os desafios da escola pÚblica paranaense na … · abordagem teórica e epistemológica voltou-se...

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Memórias dos Ilhéus de Porto Camargo, Rio Paraná (1984-2013):

cotidiano, trabalho e sala de aula.

Autora: Margot Ieda Cardoso Lucena1

Orientador: Jorge Pagliarini Junior2

Resumo: O presente artigo está estruturado em forma de relato de experiência e abrange a

trajetória de estudos e trabalhos desenvolvidos no Programa de Desenvolvimento Educacional

(PDE), entre os anos de 2013 a 2014. A proposta de Intervenção Pedagógica que aborda a

história de vida dos ex-moradores das ilhas pertencentes ao Parque Nacional de Ilha Grande,

realizada na Escola Estadual do Campo de Porto Camargo, com os alunos do 9º ano, descreve e

problematiza momentos significativos dos estudos, envolvendo o processo que vai desde a

produção do projeto até os resultados das atividades desenvolvidas em sala de aula. A

abordagem teórica e epistemológica voltou-se ao estudo de memórias e as metodologias

trabalhadas fundamentaram-se na produção do conhecimento histórico com base na preocupação

com a receptividade dos alunos. O texto destaca algumas dificuldades enfrentadas durante o

desenvolvimento do plano de trabalho e as metas e os objetivos atingidos. São também

apresentadas algumas alternativas de encaminhamentos metodológicos para suprir dificuldades e

lacunas no ensino de História.

Palavras-chave: Memórias dos ilhéus. Histórias de vida. Metodologias do ensino.

Introdução

Ao ter a oportunidade de participar do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE) e como parte desta formação, elaborar um plano de

intervenção pedagógica, almejei desenvolver um trabalho que não visasse

apenas a conclusão do curso, mas que também fosse prazeroso, que

despertasse a curiosidade e instigasse o espírito pesquisador dos alunos,

contribuindo para o acervo histórico da região praticamente desprovida de

1 Graduação: História e Especialização: Interdisciplinaridade da Educação Básica.

2 Professor efetivo do curso de História da UNESPAR/ FECILCAM.

trabalhos históricos. A partir destes objetivos lidamos com a história de vida das

pessoas que viviam nas ilhas próximas ao Porto Camargo e que hoje estão

residindo no distrito. Assim, um trabalho de memórias norteou todos os momentos

do trabalho apresentados a seguir.

Esse texto está estruturado em forma de relato de experiência e divide-se

em três linhas de problematização. Na primeira, apresentamos o programa PDE

partindo de nosso envolvimento, retomando questões que englobam o processo

desde a construção do projeto com ênfase no significado da prática pedagógica

desenvolvida até então em Porto Camargo e o respectivo cuidado com a

produção do conhecimento histórico. Na sequência, expomos um histórico do

município e as memórias do período correspondente ao recorte da pesquisa, que

vai do início dos anos de 1980 até os dias atuais, debate resultante de pesquisa

bibliográfica e de entrevistas produzidas com moradores, nas quais sobressai o

contraponto entre os “tempos da simplicidade”, da dificuldade decorrente da falta

de estrutura e a vida atual, muito ligada à atividade turística. Finalmente, na

terceira preocupação do texto, trazemos exemplos das atividades produzidas e os

resultados alcançados com a pesquisa.

O projeto PDE

Desde o início, estávamos cientes que nos encontrávamos diante de um

grande desafio. Para obter êxito na execução da proposta precisaria da

participação dos alunos, tornando-os integrantes da equipe de pesquisa.

Destacamos que esse aspecto foi um grande “facilitador” para o estudo

produzido, pois a identificação dos alunos envolvidos diretamente com o tema,

auxiliou e estimulou sua participação, ampliando os vínculos com a história da

localidade, possibilitando assim uma identidade sociocultural diante da

compreensão das alternativas de transformações das práticas vividas no local

onde a escola está inserida.

No princípio das atividades houve uma turbulência de ideias e anseios.

Lembrava-me de todos os personagens marcantes da localidade que haviam se

mudado e mesmo daqueles que já haviam findado a vida. Ora desejava pesquisar

e registrar décadas de histórias que ouvi e presenciei, ora avaliava que tal

proposta extrapolaria o período de execução do projeto. Sendo assim, destaco a

importância das orientações, com as quais organizamos, direcionamos e

delimitamos o período a ser pesquisado.

No percurso, nos deparamos com diversas pessoas detentoras de

inúmeras informações sobre o tema, prontamente disponíveis a colaborar na

pesquisa, fornecendo pistas das histórias de sua vida, contrapondo com a

realidade atual.

As atividades foram desenvolvidas na Escola Estadual do Campo de

Porto Camargo, localizada na área urbana, que oferece a segunda fase do

Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e atende alunos que são filhos de

pescadores, ribeirinhos, pequenos sitiantes e comerciantes, trabalhadores rurais

e acampados, sendo um ponto de referência para a localidade e adjacências,

contribuindo para a constante melhoria das condições educacionais da

população, visando assegurar aos alunos um ambiente criativo, inovador e de

respeito mútuo.

Nesta perspectiva, optamos por trabalhar com um grupo de quinze alunos

do 9º ano, sendo as atividades estruturadas nas seguintes etapas:

1) Aprofundamento teórico sobre o tema da pesquisa;

2) Estudo das metodologias selecionadas;

3) Apresentação da proposta para os professores, equipe pedagógica e

alunos da Escola Estadual do Campo de Porto Camargo;

4) Apresentação, discussão e adequação do projeto com os

professores da rede pública por meio do Grupo de Trabalho em Rede –

GTR;

5) Identificação de ex-moradores das ilhas que estavam residindo no

Porto Camargo;

6) Elaboração das questões que seriam levadas para os entrevistados;

7) Entrevistas com os ex-moradores das ilhas;

8) Transcrição das entrevistas;

9) Sistematização das informações obtidas com os entrevistados;

10) Pesquisa, seleção e reprodução das fotos antigas do período

delimitado;

11) Apresentação dos resultados parciais do trabalho para professores,

funcionários e moradores.

As atividades não foram realizadas linearmente e muitas ocorreram

simultaneamente.

Porto Camargo: a História Regional no ensino de História

Evidenciada nas Diretrizes Curriculares, abordamos a história local com

base em metodologias da História oral e fontes imagéticas, destacando

contribuições destes conhecimentos para o trabalho do educador no seu dia a

dia:

O estudo das histórias locais é uma opção metodológica que enriquece e inova a relação de conteúdos a serem abordados, além de promover a busca de produções historiográficas diversas. Segundo o historiador italiano Ivo Mattozzi (1998, p. 40), histórias locais permitem a investigação da região ou dos lugares onde os alunos vivem, mas também das histórias de outras regiões ou cidades (PARANÁ, 2008, p. 71).

Diante da realidade na qual nos encontrávamos, buscamos valorizar a

cultura local, envolvendo os alunos no processo, baseando na realidade

existente. Situações contempladas no Projeto Político Pedagógico da escola e no

Plano de Trabalho Docente, ocorrendo eventualmente, tendo outra visão após a

oportunidade de participação no PDE, quando foram elaboradas e planejadas de

maneira sistemática.

Por meio desta argumentação dialogamos com histórias de vida de ex-

moradores das ilhas, que atualmente residem no distrito de Porto Camargo,

município de Icaraíma-PR, localizado à margem esquerda do Rio Paraná,

situado dentro da área de preservação ambiental do Parque Nacional de Ilha

Grande (PNIG). Nosso recorte se deteve ao momento anterior a sua construção

até os dias atuais, possibilitando com isso a interpretação de momentos

históricos pouco lembrado pelos alunos.

A população de Porto Camargo, em 2010, era de 1.191 habitantes,

segundo o site Conexão Emancipacionista (2014) - situação bem diferente das

décadas de 70 e 80 - em que, conforme relatos de moradores havia um número

mais elevado. A localidade é composta por ribeirinhos, pescadores, pequenos

sitiantes e comerciantes.

Grande parte das informações preliminares deste trabalho, relatadas na

sequência, foram ouvidas de experiências familiares, outras surgiram de

conversas com algumas pessoas que moraram nas ilhas ou que tiveram contato

com os ilhéus e também por meio das leituras realizadas.

As preocupações com a História Regional dialogaram com o conhecimento

advindo dos ensinamentos históricos da história nacional e estadual, mas não se

limitaram à defesa de modelos políticos e econômicos, numa abordagem próxima

à de Martins (2010).

Nestas atividades o ensino da História pautado na oralidade tem papel

fundamental, pois, torna possível o diálogo entre o passado e presente,

intermediando a história local, regional e mundial, possibilitando ao educando

entrar em contato com a multidisciplinaridade, a construção e apropriação do

conhecimento, permitindo a compreensão da consciência histórica, sem a qual

não poderíamos entender quem somos. De acordo com Rüsen, citado nas DCE:

[...] a consciência histórica se caracteriza pela percepção das experiências do passado dos seres humanos, investigado por historiadores ou por professores de história e seus alunos, e realiza-se por interpretações feitas no presente à luz de uma expectativa de futuro (RÜSEN apud PARANÀ, 2008, p. 61).

Em relação à produção da compreensão da história e suas possibilidades

para a formação de uma identidade histórica partindo do nível local, Raphael

Samuel dá a sua contribuição enfatizando:

A História local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Ele a encontra dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos (SAMUEL, 1990, p. 220).

A história é construída a todo o momento, a cada gesto articulado por cada

um de nós, somos sujeitos atuantes e não meros figurantes, considerados

história viva. Também fazem parte da história as lembranças, memórias e

imaginação de períodos vividos, que nos transportam a situações

experimentadas diretamente ou pertencente ao outro, nos ajudando a reconstruir

o passado, contribuindo para o conhecimento e fornecendo respostas a

determinadas indagações que se fazem no presente, recuperando e valorizando

as memórias preservadas sem alterar sua singularidade tanto do passado como

do presente, permitindo novas possibilidades. Segue-se com uma breve síntese

da História política da localidade.

Em 30 de setembro de 1997, por meio de um decreto, foi criado o Parque

Nacional de Ilha Grande (PNIG), como medida compensatória para minimizar os

impactos ocasionados pela submersão das Sete Quedas, no município de

Guaíra-PR, causada pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do

Iguaçu. No interior Parque Nacional de Ilha Grande, nas proximidades do Porto

Camargo, está localizado o Complexo de Pontes Luís Eduardo Magalhães que

liga os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, sendo o maior da América

Latina. No Decreto consta:

Art 1° Fica criado o Parque Nacional de lha Grande, abrangendo as Ilhas Grande, Peruzzi, do Pavão e Bandeirantes, e todas as demais ilhas e ilhotas situadas desde o Reservatório de Itaipu e a foz do Rio Piquiri até a foz dos Rios Amambai e Ivaí, as áreas de várzea e planícies de inundação, situadas às margens do Rio Paraná, as águas lacustres e lagunares e seu entorno e o Paredão das Araras (BRASIL, 1997, p. 1).

O Parque Nacional de Ilha Grande está localizado na área de confluência

entre os estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul e, de acordo com

seu Plano de Manejo:

[...] possui uma área aproximada de 78.875,00 ha, que é abrangida pelos municípios de Guaíra, com 5,72% correspondente a área do referido Parque, São Jorge do Patrocínio, com 20,16%, Altônia, com 17,59%, Vila Alta, com 29,56%, Icaraíma, com 1,90%, Querência do Norte, com 0,13%, e Terra Roxa, com 0,35% no estado do Paraná, e Mundo Novo, com 7,43%, Eldorado, com 3,47%, Itaquiraí, com 3,78% e Naviraí, com 9,91%, no estado de Mato Grosso do Sul. Segundo o mesmo documento, está exatamente

entre as coordenadas 23º18’ a 24º05’S e 53º41’ a 54º16’W, na região sul da planície de inundação do alto rio Paraná (SCHNEIDER, 2009, p. 26).

Parte do Parque Nacional de Ilha Grande (área norte) localiza-se no

distrito de Porto Camargo, no município de Icaraíma, como mostra a imagem a

seguir:

Imagem 1- Parque Nacional de Ilha Grande e Municípios do entorno.

Fonte: Arquivo do Escritório do Parque Nacional de Ilha Grande, Guaíra-PR/2008.

Após a criação do Parque, os pecuaristas e ilhéus tiveram que sair e

retirar seus animais das ilhas, o que gerou casos de resistências (em especial

por parte de alguns ilhéus), que só o fizeram mediante ordem judicial (Ministério

Público Federal - Ação Civil Pública Nº 98.50.11503-3/PR).

De acordo com relatos dos ilhéus e moradores, os mesmos não tiveram

conhecimento prévio da importância e significado da sua criação, tudo veio de

cima para baixo, sem o envolvimento dos moradores ou esclarecimentos por

parte de órgãos competentes que justificassem o porquê de não poderem

permanecer, sendo praticamente obrigados a deixarem o espaço físico em que

viviam e do qual retiravam seu sustento. Segundo Cardoso e Lima:

A ausência de discussões que orientassem a comunidade local na etapa de desapropriação, explicando o que estava acontecendo e porque não poderiam ficar, resultou em um quadro de incompreensão daquele processo: a exclusão do espaço físico em que viviam e trabalhavam, basicamente com atividades de extração e “roça”, por exigência de um decreto. A avaliação, muitas vezes negativa, sobre a fundação do parque por parte da população local se deve principalmente a forma como isso ocorreu. Os moradores não participaram e não foram informados do que estava ocorrendo por nenhum órgão competente (2010, p. 2).

Situação similar é descrita por Rudy Vencatto (2010) que, na sua pesquisa

de mestrado, trabalhou com as memórias dos desapropriados do Parque

Nacional do Iguaçu, apresentando a mesma preocupação em relação à

migração e às metodologias desenvolvidas.

Nas memórias: a simplicidade, as adversidades de ontem e as

cobranças atuais do turismo

Ex-moradores das ilhas relatam que, quando ainda residiam nas ilhas -

década de 1980 - levavam uma vida simples: “A minha vida na ilha era uma vida

simples, mas muito boa, nós plantava de tudo, tinha milho, feijão, arroz, criava

porco, tinha duas vaca de leite” (ALMEIDA; MARIN, 2009, p. 5). Esta

simplicidade foi evocada pelas pessoas com as quais conversamos. Destacam

que dependiam basicamente da pesca para subsistência e do comércio daquilo

que plantavam e colhiam, interferindo na fauna e flora local somente como um

meio de sobrevivência, conforme destacado por Campos e Agostinho: “essas

comunidades viviam de pequenas plantações para o seu sustento e da pesca, a

qual servia como mercadoria de troca. Os ilhéus viviam praticamente integrados

à natureza, retirando dela somente seu sustento” (CAMPOS; AGOSTINHO,

1997, p. 651). Tinham sua moradia e forma de vida peculiar e só saíam por

extrema necessidade, em caso de doenças (em algumas situações, até mesmo

o parto era realizado na própria residência, com o auxílio de parteira) ou

forçados por enchentes causadas pelas águas de chuva em excesso que

adentravam suas habitações, quase ficando submersas.

Uma das leituras percebidas em nosso trabalho, referente a esse período

que antecede a criação do Parque remete a um convívio harmônico. Os ilhéus

viviam quase de forma coletiva, na divisão de carnes de animais abatidos, com a

vizinhança (ALMEIDA, 2009, p. 4).

Se a vida simples é constantemente referenciada tanto pela bibliografia

existente quanto pelas memórias dos ex-moradores das ilhas, as dificuldades

das cheias também são lembradas. Elas ainda ocorrem, mas hoje a estrutura da

sede do distrito facilita a vida dos moradores. Os entrevistados lembram que

antes, geralmente eram pegos de surpresa com as cheias, pois não tinham

nenhuma informação antecipada sobre a possibilidade de enchentes. Para se

deslocarem, na maioria das vezes, recebiam o apoio de amigos e parentes e

eventualmente, de pessoas da Prefeitura e Defesa Civil. Juntamente com seus

filhos, abandonavam suas residências e plantações, seguindo em busca de

abrigo em um “porto seguro” (casa de parentes, um amigo, escola, barracão da

igreja, ou barracos feitos de lona). Nestes lugares, permaneciam angustiados

aguardando o nível do rio voltar ao estado considerado normal. Estes períodos

de espera para retomarem às suas rotinas duravam semanas e até meses.

Era comum a cheia ocorrer uma vez a cada ano, geralmente nos meses

finais e se estender aos três primeiros meses do ano seguinte, causando aos

moradores uma sensação de tristeza, angústia e insegurança, pois aquilo que

sonharam, conquistaram e construíram, as águas levavam e ao mesmo tempo,

precisavam buscar forças para recomeçar. Nesse trajeto de idas e vindas, foram

percebendo que precisavam encontrar diferente forma de vida, tinham que ter

sua casa na cidade e foram se afastando. Outros permaneceram, por não ter

outra oportunidade de mudança ou por considerarem ser aquele lugar o

escolhido para viver.

No final de 1982 ocorreu um fato marcante na memória dos moradores

locais envolvendo os acontecimentos decorrentes de uma das maiores

enchentes já registradas, a qual durou cerca de seis meses. Desta vez, muitos

moradores que buscaram novamente refúgio não retornaram, abandonando

aquela vida, mas permanecendo com os títulos das propriedades concedidos

pelo governo. Nestes momentos de abandono das ilhas, alguns pecuaristas

invadiram o espaço dos ilhéus com seus animais, transformando drasticamente

a paisagem com a prática de queimadas em grandes extensões para a formação

de pastagens.

Com as cobranças advindas da administração do Parque, atualmente suas

margens são visitadas pelos pescadores amadores e profissionais, onde

montam livremente seus acampamentos para a prática da pesca. Sendo

proibidos, tanto para pescadores amadores ou profissionais, capturar peixes de

tamanhos inferiores ao estabelecido por lei, pescar em período de defeso, em

locais como lagoas, valas e foz de rios. Ao pescador amador é permitido

capturar, por dia, até dez quilos mais um exemplar de qualquer espécie, dentro

da medida estabelecida (BRASIL, 2008).

Antes da mobilização em torno da construção do Parque os pescadores

não possuíam carteira profissional, nem para fins de aposentadoria. As primeiras

carteiras de pescador surgiram após o ano de 1982, com a criação da Colônia

de Pescadores, em Guaíra. Grande parte daqueles que saíam das ilhas naquela

época se tornavam pescadores por não ter outra opção, outros praticavam a

agricultura, eram diaristas em sítios e fazendas próximas, trabalhavam em olaria,

extração de areia ou realizavam outras atividades. Em 2014, a Colônia de

Pescadores de Porto Camargo, denominada Z 18, possui aproximadamente cem

pescadores cadastrados e com registro na carteira profissional. Esses

associados têm seus direitos garantidos por lei e durante o período da piracema

(em que os peixes sobem o rio para a desova, entre os meses de novembro a

fevereiro), recebem do governo federal o seguro desemprego.

É importante destacar que, por meio do convívio na localidade,

percebemos que muitos desses profissionais, devido a dificuldades nos períodos

de chuvas e frio, do emprego de serviço braçal necessário para puxar as cordas

de espinhel do fundo do rio e principalmente, devido à escassez dos peixes, não

exercem somente essa profissão e buscam outros meios para complementar a

renda familiar.

Antigos moradores relatam que entre as décadas 70 e 80 o local era muito

movimentado, com um número superior de moradores permanentes.

Diferentemente de hoje, quando a população flutuante aumentou, mas a fixa foi

reduzida. A localidade recebe vários turistas que buscam as águas dos rios, a

pesca amadora, o lazer, o descanso, a prainha e o Paredão das Araras. Afinal,

trata-se de um lugar com belezas naturais e encantadoras. Com isso, direcionou-

se um olhar especial, uma preocupação do poder público e de moradores, em

relação às melhorias de infraestrutura para acolher esses visitantes, tais como

hotel, pousadas, restaurantes e barcos de passeios. Anualmente é realizada a

tradicional Festa de Pesca ao Pacu que atrai os apaixonados pela pesca e lazer

de diversas regiões do país (em 2014, aconteceu a 23ª edição deste evento).

A interpretação histórica destas transformações, ocorridas há pouco mais

de uma década, puderam ser interpretada epistemologicamente pela atenção

àquilo que Candäu denominou de “memórias fracas” e “memórias fortes”

(CANDÄU, 2011. P. 44-45). Se a memória dos pescadores e dos pequenos

agricultores ao narrarem sua trajetória recorriam aos discursos consagrados no

próprio ensino de História, o do ideal de progresso, desenvolvimento urbano,

econômico e agrícola, ou seja, memórias fortes, novos tipos, as memórias

fracas, emergem com as práticas de preservação do Parque e com o turismo.

Partindo dessas informações, atentos às formas de resistência e dos

limites do ideal comunitário, sem com isso negar o apego de muitos moradores

às práticas cotidianas de Porto Camargo, como a do turismo, buscou-se,

juntamente com os alunos, a coleta de dados e produção de materiais. Nesta

atividade, o olhar às coisas simples, como do processo de funcionamento da

atividade pesqueira, aos problemas enfrentados pelos pescadores e as

diferenças entre a vida nas ilhas com a atual contribuíram para a discussão

sobre identidades. Por meio das lembranças de pescadores e ex-moradores das

ilhas fomos reconstruindo algumas histórias da localidade.

Apresentação das metodologias: Relembrando nossa história, partindo das

memórias

No mundo em que estamos vivendo, com tantas inovações e tecnologias,

as crianças e jovens pouco se preocupam com certas leituras do passado e

muitas vezes, pensam que a história de vida das pessoas foi sempre assim.

Uma maneira de problematizar os processos históricos está na ressignificação

da história por meio da oralidade que é uma forma democrática de registrar o

olhar de cada um. Foi baseado nesta postura que buscamos desmistificar a

história apresentada em alguns livros didáticos, consideradas como verdades

inquestionáveis e que, muitas vezes, negavam a participação de pessoas

comuns na construção do processo histórico. Uma história de dominantes e de

heróis baseada numa tradição da “história dos vencidos”. Para questionar este

silêncio da historiografia valorizou-se o cotidiano e experiências vividas,

conduzindo a produção do conhecimento histórico mediante o trabalho com

entrevistas e leituras de imagens fotográficas, possibilitando com isso as

ressignificações das narrativas histórica.

Paralelamente à implementação da Proposta Pedagógica ocorreu o Grupo

de Trabalho em Rede (GTR), no qual as discussões estabelecidas favoreceram e

indicaram novos rumos para a intervenção pedagógica desenvolvida na escola.

No grupo participaram professores de realidades diferentes, com os quais

compartilhamos o Projeto de Intervenção, a Produção Didático Pedagógica e os

resultados parciais da Implementação.

No primeiro momento, disponibilizamos o Projeto de Intervenção

Pedagógica para interação e trocas de conhecimentos com o grupo. Em seguida

foi apresentada a Produção Didático-Pedagógica, na qual oportunizamos a

socialização e desta forma, obtivemos as contribuições dos professores que

partilharam suas observações, concordando, avaliando e interagindo com os

colegas, ou refletindo sobre sua relevância para a realidade da escola pública.

Na terceira etapa foram expostas as Previsões das Ações do Projeto de

Intervenção na Escola, evidenciando sua aplicabilidade, avanços e desafios desta

fase, relatando experiências e resultados parciais observados e oportunizando

assim, a opinião do grupo sobre os efeitos apresentados.

Foram momentos de partilha, de trocas, de interação, que acrescentaram,

orientaram e colaboraram para direcionar o desenvolvimento das atividades de

maneira motivadora. Apesar deste processo se dar via ambiente virtual,

contamos com a percepção e força positiva do grupo relacionada ao projeto,

repercutindo significativamente para seu desenvolvimento.

Para iniciarmos o trabalho com narrativas de histórias de vida

apresentamos o projeto e as propostas metodológicas, disponibilizando aos

alunos um texto que abordou assuntos da localidade, como, por exemplo,

informações referentes à localização, forma de vida das pessoas que viviam nas

ilhas, as enchentes que ocorriam periodicamente, a criação do Parque Nacional

de Ilha Grande, as transformações que vem ocorrendo ao longo do tempo e as

perspectivas de mudanças, especificamente relacionadas ao advento do turismo

na região. Assim, ao realizar um paralelo do antes e depois desse período,

possibilitou-se a ocorrência de trocas de informações, de pontos de vista e

reflexões, instigando com isso a participação do aluno.

Na sequência, problematizamos o conceito de História Local por meio de

uma didática adequada, levantando questionamentos, como:

O que sabem sobre as pessoas que moravam nas ilhas?

Quais as principais atividades que os ilhéus desenvolviam (para subsistência e

lazer)?

O que já ouviram falar sobre as enchentes do Rio Paraná?

Por que praticamente já não existem moradores permanentes residindo nas

ilhas da nossa região?

O que sabem sobre o Parque Nacional de Ilha Grande?

O que os moradores do Porto faziam e fazem hoje em dia como meio de

sobrevivência?

O que você compreende pela palavra turismo?

Quais os pontos positivos e negativos do turismo em nossa localidade?

Quais mudanças vêm ocorrendo no distrito de Porto Camargo após a criação

do Parque Nacional de Ilha Grande e o desenvolvimento do turismo?

Tais indagações favoreceram aos alunos a reflexão sobre o local onde

moram, identificando pessoas que, em determinado período, viveram nas ilhas.

Logo, notaram que havia uma relação estreita daquela época com a atual e

muitos deles se identificaram com o contexto histórico apresentado, informando

que seus pais, avós ou parentes próximos residiram nas ilhas em certa época ou

que ainda mantêm atividades econômicas relacionadas, conforme podemos

perceber na fala da Aluna 1: “Meu avô, meu pai e minha mãe já moraram e

criaram animais na ilha” e confirmado pela Aluna 2: “Minha mãe, minha vó e

meus tios moravam na ilha e acharam muito interessante lembrar antigamente”.

Entrevista como fontes históricas: dialogando com ex-moradores das ilhas

Posteriormente, foi proposto o trabalho com entrevista, no qual são

relatadas as experiências pessoais, trazendo informações valiosas, propiciando

oportunidades para conhecer determinada realidade ou cultura, aproximando

fatos distantes, contribuindo para construção de identidade e formação da

cidadania. Recorrendo às entrevistas, as sensações são estimuladas gerando

imagens do passado para o momento atual, lançando vestígios pelo entrevistado,

partindo daquilo que vivenciou, podendo ocorrer com perguntas direcionadas,

sons (no caso uma música), um aroma ou mesmo um sabor, que estão

esquecidas na mente e quando “provocadas” fazem reviver determinadas

emoções boas ou ruins, incitando em certas situações o desejo de voltar no

tempo, ou simplesmente apagá-la definitivamente.

Sobre isso, Janaina Amado reforça as atividades com entrevistas,

ressaltando suas particularidades e possibilidades:

[...] entrevistas podem e devem ser utilizadas por historiadores como fontes de informação. Tratadas como qualquer documento histórico, submetidas a contraprovas e análises, fornecem pistas e informações preciosas, muitas inéditas, impossíveis de serem obtidas de outro modo. Pesquisas baseadas em fontes orais, publicadas nos últimos anos, têm demonstrado a importância das fontes orais para a reconstituição de acontecimentos do passado recente (AMADO, 1995, p. 134-135).

Sabendo que as pessoas, ao relatarem histórias de vida, não se prendem a

uma sequência - partem geralmente do tempo presente, num constante ir e vir - e

que, muitas vezes, suas memórias envolvem “fantasias”, pois dificilmente duas

narrativas de uma mesma história oral serão exatamente iguais, concordamos

com Janaina Amado quando afirma que: “Toda narrativa, no entanto, possui uma

dose, maior ou menor, de criação, invenção, fabulação, isto é: uma dose de

ficção” (AMADO, 1995, p. 134).

Sendo assim, as entrevistas foram realizadas respeitando crenças e

valores do indivíduo, com suas experiências e histórias de vida, produzindo

fontes históricas e consequentemente, a produção do conhecimento.

Para esta ação selecionamos e entramos em contato com alguns ex-

moradores das ilhas, informando e esclarecendo sobre os objetivos do trabalho,

convidando-os a ceder entrevistas (relatos de sua vida), que foram realizadas na

casa do entrevistado, com roteiros previamente elaborados, sendo os alunos

orientados sobre como proceder durante a interlocução. Além das entrevistas de

campo, realizamos entrevistas na sala de aula com alguns convidados que

residiram nas ilhas e praticavam a pesca, momento no qual puderam fazer

ressignificações das narrativas históricas, favorecendo um paralelo da rotina de

suas vidas de antes e após o surgimento do Parque Nacional de Ilha Grande.

Para que pudéssemos perceber a partir das entrevistas o processo de

mudanças e/ou permanências, dividimos e distribuímos as questões para que

todos tivessem oportunidade de participar, conforme referido pela Aluna 3, que

ao final relatou: “Visitamos pessoas que moravam nas ilhas, presenciaram

enchentes, até mesmo familiares nossos”, argumentado também pela Aluna 1:

“Saímos da sala de aula ou as pessoas vieram até nós e foi uma aula diferente”.

No momento da entrevista foi solicitado também que o entrevistado

contasse alguma história de pescador, pois comumente praticavam a pesca e

sempre tem “aquela história” que, por algum motivo, ficou gravada em sua

memória.

Após as entrevistas os alunos realizaram as transcrições, atividade

considerada “chata”, repetitiva, demorada e cansativa. Diziam que seria melhor

pedir que o entrevistado falasse bem devagar e que já fossem redigindo, sem as

gravações.

Foram propiciados momentos para que os alunos fizessem suas

considerações sobre os resultados, frisando o que mais lhes chamou atenção e

pontos em comum nas falas. Os estudantes enfatizaram os aspectos positivos

das enchentes para a pesca, as dificuldades encontradas durante a permanência

na ilha, os deslocamentos anuais que ocorriam e as principais atividades que os

ilhéus desenvolviam. Perceberam que os ilhéus se afastavam da ilha por extrema

necessidade, conforme evidenciado pela entrevistada Elza Candida de Mattos:

“Saía só quando ficava doente, ao contrário passava até o ano inteiro sem vir

para a cidade. Inclusive nem conhecia a cidade”. Os alunos também observaram

que, apesar das dificuldades encontradas no dia a dia de permanência na ilha

(enchentes, deslocamentos), as pessoas sentem saudades daquele período,

exemplificado por Ivanir Maria Martins Nascimento: “Naquela época, eu era feliz,

como falam, era feliz e não sabia”. Outros concluem que, se pudessem,

retornariam às ilhas, fato que podemos constatar em trechos do discurso de

Marinalva Garcia Leal: “Gostava muito... não sei explicar. Até hoje, se pudesse

voltar, eu voltava pra lá”.

Em alguns momentos foi possível perceber a emoção do entrevistado

quando reviveram o passado, por meio de palavras ditas ou até mesmo na "falta

delas", observadas em seu olhar.

Os alunos evidenciaram que não tinham se dado conta que essas histórias

estavam diretamente entrelaçadas às suas, quando questionados se em algum

momento se percebeeram no estudo produzido, a Aluna 1 respondeu: “Em todos

os momentos” e reafirmado pela Aluna 4: “É a história de minha família”.

Outra observação que nos chamou a atenção foi o fato dos alunos

desconhecerem que as enchentes possuíam aspectos positivos em determinadas

situações para a localidade. Até então, acreditavam que somente traziam

problemas, percebendo então que elas interferem positivamente na pesca e que

a escassez de determinadas espécies de peixes também está relacionada a sua

ausência, conforme verificadas nos fragmentos da entrevistada Mazília Lopes

Paiva: “Na pesca não influi nada de negativo. Só a questão da roça mesmo

[negativamente]” e reforçado por Paulo Sérgio Alves: “Hoje não tem mais

enchentes, tinha que ter enchentes pra aumentar o peixe, pra eles desovarem”.

A título de encaminhamento, as informações das narrativas foram

organizadas, resultando em produções de textos e vídeo, com os títulos:

“Histórias de vida” e “Histórias de pescador”. Nesta atividade, foi interessante o

posicionamento e atitudes dos alunos que, em algumas situações, interagiam

com os entrevistados, fizeram pontuações e relacionaram com a atualidade.

De forma equivocada, a princípio imaginamos que as entrevistas

realizadas por um grupo de estudantes, na residência do entrevistado, surtiriam

melhores efeitos se comparadas as produzidas na escola, mas, após as

experiências, percebemos que ambas as formas tiveram significados e

informações valiosas, sendo que as realizadas na sala de aula fluíram melhor em

relação ao tempo de duração, participação dos alunos e na emoção gerada nos

entrevistados em determinados momentos.

Percebendo nossa história por meio de fotografias

Prosseguindo as atividades, realizamos análise e preservação da memória

local, após recolhimento de fotografias antigas. Estas imagens foram comparadas

com as recentes, nos fornecendo pistas de uma história não verbal,

transportando-nos a momentos imemoriais, lembranças inesquecíveis a quem as

vivenciou ou não, possuindo uma expressividade estática. O entendimento e

posicionamento metodológico foram possíveis por meio do diálogo com autores

como Mauad:

[...] as fotografias guardam, na sua superfície sensível, a marca indefectível do passado que as produziu e consumiu. Um dia já foram memória presente, próxima àquelas que as possuíam, as guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças ou testemunhos (MAUAD,1996, p. 10).

De acordo com as Diretrizes Curriculares, as imagens podem ser avaliadas

para:

• Identificação: identificar o tema, a natureza da imagem, a

data, o autor, a função da imagem e o contexto; • Leitura: observar a construção da imagem – o

enquadramento, o ponto de vista, os planos. Distinguir os personagens, os lugares e outros elementos contidos na imagem; • Explicação: explicitar a atuação do autor de acordo com o

suporte e contexto de produção da imagem; • Interpretação: compreender a perspectiva da imagem, o

valor do testemunho sobre a época e os símbolos apresentados (Schmidt e Cainelli apud PARANÁ, 2008, p. 81-82).

As imagens fotográficas utilizadas como fontes históricas fornecem um

material riquíssimo de conhecimento quando analisadas com critérios adequados,

pois ao contrário podem transmitir conceitos distorcidos. Geralmente estão

repletas de informações, que vão além daquilo que os olhos podem ver, podendo

ser testemunha de determinados momentos, capazes de divertir, emocionar ou

comover. Neste diálogo com imagens não verbais - as fotografias - utilizadas hoje

em dia com frequência para perenizar momentos relevantes ou não, que

merecem ser eternizados:

Da mesma forma que seus antigos donos, o historiador entra em contato com este presente/passado, e o investe de sentido, um sentido diverso daquele dado pelos contemporâneos da imagem, mas próprio à problemática ser estudada. Aí reside a competência daquele que analisa imagens do passado: no problema proposto e na construção do objeto de estudo. A imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas (MAUAD, 1996, p. 10).

A fotografia é uma forma de expressar a subjetividade, reflete o interior

daquele que fotografa, sendo ela carregada de informação, visão e

intencionalidade. Está intimamente relacionada à vivência e experiências ao longo

da vida, o que justifica a diferença e diversidade dos registros fotográficos de um

mesmo lugar ou tema, o “olhar” de quem está com a câmera em mãos,

exemplificada também por Mauad: “[...] deve-se compreender a fotografia como

uma escolha efetuada em um conjunto de escolhas então possíveis (1996, p. 1)”.

É isso que torna o simples ato de fotografar tão interessante.

Concordando com essas leituras, as fotografias foram projetadas e

averiguadas pelos alunos, realizando observações e comparações. Analisamos

imagens fotográficas das enchentes que ocorriam com frequência, identificando o

local, período e acontecimento retratado, seus impactos para as pessoas que

viviam nas proximidades do rio e as dificuldades vividas, comparando com o

momento atual, exploramos imagens referente a prática da pesca, observando as

mudanças que vêm ocorrendo ao longo do tempo, destacando os diferentes tipos

de embarcações, por quem são comumente utilizadas e para qual finalidade, pois

temos no Porto Camargo duas categorias de pescadores: o profissional e o

amador/turista. A partir da leitura de imagem os alunos evidenciaram

comparativos relacionados à prática da pesca local, como por exemplo, o fato de

que o profissional usa as embarcações para a pesca (necessidade) e o amador

para o lazer.

Em seguida os alunos identificaram lugares e/ou atividades considerados

como referências na localidade, atividade que possibilitou traçar um outro

comparativo para avaliar até que ponto a propaganda turística influencia o olhar

do aluno, conforme destacado pelos estudantes, a ponte ser uma referência local,

verificado no relato da Aluna 1: “A ponte de Porto Camargo é uma referência pela

bela vista que nos proporciona aos fins de tarde, quando o sol se põe sobre ela,

refletindo nas águas do Rio Paraná”.

Imagem 2: Pôr do sol: Rio Paraná - Porto Camargo - 2014

Fonte: arquivo da própria autora

Posteriormente realizamos uma saída a campo, executando registros

fotográficos de locais ou atividades cotidianas, demonstradas na sequência:

Imagem 3: Embarcação utilizada por pescadores profissionais - 2014

Fonte: arquivo da própria autora

Imagem 4: Prainha de Porto Camargo - 2014

Fonte: arquivo da própria autora

Em nosso entendimento, assim com fizemos com a oralidade, a análise

imagética remete também à relação entre História e memória. Neste sentido

concordamos novamente com Janaina Amado:

A memória torna as experiências inteligíveis, conferindo-lhes significados. Ao trazer o passado até o presente, recria o passado, ao mesmo tempo que o projeta no futuro; graças a essa capacidade da memória de transitar livremente entre os diversos tempos, é que o passado se torna verdadeiramente passado, e o futuro, futuro (AMADO,1995, p. 132).

A memória pode ser esquecida quando não se dá o devido valor as

narrativas sejam elas orais, como as que constituem os relatos das pessoas com

mais experiência de vida e aos costumes, seja nas imagens registradas da forma

de organização da sociedade, não podendo ela ser moldada de acordo com

interesses individuais. Sendo rememorada a memória não corre o risco de ser

apagada. A visão dos alunos destacando pontos turísticos da localidade

evidenciam mais uma vez este olhar marcado pela lembrança, neste caso, uma

memória que se divide entre a processo cotidiano da pesca com as influências

das práticas atreladas ao turismo.

Essas ideias levam o educando à percepção da contribuição da oralidade e

documentos iconográficos como fontes históricas, compreendendo que essas

informações não se restringem somente a documentos escritos, pois muitas

vezes se encontram em sua própria casa, tendo o conteúdo histórico como

referência induzindo-os à apreensão do conhecimento. Se na atividade com

entrevistas os alunos despertaram curiosidade e refletiram sobre a proximidade

com outros ritmos de vida, no caso, o vivido na época que moravam nas ilhas, na

atividade de análise imagéticas relacionaram mais do seu cotidiano ligado ao

turismo.

Para concluir a apresentação destacamos que, na visão dos alunos, as

atividades anteriores favoreceram melhor entendimento das transformações

ocorridas, o que até o momento tinham somente em sua imaginação. Tiveram a

oportunidade de visualizar espaços totalmente modificados ao longo dos anos e

ao mesmo tempo, divertiram e admiraram, fazendo questionamentos, buscando

melhor compreensão das necessidades de mudanças dos espaços físicos,

apesar dos obstáculos encontrados no momento de arrecadá-las, pois as

pessoas mantêm as fotografias como verdadeiras relíquias, até mostram, mas as

guardam cuidadosamente. Quando solicitadas pelos alunos, tiveram algum receio

de emprestá-las. Diante de tal situação fez-se necessário minha intervenção,

reforçando o trabalho, responsabilizando-me junto com os alunos para sua

devolução.

Palestra e exposição dos resultados

Realizamos também outras atividades que contribuíram para a

contextualização do tema, localização espacial e histórica, como por exemplo, o

trabalho com o Google Earth, programa até então desconhecido por alguns

alunos. Nesta atividade considerada produtiva e atrativa, foram identificados

lugares de referências local e familiar, além do mapeamento das áreas

pertencentes ao PNIG. Ao término da atividade o Aluno 6, espontaneamente,

relatou e registrou que foi interessante a atividade, pois “na pesquisa com o

Google Earth, tivemos a sensação de estarmos pilotando um helicóptero”.

Uma das atividades foi organizada a partir de palestra, na qual contamos

com a presença de um biólogo (analista ambiental), representante do chefe do

Parque Nacional de Ilha Grande, cuja finalidade de sua fala foi a de

esclarecimento quanto à preservação da fauna e flora da região, destacando sua

importância enquanto área de proteção permanente, os impactos positivos e

negativos causados, principalmente para as pessoas que residiam e tinham

atividades econômicas ligadas às ilhas, expondo situações conflituosas que

ocorrem nesta área, como construções irregulares, abandono de lixo,

atropelamento da fauna silvestre, prática da apicultura e casos de queimadas. A

atividade contribuiu para um melhor entendimento de todo o processo de

implementação e gestão do espaço. Complementando a atividade, foi realizada

pesquisa na internet, registrando no caderno as principais informações.

Durante a implementação observamos as atitudes e comportamentos dos

alunos em cada atividade realizada. Todas tiveram suas particularidades, por

exemplo, o Google Earth, quando disseram que fizeram uma viagem

sobrevoando a região, o trabalho com as fotografias, que colaborou para análises

e comparações, mas o maior envolvimento se deu na realização das entrevistas.

Quando solicitados a relatarem sobre a atividade mais interessante, os alunos

também apontaram as entrevistas, justificada pela aluna 3, da forma seguinte:

“As entrevistas porque nos envolvemos com as pessoas, passamos a conhecer

mais sobre as ilhas”.

Simultaneamente, organizamos a exposição das atividades na página do

Blog da Escola (Porto Camargo, 2014), registrando cada atividade proposta,

relatando as principais informações relacionadas ao envolvimento, as

experiências, os registros fotográficos e textuais e opiniões dos alunos.

Desde o início do projeto tínhamos uma previsão do período para sua

execução e para atingí-lo, teríamos que desenvolver parte significativa das

atividades no contra turno (entrevistas, transcrições e organização do blog). O

trabalho no contra turno apresentou alguns imprevistos, principalmente por parte

da frequência dos alunos, relacionado a organização do tempo ou outros

compromissos. Resolvemos a situação solicitando para as atividades aqueles

que tivessem maior disponibilidade e interesse. No caso específico do blog,

geralmente as atividades foram organizadas e postadas no final de tarde, pós-

aulas, conforme disponibilidade do professor e do aluno.

Sob a orientação da professora de Arte, os alunos também fizeram a

apresentação da atividade intitulada “Relatos de experiência”, referente a todas

as entrevistas realizadas com ex-moradores das ilhas, salientando os pontos

relevantes de cada uma: os problemas enfrentados com as enchentes, as

maiores dificuldades, como se deslocavam, principais atividades praticadas,

pontos positivos e negativos apresentados pelos moradores em relação à saída

das ilhas, como definem sua vida naquele período, como foi o processo de

desapropriação da área pertencente ao Parque Nacional de Ilha Grande.

Finalizando, realizamos uma exposição pautada nas imagens fotográficas

antigas e atuais, fornecidas pelos alunos e moradores locais, intitulada: “Uma

viagem por nossa história” e dos textos produzidos, denominados: “Histórias de

vida” e exibição de vídeos com imagens capturadas pelos alunos, com o título: “O

lugar onde vivo” e “Histórias de pescador”. A exposição foi apresentada para as

turmas da escola, professores, equipe pedagógica, direção e convidados da

localidade.

Considerações finais

Trabalhar com História Local é desafiador, principalmente pelo fato desta

abordagem lidar, como em nosso caso, com a escassez de fontes. Também é

gratificante, pois apresenta uma riqueza de possibilidades de pesquisa e de

debate favorecendo a participação dos alunos como sujeitos ativos que recorrem

constantemente aos conhecimentos de “pessoas comuns” por meio de narrativas

produzidas na localidade, aproximando fatos aparentemente distantes e/ou

desconhecidos. Mais que estudar o passado a História possibilita a sua recriação,

não encontrado nos livros didáticos.

Com a realização das atividades, na interação com as fontes disponíveis:

“pessoas da localidade”, verdadeiros centros de informações e conhecimentos,

os alunos desmistificaram algumas ideias, consideradas como verdades até

então, percebendo a possibilidade do cidadão comum na construção da história,

favorecendo a valorização do cotidiano e de experiências vividas.

O trabalho contribuiu para que os alunos se percebessem como seres

participativos, atuantes, construtores da História, valorizando sua subjetividade

no processo de construção do conhecimento, tendo a percepção de que a

História é dinâmica, construída por cada um de nós, favorecendo a sua

compreensão e interesse pela disciplina, refletindo positivamente em sua

aprendizagem.

Os resultados apresentados ressaltam uma abertura para outras

pesquisas sobre a História Local e como mencionado anteriormente, temos

muitas histórias para contar. Até então, não tínhamos outra pesquisa realizada

direcionada sobre o tema da vida de ilhéus antes e após o construção do Parque,

preenchendo uma lacuna permitindo, inúmeras possibilidades. Sendo também

uma sugestão para professores que atuam na região margeada pelo Rio Paraná.

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