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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
NARRATIVA COMTEMPORÂNEA EM SALA DE AULA: sequência didática Galileia, de Ronaldo Correia de Brito1
Gislaine Bezerra2
Vanderleia da Silva Oliveira3
Resumo: Este trabalho tem como proposta a discussão sobre leitura literária e a formação de leitores críticos. A fim de se implantar o letramento literário como alternativa metodológica no processo de construção dos saberes literários é preciso que haja práticas sistematizadas de leituras no ambiente escolar. Vê-se que apesar dos esforços em se introduzir a leitura literária na escola a mesma não tem conseguido formar leitores literários, portanto, cabe a ela, como principal instancia do letramento, aos professores e aos alunos o comprometimento com o letramento literário. Objetivando a implementação de tal prática de leitura, Rildo Cosson (2014) sugere a Sequência Expandida com abordagem metodológica e, aqui, relata-se a experiência de leitura com enfoque no gênero romance a partir da obra Galileia, de Ronaldo Correia de Brito, em turma do ensino médio de uma escola pública, como parte das atividades que compõem o programa de formação da SEED/PR, o PDE. Palavras-chave: Leitura Literária. Sequência Expandida. Narrativa Contemporânea. Galileia.
Introdução
Discute-se neste artigo a importância do trabalho com a leitura literária em
sala de aula como processo de letramento literário para a formação de leitores
conscientes de seu papel na sociedade. A preocupação em trazer o tema à
discussão justifica-se por reconhecermos a fragilidade em se trabalhar a leitura
literária no ensino médio. Isto porque, embora o leitor seja integrado à cultura
literária brasileira, o que se vê, de modo geral, é o ensino de uma Literatura que se
limita à história literária brasileira, cronologia literária, estilo de época, dados
bibliográficos dos autores e que privilegia a leitura de obras clássicas.
Sob este aspecto, é importante buscar a ampliação de um circuito literário
entre os clássicos e os contemporâneos, pois, como afirma Cosson, “O letramento
literário trabalha sempre com o atual, seja ele contemporâneo ou não. É essa atitude
que gera a facilidade e o interesse de leitura dos alunos” (2014, p. 34).
Considera-se que a escola deve cumprir o seu papel social, que é o de formar
leitores críticos, o que não é tarefa fácil, vez que os alunos encontram-se
desinteressados pela leitura, pois não produzem sentidos aos textos abordados. Em
decorrência, as atividades de leitura são atribuídas como pretexto para exercícios
1 Unidade didática integrante do Caderno Pedagógico intitulado Narrativas Contemporâneas em sala de aula: sequências didáticas de leitura literária,
do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2014, da Secretaria de Estado da Educação (SEED) – Paraná, na área de Língua Portuguesa. 2 Formada em Letras Anglo- Portuguesa Especialista em Didática e Metodologia do Ensino, Professora PDE 2014, e-mail [email protected]. 3 Doutora em Letras, na área de Estudos Literários, docente do Centro de Letras, Comunicação e Artes, da UENP- Campos Cornélio Procópio, e- mail
enfadonhos, a seleção de obras literárias é inadequada à faixa etária dos alunos, os
professores trabalham com textos fragmentados das obras clássicas para análise
textual, há falta de livros nas bibliotecas para cada aluno, bem como as bibliotecas
se parecem depósito de livros, além de haver falta de contato da família com livros.
Diante deste quadro, este texto tenta responder a algumas questões
levantadas a partir de minha prática pedagógica. Qual é o real papel da escola hoje
na formação da leitura literária? O que fazer diante de alunos desmotivados pela
leitura? Como propor ao professor o trabalho com a leitura literária se ele não é leitor
ativo?
Tais questões derivam de problemas levantados ao longo da vivência em sala
de aula e se projetam na proposta de trabalho junto ao programa de formação da
SEED/PR, o PDE, como investigação no processo de formação continuada. Para
tanto, a partir destas indagações e das demais atividades inerentes ao Programa, foi
eleita a produção contemporânea brasileira como suporte para a proposição de uma
prática de leitura com vista ao letramento literário, que será aqui apresentada.
Inicialmente, apresenta-se, então, uma reflexão sobre o texto literário e o seu
papel em sala de aula, no processo de letramento, para, em seguida, discutir a
experiência de leitura concretizada em uma Sequência Didática Expandida
(COSSON, 2014).
1 O texto literário
No processo de formação de um leitor crítico o texto literário tem um papel
fundamental, que é o de mediador entre o autor e o leitor. A leitura é uma atividade
multifacetada, levando o leitor a ampliar seu horizonte de expectativa. É importante
ressaltar que os textos literários apresentam um grau elevado de incompletude em
relação às outras tipologias textuais. Por isso, exige maior esforço cognitivo do leitor
para preencher as lacunas; Para Ernani Terra,
A leitura literária deve ser desinteressada, ou seja, deve ser marcada por uma atitude cognitiva não só de compreensão do texto, mas também de busca de prazer estético, que é sentido concomitantemente ao momento da própria leitura. (2014, p.26).
Outro aspecto relevante é o da postura do professor diante do texto literário,
visto que ele deve ser um leitor assíduo, mediador e ter o cuidado em selecionar
livros adequados para suas aulas. Afinal, a garantia do acesso não quer dizer uma
qualidade adequada às práticas de leitura literária. Por outro lado, como e quando
garantir que uma obra seja realmente literária? A essa pergunta as Diretrizes
Curriculares de Língua Portuguesa do Paraná enfatizam o texto literário dando a
ele pleno sentido:
O texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é na recepção que ele significa. No entanto, não está aberto a qualquer interpretação. O texto é carregado de pistas/ estruturas de apelo, as quais direcionam o leitor, orientando-o para uma leitura coerente. (PARANÁ, 2008, p.59).
Para Aguiar e Bordini, o trabalho com a obra literária é um processo que leva
o aluno à reflexão, tornando-o ativo no processo de leitura. Portanto, elas afirmam
que:
A obra literária é avaliada, a partir da teoria recepcional, através da descrição de componentes internos e dos espaços vazios a serem preenchidos pelo leitor. Faz-se, então, o confronto entre o texto e suas diversas realizações na leitura e explicam-se estas recorrendo-se as expectativas dos diferentes leitores ou grupos de leitores em sociedades históricas definidas. A obra é tanto mais valiosa quanto mais emancipatória, ou seja, quanto mais propõe ao leitor desafios que as expectativas destes não previam. (1988, p. 31).
A literatura em sala de aula deve ser estimulada pela oferta de obras
próximas da realidade do aluno, para que haja um estímulo ao tão almejado gosto
pela leitura. Por isso, é importante que o professor seja um mediador entre o livro e
o aluno. Para que isso aconteça, ele deve ter uma vasta bagagem de leituras
literárias, para poder indicar aos seus alunos leituras pertinentes aos seus
interesses, pois os alunos só lêem textos que estão próximos da sua realidade
concreta e social, daí a necessidade, inclusive, de ofertar ao aluno diversidade de
obras, como sugere Cosson: “[...] é papel de o professor partir daquilo que o aluno já
conhece para aquilo que ele desconhece, a fim de se proporcionar o crescimento do
leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura” (2014, p. 35).
Para tanto, é necessário que o texto literário seja primordial nas aulas de
literatura e que os alunos do ensino médio possam ser contagiados com o universo
ficcional da leitura literária de tal maneira a desenvolver o hábito de ler, sem
nenhuma restrição cognitiva. Isso apenas acontece se houver uma leitura
aprofundada do texto, possibilitando ao aluno enxergar os implícitos utilizando-se de
estratégias e de atividades que propicie a reflexão e discussão: “O conteúdo
temático, da finalidade, dos possíveis interlocutores, das vozes presentes no
discurso e o papel social que elas representam, das ideologias apresentadas no
texto, da fonte, dos argumentos elaborados, da intertextualidade” (PARANÁ, 2008,
p.74).
São encaminhamentos, portanto, que requerem uma prática de leitura
constante por parte do leitor, que é sujeito ativo e social desse processo. Diante da
importância de atribuir sentidos à leitura Delaine Cafiero afirma: “Há um componente
social no ato de ler. Lemos para nos conectamos ao outro que escreveu o texto,
para saber o que ele quis dizer, o que quis significar” (2010, p.84).
2 Letramento Literário em sala de aula
Para a leitura literária em sala de aula consideramos as posições voltadas ao
Letramento Literário como modelo para desenvolver as atividades que serão
baseadas na Sequência Expandida de Rildo Cosson (2014).
O letramento literário pode ser entendido como uma visão metodológica do
processo de formação de leitores literários em relação às suas compreensões
textuais. Nas Diretrizes Curriculares estaduais para a área de Língua Portuguesa
fica evidente esta perspectiva metodológica:
[...] busca formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura (PARANÁ, 2008, p.58)
Para Candido, a literatura é um fator indispensável de humanização. Assim
compreendida, é um bem cultural e social. Ele enfatiza, ainda, que “[...] a literatura
tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos
currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo”
(1995, p. 243).
O crítico literário ressalta ainda a importância da fruição do texto literário:
“Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de
todos os homens em todos os tempos” (CANDIDO, 1995, p. 242). É a partir deste
ponto de vista que a experiência literária se torna passaporte primordial para o
letramento literário.
Para Cosson, o letramento literário se constrói a partir de uma comunidade de
leitores, na qual a literatura é a moldura cultural desse leitor. A partir do momento
em que a leitura de literatura se torna um movimento contínuo, pode-se
compreender que a educação literária está presente em sala de aula. Para ele: “[...]
é necessário que o ensino de Literatura efetive, [...] partindo do conhecido para o
desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o
objetivo de ampliar e consolidar o repertório do aluno” (2014 p.47-8).
Metodologicamente, Cosson propõe a Sequência Expandida de leitura com as
seguintes etapas: motivação, introdução, leitura, primeira interpretação,
contextualização, segunda interpretação e a expansão. Ela assim se estrutura:
o primeiro momento é o da motivação, que consiste em uma atividade de
preparação de introdução dos alunos no universo do livro a ser lido. O tempo
é um fator importante, pois uma motivação longa tende a dispersar o aluno
em lugar de centralizar a sua atenção;
no segundo momento temos a introdução, na qual acontece a apresentação
do autor, a leitura das primeiras páginas da obra, as negociações de prazos
da leitura extraclasse;
no terceiro momento acontece a leitura, no qual os alunos dela se apropriarão
para conhecer o seu texto. Ela é extraclasse, não podendo ter um tempo
curto para não prejudicar o aluno e nem tão longo que leve à dispersão da
leitura. Ressaltam-se, também, prazos para a finalização da leitura, propondo-
se os intervalos para que os professores possam verificar o andamento da
leitura pelos alunos e para introduzir textos diversificados para o
enriquecimento do texto principal. O autor menciona a importância da
diversificação de textos neste momento: [...] “é preciso compreender que o
literário dialoga com os outros textos e é esse diálogo que tece a nossa
cultura” (COSSON, 2014, p. 83).
após a etapa da leitura acontece a primeira interpretação, que é a apreensão
global da obra. Neste momento, é preciso disponibilizar um tempo para
realizar essa etapa que pode ser feita por depoimentos informais ou formais
dependendo do nível dos alunos; o professor deve orientar e não participar da
produção, que é o momento no qual os alunos, enquanto leitores sentem a
necessidade de expressar o que sentiram em relação à obra lida até o
momento. O trabalho de reescrita requer uma sensibilidade e respeito pela
leitura realizada;
a contextualização é outra etapa dessa sequência, que propõe o
aprofundamento da leitura por meio dos contextos que a obra apresenta. São
sete as contextualizações: teórica, histórica, estilística, poética, crítica,
presentificadora e a temática. A primeira procura tornar explícita as ideias que
conceituam e sustentam uma obra; a histórica abre a obra para relacioná-la
com a sociedade que a gerou ou com a qual ela se propõe a abordar
inteiramente; a estilística busca analisar o diálogo entre obra e período,
mostrando como uma alimenta o outro; a poética busca observar como ela
está estruturada, quais os princípios de sua organização; a crítica é a análise
de outras leituras que tem por objetivo contribuir para o horizonte de leitura da
turma; a presentificadora é utilizada para despertar o interesse do aluno pela
obra; a temática precisa fugir das soluções fáceis e buscar mais rigor na sua
execução e que haja um registro da pesquisa;
a segunda interpretação tem por objetivo a leitura aprofundada da obra.
e, a última, é a expansão, que busca destacar as possibilidades de diálogo
que toda obra articula com os textos que a precederam ou que lhe são
contemporâneos ou posteriores.
3 Leitura Literária do Romance Galileia
Para a execução da proposta de leitura literária, elaborou-se uma Sequência
Expandida a partir da leitura do romance Galileia, de Ronaldo Correia de Brito, autor
considerado uma das vozes mais originais da literatura brasileira contemporânea.
Em Galileia ele visita tradições literárias para transformá-las em um texto
contemporâneo arrebatador. O romance foi publicado em 2008 e recebeu o Prêmio
São Paulo de Literatura, em 2009. Ele trata de questões como conflitos de cultura,
as migrações, e a dissolução da família, entre o sertanejo e o urbano, traições e
abuso sexual.
A narrativa se dá a parte da história de três primos que resolvem visitar o seu
avô que está à beira da Morte. Ismael, Davi e Adonias são primos com um passado
em comum. Viveram parte de suas infâncias no sertão do Ceará, na fazenda do avô
Raimundo Caetano, patriarca de uma família numerosa e decadente. Os três fazem
parte de uma geração que largou o campo para nunca mais voltar. Ismael, filho
ilegítimo foi tentar a vida na Noruega, onde teve experiências amargas e nunca bem
explicadas. Davi, criado em São Paulo, viajou pela Europa e pelos Estados Unidos,
tocando piano em bares à espera do sucesso. E Adonias, o narrador, formou-se em
medicina, estudou no Reino Unido e fez carreira em Recife. Agora, os três cruzam o
sertão do Ceará numa caminhada rumo ao que resta da fazenda Galileia, e terão de
reencontrar com a família e seus fantasmas e reviver histórias de adultério, vingança
e morte.
A temática da migração nordestina foi escolhida para ressaltar a origem da
comunidade escolar na qual a intervenção seria realizada, formada por uma maioria
nordestina. Dentre várias possibilidades de escolha, o romance Galileia pareceu ser
a melhor por ser contemporâneo, pois o projeto era baseado nas narrativas
contemporâneas, apresentando os requisitos necessários para a implementação da
proposta que objetivava, também, a valorização da cultura nordestina, mostrando o
universo social e cultural de pessoas que deixaram seus estados de extrema
pobreza em busca de uma vida mais digna. A proposta faz o inverso: parte do
regresso ao sertão de hoje para mostrar a decadência familiar em não valorizar a
sua terra e sugere a expansão com uma obra canônica, O Quinze, de Raquel de
Queiroz, que relata as dificuldades do sertanejo. O sertão nordestino é o berço
destas narrativas, ambas são evolventes, surpreendentes, perturbadoras e de
belezas estéticas relevantes.
Aguiar e Bordini definem a parceria que há entre o cânone e contemporâneo:
“O ideal seria o cotejo de obras de diferentes épocas, para acompanhar a evolução
e mudanças de perspectiva que, de certo modo, também integram o significado do
texto atual” (1988, p.37). Diante da mesma perspectiva, Cosson diferencia o
contemporâneo do atual: “Obras contemporâneas são aquelas escritas e publicadas
em meu tempo e obras atuais são aquelas que têm significado para mim em meu
tempo” (2014, p.34).
O professor não deve desprezar o cânone, pois é nele que encontrará a herança cultural de sua comunidade. Também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos textos, mas sim na sua atualidade. Do mesmo modo, precisa aplicar o princípio da diversidade entendido, para além da simples diferença entre os textos, como a busca da discrepância entre o
conhecido e o desconhecido, o simples e o complexo, [...] É assim que tem lugar na escola o novo e o velho, o trivial e o estético e toda a miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conhecimento singulares. (COSSON, 2014 p. 35-36).
A perspectiva de letrar pela literatura, então, deve considerar o trabalho com o
atual, pelo fato da atualidade ser interessante para o aluno na sua compreensão
cultural e social do texto. Para o autor, as práticas de sala de aula precisam
contemplar o processo de letramento literário, por isso ele propõe um caminho a ser
sistematizado nas aulas de Literatura em duas sequências, a básica e a outra
expandida: “O nosso objetivo é apresentar duas possibilidades concretas de
organização das estratégias e sistematizar a abordagem do material literário em sala
de aula” (COSSON, 2014, p. 48).
4 Ações da Sequência Expandida de Leitura Literária
As ações referentes à leitura literária foram aplicadas no ensino médio, com a
turma da segunda série. O trabalho de Implementação do projeto de intervenção
Pedagógica na Escola inseriu-se numa produção de Caderno Pedagógico, com o
título “Narrativa Contemporânea em sala de aula: Sequência Didática de Leitura
Literária”, e foi desenvolvido no período de 25 de março a 26 de agosto de 2015, no
Colégio Estadual do Campo de São João do Pinhal – Ensino Fundamental e Médio.
O referido trabalho foi organizado em sete etapas, com carga horária e conteúdos
diferenciados.
A primeira etapa, Motivação se deu em 02 horas/aulas, com o objetivo de
introduzir os alunos no universo do romance Galileia, a partir da temática da
migração nordestina. Nesse sentido, explicitamos aos alunos sobre a origem da
comunidade pelos nordestinos e a importância de se conhecer e valorizar as
culturas por eles trazidas. Para isso, convidamos uma pessoa de origem nordestina
para relatar a sua vida em Pernambuco e a sua vinda para a região. Notou-se que
os alunos identificaram-se com o relato do convidado. Após o termino da entrevista
fizemos um momento de reflexão, no qual eles puderam perceber que em suas
famílias havia algum laço da cultura nordestina e que nunca haviam dado
importância a elas. Este resgate de memória foi muito pertinente para o início do
nosso trabalho. Uma boa motivação faz a diferença. Como afirma Cosson, a “[...]
motivação consiste em uma atividade de preparação, de introdução dos alunos no
universo do livro a ser lido” (2014, p.77).
Na segunda etapa, Introdução, com 03 horas/aulas, o objetivo foi realizar
uma sondagem para verificar se os alunos conheciam o gênero entrevista. O gênero
foi abordado a fim de oportunizar a apropriação de sua estrutura a partir de textos e
vídeos. Posteriormente, os alunos, em grupo, produziram um questionário para a
realização de entrevistas com a comunidade a ser feita no prazo de sete dias. Este
foi um momento em que puderam ter um contato real com essas pessoas, ouviram
suas histórias, suas experiências de vida e em muitos casos eram pessoas idosas
que realmente tinham muito para contar e ensinar.
Tal prática proporcionou aos alunos o conhecimento sobre a vida dos
entrevistados e resultou em uma experiência enriquecedora. Também na introdução
foi realizada a apresentação da obra e a biografia do autor em projetor multimídia,
com slides, e eles ficaram ansiosos com o início da leitura.
Na terceira etapa, que iniciou a Leitura, a duração foi de 01 hora/aula. Neste
momento, dividiu-se a atividade em três intervalos. No 1º, com a duração de 04
horas/aulas, os alunos deveriam ter lido as páginas 07 a 87. As atividades atribuídas
neste momento foram: Audição do vídeo no qual Luiz Gonzaga cantou a poesia
Triste Partida, e, juntamente com a letra da música, foi lida a poesia Minha Terra,
de Paulo Campos, para estimular a produção de uma paródia. Neste momento de
audição foi possível constatar que eles nunca haviam ouvido Luiz Gonzaga e não
gostaram muito do gênero, para o que foi explicado a eles que essa poesia
musicalizada é um clássico da música popular brasileira. Por isso, a importância de
se trabalhar com esse gênero musical, pois em nossos dias está claro que os
nossos jovens estão se distanciando dos clássicos da MPB. Para a produção da
paródia foram entregues aos alunos vários textos parodiados de música popular
brasileira com o intuito de apresentar esse gênero. A atividade de escrita foi
realizada extraclasse e eles se saíram muito bem, produzindo ótimos textos.
Para o 2º intervalo os alunos leram as páginas 92 a 155. Com duração de 02
horas/aulas, as atividades foram realizadas a partir do filme Caminho das Nuvens,
do diretor Vicente Amorim, por meio de uma interpretação oral. O filme proporcionou
uma visão mais próxima da realidade do que acontece com a maioria das pessoas
que procuram “um lugar ao sol”. Os alunos fizeram uma interpretação, na qual
tiveram que escrever trechos apontando as semelhanças e as diferenças entre a
obra e o filme na forma de cartazes que foram expostos em sala de aula.
Para o 3º intervalo os alunos terminaram a leitura das páginas 159 a 263,
finalizando, assim, a leitura, com duração de 02 horas/aulas. Os objetivos foram:
observar na obra O Retirante, de Cândido Portinari, as características do retirante
nordestino por meio de uma análise da estética do sertanejo presente entre as
obras. Assistiram ao videoclipe da música Segue o seco, interpretada por Marisa
Monte, para estabelecer uma intertextualidade com a obra de Portinari. Foi um dos
momentos mais interessantes, pois eles sugeriram realização de uma peça teatral
baseada no videoclipe. Essa etapa foi enriquecedora e prazerosa. Logo após o
feedback oral sobre o enredo do romance foram selecionados alguns aspectos do
universo da obra para que eles escrevessem uma crônica. O objetivo era o de
produção de uma crônica subjetiva. Para que eles tivessem parâmetros de escrita,
foram apresentadas diversas crônicas a partir das quais eles puderam ler e
conhecer melhor o gênero, visto que ele é muito apreciado pelos alunos, por
apresentar fatos do cotidiano como a ironia, humor, poesia, críticas sociais etc.
Ernani define uma crônica da seguinte maneira.
A crônica é geralmente um texto pessoal, no qual o escritor faz suas observações, fala de suas lembranças, recria o mundo à sua moda, portanto, sem a preocupação de ser absolutamente fiel à realidade, [...] narra fatos do cotidiano aparentemente banal, mas que, analisados em conjunto, formam um retrato de determinada época, permitindo que a compreendamos melhor (TERRA, 2014, p.145).
Na quarta etapa, Primeira Interpretação, fez-se a apreensão global da obra,
na qual os alunos, de forma crítica e coerente, relataram as impressões que tiveram
diante da leitura realizada. Com o tempo de duração de 04 horas/aulas, os alunos
foram divididos em duplas A e B, com o propósito de criarem um roteiro com
perguntas e respostas sobre o romance. Após a elaboração dos questionários foi
determinado que os alunos da equipe A seriam os entrevistadores e os alunos da
equipe B seriam os entrevistados. No momento das apresentações os alunos da
equipe A, individualmente, escolhem o aluno da equipe B que deseja e fazem as
perguntas e assim sucessivamente até todos participarem. Após esse momento,
eles assistiram à entrevista do autor Ronaldo Correia de Brito falando sobre a obra.
Esta etapa foi interessante porque eles puderam compreender algumas lacunas de
suas interpretações que não ficaram claras, a partir da fala do autor e das
discussões com os colegas e professora. Como encerramento os alunos produziram
um texto dissertativo focando as impressões que tiveram durante as atividades que
realizaram. Tal atividade foi realizada extraclasse.
Na quinta etapa, Contextualização, deu-se o momento de aprofundamento da
leitura por meio dos contextos que a obra apresentou. Nesta proposta foram
utilizadas a contextualização histórica, poética e temática, com um total de 08
horas/aulas.
Na contextualização histórica, abordou-se o momento em que a obra foi
produzida. As atividades realizadas foram a de seleção de trechos do livro nos quais
estivessem presentes os elementos contemporâneos, além da realização de uma
pesquisa extraclasse sobre a importância dos recursos tecnológicos na sociedade
contemporânea. Para finalizar, eles escreveram um texto dissertativo abordando a
temática das mídias tecnológicas na vida das pessoas. Abordou-se essa questão
porque hoje não vivemos mais sem a tecnologia, que está presente em todos os
segmentos da nossa sociedade. É muito importante mostrar ao aluno a importância
da escrita para demonstrar suas impressões em relação ao que se lê, pois, “O
educando precisa compreender o funcionamento de um texto escrito, que se faz a
partir de elementos como organização temática, coerência, coesão, intenções,
interlocutor(es), dentre outros”( PARANÁ, 2008, p. 68).
A contextualização poética é a etapa na qual a turma teve que observar a
obra e o modo pelo qual ela foi estruturada, analisando-se as personagens, os
espaços, os tempos, o foco narrativo e o enredo. Dando continuidade, outra
atividade foi a de produção de uma sinopse do romance, que foi realizada
extraclasse. Neste momento o professor trouxe para a sala de aula exemplos de
sinopse de filmes e de livros para explicar esse gênero. Logo que eles produziram a
sinopse da obra Galileia foi elaborado um painel com os textos para exposição.
A terceira contextualização realizada foi a da temática. Durante a leitura do
romance os alunos se depararam com várias situações que lhes chamaram a
atenção, por isso eles puderam, neste momento, falar sobre os temas presentes na
obra, discutir sobre eles e, finalmente, produzir textos nos quais essas temáticas
estavam presentes, isto porque “A produção escrita possibilita que o sujeito se
posicione, tenha voz em seu texto” (PARANÁ, 2008, p.56). É muito importante
mostrar aos alunos que seus textos têm destinatários e finalidades para que não
percam a motivação durante o processo da escrita.
A sexta etapa, Segunda Interpretação, teve como duração 04 horas/aulas. Foi
o momento no qual os alunos ampliaram o seu saber coletivo em relação à obra
estudada, eles assistiram a um vídeo com o tema “Recriando a Cultura” que abordou
o repente e o rap como transformação cultural. O vídeo apresentou a temática do
sertão nordestino, sob uma visão contemporânea. A atividade aqui proposta foi a da
produção um rap com a temática nordestina, sua musicalidade e o seu canto.
Iniciou-se com o gênero musical rap e o professor pediu aos alunos que trouxessem
para a sala de aula esse gênero musical. Houve audição das músicas e muitas delas
não agradaram por serem apelativas e com letras “pesadas”. Então, o professor
sugeriu os cantores Gabriel, O Pensador, e Marcelo D2, como modelos. Os alunos
buscaram por estas referências e gostaram, alegando que são músicas de cunho
social, não sendo apelativas e vulgares, com uma linguagem contemporânea.
Posteriormente, com a produção do rap dos alunos, houve correção e processo de
musicalização, com ensaios para a apresentação à comunidade escolar. Todos os
processos foram realizados extraclasses.
A sétima etapa, Expansão, possibilitou o momento de ultrapassar os limites
da obra lida para outra. Foi apresentada a segunda obra para dar continuidade à
leitura literária - O Quinze, de Raquel de Queiroz. Finalizando as atividades, o
professor e os alunos realizaram um evento literário para a comunidade escolar no
qual puderam demonstrar todos os trabalhos realizados, com momentos registrados
em fotos que foram projetadas em slides, uma mostra dos cartazes, dos textos, a
apresentação dos melhores raps, e apresentação de uma dança nordestina ao som
de Luiz Gonzaga. Foi um dia inesquecível para todos que, ao longo de um
semestre, se dedicaram em prol de uma proposta para introduzir a leitura literária
em sala de aula.
Considerações finais
No decorrer das etapas os alunos demonstraram interesses em relação aos
conteúdos abordados. Os obstáculos mais significativos foram os de falta de
intimidade com leitura, a demora em realizar as atividades nos prazos estabelecidos,
o acesso ao laboratório de informática e a dificuldade de compreensão dos
entreditos da narrativa.
Na questão da leitura os alunos, a princípio, não a levaram a sério achando
que conseguiriam realizar as atividades sem efetivamente lerem a obra. Foi
demonstrado a eles que seria difícil porque as atividades propostas estavam
relacionadas às leituras, então, para resolver esta questão da dificuldade da leitura,
foram propostas leituras de apoio em contra turno com aqueles alunos que não
haviam lido a obra no primeiro intervalo. Os alunos aceitaram e participaram da
leitura a partir da qual o professor foi realizando inferências quando necessário e
pedindo-lhes comprometimento e dedicação.
A questão de sanar a dificuldade do aluno em ler foi o principal objetivo do
projeto e o maior desafio era, justamente, mudar esse quadro por meio da leitura
literária. Ler para quem não tem o hábito requer dedicação, vontade e persistência
acima de tudo. Por isso, o professor deve estar sempre presente e atuante, para que
esse aluno não se desestimule durante a leitura, principalmente diante de obra, que
requer um aluno atento às questões implícitas que o texto apresenta, e que tenha
opiniões maduras nas observações das principais questões que o texto traz.
Quando falamos no processo de entendimento da leitura nos referimos ao processo
linear apresentado por Cosson, que está ligado aos três modos de compreender a
leitura: a antecipação, a decifração e a interpretação. Esta última proporciona ao
leitor uma complexidade maior de sentido por ele atribuído ao texto, afinal,
“Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de
mão dupla: tanto é aquele dado pelo texto quanto a dão pelo leitor; um e outro
precisam convergir para que a leitura adquira sentido” (COSSON, 2014, p.41).
Logo que compreenderam o processo da sequência a ser desenvolvida não
tiveram dificuldades em realizar as atividades e as fizeram prontamente. Outra
questão foi o acesso ao laboratório de informática, que estava sempre em
manutenção e, por isso, não foi utilizado e as atividades que seriam feitas nele foram
substituídas pelo professor que utilizou a TV e o projetor multimídia. Enfim, todo
obstáculo deve ser encarado e resolvido de forma prática, servindo como
aprimoramento.
Num trabalho como este, que foi desenvolvido em um semestre, os
obstáculos descritos não atrapalharam significativamente, pois não houve atividade
que não tenha sido realizada com sucesso, isto porque, havendo a sistematização
metodológica da proposta, conforme propõe Cosson (2014) o professor se sente
seguro para ir adaptando e adequando cada etapa. A Sequência Expandida
possibilita um processo de construção da leitura literária e a escola e o professor
têm papel importantíssimo no desenvolvimento desta prática de leitura.
Evidentemente, o professor deve respeitar o texto literário em sua integridade,
considerando o conhecimento prévio do aluno, bem como o seu ritmo de
compreensão do texto.
Todas as atividades desenvolvidas na sequência a partir do romance Galileia
foram de grande contribuição para a prática docente, pois foi percebido que é
possível incentivar os alunos a lerem por meio de tal metodologia. Os resultados
obtidos foram o alcance do interesse em ler uma obra completa, a busca de relações
intertextuais, a capacidade de realizar inferências. Diante da experiência, espera-se
que os alunos mantenham o hábito da leitura, ampliem o número de livros lidos e
frequentem a biblioteca.
Outro aspecto a apontar é o da minha formação como professora de
Literatura, pois pude usufruir de leituras e metodologias que só contribuíram para a
minha prática docente. Vê-se que, mesmo com tantas dificuldades que temos nas
escolas, é possível, sim, realizar projetos que envolvam a leitura literária, bastando
planejamento e dedicação para transformar o mero hábito da leitura em gosto,
prazer, entusiasmo, paixão pelos livros, promovendo-se feiras literárias, passeios
culturais, sessões de cinema etc.
Verificou-se, por fim, a contribuição significativa do processo de letramento
literário para o ensino da prática de leitura literária em sala de aula envolvendo
narrativas contemporâneas.
Referências
AGUIAR, V. T.; BORDINI, M. da G. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. BRITO R. C. Galileia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CAFIERO, D. Coleção Explorando o Ensino. Vol.19. In:_____. Letramento e Leitura: formando leitores críticos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.
CANDIDO, A. O direito à literatura. In:_____. Vários escritos. 3. Ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica. Curitiba, 2008. TERRA, Ernani. Leitura do texto literário. São Paulo: Contexto, 2014.