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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
Gêneros discursivos de início de percurso na produção da leitura:
uma “opção” por tiras narrativas
Giovana Luiza Nápolis Lima1
Orientadora: Luciana Pereira da Silva2
RESUMO: Este artigo objetiva relatar etapas e resultados coletados a partir da pesquisa que buscou dar ênfase à investigação da prática discursiva da leitura na educação básica, nas primeiras etapas dos processos de escolarização do aluno, 6ºs anos, tendo como princípio norteador Bakhtin (2003) e seus desdobramentos teóricos, colocando em destaque Dolz & Schneuwly (2011) e o procedimento metodológico sequência didática. Para tanto, buscou-se privilegiar um gênero discursivo, tiras narrativas, a partir do conhecimento experiencial, fruto da observação cotidiana da prática docente, que fosse ao encontro do que o aluno gosta e elege como ingrediente motivador nas aulas de leitura, e a partir daí propor um ensino de real significância social, elegendo a prática leitora como ponto crucial e potencializador dos demais eixos das práticas comunicativas sociais. Tal investigação só se constituiu como objeto científico de estudo, a partir dos horizontes de possibilidades proporcionados pelo Programa de Desenvolvimento Educacional PDE/ Secretaria do Estado da Educação do Paraná- 2014/2015, o qual apregoa como ação norteadora educativa principal a garantia da qualidade de ensino nas escolas brasileiras, colocando em destaque a paranaense.
PALAVRAS- CHAVE: gêneros discursivos; produção da leitura; tiras
narrativas
1 Graduada em Letras/Português pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especialização
em Educação Infantil e Séries Iniciais pela Universidade do Contestado/Mafra-SC e Educação Inclusiva pela Universidade Castelo Branco-RJ. Atua como professora de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio e Fundamental. 2 Graduada em Letras Anglo-Portuguesas pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Cornélio Procópio, mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, doutorado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná e pós-doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professora titular da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná.
1- Introdução
A leitura se configura, pois, no contexto contemporâneo da educação básica,
como condição ímpar no ensino profícuo da língua materna3. Os indicadores
educacionais brasileiros, como o SAEB e o ENEM, e regionais, como o SAEP4, por
exemplo, apontam para dados alarmantes. Tais índices reforçam a certeza de que
a escola brasileira não tem cumprido a contento a sua função ímpar social: altos
índices de reprovação, evasão escolar e analfabetismo funcional, por exemplo,
corroboram a ideia de quão distante está a nossa realidade escolar dos níveis
aceitáveis de uma escola que se propõe formadora, eficiente, voltada para
conquistas progressivas de cidadania, de real inserção na vida cívica.
Todavia, apregoar continuamente as mazelas5 em que se encontra o ensino
brasileiro, colocando em destaque a ineficiência do ensino proficiente da língua
materna, sem propor um novo olhar, uma mudança na direção das ações, pouco
contribuiria para reversão das práticas pedagógicas ineficazes vigentes. Em outras
palavras, tecer considerações apontando para consagrados erros no contexto
escolar, sem propor caminhos a serem trilhados, pode se configurar como mais
uma trajetória discursiva que pouco contribuirá para as intervenções pedagógicas
necessárias para a garantia da educação de qualidade.
Assim, são necessárias ações emergenciais eficazes, um olhar atento ao
cotidiano das salas de aula, às escolhas leitoras, por exemplo, dos nossos alunos,
aos anseios, expectativas dos mesmos. Uma escola voltada para o seu tempo,
sintonizada com as rápidas transformações sociais, em consonância com princípios
defendidos pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua
Portuguesa (DCE’s): “[...] compreende-se a leitura como um ato dialógico,
interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas,
pedagógicas e ideológicas de determinado momento” (PARANÁ, 2008, p.50).
Assim, é preciso estar atento ao reconhecimento, no mundo emergente, da
3 Devemos sempre evidenciar que a leitura tem se configurado não só ingrediente imprescindível
nos processos de ensino e aprendizagem profícuos da língua materna, mas também e sobretudo como condição ímpar para a garantia da pertinente prática docente em todas as áreas do conhecimento na educação básica. 4 Sistema de Avaliação da Educação Básica do Paraná 5 Terminologia utilizada por Silva (2005, p.39).
concomitância tão expressiva da linguagem verbal entrelaçada à complexidade de
linguagens não verbais que saltam aos nossos olhos a cada dia, nos processos
dos letramentos múltiplos: “fotos, cartazes, propagandas, imagens digitais e
virtuais, figuras que povoam com intensidade crescente nosso universo cotidiano”
(idem, ibidem p.71).
O olhar protagonista também de quem prima pela educação de qualidade
deve ser expressivamente valorizado, de quem busca no cotidiano da sala de aula
encaminhamentos pertinentes de ensino, muitas vezes conhecimentos
experienciais vivenciados não consagrados, não referendados na literatura
científica, mas que, com possibilidades de diálogos permanentes com o
acadêmico, poderão fazer a diferença, dando mostras da dimensão do papel do
professor-interventor nos processos de ensino.
Enfim, acreditamos que a garantia da qualidade da educação, colocando em
destaque o ensino da língua materna e por excelência o ensino da leitura,
potencializadora dos demais eixos das práticas discursiva, oralidade e escrita, pode
estar intimamente atrelada, em uma primeira instância, à escolha do gênero
discursivo; e em segundo momento, ao procedimento metodológico adequado.
Assim, propomos, reiterando assertivas defendidas,
à luz de valiosas contribuições teóricas da linguagem, que por ora se tem feito presentes entre nós professores da língua materna, as quais, pautadas em “concepções interacionistas, funcionais e discursivas da língua”6, fundamentadas em Bakhtin (2003[1952-1953]), e em seus desdobramentos teóricos, uma nova direção para aquisição de tal conhecimento, “leitura”, (grifos nossos), apontando para mais sólidos e convictos caminhos a serem trilhados, dinamizando, potencializando e consagrando verdadeiramente a prática leitora ao patamar de mola mestra, porto seguro de partida7 para a plena interação do homem no mundo em que vive (PARANÀ, 2014, p.2).
E, finalmente, apontamos para pertinências de possibilidades da
implementação de ações no contexto escolar de procedimentos de
encaminhamentos metodológicos representativos, como as sequências didáticas, a
partir de valiosos suportes teóricos propostos pelos pesquisadores de Genebra,
6 Expressão empregada por Antunes (2009, p.10). 7 Geraldi (2002, p.135) utiliza as expressões “ponto de partida” e “ponto de chegada” ao se referir aos processos de ensino-aprendizagem da língua, no que se refere à produção de textos orais e escritos.
Dolz & Schneuwly, uma vez que se configura como um encaminhamento
abrangente, capaz de
Permitir o ensino da oralidade e da escrita e “leitura” (grifos nossos)8 a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado; ser modular para permitir uma diferenciação do ensino (2011, p.81-82).
2- Relato de um olhar cotidiano da sala de aula
Início do ano letivo. Acolhida dos alunos, apresentações e rodas de
conversas são muito bem-vindas. É um universo totalmente novo aos ingressos
dos 6ºs anos. Escola nova, colegas e professores diferentes. Pouco a pouco, e
dando mostras de muita receptividade, nós, professores, conversamos sobre a
organização da escola, regras necessárias de convivência. Como bons
interventores da língua materna, trocamos experiências sobre temáticas
diversificadas pertinentes à infância e à adolescência, práticas indevidas de
bullying nas escolas, por exemplo. Assistimos a filmes de curta metragem (textos
fílmicos) sobre a temática escolhida para iniciar o ano letivo, depoimentos sobre
alunos vítimas de intimidações, agressões físicas, psicológicas, raciais, dentre
outras, e sobre as severas consequências de tal prática no contexto escolar e na
vida futura dos nossos educandos. Na sequência, instigamos os alunos a
pesquisar em HQs, Turma da Mônica, práticas inadequadas de bullying: as
agressões a Mônica, aos demais personagens, críticas feitas às dificuldades na
fala do Cebolinha, preconceitos em relação a variantes linguísticas de menor
prestígio social, em vocabulários gírios e caipiras encontrados na fala do Chico
Bento, críticas à sujeira do Cascão e à gula da Magali, dentre outras.
E, assim, introduzimos, paulatinamente, o contato9 dos alunos com a
linguagem quadrinhística, e percebemos quão é bem-vindo o primeiro encontro nos
processos de ensino e aprendizagem da língua materna com o referido
hipergênero multimodal. É notório destacar como o universo imaginário das
8 Pois subentende-se também e expressivamente o domínio a partir de tal eixo da prática discursiva. 9 Não o primeiro, pois se percebe que os alunos, pelo interesse e por meio de depoimentos a partir da expressão oral dos mesmos, já tiveram, em diversas outras situações escolares ou não, representativo acesso ao universo dos quadrinhos, felizmente.
personagens de Maurício de Sousa é vastamente conhecido pelos alunos, o que
facilita o trabalho com o “gênero” quadrinhos.
Apresentamos a seguir algumas tirinhas da Turma da Mônica e
podemos perceber o quanto o perfil das personagens fixas, como mencionado, já é
previamente conhecido pelos alunos, o que facilita a compreensão na leitura, uma
vez que os mesmos já apresentam conhecimento de mundo necessário, sobretudo,
curiosamente, para o entendimento das quebras de expectativas e humor das
mesmas, facilitando o trabalho do professor e exigindo pouca intervenção na
mediação do mesmo10.
Eis aí o início da “apresentação da situação”, primeira etapa do
procedimento SD (sequência didática). Por meio de uma motivada aula dialogada,
os alunos vão compreendendo espontaneamente o projeto de comunicação
proposto e dão mostras de entusiasmo em seguir todas as etapas, culminado com
a produção final e circulação do gênero.
Mas não basta limitarmos ao universo quadrinhístico Turma da Mônica.
Ampliando horizontes, outras personagens também são apresentadas, ora por
meio de filmes de curta metragem, ora por apresentações de coletâneas de
tirinhas, as quais trazem personagens que perfazem, às vezes mais e às vezes
menos, o universo imaginário dos alunos: Mafalda, Menino Maluquinho, Hagar,
Calvin& Harold, Garfield, Recruta Zero, dentre outros.
É preciso programar o tempo necessário de todo o procedimento. Uma
precisão, um planejamento. Quantas aulas serão necessárias para a
implementação do projeto de comunicação?
Partimos então para a “primeira produção”, a qual determinará o que os
alunos sabem e o que desconhecem. Ela será decisiva! Analisando-a, confirmamos
que a criança é dotada de expressiva capacidade inventiva. O que é muito sedutor!
Houve ocorrência de alunos que utilizaram imagens de personagens fixas
consagradas para compor os seus quadrinhos, como personagens da Turma da
Mônica e de contos de fadas; outras criaram as suas próprias. Os balões utilizados,
em sua maioria, foram os de fala-comum (apenas um especial em forma de
coração, e um balão-pensamento). Houve também a redundância do emprego do
10 Vale lembrar que as tirinhas da Turma da Mônica dão mostras de serem bem apropriadas para o
início do trabalho a partir do referido gênero discursivo, uma vez que, de fato, foram produzidos para atingir o público-alvo da infância e da pré-adolescência.
travessão em uma sequência de balões. Mas, apesar de as histórias
predominantemente apresentarem satisfatória presença de sequência lógico-
temporal, faltou maior dinamismo nas ações, com a presença bem limitada de
recursos gráficos, marcas de expressões e onomatopeias. Apesar da também
limitada presença de elementos de humor, os alunos valeram-se de marcas
linguísticas de espontaneidade e informalidade nas falas. As vinhetas foram todas
(quase sem exceção) tradicionais quadriculadas (apenas uma com moldura
especial, trabalhada em formato de ondas). Os apêndices, todos tradicionais,
compondo um único corpus visual com os balões-fala (apenas uma sequência em
formato de setas). As pinturas foram feitas em sua maioria em cores primárias bem
vivas.
A partir de tais constatações, procuramos iniciar o encaminhamento dos
módulos a partir de “elementos não-linguísticos”: personagens fixas, balões,
apêndices, cores, figuras cinéticas, vinhetas, formatos de letras. E, na sequência,
pelos “linguísticos”: níveis de fala: variação linguística e preconceito linguístico,
oralidade, redução vocabular e onomatopeia e, finalmente, os linguísticos e não-
linguísticos ao mesmo tempo: humor e desfecho inesperado, sequência lógico-
temporal.
Encontramos dificuldades. A fim de dinamizarmos as ações, precisaremos
de recursos. Estamos bem limitados apenas à TV Pendrive. Precisaríamos de mais
recursos tecnológicos, como laboratórios de informática (talvez nem tanto, pois
muitos dos nossos alunos, infelizmente, não apresentam ainda noções básicas de
informática), de uma lousa digital talvez ou de um data show. Coletamos
resultados, avanços esperados no final da sequência didática programada.
Primeira produção: aluna Gabriela Svenar (6ºA)
3- O lugar da linguagem quadrinhística no contexto escolar: intervenções
de ensino da língua materna (leitura) a partir do gênero discursivo tiras
narrativas
3.1 Estratégias facilitadoras da leitura: elementos não-linguísticos
Pois bem, uma vez realizada a primeira produção, e a partir da análise da
mesma, foi possível dar continuidade efetiva à sequência didática, estruturada,
então, a partir das seguintes etapas: apresentação da situação, produção inicial,
módulos e produção final. Como já referendado no capítulo anterior, os elementos
não-linguísticos compõem as primeiras etapas nos processos de modelização da
SD proposta, por darem mostras de serem mais sedutores e “provocadores” de
uma intensa interação entre autor-texto-leitor11. Todavia não podemos
compreender os elementos constitutivos (linguísticos e não-linguísticos) do gênero
discursivo, objeto de estudo, tiras narrativas, como elementos estanques,
independentes entre si; ao contrário, os mesmos se intercruzam, havendo uma
interdependência recíproca entre ícones e sentenças linguísticas no
processamento da informações.
Mas, enfim, o primeiro módulo personagens fixas previsto, ou melhor,
destacado como possibilidade de início de um processo da modelização, no
Caderno Pedagógico (PARANÁ, 2014, 18-20), situado no referido documento como
elemento não-linguístico, na prática docente, parece intensamente dialogar com o
linguístico, uma vez que provoca, no contexto da aula dialogada, a intensa prática
da oralidade. Os alunos, instigados sobre o perfil de cada personagem consagrada
da linguagem quadrinhística, dialogam, trocam experiências sobre características
físicas e psicológicas das mesmas, condutas apreciadas pelos alunos como
pertinentes ou não, mas marcantes, merecedoras de méritos ou reprovações.
Assim, interessante, nesse módulo, é atentar para atividades que parecem
provocar maior interação entre aluno e prática leitora. Expor imagens (leituras
visuais) ao aluno parece se configurar como estratégia propulsora para a prática da
oralidade, como já ressaltado, ampliando repertórios e acionando conhecimentos
prévios e de mundo, e preparando terrenos, enfim, para o despertar do gosto e da
imaginação. Nesse mesmo módulo, também, observa-se que leitura de vídeos de
11 Sobre tal abordagem c.f. (KOCH, 2014, p.10).
curta metragem, que trazem personagens fixas como protagonistas das histórias,
também parece fazer a diferença na dinamização das ações propostas.
O módulo não-linguístico “balões”12 foi bastante instigador e trouxe muita
motivação aos alunos no contexto da sala de aula. Atividades que envolvem
práticas de desenhos entre alunos dos 6ºs anos parecem condizer muito
favoravelmente com o que o educando elege como elementos de ludicidade/prazer
nessa etapa da vida e da escolarização. Nesse sentido, acreditamos ser muito
interessante trabalhar o referido módulo, “topicalizando-o”, colocando-o também
em destaque no início do processo da modelização, transferindo segurança e
garantindo à criança quanto às aulas de língua portuguesa, as quais podem ser
prazerosas, voltadas para o interesse da infância e da adolescência, ao contrário
do que muito vem afirmando o senso comum13. Vale ressaltar, nas atividades
propostas, o quanto os balões apresentam e podem apresentar formatos variados
(muitos ainda não classificados14). Mas pouco enriqueceria as aulas se o professor
não atentasse para a riqueza discursiva expressa em cada formato. Em outras
palavras, frutos da capacidade inventiva de cada produtor da imagem/ texto, os
formatos/ contornos de balões podem expressar intenções comunicativas,
ideologias, por meio das possibilidades variadas de tracejados.
Vale também lembrar que, no referido módulo, é importante o professor não
se limitar somente aos elementos não-linguísticos que o caracterizam, mas
sobretudo também enfatizar que os balões são na verdade “caixa de diálogos”,
“recipientes do texto-diálogo proferido pelo emissor”15, compondo um corpus visual
com os apêndices ou “rabichos”, “substitutos”, a grosso modo, da precária
sinalização dos travessões nos discursos diretos, uma vez que os mesmos, os
12 Interessante, nesse módulo, bem como em outros como apêndices, cores, figuras cinéticas,
vinhetas, formatos de letras, buscar fazer um trabalho interdisciplinar com o professor de Arte, o que não foi previsto para essa sequência didática. 13 A respeito de sugestões de atividades prazerosas para aulas de língua portuguesa, vale a pena
conferir o trabalho realizado por Coscarelli (2010). 14 Sobre classificações de formatos de balões, c.f. Ramos (2012) o qual nos chama a atenção para o fato de que há muitas outras mais possibilidades de construções de balões, além das elencadas por ele, ultrapassando a marca de 70 tipos de formas. 15 A respeito da representativa conceituação do balão como “recipiente do texto-diálogo proferido
pelo emissor”, vale conferir Eisner (1989), apud Ramos (2012, p.32). Vergueiro (2014, p.56) in “A linguagem dos quadrinhos: uma alfabetização necessária” o considera como código visual de “interseção entre imagem e palavra”. “Um verdadeiro híbrido de imagem e texto, que não podem mais ser separados” Ramos (2012).
travessões, apenas indicam, em uma grande maioria de seu emprego, as falas das
personagens, não expressando nenhuma outra intenção discursiva, a nosso ver16.
Ainda, em se tratando do desenvolvimento do módulo “balões” e da riqueza
expressiva discursiva que tais elementos “balão e apêndice” apresentam
concomitantemente, nos discursos expressos na linguagem quadrinhística,
percebe-se, na prática pedagógica, a necessidade de trabalhar dois módulos
previstos em um só módulo17, uma vez que se configuram, tanto um quanto outro,
como “umbilicalmente indissociáveis” (Ramos, 2012, p.43).
Apêndice e balão especial no primeiro quadrinho; ausência de balões nas demais vinhetas. Vivacidade nas cores. Letras preenchidas/efeitos especiais. (Aluna Gabriela Svenar, 6ºA)
Da mesma forma, procedeu-se o trabalho com o elemento cores e formas de
letras, na implementação do projeto. Assim como os balões e apêndices, as cores
também expressam ideologias, discursos e intenções comunicativas. E como
houve muito interesse por parte dos alunos pela “pintura” dos formatos das letras,
foi prudente interligar o módulo “forma de letras” ao módulo “cores”. Em se tratando
desse último, percebemos muita interação nas atividades por partes dos alunos.
Fazendo uma pesquisa in locus, primeiramente, a partir da leitura do
hipergênero HQs, observou-se predominância de cores vivas e primárias
preenchendo os quadrinhos. Curioso notar que essa também é uma tendência na
escolha dos alunos, os quais optam, nas atividades propostas, por “pinturas”
16 Sobre a utilização expressiva dos apêndices, vale também a pena conferir Ramos (2012, p.43), o qual, referendado a outros autores, considera tais recursos como possibilidades icônicas de “os quadrinhos representarem o discurso direto”. 17 No caderno pedagógico (PARANÁ, 2014), há a sugestão de dois módulos distintos para o trabalho
tanto com um quanto com outro elemento. Todavia, a fim de maior dinamização das ações encaminhadas no contexto da sala de aula, movidas pela prontidão no interesse dos alunos, optou-se por unir as atividades propostas em um único módulo.
também bem marcantes, dando mostras enfáticas de vivacidade nas cenas
representadas. Todavia, quando há mudança de tonalidades de cores, nuances de
tons sombrios (luz e sombra), cinzas e/ ou negros, faz-se necessário a mediação
do professor, instigando os alunos para a percepção das intenções discursivas
expressas pelos quadrinhos. Em alguns momentos, os alunos perceberam tais
mudanças por si próprios, como a cor branca para caracterizar a personagem
“fantasma” em uma das histórias lidas (Turma da Mônica), conjugada com a cor
negra e/ ou cinza para expressar “terror” e medo, por exemplo, bem como, em
outros momentos, a cor também negra, indicando morte e tristeza. Outras vezes,
percebendo conscientemente ou não que a cor também é elemento marcante,
caracterizador da personagem fixa, indagam a seus pares, qual é a cor do chapéu
do Chico Bento (por exemplo)? E a cor da roupa da Magali, qual é mesmo?
O módulo “formas de letras” foi muito sedutor/instigante. Os alunos tomando
ciência da variedade de possibilidades de formatos de letras que saltam aos
nossos olhos a cada instante, sobretudo pelas infinitas possibilidades que o mundo
contemporâneo da informática nos favorece, os mesmos vão tomando ciência
também de suas capacidades inventivas, atrelando criatividade, recursos
disponíveis, valores e intenções discursivas em suas atividades. Mas tudo isso só
se torna plenamente possível por meio da pronta mediação do professor.
Vale destacar ainda, nesse módulo, o quanto os alunos se valeram em suas
escolhas de cores vivas, de destaque, também para enfatizar títulos, legendas,
como também, muitas vezes, as falas das personagens. E todas as preferências
são muito bem-vindas e valorizadas nesse momento: letras preenchidas, tremidas,
negritadas, em itálico, sublinhadas, contornadas, aumentadas, prolongadas, em
caixa alta, cursivas, verticais, horizontais em diagonal, enfim, inovadoras, dentre
muitas outras, corpos de letras18, sugerindo efeitos variados de sentido.
Sabe-se que, na linguagem quadrinhística, a estaticidade é um elemento
marcante. Mesmo que o professor visualize na TV pendrive , por exemplo, páginas
eletrônicas de HQs ou de tiras narrativas19, as imagens permanecem sem
dinamicidade. Todavia, as figuras cinéticas, compreendidas como
18 Termo também utilizado por Ramos (2012). 19 Exceção feita aos desenhos animados, por exemplo.
“linhas de movimento” que perpassam as composições dos quadrinhos, atribuindo vida e dinamicidade aos elementos plásticos, garantindo a dinamicidade nas ações (PARANÁ, 2014, p.29),
se configuram, pois, como possibilidades de indicação de movimentos e
dinamicidade nas ações narradas. Garantindo, então, a visualização a um só
tempo de tais recursos, optou-se, em um primeiro momento, pela apresentação de
imagens eletrônicas de páginas de histórias quadrinizadas via TV pendrive, que
puderam ser amplamente detalhadas aos alunos, os quais, fazendo registros dos
mesmos, reconheceram o valor expressivo de cada intenção gráfica apontada. Em
um segundo momento, optou-se pela apresentação de uma coletânea de tirinhas,
as quais também puderam ser socializadas pelos alunos, percebendo efeitos de
movimentos nas ações narradas, nas sinalizações gráficas.
Nessa atividade, pode-se perceber interação expressiva por parte dos
mesmos, favorecendo também a sedimentação de um muito bem-vindo terreno
para o trabalho de análise linguística, substantivos e processos de adjetivação, por
meio da escolha de “tracejados de movimentos”, reforçando expressões faciais,
corporais, estados de espíritos de personagens, como, raiva, satisfação,
preocupação, cansaço, dúvida, espanto, orgulho, questionamento e prepotência,
por exemplo.
As vinhetas, abrigo das cenas, assim como balões, formatos de letras e
outros recursos não-linguísticos, podem apresentar também múltiplas
possibilidades de criação, nas consagradas mãos de cartunistas, os quais
magicamente conciliam tão notoriamente palavra e imagem. Segundo Vergueiro
(2014, p.36), com o desenvolvimento do gênero quadrinhos, as vinhetas passaram
a ter contornos, linhas diversas, “visando obter mais dinamicidade nas narrativas”.
Ainda, de acordo com o mesmo, não devemos considerá-las, as vinhetas, como
“gaiolas da qual nada se pode escapar” (idem, ibidem).
Ao contrário, situações em que as personagens transitam entre quadrinhos, extrapolam limites de contornos, no “descontrole” das agraciadas mãos de desenhistas, podem se configurar como muito bem-vinda estratégia de criatividade e estilo (PARANÁ, 2014, P.35).
Assim, é importante, nesse módulo, que o professor instigue seus alunos a
criar molduras, “bordas de estilo” contornos criativos para abrigo das cenas, sem se
limitar a delineamentos estanques quadriculados (observação feita na análise da
primeira produção, que demonstrou tendência dos alunos a apresentarem formas
padronizadas de vinhetas). Interessante também reconhecer, nas escolhas de
formatos das bordas, as intenções comunicativas expressas na ausência de
contornos, elipses (ocultamentos de contornos) e hiatos (espaços entre os
quadrinhos), por exemplo.20
Enfim, a sequência de vinhetas, que organizam as cenas narrativas,
sinalizam para a necessidade do trabalho com um outro módulo, mas também
linguístico: sequência lógico-temporal.
Ruptura na sequência lógico-temporal, na inversão do posicionamento das personagens e suas respectivas falas (segundo quadrinho). Aluna Ana Carolina de Siqueira - 6ºB
3.2 Possibilidades da intercompreensão entre elementos linguísticos e
não-linguísticos em tiras narrativas
É notório perceber, em uma primeira instância, o quanto os elementos não-
linguísticos motivam e possibilitam a compreensão dos linguísticos e da
compreensão global do sentido em tiras narrativas.
O caderno pedagógico que norteia a SD, objeto dessa análise, classifica os
elementos constitutivos de tiras narrativas em não-linguísticos, linguísticos e
linguísticos e não-linguísticos ao mesmo tempo (embora aponte para a dificuldade
muitas vezes de se compreender um sem a dependência de outro). Todavia a
dinâmica da prática docente nos leva a refletir sobre, muitas vezes, a necessidade
de abrirmos mão de tais classificações, em detrimento de um trabalho mais
20 Sobre estudo mais detalhado de tais fenômenos e “formas de apresentação do quadrinho”, c.f. Ramos (2014).
profícuo da língua materna. Em outras palavras, não nos atermos muitas vezes a
nomenclaturas parece ser uma postura condizente com o que se espera de um
ensino proficiente de habilidades de leitura e de demais eixos da prática discursiva.
Mas, enfim, o módulo que se classifica no caderno pedagógico como
linguístico e não-linguístico, ou seja, sequência lógico-temporal, apresenta um
“encaixe” didático, um intercruzamento direto com o estudo das vinhetas, uma vez
que os conhecimentos prévios sobre o assunto já estão ativados pelos alunos,
sedimentando terrenos fecundos a que ampliação de conhecimento de mundo que
está por vir. Assim, constatou-se que os encaminhamentos de atividades
relacionadas ao estudo da sequência lógico-temporal atrelado ao das vinhetas,
representou, a nosso ver, um muito bem-vindo trabalho de habilidades pertinentes
de compreensão da leitura e de produção textual, por meio de constatações a partir
da análise das partes constitutivas das sequências narrativas e, enfim, como está
previsto no caderno pedagógico:
(...) as ações propostas neste módulo podem se constituir em
poderosa ferramenta para o desenvolvimento cognitivo do
aluno, uma vez que favorecem o exercício da compreensão das
relações lógico-temporais que se constituem em diferentes
níveis linguísticos, como no semântico quanto no pragmático,
por exemplo (PARANÁ, 2014, 53) .
De fato, compreendeu-se esse módulo como imprescindível nos processos
de ensino aprendizagem da língua materna, um vez que expressivamente
contribuíram para o trabalho profícuo da oralidade, leitura e, sobretudo, produção
escrita e de procedimentos de reescrita, de análise da coerência e coesão textuais,
atividades, enfim, de procedimentos de metacognição. Compreendeu-se também
o quanto os ícones visuais estabelecem relações semântico-lógicas, atrelados ao
texto escrito, na ordenação das ações narradas21.
É importante, enfim, que o aluno reconheça, nesse momento, como se dá a
ordenação e articulação das sequências textuais no gênero textual objeto de
estudo. Colocar em evidência a necessidade de o aluno perceber como o elemento
tempo é determinante na construção da sequência narrativa nas tirinhas (o qual
21 Mas vale lembrar que há ocorrência de tirinhas ora sem palavras (“vozes mudas”) ora sem texto (sequências narrativas constituídas somente por imagens) as quais também são muito bem-vindas não só nos processos de ensino-aprendizagem, mas sobretudo na apreciação de seus adeptos leitores.
também pode ser expressivamente marcado nas legendas), perceber também que
a brevidade na ação narrada está intimamente atrelada ao número reduzido de
quadrinhos em tiras narrativas se configuram também como aspectos
imprescindíveis.
Enfim, aproveitou-se o ensejo, nesse módulo, para enfatizar traços
composicionais e estilísticos pertinentes ao referido gênero, como marcas da
oralidade, redução vocabular e variação linguística (aspectos, diga-se de
passagem, tão peculiares na escrita cotidiana de nossos alunos). Dessa forma,
percebeu-se a necessidade de encaminhar um próximo módulo: preconceito
linguístico.
O preconceito linguístico é uma temática que, independentemente de estar
prevista em uma sequência didática específica, deve ser amplamente abordada
nas diversas etapas dos processos de escolarização do aluno. Noções sobre
variações linguísticas, diferenças nos registros linguísticos entre tipos rurais e
urbanos, por exemplo, cada qual com suas respectivas peculiaridades, devem ser
expressivamente enfatizados, reforçando distintos valores culturais.
Ao contrário do que o senso comum poderia afirmar, trabalhar personagens
em sala de aula, como Chico Bento (Turma da Mônica) e Xaxado, de Antônio
Cedraz, que refletem valores socioculturais específicos, pode ser configurar como
valiosa ferramenta de ensino da língua materna, uma vez que, colocando em
destaque registros da fala presentes no universo que permeia tais personagens,
enriquece a prática docente, dando mostras de ser possível atenuar
paulatinamente o preconceito linguístico na escola e na sociedade.
Tiras narrativas, permeadas de traços da oralidade22, favorecem tal
abordagem. Por outro lado, vale ressaltar, embora seja dado destaque ao elemento
linguístico no referido módulo, observa-se forte imbricamento desse aos elementos
não-linguísticos, provocando a curiosidade e o gosto pela leitura por parte do aluno.
A carismática personagem Chico Bento, por exemplo, trajada de vestimenta e
acessórios do campo (ícones visuais) elucidam e remetem aos elementos
linguísticos, contribuindo para compreensão global do sentido. As personagens da
Turma do Xaxado, como outro exemplo, que trazem marcas regionalistas do sertão
22 Ramos (2012, p.61) chama a atenção para a constatação de que “há diferentes níveis de fala”, na
linguagem quadrinhística, os quais variam do “formal ao informal”.
nordestino, apresentam rica ferramenta de ensino e reflexões sobre possibilidades
de múltiplas variações linguísticas em nosso extenso território brasileiro.
Dessa forma, antes da materialização da apresentação e estudo de tirinhas
que permeiam o universo linguístico e não-linguístico de tais personagens, é
importante, como forma lúdica, instigante, revigorante (a prática docente nos
permite afirmar tal assertiva), expor filmes de curta metragem em torno das
personagens destacadas. A seguir, registrar listas de constatações das variantes
linguísticas encontradas, tanto em textos fílmicos quanto nos impressos, para
socialização com os alunos.
Como já previamente referendado, as tirinhas trazem como marcas da
oralidade, de espontaneidade, naturalidade nas falas, estratégias, com certeza
facilitadora de habilidades de leitura e de ensino proficiente da língua materna,
pertinentes sobretudo para as primeiras etapas dos processos de escolarização do
alunos. As onomatopeias, as quais também podem transitar pela classificação
entre elementos linguísticos e não-linguísticos, compõem com expressividade o
gênero discursivo objeto dessa classificação.
Ativar conhecimentos prévios, a partir da apresentação de possíveis listas de
constatações de ocorrências de palavras onomatopaicas com a exposição da
abrangência em torno de seus respectivos campos semânticos, se configura, pois,
como um bem-vindo procedimento metodológico no encaminhamento de ações
propostas no processo da modelização. Verificar in locus, no contexto da
linguagem quadrinhística, em HQs e em tiras narrativas, a ocorrência de tais
fenômenos linguísticos, instigando os alunos ao espírito da iniciativa da prática da
pesquisa, também se configura como um pertinente encaminhamento no
desenrolar das ações.
Entretanto, reconhecer tais ocorrências, particularizando-as, sem, no
entanto, mediar sobre possíveis intenções discursivas presentes nas escolhas
feitas, efeitos de sentido, conscientemente ou não, por parte de quem produz os
tão expressivos artefatos palavra/imagem, é uma postura instigante,
potencializadora de possibilidades reflexivas de leituras. Curioso observar, nesse
módulo, intitulado “onomatopeias”, como os alunos estão atentos para as cores e
formas assumidas23 pelas palavras onomatopaicas, o que enriquece ainda mais o
trabalho da mediação do professor, permitindo ao mesmo abranger conhecimentos,
partindo para análise linguística, por exemplo das interjeições, também
expressivamente presentes na fala das personagens24.
Curioso notar que, embora não tenha havido registro de recursos
onomatopaicos na primeira produção dos alunos, os mesmos prontamente
reconheceram o quanto tais palavras são atrativas, dinâmicas, acentuando a ação
expressa, por meio muitas vezes de enfáticas linhas de expressão, formato de
letras e cores, como já previamente expresso.
Expressivo efeito onomatopaico utilizado no terceiro quadrinho, contornado por linhas de movimentos, figuras cinéticas, e outros recursos gráficos, como metáforas visuais. (Leonardo Vinícius Silva Oliveira, 6º B)
Mas qual a marca principal das tiras? Quais os elementos composicionais e
estilísticos que mais as caracterizam? Seriam os elementos temáticos voltados
para abordagens do cotidiano? (Talvez essa constatação seja uma marca
predominante mas não a mais marcante.) A brevidade na ação narrada
caracterizada pelo número reduzido de quadrinhos? (Talvez essa última
23 Sobre tais constatações, Ramos (2012, p. 81), esclarece que “o aspecto visual da letra utilizada pode indicar expressividades diferentes. Sua cor, tamanho, formato e até prolongamento adquirem valores expressivos distintos dentro do contexto em que é produzida.” 24 Curioso notar que, embora haja uma proximidade pragmática entre um e outro fenômeno, as onomatopeias se encontram notoriamente em espaços que extrapolam os balões (mas também podem se encontrar dentro desses), enquanto que as interjeições se limitam expressivamente a “recipientes” de falas, locus privilegiado das expressões verbais. Em outras palavras, as onomatopeias parecem se voltar nitidamente à expressão de ações e objetos, enquanto as interjeições, a sentimentos, estados de espírito.
constatação seja a mais visualmente percebida pelos alunos.) Todavia, não
podemos perder de vista o elemento humor, que pode representar um dos
ingredientes mais importantes nas tirinhas, pode notoriamente instigar os alunos,
desde as primeiras etapas dos processos de escolarização, a sedimentar terrenos
rumo a possíveis posicionamentos críticos, a conquistas progressivas a
letramentos críticos.
De fato, o humor percebido e muito bem apreciado nas diversas situações
de leituras que se fizeram presentes na SD das tiras narrativas, imbricado nos
outros inúmeros outros elementos composicionais, estilísticos e temáticos, parece
conferir o encantamento, sedução real, criando consistentes laços de interação
entre leitor/ texto.
Curioso notar, no referido módulo, a necessidade de o professor buscar
interações/ motivações entre alunos a partir da leitura de outros gêneros textuais, a
fim de incitá-los a melhor compreender o fenômeno linguístico evidenciado. E,
assim, procurou-se, na implementação do referido processo de modelização dos
conteúdos, ler piadinhas/ anedotinhas25. Dessa forma, preparando terreno para a
leitura e compreensão das quebras das expectativas, implicaturas, nas sequências
finais de cada tirinha, nos desfechos finais inesperados, inusitados nas ações
narradas, “desalinhamentos” das estruturas semântico- pragmáticos, por exemplo.
Mas, acima de tudo, vale ressaltar sobre como os módulos se interligam
entre si, sendo os conteúdos de aprendizagem não estanques, mas continuamente
dependentes, dialogados entre seus pares. Como exemplo, o módulo humor só foi
possível de ser amplamente trabalhado, porque o conhecimento de mundo fora
previamente explanado no módulo personagens fixas, o qual sedimentou terrenos
para o sensível desenvolvimento intelectivo do aluno e da percepção das interfaces
do humor. Mas vale ainda lembrar que, também acima de tudo, na efetiva
implementação do referido módulo, está notoriamente em evidência a pertinente
mediação do professor, “ingrediente” facilitador/provocador de alargamentos de
possibilidades de compreensão de conteúdos de textos, de aprendizagens,
estreitando limites, na leitura do referido gênero discursivo, de eventuais
desencontros entre alunos-leitores, provenientes da diversidade de “aspectos de
25 Para isso, optou-se pela leitura de textos interativos de humor presentes nas diversas edições da
revista Recreio, pelos alunos, os quais demostraram bastante entusiasmo ao lê-las, pela ludicidade, diversidade de temas e curiosidades que a mesma apresenta, tão pertinentes à infância e á adolescência. Uma muito bem-vinda atividade da prática da oralidade!
natureza social, cultural, faixa etária, nível de escolarização, dentre outros”
(PARANÁ, 2014, p. 56).
Reconhecimento pelo aluno de que o elemento “humor” (colocado também em destaque pelo mesmo) é ingrediente inerente ao referido gênero “tiras narrativas”, embora tendo sido empregado com relativa dificuldade na elaboração do seu expressivo efeito de sentido. (Jeferson Rocha de Souza, 6º B)
4- A produção final e a circulação do gênero discursivo
Acreditamos ser a produção final o momento mais esperado da
sequência didática, pois é a partir da coleta dos resultados que nós, professores
interventores do ensino da língua materna, nos damos conta da pertinência ou não
da nossa mediação nos processos de ensino-aprendizagem, e da eficácia dos
procedimentos metodológicos adotados. Nesse momento, damo-nos conta também
da certeza do papel imprescindível do professor na aprendizagem dos educandos,
quando, na verdade, os mesmos correspondem às expectativas previamente
previstas, de uma produção final mais distante da produção inicial, e mais
“aperfeiçoada”, mais aproximada da produção real que se espera do gênero
discursivo destacado como objeto de ensino.
É notória a constatação de que a primeira produção nos aponta para
caminhos que devemos trilhar, quais conteúdos encaminhar, sinalizando-nos,
apontando para ações pertinentes de intervenções pedagógicas. É reflexiva e
geradora de ações. Mas é notória também a constatação do quanto os resultados
positivos colhidos na produção final alimentam o gosto por um contínuo fazer
pedagógico de real significância social. Essa é também reflexiva e geradora de
ações, nos faz repensar sobre a eficácia ou não da nossa prática no cotidiano
escolar.
Lembramos que todos os módulos encaminhados como conteúdos de
aprendizagem em torno do gênero selecionado como objeto de ensino tiras
narrativas, preparados a partir das reais necessidades dos alunos, por meio da
análise da produção inicial dos mesmos, traziam como eixo discursivo primordial a
produção da leitura, ou melhor, habilidades progressivas de formação leitora dos
aprendizes. E, assim, todos os demais eixos das práticas discursas,
potencializados a partir de procedimentos de práticas de compreensão da leitura,
por meio da mediação do professor, e inferências dos próprios alunos, e esses,
entre seus pares, puderam ser amplamente explorados, favorecendo a
compreensão global das amostras do gênero de texto propostas, bem como
preparando terrenos para o trabalho com a oralidade, análise linguística, finalmente
e sobretudo, a produção e reescrita textual.
O deslumbramento a partir da análise dos dados finais coletados,
cada passo adiante dado, distanciado, enfim, da produção inicial, nos fazem crer
sobre o quanto o procedimento SD proposto, a partir das inegáveis contribuições
teóricas de Dolz & Schneuwly (2011), podem proficuamente contribuir para a
melhoria da qualidade do ensino da língua materna nas escolas públicas
brasileiras, colocando em destaque a paranaense. Cada tracejado icônico
(elementos não-linguísticos) destacado por cada aluno, encantamentos suscitados
a partir das amostras das produções finais, a mais adequada escolha discursiva
feita pelo mesmo, nos formatos dos balões, apêndices, vinhetas, cores, formas de
letras, figuras cinéticas e personagens criadas, por exemplo, na composição das
tirinhas, configuraram-se, pois, como apontamentos de atitudes responsivas a uma
prática pedagógica que se propôs mais eficiente, na concretização de melhores,
mais eficazes resultados.
A pertinência, enfim, do diálogo estabelecido entre ícones visuais e
marcas linguísticas na composição dos “artefatos” produtores de sentido, criados
pelos alunos nas etapas finais da SD (as tirinhas) deu mostras de elos de coesão e
coerência estabelecida, a partir do trabalho desenvolvido no módulo sequência
lógico-temporal, atrelado ao estudo das vinhetas. Notória também a constatação
das tentativas da produção de efeitos de humor, por meio de desfechos inusitados
entre o penúltimo e último enquadrinhamento das cenas na sequência narrativa, e
ocorrência de onomatopeias, o que demonstra apropriação da escrita por parte do
aluno ao referido gênero de texto, objeto de ensino.
Mas vale a pena sempre lembrar que a produção escrita de texto em
linguagem quadrinhística embora dê mostras de ser, em uma primeira instância,
tarefa fácil e lúdica, é complexa e requer preparo e amplos conhecimentos prévios.
Por outro lado, paradoxalmente, por ser a mesma hipergênero discursivo tão
apropriado para a infância e a adolescência, por se caracterizar linguisticamente,
sobretudo, por sentenças curtas, marcas da oralidade/informalidade, favorece a
prática da produção da escrita, a desenvoltura e prontidão do aluno em se arriscar
a produzir seus primeiros textos, num movimento de escrita que podemos
considerar talvez como a prática de um “escrever sem doer”.
E que fiquemos atentos, nós professores, interventores também da
reescrita dos nossos alunos, de considerarmos criteriosamente as possíveis
marcas da oralidade que poderão estar presentes na produção final dos textos dos
nossos educandos, e o que poderá ser apontado, sinalizado para a apropriação da
linguagem à norma padrão. Cabe a nós, o bom senso, o conhecimento prévio do
gênero e de conhecimentos teórico-linguísticos apropriados para o adequado
ensino da língua materna.
E, enfim, que façamos os artefatos produzidos circular. E se, numa
primeira instância, não podemos expandir a circulação para além dos muros, ou
melhor, “muralhas” da escola, que o façamos em forma de murais, painéis, nos
diversos espaços escolares disponíveis. Afinal, que os nossos alunos se sintam
reais produtores de seus próprios textos, leitores e também coautores de seus
produtos, num contínuo e significativo movimento circular de formação da produção
leitora/escritora
.
5- Conclusão
Sem sombra de dúvida, a melhor escolha do gênero textual a ser trabalhado
em cada etapa da escolarização do aluno, atrelada a um procedimento
metodológico também de extensiva pertinência pedagógica, se configuram, pois,
como um primeiro e seguro caminho a ser trilhado rumo à reversão de uma prática
docente pouco eficiente.
A “opção” por textos multimodais contemporâneos como estímulo para
procedimentos de ensino da língua materna nos dá mostras de ser uma pertinente
escolha para aprendizagem voltada para a infância e a adolescência. Em se
tratando de tiras narrativas, sobretudo, as interfaces de humor suscitadas a partir
dos procedimentos de compreensão na leitura, a brevidade das ações narradas, as
marcas da oralidade e as expectativas previstas nas ações das personagens fixas,
por excelência, dão mostras de ser valiosos ingredientes facilitadores/propulsores
da produção leitora, provocando intensa interação entre leitor-texto.
Assim, podemos considerar a escolha do referido gênero como de muita
pertinência nos processos de ensino-aprendizagem da educação básica, não só
nas ações propostas da prática docente da língua portuguesa nas primeiras etapas
da escolarização do aprendiz, como também nas diversas áreas do conhecimento
e das etapas da escolarização do aluno. Cabe ao professor selecionar graus de
dificuldades das tiras escolhidas como objeto de ensino, começando pelas mais
elementares e mais condizentes como o conhecimento de mundo da criança, mas
gradativamente ampliando graus de dificuldades e intermediando a compreensão
das mesmas e o conhecimento de mundo do aluno.
Vale lembrar que tiras narrativas retratam por excelência temáticas do
cotidiano da vida, trazendo um leque de temas abordados, reflexões críticas de
humor que dialogam com outros gêneros discursivos afins, como as charges,
crônicas, cartuns, artigos de opinião, dentre outros, levando o aluno a gradativos
letramentos críticos, indispensáveis a conquistas progressivas da cidadania.
Lembramos também que a leitura de tirinhas nos motivam à leitura de outros
gêneros discursivos, num dinâmico movimento de gênero-puxa-gêneros,
potencializando mais intensamente a prática leitora, despertando o gosto e a
imaginação, nas suas diversas possibilidades contemporâneas do despertar para
habilidades de práticas de leitura.
E, enfim, que a prática da escrita/reescrita, atividades que requerem
operações e procedimentos complexos, reflexão, avaliação, metacognição
“controle sobre o seu próprio processo de aprendizagem” (Dolz & Schneuwly, 2011,
p. 90), pode ser motivada a partir do ensino por meio do referido gênero discursivo,
promovendo a autoestima dos alunos, por meio da produção dos ícones visuais,
elevando o referido gênero discursivo ao patamar de não só “facilitador da
aprendizagem da leitura”, mas sobretudo e também da produção escrita.
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