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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

GÊNERO TEXTUAL FÁBULAS CONTEMPORÂNEAS DE MILLÔR FERNANDES

NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA

Autora: Márcia Favaretto (Professora PDE-2014)¹

Orientadora: Drª Aparecida de Fatima Peres (orientadora UEM)²

Resumo- O presente artigo descreve e apresenta reflexões sobre o projeto Gênero Textual

fábulas contemporâneas de Millôr Fernandes em ensino e aprendizagem de Língua

Portuguesa, elaborado no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), com o objetivo

de buscar práticas que tornem o processo de ensino e aprendizagem mais significativo. O

projeto, estruturado em forma de oficinas, objetivou mostrar ao educando formas de relacionar

os conteúdos das fábulas a sua prática do cotidiano, proporcionando o desenvolvimento de

leitura. Aplicada em uma turma de 1º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Parigot de

Souza- EFMP, município de Mandaguaçu PR, a proposta pedagógica, embasada na

concepção de linguagem bakhtiniana, envolveu práticas discursivas organizadas em oficinas

em torno de fábulas de Millôr Fernandes. Os resultados demonstraram que houve uma

interação maior entre aluno/língua/professor, comprovando assim a eficácia do trabalho com

gêneros textuais.

Palavras-chave: Fábulas de Millôr Fernandes. Interação. Proposta pedagógica.

1.Introdução

O presente artigo faz parte do trabalho desenvolvido no Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), realizado durante os anos de 2014-2015,

e traz a descrição e os resultados da implementação do projeto de intervenção

pedagógica intitulada “Gêneros textuais fábulas contemporâneas de Millôr

Fernandes em ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa”. A idealização

do projeto surgiu pela necessidade de encontrar metodologias que facilitem o

aprendizado da Língua Portuguesa, tendo em vista o contexto da escola

pública do estado do Paraná.

¹Professora da Rede Pública de Ensino do Paraná. Graduada em Letras pela Universidade Estadual de

Maringá. Especialização em Literatura pela FAFIMAN. Pesquisadora PDE – 2014- Maringá PR. E-mail

[email protected]

²Professora associada do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Maringá.

Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (2007). Mestre em Letras

pela Universidade Estadual de Londrina (2002). Graduada em Letras pela Universidade Estadual de

Maringá (1999). [email protected].

Quando se pensa no ensino de Língua Portuguesa, pensa-se nos

desafios da disciplina que são fundamentais nas práticas de leitura, escrita e

oralidade. Todavia nossa tarefa como professores é promover aprendizado da

leitura de textos, expressar opiniões e realizar uma produção escrita.

De acordo com Marisa Lopes (2002), parte das dificuldades da escrita

dá-se pela articulação dos temas, das situações de produção propostas e ainda

pela descaracterização do sujeito no uso da linguagem, que vê na escrita

somente o objetivo de tirar nota para passar de ano e cumprir uma tarefa dada

(LOPES ROSSI, 2002), não percebendo “o vinculo intrínseco existente entre a

utilização da linguagem e as atividades humanas” (FORIN, 2006,p.61).

Adicionam-se a estas dificuldades várias outras apontadas a diferentes

fatores de ordem social, econômica e cultural que englobam a educação no

Brasil, muito debatida em pesquisas pela mídia já há muito tempo. Portanto o

projeto de intervenção, neste estudo específico, propôs desenvolver um

trabalho em sala de aula com o gênero textual fábulas contemporâneas,

visando a desenvolver a leitura, e o envolvimento com propriedade da língua

de forma contextualizada. O foco está nos aspectos relacionado à formação da

identidade do sujeito/aluno, que age e interage no meio através do discurso,

por acreditarmos que esta dimensão interfere na forma como o aluno aprende

a língua materna.

Bakhtin afirma que “Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais

livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles

a nossa individualidade (onde é possível e necessário)” (Bakhtin, 1992,p.265).

Para tanto, é necessário atrelar a teoria à prática, ou seja, conhecer

como se processa a aprendizagem e o contexto no qual ela se forma. Por esse

pensamento, delineou-se o projeto de intervenção pedagógica descrito no

presente artigo, na tentativa de aproximar dos seus reais papéis os sujeitos

envolvidos na educação: o professor, cujo papel é ensinar; o aluno, que é

aprender; o sistema, que é garantir o direito de saber ao cidadão.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Leitura

Ao falarmos em ensino de leitura, primeiramente, temos que nos

conscientizar de que o ato de ler extrapola a leitura da linguagem escrita, pois

em nossas vidas lemos todo o tempo. Paulo Freire ( 2006. P.11) observa que

“a leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta

implica a continuidade da leitura daquele”. Portanto o ato de ler precisa ser

compreendido pelo aluno, pois cada ser lê o mundo a partir de suas vivências,

passa a ter suas reflexões por meio de sua própria existência humana.

A leitura é compreendida nas Diretrizes Curriculares Estaduais DCEs

(PARANÁ 2008, p.56) da seguinte forma:

Como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve

demandas sociais, históricas, políticas, econômicas,

pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o

indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos

prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as

várias vozes que o constituem.

O ensino de Língua Portuguesa, particularmente nas escolas públicas,

em muitos casos, ainda se limita à memorização de regras e de exercícios

gramaticais. No entanto, estudos apontam a necessidade de que tais práticas

sejam revistas e que sejam oportunizadas ao aluno condições para que ele

possa se desenvolver no uso efetivo dessa língua nas diversas esferas sociais.

Neste sentido, o trabalho com gêneros pode ser de grande valia se o

professor se dispuser a realizar uma interação prática entre o aluno e a sua

realidade social, pois, dessa forma, ele se sentirá motivado, interessado pelo

assunto a ser abordado, principalmente se o gênero em questão estiver bem

próximo do seu cotidiano.

É necessário que nos reportemos a uma breve discussão sobre o que

são gêneros, a sua função e as classificações que eles assumem, para que

possamos entender a importância de abordá-los em sala de aula. Para isso,

devemos considerar que a interação do homem com o outro e com o mundo

que o cerca se dá através da linguagem.

Tudo que falamos ou escrevemos é em função do “outro” e

isso se dá em forma de enunciados, que podem ser orais ou

escritos. Falamos ou escrevemos sempre buscando

compreensão e por isso damos a esses enunciados, [...]

características próprias como a escolha do estilo, do conteúdo

e a forma de construção composicional, a determinação dessas

especificidades na construção dos enunciados Bakhtin

denomina de “gêneros do discurso (MARINI 2010, p.12).

Conforme Bakhtin (2003 apud Marini, 2010, p. 12), o enunciado é a

“unidade real da comunicação discursiva” e, nesta perspectiva, como falantes e

receptores, podemos compreender melhor palavras e orações e, por meio de

nossa “memória discursiva”, reagimos a isso, de acordo com o que cremos

e/ou sentimos.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas

porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme

atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é

integrar o repertório do discurso, que cresce e se diferencia “a

medida que se desenvolve e se complexifica um determinado

campo (BAKHTIN, 2003, p. 262 apud MARINI, 2010, p.12).

Ainda com referência aos gêneros, Fiorin (2006, p.61, 62) afirma que

O gênero estabelece, pois, uma interconexão da linguagem

com a vida social. A linguagem penetra na vida por meio dos

enunciados concretos e, ao mesmo tempo, pelos enunciados a

vida se introduz na linguagem. Os gêneros estão sempre

vinculados a um domínio da atividade humana, refletindo suas

condições específicas e suas finalidades.

Constatamos, então, que, ao falarmos sobre os gêneros, estamos

tratando de algo dinâmico, rico, com variações infinitas, pois, como são

produzidos por ação humana, são inesgotáveis. Também Bakhtin, apud Fiorin

(2006, p.64) alerta-nos para o “[...] fato de que os gêneros são tipos

relativamente estáveis de enunciados”, portanto devemos levar em conta sua

historicidade, sua característica de sofrer mudanças contínuas.

Em se tratando da circulação dos gêneros nas diversas esferas sociais,

podemos encontrar diferentes repertórios relacionados a essas esferas, que

nos remetem à compreensão do gênero que estivermos trabalhando. Esses

repertórios podem mudar constantemente ou sofrer alteração quando

necessário, pois são flexíveis. Em consonância a esses pressupostos teóricos,

Bakhtin apud Fiorin (2006, p.65) menciona que, à medida que as atividades

das esferas de comunicação se evoluem, os gêneros adquirem novos

significados, se modificam, novos gêneros aparecem outros desaparecem,

diferenciando-se uns dos outros. Sobre este assunto, Fiorin (2006, p.67)

também observa que, “Com o aparecimento da Internet, novos gêneros

surgem: o chat, o blog, o e-mail, etc. A epopeia desaparece e dá lugar a novos

gêneros”. Tal afirmação reforça a ideia de que, conforme a evolução da

história, a linguagem vai sendo alterada em seu repertório, em sua estrutura

composicional e conteúdo temático, adquirindo novos sentidos.

Segundo Fiorin (2006, p. 70), um gênero pode modificar o outro, criando-

se uma relação de dependência um do outro, valendo-se do outro para mudar

sua estrutura e seu estilo de gênero. A título de ilustração, Fiorin (2006) nos dá

o exemplo da estrutura de uma receita, mas não sendo utilizados

necessariamente os ingredientes de um bolo, mas sim elementos sentimentais

para compor essa estrutura (ou esse texto). Agindo assim, teremos uma receita

diferente da tradicional, composta não de ingredientes, mas de sentimentos.

Temos, portanto, uma receita poética. Observamos, então, que os gêneros são

flexíveis (uns mais que os outros) e o texto pode hibridar-se, ganhar novos

significados, novos contextos, se assim o desejarmos (FIORIN, 2006, p. 70-72).

2.2 Leitura e intertextualidade

Quando pensamos em leitura, a ideia tradicional que primeiro vem à

nossa mente é a de decodificação das palavras e das questões relacionadas

aos problemas de alfabetização. No entanto, sabemos que a leitura é um

processo mais complexo, que vai além da mera decodificação das letras,

palavras ou frases. Ela envolve interpretação, atribuição de significados,

compreensão de mundo, leituras prévias, posto que não se considera apenas

ao texto, mas também a realidade, o mundo que nos cerca.

Partindo do pressuposto já citado de Paulo Freire, um grande defensor

da leitura, a intertextualidade acontece quando é possível elaborar ou acionar

outro texto na memória e para a construção de uma nova produção a partir de

um texto já existente. Dizemos assim a que eles conversam entre si, pois é

muito comum encontrarmos ecos ou referências de um texto em outro e a esta

relação que chamamos de intertextualidade.

Conforme afirma Bakhtin:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro,

senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da

interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra diálogo

num sentido mais amplo, isto é, não apenas como comunicação

em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda uma

comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (Bakhtin, 1995, p

123).

Toda vez que uma obra fizer menção a outra, acontece a

intertextualidade. Por isso, é importante para o aluno o conhecimento de

mundo, muitas leituras, um vasto saber prévio facilita a identificação e o

reconhecimento de quando há inter-relação entre os textos.

Millôr Fernandes entremeia de contribuições vindas das fábulas de

Esopo, na construção de suas fábulas. Provar essas afirmações é o nosso

trabalho. Este projeto terá como parte do trabalho uma sequência didática e

também um a análise intertextual das fábulas de Esopo e Millôr Fernandes .

A intertextualidade não é uma privilégio das produções literárias

modernas uma vez que aparece em todas as épocas, e a partir do século XIX,

ela adquire uma radicalidade sistemática na literatura.

Para demonstrar a intertextualidade, valhamo-nos dos textos de Esopo

e de Millôr Fernandes, principalmente as mais conhecidas, como “O lobo e o

cordeiro”, A cigarra e a formiga”.

2.3. As fábulas no ensino de Língua Portuguesa

Tomando exemplos extraídos das obras de Esopo e Millôr Fernandes,

este projeto pretende mostrar que a fábula se caracteriza por revelar situações

do dia a dia. O gênero textual fábula busca direcionar a atenção do leitor e

levá-lo a refletir sobre o que é discutido, objetivando ou não uma mudança de

comportamento.

Na contextualização da interação autor/leitor observada para os

fabulistas e para a produção de seus respectivos textos, percebemos algumas

diferenças entre Esopo e Millôr Fernandes. As posições sociais e os momentos

históricos são distintos e as épocas em que viveram são distantes

temporalmente. Também o meio em que as fábulas foram produzidas difere:

um oral, outro escrito. Com isso, a relação entre o autor/falante e o ouvinte, no

caso de Esopo, e o escritor e o leitor, no caso de Millôr Fernandes, são

diferentes: em uma há aproximação, interação face a face; em outra há o

afastamento, o texto é escrito sem que o autor conheça seu leitor; e vice-versa.

A existência de Esopo e, consequentemente, a produção de suas

fábulas são oriundas da Grécia, por volta dos séculos VI ou V a.C, conforme

destaca Souza (2003). Segundo consta nos documentos que trazem

informações sobre o fabulista, Esopo mantinha uma posição social

desfavorecida, marginalizada na sociedade, a de escravo. Essa posição,

talvez, tenha sido o que justamente lhe incentivou a escrever fábulas, visto que,

retomando Souza (2003), criticavam as imperfeições da sociedade de sua

época de maneira camuflada, “permitida”.

Devido às condições da época, em que o acesso à escrita era restrito,

mais ainda para um escravo, Esopo teria produzido e reproduzido suas fábulas

sempre oralmente. De acordo com Souza (2003) e Coelho (1984 e 1982),

somente cerca de duzentos anos após sua morte, as fábulas a ele atribuídas

foram registradas na escrita.

Pelo fato de ser proferida oralmente, a fábula esopiana se caracteriza

como uma interação informal. Mesmo após transcrita, constitui-se, de certa

forma, em uma conversa com seus leitores, mediadora por recomendações,

aconselhamentos, censuras, entre outros.

Suas fábulas se dirigiam não a crianças, como se pode pensar, mas

seus receptores eram o povo em geral, principalmente os adultos,

alfabetizados ou não, já que eram orais. Por meio de histórias fantásticas,

Esopo manifestava suas críticas e aplausos às virtudes do homem,

principalmente do homem do povo, o qual era não apenas seu simples ouvinte,

como também sua principal fonte de inspiração. Da observação de

comportamento e atitudes, o fabulista buscava ensinar valores ao povo e

moralizá-lo.

Justamente do povo, dentre aqueles que, supostamente, estariam em

situação semelhante à sua sócio-economicamente, veio a punição de Esopo

em decorrência de suas fábulas. Como destaca Smolka (1995), foi após ter

chamado de preguiçosa a população de Delfos é que fora morta, vítima de uma

armadilha arquitetada por pessoas que se sentiram incomodadas com a

qualificação.

Millôr Fernandes, por sua vez, vem à existência cerca de 20 séculos

depois de Esopo, já na segunda década do século XX d.C, no Estado do Rio

de Janeiro, Brasil.Escritor desde os 14 anos, a partir dos anos sessenta,

começa a produzir fábulas. No período em que se instala a ditadura militar

brasileira, o autor busca na fábula um recurso para fantasiar seu repúdio a

esse regime.

Da posição social de escritor de diferentes gêneros e jornalista de

personalidades extremamente crítica, como observam Oliveira & Lucena (2006)

e Coleone (2008), recontextualiza a fábula clássica à sua época. Utiliza-se da

estrutura fantástica e alegórica da fábula para dizer aquilo que, de outra forma,

não poderia dizer.

Desse modo, dirigi-se a leitores, especialmente adultos, perspicazes o

suficiente para apreender os significados expressos em seus trocadilhos, suas

ironias, sátiras e paródias, como aponta Theodoro (2006). Utiliza a fábula ora

como instrumento de denúncia e protesto contra o regime autoritário que se

impunha, ora para pôr em cena o homem “real”, cheio de defeitos e fraquezas.

Diferentemente de Esopo, Millôr tem seu foco não no povo, mas nos

poderosos, nos comportamentos e nas atitudes daqueles que se destacam no

contexto sócio econômico e político brasileiro. Essa sua perseguição linguística

aos que detinham o poder, na época da ditadura, trouxe-lhe severas

consequências, como a prisão e o exílio.

Além disso, Millôr Fernandes acrescenta à fábula clássica a ironia e o

humor. No entanto, há algo entre os dois fabulistas que os aproximam: o uso

da fábula como recurso de crítica e denúncia social e para dizer o que

gostariam sem, propriamente, tê-lo dito. Metaforicamente, com o uso de

alegorias, por meio de situações e palavras, a fábula revela nas entrelinhas o

que o autor deseja dizer. Com isso se esquiva de possíveis censuras e

punições ou, ao menos, as ameniza.

Na época de Esopo, como comenta Agatias, citado por Souza (2003),

recomendava-se a força em vez da persuasão; na época de Millôr Fernandes,

reforça Souza (2009), a lei da imprensa, oriunda da opressão militar, proibia

toda e qualquer manifestação contrária à Ditadura. No entanto, nos dois casos,

a palavra conseguiu sobreviver e surtir efeitos por um bom tempo, de modo

mais marcante em Millôr Fernandes. Nos textos desse autor, a palavra se faz

sempre presente como recurso para enganar o outro, ora para tirar vantagem

sobre ele, ora como meio de defesa e sobrevivência.

Com relação às configurações contextuais dos fabulistas em questão,

Esopo e Millôr Fernandes em momentos históricos diferentes, nas fábulas,

apresentam acontecimentos, situações e ações do dia a dia protagonizados, na

maioria das vezes, por animais e que aludem a eventos e valores humanos.

Fazem referência à injustiça, à dominação, à falsidade, à esperteza, à

inteligência, à ganância, enfim, às fraquezas, aos vícios e às virtudes do ser

humano nas sociedades clássica e moderna globalizada de modo especial dos

poderosos.

Nos textos de Esopo e de Millôr Fernandes, os animais racionalizados e

as pessoas dialogam entre si, manifestando opiniões, comportamentos,

propósitos por meio distintos. No texto de Millôr os personagens e suas

atitudes são colocadas, muitas vezes, ironicamente, ridicularizando e

menosprezando determinados modelos, modo de agir e crenças.

3.Metodogia

Após a realização de estudos sobre gêneros, estruturou-se o projeto

“Gênero textual fábulas contemporâneas no ensino e na aprendizagem de

Língua Portuguesa” com desenvolvimento de práticas de leitura organizadas

em oficinas, em torno das fábulas de Millôr Fernandes. As fábulas apresentam

uma grande força atrativa nos alunos e permitem ampliar o leque de opções de

gêneros discursivos que poderão facilitar a inserção do aprendiz com os mais

variados gêneros.

O objetivo central da proposta é obter interesse maior do educando,

tornando o processo de ensino e de aprendizagem em Língua Portuguesa mais

significativo.

O projeto foi desenvolvido no Colégio Estadual Parigot de Souza-EFMP,

na cidade de Mandaguaçu-NRE Maringá PR, em uma turma de 1º ano do

Ensino Médio, período matutino, com 39 alunos matriculados.

As ações do projeto foram planejadas para serem executadas durante

os meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2015.

3.1. A implementação

No primeiro momento começamos apresentando a proposta do projeto

de implementação para a equipe pedagógica do Colégio Estadual Parigot de

Souza, que tem como tema “Os gêneros textuais fábulas contemporâneas no

ensino e na aprendizagem de Língua Portuguesa”. Tecemos comentários sobre

o projeto que seria implementado no 1º ano do ensino médio, mostramos que é

um projeto relevante para nossa formação e capacitação pessoal, como

também atribuímos a ele mudanças para ações futuras e melhoria da

aprendizagem dos alunos, pois existe a necessidade de estimular o educando

para o hábito da prática da leitura e que tem se observado no ensino público a

falta de interesse nesta prática. Apontamos a necessidade de envolver o

educando para esse hábito, a fim de que a escola possa alcançar um dos seus

maiores objetivos que é o de formar leitores críticos socialmente, interagindo na

sociedade em que vive.

Ao apresentarmos o projeto, falamos que é um desafio a articulação

entre teoria e prática entre o pensar e fazer algo, há uma grande distância que,

no entanto, pode ser vencida sabendo do desafio e estamos prontos para

enfrentá-lo. Também foi dito que vamos construir estratégias entre a teoria e a

prática apresentando no projeto, que serão caracterizadas por oficinas.

Observamos ao apresentar o projeto que a equipe pedagógica

demonstrou interesse e nos motivou dizendo que estariam sempre prontos a

colaborar. Diante disso a pedagoga da escola ficou encarregada de

acompanhar o projeto assessorando no que fosse necessário.

Começamos, no primeiro encontro, a apresentação da proposta para os

alunos, salientando que participariam de um trabalho diferenciado de ensino de

Língua Portuguesa, que teria a duração de 32 aulas e que o projeto seria

dividido em três oficinas: a primeira desenvolvida em onze aulas, a segunda

com duração de treze aulas e a terceira com oito aulas. O material didático foi

apresentado para os alunos em forma de apostilas e distribuídas para uso das

aulas de português. Ao terem contato com o material pôde-se perceber que

ficaram atraídos pela diversidade de atividades contidas nele. Foram

explanados os objetivos, a metodologia e o desenvolvimento do projeto, para

que a turma percebesse sua finalidade e se conscientizasse da importância de

cada um para um resultado satisfatório.

Nos primeiro encontros, fizemos um estudo da vida e das obras do

escritor Millôr Fernandes, tecemos comentários da importância de seu trabalho

literário como também o aspecto social que ele aborda. Passamos um vídeo de

uma entrevista com o escrito. No final como atividade foi feita uma pesquisa

sobre Millôr Fernandes e suas principais obras; essa atividade teve a duração

de duas aulas.

Para as duas aulas seguintes, foi apresentado o gênero fábula,

relembrando que se caracteriza por ser um texto curto de conteúdo moral, no

qual predominam como personagens os animais que surgem manifestando

atitudes e comportamentos humanos . Antes de apresentar a leitura das

fábulas foi feito um diagnóstico para verificar o conhecimento dos alunos em

relação ao gênero fábula. Buscamos com os alunos a sua definição, como

também questionários para ser respondidos individualmente.

Apresentamos a fábula de Esopo “A cigarra e a formiga”, foram feitas

reflexões sobre o texto, como também o contexto temático, a construção

composicional, as marcas linguístico-enunciativas. Nesta mesma aula foram

distribuídas para cada grupo, composta de quatro alunos, três fábulas

diferentes, as quais ilustraram a moral de cada fábula. Os grupos trocaram os

textos entre si, identificando cada uma delas com as ilustrações, até que todos

tivessem lido todas as fábulas e identificado sua moral. A atividade teve como

propósito a familiarização da linguagem, além de ampliar seu repertorio, que

teve a duração de quatro aulas.

Para as três aulas seguintes, os alunos foram orientados para a

pesquisa na biblioteca ou na internet, a respeito do gênero em estudo como:

conceito, origem, características e estrutura das principais fábulas de Millôr

Fernandes. Os alunos apresentaram suas pesquisas e socializaram com os

colegas, apontando a importância do gênero fábula como cultura oral e popular

das fábulas de Millôr.

Fechamos então a primeira oficina do projeto com a participação positiva

dos alunos .

Na segunda oficina apresentamos o texto sobre paródia e paráfrase,

identificando no discurso de Millôr a presença da paródia como também a

compreensão do que esta implícito como o humor , a crítica e a denúncia em

suas fábulas, teve a duração de duas aulas.

Foram apresentadas aos alunos como objeto de estudo a fábula “A

raposa e as uvas” de Esopo e Millôr Fernandes, onde foram comparadas as

duas através de questionários sobre as ações, reação dos personagens como

também sua moral, a duração foram duas aulas.

Para o estudo das fábulas de Millôr foi escolhida “A cigarra e a formiga”,

foi realizada a interpretação da fábula como o contexto de produção, o

conteúdo temático, sua construção composicional, as marcas linguísticas, com

a duração de três aulas.

Nas aulas seguintes elaboramos um quadro para análise de dez fábulas

de Millôr, abordando as técnicas humorísticas presentes nas fábulas, a ironia,

categoria metafórica, inferências, contradições, conhecimento previ,

neologismos, jogo de palavras, que teve a duração de quatro aulas.

Após a realização desta atividade foram divididos os alunos em duplas,

para a realização dos vídeos ou slides produzidos pelos alunos, onde

escolheram para o trabalho uma fábula de Millôr que foram realizados em duas

aulas. Os alunos tiveram acesso à tecnologia, os que entendiam mais sobre

produções de vídeos e slides se colocaram a disposição para auxiliar os

colegas com pouco conhecimento de informática. Houve a interação dos

alunos, atenderam os desafios da proposta do trabalho, como também o

compromisso nas realizações das tarefas. Tiveram iniciativas na busca de

soluções para os entraves encontrados como também o cumprimento do

cronograma para a execução das ações proposta, o resultado alcançado foi

excelente.

Na terceira oficina para finalização do trabalho foram criados os vídeos e

os slides, que somaram no total de oito aulas e as apresentações das

atividades.

4. Considerações finais

Sabendo da necessidade de repensar o ensino de língua portuguesa na

escola pública e encontrar caminhos para que a aprendizagem seja absorvida,

discutimos e explanamos neste trabalho uma pedagogia voltada para os

gêneros textuais como processo de ensino aprendizagem de língua

portuguesa.

Conscientes de que nossas propostas estão longe de solucionar os

problemas e fórmulas milagrosas, apresentamos reflexões sobre os problemas

que existem no ensino de língua portuguesa e como o ensino que envolvem os

Gêneros textuais podem colaborar para a aprendizagem significativa,

diminuindo a distância que há entre o ensino e o aprender.

Observamos que a escolha do gênero é de fundamental importância

para despertar no educando o interesse no estudo de língua portuguesa e que

o conhecimento do gênero, em especial as fábulas auxiliem na formação de

conceitos, que objetiva contribuir para o enfrentamento das defasagens que os

alunos apresentam, ajudando-os na superação das dificuldades de leitura e

escrita. Desta forma o envolvimento com a língua portuguesa torna-se

espontâneo e natural.

Embora tenhamos em mãos os livros didáticos para nos auxiliar no

processo de ensino, na prática estes carecem de atividades contextualizadas,

próximas à realidade do aluno. O que esperamos com esta proposta é que

possa suscitar ações que visem ao trabalho com práticas discursivas, sem

descuidar dos aspectos da língua materna, uma vez que estes tem tamanha

importância.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros discursivos. In: Estética da Criação Verbal. São

Paulo, Martins Fontes, 2000.

COLEONE, E. Millôr Fernandes: análise do estilo de um escritor sem estilo

através de suas fabulosas fábulas. Araraquara: UNESP, 2008. Dissertação

(Mestrado em Letras), Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2008, 63 p.

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

MARCUSHI, Luis Antônio. Gêneros textuais e ensino. In: Gêneros textuais e

ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

MARINI, M. Mediação e Reescrita – O Ensino e a Aprendizagem da Escrita no

Ensino Médio. (2010). Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola.

MENEGASSI, Renilson José. Compreensão e interpretação no processo de

leitura: noções básicas ao professor. Revista Unimar, Maringá, 1995.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa.

Secretaria de Estado da Educação Básica do Paraná, Departamento de

Educação Básica.Paraná, 2008.

SANT’ ANNA, Affonso Romano de. Paródia e Paráfrase. 6 ed. São Paulo:

Ática, 1998.

SOLÉ, Isabel. Estratégia de leitura. 6.ed. Porto Alegre: Artmed,1998.