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Castilho

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA DOUTORADO EM HISTRIA

    Em tudo semelhante, em nada parecido: Uma anlise comparativa dos planos urbanos das misses jesuticas de Mojos

    Chiquitos, Guarani e Maynas (1607 1767)

    Ione Aparecida Martins Castilho Pereira

    Porto Alegre, Janeiro de 2014.

  • Ione Aparecida Martins Castilho Pereira

    Em tudo semelhante, em nada parecido: Uma anlise comparativa dos planos urbanos das misses jesuticas de Mojos

    Chiquitos, Guarani e Maynas (1607 1767)

    Tese apresentada como requisito para a obteno do grau de Doutor junto ao Programa de Ps-Graduao em Histria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, sob a orientao do Professor Dr. Arno Alvarez Kern.

    BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Arno Alvarez Kern Orientador

    Prof. Dr. Maria de Ftima Costa Prof. Dr. Erneldo Schallenberger

    Prof. Dr. Artur Henrique Franco Barcelos Prof. Dr. Eduardo Santos Neumann

    Porto Alegre, Janeiro de 2014.

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ficha catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Clarissa Jesinska Selbach CRB10/2051

    C352 Castilho Pereira, Ione Aparecida Martins

    Em tudo semelhante, em nada parecido : uma anlise comparativa dos planos urbanos das misses jesuticas de Mojos Chiquitos, Guarani e Maynas (1607-1767) / Ione Aparecida Martins Castilho Pereira 2014.

    236 fls.

    Tese (Doutorado) Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul / Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas / Programa de Ps-Graduao em Histria, Porto Alegre, 2014.

    Orientador: Prof Dr Arno Alvarez Kern

    1. Histria. 2. Misses jesuticas. 3. Plano urbano. I. Kern, Arno Alvarez. II. Ttulo.

    CDD 980.1

  • Agradecimentos

    Certa vez, um amigo me disse que na Terra havia anjos sem asas, de carne e osso, para nos ajudar no momento em que fosse necessrio. Eu particularmente duvidei de suas palavras, mas hoje sei que realmente eles existem e participaram de todo este longo processo de produo de conhecimento, o doutorado. Sem eles, esta tarefa seria muito mais rdua e cansativa. Agradeo o meu querido orientador missioneiro, Arno Alvarez Kern, pela pacincia, carinho e confiana depositados em mim durante todo o processo. Por sempre me

    receber com um sorriso e timas sugestes para pensar a tese, alm claro, dos puxes de orelha nos momentos de puro devaneio. Estes quatros anos em sua companhia foram muito proveitosos. A ele dedico todo um carinho que uma filha pode dar a um pai.

    Aos meus pais, Osvaldo e Aparecida, por todo o apoio dado, pelas palavras de conforto, pela preocupao exagerada e por sempre me incetivaram a terminar a tese. No h palavras para expressar meus sentimentos. Tambm quero agradecer os meus avs, Fermino e Luzia, por despertarem em mim o gosto pela Histria e por sempre se preocuparem comigo. Agradeo tambm a minha sobrinha Nataly, o meu beb preferido, por compreender as minhas idas e vindas de Mato Grosso, e por exigir, o trmino da tese para que eu pudesse brincar com ela.

    Quero agradecer uma pessoa muito especial para mim, pois sem a ajuda, apoio, carinho, companherismo e suas boas doses de broncas homricas, eu no teria chegado at aqui. Suas histrias sobre seu pas de nascimento e locais onde morou fez aguar ainda mais meu interesse pela Histria. Em sua companhia aprendi muitas coisas. Agradeo ao Marvin Gerardo Olivas Bonilla por todos os momentos que me fez sorrir com suas brincadeiras bobas quando estava desanimada, por ler meus textos e me ouvir repetidas vezes sobre o que eu estava pesquisando, alm claro, de escutar meus ataques de insanidade temporria. Obrigada por me acompanhar desde o incio do mestrado at esta etapa, afinal, parte desta conquista devo a voc, pois sem a tua companhia todo este esforo no teria a mesma graa.

    s minhas amigas, Dona Deuslia, Suzana Guimares e a Luciana Pereira, por terem me recebido em sua casa at eu encontrar um apartamento para morar, pelo ch de panela, pelos sbios conselhos da lulu, pelos almoos de domingo, por todo o apoio, carinho, cuidado e zelo que a mim dispensaram. Por um tempo, vocs foram minha famlia em Porto Alegre. Pode

  • ter certeza que sem a ajuda de vocs o incio do doutorado seria bem mais complicado. Agradeo a Suzana pela leitura do meu texto. No h palavras para expressar a minha gratido.

    No posso deixar de agradeer a minha super amiga gacha, Mnica Karawejczyk, pela sua companhia em todas as indiadas e sufocos com a pesquisa, por ter me escutado todos estes anos falando sobre misses jesuticas (mas eu tambm aprendi muito voto feminino), por ter lido meus textos, por me fazer ter muita paz no corao quando na verdade s queria ter um ataque de raiva, pelas horas de relaxamento nos parques, cinemas, feiras do livro, almoos; por me ajudar a me instalar no primeiro apartamento, e claro, por me incentivar a colocar um fim na tese. Obrigada por tudo e principalmente por tornar este processo menos denso.

    Aos meus amigos Marcelo Melnitzki, Bianca Costa, Claudia Bibas, Everton

    Dalcin, Ariane Arruda, Joo Julio Santos Junior, Fernanda Avalon, Vanessa dos Santos e Elili Bagatini, agradeo pelas boas conversas, almoos, cafs, e principalmente pelo ombro amigo nas horas de puro cansao. Quero agradecer de modo especial os meus amigos, Mara Leito, Bruna Santiago e Ricardo pelos divertidssimos almoos e cafs sempre regados com muita alegria e risadas, pela companhia nas caminhadas no ptio da esef e nas aulas da graduao, exposies e feiras de artesanato, etc. Agradeo de forma particular a Bruna por fazer meu abstract. Garanto que sem a companhia de vocs todos estes anos no teriam sido os mesmos. Quero agradecer o meu amigo terico, Daniel Becker, por ser o meu interlocutor, pelas timas dicas, pelas nossas conversas sobre a vida e nosso futuro em outro pas, e claro, por regar tudo isso com boas doses de tortas, petit gteau e cafs da melhor qualidade.

    Quero agradecer infinitamente s minhas amigas, Rosa Marl Emer e Dona Marina de Carvalho Emer (e toda sua famlia) pelo apoio, amizade, carinho, pelas boas conversas e happy hours, pelas trocas de guloseimas, caminhadas para desopilar o cansao, pelas indiadas, enfim, por sempre minhas amigas anjos. Graas companhia de vocs este percuso foi bem mais leve e divertido! Tambm quero agradecer ao Eloy Vasconcelos e sua famlia pela confiana e pela grande ajuda que me deram para terminar a tese ao alugar o seu apartamento. s minhas amigas Dona Eleze, Mauri e Janete pelas conversas animadoras, por sempre me receberem com belo sorriso e por se preocuparem comigo. Aos amigos Francisco e Cris que sempre me receberam com sorriso, emprestando seus ouvidos, e pelas histrias do Francisco pelas terras do Mato Grosso.

    minha amiga Belia Fantini Bonini Pinto de Arruda, que mesmo longe, sempre est me ajudando e se preocupando comigo, obrigada pelo envio de material bibliogrfico para tese Agradeo muito ao David Block, que desde mestrado sempre ajudou enviando material bibliogrfico para minhas pesquisas, e agora no doutorado me indicou bibliografias, enviou

  • imagens, alm de cpias de artigo sobre as misses de Mojos, que sem dvida foram de grande valia para feitura desta tese. Paula Hasbn Pea pela amizade, confiana e pacincia em atender meus pedidos bibliogrficos e pela disposio em me enviar de material sobre as misses de Chiquitos pelos meus amigos. Sabia que este material foi muito importante para construo desta tese.

    Agradeo muito ao padre Pedro Igncio Schmitz e a Ivone Verardi que sempre me receberem muito bem e permitiram meu acesso biblioteca do Anchietano. Tambm no poderia deixar de agradecer ao Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE/USP) e Revista de Indias pelo pronto atendimento e envio de material bibliogrfico. Aos pesquisadores que contriburam para o desenvolvimento desta tese sugerindo bibliografias, enviando livros e

    trocando material de pesquisa. Neste sentido, agradeo Renata Bortolleto, Ecarkt Khne, Antonio Aguirre Rojas, Ramn Gutirrez, Paulo Assuno, Jos D Assuno Barros, Leny Caselli, Joo Ivo Puhl, Domingos Svio e Otvio Ribeiro Chaves.

    Carla Helena Carvalho Pereira, Adilson Muller, Henriet Ilges Shinohara pela pacincia em esclarecer minhas dvidas e auxlio nos procedimentos burocrticos, alm das conversas descontradas. Agradeo a coordenao do programa de ps-graduao em Histria por ter possibilitado a minha participao no Congresso Internacional de Misses na Bolvia. Evento que colaborou muito para o desenvolvimento da tese. Aos professores do programa de ps-graduao que ajudaram na minha formao. Agradeo ainda Maria de Ftima Costa, Erneldo Schallenberger, Artur Barcelos e Eduardo Neumann por terem aceitado o convite para participarem da banca.

    A CAPES, pela concesso da bolsa que me permitiu realizar esta pesquisa e por me oportunizar o retorno a minha amada cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Ao google pela disponibilizao de fontes e material bibliogrfico na internet. E principalmente a pessoas que inventou a internet, pois sem ela, esta pesquisa no seria a mesma. Peo desculpas quelas pessoas em que o nome no consta aqui, mas deixo a todas elas meus protestos de estimas e agradecimentos.

  • Resumo

    A presente tese tem por finalidade apresentar uma anlise comparativa dos planos urbanos das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas. O objetivo deste estudo saber em que medida o projeto evangelizador empreendido pela Companhia de Jesus foi semelhante e diferente na organizao espacial destas quatro espacialidades missioneiras. Para responder a este questionamento, estabelecemos como delimitao temporal os anos de 1607 a 1767. Tais datas referem-se ao incio da ao jesutica nas misses Guarani, passando pelas fundaes das misses de Maynas (1636), Mojos (1682) e Chiquitos (1690), e, por fim, a data de expulso dos jesutas da Amrica Espanhola (1767). J as fontes que constituem o foco de nossa anlise e comparao so tanto documentais quanto bibliogrficas. Sendo assim, queremos avanar para alm das breves comparaes e das justaposies de informaes em blocos de snteses. Pretendemos demonstrar ento, atravs de uma anlise comparativa, que as diversas formas do existir, produzidas por indgenas e jesutas nestas espacialidades missioneiras, criaram como resultado desta relao com o espao habitado tanto diferenas quanto semelhanas. Palavras-chaves: Comparao; espao; grupos ndgenas; misses jesuticas espanholas Guarani, Mojos, Chiquitos e Maynas.

  • Abstract

    This thesis intends to present a comparative analysis of the spatial organization of the urban plans of the jesuitic missions Guarani, Chiquitos, Mojos and Maynas. This study aims to know to what extent the evangelizer project undertook by Society of Jesus was similar and different concerning the spatial organization of these four missionary spatialities. To answer this inquiry, we established the years of 1607 to 1767 as a temporal delimitation. Such dates refer to the beginning of the jesuitic action in the Guarani missions, passing through Maynas missions foundation (1636), Mojos (1682), Chiquitos (1690), and finally the expulsion of the jesuits from Spanish America (1767). About the sources which are the focus of our analysis and comparison, they are both documental and bibliographic. Thus, what we seek is advance beyond the brief comparisons and the juxtapositions of informations in blocks of synthesis. Therefore, we intend to demonstrate, through a comparative analysis, that the diverse forms of existing, produced by indigenes and jesuits in these missionary spatialities, created not only differences, but also similarities from this relation with the inhabited space. Keywords: Comparison; space; indigenous groups; spanish jesuitic missions Guarani, Mojos, Chiquitos and Maynas.

  • Lista de Figuras

    Figura 1- Las misiones jesuticas en Amrica del Sur 1600-1767. ........................................ 49 Figura 2- Uma paisagem de caminhos e canais na Boliviana Amaznica........................... 53 Figura 3 Uma paisagem idealizada das estradas, canais, campos elevados, e povoados na Amaznia Boliviana. .................................................................................................................... 53

    Figura 4- rea de ocupao dos grupos indgenas Chan, Chiquito, Gorgotoqui, Guarani, Chiriguano, Guat, Orejone, Guaxarapo, Payagu, Mbay-Guaicur e Xaray que, estabeleceram-se na regio Chiquitana e ao longo do rio Paraguai, durante a expanso colonial .......................................................................................................................................... 58

    Figura 5- Modelo de organizao territorial Guarani. .......................................................... 71 Figura 6- El Maran Espaol. Mapa trazado en las crceles de Lisboa por el p. Francisco Javier Weigel. La linea con cruces blancas seala el limite de las misiones de los Padres Franciscanos; la continuacin de ella, parte con puntos blancos y parte sin ellos, indica el trmino de las misiones de la Compaa de Jess. ................................................... 74 Figura 7 Limites hispano portugueses ................................................................................. 104 Figura 8 Mapa de las Misiones Jesuticas de Moxos de 1764, levantado por el Cnel. Antonio Aymerich y Villajuana ................................................................................................ 109 Figura 9 Localizao das misses jesuticas de Chiquitos, na Bolvia, e da misso jesutica instalada prximo ao rio Paraguai, Nuestra Seora de Beln ..................................... 119 Figura 10 Fundacin de las missiones jesuticas................................................................. 121 Figura 11 Reduciones fundadas de 1638 a 1768 ................................................................. 132 Figura 12 Iglesia San Francisco Javier (1749-1753). Planta general ................................. 153 Figura 13 El plano de un pueblo Guaran muestra incluso espacios separados para hombres, mujeres, nios y nias en el cementerio ................................................................ 153 Figura 14La sensibilidade indgena tuvo la capacidade de integrarse con las tcnicas de origen europeo- para expresar la captacin y manifestacin de fe religiosa. Interior, San Miguel. ......................................................................................................................................... 155 Figura 15 Igreja da misso de Concepcin de Baures, misses de Mojo. ...................... 156 Figura 16 Igreja da misso de San Ramn de Mojo. ......................................................... 156

  • Figura 17 Cuadro comparativo de plantas de templos entre las misiones del Paraguay, Chiquitos y Moxos. .................................................................................................................... 157

    Figura 18 Pobladores preparando la pesca del manati ...................................................... 160 Figura 19 La ex-reduccin de San Ignacio de Pebas en la actualidad ............................. 161 Figura 20 Antiga misso de Exaltao. ............................................................................... 163 Figura 21 Reduccin de Concepcin, perspectiva general de la plaza, posas, templo y cuarteles ....................................................................................................................................... 164 Figura 22 A pesca das tartarugas. Coleo Alexandre Rodrigues Ferreira ..................... 167 Figura 23 O fabrico da manteiga de ovos de tartaruga. Coleo Alexandre Rodrigues Ferreira ........................................................................................................................................ 167 Figura 24 Rua inundada na borda sul de Trinidad durante a estao chuvosa seca de 1962.............................................................................................................................................. 171 Figura 25 Poblacin de la misin de Mainas. Almadia en rio y misionero con acompaante. .............................................................................................................................. 175

    Figura 26 Plaza y templo de la reduccin de Trinidad... ................................................... 178

    Figura 27 Plaza, templo, posa y colegio de la reduccin de Concepcin. El atrio cubierto no fue considerado en la representacin. ................................................................ 179 Figura 28 Vista da plaza de San Jos de Chiquitos. Segundo Alcides DOrbigny ......... 180 Figura 29 Plano de So Miguel dos Guarani ...................................................................... 181 Figura 30 Posa eventual, levantada em el Pueblo de Calamanca (Bolivia) para la festividade de defuntos. Muestra una posa compuesta por panes, cerveza, frutas y verduras. Los panes adquieren formas antropomorfas y zoomorfas. Al costado uma decoracin de papel-moneda. Ao 1970. ............................................................................... 182 Figura 31 Posa eventual levantada en Ayaviri, Dep. de Puno (Per). Segn Paul Marcoy. Muestra el traslado de elementos tropicales a la puna.. ........................................................ 182 Figura 32 Mapa tnico. ......................................................................................................... 210 Figura 33 Settlement mounds, causeways, canals, and fields that make up the prehispanic cultural landscape of the Bolivian Amazon [painting by Dan Brinkmeier].. 211 Figura 34 Tribos do oriente Boliviano. .............................................................................. 212 Figura 35 Poblaciones indgenas hasta mediados del siglo XVIII em la regin. ........... 213 Figura 36 Tribos nativas da Montana e oeste da bacia da Amaznia ............................. 214

  • Figura 37 Os antigos povos da floresta ............................................................................... 215 Figura 38 As ocupaes dos indgenas. Coleo Alexandre Rodrigues Ferreira. .......... 216 Figura 39 Habitao indgena. Coleo Alexandre Rodrigues Ferreira ......................... 216 Figura 40 Ejecucin del Tratado de San Ildefonso. .......................................................... 217 Figura 41 Departamento de Santa cruz, localizacin de las reducciones jesuticas ....... 218 Figura 42 Bandeiras paulistas y reubicacin de misiones. ............................................... 219 Figura 43 Portada del templo de la reduccin de san Joaqun. ........................................ 220 Figura 44 Igreja da misso de Magdalena de Mojo .......................................................... 220 Figura 45 Foto del templo de la reduccin de Trinidad, poco antes de su demolicin en 1920. lbum Centenario de Bolivia. ....................................................................................... 221 Figura 46 Reduccin de San Ramn de Itonamas, perspectiva del templo y colegio . 221 Figura 47 Colegio de la reduccin de Exaltacin. Autor: Melchor Mara Mercado (1859). .......................................................................................................................................... 222 Figura 48 La Concepcin de Baures: el clsico colegio ubicado en la parte externa del conjunto misional frente a la plaza, caracterstica propria de las misiones de Moxos.. .... 222 Figura 49 Montculos artificiais com igreja misso Sirin em cima de Eviata. ............. 223 Figura 50 Plano da Vila Concepcin de Mojos segundo DOrbigny.. ........................... 223 Figura 51 Traza hipottica de uma reduccin en la misin de Maynas durante el siglo XVIII, laborada a partir de descripciones realizadas por diversos misioneros cronistas. 224 Figura 52 Poblado de la misin de maynas (Reconstruccin historiogrfica ideal). .... 224 Figura 53 Plano da Vila de S. Jos Misso de Chiquitos segundo D Orbigny. ........... 225 Figura 54 Plano del Pueblo de San Juan Bautista, del ro Uruguay. .............................. 225 Figura 55 El primero de estos caminos sigue al eje longitudinal del pueblo, desde la capilla Betania a la entrada del pueblo hacia la entrada al templo ....................................... 226 Figura 56 Concepcin de Baures: Celebracin religiosa ejecutada en el marco de una espacialidad barroca remarcada por la plaza, el atrio y las posas. Grabado de Alcide D'Orbigny, 1832 ......................................................................................................................... 226

  • Sumrio

    Introduo ....................................................................................................................... 12

    Captulo 1

    1 Comparao, espao e grupos tnicos ........................................................................... 23

    1.1 O uso da Histria Comparada para o estudo das misses jesuticas ....................... 24 1.2 As formas do espao geogrfico ................................................................................ 33 1.3 Os espaos scio geogrficos das misses jesuticas em estudo .............................. 48

    Captulo 2

    2 Jesutas e a ocupao do espao scio geogrfico: a converso de ndios em homens, cristos e sditos do rei. ..................................................................................................... 84 2.1 A ao poltica dos jesutas nas fronteiras da Amrica Espanhola .......................... 85 2.2 Misses como instituio de fronteira ..................................................................... 100

    Captulo 3

    3 Em tudo semelhante, em nada parecido: uma anlise comparativa dos planos urbanos ............................................................................................................................. 135

    3.1 A organizao espacial missioneira e suas influncias ......................................... 136 3.2. O espao missioneiro: uma anlise comparativa da estrutura urbana .................... 145 3.2.1 Igreja ............................................................................................................................. 152 3.2.2 Ptio dos artfices e claustro ...................................................................................... 161 3.2.3 Cotiguau ..................................................................................................................... 168 3.2.4 Residncia indgena .................................................................................................... 169 3.2.5 Praas............................................................................................................................ 176

    Consideraes Finais .................................................................................................. 185

    Referncias Bibliogrficas......................................................................................... 188

  • 12

    Introduo

    O interesse pelo tema das misses jesuticas surgiu quando ainda cursvamos a graduao em Histria pela Universidade do Estado de Mato Grosso/Unemat. Naquela ocasio, tnhamos que desenvolver um artigo final para a concluso da disciplina de Histria Regional, e o assunto sugerido pelo professor foi sobre a Capitania de Mato Grosso e suas relaes fronteirias com as misses jesuticas espanholas de Chiquitos e Mojos. E as fontes que deveramos consultar estavam disponveis no catlogo do Arquivo Histrico Ultramarino

    de Portugal, que compe parte do acervo do Ncleo de Documentao de Histria Escrita e Oral(NUDHEO)/Unemat.

    O documento que nos interessou no catlogo foi o Auto de Inquirio do Soldado Romero, sobre o ouro e o comrcio ilcito que os curas da misso de Baures praticava com os portugueses do destacamento de Santa Rosa1. Aps a transcrio deste Auto de Inquirio nos despertou o interesse em saber mais sobre o destacamento portugus e suas relaes com as misses de Mojos. E foi a partir de um levantamento bibliogrfico preliminar, realizado ao final da graduao, que percebemos que o referido destacamento tratava-se de uma antiga misso jesutica espanhola estabelecida na margem direita do rio Guapor em 1743. Foi a que tivemos o primeiro contato com o nosso objeto de pesquisa, entretanto, foi somente no mestrado realizado na Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul/PUCRS (2006-2008), que esta pesquisa se materializaria na dissertao intitulada Misso jesutica colonial na Amaznia Meridional: Santa Rosa de Mojo uma misso num espao de fronteira (1743-1769).

    As especificidades que nos instigaram a eleger Santa Rosa de Mojos como objeto de pesquisa que resultou na dissertao foi com o propsito de saber quais eram os grupos indgenas envolvidos na construo daquele espao, alm de compreender quais os motivos que levaram sua fundao, bem como, quais foram s aes desenvolvidas pelos portugueses para ocupar esta antiga misso jesutica e nela estabelecer uma fortificao, que receberia o nome de Fortaleza da Conceio e, mais tarde, Forte de Bragana.

    A delimitao temporal para o estudo da misso de Santa Rosa foi de 1743 a 1769. Tais datas so respectivamente referentes ao ano da fundao desta misso jesutica, e ao

    1 Documento 887, caixa 15 AHU (Arquivo Histrico Ultramarino). 1770, Maro, 30. Ncleo de Documentao

    de Histria Escrita e Oral da Universidade do Estado de Mato Grosso (NUDHEO/UNEMAT).

  • 13

    perodo em que houve a mudana do nome de Nossa Senhora da Conceio para Forte de Bragana, pois pouco tempo depois esta fortificao portuguesa seria substituda pela construo do Forte Prncipe da Beira.

    Na dissertao abordamos o espao compreendido pelas principais redes fluviais constitudas pelos rios Beni, Marmor, Guapor e seus afluentes; e os diversos grupos indgenas orientados por estas margens (que no incio do sculo XVIII teriam seus primeiros contatos com as frentes de colonizao luso-espanholas). Apresentamos ainda, mesmo que de forma superficial, um breve estudo comparativo das misses jesuticas Guarani, Chiquito e Mojo2, evidenciando assim, algumas semelhanas e diferenas entre seus planos urbanos. Alm de oferecermos um panorama de como estavam organizadas as espacialidades das

    misses jesuticas de Santa Rosa, So Miguel e So Simo, e a articulao destas misses com o espao colonial3.

    A ideia de comparar as misses jesuticas Guarani, Chiquitos e Mojos e inseri-las como parte da pesquisa sobre Santa Rosa na dissertao, surgiu aps a palestra da professora Leny Caselli Anzai (PPGHIS/UFMT) durante o minicurso intitulado Misso por reduo: experincias americanas4. Em sua apresentao sobre Misses: territrios diversos, mltiplas fronteiras, a referida pesquisadora enfatizou que as misses de Chiquito e Mojo encontravam-se nos mesmos moldes das misses Guarani (Anzai, 2008: 141 e 148)5. Alm de abordar estas misses do Oriente Boliviano de forma conjunta, a palestrante reforou ainda, a ideia de que as misses jesuticas passariam a ter sua importncia, enquanto espacialidades

    2 Os dados sobre os espaos scio geogrficos de cada uma destas espacialidades missioneiras sero

    desenvolvidos mais detalhadamente ao longo do primeiro captulo da tese, assim como, as informaes sobre a misso jesutica de Maynas. 3 Demos maior nfase misso jesutica espanhola de Santa Rosa, que, a partir de 1760, tornar-se-ia uma

    fortificao portuguesa s margens do rio Guapor. Tal ao praticada pelos portugueses foi considerada um desrespeito ao Tratado de Madri (1750), e os espanhis nunca aceitaram esta atitude, gerando, desta maneira, uma contenda pela posse de Santa Rosa. O estranhamento causado pela demarcao de limites na fronteira oeste da Capitania de Mato Grosso culminou em um conflito fronteirio luso-espanhol pela retomada daquela espacialidade por parte dos espanhis. Para maiores detalhes, consultar: CASTILHO PEREIRA, Ione Ap. M. Misso jesutica colonial na Amaznia Meridional: Santa Rosa de Mojo uma misso num espao de fronteira (1743-1769). Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-Graduao em Histria. Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2008a. 4 Atividade ministrada pelas professoras Leny Caselli Anzai (Programa de ps-graduao em Histria da

    Universidade Federal do Mato Grosso, PPGHIS/UFMT), Maria Cristina Bohn Martins (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), Eliane Cristina Deckmann Fleck (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) durante o XXIV Simpsio Nacional de Histria (ANPUH) - Histria e Multidisciplinaridade: territrios e deslocamentos. UNISINOS, de 15 a 20 de julho de 2007, So Leopoldo/RS. Para maiores detalhes sobre a ementa do mini-curso, consultar http://snh2007.anpuh.org/minicurso/view?ID_MINICURSO=22. 5 Uma verso semelhante ao que foi apresentado na palestra encontra-se publicado no livro Estudos sobre os

    Chiquitanos no Brasil e na Bolvia: histria, lngua, cultura e territorialidade. Organizadora Joana A. Fernandes Silva. Goinia: Ed. da UCG, 2008. E o artigo da qual nos referimos recebe o ttulo nesta coletnea de Misses Religiosas e a Capitania de Mato Grosso.

  • 14

    espanholas, a partir de dois momentos: o primeiro motivado pelos portugueses da Capitania de Mato Grosso que as encarariam como obstculo a sua febre expansionista de alcanar as minas de Potos (Alto Peru), e em um segundo momento, j sem os jesutas, como estabelecimentos propcios a realizao do contrabando fronteirio. Tal atitude, entretanto, desconsidera um conjunto de caractersticas que constituiu cada uma destas misses em suas respectivas espacialidades. Pois, como bem salienta Josep M. Barnadas, tratar as misses de Mojos e Chiquitos de forma conjunta ha dejado aberta la puerta a una confusin: la que ignora que, mientras Mojos era parte de la Provincia Peruana, Chiquitos lo era de la del Paraguay (Eder, 1985:XLVII).

    Isto nos chamou muito ateno, porque medida que avanvamos em nossa

    pesquisa sobre Santa Rosa e as misses de Mojos durante a realizao do mestrado, percebamos que estas misses no eram simplesmente uma imitao de um molde idntico do que havia sido desenvolvido entre as misses Guarani. Sendo assim, resolvemos aprofundar as pesquisas e preparar um estudo que pudesse apontar estas possveis semelhanas e diferenas existentes entre os planos urbanos das misses Guarani, Mojos e Chiquitos6. Tomamos como ponto de partida, as experincias dos indgenas antes do contato com as frentes de colonizao, bem como, o seu posterior estabelecimento em um novo espao dado pelas misses jesuticas. Deste modo, procuramos relacionar as pesquisas realizadas nas misses Guarani (sobre urbanidade, espao e arqueologia) com os dados bibliogrficos e documentais que tnhamos at aquele momento sobre as misses de Chiquitos e Mojos, bem como, das populaes indgenas presentes nestes espaos.

    Durante a realizao desse breve estudo comparativo, notamos que as bibliografias que consultamos sobre as outras reas missioneiras jesuticas, sempre se remetiam a experincia Guarani para ressaltar as similaridades entre elas ou para mostrar o que seria singular em cada espacialidade. Como por exemplo, o artigo do arquiteto Victor Hugo Limpias Ortiz intitulado Misses de Moxos, em que o autor salienta que, mesmo que as distintas misses jesuticas seguissem os mesmos decretos reais, critrios e modelos administrativos, a autonoma de cada regin, junto a las diferencias geogrficas y culturales, permiti el surgimiento de diferencias, dentro de un marco comn estructural (Ortiz,

    6 Este estudo gerou um artigo que foi apresentado inicialmente com o ttulo Urbanismo Missioneiro: ensaio

    comparativo das redues de Guarani, Chiquitos e Mojos no III Seminrio Internacional de Histria: Instituies, Fronteira e Poltica na Amrica Histria Sul-Americana, XIII Seminrio do Departamento de Histria, III Frum do Programa de Ps-Graduao em Histria, realizado no perodo de 04 a 06 de setembro de 2007, na Universidade Estadual de Maring - UEM. Entretanto, s foi publicado em sua ntegra na revista eletrnica Histria em reflexo: vol. 2 n. 4 UFGD Dourados jul/dez 2008b, com o ttulo Misses Jesuticas Coloniais: um estudo dos planos urbanos.

  • 15

    2007:76). E o resultado dessas influncias recprocas segundo Ortiz, produziriam seis caractersticas particulares a Mojo e

    diferente a lo acontecido en las experiencias jesuticas de Chiquitos y Paraguay. Primero, la definicin de la reduccin como un emplazamiento productivo; segundo, la plaza con posas y cruces orientadoras y jerarquizadoras del espacio central; tercero, el atrio profundo del templo con dos o ms crujas semicubiertas; cuarto, la decoracin con pilastras-cirios en las portadas; cinco, la disposicin del colegio en frente abierto hacia la plaza y transversal al templo, y sexto, la excepcional calidad de la estatuaria (Ortiz, 2007:89).

    J no livro do historiador Alcides Parejas Moreno sobre Historia del Oriente Boliviano siglos XVI y XVII, observamos a nfase na semelhana total entre as misses jesuticas, pois segundo o autor, as misses de Mojos e Chiquitos tenan la misma organizacin que las reducciones del Paraguay en cuando a lo social, religioso laboral y educativo, e incluso la misma estructura en cuanto los mismo pueblos (Moreno, 2011:151).

    Entretanto, tambm encontramos pesquisas que sugerem um desenvolvimento similar ou comum entre as misses jesuticas, como caso do livro dos historiadores Arno Alvarez Kern e Robert Jackson sobre as Misses Ibricas Coloniais: da Califrnia ao Prata, em que os autores pretendem, a partir de uma abordagem comparativa, evidenciar a existncia de um modelo comum no desenvolvimento das misses Guarani com as misses do norte do Mxico colonial. Para os autores, a coroa espanhola autorizava e apoiava misses tanto na

    Amrica do Norte como na do Sul, seguindo um modelo de desenvolvimento similar e com os mesmos objetivos bsicos (Kern e Jackson, 2006:12).

    Notamos ainda, durante o desenvolvimento de nosso breve estudo comparativo, que havia uma certa singularidade entre as misses de Mojos e Chiquitos com as misses de Maynas. Tal semelhana foi percebida, ao lermos o artigo Maynas, una misin entre la ilusin y el desencanto da coletnea Un reino en la frontera las misiones jesuticas en la Amrica Colonial organizada pela arquiteta Sandra Negro e pelo padre jesuta Manuel M. Marzal, publicado no ano de 1999. Neste estudo, pudemos perceber que nas misses de Maynas, assim como nas misses de Mojos, as vivendas eram construdas sobre estacas7,

    7 Nas redues de Mojos segundo o relato do Padre jesuta Francisco J. Eder muchas y aun todas las reducciones

    adyacentes al ro Mamor cada ao padecan grandes daos por la inundaciones. No encontrndose en ninguna parte lugares aptos para levantar las reducciones y que al mismo tiempo estn a salvo del peligro de la inundacin, muchos aos sucede que durante todo un mes la misma reduccin queda inundada, por lo se hace necesario circular por ella navegando en canoas, ya se trate de los indios que no tienen casas elevadas y construdas sobre estacas, han de construir algn piso improvisado de madera en que vivir da y noche con su familia y animales, teniendo la canoa atada a la puerta para poder movilizarse cuando quieran. En estas

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    tambm conhecidas por barbacoas, a fim de evitar no s as inundaes, mas tambm que as guas dos rios no afetassem as paredes dos edifcios revestidas de barro. A carncia de material construtivo para edificao das vivendas em Mojo8 e Chiquito9, tais como pedra e argila, tambm pode ser percebida nas misses de Maynas. Segundo Sandra Negro, os padres tentaram fabricar ladrillos, pero debieron desistir muy pronto, ya que estos se quebraban por la falta de arcilla de calidad (Negro, 1999:289). No entanto, no avanamos nossas pesquisas com relao a esta misso, ficando reservada a ela, apenas uma nota de p de pgina ressaltando sua similaridade com relao s outras misses no que tange a construo de vivendas e material empregado na edificao das mesmas.

    Estes tpicos que aqui levantamos se destacaram durante o desenvolvimento da

    dissertao, mas como eles no constituam os objetivos de nossa temtica proposta (estudo do espao missional de Santa Rosa de Mojo), no puderam ser aprofundados. O que nos instigou a propor esta investigao para o doutorado, agora com outras questes a serem pesquisadas, um marco temporal maior e o acrscimo da misso de Maynas, para que ento, pudssemos saber em que medida o projeto evangelizador empreendido pela Companhia de Jesus foi semelhante e diferente na organizao espacial10 dos planos urbanos destas quatro espacialidades missioneiras.

    Assim, diante das consideraes anteriormente apresentadas, algumas perguntas ficaram para serem respondidas, tais como: em que medida estas misses jesuticas foram semelhantes ou diferentes em sua organizao espacial? Onde esto as diferenas? E, em caso de diferenas, quais seriam estes elementos dessemelhantes na organizao espacial destas misses? Ou quais seriam as semelhanas? Onde elas esto? Quais foram os elementos que

    circunstancias no es raro que desde el piso superior de la casa pesquen con flecha los peces que circulan por abajo, pues stos y lo que es ms divertido los caimanes transitan libremente por la plaza, calles y aub casas, haciendo presa de los perros o patos desprevenidos (Eder, 1985:62). 8 Para compensar a carncia total de pedras na construo das vivendas e edifcios em Mojos, os missionrios

    empregariam argamassa, segundo Jos Luis Roca, uma mistura resultante de arcilla con pasto y estircol animal que se colocaba en medio de una armazn de caahueca amarrada con lianas de la selva. Es el llamado tabique que an subsiste en las construcciones antiguas de todos el oriente boliviano (Roca, 2001:332). 9 De acordo com o arquiteto Virgilio Suarez Salas em Chiquitos se recuperan de la cultura aborigen el

    conocimiento de los materiales y tcnicas constructivas, como el tabique hormign armado de barro y madera y los techos de paja cubiertas vegetales hechas de hojas y troncos trabajados de palmeras -, as tambin cmo sacar mejor partido de los espacios y formas locales. () Del medio ambiente, resuelven catalogar y utilizar de la mejor y mayor forma posible los elementos que la naturaleza le poda proveer: arcilla mejorada para fabricar tejas y adobes, tinturas naturales para ser aplicadas como pintura, minerales como la mica que en forma laminada se utilizaban como revestimiento interior, y especialmente maderas; maderas duras para estructuras y maderas preciosas blandas para muebles, decorados y ornamentos, etc. (Moreno e Salas, 1992:250) 10

    Este conceito ser discutido mais detalhadamente no primeiro captulo da tese.

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    contriburam para que fossem geradas tanto as semelhanas como as diferenas nestas misses?

    Para responder estes questionamentos, estabelecemos como delimitao temporal os anos de 1607 a 1767. Tais datas so respectivamente referentes ao incio da ao jesutica nas misses Guarani, passando pela fundao das misses dos Maynas no ano de 1636, de Mojos no ano de 1682 e Chiquitos no ano de 1690, e como marco temporal final da pesquisa, escolhemos a expulso dos jesutas da Amrica Espanhola no ano de 1767. Escolhemos esta temporalidade to extensa porque como se trata de uma anlise comparativa das organizaes espaciais das misses jesuticas em questo, torna-se muito difcil delimitar o momento exato em que estas diferenas e semelhanas ocorreram, pois de acordo com o historiador Erneldo

    Schallenberger

    a limitao da problemtica histrica no percebida atravs de uma transparncia temporal, no sentido cronolgico, mas fixa-se, sobretudo, na anlise das unidades histricas apreendidas do processo histrico global, onde o fato no concebido em si e isoladamente, mas considera-se o conjunto dos fatos que constitui a unidade de anlise, numa perspectiva de histria em construo (Schallenberger, 1985:20).

    J a insero da misso de Maynas na pesquisa se deu por duas razes, a primeira, porque esta misso pertenceu inicialmente a Provncia Jesutica do Peru, entretanto, devido s grandes distancias entre a cidade Lima (capital do vice-reinado do Peru) e a cidade de Quito11 (atual territrio de Colmbia e Equador; cf. Sievernich, 1996), acabou dependendo siempre de la Compaa de Jess de la Provincia de Quito y administrativamente formaba una sola Gobernacin bajo la responsabilidad de un gobernador, nombrado por el rey (Negro, 1999:272). A segunda razo se deve a proximidade espacial desta misso com as misses de Mojo (que tambm pertencia a Provncia Jesutica do Peru), e, em uma anlise mais ampla, estas misses (Maynas e Mojos) encontravam-se sincronicamente vizinhas no tempo e no espao das misses jesuticas de Chiquito e Guarani (ambas pertencentes Provncia Jesutica do Paraguai).

    Deste modo, o que ns propomos avanar para alm das breves comparaes (aluses parciais que os autores que se dedicam ao tema misses, conforme j abordamos

    11 Segundo Sandra Negro quase todas las rutas propuestas tenan como punto de partida la cuidad de Quito, ya

    que entre os siglos XVI y XIX el acceder a dicha regin desde de Lima, capital del virreinato del Per, era una empresa de mayor envergadura, no slo por la gran distancia existente, sino a la imperativa necesidad de cruzar los Andes, para alcanzar la Amazonia, todo o cual repercuta negativamente en tiempo y costos (Negro, 1999:272).

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    anteriormente, realizam sobre outras misses jesuticas a fim de evidenciar a semelhana ou a diferena em relao ao seu objeto de estudo) e das justaposies de informaes12 (snteses que examinam vrios aspectos de uma determinada temtica como se fossem blocos em superposio), para ento, demonstrar atravs de uma anlise comparativa, que as diversas formas do existir, produzidas por indgenas e jesutas nestas espacialidades missioneiras, criaram como resultado desta relao com o espao habitado tanto diferenas como semelhanas. Pois como bem salienta o historiador Jrn Rsen,

    no basta pr diferentes histrias (...) juntas. Isso poderia fornecer um til e mesmo necessrio panorama do conhecimento disponvel at determinado momento, mas no se constitui em um tipo de comparao, uma vez que as diferentes acumulaes de conhecimento carecem de uma estrutura comum de organizao cognitiva. Toda comparao precisa de um parmetro organizativo. Antes de olhar para os materiais (textos, tradies orais, imagens, rituais, monumentos, assim por diante) necessrio saber que campo de coisas deve ser levado em considerao e de que maneira as descobertas nesse campo devem ser comparadas. Trocando em midos: quais so as similaridades e onde esto as diferenas (...) (Rsen, 2008:116).

    Sendo assim, para analisarmos quais foram os elementos semelhantes e diferentes na organizao espacial das misses Guaranis, Chiquitos, Mojos e Maynas, e com isto, ter um parmetro organizativo do que pode e o que no pode ser comparado, e o que e como observar, bem como, a maneira como os resultados observados sero tratados, que se torna necessrio o uso do mtodo comparativo preconizado por Marc Bloch em 1928 no campo da Histria Comparada13. Em seu artigo Para uma histria comparada das sociedades europias, Bloch salienta que o mtodo comparativo em histria consiste em

    escolher, em um ou vrios meios sociais diferentes, dois ou vrios fenmenos que parecem, primeira vista, apresentar certas analogias entre si, descrever as curvas de sua evoluo, encontrar as semelhanas e as diferenas e, na medida do possvel, explicitar umas e outras. So portanto necessrias duas condies para que haja, historicamente falando, comparao: uma certa semelhana entre os dados observados o que

    12 Os estudos que se propuseram a fazer uma anlise comparativa entre misses jesuticas, mas que acabaram por

    fazer apenas uma justaposio de informaes em blocos foram: CALEFFI, Paula. El trazado de las reducciones y la prctica ritual. In: La Provincia Jesutica del Paraguay: Guaranies y Chiquito. Un Anlisis Comparativo. Universidade Complutense. Faculdad de Geografia e Historia. 1989-90, e Arno Alvarez Kern e Robert Jackson. Misses Ibricas Coloniais: da Califrnia ao Prata. Porto Alegre: Pailer, 2006. Sobre este assunto, abordaremos com maiores detalhes no primeiro captulo da tese, mais precisamente, na seo referente ao uso da Histria Comparada para o estudo das misses jesuticas. 13

    Sobre o porqu de escolhermos esta forma de comparar, dentre as vrias possibilidades existentes no campo da Histria Comparada, ser abordado com maiores detalhes no primeiro captulo da tese.

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    evidente e uma certa dissemelhana entre os meios onde tiveram lugar (Bloch, 1996a:120).

    Bloch distingue ainda dois tipos de comparao, que segundo ele, dependendo do campo de estudo h possiblidade de duas aplicaes totalmente diferentes pelos seus princpios e resultados, que so: sociedades separadas no tempo e no espao (em que as analogias observadas no possam explicar-se por influncias mtuas ou origem comum) e as sociedades vizinhas no tempo e no espao (neste caso as influncias so mtuas devido proximidade e o sincronismo, e remontam, pelo menos em parte, a uma origem comum).

    Neste sentido, o nossa pesquisa se insere na segunda tipologia do mtodo comparativo proposto por Marc Bloch, j que preenche todos os requisitos para que haja uma comparao entre duas ou mais sociedades vizinhas no tempo e no espao, pois alm de ser prefervel, como salienta o prprio autor, tambm o mais rico cientificamente (Bloch, 1996a:123). Sendo assim, escolhemos como unidade de anlise a estrutura urbana destas espacialidades missioneiras, e as formas espaciais que sero comparadas so: Igreja, ptio dos artficies e claustro, cotiguau, residncia indgena e praa. J, os elementos que sero analisados em nossa pesquisa so: o espao geogrfico, a organizao espacial indgena e o contexto colonial, afinal, eles contriburam tanto para o surgimento de diferenas como de semelhanas.

    Desta forma, estruturamos os dados de nossa pesquisa de maneira sucinta e inter-relacionados, para que assim, pudssemos demonstrar com maior clareza tanto as diferenas como as semelhanas entre as misses comparadas. E para evitar a justaposio de informaes em blocos de snteses, vamos dispor o elemento analisado de maneira que no decorrer da comparao seja possvel perceber se o que estamos comparando caracterstica de uma determinada misso ou se comum a todas elas, para ento, tentarmos na medida do possvel, explicar o porqu que tais semelhanas e diferenas ocorreram entre as espacialidades missioneiras.

    Alm da definio do mtodo, importante destacar a utilizao de conceitos da rea de Geografia, tais como: espao, paisagem, espacialidade e organizao espacial, territrio e territorialidade, pois sero de fundamental importncia para a compreenso do nosso estudo sobre as semelhanas e diferenas, produzidas por indgenas e jesutas, na organizao espacial das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas14.

    14 Os conceitos aqui apresentados sero discutidos mais detalhadamente no primeiro captulo da tese.

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    Assim, para alcanar os objetivos propostos para o desenvolvimento da tese, consultamos os acervos da Biblioteca Central Irmo Jos Oto (PUCRS), Porto Alegre/RS; na Biblioteca Central da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e no Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP) (ambas localizadas no municpio de So Leopoldo/RS), bem como, em sites da internet (revistas, artigos, teses, dissertaes), sebos online, e contamos ainda, com aquisio de material bibliogrfico enviado por pesquisadores15, pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE/USP) e pela Revista de Indias.

    Neste sentido, as fontes que constituem o foco de nossa anlise e comparao so tanto documentais (entre elas destacam-se: Dirios, Cartas Anuas, Relatos, Informes) quanto bibliogrficas (alguns exemplos podem ser citados, tais como: Los ndios del alto Amazonas del siglo XVI al siglo XVIII Poblaciones y migraciones em la antigua provncia de Maynas, Waltraud Grohs (1974), Chiquitos Historia de uma utopia, Alcides Parejas Moreno e Virgilio Suarez Salas (1992), La cultura reducional de los Llanos de Mojo David Block (1997), Misses: uma utopia poltica Arno Alvarez Kern (1982)).

    Portanto, o ttulo para a tese Em tudo semelhante, em nada parecido16: uma anlise comparativa dos planos urbanos das misses jesuticas de Chiquitos, Mojos, Maynas e Guarani (1607-1707), alm de abarcar todas estas questes expostas anteriormente, procurou demonstrar este jogo perfeitamente dinmico e vivo: sem analogias, e sem diferenas, no possvel se falar em uma autntica Histria Comparada (Barros, 2007a:11) como havia proposto Marc Bloch.

    E foi pensando em todas estas questes expostas anteriormente que estruturamos a tese em trs captulos, alm dos elementos pr e ps-textuais. Sendo que no primeiro captulo, discutimos o que vem a ser Histria Comparada, bem como, os limites e possibilidades do mtodo comparativo proposto por Marc Bloch em 1928, no VI Congresso Internacional de Cincias Histricas de Oslo, e como transpor isso para nosso estudo comparativo da

    15 Entre eles podemos citar David David Block (Universidad de Texas), Victor Hugo Limpias Ortiz (Universidad

    Privada de Santa Cruz de la Sierra), Paula Pen (Universidad Autnoma Gabriel Ren Moreno de Santa Cruz de la Sierra- Bolvia), Jos de Assuno Barros (Universidade Severino Sombra/Vassouras/RJ), Ramn Gutirrez e Renata Bortoleto (IBGE/Cuiab/MT). 16

    Este pequeno trecho do ttulo foi inspirado na leitura do artigo em tudo semelhante, em nada parecido - modelos e modos de urbanizao na Amrica Portuguesa do arquiteto Jos Pessa do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Rio de Janeiro). Neste artigo, o autor buscou vislumbrar algumas das invariantes da rede urbana construda por portugueses paulistas, baianos, pernambucanos e mineiros no territrio do Brasil e que, mesmo distintas daquelas do territrio portugus, foram suficientemente semelhantes para permitir ao bispo do Rio de Janeiro pensar Lisboa para explicar a paisagem de So Sebastio do Rio de Janeiro (Pessa, 2000:71). Tal intento nos fez reportar para o nosso estudo das misses jesuticas em questo, pois, primeira vista, estas misses jesuticas parecem ser muitos semelhantes entre si, porm, se as observamos mais detidamente, veremos que no so to parecidas assim.

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    organizao espacial das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas. E para compreender o espao em que estas misses se instalaram, bem como, a maneira como os grupos tnicos encontravam-se organizados espacialmente (antes de se tornarem ndios missioneiros), que abordamos conceitos da rea da Geografia (conforme j citamos), a fim de evidenciar que o espao socialmente produzido por indgenas e jesutas nestas misses, no foi vivenciado e muito menos percebido da mesma maneira pelos diversos grupos indgenas envolvidos neste processo, o que favoreceu de certa maneira, o surgimento tanto de semelhanas como de diferenas nestas espacialidades missioneiras.

    J no segundo captulo, analisamos a ao poltica empreendida pela Companhia de Jesus, mas especificamente pelos jesutas, para converter ndios selvagens em autnticos homens e depois em cristos. Afinal, reduzir as diversas etnias indgenas ao um novo espao urbano significava intervir profundamente na lgica da vida dos nativos, criando estruturas urbanas, produzindo uma disciplina do trabalho voltado produo do necessrio para o sustento e manuteno dos membros das comunidades como serem humanos autnticos (Puhl, 2008:169). J para compreender o contexto no qual estas misses jesuticas foram fundadas, realizamos uma anlise da situao espacial em que estas misses estavam inseridas: em um espao de fronteira e dentro de um complexo sistema de relaes entre Portugal, Espanha, comunidades indgenas, a Companhia e Jesus e a prpria Santa S (Kern, 1982:151).

    Portanto, a misso jesutica no foi apenas um espao de evangelizao, mas tambm, uma instituio de fronteira, pois alm de estarem estabelecidas em lugares estratgicos cumpriam ainda a funo de estado-tampo, isto , de barrar caminho s reas de metais preciosos. Assim, a misso como instituio de fronteira seria uma caracterstica da colonizao luso-espanhola em muitas reas, o que contribuiu, segundo as palavras da antroploga Denise Maldi Meireles (1997), para cristalizar ainda mais a imagem do ndio como verdadeiros guardies da fronteira. Assim, cada um destes espaos fronteirios foi desbravado e anexado coroa espanhola pelos jesutas e indgenas, j que segundo Arno Kern, estes estavam mais bem adaptados guerra, nas regies em que sempre tinham vivido, do que os prprios espanhis (Kern, 1982:153).

    Por fim, no terceiro e ltimo captulo, abordamos as diferentes posies historiogrficas que tratam sobre a origem da organizao espacial dos povoados missioneiros. Entre estes diferentes posicionamentos estavam, segundo Erneldo Schallernberger, as de Serafim Leite que se fundamentavam nas experincias das aldeias brasileiras enquanto que os seguidores de Pablo Hernandez recorrem s doutrinas

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    espanholas de Juli (Schallernberger 2006:123). Entretanto, h estudos que consideram ainda as Redues Franciscanas, as Leis das ndias e as recomendaes do Padre Diego de Torres como matrizes ou influncias da constituio do traado urbano das Redues (Barcelos, 2000:132).

    Assim, ao analisarmos as possveis influncias na constituio do plano urbano das misses jesuticas, vmos que nenhuma delas podem ser consideradas como fonte da inspirao total das Redues. Talvez o tenham sido em sentido parcial e sobretudo em sentido negativo, mostrando o que evitar (Rabuske, 1975:27), mais do que propriamente um modelo para o traado urbano das misses jesuticas. J que, como bem destaca o padre Arthur Rabuske, o que decidiu o sistema das Redues no foram modelos preexistentes, mas

    a dura experincia de cada dia (...) (Rabuske, 1975:27). Sendo assim, o traado urbano missioneiro se caratetizou mais pela transferncia e consolidao de experincias oriundas tanto das populaes indgenas como europeias do que por um modelo imposto a priori.

    J para sabermos em que medida o projeto evangelizador empreendido pela Companhia de Jesus foi semelhante e diferente, escolhemos para analisar comparativamente as formas espaciais que compem a estrutura urbana destas quatro espacialidades jesuticas (conforme j citamos anteriormente). A importncia destas formas espaciais, para nossa anlise comparativa, est no fato delas terem contribudo para a humanizao dos indgenas, ou seja, a converso de ndios selvagens em autnticos homens e depois em cristos. E para contribuir com esta anlise comparativa, escolhemos os seguintes planos urbanos: Plano da Vila Concepcin de Mojos segundo DOrbigny (Ortiz, 2007); Traza hipottica de una reduccin en la misin de Maynas durante el siglo XVIII, laborada a partir de descripciones realizadas por diversos misioneros cronistas (Negro, 2007); Plano da Vila de S. Jos Misso de Chiquitos segundo D Orbigny (Meireles, 1989); Plano del Pueblo de San Juan Bautista, del ro Uruguay (Guarani) (Perams, 2004).

    Portanto, o fio condutor que liga toda esta pesquisa o projeto evangelizador empreendido pela Companhia de Jesus nestas quatro espacialidades missioneiras. Deste modo, o que ns queremos saber quais foram os elementos semelhantes na organizao espacial das misses Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas (no que realmente se parecem) e quais elementos lhes seriam nicos (o que as diferenciavam entre si), e na medida do possvel, explicar o porqu que ocorrem estas diferenas e semelhanas entre estes planos urbanos.

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    Captulo 1

    Comparao, espao e grupos tnicos

    Neste captulo, discutiremos o que vem a ser Histria Comparada, bem como, os limites e possibilidades do mtodo comparativo proposto por Marc Bloch em 1928 no VI Congresso Internacional de Cincias Histricas de Oslo, e como transpor isto para estudo comparativo das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas. Para compreender o espao em que estas misses jesuticas se instalaram, e a maneira como os grupos tnicos encontravam-se organizados espacialmente (antes de se tornarem ndios missioneiros), que se torna necessria utilizao de conceitos da rea da Geografia, tais como: espao, paisagem, espacialidade, organizao espacial, territrio e territorialidade. Portanto, o espao que nos interessa , segundo o gegrafo Milton Santos (1986), o espao humano ou social, que contm ou contido por todos esses mltiplos de espao.

    Assim, ao estudar um grupo tnico preciso considerar, segundo a gegrafa Maria Ins Ladeira, entre outras coisas, cada grupo familiar, o contexto regional (social e econmico) em que esto inseridas as aldeias, bem como, as incorporaes e as adaptaes advindas do contato, a fim de evitar generalizaes precipitadas. Por grupo tnico, entendemos uma populao que, segundo Fredrik Barth:

    1) perpetua-se biologicamente de modo amplo; 2) compartilha valores culturais fundamentais, realizados em patente unidade nas formas culturais; 3) constitui um campo de comunicao e interao e 4) possui um grupo de membros que se identifica e identificado por outros como se constitusse uma categoria diferencivel de outras categorias do mesmo tipo (Barth, 1998:189 e 190)17.

    Com isto, queremos evidenciar que o espao socialmente produzido por indgenas e jesutas nestas espacialidades missioneiras, no foi vivenciado e muito menos percebido da

    17 Para maiores detalhes, consultar: BARTH, Fredrik. Grupos tnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT,

    Philippe & STREIF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Seguido de Grupos tnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. So Paulo: Fundao Editora da Unesp, 1998.

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    mesma maneira pelos diversos grupos indgenas envolvidos neste processo, favorecendo assim, o surgimento de semelhanas e diferenas entre estas misses.

    1.1 O uso da Histria Comparada para o estudo das misses jesuticas

    Antes de discutirmos o que vem a ser Histria Comparada, bem como, os limites e possibilidades do mtodo comparativo proposto por Marc Bloch, e o porqu de escolhermos esta forma de comparar e no outra, uma pergunta deve ser feita: o que comparar? Segundo o dicionrio Aurlio, comparar significa entre outras definies estabelecer confronto entre; cotejar, confrontar; examinar simultaneamente, a fim de conhecer as semelhanas, as diferenas (Ferreira, 1999: 511). Para Marc Bloch, definies como estas tem l seu mrito, pois insistem na percepo das semelhanas e diferenas ao mesmo tempo. Entretanto, o mais importante para um vocabulrio histrico, segundo Bloch, definir o que uma comparao histrica, ou seja, como que esta operao do esprito, ao mesmo tempo essencial e banal, pde dar origem, nas cincias humanas, a um mtodo de aplicao muito precioso: o mtodo comparativo (Bloch, 1996b:111).

    Afinal, comparar na perspectiva da Histria Comparada, sobretudo no campo da Histria como havia proposto Marc Bloch, era de algum modo romper com o isolamento das fronteiras artificiais que vinham sendo delimitadas pelas clausuras nacionais e governamentais da velha histria poltica do sculo XIX18 (Barros, 2007c:164), e com isto, estabelecer um dilogo entre estas diversas histrias nacionais para que assim fosse capaz de

    18 De acordo com o economista Luiz Roberto Pecoits Targa, Bloch era um medievalista que lutava pela sntese

    histrica e para quem, obviamente, as fronteiras polticas dos Estados-Nao europeus do sculo XX se constituam num srio anacronismo e se tomavam frequentemente um obstculo produo do conhecimento histrico, chegando mesmo a deform-lo completamente. A anlise de determinados fenmenos europeus no poderia realizar-se nos tradicionais quadros definidos pelas fronteiras nacionais. (...) Dessa forma, parece-nos que o humanismo de Bloch foi buscar o que aproximava os povos da Europa e no o que os dividia e os distinguia. Sob esse ponto de vista, ao mobilizar-se contra a histria-batalha nacionalista e inserido no contexto Ps-Primeira Guerra, parece aceitvel que se impusesse o momento analgico na sua proposta de anlise comparativa das sociedades europias (Targa, 1991:269). Para maiores detalhes sobre o contexto em que foi desenvolvido o mtodo comparativo proposto por Marc Bloch, consultar: ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. El itinerario intelectual de Marc Bloch y el compromiso con su propio presente. Contribuciones desde Coatepec, enero-junio, nmero 002. Universidad Autnoma del Estado de Mxico. Toluca, Mxico. 2002. Ver igualmente Prefcio de Jacques Le Goff. In: BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Os reis taumaturgos: o carter sobrenatural do poder rgio, Frana e Inglaterra. Traduo Jlia Mainardi. So Paulo: Companhia das Letras, 1993. DOSSE, Franois. A histria em Migalhas: dos Annales Nova Histria. Traduo Dulce Oliveira Amarantes dos Santos. Bauru, SP: EDUSC, 2003.

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    revelar interaces anteriormente desconhecidas entre as sociedades humanas; quanto a esperar dela que, posta em presena de sociedades at aqui consideradas desprovidas de laos de parentesco, nos leve a descobrir, nestes grupos, fraces que, numa data recuada, se separaram de uma sociedade me, antes insuspeitada (Bloch, 1996a:140).

    Para Marc Bloch s a comparao poderia dissipar as falsas causas naturais, pois nada h de mais perigoso, em cada ordem de cincias, do que a tentao de achar tudo natural (Bloch, 1996a:139). Para ele, era necessrio desconfiar dos fatos exclusivamente locais, e principalmente, questionar a artificialidade dos quadros nacionais. Em outras palavras, Marc Bloch suplicava aos historiadores que parassem de falar eternamente de histria nacional para histria nacional sem se compreenderem mutuamente, pois em sua opinio, tal atitude se trataria de um dilogo de surdo, no qual um responderia a pergunta do outro. Para Bloch, os historiadores tem o dever

    de ler o que se publicou antes deles sobre assuntos semelhantes aos seus, no apenas, como todos fazem, a propsito da sua regio, no apenas, ainda como quase todos fazem, a propsito das regies imediatamente vizinhas, mas tambm, o que muitas vezes esquecido, no caso de sociedades mais distantes, separadas daquelas que estudam pelas condies polticas ou pela nacionalidade. Ousarei acrescentar: no apenas manuais generalistas mas tambm, se possvel, monografias pormenorizadas, de natureza semelhante s que pretendem elaborar: por via de regra, so singularmente mais vivas e mais ricas do que os grandes manuais. Nestas leituras encontraro eles elementos do seu questionrio e talvez hipteses orientadoras, prprias para conduzir a pesquisa at ao momento em que os progressos do trabalho aconselharem, pelo caminho fora, a rectificao ou o abandono. Aprendero a no ligar uma importncia excessiva s pseudos-causas locais; ao mesmo tempo, adquirem uma sensibilidade s diferenas especficas (Bloch, 1996a:143 e 4).

    Deste modo, o que Marc Bloch prope antes de tudo uma Histria Comparada Problema, uma histria que se constri em torno de problematizaes especficas, e no de curiosidades ou meras factualidades (Barros, 2007a:6). Neste sentido, duas condies so necessrias para que haja a comparao histrica: uma certa semelhana entre os dados observados o que evidente e uma certa dissemelhana entre os meios onde tiveram lugar (Bloch, 1996a:120), pois, sem este jogo dinmico entre semelhanas e diferenas no seria possvel falar em uma autntica Histria Comparada como bem salienta o historiador Jos DAssuno Barros. Sendo assim, o mtodo comparativo apresentado por Marc Bloch,

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    em seu artigo intitulado Para uma histria comparada das sociedades europias19, consiste em escolher

    em um ou vrios meios sociais diferentes, dois ou vrios fenmenos que parecem, primeira vista, apresentar certas analogias entre si, descrever as curvas de sua evoluo, encontrar as semelhanas e as diferenas e, na medida do possvel, explicitar umas e outras (Bloch, 1996a:120).

    Bloch distingue ainda dois tipos de comparao, que segundo ele, dependendo do campo de estudo h possiblidade de duas aplicaes totalmente diferentes do mtodo comparativo pelos seus princpios e resultados, que so: sociedades separadas no tempo e no espao e as sociedades vizinhas no tempo e no espao. O primeiro caso, como o prprio nome diz, trata-se da escolha de sociedades separadas no tempo e no espao por distancias tais que as analogias observadas de um lado e de outro, entre este ou aquele fenmeno, no possam, com toda a evidencia explicar-se por influencias mtuas ou por alguma comunidade de origens (Bloch, 1996a:121).

    Para exemplificar o primeiro caso, temos o artigo da historiadora Lara Mancuso intitulado A comparao no estudo da Histria da Amrica Latina, em que a autora alm de realizar uma resenha de alguns trabalhos sobre Amrica Latina que fizeram o uso do mtodo comparativo, cita tambm exemplos de sua anlise sobre irmandades de Ouro Preto no Brasil e dos Zacatecas no Mxico, ambas no sculo XVIII20. Neste artigo, a autora salienta que durante a realizao de sua pesquisa notou algumas coincidncias significativas entre o funcionamento destas irmandades, pois nos dois casos as confrarias dotavam a vida nessas localidades de certa estabilidade espacial e institucional, de alguma uniformidade cultural e de smbolos emblemticos de um iderio de riqueza (Mancuso, 2005:266 e 267). Deste modo, a comparao entre as irmandades de Ouro Preto e Zacatecas permitiu Mancuso verificar em que medida uma singularidade de fato to singular (Mancuso, 2005:267), pois ao contrast-las, a autora desmitificou supostas particularidades alm de perceber que diferentes realidades podem engendrar solues parecidas.

    19 Marc Bloch apresentou este artigo no VI Congresso Internacional de Cincias Histricas (na seo histria

    da Idade Mdia) celebrado em Oslo em 1928, sendo publicado depois na Revue de Synthse Historique. Para maiores detalhes consultar: Bloch, Marc. Histria e Historiadores. Textos reunidos por tienne Bloch. Traduo de Telma Costa. Editorial Teorema, LDA. 1996b. 20

    Para maiores detalhes sobre a pesquisa desenvolvida por Lara Mancuso, consultar: MANCUSO, Lara. A comparao no estudo da Histria da Amrica Latina. In: Revista Projeto Histria - Amricas, So Paulo, n 31, Dezembro, 2005.

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    Este tipo de comparao, segundo o historiador Carlos Alberto Ros Gordillo (2007), o mais difcil de exercer, pois h uma maior dificuldade em encontrar caractersticas similares e dessemelhantes ao mesmo tempo em sociedades distantes no tempo e no espao. Entre os riscos deste tipo de comparao esto os anacronismos, a leitura forada e a iluso sincrnica. Neste sentido, o anacronismo seria o transporte de um modelo vlido para uma poca ou espacialidade social para um outro contexto histrico onde o modelo no tenha sentido real, correspondendo apenas a uma fico estabelecida pelo prprio historiador (Barros, 2007b:11).

    J a leitura forada est na insistncia de ajustar as realidades examinadas a um modelo pr-estabelecido, ou ainda, eleger um caso de maneira indevida como um paradigma

    para avaliar por aproximao ou afastamento em relao a ele todos os demais (Barros, 2007b:18). E por fim, a iluso sincrnica de que todas as sociedades so comparveis e se encontram em estgios similares de desenvolvimento (como fossem unidades estticas no tempo), quando na verdade, cada sociedade tem seu dinamismo prprio no decurso de uma temporalidade (diacronia).

    A segunda forma de aplicao do mtodo comparativo corresponde ao estudo paralelo de sociedades a um tempo vizinhas e contemporneas, incessantemente influenciadas umas pelas outras, cujo desenvolvimento est submetido, precisamente por causa da sua proximidade e de seu sincronismo, ao das mesmas grandes causas e que remontam, pelo menos em parte, a uma origem comum (Bloch, 1996a:122).

    Como exemplo desta abordagem comparativa podemos citar a obra de Marc Bloch intitulada Os reis taumaturgos: o carter sobrenatural do poder rgio, Frana e Inglaterra21. Neste estudo, Bloch analisou comparativamente duas sociedades medievais que devido proximidade e sincronismo, guardavam entre si um problema comum: a crena popular no poder taumatrgico dos reis. Assim, ao romper com as causas exclusivamente locais destes pases, Bloch evidenciou duas cortes que se interinfluenciavam e se beneficiavam dos mesmos repertrios de representao taumatrgicas. Para ele, este tipo comparao apesar de ser mais limitado em seu horizonte tambm o mais rico cientificamente. Mais capaz de classificar com rigor (...) e chegar a concluses de facto muito menos hipotticas e muito mais precisas 22 (Bloch, 1996a:123).

    21 Nesta obra lanada em 1924, Marc Bloch procurava entender o poder do toque praticado pelos monarcas

    ingleses e franceses durante a Idade Mdia e at o sculo XVIII. Dizia a crena que os soberanos teriam o poder de curar os doentes de escrfulas, uma molstia de pele ento conhecida como mal dos reis (Bloch, 2002:9). 22

    Segundo as historiadoras Neyde Theml e Regina Maria da Cunha Bustamante, havia o receio de que a Histria Comparada pudesse resultar em uma abstrao excessiva pautada em uma postura de que tudo era

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    Para Mancuso este tipo de abordagem respeita a unicidade de cada lugar, pois evita os anacronismos e as generalizaes, e assim, torna as particularidades mais evidentes, na medida em que um caso atua como espcie de comentrio das idiossincrasias do outro (Mancuso, 2005:265). Sendo assim, a vantagem de se comparar sociedades prximas no tempo e espao est, de acordo com Jos DAssuno Barros, na possibilidade de questionar as falsas causas locais e, ao mesmo tempo, identificar no apenas as semelhanas, mas tambm as diferenas. Portanto, comparar em histria , segundo historiador Carlos Antonio Aguirre Rojas,

    projetar sempre uma nova luz sobre a realidade histrica estudada, detectando, muitas vezes, fenmenos, antes insignificantes, como essenciais. revelar traos, antes originais e nicos, como traos comuns e amplamente difundidos, ou transfigurar situaes e fatos, antes raros e exticos, em coisas perfeitamente explicveis e lgicas. (Rojas, 2004:73).

    O autor acrescenta ainda que, se comparar inventariar diferenas e semelhanas entre os distintos fenmenos histricos e buscar sua explicao, o objetivo da histria comparativa delimitar nitidamente os elementos gerais, comuns ou universais dos fatos, fenmenos e processos histricos, distinguindo-os em seus aspectos mais particulares, singulares ou individuais (Rojas, 2004:72).

    Neste sentido, a nossa pesquisa se insere na segunda tipologia do mtodo comparativo proposto por Marc Bloch, pois alm de serem sociedades vizinhas no tempo e no espao, as misses jesuticas dos Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas apresentam tambm uma certa semelhana e diferena entre suas organizaes espaciais urbanas. Escolhemos esta forma de comparar, dentre as vrias possibilidades existentes no campo da Historia Comparada23, porque foi a que mais se aproximou de nosso objetivo que saber em que

    passvel de comparao independentemente de tempo/espao, negando justamente o que era caro aos historiadores: privilegiar a singularidade, localizando as especificidades e diferenas, e indagar acerca dos fatores/elementos que as determinaram visando compreender a dinmica, o comportamento, as imbricaes entre os diferentes aspectos que moldam uma dada realidade sob observao. Em suma, preocupava-se com o compromisso em relao temporalidade essencial dos fenmenos socioculturais, matria-prima por excelncia do ofcio do historiador (Theml e Bustamante, 2007:5). 23

    De acordo com Jos DAssuno Barros (2007a), a partir da segunda metade do sculo XX, a Histria Comparada foi gradualmente assimilando novos objetos e ampliando sua escala de anlise (que vai desde micro at macro realidades) e sua abordagem (agora universalizadora, globalizadora, individualizadora e diferenciadora). Para ter uma noo das vrias possibilidades de se fazer Histria Comparada, consultar o plano de aula dos professores hngaros do departamento de Histria da Central European University, Jacek Kochanowicz, Constantin Iordachi e Victor Karady, intitulado Comparative Approaches to Historical Research. Disponvel em: http://history.ceu.hu/node/1752. Acesso em julho de 2011. Vale lembrar que alguns dos textos indicados pelos professores no plano de aula esto disponveis na internet para consulta. H outras fontes que discutem diversas formas de abordagem da Histria Comparada, consultar: HEINZ, Flavio M. Experincias

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    medida o projeto evangelizador empreendido pela Companhia de Jesus foi semelhante e diferente na organizao espacial dos planos urbanos destas quatro espacialidades missioneira.

    Portanto, para analisarmos quais elementos foram semelhantes e diferentes na organizao espacial das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas, e com isto, ter um parmetro organizativo do que pode e o que no pode ser comparado, o que e como observar, bem como, a maneira como os resultados observados sero tratados, que se faz necessria escolha das unidades de anlise a serem comparadas24. Para Mancuso e Magnus Mrner et al, no existe regras fixas para determinar quais unidades de anlise sero comparadas, afinal elas dependem dos objetivos e das hipteses que a pesquisa pretende responder. J Gordillo salienta que a seleo das unidades de anlise o passo mais difcil da comparao histrica, pois, implica em saber se elas so comparveis ou no, alm de identificar un critrio, escala o tipologa de comparacin (Gordillo, 2007:69).

    Sendo assim, o que vamos analisar comparativamente so as formas espacias que compem a estrutura urbana destas quatro espacialidades missioneiras (conforme abordarmos anteriormente). Agora, os elementos que sero analisados em nossa pesquisa so: o espao geogrfico, a organizao espacial indgena e o contexto colonial, afinal, eles contriburam tanto para o surgimento de diferenas como de semelhanas.

    Desta forma, estruturamos os dados de nossa pesquisa de maneira breve e inter-relacionados, para que assim, possamos demonstrar com maior clareza tanto as diferenas como as semelhanas entre as misses comparadas. J para evitar a justaposio de informaes (snteses que examinam vrios aspectos de uma determinada temtica como se fossem blocos em superposio), vamos dispor o elemento analisado de maneira que no decorrer da comparao seja possvel perceber se o que estamos comparando caracterstica de uma determinada misso ou se comum a todas elas, para ento, tentarmos na medida do possvel, explicar o porqu que tais semelhanas e diferenas ocorreram entre as espacialidades missioneiras. Pois como bem salienta o historiador Jrn Rsen,

    no basta pr diferentes histrias (...) juntas. Isso poderia fornecer um til e mesmo necessrio panorama do conhecimento disponvel at determinado momento, mas no se constitui em um tipo de comparao, uma vez que as diferentes acumulaes de conhecimento carecem de uma estrutura comum

    Nacionais, temas transversais: subsdios para uma histria comparada da Amrica Latina. So Leopoldo: Oikos, 2009. 24

    Para maiores detalhes sobre as unidades de comparao, consultar: SEWELL, William H. Marc Bloch and the logic of Comparative. History. History and theory, vol. 06, n 2, pp. 208-218, 1967.

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    de organizao cognitiva. Toda comparao precisa de um parmetro organizativo. Antes de olhar para os materiais (textos, tradies orais, imagens, rituais, monumentos, assim por diante) necessrio saber que campo de coisas deve ser levado em considerao e de que maneira as descobertas nesse campo devem ser comparadas. Trocando em midos: quais so as similaridades e onde esto as diferenas (...) (Rsen, 2008:116).

    Embora a comparao seja algo presente em nossas atividades cotidianas e inerente a quase todos os tipos de estudos, nem tudo o que se compara trata-se necessariamente de uma Histria Comparada. Segundo o historiador Magnus Mrner (1982:58), h um grande nmero de estudos que se auto-intitulam como anlise comparativa ou pesquisa comparativa, apesar de permanecer a justaposio de relatos descritos, no servindo assim, para uma autntica proposta analtica da Histria Comparada. Para exemplificar, temos dois estudos sobre misses jesuticas, que so: um da historiadora Paula Caleffi, intitulada La provncia jesutica del Paraguay: Guaranies y Chiquitos. Un analisis comparativo (1989/90), e outro dos historiadores Arno Alvarez Kern e Robert Jackson, intitulado Misses Coloniais: da Califrnia ao Prata (2006).

    No primeiro caso, a historiadora Paula Caleffi analisou separadamente as misses jesuticas dos Guarani e Chiquitos, por entender que estos slo pueden ser compreendidos como totalidade, ya que eran dos culturas etnicas distintas, con caractersticas prprias, que han sido sometidas a un processo de aculturacin (Caleffi, 1989/90:6). J para realizar a anlise comparativa destas misses a autora estruturou sua tese em trs partes; sendo que a primeira parte encontra-se composta por cinco captulos e a segunda parte por quatro captulos25, e a ltima parte, ficou destinada comparao dos captulos. Afinal, o seu objetivo ao comparar estas misses era o de saber at que ponto os procedimentos utilizados no processo de desestruturao das antigas culturas tnicas e a implantao de uma nova realidade gerada pelo processo missional pde ser similar nos dois casos, e, em que medida estas misses se diferenciavam e adaptaram s condies geogrficas em que cada etnia se encontrava. Entretanto, ao proceder desta maneira, a autora acabou por fazer no uma anlise comparativa como era a proposta de sua tese, mas sim, uma justaposio de informaes sobre estas misses jesuticas em dois blocos snteses. E mesmo na ltima parte destinada a

    25 Os temas abordados por Paula Caleffi em sua tese so respectivamente: as sociedades Guarani e Chiquitana

    antes do contato (captulo I de ambas as partes), a mudana de poder (captulo II de ambas), a organizao das redues Guarani e Chiquitana (captulo III de ambas), os contatos externos dos Guarani e Chiquitos (captulo IV de ambas), e o comportamento populacional dos Guarani (captulo V). J o comportamento populacional de Chiquitos foi abordado no captulo quatro junto com o item contatos externos desta misso. Para maiores detalhes consultar: CALEFFI, Paula. El trazado de las reducciones y la prctica ritual. In: La Provincia Jesutica del Paraguay: Guaranies y Chiquito. Un Anlisis Comparativo. Universidade Complutense. Faculdad de Geografia e Historia. 1989-90.

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    comparao no se pode dizer que h uma anlise comparativa propriamente dita, pois o que observamos foi mais uma retomada de contedo do que uma inter-relao entre os vrios aspectos examinados pela autora nas duas primeiras partes de sua tese.

    J no segundo caso, os historiadores Arno Alvarez Kern e Robert Jackson tinham por objetivo oferecer uma anlise comparativa das similitudes e diferenas no desenvolvimento das reducciones entre os Guarani e as misses do norte do Mxico colonial, e com isto, evidenciar a existncia de um modelo comum para a colonizao das fronteiras do imprio (Kern e Jackson, 2006:15). Para esta tarefa, os autores procuraram destacar o papel histrico destas misses jesuticas no mundo colonial, para ento, realizarem uma discusso sobre os sistemas construtivos e de urbanizao dos povoados, os padres

    demogrficos, as transformaes culturais e sociais, os fenmenos de resistncia e acomodao, e finalmente a gradual desintegrao desta extraordinria experincia histrica (Kern e Jackson, 2006:15).

    Apesar dos autores evocarem uma anlise comparativa para cumprir com o objetivo proposto, no h qualquer inter-relao entre os assuntos abordados no livro. Embora sejam sociedades prximas apenas no tempo, h a possibilidade de se realizar uma anlise comparativa sem com isto fazer uma superposio de informaes. Neste caso, a comparao ficou a cargo do leitor exercer por si s, j que o mesmo ter que realizar uma leitura completa do livro para ento saber quais foram as semelhanas e diferenas entre as misses jesuticas dos Guarani e as misses do Mxico colonial.

    Um exemplo de anlise comparativa que se encaixa, pelo menos em parte, dentro da proposta analtica da Histria Comparada, o artigo do historiador americano Robert Jackson intitulado Misses nas fronteiras da Amrica Espanhola: anlise comparativa26. Neste artigo, o autor analisou comparativamente duas sociedades prximas no tempo a fim de evidenciar a existncia de um sistema de misses que operou durante o perodo colonial espanhol, tanto na Amrica do Norte quanto na Amrica do Sul (Jackson, 2003:70). Para realizar esta anlise comparativa entre as misses jesuticas da Alta e Baixa Califrnia e do Texas com as misses jesuticas dos Guarani, Robert Jackson elegeu como unidade de anlise alguns elementos presentes na organizao espacial destas espacialidades missioneiras, tais como: demografia, economia, resistncia indgena, expulso jesutica e estrutura urbana. Mesmo que estas

    26 Mais detalhes sobre esta anlise comparativa desenvolvida entre as misses Guarani e da Alta e Baixa

    Califrnia e Texas, consultar: JACKSON, Robert. Misses nas fronteiras da Amrica Espanhola: anlise comparativa. Revista de Estudos Iberos Americanos, PUCRS, v. XXIX, n. 2, p. 51-76, dezembro de 2003.

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    espacialidades missioneiras no sejam sincrnicas no espao, h certas semelhanas e diferenas em suas organizaes espaciais urbanas.

    Como se pode observar h poucos estudos que se dedicam na rea de Histria a comparao entre as misses jesuticas27. Segundo Maria Lgia Coelho Prado, os historiadores tm uma certa dificuldade em aceitar a Histrica Comparada, pois segundo ela, isto se deve s incertezas sobre os procedimentos metodolgicos de tal abordagem e eficcia dos resultados (Prado, 2005:14)28. Afinal, havia um receio de que tudo seria passvel de comparao independentemente do tempo e do espao, negando desta maneira,

    o que era caro aos historiadores: privilegiar a singularidade, localizando as especificidades e diferenas, e indagar acerca dos fatores/elementos que as determinam visando compreender a dinmica, o comportamento, as imbricaes entre os diferentes aspectos que moldam uma dada realidade sob observao (Theml e Bustamante, 2007:5).

    Para Marc Bloch, o que a maioria dos historiadores quer um mtodo que seja um instrumento tcnico de uso corrente, malevel e susceptvel de resultados positivos (Bloch, 1996a: 120). Deste modo, a Histria Comparada alm de propor um desafio ao historiador, pois impe a ele a escolha de um recorte espao-temporal que o obriga a atravessar duas ou mais realidades distintas, demanda tambm cautela para evitar as falsas analogias e anacronismos. Neste sentido, a Histria Comparada antes de tudo uma possibilidade de se examinar sistematicamente como um mesmo problema atravessa duas ou mais realidades histrico-sociais distintas (Barros, 2007a:24), e no apenas uma superposio de informaes em blocos snteses ou a reduo da comparao histria das relaes entre pases como destaca o historiador Heinz-Gerhard Haupt (1998: 210 e 211).

    Sendo assim, o que ns propomos nesta pesquisa avanar para alm das breves comparaes (como j abordamos anteriormente) e das justaposies de informaes em blocos de snteses, para ento, demonstrar atravs de uma anlise comparativa, que as diversas formas do existir, produzidas por indgenas e jesutas nestas espacialidades

    27 Lara Mancuso e Magnus Morner et al, oferecem em seus artigos uma sntese das pesquisas acadmicas que se

    dedicaram a comparao na rea de Histria, para maiores detalhes consultar: MANCUSO, Lara. A comparao no estudo da Histria da Amrica Latina. In: Revista Projeto Histria - Amricas, So Paulo, n 31, Dezembro, 2005. MORNER, Magnus; FAWAZ DE VINUELA, Julia; FRENCH, John. Comparative approaches to Latin American History. In: Latin American Research Review, vol. 17, n3, 1982. 28

    Para maiores detalhes sobre os motivos pelos quais os historiadores resistem em aceitar a Histria Comparada, consultar: HAUPT, Heinz-Gerhard. O Lento surgimento de uma Histria Comparada. In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. (Orgs). Passados recompostos; campos e canteiros da histria. Traduo de Marcella Mortara; Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Editora FGV, 1998.

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    missioneiras, criaram como resultado desta relao com o espao habitado tanto diferenas quanto semelhanas.

    1.2 As formas do espao geogrfico

    Para realizar a anlise comparativa da organizao espacial dos planos urbanos das misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas, devemos segundo Arno Kern, examin-las em seus contextos especficos, mas sempre tendo em vista os aspectos mais gerais da longa durao (Kern, 1993:176). Tal procedimento evidencia, sobretudo, que este espao socialmente produzido no vivenciado e muito menos percebido da mesma forma pelos diversos grupos sociais que ali estavam presentes, pois cada grupo parece se encontrar em um momento diferente do tempo. Trata-se, portanto, nas palavras do gegrafo Milton Santos (2004), da coexistncia do novo e do antigo, aquilo que os historiadores denominam de a contemporaneidade do no contemporneo, como expressa o historiador e arquelogo Arno A. Kern (2002). Afinal, os contextos ambientais nos quais estes grupos indgenas estavam inseridos ao longo da Amrica Espanhola,

    (...) eram muito diversos, variando no apenas no que diz respeito ao relevo, mas igualmente quanto ao clima, flora e fauna. Nas alturas geladas dos Andes, nas imensas extenses da floresta equatorial amaznica, ou nas vastas paisagens cobertas de gramneas dos pampas, estes ambientes distintos exigiam dos grupos indgenas adaptaes culturais muito especficas (Kern, 2002: 01).

    Essa diversidade obrigou tambm os colonizadores europeus a repensar todas as suas concepes geopolticas, pois eram completamente diferentes do mbito geogrfico que conheciam, cujos limites eram dados pelo mediterrneo, onde montanhas e paisagens eram relativamente familiares e os homens do mediterrneo sentiam esta paisagem como uma medida de si mesmos, e em contraposio a esta configurao territorial, a Amrica era imensa, onde rios pareciam oceanos, e as rvores eram de uma altura inacreditvel (Meireles, 1997:189).

    E para analisar estas diversas formas do existir, produzidas por indgenas e jesutas nestes mais variados espaos geogrficos onde se instalaram as misses jesuticas Guarani, Chiquitos, Mojos e Maynas, que se torna necessria a reflexo do papel do espao enquanto

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    categoria de anlise do passado, conforme prope Artur Barcelos (2006). Assim, a utilizao de conceitos da rea da Geografia, tais como: espao, paisagem, espacialidade, organizao espacial, territrio e territorialidade, sero de fundamental importncia para sabermos em que medida esta relao com o espao habitado contribuiu para que fossem geradas semelhanas e diferenas entre estas espacialidades missioneiras.

    Neste sentido, o espao que nos interessa, segundo o gegrafo Milton Santos (1986), o espao humano ou social, que contm ou contido por todos esses mltiplos de espao. E este deve ser entendido como uma prtica social e no como palco, espao absoluto, morto, inerte, um pano de fundo, fixo e esttico, onde o homem desenvolveu suas atividades e o explorou atravs da racionalidade instrumental (Fraga, 2006: 22). O espao assim entendido, no o ponto de partida (espao absoluto) nem o ponto de chegada (espao como produto social), e muito menos um instrumento poltico (ligado ao processo de reproduo da fora de trabalho atravs do consumo). E tambm no deve ser considerado como um produto da sociedade, pois, de acordo com o gegrafo Henri Lefbvre (1976 apud Corria, 2005:25), o espao mais do que isso, j que ele engloba esta concepo e a ultrapassa.

    Portanto, o espao deve ser percebido como uma realidade relacional, enquanto contedo indissocivel, no qual

    participam, de um lado, certo arranjo de objetos geogrficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento. O contedo (da sociedade) no independente da forma (os objetos geogrficos), e cada forma encerra uma frao do contedo. O espao, por conseguinte, isto: um conjunto de forma contendo cada qual fraes da sociedade em movimento. As formas, pois, tm um papel na realizao social (Santos, 1994: 21).

    Deste modo, o espao no apenas formado pelas coisas, objetos geogrficos, naturais ou artificiais que a natureza nos fornece, so tudo isso e mais a sociedade, pois cada frao da natureza abriga uma frao da sociedade atual. E uma sociedade s se torna concreta, segundo o gegrafo Roberto L. Corria (