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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
¹Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná
²Orientadora PDE da Universidade UENP
LETRANDO COM FÁBULAS
Bernadete Fátima da Silva Alves¹
Marilúcia dos Santos Domingos Striquer²
Resumo: O presente artigo evidencia, por meio de práticas pedagógicas de letramento, a importância do trabalho de
aprimoramento da capacidade de leitura e escrita dos alunos. Muitos alunos chegam ao 6º ano com um bom
conhecimento dos códigos linguísticos, mas com lacunas no uso social da leitura e da escrita. Sabendo que os alunos
devem ser preparados para participar das diversas práticas sociais de linguagem, e sendo papel da escola promover,
por meio de diversos gêneros textuais, práticas de letramento para que esse objetivo seja alcançado, optou-se por
trabalhar em um Projeto de Intervenção Pedagógica com o gênero textual fábula. Como aporte teórico-metodológico,
buscou-se amparo nos estudos de Bakhtin (2003), Costa (2008), Freire (1996), Kleiman (2005-2010), Lima (2013),
Marchuschi (2005), Paraná DCE (2013), Pedrosa (2013), Satim (2008), Souza (2009), Val (2006) e Dolz, Schneuwly
e Noverraz (2004). Como resultado de todo processo de construção e implementação do Projeto, concluiu-se que o
letramento é um processo contínuo e constante, que a escolha das fábulas, como eixo organizador das atividades, por
respeitar a ludicidade dos alunos, foi uma escolha acertada, bem como a utilização da sequência didática.
Palavras-Chaves: Letramento; Gêneros Discursivos/Textuais; Fábulas; Sequência Didática.
INTRODUÇÃO
Tomados pelas palavras de Freire (1996, p. 47) de que saber ensinar “não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”,
ressaltamos a necessidade de renovar a nossa consciência, por vezes, adormecida ou amordaçada
pela rotina das constantes batalhas nas salas de aula, situações estas que cristalizam práticas
pedagógicas e fazem o educador esquecer da importância da reflexão sobre sua ação.
Importante, ainda, destacar que a construção do conhecimento é prerrogativa do ser
humano, ser inacabado. Somos inacabados, docentes e discentes, em processo permanente de
construção, no sentido de desenvolvimento pessoal e profissional, e, portanto, sujeitos em
constante estado de formação, conforme afirmativa de Freire (1996),
Quando saio de casa para trabalhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de
que, inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos,
“programados, mas, para aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa
capacidade de aprender e de ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do
processo nos façamos. (p. 58-59 – grifo do autor).
Por sermos inacabados, somos construtores que aprendem e ensinam simultaneamente,
que anseiam pelo novo, abertos às curiosidades, nossas e dos alunos, capazes de fazer da sala de
aula um ambiente de reflexão, vivendo “a dialética entre a leitura do mundo e a leitura da
palavra” (FREIRE, 1996, p.84). Entretanto, viver esta prática na educação não é fácil. Buscar a
autonomia, a liberdade, viver a curiosidade, a dialética, são desafios que propõe rompimento com
estruturas e concepções tradicionalistas, as quais vêm, cada vez mais, recebendo críticas. Por
exemplo, a Diretriz Curricular da Educação Básica da Língua Portuguesa do Estado do Paraná
(DCE), a qual a fim de apresentar a concepção que subjaz suas orientações, expõe um panorama
histórico do ensino da língua portuguesa, no relato de que durante muito tempo, o ensino da
língua portuguesa privilegiou o repasse de regras e o ensino de nomenclaturas da gramática
normativa/tradicional. Consequentemente, ao contrário desta visão, a DCE de língua portuguesa
foi construída tendo como base as reflexões do círculo de Bakhtin a respeito da linguagem,
definindo o ato da fala como de natureza social e o ensino da linguagem pautado em um
constante processo de interação social.
Portanto, a linguagem, na DCE, é concebida como um fenômeno social, e por isto a
orientação é a de que “sob essa perspectiva, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa visa
aprimorar os conhecimentos linguísticos e discursivos dos alunos, para que eles possam
compreender os discursos que os cercam e terem condições de interagir com esses discursos”
(PARANÁ, 2008, p. 50). O ensino da língua portuguesa é, então, visto como um de processo de
interação social, o qual (o processo) deve estabelecer relações para que o aluno desenvolva a
oralidade, a leitura e a escrita, a fim de que possa participar das mais diversas práticas sociais de
linguagem. Assim sendo, a escola deve proporcionar ao aluno práticas de letramento,
Nesse sentido, é preciso que a escola seja um espaço que promova, por meio de
uma gama de textos com diferentes funções sociais, o letramento do aluno, para
que ele se envolva nas práticas de uso da língua – sejam de leitura, oralidade e
escrita (PARANÁ, 2008, p. 50).
Desta forma, e também a partir da definição de Kleiman (2005, p. 5), “quando se ensina
uma criança, um jovem ou um adulto a ler e a escrever, esse aprendiz está conhecendo as práticas
de letramento da sociedade; está ‘em processo’ de letramento” (grifo da autora). Assim,
entendemos letramento, ou práticas de letramento, como um processo histórico e social, que não
se fecha em um método de ensino, mas em métodos que levem o aluno a usar a leitura, a escrita e
oralidade nas práticas sociais de linguagem. As práticas de letramento não envolvem habilidades
e competências, uma vez que ninguém ensina letramento, pois a capacidade do letramento vai
muito além do que se ensina na escola. Segundo Kleiman (2005),
O letramento é complexo, envolvendo muito mais do que uma habilidade (ou
conjunto de habilidades) ou uma competência do sujeito que lê. Envolve
múltiplas capacidades e conhecimentos para mobilizar essas capacidades, muitos
dos quais não têm necessariamente relação com a leitura (p. 18).
Podemos compreender, então, que o letramento acontece quando preparamos nossos
alunos para participar de eventos que os insiram na sociedade, por exemplo: no momento de
visitas aos museus, teatros; participação em discussões sobre a realidade da comunidade, entre
outras tantas práticas sociais. Contudo, muitas vezes, “as práticas de letramento fora da escola são
essencialmente colaborativas, em contraste com o caráter individual do processo de aquisição da
língua escrita em ambiente escolar, próprio do letramento” (KLEIMAN, 2005, p. 22). Para que
então as práticas em ambiente escolar possam ter proximidade com a realidade vivida pelo aluno
fora da escola, o que é essencial, Kleiman (2005) defende que:
Uma forma de fazer isso é reproduzir as características da prática na situação
original, no espaço da sala de aula: por exemplo, se a notícia de jornal é lida e
comentada no cotidiano familiar, não há por que não a ler e comentar na aula. Se
o relato do que aconteceu no dia faz parte das nossas práticas cotidianas no lar,
não há por que não encorajar esse relato no momento da “rodinha” em sala de
aula, a fim de transformar os acontecimentos dos relatos em objetos de práticas letradas, quando possível ou pertinente (p. 38).
É por meio destas atitudes que se pode promover o ensino de práticas sociais que existem
fora da escola, dentro dela. “Quando a prática está no letramento, corre-se menos risco de engajar
o aluno em atividades de “faz-de-conta” (KLEIMAN, 2005, p. 40). Portanto, em total
consonância com os preceitos aqui apresentados é que elaboramos um Projeto de Intervenção
Pedagógica na Escola que se constituiu de práticas de letramento, as quais possibilitaram o
desenvolvimento, nos alunos de 6º ano do ensino fundamental, do aprimoramento da leitura e da
escrita de fábulas.
Quando escolhemos trabalhar as fábulas no 6º ano do ensino fundamental foi com a
intenção de respeitar o momento de transição que passa a criança que frequenta, geralmente, este
ano escolar. Este é o período em que a criança está rompendo com o infantil e a individualidade,
bem marcantes nos anos iniciais do ensino fundamental, dando início à pré-adolescência,
momento em que o lúdico, o imaginário, muitas vezes, são deixados de lado pela escola em seu
sistema de seriação, dando lugar a uma preocupação com o conhecer-se, reafirmar um lugar no
mundo.
As fábulas, por terem características literárias e ficcionais, por seus personagens serem
animais que se comportam como seres humanos, com virtudes e defeitos que foram questionados
e discutidos, mesclando comédia, drama e ensinamentos, conforme fragmentos acima de Satim
(2008,p.09), respeitam a ludicidade que é necessária neste momento, e contribuem com o
desenvolvimento dos alunos do 6º ano, pois, não somente desenvolvem a leitura e a escrita, mas
também a criticidade.
Lembramos, ainda, que muitos alunos chegam ao 6º ano com um bom conhecimento dos
códigos linguísticos, mas com lacunas no uso social da leitura e da escrita. Assim, o ensino de
operações para o desenvolvimento de leitura e escrita de fábulas aconteceu, necessariamente, a
partir do letramento. Assim sendo, nosso objetivo era desenvolver nos alunos de 6º ano do ensino
fundamental, por meio de práticas pedagógicas de letramento, o aprimoramento da capacidade de
leitura e escrita de fábulas.
Enfim, este Projeto de Intervenção Pedagógica foi desenvolvido em uma sala do 6º ano do
Colégio Estadual Antônio Martins de Mello, Ensino Fundamental e Médio, da cidade de Ibaiti,
Estado do Paraná. E neste artigo, relatamos nossa experiência na implementação do Projeto e do
Material Didático-Pedagógico.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Gêneros Textuais
As práticas discursivas acontecem no cotidiano de toda sociedade, e são inúmeras. Cada
uma dessas práticas sociais exige do sujeito, de uma forma mais geral ou mais específica, a
escrita, a leitura, a oralidade e a interpretação de um texto. Neste sentido, cabe aos educadores
fazerem a mediação entre o aluno e os conhecimentos necessários para participação deles nessas
diferentes práticas. Se ensinarmos o aluno a escrever somente um gênero, por exemplo, o bilhete,
como ele conseguirá escrever, quando exigido, uma carta? Bem como, se o ensinarmos escrever
um gênero pensando apenas em sua forma estrutural/formal, como o aluno participará da
sociedade com esse seu texto?
De acordo com Kleiman (2005),
Por vezes, as práticas escolares que utilizam gêneros que se originaram em
instituições de prestígio na sociedade, como a literária e a científica, são
desvinculadas da situação de origem, ou seja, é característica da prática escolar ser indiferente à situação (p. 27).
É exatamente neste sentido que a DCE de língua portuguesa orienta que “é tarefa da
escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura,
a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação”
(PARANÁ, 2008, p. 48). O que acontecerá se as práticas escolares estiverem vinculadas às
situações de origem de onde emergem os gêneros. Então, cabe à escola esta inserção. Também
porque “todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”
(BAKHTIN, 2003, p. 261), somente a partir desta opção pedagógica é que o professor de língua
portuguesa possibilitará ao aluno a compreensão da língua, como fenômeno social, e o capacitará
para interagir livremente na sociedade.
Centrados nesta concepção, apresentamos o conceito de gênero discursivo/textual na
visão bakhtiniana, para quem os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKHTIN, 2003, p. 262), sendo que é por meio dos enunciados que o emprego da língua (oral
ou escrita) se efetua. Assim, pode-se afirmar que nenhum enunciado é novo, e que são
relativamente estáveis, pois são frutos de outros discursos já proferidos, ou seja, “pode-se dizer,
então, que os nossos enunciados são heterogêneos, uma vez que emergem das vozes sociais”
(PARANÁ, 2008, p. 52).
Mas, visto que ao serem retomados, os enunciados (os gêneros) acontecem dentro de
contextos e circunstâncias diferentes dos anteriores, por isto constantemente os gêneros são
transformados/transmutados em novos gêneros, e outros ainda são criados. Novos ou
transmutados participam sempre e ao mesmo tempo refletem as esferas (ou os campos de
comunicação/situação comunicativa) de onde estão inseridos. Por isto a afirmativa de Bakhtin
(2003) de que,
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referido campo, não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem,
ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua,
mas acima de tudo, por sua construção composicional.Todos esses três
elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados
pela especificidade de um determinado campo da comunicação (p. 262).
Delimitando o que seria o conteúdo temático, o estilo da linguagem e a estrutura
composicional, Pedrosa (1994) esclarece:
A. conteúdo temático ou aspecto temático – objetos, sentidos, conteúdos,
gerados numa esfera discursiva com suas realidades socioculturais; B. estilo ou
aspecto expressivo – seleção lexical, frasal, gramatical, formas de dizer que têm
sua compreensão determinada pelo gênero; C construção composicional ou
aspecto formal do texto – procedimentos, relações, organização, participações
que se referem à estruturação e acabamento do texto, levando em conta os
participantes. (p. 01).
Assim sendo, é necessário entender que o conteúdo temático, o tema ao qual se refere o
texto; o estilo, que se manifesta nos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais; e a construção
composicional, os recursos estruturais, são elementos dos gêneros textuais que refletem as
condições e finalidades dos enunciados na atividade humana. Portanto, os gêneros textuais são
vivos como a língua, desta forma, os gêneros não são aprisionados em textos, “a língua passa a
integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de
enunciados concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p. 265).
Quanto à vivacidade da língua e a relativa instabilidade dos gêneros, Marcuschi (2005)
analisa os novos gêneros e as velhas bases, afirmando que as novas tecnologias influenciaram no
surgimento dos novos gêneros, “não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as
novas tecnologias, em especial a ligadas às áreas da comunicação, que proporcionaram o
surgimento de novos gêneros textuais” (MARCUSCHI, 2005, p. 20). E no mesmo sentido, a DCE
de língua portuguesa (2008, p. 52) expõe que “alguns gêneros são adaptados, transformados,
renovados, multiplicados ou até mesmo criados a partir da necessidade que o homem tem de se
comunicar com o outro”. Assim vemos o nascimento de novos gêneros textuais, atualmente
muitos surgiram graças aos grandes suportes tecnológicos, entre eles o rádio, televisão, jornal,
internet, que abriga novos gêneros.
Daí surgem formas discursivas novas, tais como editorias, artigos de fundo,
notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências,
videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails), bate-papos
virtuais (chats), aulas virtuais (aulas chats) e assim por diante (MARCUSCHI, 2005, p.20).
Dentro de novos gêneros e velhas bases, vale dizer que muitos conceitos foram revistos,
os e-mails, os blogs, que eram considerados novos gêneros, hoje, levantam uma discussão, são
gêneros ou suportes de diversos gêneros? Esta é uma reflexão ainda não concluída.
Fundamental destacar, ainda, que segundo a DCE de Língua Portuguesa, pautada sobre o
conceito de gênero bakhtiniano, o gênero “antes de constituir um conceito, é uma prática social e
deve orientar a ação pedagógica com a língua” (PARANÁ, 2008, p. 53). Quanto mais se oferece
aos alunos contato com diversos gêneros textuais, mais se dará oportunidade de inserção social e
liberdade discursiva. Entre os inúmeros gêneros existentes, delimitamos para a elaboração a
implementação de nosso projeto de intervenção pedagógica na escola o ensino do gênero:
Fábulas, o qual abordamos com mais especificidade a seguir.
Fábulas
A fábula é um gênero textual pertencente à esfera literária e ficcional. Não se pode
afirmar, com certeza, quando as fábulas surgiram, nem quem as inventou, conta-se que foram
criadas por um escravo, chamado Esopo (figura supostamente lendária), que teria vivido no
século VI a.C., na Grécia antiga.
Souza (2009, p.79) pontua que as fábulas eram utilizadas com a intenção de criticar os
costumes da sociedade e as atitudes de pessoas poderosas da época, mas para não ser reprimido,
Esopo se utilizava de animais como personagens de suas histórias. Embora não se possa
comprovar, contam que ele teria sido atirado de um penhasco por pessoas irritadas com suas
críticas.
As fábulas passaram a ser recontadas por séculos, até que o francês Jean de La Fontaine,
nos anos de 1600, criou novas fábulas e reescreveu as de Esopo. No Brasil não podemos esquecer
de mencionar José Bento Monteiro Lobato, que traduziu e recontou várias fábulas, algumas delas
adaptadas para os personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
A respeito das especificidades dos três elementos (BAKHTIN) que compõem este gênero,
seus temas são universais, retratam a sabedoria popular, enfocam as relações entre o homem e a
natureza, as relações interpessoais (defeitos, paixões e virtudes), levando à reflexão. Assevera
Satim (2008,p.09) que as fábulas têm clara intenção de ensinar, aconselhar, convencer, divertir ou
criticar.
Em sua construção composicional predomina a narrativa, mas que se difere de outros
gêneros predominantemente narrativos porque os personagens das fábulas são, geralmente,
animais com características humanas, vivendo conflitos próprios dos seres humanos, com
atitudes, virtudes e defeitos, possibilitando questionamentos acerca dos valores éticos e morais
presentes na sociedade.
Costa (2008) define fábula como sendo,
Trata-se de uma narrativa, quase sempre leve, em prosa ou, na maioria, em
verso, de ação não muito tensa, de grande simplicidade e cujos personagens,
muitas vezes animais irracionais que agem como seres humanos, não de grande
complexidade. Aponta sempre para uma conclusão ético-moral (p. 98).
Mas o que mais difere a fábula dos demais gêneros narrativos é o modo em que seu
desfecho é composto, com a moral da história, formado por provérbio ou aforismo, e assumindo
uma sequencialidade argumentativa, pois tem a clara intenção de persuasão.
O gênero textual fábula possibilita aos alunos adentrarem no mundo imaginário das
narrativas ficcionais, por serem textos curtos e de fácil entendimento que abrem possibilidades de
trabalhar com diversos temas, trazendo para a sala de aula discussões sobre os valores presentes
na sociedade.
No que se refere ao estilo, na composição das sequências narrativas estão presentes a
textualização conversacional. A personificação dada aos personagens permite que o trabalho seja
feito de forma lúdica, encantando pelo imaginário e extraordinário, já que os animais falam e se
interagem.
RELATO DA EXPERIÊNCIA
Ao iniciar a implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola percebi,
pelos resultados apontados na avaliação diagnóstica que realizei, o grande desafio que seria
trabalhar com a turma do 6º ano A, do Colégio Estadual Antônio Martins de Mello, devido a
grande heterogeneidade que constituía a turma em questão, alunos com déficit de aprendizagem,
com lacunas na alfabetização e consequente, dificuldades na escrita, enquanto outros escreviam e
liam com fluência.
Comecei o trabalho com a turma apresentando o gênero fábula, oralmente. Enfoquei a
importância dos animais, já que são os principais e mais frequentes personagens que formam
essas histórias. Apresentei, brevemente, a estrutura narrativa e descritiva que estrutura o texto, e
em seguida dividi a turma em dois grupos, as partes narrativas e dissertativas de várias fábulas
foram distribuídas, aleatoriamente, para que eles localizassem seus pares e montassem as fábulas.
Naquele momento percebi que me antecipara, pois os alunos não haviam compreendido
que, nas fábulas, a moral da história está interligada à narrativa. Foi preciso refazer o caminho.
Decidi que para retomar o conceito do gênero seria interessante passar os vídeos das
fábulas contemporâneas, já planejados no momento da elaboração do Projeto. Nova frustração, o
aparelho de vídeo da escola não funcionou. Retomei, então, a sequência das aulas, contação de
histórias. Comecei contando como foi a vida de Esopo, sua sabedoria, como supostamente ele
morreu. Fiz o mesmo com La Fontanie e Monteiro Lobato, e como as fábulas dos três autores
chegaram até nós, até nossos dias.
Percebi que contando histórias atraía mais a atenção dos alunos do que ler sobre o
contexto das fábulas, como havia planejado anteriormente. A partir disso, apresentei aos alunos as
versões de Esopo e de Monteiro da fábula “A Cigarra e a Formiga”, e a resposta foi, novamente,
positiva. Fizemos, então, a leitura dessas e de outras várias fábulas, retomando a estrutura formal
do gênero, e percebi que os alunos começaram a assimilar o conteúdo. Para mais exemplificações
do conteúdo, formei duplas e propus que cada aluno escolhesse um animal, e que em cada dupla
um aluno caracterizasse o animal escolhido pelo colega. A conclusão dessa atividade, os alunos
apresentariam na próxima aula.
Novo encontro, em duplas, os alunos apresentaram as características dos animais
escolhidos por eles, com isso pudemos trabalhar as qualidades e virtudes dos personagens nas
fábulas, e, em seguida, pudemos, enfim, assistir aos vídeos de fábulas contemporâneas: Vida de
Inseto” e “Marmaduke”.
No Material Didático-Pedagógico, ressalto, construído para me auxiliar na implementação
do Projeto, retomei as fábulas “A cigarra e a formiga” nas versões de Esopo e de Monteiro
Lobato. Os alunos demonstraram dificuldades nas questões que envolviam compreensão e
interpretação textual, tais como localizar o tema, as inferências, as críticas incutidas no enredo e
na moral da história. Retomei, em decorrência, as contações de histórias, trouxe bichos de
pelúcia para a sala: os alunos escolhiam um animal e relacionavam o bicho/personagem e suas
características à fábula. Assim, em grupos, exploramos, novamente, as virtudes e defeitos dos
personagens, e como essas virtudes e defeitos se relacionavam com os seres humanos. Foi uma
atividade muito produtiva.
As questões interpretativas do material didático foram retomadas e aos poucos percebi
que as dificuldades diminuíram.
Em seguida, iniciamos as atividades cujo foco era a estrutura textual do gênero. Sem
muitas dificuldades apresentadas pelos alunos, propus que eles desconstruíssem a moral da fábula
“A cigarra e a formiga”, e me surpreendi quando uma aluna questionou o porquê de muitos
trabalharem e não possuírem condições de vida favorável. Fiz reflexões com eles sobre as
questões profissionais, sociais e econômicas do país, e tive dificuldades em explicar às crianças
as diferenças sociais tão presentes e marcantes que existem neste país, buscando sempre adequar
a informações e o julgamento a idade deles. Para uma ampliação, propus que desconstruíssemos a
moral da história de algumas outras fábulas. Alguns conseguiram, mas a maioria dos alunos ficou
presa às convenções e ensinamentos presentes nas fábulas.
Iniciamos as questões relacionadas à formação linguístico-gramaticais do gênero fábula, e
a maior dificuldade foi o trabalho com as diferenças do discurso direto e do indireto. Após
algumas atividades sobre as dificuldades, julguei ser o momento de iniciar a primeira produção
dos alunos, na qual eles se envolveram e se dedicaram muito.
Iniciando as correções, precisei retomar as leituras teóricas sobre Sequência Didática, pois
os alunos não seguiam, totalmente, as características do gênero, na construção dos textos deles.
Contudo, conforme Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004, p. 101), a intenção da produção inicial é
mesmo “circunscrever as capacidades de que os alunos dispõem, e consequentemente, suas
potencialidades”, para que os módulos de trabalho pudessem ser construídos. Era chegado,
portanto, o momento de iniciar o processo de superação das dificuldades, de construir os módulos
ou oficinas de trabalho. Para iniciar este processo, fiz uma tabela com as todas dificuldades
apresentadas na produção dos alunos, a qual apresento a seguir:
Tabela 1: Dificuldades apresentadas nas primeiras fábulas produzidas pelos alunos
Dificuldade Número de alunos que apresentaram o
item em seu texto
Construção de discurso direto e indireto 10 alunos
Construção de parágrafos 10 alunos
Problemas com pontuação 09 alunos
Ortografia das palavras 09 alunos
Construção da narrativa e da sequência dissertativa
(incoerência textual)
08 alunos
Formulação de ideias - reprodução de textos lidos 05 alunos
Textos com marcas da oralidade 04 alunos
Emprego de letras maiúscula e minúscula 03 alunos
Falta da característica do gênero fábula 03 alunos
Uso excessivo dos verbos que indicam o ato de falar no
discurso direto
02 alunos
Após a constatação das limitações apresentadas pelos alunos em seus textos, preparei
atividades. Para as atividades de paragrafação, pontuação, discurso direto e indireto produzi
pequenas narrativas. Por exemplo, para o trabalho com a paragrafação ofereci um texto aos
alunos escrito em um único parágrafo. Fizemos em conjunto uma reestruturação do texto,
refletindo e separando os acontecimentos por parágrafos. Em seguida, entreguei outro texto, para
que, individualmente, fizessem a mesma atividade.
Outro exemplo: com os problemas de emprego da pontuação, elaborei algumas frases
interrogativas, exclamativas, declarativas sem apresentação dos sinais de pontuação e frases sem
vírgulas. Orientando-os, eles foram pontuando os textos coletivamente, e procedi como na
atividade de paragrafação, entreguei outro texto, para que, individualmente pontuassem.
Um último exemplo: para o trabalho com a formação de sequências narrativas e
dissertativas, essenciais na construção composicional do gênero fábula, retomei a primeira
atividade oferecida aos alunos: novamente, dividi a turma em grupos e distribui, aleatoriamente, a
narrativa e a moral da história para que eles localizassem seus pares e montassem a fábula,
mostrando que se os pares não fossem formados corretamente as fábulas não teriam sentido.
Obtive o resultado esperado, os alunos entenderam que a moral da história faz uma síntese, uma
apresentação de um ensinamento, uma reflexão que está totalmente ligada à história contada, ou
seja, a sequência narrativa que forma a fábula.
Após trabalhar todos os módulos, mas diante de pouco tempo e contratempos do primeiro
semestre de 2014, passei a orientar os alunos para a produção final. A seguir, como uma forma de
demonstração do alcance de meu objetivo: auxiliar os alunos para o aprimoramento da leitura e
produção do gênero fábula, apresento um exemplar da primeira e da produção final de uma aluna,
a fim de expor as análises sobre o alcance de meu objeto com o Projeto de Intervenção. Destaco,
neste momento, que os textos a seguir foram selecionados a partir do critério de não escolher os
textos de um aluno que apresentou grande dificuldade, tampouco de um que teve
desenvolvimento brilhante. Isto é, o texto representa a média de todos os alunos do 6º ano.
ANÁLISE DOS TEXTOS DA ALUNA X
Antes de iniciar a análise dos textos, é importante frisar que a primeira produção trouxe à
tona as limitações de produção dos alunos, entretanto ao analisar os textos da aluna X, o mais
importante é evidenciar as ações de intervenção do professor e a consequente superação dos
alunos em suas dificuldades da primeira à produção final. De acordo om Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004),
É assim que se definem o ponto preciso em que o professor pode intervir melhor
e o caminho que o aluno tem ainda a percorrer: para nós, essa é a essência da
avaliação formativa. Desta forma, a produção inicial pode “motivar tanto a
sequência como o aluno” (p.101).
Figura 1: Reprodução da primeira produção da aluna X
Na produção inicial, conforme Figura 1, percebeu-se que a aluna tinha dificuldades: na
separação dos parágrafos, misturando todos os acontecimentos, nos espaçamentos e ordenação
das margens da folha do caderno; na construção de discurso direto e indireto, ela iniciou todos os
parágrafos usando o travessão, não entendendo que este marca a fala da personagem, misturando
a fala da personagem com a do narrador; pontuação, já que usou somente o ponto final, entretanto
pudemos observar o uso correto dos dois pontos após o verbo “dizer”, marcando o ato de falar no
discurso direto. Quanto ao emprego de letras maiúscula e minúscula, notou-se que houve somente
um equívoco no terceiro parágrafo, quando iniciou com letra minúscula. Na construção da
sequência narrativa e dissertativa, a aluna iniciou contando a história dos ratos que eram amigos
de um gato, o que causou inveja nos ratos da casa vizinha, entretanto a narrativa ficou incoerente
quando o gato encontrou uma gata, apaixonaram-se e tiveram filhotes e deram um filhote para ser
amigo dos ratos da casa vizinha. A parte dissertativa, ou seja, a moral da história não teve ligação
com a narrativa, apresentando, também, incoerência textual. Por fim, quanto à ortografia das
palavras, constatou-se troca da letra Z por S: “em ves”, a letra N por M em “abamdonado”, uso
R no lugar de RR em “arumar”, DIZE ao invés de “DISSE”, vale citar, ainda, problemas com
concordância verbal em "eles estava”, “e se casaro e tivero um monte de gatinhos”.
Na produção final, as dificuldades apresentadas na primeira fábula foram praticamente
sanadas, a aluna não apresentou problemas na construção de discurso direto e indireto, na
construção de parágrafos, com pontuação, no emprego de letras maiúscula e minúscula,
apresentou coerência na construção da narrativa e da sequência dissertativa e os problemas
ortográficos foram considerados aceitáveis. O que pode ser comprovado pela figura 2 que é
reprodução da produção final da aluna X
Figura 2: Reprodução da produção final da aluna X
CONCLUSÃO
Ao término deste processo se faz necessário algumas reflexões, ao escolher como tema do
meu projeto de intervenção “O gênero textual fábula na prática pedagógica do letramento”, pude
perceber que o letramento é um processo contínuo e constante, não existe leitura e escrita, sem
letramento, independente do gênero textual trabalhado.
A escolha do gênero textual fábula para ser trabalhado com os alunos do 6º ano foi
acertada, pois atraiu a atenção e possibilitou o envolvimento e aprendizado, facilitando a
implementação do projeto na escola.
A sequência didática, por ser “um conjunto de atividades escolares organizadas, de
maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHEUWLY, 2004, p. 97), ofereceu, de maneira ordenada, a possibilidade de produzir um texto,
intervir nas dificuldades apresentadas, refletindo até chegar à produção final.
Na produção final, alguns textos apresentaram algumas lacunas por não ter sido feito a
devida intervenção nas oficinas, dentre elas cito, repetição de conectivos, reprodução da oralidade
nos textos, e, principalmente a falta de liberdade discursiva de alguns alunos que ficaram presos
às fábulas clássicas.
Apesar disso, o final foi uma agradável surpresa, para apresentar os trabalhos à
comunidade escolar, organizou-se um chá literário e as produções foram entregues aos pais, uma
das fábulas foi transformada em peça teatral e encenada pelos alunos, uma coletânea dos textos
foi entregue para a biblioteca da escola e outra para a biblioteca do NRE de Ibaiti.
Após este período de estudo e trabalho, minha prática pedagógica foi repensada e a
mudança é inevitável, mas é importante frisar que este foi o início de um processo, a formação
deve ser constante e contínua, cabendo ao indivíduo buscar seu aperfeiçoamento profissional.
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