonização e ocupação do solo
brasileiro, este poder centralizado passa a ser compartilhada e dividida entre os
titulares das capitanias hereditárias24.
A partir deste instante, o território brasileiro passa a ser dividida em quinze
capitanias hereditárias doadas pela Coroa Portuguesa aos Fidalgos de confiança do
Rei, para ocupação e cultivo da terra, forma de expandir o território colonizado,
conforme ilustração abaixo.
MAPA DA DIVISÃO DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS25
É necessário esclarecer que as capitanias tinham como características a
inalienabilidade, indivisibilidade e hereditariedade, o que significava que o titular da
capitania, não poderia subdividi-la, nem mesmo alienar a concessão recebida pela
Coroa portuguesa, sendo apenas transferido o direito de concessão aos seus
sucessores, após o falecimento de seu titular.
24
Segundo Tutikian: “Apesar das capitanias hereditárias serem consideradas a primeira forma de propriedade imobiliária no país, suas características pouco se assemelham com a propriedade atual. A propriedade de capitanias se caracterizava por elementos diversos dos conhecidos atualmente e com o objetivo preciso de garantir a soberania da Coroa sobre a colônia”. TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011 25
MAPA DA DIVISÃO DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Imagem extraída do link:
http://www.estudopratico.com.br/sistema-de-capitanias-hereditarias-do-brasil/. Acesso em 14.06.2014.
21
Este direito de concessão, observa-se que era apenas o direito à posse26 e
não à propriedade, pois, como já mencionado, as capitanias hereditárias não podiam
ser alienadas, nem subdivididas, mas apenas transmitidas aos sucessores do titular
das capitanias que continuariam a serem os únicos responsáveis perante a Coroa
pela ocupação e exploração das terras brasileiras.
Esta concessão, também, estipulava que o exercício da posse pelo titular da
capitania deveria ser de 20% do território total da capitania, devendo o restante da
área ser concedida para outras pessoas que tivessem o interesse de cultivá-la,
podendo a concessão do direito à posse ser cassada pela Coroa, caso a área
concedida não se tornasse produtiva, surgindo, assim, o regime das Sesmarias27.
O regime das sesmarias possui duas fases, na qual a primeira se caracteriza
pela concessão apenas da posse da terra, uma vez que a propriedade continuava a
ser totalmente da Coroa portuguesa.
Na segunda fase do sistema das sesmarias, a Coroa, visando dirimir os
conflitos oriundos das falhas de fiscalização sobre as áreas concedidas e da falta de
controle sobre as mesmas, uma vez que a própria Coroa Portuguesa desconhecia
quem eram os sesmeiros e se estes estavam cultivando as terras de fato, inicia o
processo de regularização fundiária, transferindo o título de domínio da terra para os
sesmeiros que comprovassem o cumprimento das condições28 de cultivo da terra,
moradia, demarcação da área utilizada e o pagamento do dízimo à Ordem de Cristo.
Segundo Cláudia Tutikian, o surgimento do sistema das Sesmarias foi que
originou os latifúndios de terras no Brasil, cujos efeitos são sentidos até os dias de
hoje e principal causadora da conjuntura desordenada do território nacional. E
26
TUTIKIAN explica que: “O instituto jurídico utilizado na época era uma analogia ao hoje conhecido direito real de usufruto, em que a nua-propriedade era de Portugal e o domínio útil – a potencialidade de cultivo e de moradia das terras – era dos titulares das capitanias.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.90. 27
TUTIKIAN ensina que: “A estrutura das sesmarias, na sua primeira fase, não previa nenhum título
de propriedade. (...) A propriedade destes imóveis, ou melhor, de todo o território brasileiro, continuava a ser de um único proprietário: a Coroa Portuguesa.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.92. 28
TUTIKIAN expõe que: “Foi diante da conjuntura de completo caos nas terras da colônia que Dom Pedro II decidiu expedir a Carta Régia de 1795, dando início à segunda fase das sesmarias, momento que o processo da propriedade principia no país.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.94.
22
observa, ainda, a autora, que isto ocorreu pelo fato dos territórios das sesmarias
serem muito grande e pela falha de fiscalização da Coroa em averiguar se as terras
concedidas estavam mesmo sendo cultivadas e se não havia mais de uma área
concedida para uma mesma pessoa.29
Como resultado deste processo, da qual das capitanias hereditárias surgem
as sesmarias, temos o surgimento da propriedade imobiliária privada como forma
derivada da propriedade imobiliária pública, sendo o regime das sesmarias a
responsável pela origem embrionária da propriedade privada que conhecemos
atualmente.30
3.1.2 A Lei de Terras de 1850 e seus efeitos
O regime das sesmarias, em sua segunda fase, na qual regulava a aquisição
da propriedade imobiliária, durou até 1822. Após este período, que coincide com o
início do período imperial no Brasil, a normatização sobre o modo de aquisição do
domínio de terras no país só encontrou previsão na Lei de Terras de 1850, portanto,
praticamente trinta anos após o fim do regime das sesmarias.
Durante estes trinta anos em que não houve uma legislação do modo de
aquisição da propriedade imóvel, o que ocorreu foi a ocupação do solo mediante a
posse desordenada e sem fiscalização do Império, culminando num cenário
imobiliário caótico de ocupação do solo brasileiro.
Assim, a Lei de Terras teve como objetivo principal a regularização do caos
fundiário no país31, promovendo a delimitação das terras públicas e privadas, bem
como a regulamentação da titularidade e registro destas propriedades que se deram
29
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 93. 30
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 97. 31
TUTIKIAN explica que: “A primeira medida da Lei de Terras foi reconhecer o direito dos sesmeiros e
dos posseiros que estivessem com as terras cultivadas e utilizando para moradia, conforme o artigo 4º da Lei.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.101.
23
por meio do Registro do Vigário32, estabelecido pelo decreto nº 1.318 de 1854, que
regulava a Lei de Terras.
A Lei de Terras de 1850, apesar de ter papel importante na regularização
fundiária do caos imobiliário presente na época, acabou com o mecanismo de
retomada de terras improdutivas, tornado o caráter da propriedade imóvel, a partir
da sua vigência, absoluto, uma vez que bastava ao proprietário ter o título de
domínio da terra sem a necessidade de torná-la produtiva ou para fins de moradia.
Como consequência deste fato, a Lei de Terras acabou com a primitiva noção
de função social da propriedade imóvel no país, pois os proprietários de terras não
precisavam mais cultivar ou morar nas suas áreas, sob pena de perder o seu direito
à terra no caso de não cumprir com as condições de utilização do solo.
Dessa maneira, cabe ressalvar, para melhor entendimento sobre a alteração
da noção de propriedade imobiliária trazida pela Lei de Terras, que anteriormente a
esta Lei, a terra era cedida gratuitamente com o ônus para o adquirente de torná-la
produtiva, mas com a vigência da Lei de Terras, as terras passam a ser adquiridas
mediante um valor pecuniário, portanto, sem mais a gratuidade e, também, a
contraprestação de ter que cultivá-la33, tendo um resultado bastante danoso para a
expansão territorial e distribuição de terras no Brasil.
3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 30
3.2.1 As causas impulsionadoras do êxodo rural no Brasil
O processo de urbanização brasileiro inicia-se de forma mais intensa na
década de 1930, com o êxodo rural, migração das áreas rurais para as áreas
urbanas, impulsionada, dentre outros motivos, principalmente pela política de
32
Segundo TUTIKIAN: “Assim se denominava exatamente porque era realizado nas paróquias das localidades, uma vez que a Igreja encontrava-se unida oficialmente ao Estado, pois a separação se deu apenas com a proclamação da República. Os padres, baseados nos documentos e nas informações que os titulares de propriedade lhes forneciam, faziam o cadastro dos imóveis do seu respectivo lugarejo.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.104. 33
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,
Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 107.
24
incentivo à industrialização e pela consolidação das leis trabalhistas que
contemplavam direitos para o trabalhador urbano, mas não o rural, impulsionando os
trabalhadores das áreas rurais a buscarem melhores oportunidades e condições de
vida nas cidades brasileiras34.
Neste processo de migração das áreas rurais para os centros urbanos, teve-
se um aumento repentino da população urbana em relação à população rural, com a
superação da população urbana em relação a rural a partir da década de 1970, mas
com um crescimento bastante acentuado da população urbana desde a década de
40, tendo, ainda, como projeção para 2050, uma população urbana brasileira,
superando a casa dos 230 milhões de habitantes, enquanto que a ONU aponta uma
diminuição contínua da população rural no Brasil, conforme se depreende com o
quadro a seguir:
QUADRO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA VERSUS RURAL NO
BRASIL ENTRE 1940-200035
34
MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p. 152. 35 QUADRO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA VERSUS RURAL NO BRASIL ENTRE
1940-2000 extraída do link: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/urbanizacao-do-brasil-consequencias-e-caracteristicas-das-cidades.htm. Acesso em 10.06.2014.
25
Entretanto, este movimento migratório não incentivado diretamente pelo
governo36, encontrou as cidades brasileiras despreparadas para suportar a demanda
dos novos moradores.
Concomitante a esta falta de planejamento, as elites locais também
dificultaram bastante o acesso desta massa migratória ao centro da cidade,
sobretudo pelo motivo do mercado imobiliário ter nestas regiões como as mais
valorizadas, sobrando, assim, as moradias que se encontravam mais afastadas do
centro urbano.
Diante deste cenário, o contingente migratório do campo para a cidade se viu
impedido de habitar o centro das cidades brasileiras, ocupando, assim, o solo
urbano nas regiões periféricas da cidade, o que resultou nas ocupações de áreas de
mananciais, encostas e outras áreas que, por se encontrarem em uma localização
perigosa, era também, áreas mais desvalorizadas e, assim, passíveis de ocupação
por esta massa sem moradia e sem poder aquisitivo vinda do campo.
3.2.2 A Urbanização na cidade de São Paulo
Na cidade de São Paulo, o processo de urbanização do município paulistano
e na sua região metropolitana se deu, de forma mais significativa, na década de
1950. Porém, foi a parir da década de 1960 que a cidade começa a ter ocupada a
suas regiões mais distantes, saindo para além das fronteiras centrais da cidade e
ocupando áreas periféricas, de várzeas e encostas, onde a terra era desvalorizada
e, por este motivo, não pretendida pelo mercado imobiliário da época.
Estas ocupações crescentes em áreas mais afastadas da cidade, durante as
últimas décadas, trouxeram problemas para a cidade e para a população residente
destas áreas.
Exemplo dos resultados desta ocupação sem planejamento são as
inundações constantes, em épocas de chuvas, das áreas ribeirinhas ocupadas, pela
36
MARICATO ao explicar a intensidade do processo migratório campo-cidade, observa que: “essa
grande massa que se instalou nas cidades, o fez por sua própria conta e risco”. MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p. 158.
26
proximidade com os postos de trabalho e dos serviços públicos, às margens dos rios
Tietê, Tamanduateí e Pinheiros37.
Neste contexto, temos o caso da Baixada do Glicério como exemplo histórico
do modelo de ocupação do solo urbano na cidade de São Paulo, seguida pela
ocupação, na década de 1990, das áreas localizadas às margens das represas
Billings e Guarapiranga ao Sul, a encosta da Serra da Cantareira ao Norte e das
várzeas localizadas nos extremos leste e oeste da cidade38.
Dessa forma, nota-se que a falta de planejamento para absorver os novos
habitantes das cidades e, ainda, o mercado imobiliário especulativo que impunha
uma barreira invisível ao acesso desses novos moradores à região mais centralizada
da cidade, causa reflexos até hoje na qualidade de vida da população paulistana.
3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São Paulo
Originada pela forma como se deu o processo de urbanização na cidade de
São Paulo, as favelas39 surgiram na década de 194040, mas foi a partir da década de
197041 que elas se desenvolveram em larga escala às margens da cidade, formando
um cinturão que cresce desorganizadamente, em locais de difícil acesso, sem infra-
estrutura básica e considerados de risco por estarem em áreas de alagamento ou
desmoronamento.
37
FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de saneamento
inTemas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011. p. 225-226. 38
FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de saneamento inTemas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011. p. 226-227. 39
TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas em São Paulo – Censos, Consensos e Contra-sensos. p.
13. < http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/viewFile/9294/6898 >. Segundo definição da Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano, tanto as definições das pesquisas da Prefeitura Municipal (1973, 1975, 1987 e 1993), como a de 1980 do IPT-Fupam consideram favela “todo o conjunto de unidades domiciliares constituídas de madeira, zinco, lata, papelão ou alvenaria, em geral distribuídas desorganizadamente em terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para aqueles que os ocupam”. Acesso em 04.05.2013. 40TASCHNER, Suzana Pasternak. Espaço e População nas Favelas de São Paulo. p. 04.
<.http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/GT_MA_ST21_pasternak_texto.pdf> Acesso
em 04.05.2013.
41 BÓGUS, Lúcia Maria Machado. Direito à Cidade e Segregação Espacial. p. 50 <
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v05n02/v05n02_08.pdf> Acesso em 04.05.2013
27
Este processo de favelização, isto é, do crescimento do número de favelas e
seus habitantes na cidade de São Paulo e Região Metropolitana tem tido um
aumento significativo nas últimas décadas, principalmente em relação ao
crescimento da população do município, demonstrando que o problema cresce de
forma exponencial e preocupante.
Conforme estudo publicado por pesquisadores na Revista Brasileira de
Estudos Urbanos e Regionais, na década passada, sobre a favelização na cidade de
São Paulo e Região Metropolitana, apontaram o seguinte42:
A população favelada de São Paulo tem crescido a taxas
superiores às da população do município, o que equivale a
dizer que sua proporção se elevou na última década. Os dados
de setores subnormais, embora subestimados, apontam para
um importante crescimento da população favelada entre 1991 e
2000, numa taxa de 3,7% ao ano, quatro vezes superior à
média da metrópole. Nossa estimativa indica uma taxa mais
reduzida – 2,97% a.a., mas muito superior à taxa de
crescimento da população total – 0,9% a.a. Esse crescimento
se deu principalmente pela elevação da área total de favelas
(que cresceu 24% na década), mas também pelo aumento da
densidade média das favelas (que subiu de 360 para 380
habitantes por hectare – 6% de aumento). Os dados apontam,
portanto, para um importante processo de favelização no
município de São Paulo na década de 1990.
Atualmente, a Secretaria da Habitação indica que na cidade de São Paulo
existam, aproximadamente, 1643 favelas43, que ocupam uma área de 24 quilômetros
quadrados, distribuídas por todas as cinco regiões da cidade, conforme mapa a
seguir.
42
MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo da Gama e SARAIVA, Camila. Favelas no Município de
São Paulo: Estimativas de População para os anos de 1991, 1996 e 2000. in Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Vol. 5, N1: 2003. 43
Informações obtidas por meio do site: http://www.habisp.inf.br/principal/busca?tipo=favela . Acesso
em 12.06.2014.
28
MAPA DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO44
No mapa acima, observa-se que a região central possui o menor número de
favelas, enquanto que as regiões mais afastadas possuem um número maior. Ainda,
importa ressaltar que no mesmo mapa, a Secretaria Municipal de Habitação, não
aponta favelas no extremo sul da cidade de São Paulo.
QUADRO COM A DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS POR SUBPREFEITURAS NA
CIDADE DE SÃO PAULO45
44
MAPA DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, com base nos dados de 2011, extraída do
link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014. 45
QUADRO COM A DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS POR SUBPREFEITURAS NA CIDADE DE SÃO
PAULO, de acordo com a fonte: Atlas de Saúde da Cidade de São Paulo – 2011, extraída do link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014.
29
No quadro acima, nota-se que as subprefeituras que se localizam mais
próximas do centro da cidade possuem um número menor de favelas, enquanto as
subprefeituras das áreas mais periféricas da cidade possuem um número bastante
elevado de favelas para administrar.
Como se não bastassem os problemas decorrentes das áreas onde se
localizam as favelas paulistanas, o tipo de construção das casas localizadas nestas
áreas também se mostra como um dos grandes problemas, uma vez que por se
tratarem de moradias irregulares, são geralmente construções feitas sem projetos
aprovados pela prefeitura, com fios e cabos sem a instalação adequada, sem
captação de água e esgoto necessário, tornando-se suscetíveis, em casos de
enchentes, incêndios, desmoronamentos e grandes catástrofes.
Neste movimento migratório de grande parte da população rural para as
cidades brasileiras, invertendo de forma acentuada a relação da população campo-
cidade, bem como a ocupação sem planejamento e sem ajuda do governo destes
novos habitantes, resultou no cenário complexo que temos atualmente nos grandes
centros urbanos brasileiros, cujos problemas oriundos destas ocupações irregulares
e em locais de difícil acesso, trazem inúmeras dificuldades para o desenvolvimento e
bem-estar da sociedade, tornando-se num grande desafio para os seus governantes
a administração do que se pode chamar de caos urbano.
O resultado da falta de moradia e da ocupação irregular ocorrida no processo
de urbanização das cidades brasileiras reflete e ramifica em inúmeros problemas
que se identifica em diversas áreas como a da saúde, educação, transportes, meio-
ambiente, segurança e outros, pois estas áreas ocupadas representam verdadeiros
nichos de desenvolvimentos precários e com uma alta concentração demográfica,
dificultando a solução dos problemas mencionados.
Assim, percebe-se que o problema é grave e a tendência é de piora desta
situação e do processo de favelização no município e região metropolitana de São
Paulo, exigindo medidas que neutralizem esta ameaça à urbanização e
desenvolvimento da cidade e da qualidade de vida dos seus habitantes.
30
3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de
urbanização no Brasil
É notório que a ocupação irregular das áreas localizadas em mananciais,
encostas e outras áreas que se encontram nas margens mais distantes da região
central da cidade de São Paulo, formando um bolsão de favelas paulistanas, trazem
para a cidade graves problemas de todo tipo de ordem, pois estas áreas
apresentam-se como nichos proliferadores de todo tipo de problema.
José Carlos de Freitas, 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da
Capital de São Paulo, explica que a instalação de loteamentos clandestinos, favelas
ou habitações subnormais às margens de cursos d`água produzem consequências
desastrosas para os seus residentes.46
Dentre os inúmeros problemas resultantes do processo de favelização na
cidade de São Paulo, observa-se que a violência urbana, a mobilidade precária ou
insuficiente, os loteamentos irregulares ou ilegais, a falta de saneamento básico ou
serviços de infra-estrutura elementares e a segregação socioespacial são as mais
fáceis de serem observadas e sentidas pelo restante da população.
Como consequências desses problemas, acima apontados, temos os
incêndios, as enchentes, as proliferações de doenças e os desmoronamentos e
soterramentos, além do dano sofrido ao meio ambiente e a exclusão social.
3.4.1 O Problema dos Incêndios decorridos das instalações elétricas e
moradias precárias
No caso dos incêndios, as causas são na maioria das vezes oriundas das
instalações elétricas clandestinas e precárias utilizadas nestas áreas que, pela
estrutura da ocupação e construção das moradias, não possuem condições para a
46 FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de
saneamento in Temas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do
estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011.
31
instalação de equipamentos adequados para o fornecimento de energia elétrica
regular e seguro.
47
Na figura acima, nota-se uma instalação elétrica ilegal e inadequada, com
grande possibilidade de resultar num curto-circuito e, consequentemente, num
incêndio.
Assim, existem constantemente ocorrências de incêndios, nas áreas de
favelas, causados por curtos circuitos que somados ao tipo de materiais
empregados na construção das moradias, como madeiras, além de botijões de gás
que não são devidamente instalados e protegidos resultam em tragédias, justamente
pelo potencial de proliferação do fogo nestas áreas.
3.4.2 O Problema das enchentes e inundações
As enchentes e inundações48 ocorrem com mais facilidade nas áreas
irregularmente ocupadas, pois é comum a construção de casas apoiadas, com
47 Imagem extraída do link: http://imagem.band.com.br/f_19467.jpg. Acesso em 20.06.2014.
48 Segundo definição extraída do livro: Desastres Naturais: conhecer para prevenir: “Inundações e
enchentes são eventos naturais que ocorrem com periodicidade nos cursos d’água, frequentemente
deflagrados por chuvas fortes e rápidas ou chuvas de longa duração.” TOMINAGA, Lídia Keiko;
32
partes inclusive sobre os leitos dos córregos ou no caminho destes que, somados,
ainda, ao despejo de lixo nas suas margens, transbordam sempre que o fluxo de
água não comporta o volume de chuva.
49
Na figura acima, observa-se que o loteamento clandestino ocupa área
ribeirinha, correndo o risco de sofrer com as inundações e enchentes decorrentes
das fortes chuvas que ocorrem na capital paulista durante o período de verão.
O acumulo de lixo às margens ribeirinhas, também, colaboram para o
transbordamento do leito dos rios e córregos, onde estão assentados favelas e
loteamentos irregulares e clandestinos, além do dano à fauna e flora que causam
impactos negativos ao meio-ambiente da região.
SANTORO, Jair; AMARAL, Rosangela do (organizadores). Desastres Naturais: Conhecer para
prevenir. São Paulo: Instituto Geológico, 2009. p. 42.
49Imagem extraída do link:
http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C201411495849140&TIPO_ID=1. Acesso em 20.06.2014.
33
3.4.3 O Problema dos escorregamentos e deslizamentos de encostas
A chuva também é causadora da erosão do solo dos morros e encostas onde
se localizam muitas das moradias precárias, nas quais se assentam as favelas e
que, por muitas vezes, sofrem com os escorregamentos e deslizamentos50 de terra,
causando o soterramento de casas e, consequentemente, resultando em inúmeras
vítimas todos os anos.
Isto se deve ao fato de que as moradias precárias se localizam em áreas de
risco51 e, portanto, áreas que não deveriam ser ocupadas numa situação em que
houvesse moradia regular para todos os cidadãos.
Em janeiro de 2011, a Região Serrana do Rio de Janeiro enfrentou a sua
maior tragédia em decorrência das fortes chuvas que caíram na região, resultando
no deslizamento das encostas onde se localizavam inúmeras moradias, causando,
aproximadamente, 506 vítimas fatais.52
50 Segundo definição extraída do livro: Desastres Naturais: conhecer para prevenir: “Os
escorregamentos, também conhecidos como deslizamentos, são processos de movimentos de massa
envolvendo materiais que recobrem as superfícies das vertentes ou encostas, tais como solos, rochas
e vegetação. Estes processos estão presentes nas regiões montanhosas e serranas em várias partes
do mundo, principalmente naquelas onde predominam climas úmidos. No Brasil, são mais frequentes
nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.”(...)“Os movimentos de massa consistem em importante
processo natural que atua na dinâmica de vertentes, fazendo parte da evolução geomorfológica em
regiões serranas. Entretanto, o crescimento da ocupação urbana indiscriminada em áreas
desfavoráveis, sem o adequado planejamento do uso do solo e sem a adoção de técnicas adequadas
de estabilização, está disseminando a ocorrência de acidentes associados a estes processos, que
muitas vezes atingem dimensões de desastres (Tominaga, 2007).” (...) “Movimento de massa é o
movimento do solo, rocha e/ou vegetação ao longo da vertente sob a ação direta da gravidade. A
contribuição de outro meio, como água ou gelo se dá pela redução da resistência dos materiais de
vertente e/ou pela indução do comportamento plástico e fluído dos solos.” TOMINAGA, Lídia Keiko;
SANTORO, Jair; AMARAL, Rosangela do (organizadores). Desastres Naturais: Conhecer para
prevenir. São Paulo: Instituto Geológico, 2009. p. 27.
51 Áreas de risco são definidas como: Área imprópria para habitação devido à fragilidade ou instabilidade do terreno causada pela natureza ou pela ação do homem. É preciso observar a região onde construir e, principalmente, solicitar alvará para construção na Administração Regional. Entende-se por moradia em área de risco construções em margens de rios sujeitas a inundações, áreas de encostas ou morros com risco de deslizamento e desmoronamento, ou até mesmo áreas insalubres contaminadas por resíduos tóxicos. Para verificar se o local onde mora é área de risco entre em contato com a Defesa Civil. Conforme link: http://www.seops.df.gov.br/frentes-de-fiscalizacao/2012-08-21-17-01-06/area-de-risco.html. Acesso em 14.06.2014. 52 Segundo o site do G1, “A chuva na Região Serrana do RJ, que provocou 506 mortes, já é considerada
a maior tragédia climática da história país. O número de vítimas ultrapassou o registrado em 1967, na cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo. Naquela tragédia, tida até então como a maior do Brasil, 436 pessoas morreram.”
34
53
Na figura acima, vemos duas imagens da tragédia climática que ocorreu na
Região Serrana do Rio de Janeiro, causado pelas fortes chuvas, a encosta, que teve
uma ocupação irregular do solo, sofreu o fenômeno de escorregamento e
deslizamento, resultando em centenas de vítimas.
54
: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/chuva-na-regiao-serrana-e-maior-tragedia-climatica-da-historia-do-pais.html. Acesso em 14.06.2014.
53 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/dilma-diz-que-governo-federal-vai-
ajudar-no-resgate-e-reconstrucao-no-rj.html. Acesso em 14.06.2014.
54 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/dilma-diz-que-governo-federal-vai-
ajudar-no-resgate-e-reconstrucao-no-rj.html. Acesso em 14.06.2014.
35
Nas imagens acima, observa-se os estragos causados pela tragédia
decorrente dos deslizamentos das encostas da Região Serrana do Rio de Janeiro e
o cemitério com inúmeras covas abertas para sepultar as vítimas da tragédia.
3.4.4 O Problema da proliferação de doenças por falta de saneamento básico
Bastante preocupante, ainda, é o problema das epidemias ou proliferações de
todos os tipos de doenças55 causadas pela falta de estrutura de saneamento básico,
entendida aqui não apenas como abastecimento de água e disposição de esgoto,
mas também, o controle de vetores transmissores de doenças; coleta, tratamento e
destinação final dos resíduos sólidos; execução de serviços e obras de drenagem
urbana, a fim de evitar inundações.
A falta de saneamento básico também causa impactos ambientais,
produzindo degradação do meio-ambiente nativo dos municípios, cujas
consequências são sentidas em todas as áreas urbanas.
56
55
“A falta de água potável e de esgoto tratado facilita a transmissão de doenças que, calcula-se,
provocam cerca de 30 mil mortes diariamente no mundo. A maioria delas acontece entre crianças, principalmente as de classes mais pobres, que morrem desidratadas, vítimas de diarréia causadas por micróbios. No Brasil, infelizmente mais de 3 milhões de famílias não recebem água tratada e um número de casas duas vezes e meia maior que esse não tem esgoto. Isso é muito grave. Estima-se que o acesso à água limpa e ao esgoto reduziria em pelo menos um quinto a mortalidade infantil. Inúmeras são as doenças causadas pela contaminação da água como a cólera, diarreia, leptospirose, hepatite, amebíase e outras”, conforme dados colhidos do site http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Agua/Agua9.php. Acesso em 05.05.2013.
56 Extraído do link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeirao/ri0108201103.htm. Acesso em
05.05.2013.
36
Na figura acima, nota-se o lixo despejado de forma indevida nas margens de
um córrego que passa ao lado de um assentamento irregular, causando danos ao
meio-ambiente e tornando-se um meio propício para a proliferação de vetores de
transmissores de doenças endêmicas.
3.4.5 O Problema da mobilidade urbana
Outro problema que tem sido motivo de muita preocupação e transtorno para
os habitantes de São Paulo é a questão da locomoção de ida e volta de casa para o
trabalho. Trânsitos intermináveis e a falta de um transporte público de qualidade e
que atenda as necessidades da população e o fluxo do contingente diário são
causados por esta falta de planejamento e ocupação periférica, tendo em vista que
os moradores destas áreas são trabalhadores das áreas mais centrais da cidade.
57
Na figura acima, uma das estações da linha vermelha do metrô paulistano
que diariamente enfrenta problemas de superlotação devido ao mau funcionamento
e ao grande contingente que migra todos os dias da parte periférica da cidade, onde
se localizam boa parte dos assentamentos irregulares e favelas para o centro
urbano para trabalhar.
57 Imagem extraída do link: http://www.cnttt.org.br/falhas-prejudicam-circulacao-de-trens-e-metro-em-
sp/. Acesso em 20.06.2014.
37
Cumula-se a este problema, a proliferação dos transportes clandestinos que
atuam nessas áreas, devido a falta de fiscalização pelo poder público, causando um
perigo constante aos usuários desse tipo de transporte, além da formação de
quadrilhas especializadas ligadas ao tráfico de drogas e ao crime organizado que se
origina nessas regiões.
58
Na figura acima, observa-se uma lotação clandestina com lotação saturada
que atua nas áreas da periferia da cidade de São Paulo sem registro e sem
obediência as normas de segurança que devem ser observadas pelos transportes
públicos, a fim de evitar acidentes e causar perdas de vidas humanas.
Portanto, a distância entre as áreas central e periférica da cidade, cumulada
com o grande deslocamento diário da massa trabalhadora, peregrinando do cinturão
que envolve a cidade para o centro todos os dias, tem sido um desafio para o
sistema de transporte público que notadamente demonstra estar saturado e muito
atrasado em relação ao crescimento da população residente nas partes mais
distantes do centro.
58 Imagem extraída do link: http://tv.estadao.com.br/videos,vans-clandestinas-driblam-fiscalizacao-da-
prefeitura,67809,250,0.htm. Acesso em 20.06.2014
38
Este problema de locomoção da classe trabalhadora, originado pela falta de
um planejamento urbano harmônico entre habitação e transportes, gera
consequências no desenvolvimento econômico da sociedade, uma vez que há a
possibilidade constante de atrasos ou até mesmo falta de funcionários causados
pelo mau funcionamento dos meios de transporte que acabam por interferir na
produção e funcionamento das empresas, principal engrenagem no sistema
econômico e, consequentemente, no desenvolvimento econômico da cidade.
3.4.6 Os problemas da violência urbana e da segregação sócio-espacial
A segregação socioespacial e a violência estão relacionadas, uma vez que a
segunda decorre da primeira. A violência nas áreas mais periféricas da cidade, onde
se localizam os assentamentos irregulares e as favelas são lugares propícios ao
desenvolvimento do crime organizado e do tráfico de drogas, tendo em vista que a
falta de urbanização dessas áreas, dificulta o acesso ao aparato do poder público.
Cumulado a esta dificuldade de acesso dos serviços públicos, a segregação social
decorrente da falta de uma moradia digna e de condições mínimas de subsistência e
de qualidade de vida, ferem os direitos sociais estabelecidos pela nossa
Constituição Federal, bem como impedem o desenvolvimento da cidadania por
grande parte da população brasileira que habita as regiões urbanas.
59
Na figura acima, ve-se membros do tráfico de drogas em comunidades onde
são controladas pelo crime organizado.
59
Imagem extraída do link: http://i.ytimg.com/vi/6FHgh3YgAac/hqdefault.jpg. Acesso em 16.06.2014.
39
Nas figuras a seguir, a favela de Paraisópolis ao lado de um condomínio de
luxo, ambas localizadas no Morumbi, bairro nobre da zona sul da cidade d São
Paulo. Exemplo de segregação sócioespacial, de exclusão social, na qual cidadãos
incluidos na cidade legal confrontam com as áreas ocupadas pela população de
baixa renda em assentamentos irregulares, habitantes da cidade ilegal,
marginalizados pela falta de urbanismo e de uma infraestrutura básica para uma
vida digna.
60
61
Dessa forma, a ocupação irregular do solo urbano traz às cidades graves
problemas que refletem nos centros urbanos das principais cidades brasileiras,
irradiando da periferia para os centros urbanos como num sistema nevrálgico que
imobiliza e torna refém os seus habitantes.
Nesta esfera de caos urbano, o problema da falta de moradia começou ha
alguns anos a produzir efeitos também nas áreas centrais da cidade com a
ocupação de prédios da região central pelos variados movimentos que tutelam os
interesses dos sem teto, forçando as autoridades a travarem uma batalha sem fim
60
Imagens obtidas através dos links: http://www.pco.org.br/conoticias/nacional/direita-fascista-
levanta-a-cabeca-e-exige-upp-na-favela-de-paraisopolis-/eijj,b.html. Acesso em 20.06.2014.
61http://www.rijnlandmodel.nl/onderwerpen/inrichting/stedenbouw_megapolen_sao_paulo3.jpg.Acesso
em 20.06.2014.
40
pela reintegração de posse destes imóveis, ao mesmo tempo em que a
desocupação dos mesmos gera um déficit habitacional relevante.
Para ilustrar, melhor, os problemas decorrentes da ocupação do solo e do
processo de urbanização em São Paulo, seguem, a seguir, alguns mapas que
reforçam a exposição feita acima.
3.4.7 Quadros Ilustrativos com o mapa da Região Metropolitana da Cidade e da
cidade de São Paulo e a relação dos problemas decorrentes das áreas de
favelas.
MAPA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO COM A CIDADE
DE SÃO PAULO EM DESTAQUE62
Abaixo, o quadro ilustra um recorte feito do mapa da cidade de São Paulo,
com a região central da cidade e o início das regiões norte, sul, leste e oeste da
cidade, nas quais os pontos em amarelo são as favelas. Observa-se que a
distribuição das favelas, pontos em amarelo, possui uma densidade maior nas áreas
periféricas da cidade.
62
MAPA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO COM A CIDADE DE SÃO PAULO EM
DESTAQUE, atual, extraída do link: http://www.emsampa.com.br/page3.html.Acesso em 10.06.2014.
41
MAPA DA SECRETARIA DA HABITAÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DAS
FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO63
Os pontos em verde demonstram as áreas que se aglomeram os cortiços,
prédios antigos abandonados que outrora pertenceram a classe mais privilegiada na
época em que a região central da cidade de São Paulo era mais valorizada pelo
mercado imobiliário.
63
MAPA DA SECRETARIA DA HABITAÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, atual, extraída do link: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/cidades-para-pessoas/2012/06/27/a-sehab-reconheceu-as-favelas-fazem-parte-da-cidade/. Acesso em 10.06.2014.
42
I. Quadro com a relação entre a localização das áreas de favelas com os
cargos profissionais desempenhado por seus moradores64
O próximo quadro trata da localização das moradias em relação ao cargo
profissional. Os pontos em azul claro e escuro compreendem os profissionais que
ocupam cargos de melhor remuneração, enquanto os pontos nas cores laranja e
amarela representam os indivíduos que ocupam cargos de baixa remuneração.
Dessa forma, depreende-se que os indivíduos que possuem uma baixa
remuneração habitam as áreas mais periféricas da cidade, distantes do centro
urbano e localizadas nas áreas onde possui o maior número de favelas.
64
Quadro com a relação entre a localização das áreas de favelas com os cargos profissionais
desempenhado por seus moradores, extraída do link:. http://www.observatoriodasmetropoles.net/. Acesso em 05.05.2013.
43
II. Quadro com a relação da Localização das moradias da população de
baixa renda e sua deslocação diária para o polo central da cidade de
São Paulo65
O quadro a seguir retrata o deslocamento pendular das regiões mais
periféricas da região metropolitana da cidade para a região central da cidade de São
Paulo.
Observa-se que nas áreas mais periféricas da Região Metropolitana de São
Paulo, onde se localizam uma densidade demográfica acentuada por conta da
ocupação dessas áreas por favelas ou assentamentos irregulares, mais de 505 dos
habitantes dessas áreas migra todos os dias para as áreas mais centrais da cidade
de São Paulo, causando um problema sério de mobilidade para a população
moradora dessas áreas.
Haja vista que os maiores problemas com relação aos transportes públicos
ocorrem na linha vermelha do metrô e CPTM, linhas que servem a zona leste-oeste
65
Quadro com a relação da Localização das moradias da população de baixa renda e sua deslocação
diária para o polo central da cidade de São Paulo, extraída do link:. http://www.observatoriodasmetropoles.net/ Acesso em 05.05.2013.
44
da cidade de São Paulo, coincidentemente, onde se encontra, também, o maior
contingente migratório.
Isto ocorre por conta de que a maioria dos moradores dessas áreas
periféricas precisarem se deslocar para trabalhar, tendo em vista a falta de postos
de trabalhos que absorvam essa massa de trabalhadores.
III. Quadro com a Relação da localização das áreas onde estão localizadas
as favelas com o alto índice de homicídios66
O quadro abaixo trata da relação de óbitos por homicídio em cada uma das
regiões da Região Metropolitana de São Paulo, na qual as áreas coloridas em azul
escuro e azul claro possuem índices mais baixos de óbitos por homicídios, enquanto
as regiões coloridas de verde e amarelo possuem índices mais elevados de
homicídios. Assim, observa-se que na região central da cidade e nas áreas mais
próximas do centro da cidade, os índices de óbitos por homicídios é bem menor em
relação aos índices nas áreas mais afastadas do centro da cidade, onde estão
localizadas a maior parte das favelas paulistanas.
66
Quadro com a Relação da localização das áreas onde estão localizadas as favelas com o alto
índice de homicídios, extraída do link: http://www.observatoriodasmetropoles.net/. Acesso em
05.05.2013.
45
Depreende-se, portanto, que as áreas mais afastadas do centro da cidade de
São Paulo, onde se localizam a maior parte das favelas paulistanas são, também, as
áreas onde se localizam a maior parte da população de baixa renda, o maior índice
de criminalidade.
Diante do exposto, concluí-se que o modo de ocupação do solo desde a
chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, bem como o modo de distribuição das
terras e, posteriormente, o processo de urbanização ocorrido a partir da década de
1930, impulsionado por diversos fatores, resultou numa ocupação do solo urbano
sem planejamento, originando as favelas e gerando inúmeros problemas que
resultam num caos urbano e que exigem não apenas de instrumentos jurídicos, mas
também de políticas públicas a longo prazo e eficientes para frear o crescimento
deste processo e a reversão do mesmo.
3.5 A legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação do solo
urbano brasileiro
Solucionar os problemas causados pela ocupação irregular do solo urbano
numa metrópole como no caso da cidade de São Paulo é tarefa árdua e que exigirá
políticas públicas globais e não apenas pontuais.
Afinal, décadas de ocupação irregular e crescimento de moradias precárias
nas áreas periféricas da cidade, produziram, durante décadas, problemas de toda
ordem para a população da cidade, em especial para aqueles que habitam as áreas
onde se localizam as favelas e que, pela falta de estrutura, estão expostos e sujeitos
aos perigos de todos os tipos.
Bógus, em seu texto sobre o direito à cidade e segregação espacial67, explica
que qualquer política pública que vise solucionar especificamente determinado
problema, como no caso da habitação, será apenas paliativa, sendo necessárias
políticas públicas que atuem sobre as condições geradoras do problema, tratando de
67
BÓGUS, Lúcia Maria Machado. Direito à Cidade e Segregação Espacial. p. 50 <
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v05n02/v05n02_08.pdf> Acesso em 05.05.2013.
46
forma global a questão, sob pena de não atingirmos o objetivo de diminuição do
déficit habitacional e melhoria na qualidade de vida da população paulistana.
Além disso, a análise realizada por pesquisadores68, conclui que:
Em termos de custo, portanto, a solução dos problemas das favelas do município é plenamente factível. As dificuldades para solucionar o problema, para um governo que decida enfrentar a questão, são de operacionalização de um programa capaz de executar ao mesmo tempo a urbanização de algo como 24 mil unidades em favela e 3,7 mil unidades novas ao ano. Como a favela média teria algo como 150 habitações em São Paulo (considerando o número de 2.000 núcleos da base da prefeitura), tal programa teria que operar em cerca de 160 favelas ao mesmo tempo. Como a maior parte dessas apresenta porte muito pequeno, a construção de tal estratégia é factível, mas pressupõe a construção de capacidades estatais na área, assim como da implantação de um “ritmo fordista” à política. Esse esforço considerável não pode ser enfrentado com estruturas administrativas adaptadas e com improvisação e depende da construção de agências estatais de porte e complexidade razoável e que sejam geridas de forma técnica, criativa e eficiente.
Em relação aos instrumentos jurídicos, temos no Estatuto da Cidade
mecanismos importantes que poderão, se forem bem aplicados pelos Governantes,
servir no combate a favelização e ocupação irregular do solo urbano, e ainda,
promover a regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas de forma
irregular pela população de baixa renda.
Neste sentido, Maricato observa que:
Não se pode negar que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2000 constituem paradigmas inovadores e modernizantes no que diz respeito às relações de poder sobre a base fundiária e imobiliária urbana. O nó da questão reside, como já foi destacado, na aplicação dos novos instrumentos urbanísticos trazidos por essa legislação quando se deseja reestruturar porque o problema é de estrutura, todo o quadro da produção habitacional de modo a conter essa
68
MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo da Gama e SARAIVA, Camila. Favelas no Município de
São Paulo: Estimativas de População para os anos de 1991, 1996 e 2000. in R.B. Estudos Urbanos e Regionais, Vol. 5, N1: 2003.
47
determinação da ocupação ilegal e predatória pela falta de alternativas69.
Reforçando a importância do Estatuto da Cidade nas questões urbanísticas,
Odete Medauar comenta que:
O Estatuto da Cidade representa, sem dúvida, um passo marcante em matéria urbanística, que estivera pouco lembrada e tratada no Brasil desde as décadas de 60 e 70 do século XX, época do florescimento de inúmeros estudos, livros, artigos, projetos e mesmo órgãos públicos dedicados aos temas urbanos, seguindo-se um longo período de quase despreocupação, paralelo ao progressivo agravamento da realidade urbana nas cidades.70
Dessa forma, soluções existem, bem como instrumentos jurídicos para a
realização esta árdua tarefa, entretanto, não bastará a implementação de políticas
públicas urbanas que visem intervenções pontuais, pois serão soluções apenas
paliativas, uma vez que o problema continuará existindo e crescendo,
comprometendo o futuro da cidade, que já tem o seu cotidiano comprometido por
anos de ocupação irregular motivada pela falta de alternativa dos cidadãos mais
pobres durante o processo de urbanização.
3.6 Conclusão do Capítulo
Em síntese, o modelo de ocupação do solo brasileiro desde a chegada da
Coroa Portuguesa e o processo de urbanização desenvolvido nas cidades
brasileiras, resultou nos conflitos de terras que vivencia, atualmente, a população
brasileira, seja nas áreas rurais, ocupadas por grandes latifúndios, seja nas áreas
urbanas, onde cortiços e favelas se formam e servem de moradia para a população
de baixa renda, menos favorecida e sem condições de ocupar um local mais
valorizado pelo mercado imobiliário brasileiro.
69
MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p.
162. 70
MEDAUAR, Odete, ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. (Coord.) Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: RT, 2002. P.14.
48
Dessa forma, desde o período de colonização, nota-se a necessidade de Leis
para tentar regularizar a propriedade imobiliária no Brasil, sendo que a Lei de Terras
foi o primeiro instrumento jurídico para promover a regularização fundiária.
Depreende-se, portanto, que o problema enfrentado, atualmente, pelos
grandes centros urbanos brasileiros, especialmente, pela cidade de São Paulo, a
mais populosa da Federação, tem a sua origem na evolução histórica da ocupação
de terras desde o período da Colonização, através das sesmarias, passando por um
período pequeno de ausência de legislação que disciplinasse a aquisição das terras
até a chegada da Lei de Terras que regulamentou e promoveu a regularização
fundiária na época, mas que tirou a noção primitiva da função social da propriedade
imóvel, tornando-a de caráter absoluto, o que não coibiu a existência de terras
improdutivas e desocupadas sem que houvesse algum tipo de punição para os seus
proprietários que se encontravam protegidos sob o mento da Lei.
Concomitantemente a este cenário, criado pelo início da nossa história,
tivemos, mais recentemente, um processo de urbanização ocorrido no séc. XX,
motivado pela industrialização e pela consolidação das leis trabalhistas que
tutelavam apenas os direitos dos trabalhadores urbanos, não se estendendo aos
trabalhadores rurais, resultado de alguns elementos inerentes ao momento histórico
pelo qual o País encontrava-se, cuja consequência foi a ocupação irregular do solo
urbano, em áreas precárias, consideradas de risco e, portanto, de baixo custo, uma
vez que desvalorizadas por não interessarem ao mercado imobiliário, originaram-se
nas favelas como são conhecidas hoje.
Desde a redemocratização do País, seguida da promulgação da nossa
Constituição Federal em 1988 e, posteriormente, pelo Estatuto da Cidade em 2001,
além de outras normas que visam disciplinar a ocupação de terras privadas e
publicas nas áreas urbanas brasileiras, observa-se que não é por falta de
instrumentos jurídicos que o problema deixa de ser resolvido, mas, talvez, pela falta
de políticas públicas globais que sejam capazes de tratar a origem do problema
enquanto remedia os seus efeitos mais graves, bem como de boa vontade dos
governantes que privilegiam outras áreas ao invés do problema exposto.
Dessa maneira, faz-se necessário que o tema em pauta esteja mais presente
nas agendas políticas, orçamentárias e dos governantes dessas cidades, a fim de
49
iniciar o processo de estancamento e reversão do problema apresentado, de modo a
evitar o crescimento do déficit habitacional e a piora do caos urbano já há muito
tempo experimentado pelas metrópoles brasileiras e que são geradores de
problemas de ordem econômica, social, sustentável, de segurança, de saúde e até
mesmo de educação.
50
4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Nesse capítulo, pretende-se expor o instituto da usucapião, sua origem, sua
previsão legal em nosso ordenamento jurídico como uma das formas de aquisição
da propriedade imóvel, bem como os seus requisitos e as modalidades previstas em
nossa legislação.
A necessidade dessa exposição se faz pela importância que este instituto
secular possui em nosso ordenamento jurídico, como instrumento de aquisição e
legalização da propriedade imobiliária em nosso País e, com a modalidade coletiva,
como instrumento de regularização fundiária, inclusão social e desenvolvimento das
políticas urbanas habitacionais e, consequentemente, da cidadania.
Em nossa legislação, existem três formas de aquisição da propriedade imóvel:
pelo registro do título, pela acessão natural ou artificial e por fim, pela usucapião,
considerada como uma aquisição prescritiva, uma vez que a aquisição da
propriedade por um indivíduo, que possua o bem de acordo com os requisitos
estabelecidos pela lei, se dá com a perda do direito de propriedade do titular
anterior, servindo a sentença declaratória da ação de usucapião como título
aquisitivo para registro na matrícula do imóvel.
A modalidade coletiva, trazida ao nosso ordenamento pelo Estatuto da
Cidade, vem para regulamentar alguns dispositivos constitucionais de 1988, como
os artigos 182 e 183, que tratam das Políticas Urbanas, bem como o direito à
moradia, um dos direitos sociais e, conforme visto, anteriormente, reconhecido como
um direito humano pela Agenda Habitat, na Conferência das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos – Habitat II, realizada em Instambul, em 1996.
Neste capítulo, será realizada uma breve exposição desta modalidade
coletiva, para no capítulo seguinte serem enfrentados os pontos que geram
discussão acerca deste instrumento.
51
4.1 O instituto da Usucapião na legislação brasileira
O instituto da usucapião surgiu a partir do Direito Romano e foi fundamental
para a caracterização de diversos institutos referentes ao Direito Real, seus
princípios e classificações serviram de base para sua instituição no nosso
ordenamento jurídico. Há pesquisas acerca da origem da prescrição aquisitiva ou
usucapião na Grécia ou na Roma Antiga.
Benedito Silvério Ribeiro, em sua obra comenta que a chamada prescrição
aquisitiva originou-se da Grécia e que Platão a mencionou em sua literatura imortal
“A República” 71.
Ainda, Benedito Silvério Ribeiro explica que:
Historicamente a usucapião foi consagrada na Lei das Doze Tábuas que data do ano de 305 da era romana ou da fundação de Roma (urbe condita), correspondendo ao ano de 455 a.C., sendo que esta lei superou o Código de Hamurabi, contendo normas de garantia aos cidadãos e princípios democráticos72.
Nesta época, somente o cidadão romano, a priori, poderia utilizar desta
modalidade, enquanto aos estrangeiros, também chamados de peregrinos, era
vetada os direitos preceituados nos iuscivile.
Entretanto, com a evolução dos direitos, desbravando-se fronteiras,
concedeu-se ao possuidor peregrino, uma espécie de prescrição (praescripto), como
forma de exceção fundada na posse por longo tempo das coisas. Neste caso o
legítimo dono não teria mais acesso à posse se fosse negligente por longo prazo,
mas a exceção de prescrição não implicava perda da propriedade. Assim, os
peregrinos passavam a ter direito ao instituto, bastando que se mantivessem na
posse pelo prazo determinado na lei. Muito embora tivessem a posse do bem e dela
não serem mais privados, não se tornavam proprietários dos bens usucapidos.
71
RIBEIRO, Benedito Silvério. . Tratado de usucapião. 8 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.169. 72
RIBEIRO, Benedito Silvério. . Tratado de usucapião. 8 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.171.
52
Deve-se ressaltar que em 528 d. C., Justiano aboliu a distinção dos institutos
de usucapio e a praescripto, unificando ambas no instituto da usucapião. Assim,
estabeleceu que quem houvesse adquirido a exceção da prescrição da ação, contra
o proprietário, por posse de trinta ou quarenta anos, poderia reivindicar a coisa, se
perdesse a posse, mas desde que rodeada de boa-fé, com quem lhe era
assegurada a aquisição. Destacou-se nesta época, sua dupla face, aquisitiva e
extintiva, sendo a primeira, o modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada
e, a segunda, meio pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do
tempo.
No Brasil, a influência pelos juristas alemães manteve no conceito a
diferenciação entre a prescrição e a usucapião que poderia ser diferente
dependendo da modalidade dos bens, o que foi se alterando ao longo do tempo.
Muito embora haja uma forte ligação entre a prescrição aquisitiva e a
usucapião, nossa legislação optou por abordar a primeira na parte geral do nosso
Código Civil Brasileiro, e a outra no livro do Direito das Coisas.
Nosso legislador se baseou nos ensinamentos de Justiniano quanto aos
princípios do instituto da usucapião, partindo da nossa Constituição Federal de 1988
uma nova perspectiva com relação à propriedade no sentido social para se
relacionar a este novo instituto.
Silvio de Salvo Venosa ensina que: “já que a prescrição aquisitiva é o
instrumento mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilização da terra, ele
deve ser visto sob esse enfoque” 73.
Dessa maneira, em consonância com a nossa Carta Magna de 1988,
nasceram modalidades mais especificas do instituto, das quais se destaca a do
objeto do presente trabalho, que apesar de não estar prevista explicitamente na
Constituição Federal de 1988, teve como fundamento o artigo 182 para basear o
73
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Altas, 2010, p. 203.
53
surgimento na modalidade coletiva urbana que assim como a individual, goza de um
tempo menor de período aquisitivo.
Observa-se que o instituto na nossa legislação tem tido os seus prazos
diminuídos, principalmente quando comparamos os prazos estabelecidos pelo
Código Civil de 1916 com o Código Civil vigente, sob o fundamento de cumprir com
a função social da propriedade.
Assim, com a entrada do atual Código Civil Brasileiro, houve avanços
consideráveis na nossa legislação no tocante a função social da propriedade
imobiliária, uma vez que a redução dos prazos exigidos para a usucapião da
propriedade imóvel encontra respaldo nas mudanças sociais do nosso país,
tornando a propriedade imóvel não mais em um direito individual como prestigiava o
legislador do código civil de 1916, mas também num dever e, consequentemente,
prestigiando os interesses coletivos.
4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião
A posse é o principal requisito quando se trata da aquisição da propriedade
imóvel pela usucapião, pois tal posse deve ser revestida do animus domini, ou seja,
da intenção do possuidor de ter e zelar pela propriedade como se fosse sua. Além
do animus de proprietário, o possuidor deverá manter a posse do bem de forma
mansa, pacífica74e contínua75.
74
José Osório define posse mansa e pacífica como aquela que é tranquila, em que não há contestação pelo dono ou por terceiro que alegue ser possuidor da coisa. 75
José Osório explica que posse contínua é aquela que não foi interrompida, portanto, o possuidor perde a posse se abandonar o imóvel, mas não perde se deixar o imóvel por um lapso temporal curto, quando não tiver a intenção de abandonar o bem, uma vez que mesmo com o possuidor distante do imóvel, a posse não perde a característica de continuidade. E esclarece, ainda, que a continuidade da posse pode se dar pela cessão da mesma, seja por sucessão, doação ou alienação, uma vez que é possível, pela nossa legislação, a continuidade da posse de outra pessoa.
54
Nesse sentido, Scavone define de forma sucinta a posse ao explicar: “A
posse nada mais é que o exercício de fato, pleno ou não, de um dos poderes
inerentes ao domínio” 76.
José Osório de Azevedo Junior, explica que:
A posse é o poder, a possibilidade, a capacidade que uma pessoa tem de usar uma coisa. Esse poder pode acontecer com direito ou sem direito. Quando nos assuntos jurídicos, fala-se em posse, não se está pensando no direito de ter posse, mas sim na situação concreta da posse. Quando se diz que alguém está ocupando um imóvel, está se pensando em alguém que tem poder físico sobre esse imóvel, alguém que, por exemplo, está morando no imóvel e tem força suficiente para não deixar outra pessoa entrar lá.77
Segundo Benedito Silvério Ribeiro: “Afastando discussões doutrinárias, o
possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes ao domínio ou propriedade” 78.
Em relação aos prazos para o possuidor usucapir a propriedade variam de
acordo com a modalidade da usucapião, podendo ser reduzido sempre que envolver
a utilização da propriedade imóvel para fins de moradia ou produtividade ou, ainda,
quando este tiver o justo título ou boa-fé, premiando, assim, o possuidor que
promover àquele bem a função social, conforme mencionado anteriormente.
Outro fundamento da usucapião está assentado no principio da utilidade
social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem
como se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio.
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a
76
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário. 3 Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 816-820. 77
AZEVEDO JUNIOR, José Osório de. Direitos imobiliários da população urbana de baixa renda. São
Paulo: Sarandi, 2011. p.32. 78
RIBEIRO, Benedito Silvério, Op. Cit. p. 222.
55
aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos 79.
Como se preconiza na lição de Clóvis Beviláqua “o fundamento da
usucapião é a posse unidade ao tempo. A posse é o fato objetivo; o tempo a força
que opera a transformação do fato em direito” 80.
No entendimento de Benedito Silvério Ribeiro:
formaram-se duas linhas: a subjetiva e a objetiva. A teoria subjetiva baseada na passividade do proprietário, na presunção de que há o ânimo da renúncia ao direito de propriedade, ao passo que a objetiva fulcra-se na utilidade
social81.
Ainda, Benedito Silvério Ribeiro, afasta a primeira linha, sustentando que a
renúncia independe do fator tempo, sendo manifestação de vontade, pois não
estaria presente a intenção do proprietário em renunciar ao seu direito, uma vez que
presumir o seu desinteresse acarretaria o abandono ou propósito de abandoná-lo e,
assim, feriria o princípio do direito de proprietário como de não usar ou não gozar do
bem, direitos estes inerentes ao domínio.
Para o doutrinador, os direitos reais não se extinguem só pela inércia do
proprietário, mas apenas nas ações que garantam a propriedade e às quais não se
aplica a prescrição extintiva, quando estas sobrevêm a prescrição aquisitiva ou
usucapião.
Desse modo, sustenta que a teoria subjetiva é a que se adapta melhor aos
princípios do direito e termina afirmando que o interesse social é o fundamento
básico da prescrição, tanto extintiva quanto aquisitiva.
79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Direito das Coisas. 5º vol. São Paulo, 2013.
p. 256. 80
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1976. p.170. 81
RIBEIRO, Benedito Silvério. Op. Cit. p. 1.222.
56
Dessa forma, a usucapião não tem por fundamento a punição pela inércia do
proprietário, mas sim o mister de atender aqueles que dão a destinação correta à
propriedade, ou seja, que zelam por ela e cumprem a sua função social.
Para Maria Helena Diniz:
O fundamento desse instituto é garantir a estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito e sanar a ausência de título do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do título que esse mesmo possuidor, porventura, tiver 82.
José Carlos de Moraes Salles argumenta que todo bem móvel ou imóvel,
deve ter uma função social, isto é, deve ser usado pelo proprietário de modo a gerar
utilidades:
O proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-o como se fosse sua 83.
A ideia de função social da propriedade ressurge84 com a Constituição
Federal de 1988 que traçou uma política de desenvolvimento urbano, considerando
os valores ligados aos interesses coletivos, regulamentados na Lei nº 10.257/2001,
denominado de Estatuto da Cidade.
Rogério Gesta Leal diz que: “a função da propriedade é um principio
informativo do direito que depende de melhor e constante explicação pelo legislador
ordinário. Os limites são indefinidos e permitem interpretações não coincidentes” 85.
82
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 4: Direito das Coisas – 17ª edição atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva: 2002.p.187-188. 83
SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 49. 84
A noção de função social da propriedade na legislação brasileira existiu no início da ocupação do solo brasileiro por meio do Regime das Sesmarias, período em que era necessário ocupar e tornar a terra produtiva, sob pena de perdê-la. Entretanto, cumpre esclarecer que esta noção da época da colonização era muito diferente da noção atual, influenciada pela noção de função social da propriedade surgida na Constituição da República Alemã de Weimar de 1919. 85
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988, p.117.
57
Por fim, depreende-se que a usucapião é um instituto que tem como
finalidade principal, mais do que punir o proprietário negligente, mas sim tutelar os
interesses da coletividade ao beneficiar o possuidor que preserva o bem e o faz
cumprir com a sua função social, possibilitando ao imóvel abandonado a legalização
da posse ou a regularização fundiária do imóvel por meio da aquisição da
propriedade imobiliária.
4.3 As modalidades existentes do instituto na legislação brasileira
A legislação pátria, atualmente, prevê várias modalidades da usucapião,
dentre as quais temos: a usucapião extraordinária, a usucapião ordinária, a
usucapião especial urbana, a usucapião especial rural, a usucapião indígena, a
usucapião de bens móveis, a usucapião familiar, a usucapião administrativa e, por
fim, a usucapião coletiva urbana, objeto principal deste trabalho.
Cada modalidade possui requisitos diferenciados, de acordo com a sua
finalidade ou com o resultado pretendido pelo legislador. Entretanto, três são os
pressupostos comuns a todas as espécies: um bem que seja uma Coisa hábil (res
habilis)86, isto é, suscetível de ser usucapida; Posse (possessio) desde que seja
mansa e pacífica87, ou seja, que ela venha sendo exercida pelo possuidor, sem
qualquer oposição88 por parte do proprietário do bem ou de terceiro e; o Tempo, na
qual a posse deve ser exercida por um lapso temporal de modo continuo conforme a
hipótese especifica, sem interrupção ou impugnação e de acordo com o prazo
86
Assim, os bens fora do comércio e os bens públicos não se sujeitam a usucapião. A jurisprudência
consolidou-se neste sentido, conforme se verifica pela Súmula 340 do STF: ”Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. 87
Conforme já explicado no tópico 4.2. 88 A posse deve ainda, ser justa, pois a violência e a clandestinidade, enquanto perdurarem, impedem
a ocorrência da usucapião, ao passo que a precariedade o impossibilita permanentemente. A boa-fé do possuidor também é exigida quando se tratar de usucapião ordinária.
58
estabelecido pela legislação para cada uma das modalidades89 existentes em nosso
ordenamento jurídico.
4.3.1 Usucapião Extraordinária
A modalidade extraordinária da usucapião é a que possui os maiores prazos
para que o possuidor adquira o direito de pleitear a aquisição da propriedade imóvel
privada por meio do instituto da usucapião.
Isto se deve ao fato de que esta modalidade, também, não estabelece muitas
condições, isto é, requisitos que devem ser observados pelo possuidor, que apenas
necessita possuir o bem pelo prazo determinado no Código Civil, com posse mansa,
pacífica e contínua, sem necessitar estar ele de boa-fé ou ter justo título da posse.
Dessa maneira, note-se que o artigo 1238 do Código Civil, prevê o prazo de
15 anos, no caput e, o prazo de 10 anos, no parágrafo único, justificada esta
redução do prazo disposto no caput do artigo, uma vez que exige, além dos
requisitos acima mencionados, o intuito de ocupação para moradia própria ou da
família.
4.3.2 Usucapião Ordinária
Na modalidade ordinária, os prazos são reduzidos em relação a modalidade
extraordinária, tratada, anteriormente. Isto ocorre porque na presente modalidade, o
legislador exigiu que o possuidor esteja de boa-fé, comprovada pela existência de
justo título.
Cabe lembrar, de forma resumida, que o justo título é o documento que
deveria possuir eficácia para a transferência da propriedade, mas que por estar
eivado de um vício, não consegue efetuar a transferência esperada.
Assim, os prazos dessa modalidade iniciam-se com 10 anos, no caput do
artigo 1242 do Código Civil, podendo ser reduzido para 05 anos, conforme previsto
89
O maior prazo para a usucapião é de quinze anos para o caput da modalidade extraordinária e, o menor prazo é de cinco anos e compreende muitas das modalidades mais recentes como o caso as usucapião coletiva urbana.
59
no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo legal, tendo em vista que neste
parágrafo exige o legislador, que além da boa-fé e do justo título, tenha o possuidor
adquirido de forma onerosa o imóvel e se estiver sendo utilizado para fins produtivos
ou de moradia, isto é, quando houver tido investimento de caráter social-econômico.
4.3.3 Usucapião Especial Rural
A modalidade especial rural, também, conhecida como pro labore tem sua
previsão legal fundamentada nos artigos 191 da atual Constituição Federal e no
artigo 1239 do Código Civil de 2002, na qual dispõe que o possuidor que possuir
área rural, não superior a cinquenta hectares, tornando a produtiva ou, ainda,
servindo de moradia própria ou de sua família, adquire a propriedade do imóvel,
desde que não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.
Cabe lembrar que, a presente modalidade, surgiu na Constituição Federal de
1934 e foi mantida nas Constituições Federais de 1937 e de 1946, sendo por fim
estabelecida no Estatuto da Terra, pela Lei nº 4.504 de 1964.
Nota-se que nessa modalidade o legislador restringiu a posse sobre a área a
ser usucapida, uma vez que restringe a ocupação de área de até cinquenta
hectares. Restrição que não é feita nas modalidades anteriores, acima expostas.
Entretanto, a modalidade rural representa um avanço na legislação ao tratar
do instituto da usucapião, pois o prazo de cinco anos, sem necessidade de boa-fé ou
justo título, representa uma inovação que vem de acordo com os princípios
constitucionais de função social da propriedade, e do direito à moradia.
4.3.4 Usucapião Familiar
É uma modalidade que visa o atendimento ao artigo 183 da Constituição
federal, instituída em favor de pessoas de baixa renda90 que não possuem imóvel
próprio, urbano ou rural, que ao exercerem posse por dois anos contínuos e sem
oposição, sobre imóvel de até 250 metros quadrados, cuja propriedade divida com o 90
Pessoas de baixa renda deve entender-se como àquelas que possuem renda até dois salários
mínimos, conforme inteligência do parágrafo 4º do artigo 21 da Lei 8212 de 1991.
60
ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar e que, ainda, utilize para
moradia sua ou de sua família, adquirem a possibilidade de se tornarem
proprietários do bem, por meio da usucapião.
Esta modalidade, trazida pela Lei nº 12.424 de 2011 e que inseriu ao artigo
1240 do Código Civil de 2002, um desdobramento, que fez surgir o artigo 1240-A, se
assemelha, portanto, a usucapião individual urbana, tendo em vista que ambas
possuem, praticamente, os mesmos requisitos para a aquisição prescritiva do bem
imóvel.
Entretanto, algumas diferenças existem entre as duas modalidades, conforme
apontadas por Carlos Roberto Gonçalves:
Podem ser apontadas, no entanto, as seguintes diferenças entre as duas modalidades: a) na usucapião familiar, ao contrário do que sucede na usucapião especial urbana disciplinada no artigo 1240 do Código Civil, exige-se, além dos requisitos mencionados, que o usucapiente seja coproprietário do imóvel, em comunhão ou condomínio com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro; b) exige-se, também, que estes tenham abandonado o lar de forma voluntária e injustificada; c) o tempo necessário para ususcapir é flagrantemente inferior às demais espécies de usucapião, consumando-se a prescrição aquisitiva no prazo de dois anos.91
Dessa forma, esta modalidade é a que possui o prazo menor para a aquisição
pela usucapião, fundada na coexistência de um vínculo matrimonial desfeito, mas
com o intuito de proteger a moradia da família.
4.3.5 Usucapião Administrativa
Criada pela Lei Federal nº 11.977/2009, com a finalidade de promover a
regularização fundiária de interesse social, possibilitando que os beneficiários se
tornem proprietários dos imóveis que ocupem após 5 anos do registro do título de
legitimação da posse emitido pelo Poder Público, convertendo a posse em
91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Direito das Coisas. 5º vol. São Paulo, 2013.
P.274.
61
propriedade por meio do registro do título no Cartório de Registro de Imóveis.
Entretanto, essa modalidade ainda recente, não produziu os efeitos desejados.92
4.3.6 Usucapião Especial Urbana
Com requisitos bastante semelhantes à modalidade rural, a usucapião
especial urbana, difere da anterior, apenas em relação à metragem da área, uma
vez que estabelece a metragem máxima da área possuída em 250 metros
quadrados e que esteja localizada em área urbana para fins de moradia.
Esta modalidade encontra a sua previsão legal no artigo 183 da Constituição
Federal de 1988, nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 1240 do Código Civil
de 2002, e, ainda, no artigo 9º do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001.
Nesta modalidade, nota-se que o legislador, também não exige a boa-fé, nem
o justo título, apesar do prazo reduzido de 05 anos para a possibilidade do possuidor
da área usucapir, em razão do dispositivo constitucional e do Estatuto da Cidade,
pois ambos tratam e estabelecem as diretrizes gerais das políticas urbanas, nas
quais a regularização fundiária esta prevista veemente.
Dessa maneira, essa é mais uma modalidade que deixa claro a influência da
função social da propriedade imóvel em nossa legislação.
4.4 A Usucapião Coletiva Urbana
No intuito de efetivar a função social da propriedade e o direito a moradia,
ambas previstas na Constituição Federal, o legislador pátrio adaptou o instituto da
usucapião ao dar uma nova perspectiva para o instituto com o objetivo de promover
a regularização fundiária e, consequentemente, a urbanização de áreas privadas
ocupadas por uma população de baixa renda.
92
Conforme informações extraídas do site oficial dos Cartórios do Estado de São Paulo, link:
www.cartóriosp.com.br/especialidades_detalhes.aspx?id=88. Acesso em 24.09.2014.
62
Dessa forma, o legislador, por meio da Lei nº 10.257 de 2001, mais conhecida
como Estatuto da Cidade, inovou ao criar a usucapião coletiva urbana, em seu artigo
10º, na qual permite a usucapião de áreas urbanas com mais de 250 metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda pelo prazo contínuo de cinco
anos, toda vez que for impossível identificar as áreas individuais de cada possuidor
e, ainda, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano
ou rural.
Observa-se que a usucapião coletiva não possui a mesma natureza da
usucapião individual ajuizada em conjunto, como no caso de haver vários pedidos
individuais cumulados em um único processo, uma vez que no caso da coletiva, o
direito à usucapião surge em razão da indivisibilidade93 do objeto da usucapião, que
no caso é representada pela área ocupada e invadida pela população de baixa
renda e, ainda, pelo fato de que esta modalidade coletiva possui em sua essência
mais do que uma mera forma de aquisição de propriedade, característica da
modalidade individual, mas sim uma forma de promover a regularização fundiária
das favelas94 e, assim, alcançar o bem-estar social e o desenvolvimento da
cidadania.
Nelson Saule Junior explica, ainda, sobre a usucapião coletiva que:
O usucapião urbano coletivo é matéria processual e não material. É um instrumento processual que confere eficácia ao direito material do usucapião urbano, que são o direito à moradia e o direito às cidades sustentáveis, potencializa o cumprimento do princípio da função social da propriedade e das funções sociais da cidade.95
Exatamente por esta razão que o legislador estabeleceu que, no caso da
usucapião coletiva, a aquisição da propriedade imóvel ocorrerá por meio da
93
A indivisibilidade do imóvel, objeto da ação de usucapião coletiva, ocorre por conta de não ser possível a individualização precisa ou segura dos imóveis ocupados pelos possuidores dessas áreas, uma vez que o tipo de construção nas áreas de favelas são, na maioria das vezes, sobrepostas umas às outras, impossibilitando uma definição de confrontantes ou a amarração de pontos geodésicos. 94
Segundo a Secretaria de habitação de São Paulo, favelas são espaços habitados precários, com moradias autoconstruídas, formadas a partir da ocupação de terrenos públicos ou particulares. 95
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 528.
63
formação de um condomínio96, distinguindo-se mais uma vez da modalidade
individual, na qual o possuidor, sujeito ativo da usucapião, adquire a propriedade
imobiliária individualmente, sem necessitar dividir qualquer fração que seja da sua
nova propriedade.
Outra característica peculiar desta modalidade coletiva é a possibilidade dada
pelo legislador de representação processual dos possuidores e futuros adquirentes
da parte ideal do condomínio a ser formado, uma vez que o legislador estabeleceu
as associações de moradores97 são partes legítimas98 para propor a ação de
usucapião coletiva, desde que seja autorizada pelos possuidores, representados, de
forma explícita.
Assim, a usucapião coletiva urbana, trazida pelo artigo 10 do Estatuto da
Cidade, é uma modalidade de usucapião bem distinta das demais, sendo
considerada, por boa parte da doutrina, uma nova modalidade do instituto da
usucapião e, por conseguinte, inconstitucional por não ter respeitado a formalidade
necessária para a sua criação.
Entretanto, esta nova modalidade, se assim for entendida, importa para a sua
essência os princípios da Política Urbana, prevista na nossa Constituição Federal99
96
Importante ressaltar que o condomínio em questão, oriundo da sentença que defere o pedido de usucapião coletivo, difere muito da figura do condomínio especial estabelecido pela Lei nº 4.591 de 1964, uma vez que o legislador não dispôs a criação de unidades autônomas, como no condomínio edilício, em que cada uma das unidades imobiliárias é individualizada e possui uma fração ideal da área total do terreno, objeto do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária. Isto ocorre, justamente, pelo fato de que em tais áreas é impossível a identificação específica e individualização de cada um dos imóveis existentes. 97
Observa-se que o artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe sobre a legitimação para a propositura da ação de usucapião especial urbana, sem, contudo restringir tal legitimidade para a modalidade individual ou coletiva, permitindo, assim, o entendimento de que em ambas as modalidades, as associações de moradores sejam parte reconhecidamente legitimadas para a propositura da ação como representantes dos possuidores. 98
O artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe que são partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I) o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II) os possuidores, em estado de composse e; III) como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. 99 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
64
como forma de buscar a efetivação do direito à moradia e a função social da
propriedade, bem como o alcance da cidadania por meio da inclusão social de parte
da população que habita a cidade ilegal100.
Dentre os seus requisitos para a propositura da ação, a posse deverá ser por
cinco anos, contínua e pacífica, de área urbana com mais de 250 metros quadrados,
ocupada por população de baixa renda e desde que os possuidores não sejam
proprietários de imóvel urbano ou rural, pelo prazo contínuo de 5 anos.
Depreende-se, assim, que os requisitos da modalidade individual se
assemelham à coletiva, diferenciando-se em relação a possibilidade de ser
usucapida uma área maior pela coletividade, tendo como fundamento a função
social da propriedade, o interesse social e o cumprimento das diretrizes gerais das
políticas urbanas.
4.5 Conclusão do Capítulo
Em síntese, depreende-se, que este instituto secular da usucapião, possui um
papel de suma importância em nossa legislação, seja como instrumento de
legalização e aquisição das propriedades imóveis, seja como instrumento jurídico de
regularização fundiária, em consonância com as diretrizes gerais previstas nas
políticas urbanas e, ainda, com a finalidade de promover a inclusão social e o
desenvolvimento da cidadania por meio da efetivação do direito à moradia.
ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 100
Cidade ilegal, entende-se aquela que se encontra às margens da sociedade por não possuir infraestrutura básica para o desenvolvimento de uma vida digna.
65
Nesta análise sobre o instituto, observa-se a evolução do mesmo na
legislação pátria, influenciada pela função social da propriedade e do direito à
moradia, direitos fundamentais importados dos Tratados Internacionais, da qual o
Brasil é signatário, conforme anteriormente analisado.
Dessa forma, nota-se que as modalidades da usucapião extraordinária e
ordinária, previstas desde a vigência do Código Civil de 1916 (época em que a
propriedade imóvel, ainda, possuía um caráter absoluto e que privilegiava o direito
individual do proprietário imobiliário) tiveram seus prazos reduzidos no novo Código
Civil.
Concomitantemente a essa redução de prazos nas modalidades
conservadoras, surgiram as modalidades especiais, que não exigem a boa-fé, nem o
justo título, ainda que possuam um prazo reduzido para que torne possível aquele
que possui, pleitear a posse do imóvel, ora ocupado.
Essas novas modalidades, surgiram sob o manto dos princípios
constitucionais, influenciados por Tratados Internacionais, ante a preocupação de
diminuir o déficit habitacional e o conflito de Terras no país e, ainda, a possibilidade
de auxiliar na urbanização de áreas que estão localizadas imóveis cujo tratamento
deve ser especializado.
66
5. A USUCAPIÃO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE
IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO
Neste capítulo, pretende-se desenvolver uma análise do instituto da
usucapião coletiva urbana, as características que a difere das demais modalidades,
os obstáculos a serem enfrentados para sua efetividade, bem como uma exposição
dos procedimentos processuais e, ainda, exposição de seis casos práticos
referentes a processos de usucapião coletivo que estão em andamento no Poder
Judiciário Paulistano de seis comunidades que pleiteiam a aquisição coletiva da área
privada onde estão assentadas.
Ainda, será tratada, sem profundidade, a questão da responsabilidade do
poder público em relação ao direito à moradia, os conceitos de urbanização,
urbanificação e urbanismo, de modo a entender-se a diferença e relação entre estes
conceitos, a fim de compreender qual o papel do Poder Público na regularização
Fundiária e na ocupação do solo das cidades brasileiras.
Por fim, o presente capítulo, pretende expor mais dois instrumentos jurídicos
de regularização fundiária e compará-las ao instituto da usucapião, com a finalidade
de demonstrar que cada instrumento pode ser utilizado no tratamento de uma área,
de acordo com a necessidade e configuração da ocupação.
5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do direito
à moradia
67
Como visto, anteriormente, o direito à moradia é imprescindível para o
desenvolvimento da cidadania nas cidades brasileiras, uma vez que ainda existe
uma parcela significativa da população urbana vivendo em moradias subnormais ou
precárias, sem acesso ao saneamento básico ou aos serviços públicos
fundamentais.
Com efeito, para que os moradores, que habitam estas áreas excluídas da
cidade legal, sejam incluídos na sociedade por meio do direito à moradia, se faz
necessário que estas áreas sejam tratadas pelos instrumentos jurídicos de
regularização fundiária, previstas em nossa legislação, para que num segundo
momento, ocorra a urbanificação e, consequentemente, possa-se desenvolver o
urbanismo e a cidadania nas cidades brasileiras.
Desse modo, para que seja atingida uma cidadania plena, da qual se
encontre incluídos todos os cidadãos brasileiros, se faz necessária que haja políticas
urbanas eficientes para a erradicação da pobreza, por meio do tratamento do
problema da falta de moradia ou de pessoas que habitam moradias precárias ou
subnormais, bem como da urbanificação destas áreas.
5.1.1 Urbanização, Urbanificação e Urbanismo
Antes de continuar a desenvolver o tema, se faz necessário entender e
distinguir os conceitos de urbanização, urbanificação e urbanismo, tendo em vista
que, apesar de tais conceitos estarem interligados, possuem significados diferentes.
Sobre a urbanização, Carvalho Filho define e expõe que:
Urbanização é o fenômeno social que denuncia o aumento da concentração urbana em proporção superior à que se processa no campo. Não se trata, na verdade, de constatar a concentração humana nos centros populacionais como um fator estático: aqui o fenômeno é efeito, e não causa. Cuida-se, isto sim, de verificar o processo de mutação social, perpetrado pela fuga das áreas rurais para os centros urbanos, e as causas que provocaram essa transformação.101
101
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.09.
68
O processo de urbanização no Brasil, conforme visto, anteriormente, teve
como causas propulsoras o processo de industrialização do País cumulado com o
surgimento de uma legislação trabalhista que tutelava apenas os direitos dos
trabalhadores urbanos. Em razão disto, houve um êxodo rural, cuja migração do
campo para as cidades brasileiras ocorreu em um curto espaço de tempo e,
portanto, alterou de forma abrupta a relação da população que vivia nas áreas rurais
e urbanas.
Essa transformação da concentração da população brasileira do campo para
as cidades trouxe sérios problemas para as cidades brasileiras, uma vez que o
processo de urbanização repentino resultou numa ocupação do espaço urbano
desorganizado e em áreas sem infraestrutura alguma para a instalação das
moradias do contingente imigrante oriundo das áreas rurais, pelos motivos expostos
anteriormente.
Em relação a urbanificação, Carvalho Filho explica que:
Diversamente da urbanização, a urbanificação é a aplicação dos princípios e normas urbanísticas que visam eliminar os efeitos danosos da urbanização e proporcionar melhores condições para a ocupação dos espaços habitáveis pela coletividade. Sem a urbanificação, as concentrações humanas ficarão sempre à mercê das consequências gravosas oriundas da desorganização e da ocupação caótica das áreas citadinas.102 103
Assim, entende-se que a urbanificação é o modo de enfrentar e tratar os
problemas originados pela urbanização, concentração da população nas cidades,
com a finalidade de melhorar a condição de vida dos habitantes das áreas urbanas
por meio de uma organização dos espaços e serviços básicos.
Sobre urbanismo, Hely Lopes Meirelles define e explica que:
É o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. (...). Não se compreende urbanismo isolado; não se realiza urbanismo particular; não se
102
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.10/11. 103
José dos Santos Carvalho Filho esclarece que o termo “urbanificação” foi delineado por GASTON
BARDET em sua obra L’Urbanisme.
69
faz urbanismo por conta própria; nem há imposições urbanísticas sem norma legal e geral que as determinem.104
Ainda, sobre urbanismo, Carvalho Filho ressalta que:
Um aspecto que se deve acentuar é que o urbanismo reflete um sistema de cooperação entre o Estado e a sociedade. Não adianta que somente o Estado procure a concretização dos fatores de melhoria social, mas ao contrário, é importante que os indivíduos tenham a consciência social de que só com a interação dos interesses público e privado se poderá ter êxito na missão urbanística.105
Depreende-se, assim, que a urbanificação das áreas urbanas, visando a
melhoria dos espaços habitáveis e da qualidade de vida de seus moradores só é
possível mediante o urbanismo exercido pelo Poder Público por meio de políticas
urbanas eficientes e capazes de tratar os problemas surgidos do processo de
urbanização da cidade.
5.1.2 Políticas Urbanas
As políticas urbanas são necessárias para que exista uma organização e
planejamento capaz de promover a melhoria na qualidade de vida dos habitantes
das áreas urbanas, ainda mais, numa época em que a alta densidade populacional
das cidades atinge um ponto em que a disputa por espaços se faz presente no
cotidiano da população moradora ou em trânsito pela cidade.
Para elucidar, entende-se por Políticas Urbanas, segundo Carvalho Filho:
O conjunto de estratégias e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades.
104
MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: RT, 1985. p. 377-379. 105
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.06.
70
A nossa atual Constituição Federal, dispõe nos artigos 182 e 183106 sobre a
Política Urbana, estabelecendo ao Poder Público Municipal a execução das Políticas
Urbanas, conforme as diretrizes fixadas pelas Leis que as regulamentem, com o
objetivo de desenvolver as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes e, ainda, estabelece como instrumento fundamental para o alcance
destes objetivos, o Plano Diretor Municipal, para as cidades com mais de 20 mil
habitantes.
Ainda, nestes dispositivos constitucionais, vislumbra os contornos e
fundamentos do que, posteriormente, se tornou, com a entrada em vigor da Lei
10.257 de 2001, conhecida como o Estatuto da Cidade, na modalidade coletiva de
usucapião urbana.
O mencionado estatuto, também, estabelece no seu artigo 2º107 os objetivos
da política urbana, além dos meios para o alcance desses objetivos, entretanto,
106 Art.182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 107 Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V - oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis
71
acrescenta aos objetivos do artigo 182 da Constituição Federal Pátria, o objetivo de
regular as funções sociais da propriedade urbana.
Sobre esta dicotomia entre o dispositivo constitucional e o legal, Carvalho
Filho comenta que:
Observando os dispositivos, pode notar-se que não se encontra integral identidade entre eles. Com efeito, o mandamento constitucional refere-se ao objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes da cidade, além do concernente ao desenvolvimento das funções sociais da cidade. O dispositivo legal, a seu turno, repete este último objetivo, mas, em vez da referência ao bem-estar dos habitantes, alude ao objetivo de ordenar as funções sociais da propriedade urbana. (...) O que a lei estampa é o objetivo de regular as funções sociais da propriedade urbana, até porque esta só é efetivamente garantida se atender à função social, como consigna o artigo 52, inciso XXIII, da Constituição Federal. (...) Mais coerente para a definição de objetivos da política urbana é o artigo 2º do Estatuto, porque, tendo-se referido ao desenvolvimento social das cidades, cujo sentido é inegavelmente de expressiva amplitude, aludiu também ao desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana. Em que pese a natureza que
urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; h) a exposição da população a riscos de desastres naturais; (Incluído pela Medida Provisória nº 547, de 2011). h) a exposição da população a riscos de desastres. (Incluído dada pela Lei nº 12.608, de 2012) VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; VIII - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X - adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI - recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII - audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais. (Incluído pela Lei nº 12.836, de 2013). (grifo nosso)
72
tem junto à ordem constitucional – de direito fundamental – a propriedade não mais representa um direito absoluto e intangível como foi em épocas pretéritas.108
Cumpre-se notar que o artigo 2º do referido estatuto dispõe sobre as diretrizes
gerais109 da política urbana, ou seja, os meios para que os objetivos estabelecidos
pelas políticas urbanas sejam atingidos e, dentre os inúmeros meios dispostos,
estabelece, em seu inciso XIV, a regularização fundiária e urbanização das áreas
ocupadas por população de baixa renda.
Dessa maneira, pode-se interpretar que a regularização fundiária e
urbanização das áreas onde se localizam as favelas paulistanas, seja um dos meios
para o sucesso das Políticas Urbanas a serem executadas pelo poder público
municipal, tendo em vista que o Estatuto da Cidade surge para regulamentar os
artigos 182 e 183 da Constituição Federal.
Para o alcance do desenvolvimento das funções sociais da cidade e a
garantia do bem-estar de seus habitantes, bem como para regular as funções
sociais da propriedade urbana é necessário que haja um conjunto de medidas
estatais que se destinem à organização dos espaços urbanos habitáveis, a fim de
promover o bem-estar e uma melhor condição de vida para o habitante urbano.
Com efeito, o urbanismo se aperfeiçoa com a urbanificação das áreas onde a
urbanização resultou em problemas na qualidade de vida de seus moradores, mas
para que seja possível urbanificar, antes é necessário realizar a regularização
fundiária de tais áreas, sob pena de não atingir a meta estabelecida pela nossa
Constituição Federal.
A regularização fundiária e urbanização das áreas de favelas são diretrizes
relativas ao solo urbano110 e que compõem o rol das diretrizes gerais da política
108
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.19/20. 109
José dos Santos Carvalho Filho entende por diretrizes gerais da política urbana, “o conjunto de
situações urbanísticas de fato e de direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito de constituir, melhorar, restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo a assegurar o bem-estar das comunidades em geral.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013. p.19/20. 110
José dos Santos Carvalho Filho classifica as diretrizes gerais das políticas urbanas, subdividindo-
as em cinco grupos: diretrizes governamentais, sociais, econômico-financeiras, relativas ao solo
73
urbana estabelecida pelo Estatuto da Cidade, cujo caráter social é notadamente
visível, uma vez que o dispositivo legal visa melhorar a qualidade de vida dos
habitantes por meio da efetivação do direito à moradia.
Dessa maneira, depreendem-se, desse dispositivo, duas medidas: a
regularização fundiária e a urbanização, que será tratada por urbanificação,
conforme exposto, anteriormente, a distinção dos dois vocábulos.
Assim, para que a regularização fundiária seja realizada, a legislação pátria
dispõe de alguns mecanismos jurídicos para que seja atingida esta árdua tarefa com
sucesso, dentre os quais se tem a usucapião coletiva urbana, como um dos mais
promissores instrumentos jurídicos de efetivação do direito à moradia.
Neste sentido, Nelson Saule Junior expõe que:
A aplicação do Usucapião Urbano atende ao princípio das
funções sociais da cidade, confere eficácia ao direito a cidades
sustentáveis e respeita à ordem urbanística. O Usucapião
Urbano, devido à sua finalidade constitucional de assegurar a
proteção jurídica da moradia nas favelas situadas em áreas
urbanas privadas, deve ser compreendido da seguinte forma:
1) Como um instrumento de política urbana que, ao ser
aplicado, viabiliza a função social de uma propriedade urbana
ocupada por população de baixa renda com a sua destinação
para fins de moradia; 2) Como um instrumento de
regularização fundiária que deve fazer parte da política
habitacional executada pelo Poder Público municipal, devendo
ser aplicado de forma conjugada com as Zonas Especiais de
Interesse Social – ZEIS; 3) Como o instrumento de que
reconhece juridicamente o direito à moradia da população de
baixa renda, que ocupa coletivamente uma área urbana
privada classificada como uma favela, preenchendo, em
especial, a a segurança jurídica da posse e; 4) Como um
instrumento que deve ser aplicado no Poder Judiciário para
evitar os despejos e remoções coletivos em áreas urbanas
resultantes das ações possessórias (ações de reintegração de
posse).111
urbano e jurídicas. (grifo nosso). CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013. p.19/20. 111
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 527 – 528.
74
Além dos instrumentos jurídicos de regularização fundiária, cumpre ressaltar
que cabem a União, aos Estados e aos Municípios promover programas de
construção de moradias e a melhoria das condições de habitação e saneamento
básico, conforme artigo 23, inciso IX da nossa Constituição Federal.112
Nelson Saule Junior, ressalta que:
Essa norma é o fundamento da obrigação das entidades federativas implementarem uma política habitacional voltada a atender os grupos sociais marginalizados e excluídos do mercado habitacional, mediante a realização de programas de habitação de interesse social como, por exemplo, o de urbanização e regularização fundiária de loteamentos populares, favelas e demais assentamentos informais ocupados por estes grupos sociais. A Tarefa e o dever de assegurar o cumprimento do direito à moradia estão totalmente associados à competência comum de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, previstos no inciso X do artigo 23113 da Constituição.114
Ainda, Saule Junior explica que:
A nova lei federal de parcelamento do solo urbano contém várias regras que permitem ao Município estabelecer uma legislação urbana própria para a promoção desta regularização fundiária. (...) Os Municípios têm competência, por meio do plano diretor ou lei municipal específica, para estabelecer a política de regularização de loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares podendo adotar as seguintes medidas: a) Delimitação das áreas com grande concentração de loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, ou de loteamento irregular com elevada densidade populacional, como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS; b) Execução de um plano de urbanização nos loteamentos irregulares delimitados como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, contendo normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificações compatíveis com a realidade da ocupação existente, como principal instrumento de regularização do loteamento irregular; c) Definir os instrumentos que devem ser aplicados pelo Município para a
112
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX -
promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (grifo nosso). 113
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: X -
combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos. (grifo nosso). 114
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 512.
75
regularização do loteamento, como o usucapião urbano, o direito de superfície e a concessão de direito real de uso; d) Constituir um programa de regularização fundiária com recursos públicos para a execução das obras e implantação da infra estrutura e equipamentos urbanos necessários para a regularização do loteamento; e) Constituir um programa de recuperação de áreas verdes, mediante a aquisição de novas áreas próximas aos loteamentos que não tenham mais áreas disponíveis, em razão da alta densidade de ocupação.115
Coadunando-se com a posição daqueles que vislumbram a usucapião
coletiva urbana como um instrumento eficiente para a regularização fundiária de
áreas de favelas, atendendo, assim, as políticas urbanas estabelecidas pela nossa
Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, Julia Moretti expõe que:
Em relação ao paradigma jurídico para enfrentamento dos conflitos fundiários urbanos, também houve expressiva mudança após o Estatuto da Cidade. As diretrizes gerais da ordem urbanística elencadas no art. 2º do Estatuto da Cidade corroboram uma interpretação dos instrumentos de política urbana a partir de princípios constitucionais, em especial a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição) e visando a redução de desigualdades, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável (art. 3º, Constituição). Em suma, a regulamentação da usucapião coletiva no Estatuto da Cidade destaca a importância desse instituto como instrumento de regularização fundiária para assegurar a moradia e fazer cumprir a função social da propriedade.116
5.1.3 O Papel do Poder Público na regularização fundiária e na efetivação do
direito à moradia
A palavra “Estado” é proveniente do latim “status”, do verbo “stare”, isto é,
manter-se em pé, sustentar-se.117 O Estado é o responsável por formular as políticas
públicas, através das leis elaboradas pelo nosso poder legislativo118.
115
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.526-527. 116
MORETTI, Julia Azevedo. Usucapião Coletiva e Acesso à Justiça - Superação de obstáculos no
caso da Favela da Piscina. In Tema 8 – A proteção do direito à cidade, a ordem urbanística e a sua judiciabilidade. 117
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo:
Editora Contexto. 3ª edição. 2010. p. 115.
76
Fernando Aith119 expõe que:
As políticas públicas de Estado ou de governo, todas, sem exceção, estão sujeitas às regras definidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como todas devem, necessariamente, ter como finalidade o interesse público e a promoção e proteção dos direitos humanos.120
Aith diferencia as Políticas Públicas de Estado das de Governo, entendendo
que as primeiras são aquelas a que se referem a realização exclusiva do Estado,
visando atividades essenciais deste último. Enquanto que as políticas públicas de
governo são aquelas em que o Estado pode delegar ou terceirizar, podendo,
inclusive, sofrer quebra na continuidade dos serviços prestados.121
Dentro desta diferenciação temos que as políticas de Estado, segundo Aith,
são aquelas cujos objetivos estão voltados para a consolidação do Estado
Democrático de Direito e a garantia da soberania nacional e da ordem pública.
Assim, como exemplos de política pública de Estado é a estruturação do Sistema
Único de Saúde e a política de segurança pública, tendo em vista que ao Estado e
somente à ele é dado o direito do uso da força para a manutenção da paz e da
ordem pública.122
Já as políticas públicas de governo, de acordo com Aith, são aquelas políticas
pontuais, dotadas de uma maior flexibilização e especialidade em seus objetivos,
pois visam aumentar a eficácia e a efetividade das ações de promoção e proteção
dos direitos humanos, utilizando-se das estruturas estatais já existentes, bem como
dos mecanismos democráticos, também, já estabelecidos.
118
Fernando Aith explica que o Estado é o sujeito ativo das políticas públicas, titular principal na elaboração, planejamento, execução e financiamento delas, sendo em regra, realizadas por meio de instrumentos normativos, como as leis, decretos, portarias, resoluções, e outros que existem no nosso sistema jurídico. 119 AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação do
Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria
Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,
2006.
120 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 232).
121 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 237).
122 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 236).
77
Segundo Aith:
Uma política que busque implementar um Programa de Saúde da Família é uma política de governo, embora inserida no âmbito da consolidação do Sistema Único de Saúde. Isto porque este programa utiliza-se da rede de funcionários e profissionais de saúde já existentes no âmbito do Estado, isto é, utiliza-se da estrutura estatal já existente para ser desenvolvido.123
Em decisão não muito recente de um processo de Reintegração de Posse124,
o Juiz da segunda vara do foro regional de Itaquera, a favor da não desocupação
feita por milhares de famílias em uma propriedade privada sem benfeitoria alguma,
recitou trecho de Dom Quixote, traduzido para o português:
Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as versões do rico. Procura descobrir a verdade que se esconde detrás das promessas e dos brindes do rico, da mesma forma que detrás dos soluços e das lamúrias do pobre. Mas, se por acaso, dobrares a vara da justiça, que pelo menos não seja em conseqüência do peso do suborno, mas sim do da miséria.
Com esta sentença o Juiz monocrático promoveu ou pelo menos tentou
preencher as lacunas existentes nas políticas públicas urbanas de moradia, talvez
porque cansado de julgar conflitos, por pedaços de terra, que não deveriam existir
se as políticas públicas fossem implementadas e eficientes.
Diante da necessidade de cooperação entre Estado e população, a fim de se
ter um planejamento mais eficiente e de acordo com as necessidades dos cidadãos,
parece que uma democracia mais participativa, possa realizar com amais eficiência
um planejamento, nas quais as políticas públicas urbanas possam promover o bem-
estar social e resolver os problemas da falta de moradia digna que aflige parte
significativa da população urbana brasileira.
123
AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 236). 124
Sentença exarada no processo 007.95.306109-9 – lauda 5
78
Assim, uma dos caminhos pode ser aquele vislumbrado pela nossa própria
Constituição, por meio dos instrumentos de participação da população nas
discussões sobre as formulações das políticas públicas125.
Neste sentido, Boaventura acena para esta nova perspectiva ao expor que:
A renovação da teoria democrática assenta, antes de mais, na formulação de critérios democráticos de participação política que não confinem esta ao acto de votar. Implica, pois, uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa.126
Assim, o nosso próprio ordenamento jurídico coloca à disposição alguns
instrumentos e mecanismos que possibilitam este diálogo entre o Estado e o Povo
brasileiro, ou melhor, entre a administração pública e a sociedade brasileira.
Marcos Augusto Perez expõe que:
Tanto a regulação das atividades da Administração Federal, quanto a legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios têm notabilizado os institutos de participação. Conselhos, comissões e comitês participativos; audiência pública; consulta pública, o orçamento participativo, o referendo e o plebiscito são importantes referências entre nós de instrumentos concretos para a implementação do diálogo entre a Administração e a sociedade.127
Recentemente, a Procuradoria-Geral de Justiça e a Promotoria de Justiça de
Habitação e Urbanismo da capital de São Paulo convocaram a comunidade que
mora na região central da cidade de São Paulo para debater e discutir sobre o tema
da moradia, como forma preparatória para a audiência pública, visando discutir o
problema da falta de uma política pública urbana eficiente para acomodar todas as
125
Marcos Augusto Perez, no seu artigo: A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas, explica que: “No Brasil, como ocorre também em outros países, o Direito Constitucional e Administrativo consagram o princípio da participação e um grande número de instituttos voltados a sua concretização.” 126
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
Capítulo 9 – Subjectividade, cidadnia e emancipação. Editora Cortez. p. 270.
127 PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das
políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
79
famílias que necessitam de moradia.128 Esta iniciativa do Ministério Público de São
Paulo é prova de que as portas para o diálogo entre a sociedade civil e a
administração pública estão abertas e tentam, através do debate e da discussão
acerca de um determinado assunto, atingir os interesses da coletividade local, bem
como formular e tornar mais eficiente as políticas públicas urbanas que dizem
respeito a falta de moradia.
128
Aviso de 08/03/2012 - nº 118/2012 – PGJ: O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas
atribuições, tendo em vista o disposto no art. 19, XII, "p" da LC nº 734, de 26 de novembro de 1993 e
nos arts. 61 e 62 do Ato nº 484/06-CPJ, a pedido do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva (Área de Habitação e Urbanismo e Direitos
Humanos), COMUNICA os Membros do Ministério Público e demais interessados que a Promotoria
de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, realizará REUNIÃO PREPARATÓRIA PARA
AUDIÊNCIA PÚBLICA OBJETIVANDO COLETAR SUBSÍDIOS DA COMUNIDADE LOCAL
(REGIÃO CENTRAL) SOBRE DIREITO À MORADIA (art. 6º, CF), no dia 19 de março de 2012, das
14h00 as 18h00, na Sala dos Estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP), localizada no Largo São Francisco s/nº, Centro, São
Paulo/SP, conforme edital a seguir:EDITAL DE CONVOCAÇÃO DE REUNIÃO PREPARATÓRIA
PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por
iniciativa do 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, no uso de suas atribuições
legais, considerando o quanto foi apurado no inquérito civil nº 42/07, que trata de perscrutar o
respeito ao direito constitucional e social de moradia (art. 6º, CF), tendo em vista os relatos de
desalojamentos de famílias de baixa renda das áreas de risco e de proteção ambiental, sem a
correspondente alternativa habitacional; considerando o tratamento que vem sendo dado ao
problema, com o pagamento de verba assistencial ou de locação social, que não resolvem o
problema da habitação; considerando ainda a ausência ou deficiência de políticas públicas integradas
nessa seara pelas três esferas de governo (federal, estadual e municipal);considerando a grande
quantidade de famílias que ainda residem em favelas, cortiços, áreas de proteção ambiental e de
risco, sem expectativa de regularização de suas moradias num contexto de planejamento urbano;
considerando que o Executivo Municipal vem elaborando plano de habitação para a Cidade de São
Paulo, resolve realizar REUNIÕES PREPARATÓRIAS PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA NA CAPITAL
(reunião organizada e presidida pelo Ministério Público, aberta a qualquer do povo, nas
regiões norte, sul, leste, oeste e central), iniciando pela região central, designa para dia 19 de
março de 2012, às 14 h, na Sala dos Estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sita no Largo de São Francisco, s/nº, a
primeira reunião preparatória com a finalidade de obter subsídios da comunidade local sobre o
tema. A primeira reunião preparatória para a audiência pública está programada para durar quatro
horas (até as 18 h). Após a abertura dos trabalhos pelo Promotor que preside as investigações, que
esclarecerá seu objeto por dez minutos, será franqueada a palavra ao público, ocasião, também, em
que todos os presentes poderão ofertar documentos e manifestações por escrito, com tempo de
manifestação oral individual por cinco minutos. Não será aberta discussão do tema em investigação,
tampouco aberto espaço ao direito de resposta. E, para que chegue ao conhecimento de todos, com
a ampla publicidade que a reunião encerra, expediu-se o presente edital na forma da lei. São Paulo,
06 de março de 2012. José Carlos de Freitas - 1ºPromotor de Justiça de Habitação e Urbanismo
da Capital (Grifo nosso).
80
Esta participação popular visa diminuir o distanciamento entre a sociedade
brasileira e a administração pública, tornando mais eficiente a atuação administrativa
do Estado na formulação e implementação de políticas públicas que sejam voltadas
para as áreas econômica, culturais, na preservação do meio ambiente, na efetivação
do direito a moradia, e muitos outros que visam o bem estar coletivo e o alcance da
justiça social.
Esta aproximação entre o Governo e os Movimentos Sociais favorece o
trabalho da sociedade sobre ela mesma, uma vez que as discussões sobre as
políticas públicas visam melhor servir aos interesses dos grupos sociais aos quais
estes movimentos representam, beneficiando a própria coletividade e atingindo uma
transparência na atuação da administração pública.
Entretanto, algumas críticas são tecidas sobre esta aproximação entre a
sociedade e a administração pública. Marcos Augusto Perez assinala alguns perigos
que podem surgir desta participação e explica que a abertura de diálogo é bastante
positiva para a concretização das políticas públicas, mas que esta participação por si
só não resolve todos os problemas no tocante à efetivação das políticas públicas, ou
ainda, que esta porta de aproximação não corra o risco de ser desvirtuada pelos
atores que protagonizarem tal diálogo129.
Dessa forma, de acordo com Perez podemos enumerar como perigos desta
participação130: a captura pelo governo; a corrupção; a captura pelo mercado; a
deficiência de análise; as falhas de coordenação.
A captura pelo governo, segundo Perez, ocorre através do extremismo do
participacionismo131, isto é, quando termina os limites entre a sociedade e Estado,
fazendo com que a segunda incorpore a primeira, tornando a sociedade um setor do
Estado, representando uma regressão aos princípios democráticos, elem de tornar
129
PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das
políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito
jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 172.
130 PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das
políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 172-176. 131
Marcos Augusto Perez apud Giovanni Sartori, A Teoria da democracia revisitada
81
os movimentos sociais em ecos da política governamental. Como exemplo podemos
citar o populismo do Estado fascista italiano.
A segunda crítica que se faz a participação é em relação à corrupção, que
não é uma novidade para a sociedade brasileira, haja vista os inúmeros escândalos
que são veiculados constantemente envolvendo membros das casas legislativas do
nosso país e que se apresenta como um dos principais entraves na efetivação das
políticas públicas. Entretanto na democracia participativa, Perez alerta que a
aproximação pode resultar numa corrupção que cause o sacrifício das políticas
públicas em favor dos interesses pessoais. E nos sugere que o modo de evitar que
isto ocorra é por meio da transparência e regulação dos processos participativos.
O terceiro perigo elencado por Perez, é a captura pelo mercado, semelhante
ao que pode ocorrer na corrupção, o perigo na aproximação entre os órgãos
reguladores e os regulados, pode gerar um favorecimento dos grupos envolvidos,
tendo em vista ser o mercado formado por grupos poderosos de interesse. Assim, o
favorecimento destes grupos se daria em detrimento do bem-estar coletivo, não
produzindo o efeito idealizado pela participação da sociedade na formulação das
políticas públicas.
O penúltimo alerta que Perez faz em relação ao processo participativo é a
deficiência de análise, ou seja, o risco de que a aproximação se torne mero jogo
político, transformado em trocas de favores e reivindicações e atendimentos
particulares, afastando a importância do debate para a adoção de medidas
consistentes e efetivas pela administração pública.
Por fim, as falhas de coordenação, é um dos pontos temerários levantados
por Perez, pois a falta de coordenação e articulação entre os entes públicos federal,
estaduais e municipais, tornam as decisões sobre as políticas públicas num campo
de formulações e decisões contraditórias e inconsistentes.
82
Neste último caso, a falha de coordenação pode ser evitada mediante uma
transição entre os governos132, bem como o aumento nos investimentos em relação
a informatização dos aparatos da administração pública.
Depreendemos, assim, que somente com o cooperação entre os poderes
públicos e a sociedade, por meio da participação desta última no processo de
formulação das políticas públicas urbanas, será possível alcançar o bem-estar social
e proporcional a inclusão dos indivíduos marginalizados pela falta de acesso a uma
moradia digna.
5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas
paulistanas
O objetivo deste tópico é expor algumas experiências práticas do instituto da
usucapião coletiva urbana em comunidades ou favelas da cidade de São Paulo, que
estão em andamento nos Poder Judiciário de São Paulo.
Antes da exposição, cumpre ressaltar que os processos expostos, no
presente trabalho, foram selecionados de forma aleatória, não tendo a pretensão de
levantamento de todos os casos existentes de favelas que tentam, por meio da
usucapião coletiva urbana, a sua regularização fundiária.
Para isso, se faz necessário, antes de serem expostos os casos práticos,
esclarecer o procedimento processual de uma ação que envolva a aquisição da
propriedade imobiliária pela usucapião coletiva urbana.
132
Apesar das diferenças políticas, o presidente do Brasil na ocasião, Fernando Henrique Cardoso, promoveu uma verdadeira demonstração de respeito à democracia ao efetuar a transição da administração do país ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva entre 2002 e 2003.
83
5.2.1 Do Processo da Usucapião Coletiva Urbana
5.2.1.1 Do Rito
Primeiramente, de acordo com o artigo 14 do Estatuto da Cidade, o rito
processual a ser observado é o rito sumário, cujo regulamento encontra previsão
legal nos artigos 275 a 281 do Código de Processo Civil.
5.2.1.2 Da Legitimidade para a propositura da Ação
Com efeito, a petição inicial na Ação de usucapião coletiva urbana deve se
atentar a legitimidade para a propositura da ação, uma vez que a lei inova ao
permitir que a Associação de Moradores represente o possuidor ou possuidores da
área que deverá ser usucapida coletivamente.
Nesse sentido, já há entendimento jurisprudencial em relação a legitimidade
da associação de moradores no polo ativo da demanda, conforme ementa a seguir:
USUCAPIÃO COLETIVO - Legitimidade ativa - Opção dos possuidores entre ajuizar a ação em nome próprio, como pessoas naturais, ou constituírem associação com personalidade judiciária para demandar direito material de outrem - Inteligência do disposto no artigo 12, incisos I a III do Estatuto da Cidade - Distinção entre usucapião coletivo e usucapião conjunto de diversos possuidores individuais em litisconsórcio facultativo - Extinção do processo afastada - Recurso provido (TJ/SP, 4ª Câm. Dir. Privado, Ap.nº 371.371.4/9-00, Rel. Francisco Loureiro, j.29/09/2005, v.u. - grifeii) Usucapião Especial Urbano - Ação ajuizada em caráter individual com afinalidade do reconhecimento de domínio exclusivo sobre um cómodo de habitação coletiva -Inadmissibilidade - Situação a viabilizar em tese a ação de usucapião especial urbano coletivo, na qual a legitimidade “ad causam" é deferida a todos os moradores em litisconsórcio necessário ou à associação que os representa - Aplicação das regras dos artigos 9o, 10 e 12 da lei n.10.257/01 (Estatuto da Cidade) –Petição inicial indeferida - Recurso do casal autor desprovido.(TJ/SP, 8ª Câm. Dir. Privado Apelação n° 283.033-4/0 Morato de Andrade, j. 27/08/2003 v.u.)
84
Outra ementa, bastante interessante, demonstra a possibilidade de
comprovação da posse coletiva, como modo de garantir o direito social da
população de baixa renda, conforme se depreende a seguir:
Tal instituto (usucapião coletiva) imprime concretude ao direito social à moradia, consagrado no Art. 6º da Constituição Federal, que assegura a todos verdadeiro direito fundamental. O direito fundamental à moradia é uma das vertentes do princípio da dignidade humana, somando-se ao dever incondicional do Estado de proteção à família. Dos fatos expostos e documentos acostados às fls. 2305/2308, verifica-se há suficientes indícios de que os autores, como uma coletividade, ocupam a área por tempo suficiente para usucapi-la” (JF/SP, 17ª Vara Cível, 0006428-31.2008.4.03.6100 antigo 2008.61.00.006428-2, Usucapião, j. 07/04/2008).
5.2.1.3 Dos Efeitos da Ação
Em relação aos efeitos sobre outras ações, o artigo 11 do Estatuto da Cidade,
dispõe que qualquer outra ação petitória ou possessória, cujo objeto seja o imóvel
usucapiendo, deverá ficar sobrestada na pendência da ação de usucapião especial
urbano, ou seja, qualquer outra ação que trate do imóvel, objeto da ação de
usucapião, deverá ficar paralisada, aguardando a decisão final sobre a usucapião do
imóvel.
Entretanto, cumpre ressaltar que o sobrestamento só alcança as ações
ajuizadas após a propositura da ação de usucapião.
5.2.1.4 Do Direito à Assistência Judiciária Gratuita
Quanto a possibilidade de assistência judiciária gratuita, entende-se possível,
uma vez que a usucapião coletiva urbana, possui como objetivo, atender a
população de baixa renda. Em consonância com este fundamento, o artigo 12,
parágrafo 2º do Estatuto da Cidade, assegura os benefícios da justiça e da
assistência judiciária gratuita para o autor da ação de usucapião especial de imóvel
urbano.
85
5.2.1.5 Organograma do Processo
De forma a elucidar, segue abaixo um organograma elaborado para facilitar o
entendimento de um processo de usucapião coletiva urbana:
- Legitimidade para propor a ação (art. 12 E.C.) - Efeitos sobre outras ações (art. 11 E.C.) - Requisitos para a propositura da ação(art. 10 E.C.)
- Assistência Judicial gratuita (art. 12 do E.C.)
- Considerações preliminares - Peça Inicial - Vistoria - Localização e situação quanto ao mapa fiscal - Melhoramentos Públicos existentes - Descrição do imóvel - Do terreno -Das benfeitorias - Respostas aos quesitos do juiz - Relatório Fotográfico - Documentos utilizados para análise - Encerramento - Levantamento planimétrico e Memorial Descritivo - Croqui de situação e planilha resumo
86
5.2.3 As Ações de Usucapião Coletivas Urbanas ajuizadas por Comunidades
na cidade de São Paulo – Casos Práticos
Neste tópico, serão expostos alguns casos de aplicação do instituto da
usucapião coletiva urbana, com o objetivo de regularização fundiária em favelas
paulistanas.
5.2.3.1 O Caso da Favela do Moinho
133
133 http://www.habisp.inf.br/919d7242-aba3-42d7-aee8-bd70a2886a94/Moinho. Acesso em
10.06.2014.
87
134
135
Os moradores da favela do Moinho, por meio da Associação da Comunidade
do Moinho, representando cerca de 600 famílias ajuizaram ação de usucapião
coletiva urbana, alegando que ocupam a área pleiteada desde 1986, além de
preencher todos os demais requisitos estabelecidos pela legislação para a
usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma vez que utilizam para
134
Fotos da favela do Moinho extraídas dos links, respectivamente:
www.midiaindependente.org/pt/red/2006/09/360139.shtml e http://blogs.estadao.com.br/diego-
zanchetta/haddad-nao-garante-mais-reurbanizacao-na-favela-do-moinho/. Acessos em 10.06.2014.
135 Foto da Favela do Moinho extraída do link: http://blogs.dharma.art.br/2012/04/favela-do-moinho-5-
fotos/. Acesso em 10.06.2014.
88
moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e não possuem qualquer
outro imóvel.
Na sua inicial alegaram, ainda, que o Brasil é signatário de vários tratados e
convenções internacionais sobre assentamentos humanos e meio ambiente, como
as Agendas 21 e Habitat, originadas das Conferências das Nações Unidas
realizadas, respectivamente, no Rio de Janeiro em 1992 e em Instambul em 1996 e,
portanto, que ambos os documentos integram o ordenamento jurídico pátrio e
estabelecem como princípios fundamentais o desenvolvimento sustentável, a
participação popular e, a mais importante, o direito à moradia, sendo que este último
foi recepcionado pela nossa Constituição Federal, por meio da Emenda
Constitucional n º 26, de 14 de fevereiro de 2000, e foi consagrado ao patamar de
direito e garantia fundamental do cidadão, coadunando-se ao que a nossa
Constituição estabelece quando dispõe que todo bem imóvel, urbano ou rural, deva
cumprir à sua função social.136
Como reforço desta argumentação, importante o trecho extraído da inicial e
transcrito a seguir:
O objeto do Estatuto da Cidade é disciplinar o uso da propriedade urbana, para que esta sirva a ordem pública e interesse social em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como ao equilíbrio ambiental. Através da democratização das decisões que interfiram no desenvolvimento urbano busca-se a integração das diversas esferas governamentais e da sociedade civil, bem como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização. Há neste diploma legal um incentivo ao planejamento urbano, com destaque para o Plano Diretor. Dessa forma, são determinados os instrumentos jurídicos e políticos da política urbana, entre os quais se encontra a usucapião especial de imóvel urbano, conforme o artigo 4º, inciso V, alínea “j”.
Ainda sobre a questão da segurança jurídica da posse pelos ocupantes das
áreas denominadas de favelas, a patrona137 da ação esclarece que:
136
Argumentos da Inicial da Autora no processo de usucapião coletivo, extraído dos autos, em trâmite
na 17ª Vara Federal de São Paulo, sob o n º 2008.6100006428-2. 137
A presente ação de usucapião coletiva urbana é patrocinada pelo Escritório Modelo da PUC/SP em
convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
89
Os grandes centros urbanos brasileiros possuem como regra uma periferia marcada por assentamentos irregulares, ilegais ou clandestinos. Em várias ocupações, denominadas comumente de favelas, já houve ações de melhorias, principalmente sanitárias, embora ainda tímidas. Contudo, um grande problema se apresenta: a segurança jurídica da posse. Os verdadeiros ocupantes, pela sua própria carência econômica, não dispõem de uma assessoria jurídica competente, e mesmo quando chegam ao judiciário, os processos judiciais apresentavam-se morosos e ineficazes na solução dos impedimentos de registro junto aos cartórios.
Entretanto, o Município de São Paulo, por meio do Decreto 47.686 de 14 de
setembro de 2006, que decretou o imóvel em questão de utilidade pública, moveu
ação de desapropriação em face dos proprietários do imóvel, que tramita na 11ª
Vara da Fazenda Pública da Capital Paulista, sob o número 053.07.128715-7 e,
obteve provimento jurisdicional de imissão imediata na posse condicionada ao
depósito do valor referente a indenização.
Por esta razão, em função da desapropriação, estariam as famílias
ameaçadas de serem removidas em breve e, por esta razão pleitearam a
manutenção da posse das famílias que ocupam a área durante a tramitação da ação
de usucapião, bem como a suspensão de qualquer outra ação que tenha como
objeto de discussão o imóvel usucapiendo.
Em 07 de abril de 2008, o Juiz Federal da 17ª Vara Cível Federal da Seção
Judiciária de São Paulo, deferiu o pedido de tutela antecipada, conforme a decisão
abaixo transcrita:
Decido. O Estatuto da Cidade ao regulamentar a usucapião constitucional urbana, estabeleceu o instituto da usucapião coletiva, permitindo às populações de baixa renda, que ocupem área urbana, maior que duzentos metros quadrados para sua moradia, há mais de cinco anos, obtenham o título de propriedade da área que ocupam desde que não possuam outro imóvel. Tal instituto imprime concretude ao direito social à moradia, consagrando no artigo 6º da Constituição Federal, que assegura a todos verdadeiro direito fundamental. O direito fundamental à moradia é uma das vertentes do princípio da dignidade humana, somando-se ao dever incondicional do Estado de proteção à família. Dos fatos expostos e documentos acostados às fls. 2305/2308, verifica-se que há suficientes indícios de que os autores, como uma coletividade, ocupem a área por tempo suficiente para usucapi-la. Ademais, a própria Municipalidade de São Paulo reconhece que desde
90
2001, os autores instalaram-se no imóvel usucapiendo, conforme se verifica no documento juntado às fls. 22.48, ou seja, a cópia da petição inicial da ação civil pública nº 2007.61.00.027640-2. Ante a demonstração da efetividade do direito e o fundado receio de lesão grave, com o prematuro despejo dos autores, situação apta a justificar a tutela de urgência, defiro a antecipação de tutela para manter os autores na posse direta até que se torne definitiva a prestação jurisdicional de mérito. Determino o sobrestamento da Ação Civil Pública 2007.61.00.027640-2, ante os termos do artigo 11 da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade.
Em 20 de junho de 2006, o Juiz proferiu o seguinte despacho:
Despacho Proferido Autos nº 583.53.2008.120781-6 ? controle nº 1819/2008 Tratando-se de ação com pedido de anulação do Decreto Municipal nº 47.686 de 14 de setembro de 2006, que declarou de utilidade pública um imóvel para fins de desapropriação, e havendo informação nos autos que ele serve de fundamento para uma ação de desapropriação já em curso pela 11ª Vara da Fazenda Pública local (fls. 131/134 e 136/138), evidente a necessidade de distribuição por dependência em razão da conexão, já que uma causa se mostra prejudicial em relação à outra (RT 660/140). Nesse sentido, transcrevo recentíssima decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: ?AGRAVO BE INSTRUMENTO - ação de anulação de ato administrativo - tutela antecipada - deferimento da suspensão dos efeitos do decreto expropriatório - hipótese de conexão das causas - prejudicialidade de uma causa (ação de nulidade) em relação à outra (expropriatória) - inadmissibilidade da suspensão - impossibilidade de interrupção do processo expropriatório em razão do interesse público que o preside - art 21 do Decreto-Lei n° 3365/41 - recurso provido? (TJSP ? AI nº 452.411-5/6 ? 8ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Leonel Costa, deram provimento ao recurso, v.u., julgado em 07/06/2006). Assim, encaminhem-se os autos ao Cartório Distribuidor para imediata redistribuição do feito à 11ª Vara da Fazenda Pública local, por dependência ao processo de autos nº 583.53.2007.128715-7, controle nº 1796/2007. Int. São Paulo, d.s. Autos nº 583.53.2008.120781-6 ? controle nº 1819/2008 Tratando-se de ação com pedido de anulação do Decreto Municipal nº 47.686 de 14 de setembro de 2006, que declarou de utilidade pública um imóvel para fins de desapropriação, e havendo informação nos autos que ele serve de fundamento para uma ação de desapropriação já em curso pela 11ª Vara da Fazenda Pública local (fls. 131/134 e 136/138), evidente a necessidade de distribuição por dependência em razão da conexão, já que uma causa se mostra prejudicial em relação à outra (RT 660/140).
91
5.2.3.2 O Caso da Favela Americanópolis
138
139
138 http://www.habisp.inf.br/9d0bd8cc-7225-4866-949e-9759dc2f1d65/American%C3%B3polis. Acesso
em 10.06.2014.
92
140
Os moradores da favela de Americanópolis ajuizaram ação de usucapião
coletiva urbana, em 26 de maio de 2010, alegando que ocupam a área pleiteada há
mais de vinte anos, além de preencher todos os demais requisitos estabelecidos
pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma
vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e
não possuem qualquer outro imóvel.
Alegam, ainda, que ao longo dos mais de vinte anos de ocupação, fizeram
com que o imóvel, objeto desta usucapião, cumprisse com a sua função social, uma
vez que serve de moradia para que as familias constituissem o seus lares e os laços
de amizade entre os membros da comunidade.
O processo tramita na 2ª Vara de Regsitros Públicos de São Paulo, sob o
número 0019556-33.2010.8.26.0100 e teve despacho do Douto Juizo, em 27 de
março de 2013, com o seguinte teor:
Relação: 0053/2013 Teor do ato: Vistos. A vinda de certidão de casamento atualizada era necessária para comprovação do estado civil. Adequado, portanto, o pleito do Ministério Público. A parte autora sabe, ou deveria saber, que uma ação envolvendo tantas pessoas, dificilmente terá rápida solução, a despeito do empenho de todos os que atuam nos autos. Ao Ministério Público. Advogados(s): Jacira Angela da Costa
139
http://blogs.estadao.com.br/sp-das-enchentes/category/sem-categoria/page/6/. Acesso em 10.06.2014.
140 Fotos da Favela de Americanópolis extraídas dos links, respectivamente: http://blogs.estadao.com.br/focas-2012/sul/risco-de-cheia-em americanopolis/attachment/americanopolis-2/ e http://blogs.estadao.com.br/focas-2012/sul/risco-de-cheia-em-americanopolis/. Acessos em 10.06.2014.
93
Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
Ainda, em 18 de abril de 2013, O Juiz da 2ª Vara de Registros Públicos
requereu a citação dos titulares dominiais e de seus litisconsortes, conforme
transcrito abaixo:
Relação: 0067/2013 Teor do ato: Vistos. Às citações e cientificações de lei. As citações dos titulares dominiais e de eventuais litisconsortes necessários, caso realizadas pelo correio, deverão ser realizadas por mão própria. Int. Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
Em 28 de novembro de 2013, O Juiz da 2ª Vara de Registros Públicos
requereu aos autores a indicação de nomes e endereços para novas diligências, se
for o caso, diante da certidão negativa, conforme trecho abaixo transcrito:
Relação: 0238/2013 Teor do ato: Diante da certidão supra (busca negativa junto à DRF), vista a(o) autor(a), que deverá requerer o que de direito, a fim de concluir o ciclo citatório, ficando esclarecido que requerimento de novas diligências deverão especificar nomes e endereços a serem diligenciados. Prazo: 10 dias, sob pena de extinção (art. 267, IV, do CPC). Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
Por fim, o último andamento do processo, até a presente data, se refere ao
despacho do Juiz solicitando a citação por edital, conforme decisão de 31 de janeiro
de 2014, transcrita abaixo:
Relação: 0023/2014 Teor do ato: 1) A perícia será oportunamente realizada. 2) Defiro a citação por edital. Decorrido o prazo, se necessário, oficie-se à Defensoria Pública para indicação de Curador Especial. 3) Defiro a exclusão das advogadas do item (c), fls. 344, bem como
94
anotação para publicação das patronas do item (d) de mesma folha. Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
5.2.3.3 O Caso da Favela Jardim Paraná
141
141 http://www.habisp.inf.br/ca7935cb-15c3-4e40-956c-858bfa2b2352/Jardim%20Paran%C3%A1.
Acesso em 10.06.2014.
95
142
143
Os moradores da favela do Jardim Paraná ajuizaram ação de
usucapião coletiva urbana, em 12 de maio de 2014, em trâmite perante a 2ª Vara de
Registros Públicos de São Paulo, sob o número 1036896-31.2014.8.26.0100,
alegando que ocupam a área pleiteada há mais de cinco anos, além de preencher
todos os demais requisitos estabelecidos pela legislação para a usucapião da área
142
Foto da Favela do Jardim Paraná extraída do link:
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/em+sao+paulo+ate+ceu+fica+em+area+de+risco+de+deslizamento/n1237957746799.html. Acesso em 10.06.2014. 143 Foto da Favela do Jardim Paraná, extraída do link: http://www.cantareira.org/noticias/periferia-
brasilandia-ibge-favelas. Acesso em 10.06.2014.
96
privada onde está assentada a favela, uma vez que utilizam para moradia de suas
famílias, que são pessoas de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.
Ainda, em 05 de junho de 2014, os autores peticionaram requerendo a
inclusão no polo ativo da ação, os nomes de José Cícero Deodato dos Santos e
Sirleide Vilela dos Santos, ambos companheiros e residentes de uma moradia na
favela do jardim Paraná e, ainda, os benefícios da justiça gratuita, nos termos da Lei
1060/50.
Em 16 de junho de 2014, o Juiz deferiu os dois pedidos da petição de 05 de
junho de 2014 e, ainda, fez algumas solicitações aos autores da ação, conforme
transcrição da decisão:
Relação: 0167/2014 Teor do ato: Vistos. Concedo a gratuidade da justiça. Anote-se. Inclua-se, via sistema, no polo ativo José Cícero Deodato dos Santos e Sirleide Vilela dos Santos. A petição inicial deve ser emendada pela parte autora, em petição única, no prazo de até dez (10) dias, nos seguintes termos: 1. Exibir certidão de nascimento ou casamento atualizada de cada autor, para comprovação do estado civil. 2. Apresentar documentos comprobatórios do alegado animus domini relativos a todo o período aquisitivo, tais como demonstrativos de pagamento de IPTU, luz, água, esgoto, etc., além de eventuais gastos com edificação, reforma ou conservação do imóvel (a parte deverá limitar-se a apresentar as duas mais antigas e duas mais recentes); 3. Exibir certidões do Distribuidor Cível (a contar da data do ajuizamento da ação) em nome do(a)(s) autor(a)(s), dos antecessores na posse (se requerida a accessio possessionis) e dos titulares de domínio, para comprovação da inexistência de ações possessórias ou petitórias ajuizadas durante o período aquisitivo. 3.1. Caso constem ações possessórias/petitórias/de despejo, deverão ser apresentadas as respectivas certidões de objeto e pé, ou cópias de peças processuais que demonstrem que permitam identificar o imóvel envolvido nessas demandas. Destaca-se que esta providência é fundamental para o julgamento da ação, pois demonstrará que a posse é mansa e pacífica; Reforça-se a importância de emenda única para fins de economia processual e melhor organização dos atos, ou seja, deve a parte autora recolher todas as informações e documentos mencionados nos tópicos abaixo e juntá-los de uma só vez nos autos. Eventual prorrogação de prazo somente será deferida caso formulado pedido fundamentado, justificando as razões de inviabilidade de cumprimento no prazo legal. Intimem-se. Advogados(s): Manuela de Sousa Roxo (OAB 291289/SP)
97
5.2.3.4 O Caso da Favela Amadeu
144
Os moradores da favela do Jardim Paraná ajuizaram ação de usucapião
coletiva urbana, em 22 de agosto de 2001, alegando que ocupam a área pleiteada
há mais de cinco anos, além de preencher todos os demais requisitos estabelecidos
pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma
vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e
não possuem qualquer outro imóvel.
Após várias tentativas de citar os proprietários do imóvel, o Magistrado,
requereu a citação por edital e a nomeação de Curador Especial para representar os
réus. Após a contestação apresentada pelo Curador Especial, o Juiz exarou a
seguinte decisão, em 12 de junho de 2008:
Fls. 851 - Vistos. Completo o ciclo citatório, considero imprescindível a perícia que terá por objeto a conferência da localização e das reais medidas perimetrais do imóvel usucapiendo, para possibilitar a abertura de nova matrícula
144
Imagens obtidas pelo link: http://www.habisp.inf.br/a1020c15-fc66-47dc-b9d2-
c03193111137/Amadeu. Acesso em 10.06.2014.
98
com maior segurança, e também terá por objeto a análise dos registros que serão atingidos pelo usucapião e dos títulos dos confrontantes tabulares do imóvel, pois imprescindível sua citação. Em razão disto, determino a produção de prova pericial e nomeio perito(a) Dr(a). JOSÉ ROBERTO BANDOUK. Laudo em 90 dias. Faculto às partes a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos no prazo de cinco dias. Audiência oportunamente. Ressalvo que após a perícia será determinado o necessário para que eventuais titulares dos registros efetivamente atingidos e confinantes sejam citados, caso não estejam incluídos entre as pessoas já citadas. Durante a realização dos trabalhos, o(a) Sr(a). Perito(a) deverá observar as recomendações previstas na ordem de serviço nº 04/2005 deste Juízo, especialmente quanto à dispensa de levantamento topográfico, quando a descrição coincidir com a descrição tabular ou de loteamento aprovado, tudo na tentativa de garantir o menor custo da prova técnica. Assim, se o caso, ficam prejudicados os quesitos relativos ao levantamento topográfico. Quesitos do Juízo: ... Int. Usuc. 600
Em 01 de outubro de 2008, proferiu o seguinte despacho, diante do benefício
de gratuidade que goza os autores da ação:
Fls. 873 - Vistos. Fls. 869 e ss: Tendo em vista que a parte autora é beneficiária da gratuidade e diante da nova Deliberação CSDP nº 92/2008, restabelecendo o pagamento das despesas pela Defensoria Pública, fixo os honorários periciais em R$1.300,00, valor suficiente ao menos para cobrir as despesas necessárias a elaboração do laudo. Oficie-se à Defensoria Pública do Estado para que reserve numerário destinado ao pagamento do laudo, levando em conta o valor da causa, ficando consignado que eventual diferença entre o valor depositado e o valor arbitrado deverá se custeado pela parte, sob pena de fazer com que o vistor trabalhe às suas próprias custas para satisfazer interesse da parte autora. Int. Usuc. 600
Em 06 de abril de 2011, o Juiz proferiu despacho acerca do laudo do Perito e
questionamentos acerca do mesmo:
Relação: 0064/2011 Teor do ato: Desnecessários os esclarecimentos do Perito, que somente trariam maior atraso ao andamento processual e que pouco contribuiriam para o deslinde do feito. Primeiramente, é preciso anotar que o imóvel foi descrito como um todo e não dividido em número de moradias que existem no local, dada a natureza do pedido e às características do imóvel, com áreas de uso comum e coletivo, cujo acesso não é oficializado pela Administração. A questão relativa á moradia sobre o lote 24 por Josevaldo e Maria Célia
99
não precisa ser necessariamente esclarecido pelo Perito, pois tal fato pode ser comprovado por outros meios. Já quanto à impugnação de Amélia Cardoso, o laudo indicou ser ela moradora do lote 09, inclusive com foto de sua nora em frente ao imóvel (fl. 937). Como se observa do laudo pericial, o imóvel da contestante encontra-se inserido no imóvel usucapiendo e caso não haja uma conciliação e concordância da contestante Amélia em regularizar a situação dominial nos moldes aqui propostos, toda a configuração do imóvel deverá ser alterada. Assim, designo audiência somente de conciliação para o dia 03 de maio de 2.011, às 15h30 min, com a presença dos Advogados dos autores (dado o número de autores a presença deles não se mostra oportuna, a não ser que um representante seja escolhido) e do Defensor da parte contestante e da contestante. Intimem-se o Defensor Público e a contestante (por carta). int. U-600 Advogados(s): PAULO LEBRE (OAB 162329/SP), ANTONIO CARLOS BRANDAO JUNIOR (OAB 261269/SP), DENISE DE AGUIAR VALLIM (OAB 65455/SP), PATRÍCIA DE MENEZES CARDOSO (OAB 227406/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), CRISTINA KUHN S BELLEM DE LIMA (OAB 107103/SP), LUCIA FATIMA NASCIMENTO PEDRINI (OAB 109487/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), SABRINA DURIGON MARQUES (OAB 253024/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), KAREN CRISTINA CRUZ ALVES (OAB 258950/SP), EDISON BALDI JUNIOR (OAB 206673/SP)
Após laudo do perito, manifestação das partes e audiência, o Juiz exarou a
seguinte sentença, abaixo transcrita:
Vistos. Relatório: Buscam os autores, qualificados nos autos, o reconhecimento da aquisição da propriedade do imóvel localizado na Rua Bocuituba, nº 806, nº 820 e nº 822, Vila Ema no 26º Subdistrito de Vila Prudente, com a área aproximada de 3.241,00 m², objeto da matrícula nº 34.075 do 6º RI de São Paulo, de titularidade dominal de CLÓVIS NAGIB TAIAR. Segundo a inicial, os autores exercem posse qualificada há mais de 40 anos. Durante o decurso do tempo, foram realizadas construções e benfeitorias pelos moradores, sendo que a situação consolidada não sofreu oposição dos antigos proprietários Manuel Joaquim Esteves e Francico Martins Neto. Somente após a alienação do imóvel e consequente registro na matrícula, o atual titular do domínio Clóvis Nagib Taiar tentou recuperar a posse do imóvel, tendo a iniciativa ocorrida após o ajuizamento da presente ação. A União manifestou interesse na área em questão, a sob a alegação de que o imóvel está situadao em área pública, inserido em antigos aldeamentos
100
indígenas. Por decisão prolatada às fls.314, os autos foram remetidos à Justiça Federal, mas retornou para esta Eg. Vara de Registros Públicos em virtude de sentença definitiva que determinou a exclusão da União da lide. A Municipalidade também ofereceu resistência (fls.218), alegando que o imóvel pretendido não foi devidamente qualificado em seus aspectos objetivos, havendo grande probabilidade de interferência em área publica. Citada, a ré Amélia França Cardoso apresentou contestação às fls. 411. Defende, em apertada síntese, que também reside no imóvel apelidado informalmente de Vilinha, o que impede a aquisição do direito real como pretendido na inicial. Réplica às fls.425, na qual houve reconhecimento de que a contestante reside em parte do terreno que está sob a posse da autora Luzia dos Reis Vieira, mas que a ré não possui direitos sobre o imóvel. Às fls.662 sobreveio contestação apresentada por Ebilina Francisca Eduardo e outros. Sustentam que outros moradores excluídos da ação residem no local e que muitos dos autores qualificados na inicial não se encontram mais na área pretendida. Ao final, pediram a alteração do polo ativo para fins de admitir a inclusão dos contestantes como autores. Acompanha a peça de combate o Memorial Descritivo de todo o imóvel, com individualização dos respectivos lotes. Em seguida, a ré Amélia solicitou sua inclusão no polo ativo (fls.751). Houve audiência de tentativa de conciliação e os contestantes foram admitidos como litisconsortes ativos (fls.1013/1014). Manifestaram concordância com o laudo apresentado, sendo a Municipalidade a única parte que insiste na necessidade de novos esclarecimentos periciais. Foram feitas as citações e cientificações necessárias, conforme planilha em anexo e despacho de fls.851. Foi publicado edital para citação dos terceiros interessados e réus certos não encontrados, apesar das diligências efetuadas pelo juízo. Nomeado curador especial para defesa dos réus certos citados por edital, foi apresentada contestação por negação geral às fls.837. Laudo pericial juntado às fls.917/991, complementado às fls.1028/1030 e fls.1096/1097. Decido. Fundamentação: 2.1: Da impossibilidade de realização do levantamento topográfico. Os autores pretendem adquirir, coletivamente, o domínio de área de tamanho considerável. O laudo pericial realizado, apesar de não possuir estudo de levantamento topográfico, descreveu adequadamente o imóvel (fls.917/991. 1028/1030 e 1096/1097). Em seguida, o Eg. Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela Municipalidade, determinado a realização do levantamento topográfico para viabilizar a análise de eventual ou possível interferência em área pública. O perito se manifestou para estimar seus honorários em R$ 25.000,00, o que firma a impossibilidade absoluta de complementar o trabalho pericial, uma vez que a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária e o Fundo mantido pela Defensória Pública disponibiliza o valor máximo de R$ 800,00 por processo, sem prejuízo dos descontos tributários. Não há dúvida de que a responsabilidade pelo pagamento da despesa é do Estado, não podendo o juiz impor à parte o ônus processual, ainda que de
101
forma parcelada. Tal impasse ou crise de instância não é desconhecido da jurisprudência, o que levou o Desembargador LUIZ AMBRA a proferir corajosa decisão nos autos do agravo de instrumento nº 0003343-53.2013.8.26.0000 interposto contra decisão proferida nesta Eg. Vara de Registros Públicos, onde se destacou que "uma coisa é falar, outra é fazer. Ainda quando a parte assistida não precise custear a perícia, o louvado não pode ser compelido a trabalhar de graça, tendo todo o direito de recusar a nomeação. Assim, na prática, se chegando a um impasse. Até porque, no mais das vezes, terá que colocar dinheiro do bolso para as despesas; no mínimo com transporte, sem contar o tempo deitado fora que poderia utilizar em labor profissionalmente lucrativo". Ao final conclui: "procederá o magistrado como lhe parecer melhor. Ou, querendo, simplesmente aguardará a decisão do presente agravo. Se ninguém aceitar o encargo, que mantenha os autos arquivados em Cartório, até que alguém o faça. Não havendo mais o que fazer, milagres não existem". Sendo assim, conclui-se pela impossibilidade jurídica de realizar o levantamento topográfico, motivo pelo qual se exige sentencimento imediato do feito, com julgamento de mérito, sem afrontar a decisão da Superior Instância. Da prescrição Aquisitiva: Cuida-se de usucapião extraordinária ajuizada em 1988, com fundamento na posse qualificada exercida pelos autores por mais de 20 anos. Assim, exige-se a demonstração de dois requisitos fundamentais: tempo e posse, segundo inteligência do art. 550 do Código Civil revogado, aplicável por força do artigo 2.028 do atual codex. O conceito de usucapião foi registrado por Modestino pela definição: "usucapio est adiectio dominii per continuationem possessionis temporis legis definiti", ou seja, modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei (LENINE NEQUETE, Da Prescrição Aquisitiva - Usucapião, Segunda Edição, Ed. Sulina, Porto Alegre, pg.14). A usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, exigindo, para sua concretização, a posse contínua, sem oposição, durante certo lapso de tempo e com ânimo de dono. Sobre seus fundamentos básicos lembrou NELSON ROSENVALD que: "a posse, unida ao tempo e demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza essa travessia, como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto." ("Direito Reais", 3ª ed., Impetus, 2004, p. 57). A versão trazida pela inicial sobre a posse qualificada não encontra suporte na prova documental o que é suficiente para afastar, desde já, a pretensão dos autores. Na verdade, os autores ingressaram no imóvel sob a permissão ou tolerância dos antigos proprietários e permaneceram nesta condição após a alienação dos direitos em favor do atual titular tabular. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância (artigo 1.208 do Código Civil) e a aquiescência do proprietário impede o reconhecimento da usucapião. O estado de detenção pela tolerância se aproxima
102
da posse ilícita viciada pela precariedade e, neste ponto, merece destaque o comentário preciso do artigo 1.200 do Código Civil feito pelo desembargador FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO, com o alerta de que a posse precária é "imprestável para usucapião não porque é injusta, mas porque o precarista não tem animus domini, uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, não reconheça ou deixe de reconhecer essa posição e revele isso de modo inequívoco e claro ao titular de domínio, para que este possa reagir e retomar a coisa, nasce, nesse momento, o prazo para usucapião, porque o requisito do inimus domini estará então presente" (in "Código Civil Comentado" - Cezar Peluso (coord), Ed. Manole, 1ª ed., p. 994). A causa petendi articulada na inicial posse com ânimo de dono exercida por todos os moradores - é desprovida de verossimilhança. Apesar do acordo formulado pelas partes e aceito pelo Juízo, observa-se que as contestações apresentadas evidenciam sérias divergências entre os ocupantes do imóvel pretendido. O juiz pode utilizar as máximas de experiência para aceitar as práticas ordinárias comuns como meio de prova idôneo (artigo 335 do CPC), notadamente para aceitar o dinamismo sobre a transmissibilidade dos direitos possessórios ao longo do tempo e fragilidade do cenário existente. Não há certeza de que os possuidores indicados na inicial permaneceram na posse durante a tramitação do feito ou que ainda permanecem no local, com o ânimo de dono. A falta de estabilidade sobre o exercício da posse constou na peça de combate, ocasião em que os contestantes Ebilina Francisca Eduardo e outros alertaram sobre a preterição indevida de outros moradores que não foram incluídos no polo ativo. Com efeito, a ocupação dos autores sobre área conhecida como "Vilinha" é desprovida de ânimo de dono, data vênia. A realização de construções ou a cessão da posse para terceiros não é suficiente para autorizar a perda do direito real. A prescrição aquisitiva não se contenta com qualquer espécie de contato físico com a coisa. O usucapiente precisa possuir o bem com convicção e intenção de se tornar o proprietário (animus domini ou animus rem sibi habendi), não bastando o contato físico sobre a coisa, com a ciência de que ela não lhe pertence e com o reconhecimento inequívoco do direito dominial de outrem, sem prejuízo da obrigação a devolvê-la, caso seja provocado. Também não há como reconhecer a negligência do titular tabular, até porque o próprio Estado encontra sérias dificuldades para viabilizar a desocupação de áreas irregulares ou garantir a reintegração de posse determinada judicialmente. Assim, as provas documentais evidenciam a precariedade do direito, o que não permite alcançar a aquisição do direito real. Sobre o alcance dos aspectos qualitativos, vale lembrar, por oportuno, os ensinamentos de TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO: "para haver posse com efeitos jurídicos, ele deve ser justa, ou seja, não vedada por lei. Em outras palavras, aquela que não é violenta, nem clandestina e nem precária (art. 489 do Código Civil), embora possa se constatar a posse jurídica depois de cessadas a violência, a clandestinidade e
103
precariedade" (Usucapião Comum e Especial, Editora Síntese LTDA, Porto Alegre, RS, 4º Edição, pg.42). É certo que o direito à moradia constitui valor constitucional de inegável importância (art. 6º da CF) e sua efetivação depende de atuação do Poder Público, responsável por programas de provisão habitacional, pela elaboração de leis de planejamento inclusivas e pela adoção de mecanismos que facilitem processos de regularização fundiária (direito à legalidade), o que não excluiu a atuação do Poder Judiciário por meio da ação de usucapião, especialmente para superar os obstáculos legais que escapam do âmbito de atuação da autoridade administrativa. Ao enfrentar a polêmica discussão sobre o alcance da eficácia do registro público e seus efeitos sobre o comprador de boa-fé, o consagrado jurista PHILADELPHO AZEVEDO confirmou a natureza residual da prescrição aquisitiva ao lembrar que "o usucapião e a evicção continuarão, tambem, nos seus setores, a prestar bons serviços, fornecendo soluções para as hipóteses, em que as cautelas falharem" (Registro de Imoveis, Valor da Transcrição, Livraria Jacintho Editora, 1942, pg. 90). No entanto, apesar do nobre protagonismo atribuído ao Estado-Juiz, a presente situação fática não permite declarar o domínio em favor dos autores com base na usucapião coletiva, pois a ação foi ajuizada antes da vigência da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Tratando-se de usucapião extraordinária, é indispensável, neste caso, a definição sobre a posse exercida de forma singularizada por cada autor, uma vez que inexiste autorização legislativa capaz de estabelecer uma relação condominial igualitaria, independentemente da fração de terreno efetivamente possuída por cada ocupante individualmente. Até mesmo na usucapião coletiva existe séria preocupação doutrinária, conforme apontado por FRANCISCO LOUREIRO: "a dificuldade em operacionalizar o usucapião coletivo está, exatamente, em admitir a legalização da cidade ilegal, a antítese sempre existente entre as ordens formal e informal, entre a cidade que obedece aos cânones de respeito ao direito de propriedade privada e às regras de urbanismo e a cidade que invade a propriedade privada e ignora a ordem urbanística" (LOUREIRO, Francisco. "Usucapião individual e coletivo no Estatuto da Cidade". In: RTDC: Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 2, n. 9, p. 40). 3. Dispositivo: Do exposto, julgo improcedente o pedido (artigo 269, I do CPC). Condeno os autores ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade judiciária. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, . Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani JUIZ DE DIREITO U-600 Certifico e dou fé que, nos termos do art. 162, § 4º, do CPC, preparei para remessa ao Diário da Justiça Eletrônico o(s) seguinte(s) ato(s) ordinatório(s): em cumprimento ao Provimento nº 577/97, o valor do preparo, para o caso de eventual interposição de recurso foi calculado em 2% sobre o valor da causa atualizado pela Tabela Prática do TJ/SP e importa em R$8.366,78. Certifico ainda que em cumprimento ao determinado na Lei
104
011.608 de 29/12/2003, deve ser recolhido na guia GARE, como preparo, o valor mínimo de 05 (cinco) UFESPs referente ao 1º dia útil do mês do recolhimento, se o valor calculado acima informado for menor do que 05 UFESPs. Certifico ainda que de acordo com o Provimento nº 833/2004, há necessidade do pagamento do valor do porte de remessa de R$29,50 (por volume de autos), a ser pago em guia própria do Banco do Brasil - código 110-4, tendo este processo 06 volume(s). (U-600). Nada mais.
5.2.3.5 O Caso do Assentamento Irregular do Parque Florestal
145
Os moradores do assentamento irregular do Parque Florestal, por meio da
Associação da Comunidade, representando cerca de 68 famílias, cuja renda per
capita não atinge um salário mínimo, ajuizaram ação de usucapião coletiva urbana
em 08 de janeiro de 2014, atualmente, em tramite perante a 2ª Vara de Registros
145 Imagens extraídas do link: http://www.habisp.inf.br/14500d5b-6d11-46e8-8a54-
ea38cc52ff72/Nosso%20Lar%7Cpq.%20Florestal. Acesso em 10.06.2014.
105
Públicos, sob o número 1000277-05.2014.8.26.0100/80000, alegando que ocupam
uma área que teve origem num assentamento informal, no início dos anos 80, na
qual pertencia ao espólio de Carlos Shunck e S/M.
Alegam, também, que preenchem todos os demais requisitos estabelecidos
pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a
comunidade, uma vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas
de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.
Em 25 de maio de 2014, após os autos serem devolvidos pelo Ministério
Público, o Juiz proferiu o seguinte despacho:
Relação: 0145/2014 Teor do ato: Vistos. O imóvel usucapiendo situa-se no Município de Itapecerica da Serra. Logo, tanto a atribuição registral como a competência para o processamento e julgamento da ação é da Comarca de Itapecerica da Serra. Em sendo assim, ante a localização do imóvel cuja declaração de domínio é pleiteada, redistribua-se os autos à Comarca de Itapecerica da Serra, com as cautelas de praxe. Intimem-se. Advogados(s): Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
Após petição dos autores questionando a competência para julgamento da
lide, o Juiz proferiu o seguinte despacho, em 03 de junho de 2014:
Vistos. Fls. 551/559: Por ora, manifeste-se o 11º Oficial de Registro de Imóveis, esclarecendo, objetivamente, sobre a atribuição registral e localização do imóvel usucapiendo. Após, tornem-me conclusos. Intimem-se.
106
5.2.3.6 O Caso do Assentamento Irregular do Jardim dos Álamos
146
Os moradores do assentamento irregular do Jardim dos Álamos, por meio da
Associação da Comunidade, representando cerca de 58 famílias, ajuizaram ação de
usucapião coletiva urbana em 31 de janeiro de 2014, atualmente, em tramite perante
a 1ª Vara de Registros Públicos, sob o número 0045032-68.2013.8.26.0100,
alegando que pagam coletivamente o IPTU do imóvel, desde 1994 e, ainda, que
buscam a regularização fundiária da área em questão para posterior urbanização da
mesma.
Alegam, também, que preenchem todos os demais requisitos estabelecidos
pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a
comunidade, uma vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas
de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.
146
Imagens extraídas do link: http://www.habisp.inf.br/87b34b41-2979-45b8-97c9-
92ca4262c3bc/Dos%20Alamos-rep.quadra%2015a-lote1. Acesso em 10.06.2014.
107
Após os auto serem encaminhados para manifestação do ministério público, o
Juiz proferiu o seguinte despacho, em 28 de maio de 2014:
Relação: 0117/2014 Teor do ato: Fls. 750vº: Manifeste-se a parte autora acerca da cota ministerial, no prazo de 10 dias. Int. U 837 Advogados(s): Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)
5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções para
aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana
Neste tópico, pretende-se apontar alguns dos elementos que dificultam a
eficácia da Usucapião Coletivo Urbano, como uma das formas de tratamento do
problema fundiário nos centros urbanos brasileiros, bem como algumas sugestões
que possam tornar mais eficiente a regularização fundiária por meio do instituto da
usucapião coletiva urbana.
5.3.1 Principais obstáculos para o sucesso da usucapião coletiva como
instrumento de regularização fundiário
No município de São Paulo verifica-se que as ações de usucapião coletivas
urbanas ajuizadas com a finalidade de promover a regularização fundiária das áreas
onde se situam as favelas paulistanas e, posteriormente a urbanização das mesmas,
ainda não lograram o êxito pretendido pelo legislador do Estatuto.
Dessa forma, o instituto da usucapião coletiva urbana demonstra ter alguns
obstáculos que a tornam ineficiente no tratamento jurídico do processo de
favelização, não conseguindo atingir o seu objetivo, de regularizar e urbanizar as
áreas privadas onde estão localizadas as favelas paulistanas e, cumprir com o
pretendido pelo legislador do Estatuto.
Inúmeros obstáculos podem ser relacionados para este insucesso prático do
instituto, dentre os quais as omissões e falhas na legislação, como a maneira de
instituição do condomínio formado, a partir da aquisição da propriedade pela
108
população habitante da favela, bem como a complexidade de algumas fases
processuais que resultam numa morosidade do procedimento, como a citação de
todos os envolvidos, uma vez que nas áreas de favelas é notório a rotatividade dos
moradores, dificultando a fase citatória do processo.
Em relação a esta dificuldade de efetivação do instituto, Sílvio de Salvo
Venosa explica que apesar da boa intenção do legislador quanto aos interesses da
coletividade, os tribunais terão que lidar com fraudes aos dispositivos deste instituto,
bem como com os costumeiros atravessadores que se valem da massa coletiva para
obter vantagens econômicas individuais.147
Dessa maneira, o instituto parece muito prático e promissor enquanto
instrumento de regularização fundiária, mas traz na sua essência, problemas que
não foram previstos pelo legislador.
5.3.2 Possíveis soluções para tornar o instituto mais eficiente
Primeiramente, nota-se, diante do exposto, anteriormente, que um dos
grandes obstáculos a celeridade do processo que envolve a aquisição coletiva de
uma área por meio da Usucapião Coletiva Urbana, é a dificuldade em citar todas as
partes envolvidas, bem como terceiros interessados ou não, tendo em vista que
alguns dos processos ajuizados há algum tempo, ainda, estão parados na fase
citatória, pelo motivo de não conseguir realizar a citação de todos os envolvidos.
Desse modo, uma solução para este problema seria conseguir simplificar esta
fase do processo para que haja uma maior agilidade no procedimento judicial,
acelerando a regularização fundiária da área usucapida coletivamente para,
posterior, urbanização.
Nesse sentido, Nelson Saule Junior, expõe que:
Para a eficácia da usucapião urbano coletivo cabe à Corregedoria Geral da Justiça instituir um Provimento simplificando o procedimento para o Usucapião Urbano, como o de aceitar, como prova de forma de ocupação, uso e parcelamento do solo, fotos de satélite e dispensar a citação
147 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, v. 5 – 2ª edição. São Paulo: Atlas: 2002.
109
dos moradores confrontantes de lotes individuais, que serão beneficiados no usucapião urbano coletivo.148
Outro apontamento que se faz pertinente, seria transferir da esfera judicial a
competência para realizar a verificação e, posteriormente, realizar a declaração da
aquisição da propriedade imóvel pela usucapião para os Cartórios de Registros de
Imóveis, tornando o procedimento extrajudicial nos casos de usucapião.
Contudo, cumpre ressaltar que a abertura da possibilidade de realização do
procedimento via extrajudicial, não excluiria a possibilidade de o feito percorrer a
esfera judiciária, mas apenas abrir uma porta com o objetivo de desafogar o poder
judiciário e imprimir maior celeridade ao procedimento, na qual resultaria, por
conseguinte, numa maior agilidade na regularização das áreas onde se localizam as
favelas paulistanas.
João Pedro Lamana Paiva, ao apontar sobre os problemas que envolvem o
processo de usucapião, expõe que:
O procedimento judicial, regulado pelos artigos 941 a 945 do CPC, hoje é bastante moroso, tendo em vista a necessidade da citação dos confinantes, bem como da intimação dos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado (ou do Distrito Federal, ou do Território) e do Município. Além da obrigatoriedade de o autor promover a citação dos confrontantes certos e conhecidos e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados. De tal sorte é possível auferir que, além de demorada, a ação de usucapião também é muito dispendiosa.149
Dessa forma, a solução seria transferir o procedimento da usucapião para a
esfera administrativa, isto é, extrajudicial, seguindo o exemplo de outros
procedimentos como a retificação administrativa do registro de imóveis, fundada na
Lei nº 10.931 de 2004; o procedimento extrajudicial de inventário, da partilha, da
separação e divórcio consensuais, conforme a Lei nº 11.441 de 2007 e, ainda, a
regularização fundiária para as Zonas especiais de interesse social, conforme
disposto na Lei nº 11.481 de 2007.
148
SAULE, Nelson Junior. (ob. cit., p.528). 149
PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico
Brasileiro. P. 03.
110
Nesse sentido, Paiva, observa que:
No Brasil pode-se verificar uma tendência à desjudicialização na composição de interesses, quando estes são submetidos à jurisdição voluntária. (...) A reforma do Poder Judiciário, instalada a partir da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, prevê, entre outras providências para desafogar o Poder Judiciário, a descentralização da atividade jurisdicional. A capilaridade dos serviços notariais, cuja abrangência territorial alcança os diversos rincões do país, contribui para este desiderato.150
Para este procedimento extrajudicial, Paiva151 sugere que o Brasil implante
um sistema semelhante ao de Portugal, na qual a instauração do processo de
usucapião poderia tramitar perante o Cartório de Notas para justificação da posse,
concomitantemente ao Cartório de Registro de Imóveis para que fossem realizadas
as intimações e colhimento das assinaturas ou, ainda, que fosse somente realizado
no Cartório de Notas, com a participação do Cartório de Registro de Imóveis,
somente, para efetuar o registro do título aquisitivo, observando a necessidade do
acompanhamento de advogado em todo o tramite extrajudicial.
Dessa forma, o problema da morosidade e da complexidade dos
procedimentos, poderá ser resolvido ou pelo menos dirimidos.
5.4 Comparação entre o instituto da usucapião e os outros instrumentos de
regularização fundiária existentes na legislação brasileira
Neste tópico será desenvolvida, brevemente, uma comparação entre o
instituto da usucapião coletiva urbana e outros dois instrumentos de regularização
fundiária existentes na legislação brasileira, como a Concessão Coletiva de Uso
Especial e a Demarcação Urbanística, que possuem mecanismos capazes de tratar
150
PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico
Brasileiro. P. 7 e 17. 151
PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico
Brasileiro. P. 10.
111
o problema da ocupação do solo urbano em áreas onde se encontram aglomerações
de moradias subnormais ou precárias, habitada por população de baixa renda.
Dessa forma, o presente tópico não tem o objetivo de fazer uma análise
profunda dos requisitos de cada um dos instrumentos jurídicos que serão
apresentados, mas tão-somente compará-los com o Instituto da Usucapião Coletiva
Urbana, objetivando, apenas, encontrar pontos comuns aos instrumentos, bem como
seus mecanismos peculiares a cada um deles.
5.4.1 Bens Imóveis que não podem ser usucapidos
A Lei nº 10.257/2001, por meio da criação da usucapião coletiva urbana,
trouxe inovação na legislação pátria no tocante a possibilidade de resolver a questão
da regularização fundiária onde se encontram as áreas de favelas e, assim, a
esperança de inclusão social da população de baixa renda que habita estas áreas,
por meio da urbanização das mesmas.
Entretanto, como já analisado, anteriormente, o instituto possui algumas
falhas que impedem uma maior eficiência como idealizado pelo legislador do
Estatuto da Cidade, tendo em vista que o instituto só pode ser utilizado como
remédio no tratamento da favelização em áreas ocupadas que sejam de domínio
privado, além de apresentar problemas em relação aos procedimentos processuais.
Dessa maneira, o presente instituto não contempla, por sua natureza jurídica,
a possibilidade de regularizar as favelas localizadas em áreas públicas, sendo,
portanto, necessário que existam outros instrumentos capazes de tratar
juridicamente estas áreas para posterior urbanização.
Nesse sentido, Azevedo Junior, ensina que:
Da categoria dos bens proibidos de serem adquiridos por usucapião, a mais importante é a dos bens públicos, ou seja, aqueles pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e suas empresas. A Constituição Federal assim determina e o Código Civil também. Essa proibição decorre da necessidade de proteger os bens do patrimônio público, que é de toda a
112
coletividade, evitando que seja apropriado por grileiros e particulares em geral.152
Dessa maneira, tanto o Código Civil, no seu artigo 102153, como o parágrafo
único do artigo 191154 e o parágrafo 3º do artigo 183155, ambos da Constituição
Federal preconizam a impossibilidade de aquisição da propriedade pública pela
usucapião, de forma expressa.
Depreende-se, assim, que o instituto da usucapião pouco pode fazer para
regularizar uma favela cuja área onde está assentada seja pertencente à União,
Estado ou Município.
Além disso, quanto ao processo de usucapião, este tem demonstrado ser
bastante moroso, tendo em vista a diversidade de polos ativos e, as vezes passivos,
bem como problemas na realização do laudo pericial.
Porém, a usucapião não é o único instrumento disponível pelo nosso
ordenamento jurídico com a finalidade de promover a regularização fundiária. A
legislação pátria possui, atualmente, outros instrumentos de regularização fundiária
previstos em diversas leis especiais, como a Concessão Coletiva de Uso Especial e
a Demarcação Urbanística, além da Usucapião Coletiva Urbana.
5.4.2 A Concessão de uso ou concessão de uso especial para fins de moradia
A Concessão de Uso, prevista no artigo 183, parágrafo 1º da Constituição
Federal e, também, no artigo 4º, inciso IV, alínea “h” do Estatuto da Cidade ou,
ainda, a Concessão de Uso Especial para fins de moradia, prevista na MP 2.220 de
2001, no artigo 2º, podem ser utilizados para contornar o problema da ocupação de
áreas públicas por favelas ou assentamentos irregulares.
152
AZEVEDO JR, José Osório de. Direitos imobiliários da população de baixa renda. São Paulo:
Sarandi, 2011. p. 62. 153
Artigo 102 do Código Civil: “Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião”. 154
Parágrafo único do Artigo 191 da Constituição Federal: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. 155
Parágrafo 3o do Artigo 183 da Constituição Federal: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
113
A solução para o problema, acima apontado, surge com a Concessão de Uso
especial coletivo para fins de moradia, uma vez que torna possível a transmissão do
direito de uso do imóvel público nos casos em que houver ocupação por população
de baixa renda em áreas com mais de 250 metros quadrados, de imóveis públicos,
pelo período continuo de cinco anos, sem oposição, quando não for possível
identificar os terrenos ocupados pelos possuidores individualmente considerados e,
ainda, desde que o possuidor não seja proprietário ou concessionário de outro
imóvel na área rural ou urbana.
Nelson Saule, ressalta que:
O regime especial dos bens públicos para a aplicação da concessão de uso especial para fins de moradia justifica o reconhecimento do direito à moradia da população moradora em favelas situadas em áreas públicas, independente destas áreas pertencerem à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios, justificando portanto um tratamento isonômico aos entes federativos, evitando qualquer questionamento sobre a constitucionalidade deste instrumento de regularização fundiária.156
Ainda, sobre o assunto, Azevedo Junior explica que:
A concessão de uso não se confunde com a usucapião porque, neste caso, o que é transmitido é o uso do imóvel e não a sua propriedade. Mas o título, isto é, o documento da concessão, também pode ser registrado em Cartório de Registro de Imóveis e dá plena garantia jurídica ao morador.157
Conclui-se, portanto, que a concessão de uso especial para fins de moradia,
possui a mesma essência do instituto da usucapião coletiva, uma vez que o objetivo
de ambos os instrumentos jurídicos, sejam de promover a regularização de áreas
onde estão assentadas as populações de baixa renda, ou seja, as áreas onde estão
localizadas as favelas e os assentamentos irregulares, áreas onde há um forte
interesse social de resolver o conflito e a legalização da ocupação.
156
SAULE, Nelson Junior. (ob. cit., p.530). 157
AZEVEDO JR, José Osório de. (ob. cit., p.63).
114
Mas que pese alguma diferença entre os dois institutos, a usucapião será o
tratamento para as áreas privadas ocupadas por favelas, enquanto a concessão de
uso especial para fins de moradia, a solução para a regularização fundiária em áreas
públicas ocupadas por favelas, observando que na primeira há a aquisição da
propriedade, enquanto que na segunda há apenas a transmissão do direito de usar
o imóvel público. Ambos os direitos são garantidos por meio do registro na Cartório
de Registro de Imóveis.
Exemplificando um caso prático, bastante interessante, sobre o instituto da
Concessão de Uso é o caso da favela de Jurubatuba que por meio da Associação
da Comunidade Campo Grande – Jurubatuba ajuizou ação para tutelar o direito dos
moradores da comunidade ao reconhecimento da concessão de uso especial de
imóvel para fins de moradia contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, em trâmite,
atualmente, perante a 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo,
ajuizada em 11 de dezembro de 2007 e que, teve em uma das decisões exaradas
pelo Douto Magistrado, em 08 de novembro de 2011, o seguinte teor:
DECISÃO Processo nº:0138205-06.2007.8.26.0053 Classe – Assunto Procedimento Ordinário - Pagamento Requerente:Associação da Comunidade Campo Grande - Jurubatuba Requerido:Prefeitura Municipal de São Paulo Vistos, em saneamento. Objetiva a autora, ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE CAMPO GRANDE JURUBATUBA, a declaração da existência de relação jurídica que em favor de seus associados garanta a concessão de uso especial de imóvel para fim de moradia, instituto previsto na Medida Provisória de número 2.220/2001, criado a partir do que estatuto da cidade e do artigo 183 da Constituição da República de 1988, que busca garantir o direito à moradia. Ação promovida contra a MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO. Foi concedida a tutela emergencial cautelar, cuja eficácia está mantida, conquanto recurso de agravo de instrumento interposto pela ré, ao qual o Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado negou provimento. Intervém o MINISTÉRIO PÚBLICO. Há a necessidade de se identificar com precisão qual a área acerca da qual pretende a autora obter a concessão de uso especial para fim de moradia, o que confere pertinência à produção de prova pericial de engenharia, cuja produção a autora requereu (cf. folha 802). Também se revela necessário obter informação acerca do registro imobiliário da área. A perícia também poderá colher informação relevante acerca não apenas do tempo de posse, mas das condições em que ela é exercida. A necessidade da produção dessa prova determina o saneamento deste processo. Estão presentes os pressupostos
115
de existência e validez da relação jurídico-processual. As condições da ação, examinadas "in status assertionis", também estão configuradas. Nesse contexto, não subsiste a alegação da ré quanto à prévia necessidade de exaurimento da via administrativa, diante da prevalência do princípio constitucional que garante o devido processo legal e, em seu bojo, o pleno acesso à tutela jurisdicional. De resto, a resistência da ré, revelada na intenção de retomar a posse do imóvel, só por si demonstra que a pretensão da autora, se formulada pela via administrativa, não encontraria nenhuma guarida pelo Poder Público. A questão da litigância de má-fé, apontada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face da conduta processual da ré, seja examinada e decidida em Sentença. Processo saneado. Identificada a controvérsia fática, necessária para seu desimplificar a produção de prova pericial, nomeio o Doutor CARLOS EDUARDO DEVIENNE FERRAZ, para funcionar como Perito nestes autos. Gratuidade concedida à autora, os honorários periciais serão pagos somente ao final. Laudo em trinta dias. As partes podem indicar assistente técnico e formular quesitos, se no prazo. Concluída a prova pericial, será de se analisar a pertinência de produzir-se prova oral. Informe o MINISTÉRIO PÚBLICO o estágio atual do inquérito civil instaurado acerca da questão. Int. O MINISTÉRIO PÚBLICO, pessoalmente. São Paulo, em 18 de outubro de 2011. VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE JUIZ DE DIREITO Advogados(s): DANIELA DE MELO CUSTODIO (OAB 221355/SP), FLAVIO BARBARULO BORGHERESI (OAB 203037/SP), KAREN CRISTINA CRUZ ALVES (OAB 258950/SP), RACHEL MENDES FREIRE DE OLIVEIRA (OAB 196348/SP)
Em síntese, o último andamento do processo acima, indica que o processo já
teve Laudo Pericial elaborado e entregue pelo perito nomeado, bem como
manifestação das partes acerca do laudo e, por fim, nova devolução dos autos pelo
Perito, portanto, aguardando nova manifestação das partes e prosseguimento do
feito desde o dia 20 de março de 2013.158
Abaixo, observam-se as imagens e dados da Favela, de acordo com a
Secretaria de Habitação de São Paulo:
158
Informações obtidas pelo link:
http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/search.do?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=0138205-06.2007&foroNumeroUnificado=0053&dePesquisaNuUnificado=0138205-06.2007.8.26.0053&dePesquisaNuAntigo=. Acesso em 10.06.2014.
116
159
5.4.3 A Demarcação Urbanística e a Legitimação da Posse
A Demarcação Urbanística e legitimação da posse estão estabelecidas no
artigo 47 da Lei nº 11.977160 de 2009, conhecida, também, como a lei do Programa
Minha Casa Minha Vida e consiste num procedimento administrativo por meio do
qual o Poder Público promove a demarcação de imóveis públicos e privados com a
finalidade de identificar os ocupantes e definir a natureza e prazo de ocupação pelos
possuidores.
159
Imagens obtidas pelo link: http://www.habisp.inf.br/116d6a00-59f4-4779-a33f-
9d0ef05cc924/Jurubatuba. Acesso em 10.06.2014. 160
A lei define a regularização fundiária como: “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia e ao pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”
117
Carvalho Filho ressalta que:
A implementação de projetos de regularização fundiária urbana deve sempre observar as diretrizes gerais de política urbana, alinhadas no Estatuto da Cidade. Por conseguinte, as normas da Lei nº 11.977/09 têm caráter suplementar, servindo para regulamentar a matéria, com detalhamento e especificação das respectivas ações.161
Após a demarcação dos imóveis é conferido um título de reconhecimento de
posse do imóvel que foi objeto da demarcação urbanística, constando a identificação
do possuidor, a natureza da sua posse e o prazo de sua posse, na qual se tornará
num título jurídico, podendo, inclusive gerar efeitos para uma futura aquisição da
propriedade por meio da usucapião, conforme entendimento do artigo 60 da Lei
11.977/09 e, ainda, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal.
Dessa forma, o possuidor e portador desse título de legitimação da posse,
transcorridos cinco anos de seu registro, poderá requerer ao oficial do Cartório de
Registro de Imóveis competente a conversão do título de posse em registro de
propriedade, desde que apresente certidões do cartório distribuidor que comprovem
a inexistência de ações em andamento que demandem sobre a posse ou
propriedade do imóvel em questão, não ser proprietário de outro imóvel urbano ou
rural, que a utilização do imóvel ocupado seja para fins de moradia própria ou de sua
família e, por fim, de que não teve reconhecido o direito à usucapião de outro imóvel
em áreas urbanas, anteriormente.
Para Carvalho Filho, esse mecanismo administrativo encontra consonância
com a diretriz geral urbanística estabelecida no inciso XIV do artigo 2º do Estatuto da
Cidade e, ainda, explica que:
Ao ser qualificada como de interesse social, essa forma de regularização alcança os assentamentos irregulares, polos desorganizados na ordem urbanística, assim consideradas as ocupações localizadas em parcelamentos informais ou irregulares, dentro de áreas públicas ou privadas, utilizadas, preferencialmente, para fins de moradia por populações de baixa renda. É inegável, portanto, seu caráter social, voltado às
161
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.19/20.
118
camadas menos favorecidas, que dificilmente teriam capacidade de concretizar a regularização imobiliária.162
No mesmo sentido, Azevedo Junior, esclarece ao discorrer sobre o assunto que:
Tudo isso representa enorme evolução da legislação sobre posse, e vai, certamente, chocar mentalidades tradicionalistas, que vão opor, sem razão, obstáculos à boa aplicação da lei. Pois é claro que o legislador pode dar ao direito possessório o tratamento mais conveniente às necessidades sociais em cada época da história. O mesmo legislador que pôde distinguir a posse direta da posse indireta pode também criar um sistema de registro público da posse, com o que o possuidor ficará muito mais protegido em relação a atos do proprietário, de terceiros e do próprio Estado. No Brasil, criou-se um sistema de proteção ao direito de propriedade tão complexo e distante da realidade social que o legislador, finalmente, veio em socorro dos marginalizados e prestigiou a única situação jurídica de que eles desfrutavam, ou seja, a posse.163
Observa-se que este instrumento de regularização fundiária, pelo menos em
teoria, demonstra ser mais célere do que uma ação de usucapião, tendo em vista a
morosidade processual e a dificuldade na intimação de todos os confrontantes,
como ocorre no caso da usucapião coletiva urbana.
Esta celeridade procedimental se deve ao fato de que no caso da
demarcação urbanística, a aquisição da propriedade pela usucapião é extrajudicial,
pois a competência para analisar e converter o título de posse em propriedade é do
Cartório de Registro de Imóvel da jurisdição do imóvel ocupado pelo possuidor, não
havendo a necessidade de citações, audiências e prazos processuais para
manifestação de terceiros interessados ou até mesmo dos membros do Ministério
Público.
162
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.
p.19/20. 163
AZEVEDO JR, José Osório de. (ob. cit., p.67).
119
5.5 Conclusão do Capítulo
Em síntese, depreende-se que, a usucapião coletiva urbana, como
instrumento de regularização fundiária e efetivação do direito à moradia, tem sido
pleiteado nos tribunais paulistanos na tentativa de inclusão social da população de
baixa renda e desenvolvimento da cidadania nas áreas onde se localizam as favelas
na cidade de São Paulo.
Entretanto, nos casos apresentados, ainda não houve êxito do instituto,
devido, principalmente, a complexidade do procedimento que só pode se dar via
judicial.
Além da usucapião coletiva urbana, a legislação pátria, ainda, possui outros
mecanismos para a promoção da regularização fundiária, tendo em vista que a
usucapião coletiva urbana se restringe apenas ao tratamento da favelização que
ocorre em áreas privadas.
Dessa maneira, a Concessão de Uso Para Fins Especiais de Moradia é uma
alternativa para realizar a regularização dos assentamentos irregulares em áreas
públicas, sejam elas pertencentes à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao
Município.
A Demarcação Urbanística, introduzida no nosso ordenamento jurídico por
meio da Lei Federal 11.977 de 2009, demonstra ser um instrumento de grande
importância e bastante interessante e inovador, representando uma grande evolução
na legislação brasileira, principalmente, no tocante ao direito do possuidor e, ainda,
ao estabelecer que os seus procedimentos se deem na esfera administrativa,
coadunando com tendência de transferir alguns procedimentos para o âmbito
extrajudicial como forma de tornar mais célere a regularização das áreas onde se
localizam moradias subnormais ou precárias e, consequentemente, realizar a
urbanização e desenvolvimento da cidadania.
Por fim, a usucapião coletiva urbana, traz no seu texto legal uma promissora
forma de efetivar o direito à moradia e o desenvolvimento da cidadania, mas para
120
tanto será necessário fazer algumas alterações na lei em relação aos
procedimentos, de forma a simplificá-los com fundamento da necessidade de incluir
socialmente a população de baixa renda e alcançar os princípios, direitos
fundamentais e sociais que estão estabelecidos em nossa atual Constituição
Federal.
121
CONCLUSÃO
O processo de urbanização e desenvolvimento das cidades brasileiras
sempre esteve atrelado a fatores históricos e ao modo de ocupação do solo
brasileiro, desde o período de colonização do nosso país pela Coroa Portuguesa.
O fato é que, o modo de ocupação do solo por meio do regime das sesmarias
e, posteriormente, a tentativa de regularização fundiária por meio da Lei de Terras,
gerou a incrível desigualdade em relação a distribuição de terras em nosso país,
agravada pelo período de industrialização, que resultou no deslocamento repentino
e maciço de trabalhadores rurais para as grandes cidades do país, em busca de
melhores oportunidades de emprego e direitos.
Contudo, essa migração do campo para as cidades, de forma desordenada e
sem um planejamento por parte do poder público municipal, resultou na ocupação
das áreas periféricas ou de áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário local,
fazendo surgir o que conhecemos, atualmente, como favelas.
Os problemas dessas áreas de favelas são a exclusão social e a falta de
cidadania por conta da segregação socioespacial, uma vez que origina o conflito
entre aqueles que vivem nas áreas mais centrais ou mais bem localizadas e
valorizadas pelo mercado imobiliário, conhecida também por cidade legal e, as áreas
de favelas, nas quais se encontram todo o tipo de problemas decorrentes da falta de
infraestrutura básica como saúde, segurança, mobilidade, desastres naturais e
outros problemas que refletem e irradiam para o restante das grandes cidades
brasileiras.
Dessa forma, nota-se que na tentativa de minimizar o problema de ocupação
do solo e da falta de urbanização dessas áreas de favela, o legislador criou
inúmeros instrumentos para a tentativa de regularização fundiária e cumprimento
das diretrizes gerais das Políticas Urbanas estabelecidas na Constituição Federal e
Estatuto da Cidade.
Nesse sentido, verifica-se que a partir da Constituição Federal de 1988, na
qual trouxe inserido em seu texto o princípio da função social da propriedade e,
122
posteriormente, reconheceu o direito à moradia como um dos direitos sociais,
observa-se que o legislador tem buscado por inúmeros diplomas infraconstitucionais,
promover a cidadania por meio do direito à moradia, uma vez que promover o bem-
estar social da população menos privilegiada por meio de alternativas jurídicas para
o alcance do direito a moradia, é desenvolver e alcançar a cidadania.
Assim, a presente dissertação teve por escopo analisar o instituto da
usucapião coletiva urbana e expor alguns dos processos judiciais que tentam, por
meio do instituto, promover a regularização fundiária de algumas favelas
paulistanas.
Entretanto, a usucapião coletiva urbana não tem demonstrado ser um
mecanismo célere para o alcance da regularização fundiária, tendo em vista que
apresenta alguns obstáculos que a tornam pouco efetivas, até o presente instante,
mas que se sanadas poderá se tornar num grande instrumento jurídico de efetivação
do direito à moradia.
Em análise, apontou-se como um dos obstáculos à sua aplicabilidade, a
dificuldade na fase citatória, tendo em vista a multiplicidade de sujeitos na mesma
demanda, bem como a morosidade típica dos processos que percorrem a via
judicial, haja vista a necessidade de serem intimados os entes públicos, o Ministério
Público, Cartório de Registro de Imóveis e Vizinhos Confrontantes de cada um dos
imóveis para posterior prosseguimento do feito.
A prova pericial, também, dificulta o resultado prático da demanda, uma vez
que o levantamento da área a ser usucapida coletivamente, importa num
detalhamento minucioso da área e um relatório complexo, com quesitos do Juiz,
além das respostas aos quesitos de ambas as partes da lide, tornando, ainda mais,
a via judicial morosa para o alcance do resultado pleiteado.
Algumas alternativas para tornar o instituto foram expostas como a
transferência do procedimento judicial para a esfera extrajudicial, transferindo a
competência do processamento da usucapião para os Cartórios de Registros de
Imóveis, coadunando com o espírito atual do legislador que visa desjudicializar os
procedimentos como ocorreu no caso de inventários, em que a legislação,
atualmente, permite ao inventariante, promover o devido processamento do
123
inventário, via Cartório, isto é, extrajudicialmente, em alguns casos especificados
pela lei.
Por fim, após breve comparação do instituto da usucapião coletiva urbana
com a Concessão Coletiva de Uso Especial e a Demarcação Urbanística, outros
dois instrumentos jurídicos das Políticas Urbanas, se observou que os
procedimentos extrajudiciais da Demarcação Urbanística podem ser mais eficientes
no tratamento da favelização, uma vez que permite ao possuidor, após demarcação
urbanística e emissão de título com o reconhecimento da legitimidade da sua posse,
usucapir extrajudicialmente após transcorridos cinco anos da data do seu título de
posse, desde que apresente documentos que comprovem não ser proprietário de
outro imóvel ou de já ter sido beneficiado por aquisição por meio da usucapião e,
ainda, que não haja sobre a sua posse nenhuma lide.
Em relação a Concessão Coletiva de Uso Especial, muito se assemelha aos
procedimentos da usucapião coletiva urbana, diferindo, mais significativamente, em
relação a área, objeto da regularização, uma vez que a usucapião coletiva só é
possível de ser arguida por possuidores que ocupam áreas privadas, enquanto que
a Concessão de Uso Especial, vislumbra o tratamento jurídico nas áreas públicas.
A Demarcação urbanística, por sua vez, parece possuir procedimentos mais
simples, uma vez que valoriza o direito a posse e seu procedimento se dá na esfera
extrajudicial.
A usucapião coletiva urbana tem potencial para se tornar em um instrumento
importante da política urbana, uma vez que transfere a iniciativa de regularização
aos ocupantes das áreas que poderão ser usucapidas, dispensando as costumeiras
intervenções estatais que buscam, na maioria das vezes, a promoção de candidatos
as eleições.
Com a aquisição da propriedade, por meio do instituto, há a possibilidade de
que os beneficiados pela usucapião coletiva adquiram apego ao terreno usucapido,
constituindo um lar para as suas famílias e, assim, invistam em melhorias que
resultem em uma transformação da área de favela, possibilitando a urbanização
destas áreas e o cumprimento da função social da propriedade.
124
Dessa maneira, o instituto da usucapião coletiva urbana traz, em seu bojo,
ótimas intenções em resolver o problema de moradia e, consequentemente, de
urbanização das favelas, não restando dúvidas de que se bem aplicado, será um
instrumento importante para a política urbana das cidades brasileiras, porém carrega
também críticas que desde seu surgimento apontam dificuldades que caberão aos
tribunais dirimir, usando do bom senso e da criatividade, ou ainda, de uma
complementação normativa para que as dúvidas e as lacunas apresentadas sejam
dirimidas e o objetivo seja alcançado.
125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de
consolidação do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos
direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
ALFONSIN, Betânia, e FERNANDES, Edésio. Direito à moradia e segurança da
posse no Estatuto da Cidade. Diretrizes, Instrumentos e Processos de Gestão. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2004. p 98.
_______________________________________. Direito Urbanístico: Estudos
Brasileiros e Internacionais. Belo Horizonte: Del Rey: 2006. p. 47-51; 119-125; 186-
191; 750-756.
AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. Direitos Imobiliários da População Urbana de
Baixa Renda. São Paulo: Editora Sarandi, 2011;
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova
compreensão do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas
públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1976.
126
BÓGUS, Lúcia Maria Machado. Direito à Cidade e Segregação Espacial. Acesso em
04.05.2013. < http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v05n02/v05n02_08.pdf>
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade, 5ª
edição. São Paulo: Atlas, 2013.
DALLARI, Adilson Abre, FERRAZ, Sérgio. (coord.). Estatuto da Cidade. Comentários
à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
DELGADO, Mário Luiz. In: ALVES, Jonas Figueiredo (Coord.). Novo Código Civil:
Questões controvertidas. São Paulo: Método, 2004. v. 1: O Direito de Propriedade e
o Instituto da Usucapião.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 4: Direito das Coisas – 17ª
edição atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002).
São Paulo: Saraiva: 2002.
FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade Comentado. Do Código Civil de 1916 ao
Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a trajetória do direito urbanístico na Brasil.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 31-64.
FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade comentado. São Paulo: Juarez
de Oliveira: 2001.
FREYESLEBEN, Luiz Eduardo Ribeiro. A Usucapião Especial Urbana – Aspectos
Doutrinários e Jurisprudenciais. Florianópolis: Obra Jurídica: 1997.
FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta
de saneamento inTemas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo:
Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011.
127
GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualização de Luiz Edson Fachin. 19ª edição. Rio
de Janeiro: Forense: 2004.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Direito das Coisas. 5º vol. São
Paulo, 2013.
HORBACH, Carlos Bastide. Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais:
2002.
KONNO, Alyne Yumi. Registro de Imóveis: teoria e prática. São Paulo: Memória
Jurídica Editora, 2010;
LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil:
aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988.
LEFEBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro: 2006. 4ª edição.
(tradução do título: Le Droit à La Ville feita por Rubens Eduardo Frias). P. 103-117.
LOMAR, Paulo José Villela. Usucapião Coletivo e Habitação Popular. Revista de
Direito Imobiliário, 51:133.
LOUREIRO, Francisco Eduardo. A Propriedade como Relação Jurídica Complexa.
Rio de Janeiro: Renovar: 2003.
__________________________. Usucapião Coletivo e Habitação Popular. Revista
de Direito Imobiliário, 51:150.
128
MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados
nº 48, 2003
MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo da Gama e SARAIVA, Camila. Favelas no
Município de São Paulo: Estimativas de População para os anos de 1991, 1996 e
2000. in R.B. Estudos Urbanos e Regionais, Vol. 5, N1: 2003.
MATHIAS, Maria Ligia Coelho. Direito Civil: Direitos Reais. Série Leituras Jurídicas:
Provas e Concursos, v. 7. São Paulo: Atlas: 2005.
MATTOS, Liana Portilho. Nova Ordem Jurídico-Urbanista: Função Social da
Propriedade na Prática dos Tribunais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2006.
MEDAUAR, Odete, ALMEIDA, Fernando Dias de Menezes (Coord.). Comentários ao
Estatuto da Cidade. São Paulo: RT, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: RT, 1985.
MOELLER, Oscarlino. Usucapião. Modo originário de aquisição da propriedade e via
incidental de reconhecimento com efeito erga omnes. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial, 4:101.
MORAES Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
129
MORETTI, Julia Azevedo. Usucapião Coletiva e Acesso à Justiça - Superação de
obstáculos no caso da Favela da Piscina. In Tema 8 – A proteção do direito à
cidade, a ordem urbanística e a sua judiciabilidade.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo:
Revista dos Tribunais: 2002.
PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião extrajudicial e sua viabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:
<WWW.lamanapaiva.com.br/banco_arquivos/usucapiao.pdf> . Acesso em:
10.02.2014.
PASTERNAK, Suzana. Espaço e População nas Favelas de São Paulo. Acesso em
04.05.2013.<.http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/GT_MA_ST21_
pasternak_texto.pdf>
PEREIRA, Luís Portella. A Função Social da Propriedade Urbana. Porto Alegre:
Síntese: 2003.
PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e
execução das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas
públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
RIBEIRO, Benedito Silvério. . Tratado de usucapião. 8 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
130
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves, MONTANDON, Daniel Todtmann (Orgs.). Os
Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: Balanço Crítico e Perspectivas.
Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. São Paulo: Editora Cortez, 1997.
SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição: Algumas
anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Arquivos de
Direitos Humanos, v. 4, 2002, p.191.
SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos
Irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário. 3 Ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2011.
SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. Lei nº 10.257 de 2001. O recém criado
Usucapião Coletivo (Estatuto da Cidade). Justiça & Cidadania: 2001.
SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros:
2010. 7ª edição.
________________. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996, p. 273.
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos
Históricos. São Paulo: Editora Contexto. 3ª edição. 2010.
131
TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas em São Paulo – Censos, Consensos e
Contra-sensos. Acesso em 04.05.2013.
<http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/viewFile/9294/6898 >
TERRA, Marcelo. A habitação popular no Estatuto da Cidade. RDI, 51:169.
TOMINAGA, Lídia Keiko; SANTORO, Jair; AMARAL, Rosangela do (organizadores).
Desastres Naturais: Conhecer para prevenir. São Paulo: Instituto Geológico, 2009.
TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis:
Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, v. 5 – 2ª edição. São Paulo:
Atlas: 2002.
VIANA, Rui Geraldo Camargo. Usucapião Popular Urbano. RJTJSP, 101:19.
132
Links da web:
CARTÓRIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO, link:
www.cartóriosp.com.br/especialidades_detalhes.aspx?id=88. Acesso em 24.09.2014.
MAPA DA DIVISÃO DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Imagem extraída do link:
http://www.estudopratico.com.br/sistema-de-capitanias-hereditarias-do-brasil/.
Acesso em 14.06.2014.
QUADRO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA VERSUS RURAL NO
BRASIL ENTRE 1940 extraída do link:
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/urbanizacao-do-brasil-
consequencias-e-caracteristicas-das-cidades.htm. Acesso em 10.06.2014.
MAPA DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, com base nos dados de 2011, extraída do link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014. QUADRO COM A DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS POR SUBPREFEITURAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, de acordo com a fonte: Atlas de Saúde da Cidade de São Paulo – 2011, extraída do link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014.
MAPA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO COM A CIDADE DE SÃO PAULO EM DESTAQUE, atual, extraída do link: http://www.emsampa.com.br/page3.html. Acesso em 10.06.2014. MAPA DA SECRETARIA DA HABITAÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, atual, extraída do link: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/cidades-para-pessoas/2012/06/27/a-sehab-reconheceu-as-favelas-fazem-parte-da-cidade/. Acesso em 10.06.2014. Quantidade de Favelas em São Paulo, Informações obtidas por meio do site: http://www.habisp.inf.br/principal/busca?tipo=favela . Acesso em 12.06.2014. Áreas de Risco, Conforme link: http://www.seops.df.gov.br/frentes-de-fiscalizacao/2012-08-21-17-01-06/area-de-risco.html. Acesso em 14.06.2014.
133
Notícia sobre a tragédia na Região Serrana do Rio de janeiro : http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/chuva-na-regiao-serrana-e-maior-tragedia-climatica-da-historia-do-pais.html. Acesso em 14.06.2014.
Imagem extraída do link: http://imagem.band.com.br/f_19467.jpg. Acesso em
20.06.2014.
Imagem extraída do link: http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C201411495849140&TIPO_ID=1. Acesso em 20.06.2014.
Imagem extraída do link: http://www.cnttt.org.br/falhas-prejudicam-circulacao-de-
trens-e-metro-em-sp/. Acesso em 20.06.2014.
Imagem extraída do link: http://tv.estadao.com.br/videos,vans-clandestinas-driblam-
fiscalizacao-da-prefeitura,67809,250,0.htm. Acesso em 20.06.2014
Imagens obtidas através do link: http://www.pco.org.br/conoticias/nacional/direita-
fascista-levanta-a-cabeca-e-exige-upp-na-favela-de-paraisopolis-/eijj,b.html. Acesso
em 20.06.2014.
Imagem obtida pelo link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeirao/ri0108201103.htm. Acesso em 05.05.2013. Imagem extraída do link: http://i.ytimg.com/vi/6FHgh3YgAac/hqdefault.jpg. Acesso em 16.06.2014.
134