os espaços de fronteira e a construção de uma identidade fronteiriça
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A natureza da diversidade que os espaços de fronteira possuem, representam importantes contribuições para as discussões em torno da busca da construção das identidades humanas. Os espaços de fronteira são encarados muitas vezes como sendo locais de conflitos sociais, políticos, culturais e econômicos. O presente trabalho explora o campo cultural dos espaços de fronteira, dando ênfase na construção das identidades dos fronteiriços. A partir da relação da experiência geográfica do homem é que foram tecendo as análises sobre aqueles que vivem na fronteira, quais são suas vivências, suas relações com o espaço de fronteira e seu cotidiano.TRANSCRIPT
ISSN: 2362-3365
II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1
6 – Fronteras, Territorios y Culturas
OS ESPAÇOS DE FRONTEIRA E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE FRONTEIRIÇA¹
Vitor Ferreira de Souza²Universidade Estadual de Londrina – [email protected]
Yoshiya Nakagawara Ferreira³Universidade Estadual de Londrina – [email protected]
RESUMO: A natureza da diversidade que os espaços de fronteira possuem, representam
importantes contribuições para as discussões em torno da busca da construção das
identidades humanas. Os espaços de fronteira são encarados muitas vezes como sendo
locais de conflitos sociais, políticos, culturais e econômicos. O presente trabalho explora o
campo cultural dos espaços de fronteira, dando ênfase na construção das identidades dos
fronteiriços. A partir da relação da experiência geográfica do homem é que foram tecendo as
análises sobre aqueles que vivem na fronteira, quais são suas vivências, suas relações com
o espaço de fronteira e seu cotidiano. A partir de referenciais teóricos que tratam da
temática dos espaços fronteiriços, foi possível tecer considerações a respeito de como se
estruturam os territórios que fazem parte das fronteiras, além da busca de pesquisadores
que tratam da temática das identidades culturais e dos processos conflituosos da construção
da identidade humana e suas relações com o lugar. Dentro desse contexto, o presente
artigo objetiva projetar e ampliar as discussões em torno da construção da identidade social
e também observar os aspectos das identidades das pessoas que vivem nos espaços de
fronteiras, quais são os desafios daqueles que vivem em meio a uma zona de conflitos e de
diversidade cultural, política, econômica e social.
Palavras-Chave: identidade; cultura; espaços de fronteira, experiência geográfica
1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected]
¹ Eixo temático: Fronteiras, territórios e culturas² Graduando em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina³ Professora sênior da Universidade Estadual de Londrina
INTRODUÇÃO
A história do homem, desde as primeiras civilizações é marcada pela sua relação
com o meio, que se expressa não apenas pela apropriação dos recursos naturais em seu
benefício, mas uma relação de construção de identidades de grupos sociais, onde o meio
natural possui grandes contribuições para esse processo.
A procura de compreender os elementos que constroem a identidade humana não é
nova “a sociologia já há muito tempo vem se preocupando em compreender a constituição
das identidades de grupos sociais e sua inserção na dinâmica mais geral do modo de
produção capitalista” (SOUZA; PEDON, 2007, p.133).
No caso da ciência geográfica a importância da compreensão das identidades muitas
vezes esta no sentindo “[...] que o território ganha na constituição das identidades [...]. As
dimensões econômica, política, cultural e a natureza formam uma intricada configuração
onde o território surge como elemento que dá unidade a ação dos sujeitos sociais”. (SOUZA;
PEDON, 2007, 133).
Nesse sentido, as identidades dos grupos humanos têm muito a dizer sobre a
estruturação do território e dos sujeitos sociais. Entre a diversidade das pesquisas em torno
dessa temática, os espaços de fronteiras são um dos eixos de maior valia para os estudos
geográficos, pois são “[...] fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilização [...],
fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteiras de etnias, fronteira da
História e da historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira do humano” (MATINS, 1997,
p.13).
Essa natureza da diversidade que os espaços de fronteira possuem, representam
importantes contribuições para as discussões em torno da busca da construção das
identidades humanas. “O território identitário não é apenas ritual e simbólico; é também o
local de práticas ativas a atuais, por intermédio das quais se afirmam e vivem as
identidades” (CORRÊA; ROSENDAHL, 2004, p.169).
Dentro desse contexto, o presente artigo objetiva projetar e ampliar as discussões
em torno da construção da identidade social e também observar os aspectos das
identidades das pessoas que vivem nos espaços de fronteiras, quais são os desafios
daqueles que vivem em meio a uma zona de conflitos e de diversidade cultural, política,
econômica e social.
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AS PRIMEIRAS FRONTEIRAS MATERIAIS
O conceito de fronteira evoluiu ao longo dos séculos de acordo com as necessidades
de cada época, para explicar os fenômenos que se manifestam nestas áreas. Antigamente,
o conceito de fronteira estava apenas associado “[...] a uma área periférica do Estado,
atualmente pode ser entendida como um espaço privilegiado para a observação da maneira
pela qual as populações de diferentes Estados se relacionam” (OLIVEIRA, 2008, p.9).
O conceito de fronteira não se associava como hoje com estudos sobre a identidade
dos grupos humanos, pois apenas se tinha a “[...] necessidade de se distinguir fronteiras de
limites territoriais”. (OLIVEIRA, 2008, p.9).
Para Oliveira (2008) em sua dissertação intitulada “A fronteira Brasil-Paraguai:
principais fatores de tensão do período colonial até a atualidade” faz um resgate conceitual
do significado de fronteira, que para o autor a primeira fronteira material “[...] é a Muralha da
China, que começou a ser erguida pela Dinastia Ch’in, por volta de 220 antes de Cristo,
como forma de conter as ameaças de invasão dos povos ao Norte” (OLIVEIRA, 2008, p.13).
Porém, o significado de fronteira se atribui à “[...] expansão do Império Romano, a partir dos
anos 500 antes de Cristo. Mesmo na Grécia antiga não se tem notícia de que houvessem
fronteiras razoavelmente delimitadas entre suas Cidades-Estado”. (OLIVEIRA, 2008, p.13).
Na Antiguidade não existia a necessidade de realizar demarcações das civilizações
egípcias, mesopotâmicas, entre outras, pois os povoamentos eram dispersos na superfície
terrestre. “As conquistas marítimas dos sumérios, feníncios e gregos se limitavam aos
portos, cidades e governos locais, não havendo preocupação de fixar fronteiras terrestres”
(OLIVEIRA, 2008, p. 13).
OS ESPAÇOS DE FRONTEIRA E A CIÊNCIA GEOGRÁFICA
“O Brasil é o país da América Latina que mais faz fronteiras territoriais, ao todo são
dez países que o cercam. Segundo o Ministério da Integração, 11 estados, 588 municípios e
10 milhões de habitantes estão na faixa de fronteira do país” (PEREIRA, 2012, p1.). A
autora ressalta que 27% do território nacional é fronteiriço.
Pereira (2012) faz um alerta sobre a necessidade de expandirmos os estudos sobre
os espaços de fronteira, já que a “[...] fronteira é um lugar de particularidade, pois diferentes
culturas passam a ter um contato intenso e direto e em relações importantes como a judicial,
a comercial e até a familiar” (PEREIRA, 2012, p1.). Para a autora, um dos motivos dos
espaços de fronteiras serem esquecidos pelos governos é que “a grande parte da população
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habita a faixa fronteiriça constitui vilarejos ou pequenos municípios, os quais estão distantes
do poder executivo e legislativo do país” (PEREIRA, 2012, p.2).
Moreira (2006, p.15), em seu livro intitulado “Para onde vai o pensamento
geográfico? por uma epistemologia crítica”, identifica duas escolas alemãs pioneiras nos
estudos geográficos sobre fronteiras: a escola político-estatística e a escola da geografia
pura. A primeira “[...] vê o problema da fronteira a partir do critério dos marcos políticos” e a
segunda “[...] vê a partir do critério dos marcos físicos”.
Atualmente, os espaços de fronteiras ganham novas formas de análise e levam em
conta mais elementos para compreender as principais manifestações que se produzem nos
territórios fronteiriços. Febvre (2000, p.20) já ressaltava a necessidade de encaramos o
significado de fronteira além de limites territoriais:
Deixemos à astúcia de uns, à ingenuidade de outros, a Fronteira Natural: não há senão Fronteiras Humanas. Elas podem ser justas ou injustas, mas não é a natureza quem dita a equidade ou aconselha a violência.
Para Oliveira (2008 p.9) a fronteira pode ser compreendida atualmente como “[...] um
espaço privilegiado para a observação da maneira pela qual as populações de diferentes
Estados se relacionam.”, não apenas sendo representada como uma área periférica do
Estado. O autor compreende que na fronteira se evidenciam:
[...] distinções e semelhanças entre as normas legais e os hábitos culturais de diferentes países. Lá se burlam com maior intensidade as regras sociais tidas como legítimas. Para a fronteira os marginalizados direcionam suas atenções e esforços. Ali estão anunciadas as tendências de transformação das regras do jogo e esforços e estão sendo construídas novas rotas de entrada e saída de pessoas e mercadorias, de forma legal ou não (OLIVEIRA, 2008, p. 9).
A fronteira não é apenas física “[...], mas também linguística, geopolítica e cultural,
entre outros” (PEREIRA, 2012, p.3). Outro pesquisador que apontava em seus estudos
outras características das fronteiras além dos aspectos físicos é Raffestin (1993 apud
OLIVEIRA, 2008 p.16), que compreende estes espaços numa perspectiva político-jurídica,
onde as fronteiras devem ser analisadas segundo as relações de poder que produzem o
território, pois “[...] as delimitações territoriais têm uma íntima relação com as relações de
poder”.
Nos estudos de Hartshorne (1936 apud STEIMAN, 2002, p.6) foi introduzido o “[...]
contexto histórico e cultural da gênese e evolução dos limites internacionais”. Para o autor,
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os limites internacionais possuem relações com as paisagens culturais, que podem ser
classificados a partir dela.
Costa (1992, p.52), é um pesquisador que se dedica aos estudos da Geografia
Política e analisa a fronteira como sendo uma zona, pois assume:
[...] um conteúdo econômico (o incessantemente movimento de mercadorias e bens em geral que circulam amplamente) e político (os territórios sob jurisdição de cada Estado). Pela natureza complexa, as fronteiras constituíram antes de tudo uma “zona viva”, sejam elas “naturais” (quando se identifica com um dos elementos físicos), ou artificiais (linhas formais).
Para Steiman (2002, p.1), são cada vez mais frequentes as fronteiras políticas
internacionais nos estudos acadêmicos, porém “a produção científica sobre o assunto foi
extremamente fecunda na primeira metade do século XX, sobretudo nos momentos
imediatamente anteriores e posteriores às duas grandes guerras mundiais”. Após esse
período a autora ressalta que as pesquisas sobre os espaços de fronteiras “foram relegadas
a um papel secundário do qual só despertara nos anos de 1990, época em que se
propagaram com facilidade discursos sobre o ‘fim’ do Estado Moderno e até da própria
história” (STEIMAN, 2002, p.1).
Steiman (2002, p.2), em sua dissertação de mestrado compreende que a importância
do tema ter resurgido pode ser estruturada em 4 fatores:
[...] a) a abertura dos mercados da América do Sul, pelo interesse cada vez maior de aumentar os fluxos comerciais entre eles; b) pela necessidade de cooperação na resolução de problemas comuns, que transcendem as fronteiras e fogem do escopo de cada soberania nacional, tais como a preservação do meio ambiente; a proteção às culturas e às terras indígenas; o tráfico de drogas, de ouro (e outros minerais) e de eletro-eletrônicos, que se tornou uma questão estratégica em si mesma, mas também por sua associação em alguns casos com movimentos guerrilheiros; c) pela migração transfronteiriça, que coloca em questão os direitos a que tem acesso os estrangeiros que vivem na faixa, bem como as suas diferenças culturais; d) pelas perspectivas de desenvolvimento econômico-social frente a tudo que foi acima colocado.
Como pode-se observar, os estudos expandiram suas análises e já não se
restringem apenas as delimitações territoriais e as instâncias jurídico-políticas. As fronteiras
brasileiras ainda são pouco estudadas além deste contexto, exceto a fronteira entre
Argentina-Paraguai-Brasil que são estudadas por pesquisadores como Rabossi (2004a,
2004b, 2007), Myskiw (2011) e Gregory (2011), além de outros autores que enfatizam
dimensões culturais levando em conta as identidades culturais.
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É comum ouvirmos que as fronteiras do Brasil estão consolidadas. Que a questão fronteiriça está resolvida e que o País se situa entre os territorialmente satisfeitos. Da mesma forma, desde a década de 1990 fala-se muito no senso comum sobre o suposto fim das fronteiras e sobre a construção de uma humanidade sem fronteiras. Essa discussão apresenta forte conteúdo ideológico, o que muitas vezes acaba por ofuscar sua riqueza teórica. Por outro lado, na medida em que avança o processo de integração sul-americana esse debate tende a ser retomado e aprofundado. (OLIVEIRA, 2008, p. 09).
A FRONTEIRA COMO ÁREAS DE CONFLITOS: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Claval (2010) é um geógrafo francês que tem se dedicado aos estudos culturais, que
busca identificar como se constrói as relações sociais a partir da experiência geográfica. Na
segunda parte de seu livro “Terra dos homens” ressalta que “habitar não significa apenas
dispor de um lugar onde se resguardar da sociedade e onde viver sozinho ou em família”
(CLAVAL, 2010, p. 41).
Para Claval (2010, p.40-41), o sentindo de habitar “[...] também é encontrar pessoas,
levar uma vida social [...] Os homens são seres sensíveis: o espaço onde eles evoluem não
lhes parece jamais neutro”. Dessa forma, podemos compreender que a sociedade se
constrói a partir da experiência geográfica do homem, com as relações que se constituem
em um determinado lugar em determinado tempo. O sentido de habitar não se reduz apenas
a um lugar onde a sociedade possa viver, mas expressa a construção de uma vida social,
com identidade e culturas que foram construídas pela sua experiência geográfica e sua
vivência.
O autor expande seus conhecimentos e ressalta “Habitar é se inserir em um
ambiente cujos aspectos físicos e os componentes sociais se tornam familiares. A presença
de todos é ai observada, apreciada, criticada eventualmente” (CLAVAL, 2010, p. 43). Nessa
perspectiva, os espaços de fronteiras têm muito a contribuir para a compreensão das
experiências geográficas, além da construção de identidades humanas e a diversidade
cultural. Os povos que vivem na fronteira se enraízam em um ambiente conflituoso, em que
a nacionalidade muitas vezes perde o sentido enquanto pertencer apenas a um país. As
identidades são outras, os problemas enfrentados e os desafios também.
Claval (2002, p.173-174) traz contribuições profícuas a respeito da construção das
identidades:
As identidades que nascem de uma cultura ou de uma subcultura partilhada não são necessariamente territoriais: muitas vezes elas estão alinhadas sobre a articulação em classes da sociedade. Há momentos em que as diferenças fortemente experimentadas são
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essencialmente de ordem econômica; em outras ela assumem uma base cultural. Porque somos agricultores, soldados ou operários, porque lidamos com os mesmos problemas, descobrimos que formamos um corpo. A consciência de classe, tão cara para os marxistas, tem uma dimensão cultural que eles esqueceram até Gramsci – e depois dele.
Para Maria Helena Martins (2002, p.242) “[...] os laços culturais são profundamente
arraigados, [...] constroem-se passo a passo na covivência, nas esperanças e nas
frustrações cotidianas das comunidades envolvidas”. Já nos espaços de fronteira os laços
culturais “[...] são frutos do esforço de gerações, enfrentando adversidades e cimentando a
integração. Difícil dizer em que grau seus habitantes tem consciência disso”.
Martins (1997) ressalta que a situação de fronteira possui grandes contribuições para
a pesquisa sociológica, porque possui “maior riqueza de possibilidades históricas do que
outras situações sociais. Em grande parte porque mais do que o confronto entre grupos
sociais com interesses conflitivos, agrega a esse conflito também o conflito entre
historicidades desencontradas”. (MARTINS, 1997, p.182).
Martins (1997) salienta que o foco dos estudos sociológicos em relação à fronteira no
Brasil é a situação de conflito social. O autor compreende em seu livro intitulado “Fronteira:
a degradação do outro nos confins do humano” a fronteira como sendo os confins do
humano e um lugar que ocorre a degradação do outro. A história na fronteira no Brasil pode
ser caracterizada tanto como uma história de destruição, mas também de resistência, pela
revolta e pelo protesto dos fronteiriços.
Segundo Martins (1997), a violência e os conflitos só deixam de fazer parte do
cotidiano dos habitantes da fronteira quando os tempos históricos dos diferentes
personagens que compõe o cenário fronteiriço se fundem, “[...] quando a alteridade original
e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna parte antagônica de nós”
(MARTINS, 1997, p. 150).
O estudo das fronteiras na perspectiva de compreender as construções das
identidades e da cultura vai de encontro com a necessidade irmos além dos conflitos que
ocorrem na fronteira, englobando dimensões diferenciadas, entre elas toda a experiência
geográfica do homem. O sociólogo português Santos (1994, p.31) entende a identidade
como identificação em curso:
Sabemos hoje que as identidades culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações
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hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso.
O sentido da experiência geográfica do homem nas análises dos processos
identitários leva a crer que “a identidade territorial não existe nem a priori nem a posteriori à
constituição do território. Pois que, é no movimento de sua constituição, e as permanentes
transformações que vão ocorrendo ao longo da história que define o status ontológico desse
processo” (SOUZA; PEDON, 2007, p.134), bem como foi ressaltado na citação de Santos,
que as identidades culturais não são imutáveis.
Só será possível compreender as diversidades de identidades culturais que os
espaços de fronteira possuem se entendermos as diferentes experiências dos homens nas
fronteiras, seus anseios, sua história de vida e suas lutas. Pois, o desafio dos geógrafos
“esta em considerar a força dos símbolos das imagens, do imaginário para a compreensão
da formação da identidade” (CASTRO, 1997, p.156), esse imaginário associa-se com a sua
relação com seu ambiente, portanto, com a sua experiência geográfica.
A identificação é um processo complexo “responsável pelas várias facetas que o
sujeito vai assumindo desde a sua origem, cuja assimilação formará o conjunto de seu eu”.
(FERRERA, 1999, p.51). Assim, o processo de elaboração da identidade do fronteiriço é a
desindentificação e a reindentificação de forma inconsciente (GREGORY, 2011, p. 26).
Os laços culturais nos espaços de fronteiras são profundamente arraigados e
“constroem-se passo a passo na convivência, nas esperanças e nas frustrações cotidianas
das comunidades envolvidas. Principalmente na fronteira, são frutos do esforço de
gerações, enfrentando adversidades e cimentando a integração” (MARTINS, 2002, p.242).
REFLEXÕES FINAIS
“A fronteira é lugar dos encontros e desencontros, da proximidade e da lonjura, do
conhecido e do desconhecido, da dificuldade e da facilidade, das idas e vindas, dos
perdidos e encontrados, dos bons e dos ruins, do rico e do pobre” (BALLER, 2008, p.162).
Toda a diversidade encontrada na fronteira se complexifica a partir das relações humanas,
que também é diversa e acaba por tecer uma rica história local, de cultura e saberes que
estão substanciados em uma identidade forjada pela vivência na fronteira.
O que se nota, é que os estudos de hoje comprovam que os teóricos antigamente
falavam, de encarar os espaços de fronteira além das dimensões físico-territoriais. Myskiw
(2011) ressalta as diferenças entre aqueles que moram nas fronteiras e aqueles que apenas
estão de passagem por estes espaços fronteiriços. Para o autor “o olhar dos viajantes, na
fronteira esta em busca dos sintomas do atraso e do progresso. Narram os contrastes de
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maneira ampla, quase sempre a partir do ponto de vista de quem os informa e os acolhe”
(MYSKIW, 2011. P.39).
O olhar sobre a identidade e cultura do povo fronteiriço não se reduz a atrasos e
progressos. Os olhares devem atravessar a barreira da racionalidade para que se chegue
aos níveis de compreensão filosófica e da experiência geográfica, que só assim será
possível compreendermos o sentido de quem habita na fronteira, seus laços culturais e
afetivos da terra, que para muitos é prometida.
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