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1 OS EFEITOS DA APELAÇÃO DE SENTENÇA CONCESSIVA DE SEGURANÇA Manaus 2012

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1

OS EFEITOS DA APELAÇÃO DE SENTENÇA CONCESSIVA DE

SEGURANÇA

Manaus

2012

2

RESUMO

A proposta desta tese consiste na demonstração de que, além das hipóteses previstas no art. 14, §

3º, in fine, c/c Art. 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009, a apelação interposta contra sentença que

concedeu a segurança deverá ser recebida no duplo efeito quando a natureza da obrigação não

comportar execução provisória, mas apenas definitiva, sob pena de violação aos princípios do

duplo grau de jurisdição, obrigatório em sede de ação mandamental (art. 14, § 1o), e do acesso

à justiça.

PALAVRAS-CHAVE: mandado de segurança; sentença; apelação; efeito suspensivo; duplo

grau de jurisdição; execução provisória; e acesso à justiça.

3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 4

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 5

2. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 14 DA LEI 12.016/2009 10

3. EXECUÇÃO PROVISÓRIA 11

4. REEXAME NECESSÁRIO 16

5. ACESSO À JUSTIÇA 20

6. INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE ARGUIÇÃO 22

CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 24

4

INTRODUÇÃO

Todos os recursos dispõem do efeito de obstar o trânsito em julgado ou a

preclusão, conforme seja interposto, respectivamente, em face de uma sentença ou de uma

decisão interlocutória. Além desse efeito inerente a todos os recursos, a doutrina reconhece,

de forma unânime, outros dois efeitos, quais sejam, o devolutivo e o suspensivo.

Nesta tese, verificar-se-á que em alguns casos somente o efeito suspensivo do

recurso é capaz de garantir o efeito devolutivo e, por conseguinte, o efeito que obsta a

definitividade da lide discutida em juízo, vale dizer, o próprio trânsito em julgado, aqui

entendido como instituto mais material do que meramente formal.

Quando o ente público é punido com a definitividade da lide antes que o mérito

do seu recurso seja efetivamente julgado por uma segunda instância ocorre violação de muitos

princípios, em especial, do acesso à justiça.

Este trabalho refere-se às ações de mandado de segurança e almeja demonstrar

que além das hipóteses previstas no art. 14, § 3º,, in fine, c/c Art. 7º, § 2º , da Lei 12.016/2009,

a apelação interposta contra sentença que concedeu a segurança deverá ser recebida no duplo

efeito quando a natureza da obrigação não comportar execução provisória, mas apenas

definitiva, sob pena de violação aos princípios do duplo grau de jurisdição, obrigatório em

sede de ação mandamental (art. 14, § 1o), e do acesso à justiça.

Trata-se de tese complementar as já existentes para em determinadas ações

mandamentais requerer, com base na ameaça de violação ao §§ 1º e 3º do art. 14 da Lei

12.016/2009, o efeito suspensivo da apelação contra sentença concessiva, uma vez somente é

permitida a execução provisória e não definitiva, sob pena de restar prejudicado o reexame

necessário.

5

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Conforme ressaltado no intróito desta, o efeito de obstar o trânsito em julgado ou

a preclusão é inerente a todos os recursos da processualista civil. Além desse, a maioria da

doutrina também reconhece os efeitos devolutivo e suspensivo, os quais se referem,

respectivamente, à transferência do exame da matéria impugnada ao órgão jurisdicional

hierarquicamente superior e à produção imediata das consequências e dos resultados da

decisão recorrida.

Diferente do procedimento das ações ordinárias regido pelo Código de Processo

Civil, no mandado de segurança, a apelação que ataca sentença concessiva do pleito do

Impetrante é, em regra, recebida apenas no efeito devolutivo.

A sentença proferida no mandado de segurança é doutrinariamente reconhecida

como injuntiva ou mandamental, encerrando uma ordem expedida contra uma autoridade ou

agente público. Segundo Leonardo Carneiro da Cunha: Dada sua feição mandamental, tal

sentença deve ser executada imediatamente, ainda que desafiada por recurso próprio (...)1

A Lei que atualmente rege a ação mandamental deixa isso relativamente claro no

§3º do seu Art. 14, ao enunciar que concedida a segurança, a sentença poderá ser executada

provisoriamente.

Art. 14

§ 3o A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada

provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.

Diz-se que o dispositivo transcrito é relativamente claro, justamente porque se

buscará, neste trabalho, desenvolver argumentação extensiva das hipóteses de concessão de

efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença concessiva de segurança.

1 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 10ª edição. São Paulo: Dialética, 2012, pág. 559

6

O fato é que atualmente predomina na doutrina o entendimento de que, salvo nos

casos em que vedada a liminar, concedida a segurança, a apelação deve ser recebida apenas

no efeito devolutivo. Vide as palavras de Leonardo Carneiro da Cunha2:

Concedida a segurança, a apelação deve ser recebida apenas no efeito

devolutivo, salvo nos casos em que vedada a liminar em mandado de segurança (cf.

Item 10.4 supra). Em tais hipóteses, vedada a liminar, não se admite execução

provisória, devendo o recurso da apelação ser recebido do duplo efeito (Lei n.

12.016/2009, art. 14, parágrafo 3º). Denegada a segurança, a apelação deve ser

recebida apenas no efeito devolutivo, porquanto “é remansosa a jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recuso de apelação em mandado de

segurança, contra sentença denegatória, possui apenas efeito devolutivo, não tendo

eficácia suspensiva, tendo em vista a auto-executoriedade da decisão proferida no

writ”3

Realmente, o parágrafo 3º do art. 14 da Lei 12.016/2009 estabelece que,

concedida a segurança, a sentença poderá ser executada provisoriamente,

significando dizer que a apelação terá apenas efeito devolutivo, nada dispondo

quanto à hipótese de denegação da segurança. (…) grifos nossos

No mesmo sentido, pronuncia-se Eduardo Sodré4:

Em relação ao recurso voluntário, a sentença proferida em sede de mandado

de segurança desafia apelação, em linha de princípio, desprovida de efeito

suspensivo (art. 14, caput, e § 3º, da Lei nº 12.016/2009). Deve-se notar,

entrementes, que a exegese do §3º do art. 14 c/c §2º do art. 7º, ambos da Lei nº

12.016/2009, impede a execução provisória da sentença mandamental, atribuindo

efeito suspensivo ao apelo, nas hipóteses em que o comando sentencial tenha

determinado “a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens

provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a

concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer

natureza.

2 Ob. cit., pág. 570

3 Nesta parte o Autor faz remissão ao seguinte julgado: Acórdão unânime da 1ª Turma do STJ, EDcl no Ag. 622.012/RJ, rel. Min. José Delgado, j. 3/2/2005, DJ de 21/3/2005, p. 248.

4 DIDIER JR., Fredie (coord). “Mandado de Segurança Individual”. Ações Constitucionais. 5ª edição. Bahia: Editora Jus Podivm, 2011. pág. 145.

7

Realmente, numa análise simplória da Lei 12.016/2009, a apelação somente teria

efeito suspensivo quando a execução da sentença implicasse compensação de créditos

tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou

equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou

pagamento de qualquer natureza (art. 7º, §2º, da Lei n. 12.016/2009).

Esses limites à concessão da liminar já existiam na legislação anterior à vigente. A

vedação para concessão de liminar destinada à liberação de bens e mercadorias de

procedência estrangeira estava prevista na Lei n. 2.770/1956 e a restrição à concessão de

liminares objetivando a reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou à concessão

de aumento ou extensão de vantagens estava prevista nas Leis n. 4.348/1964 e 5.021/1966.

Desde a criação desses limites, a Doutrina e a Jurisprudência entendem que tais

restrições reclamam exegese restritiva5 e vem implementando uma verdadeira mutação dessa

norma, cujo texto apenas transitou de um repositório legal para outro. A norma que veda a

liminar e ao mesmo tempo prevê as hipóteses de deferimento do efeito suspensivo à apelação

contra sentença concessiva, está sendo paulatinamente esvaziada. Vejamos.

O esvaziamento das normas que limitam a concessão de liminar e, por

conseguinte, a execução provisória da sentença concessiva, atualmente previstas no parágrafo

2º do art. 7º da Lei 12.016/2009, começa no próprio julgamento da ADC nº 4, na qual o STF

declarou a constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº. 9.494/97, que fazia remissão à

legislação anterior à Lei 12.016/2009, o qual previa as mesmas restrições em relação à tutela

antecipada em face da Fazenda Pública.

Lei n. 9.494/97

Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código

de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348,

de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966,

e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.

Muito embora o Supremo Tribunal Federal tenha declarado constitucionais as

restrições, o fez de forma circunstancial, ou seja, a vedação da liminar/cautelar/tutela

5 Ob. cit., pág. 240

8

antecipada pode ser constitucional em caso de equiparação de servidores, adiantamentos da

parcelas indenizatórias, compensação tributária e etc, contudo será totalmente

inconstitucional, exempli gratia, no caso de pedido de remédios ou UTI para pessoas

hipossuficientes.

Posteriormente, o STF editou a Súmula 729 para excluir das restrições em

comento as causas previdenciárias: “A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de

tutela em causa de natureza previdenciária”

O STF, ainda, decidiu: que se da liminar concedida surgir efeito financeiro

indireto ou secundário, igualmente não estará sendo afrontada a decisão proferida na ADC 4,

a exemplo de ordens de nomeação de candidato e de reintegração de servidor6; e que se a

decisão concessiva de tutela antecipada se apoiar em entendimento já consolidado no STF

também não ofende o julgamento da ADC 47.

Em face da unificação do sistema de tutelas de urgência, os demais Tribunais

têm aplicado todos esses entendimentos do STF ao parágrafo 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009.

Não se ignora o fato de que o julgamento da ADC 4 refere-se ao artigo 1º da Lei

nº. 9.494/97, que, por sua vez, fazia remissão à legislação anterior8. Tampouco se desconhece

6 Ob. cit., pág. 271, Leonardo Carneiro da Cunha indica os Acórdãos unânimes do Pleno do STF: Rcl-AgR 5.983/PI, rel.

Min. Cezar Peluso, j. 3/12/2008, Dje de 5/2/2009; Rcl-AgR 6.468/SE, rel. Min. Cezar Peluso, j. 3/12/2008, Dje de 5/2/2009; e Rcl 7.402 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 9/12/2010, Dje-026 de 8/2/2011.

7 Acórdãos unânimes do Pleno do STF: Rcl-AgR 5.163/CE, rel. Min. Cezar Peluso, j. 27/11/2008, Dje de 6/2/2009; Rcl-AgR 4.628/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 27/11/2008, Dje de 5/2/2009

8 Lei 4.348/1964

Art. 5º Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença.

Art. 7º O recurso voluntário ou "ex officio", interposto de decisão concessiva de mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.

Lei n. 5.021/66

Art. 1º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.

§ 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.

9

que o texto da Lei 12.016/2009 é mais abrangente. Vide o alerta de Leonardo Carneiro da

Cunha9:

A Lei nº 12.016/2009 contém previsão mais ampla, proibindo, no mandado

de segurança, a concessão de liminar que imponha o pagamento de qualquer

natureza, aí inclusa, evidentemente, qualquer vantagem previdenciária. Ademais, a

Lei nº 12.016/2009 é posterior à edição daquela Súmula 729 do STF, de forma a ser

afastada a aplicação de tal enunciado sumular em favor da norma legal. Vale dizer

que o parágrafo 2º do art. 7º da Lei nº 12.016/2009 veda expressamente a concessão

de medida liminar em mandado de segurança, para pagamento de vantagem de

qualquer natureza. E, nos termos do parágrafo 5 do art. 7 da Lei 12016/2009, tais

vedações estendem-se para os casos de tutela antecipada previstos nos arts. 273 e

461 do CPC.

A despeito dessas ponderações, o fato é que os Tribunais têm balizado a

interpretação do parágrafo 2º do art. 7º da Lei nº 12.016/2009 pelos entendimentos do

Supremo Tribunal Federal relativos à ADC n. 4.

Dentre outros motivos, esse esvaziamento do parágrafo 2º do art. 7º da Lei nº

12.016/2009 tem feito com que a advocacia pública busque outros fundamentos para requerer

que a apelação seja recebida no duplo efeito.

Com esse intuito, buscam-se fundamentos fora da lei do Mandado de Segurança,

uma vez que o ordenamento jurídico é um sistema, cujas normas, obedecidas as regras de

hermenêutica, comunicam-se.

Nesse sentido, fora das hipóteses do parágrafo 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009,

para conseguir o efeito suspensivo à apelação contra sentença concessiva, tem-se alegado,

tanto nas próprias razões da apelação como em sede de agravo de instrumento, periculum in

mora inverso, violação ao art. 520, caput, do CPC.

Concomitante a esse movimento da advocacia pública, o próprio legislador,

buscando conciliar a sumariedade do procedimento do mandado de segurança com a

necessidade de retirar a eficácia de sentenças que trazem grandes prejuízos aos entes públicos,

estendeu o cabimento do pedido de suspensão aos efeitos das sentenças.

9 Ob. cit., pág. 270

10

Foi a regra da execução provisória da sentença concessiva que fez com que o

legislador permitisse, nos termos do art. 15 da Lei 12.016/2009, o pedido de suspensão dos

efeitos das sentenças e não apenas das liminares.

Dessa forma, fora do âmbito do agravo de instrumento, tem-se o pedido de

suspensão de segurança, cujo cabimento, todavia, é limitado às hipóteses em que a execução

da sentença acarreta grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

A tese aqui oferecida tanto pode ser complementar aos argumentos já utilizados,

como pode ser utilizada sozinha, nos casos em que não seja possível alegar violação ao art. 7º,

§2º, da Lei nº 12.016/2009, ao periculum in mora inverso (art. 273, §2º, CPC ) ou ao art. 520,

CPC.

Dado o caráter especial do procedimento da ação de mandado de segurança,

regido por lei específica, o pedido de duplo efeito à apelação, interposta contra sentença

concessiva, com fundamento apenas na violação ao art. 520 do CPC mostra-se frágil e de

difícil provimento.

Ressalte-se que esta tese assemelha-se em alguns pontos ao argumento do

periculum in mora inverso, contudo se diferencia dele na medida em que se alicerça na

interpretação sistemática de dispositivos da própria Lei 12.016/2009.

2. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 14 DA LEI 12.016/2009

A interpretação de um dispositivo legal deve ser realizada com base em toda a

norma ou no conjunto de normas em que ele se encontra inserido. Trata-se da interpretação

sistemática, a qual, segundo Reis Friede10, tem o propósito de resolver eventuais conflitos de

normas jurídicas, examinando-a sob a ótica de sua localização junto ao direito que tutela.

O resultado da interpretação somente é válido se restar preservado o sentido e a

utilidade dos demais dispositivos, desde que sejam todos contemporâneos. Dessa forma, os

mandamentos de uma lei devem ser analisados de forma integrada e não isoladamente,

evitando, assim, contradições.

10 D FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2002, pág. 163.

11

Se um dispositivo possuir uma pluralidade de sentidos, irá prevalecer aquele que

preserve a eficácia dos demais.

Essas premissas devem ser aplicadas na interpretação da Lei 12.016/2009, para

solucionar o problema relativo à perda do objeto da apelação em virtude do cumprimento

involuntário da obrigação constante da sentença.

Inobservadas essas regras de hermenêuticas, o § 3º do art. 14 da Lei 12.016/2009,

que prever a execução provisória da sentença concessiva, pode retirar totalmente a eficácia do

§1º, que, por sua vez, prever o duplo grau de jurisdição, certo que não raro o cumprimento da

obrigação inserta em uma sentença concessiva encerra, materialmente, a demanda.

Dessa forma, se é possível pela própria redação do § 3º do art. 14 da Lei

12.016/2009, que prever execução provisória e não definitiva, extrair que não sendo o caso de

execução provisória, deve o recurso de apelação ser recebido no efeito devolutivo e

suspensivo, essa é a interpretação mais coerente.

3. EXECUÇÃO PROVISÓRIA

No processo sincrético, em que a execução não é um processo, mas uma fase, diz-

se, na Doutrina, que a ação é mandamental, se a execução for indireta, ou executiva em

sentido amplo, se a execução for direta. A execução indireta ocorre com a participação do réu

e a direta sem a sua participação.

Em regra, a execução provisória e a definitiva são diferenciadas: i) por um aspecto

formal consistente na espécie do título executivo, uma vez que o suporte da primeira é uma

decisão judicial precária e o da segunda é uma sentença com trânsito em julgado ou um título

extrajudicial; e ii) e um aspecto material referente à possibilidade de ocorrência de todos os

atos de expropriação.

Os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni consignados no artigo Mandado de

Segurança. Execução Provisória são importantes para compreensão da tese aqui defendida11:

11 MARINONI, Luiz Guilherme. Mandado de Segurança – Execução Provisória. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 543,

jan/1981, p. 25 e 26

12

O tempo é inimigo do processo e o seu decurso destempera a boa qualidade

do provimento jurisdicional, quando a demora deste traz prejuízos, sofrimentos,

ansiedades e quando, quantas vezes, o provimento tardo acaba por se tornar

dispensável ou, quiçá, inútil. Por isso é que o Direito Processual, em sua disciplina

positiva e na interpretação correta que se espera dos Tribunais e demais

destinatários, há de ser um sistema equilibrado entre dois ideais: de um lado, o zelo

pela perfeição e boa qualidade dos resultados do processo; de outro, a preocupação

pela celeridade. Não importa que , em nome desta, algum risco se corra de

imperfeição na prestação jurisdicional, desde que o sistema ofereça, em

compensação, meios idôneos para a correção de eventuais erros. As normas

processuais hão de equilibrar adequadamente a exigência de certeza com o

risco de errar, contentando-se, às vezes, com a mera probabilidade da

ocorrência de certos fatos ou da existência de um direito, para que se possa

sempre extrair do processo o melhor resultado útil possível. É assim que o bom

instrumento deve servir aos fins a que se destina.

Nesse quadro é que situam as normas institucionalizadoras da execução

provisória, complexo de medidas autorizadas segundo um critério de mera

probabilidade (e não de certeza) da existência do direito declarado em sentença

pendente de recurso (e justificadas, às vezes, também por um critério axiológico

fundado na natureza do direito) sem que tenha o Poder Judiciário proferido sua

última palavra sobre esse direito e sob o risco de vir a ser este depois declarado

inexistente, autoriza-se, mesmo assim, a agressão executiva ao patrimônio do

(aparente) devedor, com a consciência de que tudo poderá ser desfeito mais

tarde, no caso de provido o recurso e responsabilizado o exeqüente pelos danos

acaso sofridos injustamente pelo adversário (CPC, art. 588, I e III). (grifo

nosso).

O objeto próprio da ação mandamental é a invalidação de atos de autoridades

ofensivos de direito individual líquido e certo. A execução de um pedido feito em sede de

mandado de segurança desencadeia meios de coação e não meios de sub-rogação. Essas

características fazem com que não seja possível a aplicação desses institutos (execução

provisória e definitiva) com o mesmo formato das ações ordinárias.

Além disso, o efeito financeiro da ação mandamental pode não existir, e quando

existente ostenta feição secundária, de modo que o aspecto material que diferencia as espécies

de execução, consistente na possibilidade de ocorrência de todos os atos de expropriação,

sofre adaptações.

13

Dessa forma, para averiguar se é possível a execução provisória na ação

mandamental deve-se verificar sempre se é possível o retorno ao statu quo ante e o que resta a

fazer, quando ocorre a reforma da sentença concessiva.

Perceba-se que pelas próprias características da ação mandamental, na maioria

dos casos, a prestação de caução para garantir o executado não é exigível ou é inócua e de

nenhuma relevância.

Mesmo nos casos em que o efeito financeiro se faz presente, sendo o principal

intento do Impetrante, há muito tempo a Doutrina vem afirmando a inexigência de

contracautelas processuais, como a caução. É o caso deste trecho do já mencionado artigo de

Luiz Guilherme Marinoni, publicado na RT 543, de janeiro de 198112:

A “execução” do mandado de segurança é, na maior parte dos casos

destinada à realização de uma obrigação de fazer, como é no caso concreto. Nem por

isso ela se faz, todavia, mediante as formas ditadas pelo Código de Processo Civil

para a execução das obrigações de fazer (arts. 632-641) (…)

Ora, a natureza do mandado de segurança e o papel que lhe cumpre

representar no cenário das instituições jurídicas e políticas do Pais estão a indicar

que a exigência de caução, se não pode ser “a priori” descartada, ao menos haverá

de sofrer algumas limitações (havendo em doutrina quem a exclua por completo,

com respeitáveis fundamentos).

A execução provisória foi estendida à sentença concessiva da segurança pela Lei

n. 6.071/1974 e a legislação atual também a prever. Entretanto, em regra, ela não se processa

da forma prevista no art. 475-O do CPC.

Nesse sentido, transcreve-se parte das considerações sobre o tema execução

provisória contidos na obra Mandado de Segurança e Ações Constitucionais13:

A Lei n. 12.016/2009, em seu art. 14, §3, trata da possibilidade de se executar

provisoriamente a sentença que conceder a segurança, ressalvando os casos em que

é vedada a concessão da liminar. Daí não se pode concluir que essa provisoriedade

exija a caução e a carta de sentença referidas no art. 588 do CPC. E assim já

decidiu, pois se liminar normalmente é executada independentemente desses

12 Ob. cit., pág. 33 13 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações

Constitucionais. 32ª edição. Com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Malheiros, 2009, pág. 111 e 112

14

requisitos, ilógico seria exigi-los para execução da decisão do mérito, ainda que

sujeita a recurso.

Atualmente, no que tange à execução provisória da sentença concessiva da

segurança, o entendimento prevalecente é o de que não são disponibilizadas contracautelas e,

mesmo com a reforma da sentença, em alguns casos é negado o direito de ressarcimento à

Fazenda Pública.

É o caso da execução provisória de benefício previdenciário, que, a despeito de

representar o pagamento vedado pelo §2º do art. 7º da Lei 12.016/2009, vem ocorrendo com

amparo na Súmula 729 do STF. Nesses casos, mesmo sobrevindo reforma da sentença, o

Poder Judiciário não tem permitido o ressarcimento do erário.

Nas palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha14:

A partir do julgamento proferido por sua 3ª Seção, no Recurso Especial

991.030/RS, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que a necessidade de

retorno ao statu quo ante não se aplicaria às demandas previdenciárias.

Após esse precedente, essa orientação tem prevalecido no STJ e nas instâncias

inferiores.

Ressalte-se, ainda, que restam pacíficos estes dois entendimentos dessa Corte

Superior: Não é necessário caução para execução provisória de crédito de natureza

alimentar15; incabível a restituição de valores indevidamente pagos, quando as vantagens

percebidas possuem natureza alimentar, pelo que se afigura a irrepetibilidade desses

pagamentos.16

A depender da obrigação, a inexigência de caução, corrobora para a perda do

objeto da apelação recebida sem efeito suspensivo.

14 Ob. cit., pág. 267 15 AgRg no REsp 507974/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ

19/06/2006 p. 210: “É pacífico o entendimento nesta Corte no sentido de que não é necessário caução para execução provisória de crédito de natureza alimentar”

16 AGRESP 200300023924, Rel. Ministro OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, Julgado em 11/12/2009, DJE DATA: 01/02/2010.: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. IRREPETIBILIDADE. 1. Na forma dos precedentes desta Corte, incabível a restituição de valores indevidamente recebidos por força de erro no cálculo, quando presente a boa-fé do segurado. 2. Somado a tal condição, há de ser considerado que as vantagens percebidas pelo segurado possuem natureza alimentar, pelo que se afigura a irrepetibilidade desses importes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

15

Em casos como esse em que o direito à restituição é ignorado e, ainda, nos casos

em que cumprida a obrigação de fazer determinada na sentença não é possível o retorno ao

estado anterior das coisas, a negativa de efeito suspensivo à apelação e, consequentemente, a

execução provisória das sentenças concessivas, perdem seu principal suporte, pois, conforme

bem frisado por Luiz Guilherme Marinoni, em trecho, citado e grifado, de seu multicitado

artigo, é possível acelerar o processo, desde que o sistema ofereça, em compensação, meios

idôneos para a correção de eventuais erros.

O entendimento segundo o qual a sentença concessiva da segurança repele o

efeito suspensivo de qualquer recurso, independentemente do caso concreto, privilegia o

impetrante de forma incondicional, partindo do princípio de que ele sempre teria razão.

Ocorre que são inúmeros os casos em que não assiste razão ao impetrante e o ato

impugnado é legal e, mesmo assim, a segurança é concedida na primeira instância. Basta

considerar essa possibilidade, que nada tem de remota, para verificar a injustiça desse

entendimento, que vem propiciando a execução de decisões não transitadas em julgada, que

dão o direito a quem não o titulariza.

Voltando aos ensinamentos de Marinoni, acima citados, o rumo que a

Jurisprudência tem traçado, em relação à ação de mandado de segurança, para os efeitos da

apelação, a execução provisória e a possibilidade de correção do erro judicial, não estão

equilibrando adequadamente a exigência de certeza com o risco de errar.

Citem-se os casos de benefícios previdenciários não vitalícios, em que se paga todas as

prestações na pendência de recurso que é posteriormente julgado prejudicado, em face de todas as

prestações já terem sido pagas e do entendimento da irrepetibilidade da verba de natureza alimentar.

Nesses casos, o pagamento de tais verbas, que não serão restituídas, na hipótese de reforma da

sentença, deve depender da comprovação de que o Impetrante não dispõe de qualquer outra fonte de

renda.

Podemos citar, ainda, obrigações de fazer relacionadas a cirurgias eletivas de alto custo,

de eficiência não comprovada, não disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde, que oferece

tratamento alternativo. Obviamente, quando se trata de procedimento que envolva tratamento de saúde

urgente de pessoa hipossuficiente, não se verifica hipótese de dano ao Poder Público, pois o dever do

Estado de promover o direito à saúde é inquestionável.

A solução está em um Judiciário mais célere e não na retirada de garantias do adversário

do impetrante.

16

4. REEXAME NECESSÁRIO

O § 1o do art. 14 da Lei 12.016/2009 estabelece que, concedida a segurança, a

sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

O princípio do duplo grau de jurisdição possibilita à parte submeter matéria já

apreciada e decidida a novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior.

Quando o tema é a natureza constitucional do princípio do duplo grau de

jurisdição não existe consenso na doutrina brasileira.

A doutrina que nega a natureza constitucional do princípio ora debatido chama

atenção para o fato de que o inciso LV do art. 5º não menciona expressamente o principio do

duplo grau de jurisdição, mas sim os instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa,

razão esta que vem levando uma grande corrente doutrinária a defender a tese de que o

referido princípio não está erguido à categoria dos princípios constitucionais. Luiz Guilherme

Marinoni defende essa tese.

Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier entendem pelo caráter

constitucional:

(...) Sem embargo de não vir expresso no texto constitucional, o princípio do

duplo grau de jurisdição é considerado de caráter constitucional em virtude de estar

umbilicalmente ligado à moderna noção de Estado de Direito, entretanto advertem

que o princípio, conquanto de cunho constitucional, comporta limitações, cujo

exemplo está no § 3º do artigo 515, do CPC, que permite ao Tribunal, no julgamento

de apelação interposta contra sentença terminativa, conhecer diretamente do mérito,

dês que a causa verse exclusivamente sobre questão de direito e esteja pronta para

julgamento; nesse caso mesmo não havendo apreciação da matéria meritória pelo

primeiro grau, é permitido que o órgão ad quem análise o mérito, intocado por

aquele17.

Diversas leis infraconstitucionais estabelecem o duplo grau de jurisdição

obrigatório. Dessa obrigatoriedade surge o reexame necessário, também denominado de

remessa oficial e recurso ex officio.

17 WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código

de Processo Civil. 2ª edição. São Paulo: RT, 2002, p. 140.

17

O art. 475 do CPC dispõe que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não

produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida

contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e

fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à

execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

Nesses casos, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não

apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

Os parágrafos 2º e 3º do art. 475 do CPC, respectivamente, ressalvam que não se

aplica o disposto no caput do artigo sempre que: a condenação, ou o direito controvertido, for

de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de

procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor; a

sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em

súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

Nos termos do mencionado artigo do CPC, o reexame necessário constitui

exigência da lei para dar eficácia às sentenças nele mencionadas. Consiste na necessidade de

que tais sentenças sejam confirmadas pelo Tribunal ainda que não tenha havido nenhum

recurso interposto pelas partes. Assim, enquanto não sujeito ao reexame necessário, tais

sentenças não poderão ser executadas.

Com a palavra Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart18:

Como é evidente, diante do disposto no art. 475, caput e §1º, a sentença, nas

situações acima narradas, não produz efeito senão depois de confirmada pelo

tribunal, pouco importando a ausência de recurso de apelação. Se o recurso não é

interposto, o juiz deve ordenar a remessa dos autos ao tribunal, ou, em caso

negativo, o tribunal deve avocá-los.

Portanto, a hipótese contida na norma que acaba de ser transcrita nada tem a

ver com recurso. Trata-se de condição para eficácia da sentença. Ou melhor, a

norma deixa claro que, em certos casos, a sentença – embora válida – não produz

efeitos senão depois de confirmada pelo tribunal. (grifo nosso).

18 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, V. 2, Processo de Conhecimento. 9ª

edição. São Paulo: RT, 2011, pág. 623.

18

Relembradas as características do duplo grau de jurisdição e do reexame

necessário, volta-se ao § 1o do art. 14 da Lei 12.016/2009, que estabelece que, concedida a

segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição, e se

verifica que o disposto nesse parágrafo aparentemente conflita com os mandamentos do §3º

do mesmo artigo, uma vez que este prescreve que a sentença concessiva pode ser executada

provisoriamente. Explica-se.

Se o duplo grau de jurisdição obrigatório, invariavelmente, resulta na aplicação do

reexame necessário e este não é recurso, mas uma condição de eficácia da sentença, como

pode a sentença concessiva da segurança ser ao mesmo tempo objeto de reexame necessário e

de execução provisória?

O conflito é apenas aparente, certo que, aplicando as normas de hermenêutica

debatidas alhures - o dispositivo de uma determinada lei deve ser interpretado de modo a não

retirar a eficácia dos demais, conclui-se que o reexame necessário do mandado de segurança

não tem os mesmos contornos do reexame necessário do CPC. Assim se afirma porque a

aplicação dos mesmos conceitos e efeitos do art. 475 do CPC ao §1º do art. 14 da Lei

12.016/2009 resultaria em negativa de eficácia ao §3º desse dispositivo. Daí concluir-se que o

exercício do duplo grau de jurisdição obrigatório no mandado de segurança, em regra, não

impede o cumprimento da sentença concessiva, apenas impede o trânsito em julgado.

Por outro lado, existem causas que por sua própria natureza não comportam

execução provisória, mas apenas definitiva, de modo que se a sentença concessiva for

imediatamente executada, tanto o recurso de apelação como o reexame necessário perderão

seu objeto.

Nesses casos, pelo mesmo motivo acima comentado – interpretação sistemática

para evitar que uma disposição negue vigência a outra que lhe é contemporânea e pertence à

mesma lei - é óbvio que o disposto no §3º do art. 14 deve ceder ao disposto no §1º do mesmo

artigo. Considerando que o duplo grau de jurisdição é obrigatório nas ações de mandado de

segurança, a imediata execução da sentença concessiva ofende de forma direta o §1º do art.

14, mas este não ofende o §3º, uma vez que este fala em execução provisória e não definitiva.

Na jurisprudência prevalece o entendimento de que o duplo grau de jurisdição na

ação mandamental não comporta exceção: não importa a condição da parte que ocupa o polo

19

passivo da demanda19; tampouco se aplica as restrições previstas nos parágrafos 2º e 3º do art.

475 do CPC.

Sobre o tema, Leonardo Carneiro da Cunha leciona em seu magistério20:

No mandado de segurança, haverá reexame necessário, não porque a sentença

foi proferida contra a União, o Estado, o Município, o Distrito Federal ou qualquer

outro ente público, mas porque se trata de sentença concessiva da segurança.

Concedida a segurança, ainda que se trate de sentença contra empresa pública ou

sociedade de economia mista, haverá o reexame necessário.

Quanto à aplicação das restrições previstas nos parágrafos 2º e 3º do art. 475 do

CPC, o referido autor não concorda com a Jurisprudência firmada no âmbito do STJ, segundo

a qual essas hipóteses não se aplicam ao processo do mandado de segurança.

De forma correta a Corte Superior de Justiça entende que o mandado de segurança

é regido por legislação especial, aplicando-se as regras do CPC apenas subsidiariamente, ou

seja, quando houver omissão na lei de regência. Como a Lei nº 12.016/2009 estabelece o

reexame necessário sem qualquer hipótese de dispensa não se aplicaria o CPC no particular,

prevalecendo a norma especial frente a geral.

Nesse sentido os seguintes Acórdãos unânimes do STJ: da 1ª Turma: REsp

739.684/PR, rel. Min. Francisco Falcão, j. 5/12/2006, DJ de 1/2/2007, p. 404; da 2ª Turma:

REsp 604.050/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 24/5/2005, DJ de 1/7/2005, p. 471; REsp

655.958/SP, rel. Min. Castro Meira j. 9/4/2004, DJ de 14/2/2005, p.185; da 5ª Turma: Edcl no

REsp 575.649/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 12/4/2005, DJ de 1/7/2005, p. 597; REsp

684.356/SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 26/4/2005, DJ de 23/5/2005, p. 336; REsp

619.074/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 28/9/2004, DJ de 8/11/2004, p. 281.

Ao julgar, em 15/10/2008, o EREsp 654.837/SP, a Corte Especial do STJ exarou

Acórdão unânime, com a seguinte ementa, da relatoria do Min. Hamilton Carvalhido,

confirmando esse entendimento:

19 Nesse sentido os seguintes Acórdãos Unânime da 5ª Turma do STJ: REsp 278.047/PR, rel. Min. Felix Fischer, j.

13/3/2002, DJ de 8/4/2002, p. 263; REsp 254.063/PR, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 13/3/2002, DJ de 29/4/2002, p. 274.

20 Ob. cit., pág. 555

20

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE

SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475,

PARÁGRAFO 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM FACE DA ESPECIALIDADE

DA REGRA DO ARTIGO 12 DA LEI Nº 1.533/51.

1. A regra especial do artigo 12, parágrafo único, da Lei 1.533/51, que submete ao reexame necessário as decisões concessivas de mandado de segurança, afasta a incidência do disposto no artigo 475, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 10.352/01. 2. Precedente da Corte Especial. 3. Embargos de divergência acolhidos.

Isso posto, demonstrado que o reexame necessário da sentença concessiva do

mandado de segurança não comporta exceção, deve o Juízo a quo receber a apelação também

no efeito suspensivo ou o Tribunal, em sede de agravo de instrumento, concedê-lo, quando

houver perigo de perda do objeto recursal, sob pena do Poder Judiciário incidir em verdadeira

deslealdade processual, na medida em que é desleal o Judiciário que nega o efeito suspensivo

ao recurso de apelação, permitindo a execução da sentença, e posteriormente julga

prejudicados, por falta de objeto, o reexame necessário e o recurso de apelação.

Tudo em conformidade com o próprio §3º do art. 14 da Lei 12.016/2009, que

autoriza a execução provisória e não a definitiva.

5. ACESSO À JUSTIÇA

A tese aqui defendida é no sentido de que se a execução da sentença concessiva

da segurança acarretar perda do objeto da apelação e da remessa oficial, o recebimento do

referido recurso voluntário apenas no efeito devolutivo nega vigência ao art. 14, § 1º, segundo

o qual, concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de

jurisdição.

Trata-se de aplicação de um dos princípios mais básicos do direito: princípio do

acesso à Justiça.

As hipóteses impeditivas da execução provisória, expressamente previstas no art.

7º, informam casos em que o legislador entendeu que não se fariam presentes os requisitos

para a concessão da liminar, ou porque esta seria irreversível ou porque ausente o periculum

in mora. Com a palavra Leonardo Carneiro da Cunha:

21

(…) O legislador, em exame prévio, já descartou a possibilidade de

concessão de liminar para situações em que não se revela presente o risco de dano

de grave lesão ou de difícil reparação. Se o servidor público, por exemplo, pretende

obter vantagem que agregue valores a seus vencimentos, não há, evidentemente,

qualquer periculum in mora. Os demais casos não são igualmente admitidos, ou

porque ausente a situação de perigo, ou porque a medida se revela irreversível.21

Ocorre que a existência de previsão legal não pode ser um impeditivo para

aplicação do efeito suspensivo a outros casos igualmente irreversíveis, mas que não foram

relacionados pelo legislador, em face da impossibilidade material deste prever todas as causas

que não comportam execução provisória, mas somente definitiva.

Caso a jurisprudência adotasse o entendimento aqui defendido, não seria a

primeira, nem a última vez, que por medida de acesso à Justiça, o Poder Judiciário procederia

interpretação da lei conforme as circunstâncias do caso concreto, de modo a não permitir que

a aplicação dela resulte numa inconstitucionalidade circunstancial.

A inconstitucionalidade circunstancial ocorre quando um enunciado, que na

maioria das vezes é válido, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias concretas

produz uma norma inconstitucional.

Foi o que ocorreu com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que sucedeu

o julgamento da ADC 4, uma vez que após declarar constitucional o art. 1º da Lei 9.494/1997,

o STF vem conferindo interpretação restritiva ao referido dispositivo, diminuindo seu alcance

para negar reclamações constitucionais em algumas hipóteses em que lhe pareceu cabível a

liminar, mesmo para o pagamento de soma em dinheiro.

Em cada caso concreto, para se alcançar a justiça, deve haver uma ponderação de

interesses. O Poder Judiciário não pode simplesmente aplicar o dispositivo legal que permite a

execução da sentença concessiva sem verificar qual das partes, apelante ou apelado, terá mais

prejuízo com o cumprimento imediato ou não da sentença.

Se o direito do impetrante pode ser plenamente exercido após o trânsito em

julgado e, por outro lado, a execução da sentença concessiva prejudicará o próprio direito do

apelante demonstrar que a sentença deve ser reformada, é possível, com base nos próprios

dispositivos da Lei nº 12.016/2009 (art. 14, §§ 1º e 3º), tanto ao magistrado, quanto ao

21 Ob. cit., pág. 239

22

Tribunal, ao julgar o agravo de instrumento interposto contra a decisão de primeiro grau que

recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo, dar o pretendido efeito suspensivo.

Não se discute que haverá hipóteses em que o exercício de ponderação dos

interesses, revelará que o do apelado deve ser preservado em detrimento do interesse do

apelante. O que se requer é que o magistrado se proponha a verificar qual interesse deve

prevalecer, sob pena de se instaurar a ditadura do suposto direito líquido e certo, oferecendo-

se, aqui, os fundamentos principiológicos e legais para uma decisão justa.

6. INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE ARGUIÇÃO

Quando se verificar que as circunstâncias do caso concreto se amoldam aos

requisitos desta tese, esta pode ser arguida no próprio recurso de apelação, na parte

direcionada ao juízo de primeiro grau.

Não logrando êxito, as razões podem ser submetidas ao Tribunal por meio da

interposição de agravo de instrumento, com fulcro no art. 522 do CPC, que permite a

interposição do citado recurso nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

Embora este julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região não tenha

fundamentado a concessão do efeito suspensivo nos princípios e dispositivos legais aqui

propostos, transcreve-se a sua ementa para demonstrar o cabimento do agravo de instrumento

e para que se verifique que suas razões de decidir demonstram a viabilidade dos argumentos

aqui expendidos, na medida em que o TRF da 2ª Região assumiu a postura aqui reclamada de

ponderação dos interesses do apelante e do apelado.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO.

SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM. FUNDAMENTAÇÃO RELEVANTE.

1. A disposição da Lei nº 1.533/51, segundo a qual a sentença concessória da ordem

possui eficácia imediata e pode “ser executada provisoriamente” (art. 12, parágrafo

único), vem sendo temperada para permitir a atribuição de efeito suspensivo à

apelação, nos casos em que a execução provisória da sentença possa acarretar danos

de difícil ou impossível reparação.

2. No caso dos autos, entendo que ocorrem os requisitos autorizadores da atribuição

excepcional de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto em face da

sentença concessiva da ordem.

(...)

23

5. Sem embargo, há situações excepcionais que autorizam o recebimento da

apelação também com efeito suspensivo, tais como a possibilidade de configuração

de grave dano. 6. Precedentes do STJ. 7. A execução provisória da sentença pode

causar graves danos irreparáveis ou de difícil reparação, caso a sentença venha a ser

reformada. A existência do elevado risco inerente à execução provisória da sentença

autoriza a concessão de efeito suspensivo à apelação. 8. Agravo de instrumento

provido. Agravo interno prejudicado.

(AG 200702010058359, Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, TRF2

- QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::16/02/2009 - Página::122.)

Considerando o teor desse julgado, aproveita-se para ressaltar que esta tese assemelha-

se em alguns pontos aos já conhecidos argumentos do grave dano irreparável ou de difícil

reparação e do periculum in mora inverso, contudo se diferencia deles porque se alicerça na

interpretação sistemática de dispositivos da própria Lei 12.016/2009 (§§ 1º e 3º do art. 14).

24

CONCLUSÃO

Considerando tudo que foi aqui arrazoado, as conclusões extraídas são as

seguintes:

1. Nos dias atuais, tem prevalecido o entendimento segundo o qual a sentença

concessiva da segurança, em regra, repele o efeito suspensivo de qualquer

recurso. Nesse sentido, as restrições à execução provisória expressamente

previstas na Lei 12.016/2009 (§2º do art. 7º) vem sendo paulatinamente

mitigadas.

2. A interpretação de um dispositivo legal deve ser realizada de forma

sistemática, com base em toda a norma ou no conjunto de normas em que ele

se encontra inserido. O resultado da interpretação somente é válido se restar

preservado o sentido e a utilidade dos demais dispositivos, desde que sejam

todos contemporâneos. Dessa forma, os mandamentos de uma lei devem ser

analisados de forma integrada e não isoladamente, evitando, assim,

contradições. Se um dispositivo possuir uma pluralidade de sentidos, irá

prevalecer aquele que preserve a eficácia dos demais.

3. Não observadas essas regras de hermenêuticas, o §3º do art. 14 da Lei

12.016/2009, que prever a execução provisória da sentença concessiva, pode

retirar totalmente a eficácia do §1º, que, por sua vez, prever o duplo grau de

jurisdição, certo que não raro o cumprimento da obrigação inserta em uma

sentença concessiva encerra, materialmente, a demanda, fazendo com que o

recurso de apelação e a remessa oficial percam o seu objeto.

4. Da própria redação do §3 do art. 14 da Lei 12.016/2009, que prever execução

provisória e não definitiva, extrair-se que, não sendo o caso de execução

provisória, deve o recurso de apelação ser recebido no efeito devolutivo e

suspensivo, essa é a interpretação mais coerente.

5. Para averiguar se, no caso concreto, a sentença concessiva comporta execução

provisória deve-se verificar se é possível o retorno ao statu quo ante e o que

restará a fazer na hipótese da sentença ser reformada.

25

6. Prevalece o entendimento de que o duplo grau de jurisdição na ação

mandamental não comporta exceção: não importa a condição da parte que

ocupa o polo passivo da demanda; tampouco se aplica as restrições previstas

nos parágrafos 2º e 3º do art. 475 do CPC.

7. Em cada caso concreto, para respeitar o princípio do acesso à Justiça, deve

haver uma ponderação de interesses. O Poder Judiciário não pode

simplesmente aplicar o dispositivo legal que permite a execução da sentença

concessiva sem verificar qual das partes, apelante ou apelado, terá mais

prejuízo com o cumprimento imediato ou não da sentença.

8. Se o direito do impetrante pode ser plenamente exercido após o trânsito em

julgado e, por outro lado, a execução da sentença concessiva prejudicará o

próprio direito do apelante demonstrar que a sentença deve ser reformada, é

possível, com base nos próprios dispositivos da Lei nº 12.016/2009 (art. 14, §§

1º e 3º), tanto ao magistrado, quanto ao Tribunal, ao julgar o agravo de

instrumento interposto contra a decisão de primeiro grau que recebeu a

apelação apenas no efeito devolutivo, dar o pretendido efeito suspensivo.

9. Haverá hipóteses em que o exercício de ponderação dos interesses, revelará

que o do apelado deve ser preservado em detrimento do interesse do apelante.

10. O movimento que privilegia o Impetrante de forma incondicional, partindo do

princípio de que ele sempre tem razão requer um contramovimento que

retome o equilíbrio, certo que são inúmeros os casos em que não assiste razão

ao impetrante e o ato impugnado é legal e, mesmo assim, a segurança é

concedida na primeira instância.

11. Nas ações mandamentais, não raro somente o efeito suspensivo do recurso de

apelação é capaz de garantir o efeito devolutivo e, por conseguinte, o efeito

que obsta a definitividade da lide discutida em juízo.

12. Nessas hipóteses, o magistrado e o Tribunal são obrigados a exercitar um

juízo de ponderação de interesses, para verificar: se é justo punir o ente

público com a definitividade da lide antes que o mérito do seu recurso seja

efetivamente julgado; se o adimplemento definitivo do suposto direito do

impetrante realmente justifica a violação aos princípios do duplo grau de

26

jurisdição, obrigatório em sede de ação mandamental (art. 14, §1º), e do

acesso à justiça.

13. Verificadas que as circunstâncias do caso concreto se amoldam aos requisitos

desta tese, esta pode ser arguida no próprio recurso de apelação, na parte

direcionada ao Juízo de primeiro grau. Não logrando êxito, as razões podem

ser submetidas ao Tribunal por meio da interposição de agravo de

instrumento, com fulcro no art. 522 do CPC, que permite a interposição do

citado recurso nos casos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.