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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
O USO DO CARTOON NAS AULAS DE INGLÊS: ESTÍMULO PARA A PARTICIPAÇÃO E APRENDIZAGEM
Simone de Campos Soares1
Rodrigo Augusto Kovalski2
Resumo
O presente artigo é resultado do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE -
do Estado do Paraná, e expõe os principais aspectos da produção didático-
pedagógica elaborada e implementada durante o desenvolvimento do processo
educacional. Tal produção consta de uma Unidade Didática dividida em seis lições
organizadas a partir da seleção de um gênero discursivo - o cartoon, com o
propósito de observar em que medida o seu emprego poderia despertar a atenção
dos alunos para as aulas de Língua Inglesa, suscitando discussões interessantes
entre eles, estimulando sua participação e o desejo de estudar a Língua Estrangeira,
bem como contribuísse para o processo de ensino-aprendizagem. Como principal
fundamentação teórica deste trabalho utiliza-se Bakhtin (1997, 2002), as Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná – DCE’s (2008), Pinto (2007) e Stam (1992).
Acredita-se que por meio da prática da oralidade e da leitura do humor propiciada
pelos textos e imagens que constituem os cartoons, as aulas de Inglês podem
ganhar um novo enfoque que levarão os educandos a participarem mais e a
compreenderem a língua como meio de interação social, de compreensão e de
intervenção no mundo.
Palavras-chave: Cartoon; humor; leitura reflexiva; participação; aprendizagem.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade discorrer sobre o desenvolvimento do
projeto “O uso do cartoon nas aulas de Inglês: estímulo para a participação e
aprendizagem”, elaborado e aplicado durante os anos de 2013 / 2014 em uma turma
do 9º ano do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Parigot de Souza, em Inácio
Martins - Paraná, como atividade resultante do Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE), da Secretaria de Educação do Estado do Paraná (SEED),
vinculado à Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
1 Professora de Língua Inglesa da Rede Pública do Estado do Paraná, inserida no Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE (2013/2014), pela Universidade Estadual do Centro-Oeste / UNICENTRO – Irati/PR.
2 Professor Orientador do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e vinculado ao
Departamento de Letras da Universidade Estadual do Centro-Oeste / UNICENTRO – Irati/PR.
O projeto buscou, através do emprego de um novo recurso metodológico,
atrair o interesse dos alunos para as aulas de Inglês, pois constatou-se em
observação anterior, que os estudantes, em sua grande maioria, reconheciam a
importância e a necessidade de estudar esta Língua Estrangeira, porém, não
demonstravam este mesmo interesse em sala de aula, gerando reclamações entre
os professores que encontravam dificuldades em ministrar suas aulas e trabalhar os
conteúdos programáticos com êxito.
Neste sentido, optou-se pela seleção de um gênero discursivo – o cartoon,
especialmente pelos aspectos humorístico e imagético aplicados a ele, como
ferramenta de auxílio e estímulo à aprendizagem nas aulas de Língua Inglesa, com
o intuito de encontrar nele temas que chamassem a atenção dos alunos, instigando
discussões e reflexões que ultrapassassem os aspectos formais e linguísticos das
tirinhas, contribuindo assim para o processo de ensino-aprendizagem.
Para tanto, desenvolveu-se uma Unidade Didática, dividida em seis lições,
elaboradas a partir da seleção de cartoons com temas considerados relevantes e
que despertassem a participação discente, tanto nos comentários quanto na
realização das atividades, cuja exploração deu-se em três momentos: pre-reading,
reading e post-reading, estimulando-se muito a oralidade, vinculada ao
conhecimento de mundo do aluno, aliado ao saber científico e a questões
linguísticas pertinentes; sua finalização contemplou, na última lição, a produção de
cartoons pelos estudantes.
Sendo assim, este artigo apresentará num primeiro momento, um breve
histórico sobre o ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil, especialmente a Língua
Inglesa, as metodologias recomendadas e utilizadas ao longo do tempo para
ministrar as aulas de L.E., bem como todo o embasamento teórico que sustentou a
elaboração deste projeto.
Num segundo momento, será relatado o desenvolvimento do trabalho e todo
o processo de implementação da Unidade Didática, bem como as impressões e os
resultados obtidos na turma para, nas considerações finais, analisarmos a forma
como os estudantes reagiram ao material trabalhado com eles e o quanto o emprego
do cartoon pode efetivamente auxiliar a tornar as aulas de Inglês mais atrativas.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O aprendizado é fator fundamental para o desenvolvimento pleno do ser
humano e se realiza em meio a diversos contextos sociais, sendo influenciado pelas
determinações culturais dos grupos com os quais o indivíduo interage. Assim, o
desenvolvimento pessoal não é um acontecimento isolado, mas ocorre através dos
relacionamentos que a pessoa estabelece, marcado por fatores sociais, históricos,
culturais e econômicos aos quais todos estamos sujeitos e expostos.
A linguagem é parte importante do processo de desenvolvimento do ser
humano e sua aquisição sofre igualmente intervenções sociais, posto que sua
função é considerada também um acontecimento social, uma vez que através dela
podemos compreender o mundo, intervir nele e interagir com os outros.
De acordo com as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do
Paraná (2008, p. 49) “(...) a linguagem é vista como fenômeno social, pois nasce da
necessidade de interação (política, social, econômica) entre os homens”.
Daí a importância de promover a aprendizagem da linguagem de maneira
significativa, considerando o aspecto interacional que ela propicia naturalmente, uma
aprendizagem que leve o aluno a compreender que a língua é dinâmica, é viva, e
atua como elemento de mediação entre ele e o mundo.
Este pensamento se aplica também ao ensino-aprendizagem da Língua
Inglesa, o qual deve estar pautado na ideia de língua como veículo de comunicação
de um povo, através do qual se pode expressar e transmitir cultura, tradições e
conhecimentos.
O ensino de Inglês no Brasil teve seu início e valorização a partir de 1809,
quando D. João VI assinou o decreto de 22 de junho para criar as cadeiras de Inglês
e Francês com o objetivo de melhorar a instrução pública. Neste momento, a
abordagem pedagógica tradicional, também chamada de gramática-tradução,
concebia a língua como um conjunto de regras e privilegiava a escrita, tendo como
foco principal o ensino da gramática através de atividades sobre regras gramaticais,
tradução, versão e ditados. Esta metodologia prevaleceu no ensino de línguas
modernas e vigorou até o princípio do século XX. (DCE, 2008).
Com a Reforma Francisco Campos (1931), estabeleceu-se um método oficial
de ensino de Língua Estrangeira: o Método Direto, que se contrapunha ao
Tradicional e preocupava-se em desenvolver as habilidades orais, visando à
comunicação na língua alvo e o seu ensino como instrumento de comunicação. A
transmissão dos significados acontecia por meio de gestos, gravuras, fotos,
simulação, enfim, de tudo que pudesse facilitar a compreensão, sendo a gramática
aprendida de forma indutiva.
A partir do Estado Novo, o MEC recomendava que a disciplina de Língua
Estrangeira deveria colaborar para a formação do educando bem como para o
aprendizado sobre as civilizações e tradições estrangeiras. Por isso, o Inglês teve
espaço garantido nos currículos oficiais por ser o idioma mais usado nas operações
comerciais, e devido à dependência econômica do Brasil em relação aos Estados
Unidos, que se acentuou durante e após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
Por causa da necessidade de formação para o mercado de trabalho, o
sistema educacional brasileiro investiu em cursos técnicos e profissionalizantes a
partir da década de 1950, fazendo diminuir no currículo a carga horária de Línguas
Estrangeiras, o que levou a LDB n. 4024, promulgada em 1961, a determinar a
retirada da obrigatoriedade do ensino de Língua Estrangeira no colegial. Entretanto,
ainda assim, identificou-se a valorização da Língua Inglesa devido às demandas de
mercado de trabalho que, então, se expandiam no período. (DCE, 2008).
Concomitantemente, com um crescente interesse pelo aprendizado de
línguas, os linguistas estruturalistas da época, Leonard Bloomfield (1887-1949),
Charles Fries (1854-1940) e Robert Lado (1915-1995), dentre outros, pautados na
psicologia da Escola Behaviorista de Pavlov e Skinner, na qual trabalha-se a língua
partindo da forma para se chegar ao significado, sistematizaram, em 1942, os
Métodos Audiovisual e Audio-Oral. De acordo com esse método, a língua passou a
ser vista como um conjunto de hábitos a serem automatizados e não mais como um
conjunto de regras a serem memorizadas. O Método Audio-Oral tinha como
pressuposto que todo ser humano seria capaz de falar uma segunda língua
fluentemente, desde que fosse submetido a uma constante repetição de modelos,
enquanto que o Método Audiovisual não usava sentenças isoladas, mas sim
diálogos contextualizados. Adotou-se o uso de gravadores, slides, cartões
ilustrativos, filmes e laboratórios áudio-linguais para o ensino do Inglês (DCE, 2008).
Mas, a partir da década de 1960, novos estudos científicos passaram a
questionar a concepção estruturalista da língua. Chomsky (1965), em sua Gramática
Gerativa Transformacional, afirmava que a língua não poderia ser reduzida a um
conjunto de enunciados a serem memorizados e repetidos de forma automatizada,
visto sua criatividade e seu dinamismo.
De acordo com as DCEs, (2008, p.44) Chomsky
propôs a teoria inatista de aquisição de linguagem, a qual postula que o ser humano nasce com determinadas capacidades que serão desenvolvidas com o tempo, pois segundo ele, a língua é concebida como parte do sujeito, que nasce com um sistema linguístico internalizado.
Ainda conforme as DCEs, na década de 1970, em oposição ao modelo
inatista de Chomsky, iniciou-se no Brasil uma nova discussão sobre a concepção da
linguagem, baseada nas teorias de Piaget e de Vygotsky. O primeiro estudioso
apresenta a abordagem cognitiva e construtivista, na qual “a língua é entendida
como resultado de interação entre o organismo e o ambiente, em assimilações e
acomodações responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência” (DCE, 2008, 45).
Já na concepção de Vygotsky (1896-1934), o desenvolvimento da linguagem é,
primeiramente, externo ao indivíduo e efetiva-se nas trocas sociais, e depois interno,
num processo mental, “no qual as trocas sociais exercem um movimento de
interiorização”. (DCE, 2008, p. 45).
Em 1976 a disciplina de Língua Estrangeira Moderna se tornou novamente
obrigatória somente no segundo grau, mas como ainda era grande o interesse pelos
métodos audiolinguais fundamentados na linguística estrutural, a língua era
ensinada apenas como recurso instrumental, sem abordar aspectos de língua e
civilização estrangeiras.
Em meados de 1980, ganha espaço no Brasil a discussão sobre a
Abordagem Comunicativa, na qual a língua é concebida como instrumento de
interação social, privilegiando o estudo dos aspectos semânticos e não mais dos
códigos linguísticos. Nesta concepção de linguagem, as atividades pedagógicas
devem priorizar a comunicação por meio de jogos, dramatizações, etc., passando a
ser o professor mediador do processo pedagógico e o aluno, sujeito de sua
aprendizagem.
Após uma década de vigência no Brasil, principalmente a partir de 1990, a
Abordagem Comunicativa passou a ser criticada por intelectuais adeptos da
pedagogia crítica e, em 1999, o MEC publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais
de Língua Estrangeira para Ensino Médio, cuja ênfase está no ensino da
comunicação oral e escrita, para atender as demandas relativas à formação pessoal,
acadêmica e profissional. Em contraposição a isso, os linguistas continuam a
pesquisar referenciais teóricos para o ensino de Língua Estrangeira que contribuam
para uma consciência crítica da aprendizagem, em que o ensino ajude a “reduzir
desigualdades sociais e a revelar as relações de poder que as apoiam.” (DCE, 2008,
p. 49).
No Paraná, a pedagogia crítica é o referencial teórico que sustenta as
Diretrizes Curriculares de Língua Estrangeira Moderna, com base na corrente
sociológica e nas teorias do Círculo de Bakhtin, que concebem a língua como
discurso. Neste enfoque, a escola é valorizada “como espaço social democrático,
responsável pela apropriação crítica e histórica do conhecimento como instrumento
de compreensão das relações sociais e para a transformação da realidade” (DCE,
2008, p. 52). O ensino da linguagem, então, considera que a língua não se limita a
uma visão sistêmica e estrutural do código linguístico e compreende que o sentido
da linguagem está no contexto de interação verbal e não no sistema linguístico.
De acordo com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008, p. 57,
58):
Tal proposta de ensino se concretiza no trabalho com textos, não para extrair deles significados que supostamente estariam latentes em sua estrutura, mas para comunicar-se com eles, para lhes conferir sentidos e travar batalhas pela significação. (...) O trabalho com a Língua Estrangeira Moderna fundamenta-se na diversidade de gêneros textuais e busca alargar a compreensão dos diversos usos da linguagem, bem como a ativação de procedimentos interpretativos alternativos no processo de construção de significados possíveis pelo leitor.
Ao conceber a língua como Discurso, que tem como foco o trabalho com os
enunciados, orais e escritos, propõe-se nas aulas de Língua Inglesa o uso de textos
que instiguem o aluno à pesquisa e à discussão, sendo que os elementos
linguístico-discursivos, neles presentes, serão analisados na medida em que
colaborem para a compreensão dos mesmos. Neste sentido, o texto – verbal e não-
verbal – será o ponto de partida para o desenvolvimento das práticas do uso da
língua: leitura, oralidade e escrita.
Através destes procedimentos, o estudante será levado a compreender a
língua como fator social, como elemento de comunicação e de aproximação entre as
pessoas, por meio da qual posso tanto conhecer quanto informar a respeito do eu ou
do outro. Conforme as Diretrizes Curriculares:
As sociedades contemporâneas não sobrevivem de modo isolado,
relacionam-se, atravessam fronteiras geopolíticas e culturais, comunicam-se
e buscam entender-se mutuamente. Possibilitar aos alunos que usem uma
língua estrangeira em situações de comunicação – produção e
compreensão de textos verbais e não-verbais – é também inseri-los na
sociedade como participantes ativos, não limitados as suas comunidades
locais, mas capazes de se relacionar com outras comunidades e outros
conhecimentos. (DCE, 2008, p. 57).
Portanto, ao aprender uma língua estrangeira, o aluno está também
conhecendo modos de pensar e viver do outro, bem como características de sua
história e, ao aprender a língua do outro, ele também comunica a sua, pois a
linguagem baseia-se na troca, no diálogo construído com o outro. De acordo com
Bakhtin: “A maneira individual pela qual o homem constrói seu discurso é
determinada consideravelmente pela sua capacidade inata de sentir a palavra do
outro e os meios de reagir diante dela” (BAKHTIN, 2002, p. 197). Segundo este
pensador, a língua só existe em função do uso que locutores e interlocutores fazem
dela em situações de comunicação, sendo um constante processo de interação
mediado pelo diálogo, e não apenas um sistema autônomo, ou seja, sua importância
está enquanto discurso entre interlocutores, na construção de significados a partir da
palavra. Conforme Robert Stam: “O que Bakhtin chama de “a palavra”, ou seja, a
linguagem no sentido mais amplo (...) é o meio mais puro e mais sensível de
interação social.” (STAM, 1992. p.31).
Para Bakhtin
A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam. É
precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo
da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo
de emprego ( a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.),
está impregnada de relações dialógicas (BAKHTIN, 2002. p.18).
Sendo assim, o ambiente da sala de aula de língua estrangeira passa a ser
espaço de conhecimento e troca, onde diferentes culturas são apresentadas e, ao
serem confrontadas, constituem novas formas de entender o mundo, uma vez que
carregam significados diversos que podem estar vinculados a um momento histórico,
a um ambiente específico, marcado por influências familiares, religiosas, políticas,
entre outras.
Desta forma, a língua é discurso, o qual em sua própria definição primeira
significa “curso, percurso, correr por, movimento” (DCE’s, 2008, p.61). Isso quer
dizer que, a ideia de língua como algo estático e imutável dá lugar ao entendimento
dela enquanto prática que permite compreender a dinâmica social, através do
reconhecimento da cultura do outro, que ao entrar em contato com a nossa,
transforma-se em algo novo, conforme afirma Bakhtin: “As palavras do outro,
introduzidas na nossa fala, são revestidas inevitavelmente de algo novo, da nossa
compreensão e da nossa avaliação, isto é, tornam-se bivocais.” (BAKHTIN, 2002,
p.195).
Assim, na concepção deste filósofo da linguagem, a língua permeia todas as
esferas da atividade humana, sendo por isso mesmo tão diversa. Ela efetiva-se
através de enunciados que podem revelar, por sua composição, as condições e
características próprias de cada esfera que a utiliza de acordo com suas
especificidades, constituindo assim, o que ele denomina de gêneros do discurso.
Segundo Abuêndia Padilha Pinto:
(...) a linguagem é aprendida por meio de enunciados concretos, ouvidos e
reproduzidos na comunicação verbal. No âmbito da fala, aprender a falar é
aprender a estruturar enunciados. No da escrita, a aprendizagem centra-se
nas formas, nas exigências e nas potencialidades dos diferentes gêneros.
(PINTO, 2007, p. 48).
Considerando que a atividade humana é rica e diversificada, igualmente a
variedade dos gêneros do discurso é infinita e abrange desde o diálogo cotidiano e
simples, passando pelos documentos oficiais e científicos até a mais densa
produção literária (discurso primário e secundário) (BAKHTIN, 1997).
Compreender, então, que a língua se manifesta através de enunciados que,
devido a sua natureza social, acontecem em determinadas circunstâncias que são
os próprios gêneros, é primordial para entender também a relação existente entre
língua e vida, pois que uma está diretamente ligada à outra, acompanhando e
revelando, inclusive, mudanças históricas e sociais. Ou seja, conforme afirmado
anteriormente, a língua é dinâmica por natureza, tal qual o é a vida. Logo, também
“(...) os gêneros estão em constante movimento (...)” (PINTO, 2007, p.50).
Esta autora acrescenta ainda que:
Ao interagir oralmente ou por escrito no contexto escolar, por exemplo, os
alunos precisam entender como o conteúdo, a forma da língua e a estrutura
organizacional dos vários gêneros discursivos fornecem recursos para
apresentar a informação e interagir com outros (...) nas situações escolares
os alunos desenvolvem a capacidade de utilizar, adequadamente, os
gêneros de acordo com as situações de comunicação em que estiverem
inseridos. (PINTO, 2007, p. 50).
A afirmação acima confirma o pensamento Bakhtiniano, o qual assegura ser
preciso entender que os recursos linguísticos, como a palavra, a oração, a
entonação (no discurso oral), estão a serviço do locutor, expressando uma relação
emotivo-valorativa somente dentro de um contexto, num enunciado completo. Fora
disso, eles são completamente neutros. A palavra adquire significados conforme o
contexto, sua neutralidade ganha expressividade no contato com a realidade, com a
situação em que é empregada e para a qual é escolhida, pois segundo Bakhtin,
escolhemos as palavras que vamos utilizar tendo em mente nosso enunciado e o
tipo de destinatário a quem se dirige. O enunciado é uma unidade da comunicação
verbal e é no seu todo que se determinarão e reconhecerão os gêneros do discurso,
que conforme o mesmo autor, estão presentes no nosso cotidiano naturalmente,
compostos de acordo com as necessidades do momento, das situações diversas e
dos interlocutores (BAKHTIN, 1997).
Neste cenário, o professor de língua estrangeira deve priorizar na sua prática
em sala de aula uma forma de ensinar que torne significativo para os alunos o
aprendizado e que os leve a entender este novo enfoque, onde a língua está para
servi-lo, ou seja, o estudante precisa ser estimulado, através de atividades que
explorem sua oralidade, leitura e escrita com atividades relevantes para ele, que
façam parte do seu cotidiano. Ele deve perceber as possibilidades que a linguagem
lhe fornece em expressar suas ideias e opiniões, de dizer o que gosta, o que quer,
do que precisa, e que, ao fazer isto, está se comunicando, estabelecendo relações e
interagindo com o outro, enfim, está se desenvolvendo.
2. SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO
O projeto aqui apresentado foi implementado no Colégio Estadual Parigot de
Souza, em Inácio Martins - Paraná, em uma turma do 9º ano no período vespertino.
Antes, porém, de apresentá-lo aos alunos, pudemos mostrá-lo a todos os
profissionais da escola durante a Semana Padagógica em fevereiro de 2014. O
material produzido também foi disponibilizado a um grupo de professores de Inglês
da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná, com quem desenvolvemos
durante o processo de implementação do projeto, o GTR (Grupo de Trabalho em
Rede), em ambiente on line, onde atuamos como tutores. A estes professores foram
propostas algumas atividades e questionamentos sobre a prática docente, e eles
puderam participar ativamente, interagindo com outros colegas de profissão,
trocando experiências, dando sugestões, comentando as atividades do material
didático, suas impressões, a possibilidade de aplicá-lo a sua realidade escolar e/ou
adequá-lo a ela, enfim, foi um momento de formação bastante rico e proveitoso, em
que a opinião dos colegas foi importante para reconhecer que a metodologia
escolhida para aplicar em sala de aula poderia surtir os efeitos positivos esperados.
A seguir, destaco alguns comentários recebidos durante o curso:
(Professor 01): “Concordo com você quando diz que eles sabem da
importância de saber inglês nos dias de hoje, mas eles não demonstram
este interesse na sala de aula e a nossa grande dificuldade está em
despertar o estímulo dos nossos alunos para o processo ensino-
aprendizagem e esta tua proposta do uso de "cartoon" vem de interesse
deles, é um ótimo recurso para nós professores colocarmos em prática.”
(Professor 02): “Olá ... , concordo quando você coloca a falta de interesse
dos alunos em aprender outro idioma. Essa é uma das dificuldades que
temos no nosso dia a dia na escola. Porém, é possível tentar mudar esse
panorama com atividades motivadoras e interessantes como o uso do
cartoon ( nosso tema de debate). Na minha opinião, o cartoon bem como
as tiras e as charges possuem uma infinidade de atividades que podem ser
trabalhadas e ao mesmo tempo podem interessar os alunos. Desse modo a
aula pode se tornar mais interessante para eles."
(Professor 03): “Certamente a utilização de recursos didáticos atraentes
propicia ao aluno uma aprendizagem com maior motivação e
entusiasmo. Pensando assim, o "cartoon" se torna uma excelente
maneira de proporcionar ao mesmo tempo, uma visão crítica e
humorística da sociedade onde vivemos. O professor, por sua vez, pode
se beneficiar muito desse recurso, pois o "cartoon" apresenta um
vocabulário de fácil compreensão, além das ilustrações que podem
auxiliar muito o aluno que tem mais dificuldade de aprendizagem da
língua inglesa. Além disso, o professor pode trabalhar o vocabulário,
bem como, aspectos linguísticos que eventualmente estão presentes no
conteúdo programado. As dificuldades podem surgir, mas é nesse
momento em que o professor deve intervir a fim de motivar seu aluno,
levantando questões sobre o tema e incentivando as discussões que
vão levá-lo a compreender a mensagem que o "cartoon" quer
transmitir.”
(Professor 04) “O cartoon é um texto humorístico no qual o autor realiza
uma crítica social ou de costumes, dando foco em uma realidade
genérica e não delimitada pelo tempo. O texto é atraente aos olhos do
leitor, afinal, a imagem é de rápida leitura e transmite múltiplas
informações de uma só vez. Promovendo a leitura e a interpretação da
imagem deste texto, facilitamos o entendimento da linguagem verbal
que nele contém, motivando o aluno a querer entendê-lo de forma
integral. Podemos explorar a linguagem não verbal e a verbal do texto e
estabelecer relação entre as mesmas, fazendo o aluno refletir e partilhar
sobre o assunto apresentado, bem como explicitar fatores de coerência
e coesão, intertextualidade, intencionalidade e informatividade do texto,
utilizando o conhecimento de mundo e tornando o processo de
ensino/aprendizagem significativo.”
Já o trabalho com os estudantes partiu da apresentação do projeto a
eles e da exploração do primeiro cartoon presente na lesson 1 – Introduction,
cujo objetivo era conhecer o gênero discursivo em estudo, sua origem e
características, seus elementos composicionais, como balões e onomatopeias,
além de sua função social. Os alunos demonstraram interesse e curiosidade
sobre o gênero cartoon, que pensassem fosse charge, então pudemos observar
e perceber as diferenças entre os dois. Esta lição finalizou com uma aula de
leitura de gibis, em que os alunos saíram da sala para ler no pátio da escola e se
concentraram na leitura, reconheceram os elementos composicionais do gênero
em estudo e depois trabalharam com um cartoon apenas de imagem, para o qual
tinham que criar a fala entre os personagens. Embora tenham feito isso na língua
materna, foi bem interessante e colaborou no entendimento e assimilação do
conteúdo.
A lesson 2 abordou o tema “Talking about school” e se demonstrou
muito empolgante. Divididos em grupos (após atividade individual de apontar
pontos positivos e negativos da escola), os alunos tiveram que defendê-la ou
acusá-la. Apontaram muitos pontos negativos e perceberam que tudo o que
gostavam da escola era ficar fora da sala de aula, como durante os intervalos,
nas atividades extraclasse, nos jogos escolares, no recreio, na hora da saída,
etc. Já os pontos considerados ruins, eram: a entrada, aulas “chatas”,
professores exigentes, provas, redações, aulas de Matemática, etc., ou seja, tudo
o que exigia deles uma dedicação maior. Riram muito deles mesmos ao verem
seus apontamentos e ao final elaboraram um texto em português (que não
estava previsto nas atividades do projeto), em que reconheceram o quanto a
escola é importante e que nenhum outro espaço pode instruí-los como ela o faz.
Foi muito enriquecedor, talvez porque puderam falar bastante e expressar suas
opiniões sem serem criticados, mas com um momento posterior de reflexão
bastante importante e válido. Em seguida, analisaram o cartoon “Cheating”, sobre
o qual discutimos a questão do uso da internet pelos estudantes e da pesquisa
enquanto “cópia e cola” do google.
Ainda nesta lição conversamos com os alunos sobre leitura e sua
importância e estudamos alguns dados biográficos de William Shakespeare, um
dos principais escritores da Língua Inglesa. Em seguida, analisamos o cartoon
“To be or not to be”, que levou os alunos a pesquisarem a relação do título da
tirinha com o autor estudado e também lemos algumas obras de Shakespeare,
cujos livros os estudantes levaram para terminar de ler em casa. Para finalizar a
lição, assistimos ao filme “Ten things I hate about you”, baseado na obra
Shakespeareana “A Megera Domada”, atividade esta que também não fora
prevista no projeto, mas que se mostrou pertinente à discussão. Após o filme, os
estudantes elaboraram poemas sob o título “Coisas que odeio”, escrevendo
sobre temas diversos. As produções ficaram satisfatórias e foram colocadas em
exposição na escola.
Na lesson 3 foram analisados dois cartoons que discutiam o machismo e
o papel da mulher na sociedade. Para começar a lição, assistimos ao clipe da
música “Who run the world?(Girls!)”, da cantora americana Beyoncé, trabalhamos
a música e debatemos sua proposta. Em seguida, analisamos a imagem “Father
knows best”, propaganda de um seriado americano dos anos 50, levantando
questionamentos relacionados à imagem (a qual destaca o pai como figura
central da família) e ao título que a acompanha.
Logo após, apresentou-se o cartoon da personagem Mafalda indagando
junto a sua colega Susanita a respeito das atribuições femininas no mundo. Os
alunos trabalharam primeiramente com levantamento de vocabulário, uma vez
que esta tirinha era composta por mais quadrinhos, todos contendo diálogos
intensos. Em duplas eles responderam às perguntas apresentadas e em seguida
falaram com seus pares sobre seus planos para o futuro. Quanto aos aspectos
linguísticos, neste momento aproveitou-se para estudar a formação do tempo
futuro (The Future Tense).
Enfim, estudamos o segundo cartoon desta lição: “Selfishness”, o qual
discutiu a questão dos relacionamentos afetivos. A análise deste quadrinho
provocou um debate maior, porque os educandos fizeram outra leitura que não a
esperada da imagem, por isso, a discussão ampliou-se, sendo necessário levá-
los a observar não apenas as palavras, mas as minúcias da imagem para exata
compreensão. Novamente os aspectos linguísticos puderam ser explorados aqui
e estudamos os pronomes, especificamente, the subject and the object pronouns.
A lesson 4: Parents and Children, objetivava observar como os
adolescentes veem o relacionamento entre pais e filhos e era composta de três
cartoons. No momento do pre-reading os alunos preencheram a uma ficha com
dados sobre si e sua família e responderam a algumas perguntas relacionadas.
Depois, partimos para o estudo do primeiro cartoon: “Busy Mother”, que apontava
uma contradição entre o desejo da mãe – educar bem o filho – e a falta de tempo
para dar atenção a ele. Os alunos novamente trabalharam em duplas e, através
dos exercícios chegaram ao entendimento do texto da tirinha e perceberam
claramente a oposição de ideias entre texto e imagem e a ironia aí presente.
Em seguida nos preparamos para o próximo cartoon por meio de
atividades em que os estudantes precisavam elencar tarefas maternas e eram
indagados se auxiliavam suas mães ou não nos trabalhos domésticos. A seguir,
analisamos a tirinha do personagem Calvin, que oportunizou aos adolescentes
pensarem sobre as responsabilidades na limpeza e organização dos seus
quartos, por exemplo. E nos aspectos linguísticos foi estudado o emprego das
preposições.
Na mesma lição ainda, o terceiro cartoon destacava a preocupação de
Mafalda em obedecer a uma ordem dada por sua mãe, e após o entendimento do
texto pudemos debater sobre a sabedoria dos pais, o desejo dos filhos, as
expectativas de ambos e toda esta relação familiar, às vezes tão conflituosa.
Neste momento, instigados pelo texto do cartoon, passamos a conhecer alguns
provérbios em Língua Inglesa. Para finalizar esta lição, trabalhamos uma canção
do cantor inglês Cat Stevens, intitulada “Father and Son”.
Para a lesson 5 foram selecionados três cartoons, cujo objetivo era
discutir a influência dos Estados Unidos na economia mundial. Como atividade
de pré-leitura, os alunos foram indagados a respeito de seu país, dos aspectos
que consideravam positivos e negativos e se tinham sonhos de morar em país
estrangeiro. Em seguida passamos à análise do cartoon que refletia a
problemática vivida na fronteira entre México e Estados Unidos e a questão do
sonho americano (The American Dream). Para ilustrar melhor o assunto desta
tirinha foi convidado um professor de História que se utilizou de trechos do filme
“Um dia sem Mexicanos” e de um mapa da fronteira entre os dois países em
questão, reproduzido também no material didático dos alunos, como recursos
para sua aula. Como tarefa extraclasse, os alunos foram divididos em grupos
para pesquisar mais informações sobre estes países e posteriormente
apresentaram os resultados aos colegas.
A pré-leitura para o próximo cartoon questionava os jovens sobre o tipo
de alimentos dos quais mais gostavam. Tal atividade levou a conversação acerca
de alimentos saudáveis e não-saudáveis e ao cuidado com a saúde. Após esta
etapa, fizemos a leitura do cartoon cuja imagem reproduzia o logotipo da
indústria de alimentos MC’Donalds sendo boicotada por dois garfos lembrando o
ataque terrorista ao World Trade Center. Este debate foi muito interessante, visto
que todos os adolescentes eram ainda crianças ou bebês quando o fato ocorreu,
e isto despertou neles muita curiosidade e indagações, e, além disso, ainda
debatemos sobre o consumo de fast food tão comum atualmente.
O último cartoon trouxe um texto mais descontraído, onde vários
alimentos “dialogavam”, e através dele estudamos nomes de vegetais e frutas em
inglês, terminando com um memory game sobre o assunto.
Finalmente, a última lição, a lesson 6 “It’s your turn!”, propunha a
produção de cartoons pelos alunos a partir das temáticas estudadas em todas as
lições. Neste momento eles puderam empregar os recursos que aprenderam
sobre o gênero discursivo estudado: texto, imagem, balões, onomatopeias, ironia,
explorando sua criatividade e efetivando a aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ensinar é uma tarefa que exige comprometimento, formação e
dinamismo do professor, que tem em suas mãos a oportunidade e o
compromisso de produzir em e com seus alunos os conhecimentos que
competem à escola informar e disponibilizar aos discentes. A elaboração destes
conhecimentos, no entanto, solicita dos estudantes uma resposta, pois é uma
atividade desenvolvida em conjunto, coletivamente em sala de aula, e depende,
então, da interação professor/aluno.
Ao professor cabe encontrar meios para chamar a atenção da sua turma
e despertar nela o interesse pelos assuntos ensinados e neste sentido, a
utilização de textos humorísticos, especialmente o cartoon ou “tirinhas”
apresentou-se como uma boa alternativa metodológica empregada neste projeto,
visto que em geral foram textos curtos, carregados de um humor sutil, com
mensagens sobre temas atuais que sugeriram um bom debate e provocaram
discussões interessantes entre os adolescentes, estimulando a oralidade e a
participação reflexiva de uma maneira descontraída, mas produtiva.
Através deles, também, foi possível trabalhar aspectos linguísticos
pertinentes e diversificada produção textual, algumas inclusive que não estavam
planejadas, ou seja, a riqueza de possibilidades didático-pedagógicas
oportunizadas pelo cartoon foi notável e o seu emprego mostrou-se positivo nas
aulas de Inglês, atingindo-se, assim, os objetivos propostos na elaboração do
projeto.
Todavia, percebeu-se, também, que não convém trabalhar somente com
um único gênero discursivo, pois os estudantes reagiram positivamente quando
outros tipos de textos lhes foram apresentados, como as músicas, textos
narrativos (acrescentados para explorar melhor a gramática), a poesia (na lição 2
após o filme) e a leitura de mapa (na lição 5).
Conclui-se, portanto, que as aulas de Língua Estrangeira alcançaram
um bom desempenho quando se utilizou como ferramenta metodológica o gênero
discursivo cartoon, que este estimulou a participação discente e a interação entre
os colegas e o professor através da prática da oralidade, propiciou momentos de
troca de opiniões, de construção/reconstrução de conceitos, compartilhamentos
de informações interdisciplinares e de leitura de mundo, sem deixar de abordar
questões próprias da Língua Inglesa, contribuindo assim, para o processo de
ensino-aprendizagem, tornando o aprendizado significativo para o aluno, e
podendo ser empregado em todas as turmas, uma vez que permite ser adequado
ao nível de compreensão de cada faixa etária e ano escolar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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